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AS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E O ESTIGMA: UMA ANÁLISE
A PARTIR DO FILME “O MILAGRE DE ANNE SULLIVAN”
Maria Goreth Ferreira Araújo - UEPB
Senyra Martins Cavalcanti – UEPB
RESUMO
O propósito desse trabalho é analisar o filme “O milagre de Anne Sullivan” (1962), do diretor
Arthur Penn. A obra relata a história de Helen Keller, uma menina que aos 19 meses de vida
adquire uma enfermidade que hoje é conhecida pela ciência como “escarlatina”. Em
decorrência da doença fica cega, surda e muda. Na análise fílmica serão considerados dois
planos a arquissemelhança e a alteridade. Destacamos esses dois planos por considerarmos de
maior relevância para a produção do artigo. Na trajetória do filme, a pequena Helen sofre
diversos tipos de preconceitos. Como exemplo, temos a cena em que o pai a chama de
“macaco”, referindo-se ao modo de imitação que a filha usa na tentativa de comunicar-se,
conceituado por Goffman (1988) como estigma. O filme será analisado também para fazer um
paralelo com as dificuldades de aprendizagem, posto que aborda um caso específico de uma
criança com necessidades educacionais especiais.
PALAVRAS-CHAVE: Imagem. Estigma. Necessidades especiais. Análise fílmica.
1 INTRODUÇÃO
Analisamos neste artigo o filme baseado em fatos reais “O milagre de Anne Sullivan”,
do diretor Arthur Penn (1962), a partir de uma articulação com as necessidades educacionais
especiais, fator gerador de estigma presente na trama, como também na vida real.
A metodologia utilizada parte da análise do filme em preto e branco datado no ano de
1962, tendo como protagonista Anne Bancroft no papel de Anne Sullivan.
Discriminar, julgar e excluir são representações de estigma que se tornam cada dia
mais agressivos e opressores de uma minoria “que não se encaixa” nos padrões ou modelos
pré-determinados pela sociedade. Dessa forma, recairá sobre o indivíduo estigmatizado todo
fardo da opressão e da impotência, uma vez que alguém que demonstra pertencer a uma
categoria com atributos “incomuns” ou “diferentes” é pouco aceito pelo grupo social que não
consegue lidar com o diferente, e, em situações extremas, o converte em uma pessoa má e
perigosa, que deixa de ser vista como pessoa na sua totalidade. Esse sujeito é estigmatizado
socialmente e anulado no contexto da produção técnica, científica e humana.
Helen keller, nascida no Alabama, teve grande destaque na luta pelos direitos de
pessoas portadoras de necessidades. Aos 19 meses de vida ficou cega, muda e surda devido a
uma doença conhecida cientificamente hoje como escarlatina. Na época, sua enfermidade foi
chamada de “febre cerebral”. Até os sete anos ela era desprovida de qualquer tipo de
linguagem. Somente com a chegada de Anne Sullivan, Hellen foi retirada do “isolamento”.
A garota vive num mundo sem som, sem escrita e sem luz, isso faz com que ela não tenha
conhecimento do mundo que a cerca, pois seus pais a veem como um ser digno de piedade.
Podemos perceber que por Hellen viver em uma sociedade preconceituosa, excludente que
acreditava que a pessoa com deficiência era um transtorno para a família, não lhe davam o
devido respeito como Ser humano.
2 A IMAGEM FÍLMICA NA SALA DE AULA
As novas tecnologias educacionais como computadores, cinemas, filmes, entre outras
mídias, são ferramentas de predominância audiovisual. Num mundo em constantes mudanças,
a evolução dos recursos tecnológicos e as consequentes transformações ocasionadas por elas,
na sociedade e na educação, desatualizam as informações diariamente.
Atualmente, a escola enquanto ambiente educacional de ensino vem se apropriando,
facilitando e disponibilizando condições favoráveis para o desenvolvimento do trabalho
pedagógico em sala de aula. O filme tem um papel preponderante, especial na ligação das
pessoas com o mundo, com diferentes realidades, enfocando diversas faces: tristeza, alegria,
informação e diversidade. As imagens são lúdicas e dinâmicas, impactam e até interagem com
crianças, jovens e adultos.
O uso das tecnologias na educação, dando realce ao filme, nos leva a refletir sobre as
novas formas de construção do conhecimento, desenvolvimento de atividades, múltiplas
linguagens e processos de construção de identidades.
3 “O MILAGRE DE ANNE SULLIVAN”
“O milagre de Anne Sullivan” é uma prova de como não estamos preparados para lidar
com a realidade de um indivíduo com determinadas limitações físicas. O filme é bastante
impactante ao mostrar as dificuldades em que se encontra o sujeito que é desprovido de
alguns atributos, assumindo uma posição isolada da sociedade ou de si mesmo e passa a ser
uma pessoa “desacreditada” e como consequência, passando a não aceitar a si própria.
A realidade não é bonita, como podemos ver retratada em algumas cenas marcantes a
exemplo da imagem 1, o reflexo de Helen em uma bola da árvore de natal, que logo depois se
despedaça no chão e a sequência que envolve uma batalha em uma sala de jantar que contém
apenas duas palavras, “good girl” pronunciadas por Anne Sullivan.
Imagem 1 – Reflexo de Helen em uma bola da árvore de natal
Enquanto educadores somos chamados a uma reflexão diante de cenas tão
provocantes. Por diversas vezes interagimos com os personagens, sentindo suas angústias e
aflições, fato denominado por Ranciére (2012) como “alteridade.”
A obra consegue tocar no mais íntimo dos expectadores/analistas e nos sensibiliza ao
extremo de tal forma que sofremos juntos com os personagens durante o desenvolvimento de
sua trama que a cada momento aumenta a tensão e a expectativa em relação ao
desenvolvimento da garota.
“O milagre de Anne Sullivan” permite-nos fazer algumas reflexões: é verdade que a
educação para alunos com necessidades educacionais especiais evoluiu ao longo dos anos, no
entanto, sem uma mudança de atitudes, poucas modificações acontecerão na vida de crianças
com determinadas limitações. A ignorância sobre a natureza e as causas da “deficiência”, a
invisibilidade das próprias crianças, a atitude de subestimar seu potencial e suas capacidades,
e outros empecilhos à igualdade de oportunidades e de tratamento conspiram, em conjunto,
para silenciar e estigmatizar crianças, jovens e adultos com certas necessidades.
Durante anos, Helen teve comportamento “selvagem” e indisciplinado. Através do
estímulo da comunicação pelos sentidos Anne Sullivan incentiva-a a utilizar o tato como o elo
entre Helen e o mundo, mediante: desenhar palavras na mão da menina a fim de que ela
compreenda a relação entre as palavras e seus significados.
Imagem 2 – Anne Sullivan e Helen Keller
A imagem 2 focaliza o início do relacionamento entre Helen e Anne Sullivan, sua
tutora, dando ênfase ao caminho que tomou para conseguir fazer a menina relacionar uma
palavra soletrada em sua mão, através do tato, instrumento que lhe auxiliara no processo de
desenvolvimento da garota.
Após alguns dias de trabalho efetivo Anne consegue avanços notáveis com a menina.
Vencida pela força, Helen não “apronta” mais, sua agressividade cedeu lugar a uma postura
mais dócil, uma espécie de pré-requisito para a continuidade do aprendizado. Porém, apesar
de todo o esforço, a pequena continuava se mostrando incapaz de compreender a lógica da
linguagem. Imitar os gestos de sua tutora ainda é apenas um ato mecânico, sem propósito ou
sentido. O problema é que seus pais interferem ameaçando todo o feito até então. A
professora num ato de desespero tenta um último “esforço pedagógico” repetindo
exaustivamente o procedimento dos sinais nas mãos da menina. Um esforço aparentemente
em vão.
A família de Helen inconsciente de suas ações de super proteger a filha, de forma que
a transformaram em uma garota indisciplinada e mimada, não imaginavam que uma criança
com tais limitações pudesse conquistar qualquer linguagem.
O filme engloba não somente a surdo-cegueira, mas também as dificuldades presentes
nos sujeitos portadores de necessidades especiais, os estigmas que são criados através destas,
a questão do preconceito, a falta de esclarecimento dos pais e, até mesmo, a falta de confiança
em uma pessoa com surdo-cegueira.
Para comunicar-se com Helen, Anne usa um método que faz com que a garota repouse
sua mão sobre seus lábios e sua garganta para que ela sinta a vibração do som, e da língua de
gestos que ela faz levando-a a tocar os objetos. Em seguida, sua expressão facial, a fim de que
a garota perceba através do toque o que sua tutora sente no momento, como mostra a imagem
3.
Imagem 3 – método de comunicação entre Anne Sullivan e Helen
Helen consegue compreender que aqueles movimentos em sua mão, que soletram W-
A-T-E-R (água) significam aquela coisa, aquele líquido que ela tão bem conhece, e que aquilo
é uma linguagem, e portanto, era necessário. É por isso que em outra cena do filme, a mãe
esclarece que a menina já sabia dizer “água” (pronunciava algo como “á-á”-“wha-wha”, em
inglês, water) antes da doença. A chave para solucionar o problema estava ali, na água,
escondida em um poço, no escuro, longe da luz e do som. Helen finalmente entende que o
sinal é algo quando Anne coloca sua mão na água e depois faz o sinal para que ela toque sua
mão, como nos mostra a imagem 4.
Imagem 4 – o toque na água
O filme nos remete ao conceito arquissemelhança, citado em Ranciére (2012), uma
vez que sabemos ser bastante comum encontrar em salas de aula crianças estigmatizadas por
suas limitações físicas ou de outra ordem: “É ainda a arquissemelhança que aparece na
insistência contemporânea em querer distinguir de seu simulacro a partir do modo mesmo de
sua produção material” (RANCIÉRE, 2012, p. 17).
Outra cena bastante impactante da obra ocorre quando Helen e Anne travam uma
verdadeira batalha em uma tentativa incansável de Anne em disciplinar sua aluna. Ela tenta
fazer com que a garota use prato e talheres em uma refeição. Neste contexto, observa-se uma
família que mima e super protege aquela criança tornando-a agressiva e bastante
indisciplinada. A cena acontece em uma sala de jantar, ambiente sempre escuro, e o final da
batalha apresenta um verdadeiro caos.
A indisciplina por muitas vezes pode ser entendida como um agravante para uma
pessoa portadora de necessidades especiais, visto que se sentirá “diferente” das demais
pessoas. Tal fato poderá favorecer para que a pessoa se veja como um “incapaz”, um
indivíduo ainda mais rebelde, buscando formas de chamar a atenção como ocorre no caso de
Helen, que ao tentar usar sua voz e seus olhos sentira-se desesperada.
Em mais uma das muitas cenas fortes do filme, o momento em que Anne tenta
comunicar-se e mostra-se incompreendida, o que chama mais atenção é o fato da garota tocar
os olhos de sua boneca e demonstrar felicidade ao perceber que a mesma tem olhos, fato
exposto na imagem 5.
Imagem 5 – A descoberta através do toque nos olhos da boneca
No desenrolar do drama percebe-se o quanto a garota é estigmatizada por ser
visivelmente limitada. Após uma breve conversa com Anne, o pai da menina fala uma frase
bastante forte, onde fica evidenciado o preconceito diante do fato de Helen usar repetições de
gestos para tentar uma comunicação. Este caso é tratado por Goffmam (2004) como estigma:
“É provável que, em situações sociais onde há um indivíduo cujo estigma conhecemos ou
percebemos, empreguemos categorizações inadequadas [...]” (GOFFMAM, 2004, p. 19). A
sociedade limita e delimita a capacidade de ação de um indivíduo estigmatizado, marcando-o
como “desacreditado” e determina os efeitos maléficos que pode representar. Quanto mais
visível for a marca, menos possibilidade tem o sujeito de reverter, nas suas inter-relações, a
imagem formada anteriormente pelo padrão desejado pela sociedade.
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
O filme “O milagre de Anne Sullivan” nos permite refletir acerca da responsabilidade
da família em relação à formação da criança, visto que, Helen sequer teve a atenção da sua
família, o que dificultou sua socialização. Sua educadora, mesmo sem capacitação suficiente
para educá-la, tomando para si toda responsabilidade, faz o papel tanto da família como o da
escola, embora saibamos que cabe à primeira a aprendizagem, enquanto que à segunda, a
formação.
Partindo das ações decorrentes no filme somos induzidos a nos questionar se a
sociedade realmente sabe o que significa “fazer inclusão”, se está preparada, se é consciente
de sua importância, se as escolas, mesmo com leis específicas, estão preparadas para a
inclusão. Para o sucesso das escolas inclusivas, a Declaração de Salamanca (1994) aponta que
é preciso preparar todo o pessoal educativo e preocupar-se em contratar professores com
algum tipo de “deficiência” com referência às crianças. Possivelmente tenha sido esse o ponta
pé inicial para o avanço que Anne Sullivan conseguiu, posto que durante sua infância teve
problemas visuais.
O processo de inclusão é muito polêmico, uma vez que não é apenas a escola que
aceitará os PNEE (Portadores de Necessidades Educacionais especiais), e sim toda uma
sociedade.
Anne foi persistente e ousada, pois teve a certeza de que Helen poderia aprender as
palavras, o que nos encoraja a enxergar o potencial presente em nossos alunos buscando ajuda
sempre que necessário, procurando envolver toda a equipe educacional e buscando meios para
levar a sociedade a entender e aceitar que somos todos diferentes, cada um com suas
particularidades, porém, com capacidade para aprender.
CONCLUSÃO
O filme “O milagre de Anne Sullivan” nos faz pensar sobre o papel da educação como
uma forma de interação humana entre o sujeito e o mundo.
Conclui-se que o filme é uma ficção sobre os limites do amor. Muitas vezes os pais
amam tanto, que ao “poupar” os filhos do sofrimento e da dor, acabam oferecendo uma
informação ambígua, que ao proteger em excesso levam-na a crer que é uma criança incapaz.
O filme analisado é apenas um referencial dos possíveis PNEE que encontraremos em
nossa jornada educacional, portanto, devemos está abertos e aptos para incluir cada vez mais
os sujeitos envolvidos na educação.
REFERÊNCIAS
VÍMEO. O milagre de Anne Sullivan. Direção: Arthur Penn. Produção: Fred Coe, United
Artists. EUA, 1962, 1h46min. Disponível em: <https://vimeo.com/24175264>. Acesso em: 21
out 2014.
SALAMANCA. Declaração e Enquadramento da Ação. Conferência Mundial sobre
Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade. Espanha, 07 a 10 de junho de 1994.
[on-line]. Disponível em: <http://www.unesco.org/education/educprog/files_pdf/framew_p
.pdf >. Acesso em: 16 nov 2014.
METZ, Christian. O dizer e o dito no cinema: o caso de um verossímil: In: A significação no
cinema. São Paulo: perspectiva, 2007. (Debates, 54) (p. 225-243).
FISHER, Rosa Maria Bueno. Mídia, estratégias de linguagens e produção de sujeitos. In:
VVAA. Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de janeiro: DP & A,
2001 (p. 75-88).
RANCIÉRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. (Coleção
Arte Físsil) (p. 9-14).
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed.
Rio de janeiro: Guanabara, 1988.