As Origens Dos Organoclorados No Branqueamento de Polpa Celulósica -1
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AS ORIGENS DOS ORGANOCLORADOS NO BRANQUEAMENTO DE
POLPA CELULÓSICA
1. INTRODUÇÃO
Polissacarídeos e lignina são os mais importantes constituintes da
madeira. São constituintes da parede celular e formam a base da estrutura
física da madeira. Quando a madeira é tratada para remoção de extrativos,
permanecem os polissacarídeos e a lignina. Os polissacarídeos incluem a
celulose e os polissacarídeos não-celulósicos (hemiceluloses).
A celulose é um polímero de cadeia longa composto de um
só monômero (glicose), classificado como polissacarídeo ou carboidrato, é um
dos principais constituintes das paredes celulares das plantas. Não é solúvel
em solventes orgânicos, água, ácidos e bases diluídos, a temperatura
ambiente. Sua estrutura é organizada e parcialmente cristalina, sendo formada
por ligações glicosídicas do tipo β(1-4) (COLODETTE, 2001).
A lignina é um polímero polifenólico ramificado e tridimensional sem
unidades repetidoras regulares e ordenadas como no caso da celulose. Sua
composição não é idêntica em todas as plantas.
A lignina forma um sistema que é totalmente amorfo e ligado
quimicamente as hemiceluloses. Não existe um consenso sobre sua estrutura,
no entanto existem diversos modelos que vêm sendo desenvolvidos e
aprimorados com base na caracterização de estruturas pertencentes à
molécula de lignina. A Figura 1 apresenta o modelo desenvolvido por Glasser
(apud COLODETTE, 2001). Do ponto de vista da reatividade, o grupo fenólico
livre e as unidades fenólicas fenil-propano são atacadas preferencialmente
(DENCE, REEVE, 1996)
Na madeira, a lignina é incolor ou de coloração clara tendendo ao bege,
no entanto, durante o processo de polpação química sofre reações e forma
grupos cromóforos, se tornando responsável por grande parte da cor
desenvolvida nas polpas.
A lignina não é simplesmente depositada entre os polissacarídeos da
parede secundária mas está intimamente associada à fração polissacarídica.
Além das ligações covalentes, existem pontes de hidrogênio formadas entre os
grupos de hidroxila e de carboxila das hemiceluloses e os grupos alcoólicos, de
hidroxila fenólica, de carbonila e de oxigênio eterificado da lignina
(COLODETTE, 2001; DENCE, REEVE, 1996).
Figura 1 - Modelo de lignina de Abeto.Fonte: Glasser, [s.d.] (apud COLODETTE, 2001)
Obviamente a alvura final de uma polpa é dependente do uso a que se
destina, no entanto, em muitos dos casos são exigidos polpas e papéis com
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altíssima pureza e alvura. Nesses casos é necessário que o processamento da
polpa inclua estágios de branqueamento. O branqueamento de polpas kraft
objetiva promover a remoção de substâncias cromóforas e leuco-cromóforas da
polpa, de forma a gerar produtos de alta alvura e de alvura estável, ou seja
com pouca reversão.
Após o processo de polpação Kraft, o conteúdo de lignina na polpa varia
de 5 – 10% em relação ao conteúdo inicial e geralmente não se consegue
redução maior que esta sem um custo muito grande em termos de perda de
rendimento.
Compostos a base de cloro, tais como hipoclorito, cloro gás e dióxido de
cloro foram muito utilizados no branqueamento de polpas químicas, atualmente
são raras as fábricas que ainda utilizam os dois primeiros, no entanto estágios
com dióxido de cloro são atualmente os processos mais empregados no
branqueamento de polpa kraft.
Pela utilização de compostos a base de cloro, principalmente o Cl2, o
branqueamento de polpas químicas se tornou um tema de grande preocupação
a partir dos anos 1980. As crescentes e alarmantes descobertas sobre a
formação e efeitos de organoclorados, coletivamente denominados de
Halogênios Orgânicos Adsorvíveis (AOX), no efluentes do branqueamento
geraram grande repercussão. Em particular, segundo Bajpai e Bajpai (1996), a
descoberta de dioxinas e furanos nos efluentes causou fortes reações. Riva e
Ribas (1996) explicam que poucas substâncias naturais possuem halogênios
em suas estruturas e, quando incorporados por organismos vivos, tais
compostos podem ser altamente tóxicos.
O cloro e compostos derivados dele, são os mais populares químicos de
branqueamento que reagem com a lignina residual presente na polpa,
degradando e dissolvendo-a, em parte como organoclorados. A cloração da
polpa resulta em um decréscimo no peso molecular da lignina o que faz com
que se torne mais facilmente dissolvível em água e em soluções alcalinas.
O branqueamento ECF (livre de cloro elementar) de celuloses
químicas é atualmente a tecnologia dominante no segmento de celulose
comercial de alta alvura. Venturim et al
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Ao serem enviados para os efluentes, tais compostos são fonte de
matéria orgânica (DBO, DQO, COT), cor e toxicidade aguda e crônica (BAJPAI,
BAJPAI, 1996; SUNTIO, SHIU e MACKAY, 1988).
As reações conhecidas entre o cloro e a lignina são substituição,
oxidação e adição (BAJPAI e BAJPAI, 1996).
Os objetivos deste trabalho são apresentar mecanismos de formação de
organoclorados citados em literatura e os princípios dos métodos de
determinação de organoclorados adsorvíveis em efluentes e polpa, assim como
o princípio da determinação de organoclorados extraíveis por solvente orgânico
(EOX).
2. REVISÃO DE LITERATURA
A polpação química kraft é capaz de remover mais do que 90% da
lignina originalmente existente na polpa, no entanto a partir de tal nível de
remoção, devido à dissolução de celulose e de hemiceluloses a perda em
rendimento do processo faz com que não seja viável, para a produção de
celulose, que continue-se com o processo.
O principal objetivo do branqueamento é promover o clareamento da
polpa celulósica, sem que aconteça grande degradação dos carboidratos da
polpa. O desafio é promover a remoção de substâncias cromóforas
preferencialmente de forma exclusiva. Dentre tais substâncias cromóforas,
podem ser destacados as ligninas modificadas no processo de cozimento.
Portanto o maior objetivo dos estágios de branqueamento é a fragmentação e
dissolução destes compostos a fim de que sejam removidos da polpa.
Compostos a base de cloro, tais como hipoclorito e cloro gás foram
exaustivamente utilizados como agentes branqueadores. Estes compostos
atuavam de forma a continuar a deslignificação promovida na polpação
química, no entanto, possuem maior seletividade pela lignina. O uso de Cl2 se
tornou preferido em comparação ao uso de hipoclorito por questões de custos
e por possuir maior seletividade.
Atualmente ambos os agentes de branqueamento citados encontram-se
praticamente em desuso, em consequência de preocupações com a formação
de organoclorados propiciada por tais agentes. No entanto estes reagentes
foram largamente substituídos pelo dióxido de cloro, um agente de
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branqueamento que forma em sua redução espécies cloradas, como o ácido
hipocloroso e o próprio cloro (Cl2), que por sua vez podem agir como agentes
de cloração da lignina, carboidratos e de extrativos, formando organoclorados
(GELLERSTEDT, et al. 1995).
2.1. REAÇÕES DA LIGNINA COM COMPOSTOS A BASE DE
CLORO
O dióxido de cloro é atualmente o composto a base de cloro mais
utilizado no branqueamento de polpas kraft no Brasil. O dióxido é considerado
um reagente seletivo por preservar os carboidratos da polpa, ou seja por
possuir altas taxas de reação com a lignina e baixas taxas de reação com
carboidratos, caso o pH do reator seja bem controlado. Por este motivo, as
reações dos subprodutos formados a partir do dióxido com ligninas são
consideradas as maiores fontes de organoclorados durante o branqueamento
de polpa celulósica.
Quando em contato com a polpa, ocorre uma decomposição do dióxido
de cloro com consequente formação de ácido hipocloroso que leva à formação
do íon hipoclorito e de cloro gás. Os compostos organoclorados são formados
através das reações de substituição aromática e adição e substituição em
cadeias laterais, a partir dos três subprodutos citados da aplicação de dióxido.
O dióxido de cloro é um oxidante que aceita cinco elétrons por molécula,
sendo reduzido a cloreto (Reação 1).
ClO2 + 5 e- + 4H+ ❑→ Cl- + 2H2O (1)
Quando usado em condições ácidas para deslignificação da polpa, o
dióxido de cloro é reduzido a ácido cloroso e ácido hipocloroso. Ácido cloroso
permanece em equilíbrio com o clorito, em função do pH do meio, mas é
essencialmente não reativo com a lignina. Em contrapartida, ácido hipocloroso
ou cloro elementar são produtos da redução do dióxido altamente reativos que
podem funcionar como agentes oxidante ou reagirem de forma a formar
organoclorados (KOLAR, et al. 1983).
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As espécies de compostos de cloro formados pela redução do dióxido
podem interagir entre si de várias formas, conforme apresentado na Figura 2
(DENCE; REEVE, 1996).
Figura 2 - Reações do dióxido de cloro com a polpa durante deslignificação e branqueamento. Adaptado de Dence e Reeve (1996, p. 264).
Reações do ácido hipocloroso com a lignina são majoritariamente
oxidativas, no entanto reações do cloro elementar envolvem oxidação,
substituição e adição. Todas essas reações contribuem direta ou indiretamente
para a quebra da lignina em fragmentos com tamanhos pequenos o suficiente
para que sejam solubilizados no filtrado do estágio ou na extração alcalina
subsequente (quando aplicável). Os últimos dois tipos de reações, adição e
substituição, levam a formação de organoclorados. Segundo Ni, Kubes e Van
Heiningen (1994) no estágio de dioxidação cerca de 90% da geração de
organoclorados se deve a reações envolvendo o ácido hipocloroso e a lignina.
Tais afirmações são condizentes com as observações feitas por Ni, Kubes e
Van Heiningen (1994) que constataram que a geração de AOX em efluentes de
branqueamento com dióxido de cloro são cinco vezes menores que por Cl2.
O dióxido de cloro é um agente eletrófilo, isto é tem afinidade por
elétrons (ácido de Lewis). Por isso ataca preferencialmente regiões da liginina
ricas em elétrons como anéis fenólicos e não fenólicos e grupos insaturados
conjugados a anéis (etilênicos conjugados a anéis). Assim as duas reações
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que ocorrem a partir da aplicação de dióxido de cloro à polpa são oxidação e
substituição aromática de átomos de cloro (DENCE; REEVE, 1996).
A Figura 3 apresenta as sequências de reações do dióxido com grupos
fenólicos da lignina. A reação inicial consiste da formação do radical fenoxi (IA)
e suas formas mesoméricas (IB e ID). O acoplamento destes radicais a outras
moléculas de dióxido de cloro leva à formação de ésteres de ácido cloroso (lIB-
lID). Na decomposição as últimas estruturas são convertidas para orto-
benzoquinonas ou catecóis, p-benzoquinonas e ácido mucônicos éster
metilados com liberação de ácido clorídrico ou ácido hipocloroso numa reação
de oxidação. A conversão do núcleo guaiacil para ácido mucônico éster
metilado e suas formas cíclicas (IIIBI) é uma importante reação de degradação
no branqueamento com dióxido de cloro porque leva a um aumento da
solubilidade em água e em álcali da lignina residual. Estruturas de ácido
mucônico ainda são alvo de mais reações de oxidação nas quais fragmentos
de ácidos dicarboxílicos são formados (DENCE; REEVE, 1996;
GELLERSTEDT, et al. 1995).
A demetilação oxidativa da lignina e de seus compostos, formando
incialmente estruturas derivadas da o-benzoquinona, pode passar por reações
de dimerização e polimerização retardando o efeito da deslignificação. Por
outro lado, a oxidação de degradação de estruturas o-quinonóides através do
ataque de íons clorito ou do próprio dióxido de cloro a grupos etilênicos no anel
da quinona deve promover degradação da lignina (DENCE; REEVE, 1996).
A formação de p-benzoquinonas (IICI) por meio da oxidação da lignina
com dióxido de cloro é restrita, devendo haver ligado ao anel grupos metanol e
por terem sido bastante reduzidos durante a polpação, de acordo com Dence e
Reeve (1996) esta é uma rota pouco provável.
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Figura 3 - Sequências das reações do dióxido de cloro com a lignina. Adaptado de: Dence e Reeve (1996, p. 134)
A oxidação da lignina por meio da reação com dióxido é acompanhada
de reações de cloração. Estas podem ser atribuídas à ação do ácido
hipocloroso, que está em equilíbrio com o cloro elementar, formado da redução
parcial do dióxido de cloro por matéria orgânica conforme ilustrado em IIB
(Figura 3). De acordo com Dence e Reeve (1996) e Gellerstedt, et al. (1995) a
taxa de substituição de cloro na estrutura da lignina é de aproximadamente um
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átomo por anel fenólico, taxa bastante inferior do que quando usado o Cl2
como agente de deslignificação. O que segundo Bajpai e Bajpai (1996) foi
essencial para início da substituição parcial e posteriormente completa do Cl2
por ClO2 com o objetivo de reduzir a formação de compostos clorados tóxicos
e/ou mutagênicos.
A taxa de reação do dióxido de cloro com anéis não fenólicas é bastante
inferior do que com anéis fenólicos. Dence e Reeve (1996) descrevem
detalhadamente as reações do dióxido de cloro com tais compostos.
Inicialmente são convertidos para as formas mesoméricas apresentadas
na Figura 4 (IA, IB e IC). Reações de adição entre dióxido de cloro e estes
radicais mesoméricos seguida pelo hidrólise dos ésteres clorados levam, em
ultima instância à formação de p-benzoquinona (IIIA) e ácido mucônido di-
ester. Deve ser notado estes que são os mesmo compostos formados na
reação entre dióxido de cloro e estruturas fenólicas.
Como apresentado anteriormente, reações de cloração dos compostos
orgânicos formados da oxidação da lignina podem ocorrer entre o ácido
hipocloroso, que está em equilíbrio com o cloro elementar, formado da redução
parcial do dióxido de cloro por matéria orgânica.
Novamente, em condições típicas de aplicação de ClO2, a taxa de
cloração destes compostos é bastante inferior à obtida quando o Cl2 era
utilizado como agente de branqueamento. Brage et al. (1991, apud Dence e
Reeve, 1996) se o anel já clorado for oxidado pelo dióxido de cloro haverá
formação de produtos derivados dos ácidos mucônicos.
Reações com anéis fenólicos são muito mais significativas quando em
comparação com reações do dióxido com anéis não fenólicos, o que segundo
Dence e Reeve (1996) implica que o dióxido de cloro, em condições de
branqueamento, reage quase que exclusivamente com grupos fenólicos da
lignina residual.
Além de anéis fenólicos e não fenólicos, sítios com potencial para
ataque eletrofílico do dióxido são as ligações pi das insaturações dos grupos
etilênicos ligados aos anéis aromáticos. O ataque inicial do dióxido de cloro às
ligações duplas leva a formação de um grupo epóxi (éter cíclico com três
átomos que formam um anel) e a eliminação do radical hipoclorito, como
mostrado na coluna da direita da Figura 5. As reações que se seguem são pH
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dependentes. A pH 2 ocorre hidrólise catalítica do anel e um di-álcool (IV) é
formado. A pH 6 o anel se mantém estável.
O radical hipoclorito liberado na epoxidação pode oxidar o dióxido de
cloro a clorato e ser reduzido a ácido hipocloroso ou cloro elementar. Tais
produtos podem, por meio de uma reação de adição junto ao grupo etileno,
formar um grupo clorohidrina que se oxidado leva a formação de um alfa-cloro-
cetona que além de serem indesejáveis ambientalmente, não possuem impacto
sobre a degradação da lignina (DENCE; REEVE, 1996).
Figura 4 - Sequências para reação de estruturas não fenólicas com o dióxido de cloro. Adaptado de Dence e Reeve (1996, p. 136)
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Figura 5 - Rotas de reação do dióxido de cloro com grupos etilênicos conjugados a aneis aromáticos. Fonte: Dence e Reeve (1996, p. 137)
Gellerstedt et al. (1995) demonstrou que no estágio de dióxido de cloro,
usando pH por volta de 3 ou superior, consegue-se grande remoção de lignina
mas não há grande cloração dos compostos orgânicos, isto é, os
organoclorados formados no estágio têm pequena substituição por cloro. O
contrário em relação aos organoclorados é obtido quando reação com dióxido
ocorre em pH menor que 1, segundo o autor devido à alta conversão de ácido
hipocloroso à cloro elementar. Menores teores de AOX são obtidos pelo
decréscimo da consistência de reação e pelo aumento de pH (REEVE et al.,
1995 citado por EIRAS, 2002), Isso é explicado pelo baixo poder do HOCl em
realizar reações de cloração, quando comparado ao do Cl2 (EIRAS, 2002).
Gellerstedt et al. (1995) cita ainda que, apesar de o estágio de D0 se
tornar menos efetivo após uma pré-deslignificação com O2 devido à preferência
do Dióxido por grupos fenólicos livres, é possível branquear polpa de folhosas
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usando o dióxido como o único agente de oxidação clorado e ainda obter
alvuras 90% ISO sem que grandes montantes de organoclorados sejam
produzidos, ou seja, apesar de o uso da pré-deslignificação com O2 diminuir os
sítios específicos de ataque do ClO2, o mesmo continua seletivo o suficiente
para não promover excessiva cloração (0.1 – 0.2 kg AOX/ tsa no efluente).
Segundo Eiras (2002) a modificação do perfil de pH do tratamento com
ClO2 tem sido proposta como alternativa para redução de AOX, de forma que
após um primeiro estágio ácido de reduzida duração, o pH é alterado para
alcalino e mantido no tempo remanescente (LJUNGGREN et al., 1994, citado
por EIRAS, 2002).
Segundo Dence e Reeve (1996), as reações do Cl2 com a polpa se
iniciam a partir da cisão heterolítica do mesmo em ambiente aquoso, gerando o
íon clorônio (Cl+). Núcleos alcóxi e hidroxilas podem ser rapidamente e
extensivamente substituídos por cloro. A maior parte, se não toda a captação
ou incorporação de cloro pode ser atribuída à substituição em anéis aromáticos
(DENCE; REEVE, 1996). Essa reação é apresentada na Figura 6. Uma adição
complementar de cloro aos núcleos aromáticos pode ocorrer por substituição
eletrofílica de alguma das cadeias laterais.
Figura 6 - Rotas de reação de substituição por cloro em compostos aromáticos. Adaptado de: Dence e Reeve (1996, p. 128)
2.1.1. GERAÇÃO DE DIOXINAS E FURANOS
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A EPA (Environmental Protection Agency – Agência de proteção
ambiental dos Estados Unidos), define dioxinas e compostos correlatos como
tetra a octa-clorodibenzo dioxinas e furanos com átomos de cloro pelo menos
nas posições 2,3,7 e 8.
Segundo Bajpai e Bajpai (1996) não são gerados os compostos
dibenzodioxinas e dibenzofuranos durante branqueamento com ClO2 a níveis
detectáveis. Dence e Reeve (1996) citam que não são formados os famosos
compostos 2, 3, 7, 8-tetraclorodibenzo-p-dioxina (TCDD) e o furano análogo
quando apenas ClO2 é utilizado.
Segundo Hruthiord e Negri (1992) tais compostos eram detectados
quando o Cl2 é utilizado como agente de deslignificação. Estes autores
defendem que a estrutura das DBD e DBF são incorporadas na lignina durante
sua biossíntese e são liberadas por uma reação de substituição na cadeia
lateral da lignina envolvendo o íon clorônio, conforme apresentado no item
anterior.
Figura 7 - Mecanismo genérico de formação de TCDD e TCDF. Adaptado de Dence e Reeve (1996, p. 804).
2.2. REAÇÕES DE COMPOSTOS A BASE DE CLORO COM
CARBOIDRATOS DA POLPA
É um consenso que a maior parte dos organoclorados formados se
devem às reações entre compostos a base de cloro e lignina residual, no
entanto, em reações indesejáveis do ponto de vista do rendimento do
branqueamento, alguma quantidade de oxidantes reage com carboidratos.
Freire et al. (2003) argumenta que apesar da alta seletividade de estágios
dióxido, há ainda alguma formação de intermediários capazes de gerar
degradação de celulose e cloração destes carboidratos.
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Freire et al. (2003) apresentam resultados em que organoclorados
derivados de carboidratos representariam até cerca de 15% do total presente
em filtrados do branqueamento, no entanto, ainda segundo estes autores tais
compostos pesquisados são facilmente neutralizáveis no estágio alcalino ou
degradados nos sistemas biológicos de tratamento de efluentes por serem
compostos clorados facilmente biodegradáveis.
Eiras (2003) cita que os produtos da degradação dos Acidos
Hexenurônicos pelo dióxido de cloro são ácidos dicarboxílicos clorados e não-
clorado. Os ácidos dicarboxílicos clorados são formados comumente em
valores mais baixos de pH, típicos do primeiro estágio de dioxidação. O
aumento do pH decresce o conteúdo total destes ácidos e reduz a proporção
de produtos diclorados e monoclorados (VUORINEN et al., 1997 citado por
EIRAS, 2003).
2.3. EFEITOS DA EXTRAÇÃO ALCALINA SOBRE
ORGANOCLORADOS
Grande parte dos organoclorados formados nos processos de
deslignificação e branqueamento utilizando derivados do cloro que prosseguem
junto à polpa, ou seja não são transferidos para o efluente ácido durante
lavagem da polpa, é destruída durante a extração alcalina.
A remoção do cloro ligado à estrutura de lignina durante a extração
alcalina pode ser descrita como uma substituição nucleofílica em que o cloro é
substituído por uma hidroxila. A remoção do cloro pode ocorrer por duas
reações de substituição, uma ocorrendo na cadeia lateral da lignina por
deslocamento devido a ataque de um grupo alcóxido formado pela perda de
um próton em presença de álcali que ao formar um oxido de etileno (oxirano) e
finalmente um álcool com duas hidroxilas (diol).
Dence e Reeve (1996) apresentam a sequencia de reação de uma
estrutura clorada durante uma extração alcalina. O produto final da substituição
do cloro numa unidade quininóide pode ser visto na Figura 8.
Segundo Bajpai e Bajpai (1996), de 60 a 90% dos organoclorados
formados em estágio C de branqueamento sofrem substituição do cloro durante
extração alcalina.
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Figura 8 - Sequências de eliminação de cloros ligados a estruturas orgânicas durante extração alcalina. Adaptado de : Dence e Reeve (1996, p. 140)
2.4. ORGANOCLORADOS NOS EFLUENTES
De acordo com Bajpai e Bajpai (1996) a quantidade total de cloro ligado
a compostos orgânicos presente nos efluentes do branqueamento em
sequências convencionais, gira em torno de 5-8 kg / tsa, o que representaria
cerca de 10% da carga de cloro utilizado no estágio de cloração usada em
branqueamento de polpa de coníferas, Ventorim et al. (2005) encontrou valores
da ordem de 350 g Cl- como AOX por tonelada de polpa em ensaio de
branqueamento em laboratório quando o agente de branqueamento era o
dióxido, valores semelhantes aos citados por Martikka et al. (2007), de 0,1 a
0,3 kg AOX/tsa.
A quantidade total de organoclorados e o grau de substituição de cloro
em estruturas orgânicas decresceu substancialmente com a substituição do Cl2
por ClO2 (BAJPAI, BAJPAI, 1996).
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Uma classificação físico-química deste material organoclorado gerado
em uma sequencia convencional de branqueamento, presente nos filtrados do
branqueamento de polpa kraft, pode ser visualizada na Figura 9.
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Figura 9 - Caráter dos organoclorados formados em branqueamento por sequênccia convencional. Adaptado de: Bajpai e Bajpai (1996, p. 7)
Segundo Bajpai e Bajpai (1996) são muitos os compostos orgânicos
clorados, mais do que 200, já identificados em filtrados do branqueamento.
Ainda segundo o mesmo autor, efluentes do branqueamento apresentam alta
toxicidade a diversos organismos e boa parte da toxicidade observada se deve
à presença de organoclorados, especialmente quando o Cl2 é usado como
agente de branqueamento. A toxicidade de compostos organoclorados cresce
com o incremento do número de substituição por átomos de cloro na estrutura
(REGULATORY TOXICOLOGY AND PHARMACOLOGY, 1994). Acredita-se
que alguns dos compostos mais clorados formados possuem efeitos drásticos
sobre a ação de algumas enzimas por terem o tamanho exato para se
acoplarem à algumas moléculas orgânicas essenciais (BAJPAI, BAJPAI. 1996).
De fato, a ação de substâncias policíclicas aromáticas, cloradas ou não, tais
como a conhecida dibenzo-p-dioxina e furano, flavonoides, e fitoesteróides e
provavelmente outros compostos presentes no efluente de indústrias de
celulose são citadas como inibidoras da ação de enzimas oxigenases
(REGULATORY TOXICOLOGY AND PHARMACOLOGY, 1994).
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AOX
~80%alto peso molecular
Relativamente hidrofílicoNão atravessa parece celular
< 10% Cl (em peso)
~20% - baixo peso molecular
~19% Relativamente
hidrofílico e biodegradável
EOX ~ 1 % ~0,1%
Relativamente lipofílicoMaior toxicidadePotencialmente bioacumulável
Altamente lipofílicoBioacumulativo
Ex.: Dioxinas (44% do peso = cloro )
3. MÉTODOS DE MEDIÇÃO
2.5. HALOGÊNIOS ORGÂNICOS ADSORVÍVEIS – AOX
O desenvolvimento da técnica de determinação do parâmetro conhecido
como AOX data do final da década de 70, até então a medição de
organoclorados era feita com base no teor total de compostos orgânicos
clorados (TOCl), não importando questões de estabilidade, se estão solúveis
ou em suspensão ou se são voláteis ou não. O método de TOCl se baseia em
um processo de Ultrafiltração para separação de compostos com peso
molecular maior que 1000 dos de peso inferior. Compostos com peso superior
a 1000 são retidos na membrana e posteriormente determinados por valoração
potenciométrica com AgNO3. A determinação de organoclorados no filtrado por
este método é feita passando o filtrado em uma coluna de resina capaz de
adsorver as moléculas orgânicas e deixar passar as inorgânicas. A
recuperação deste material é feita com acetona e posteriormente determinada
por análise potenciométrica com AgNO3 (RIVA e RIBAS, 1996).
O método de determinação de AOX é padronizado pela norma ISO
9562, e consiste basicamente da adsorção em carvão ativado da amostra,
com posterior lavagem para remoção de cloretos inorgânicos, combustão da
matriz de carvão ativado (onde os organoclorados foram adsovidos) para
formar haletos de hidrogênio e posterior determinação destes haletos com a
utilização de um analisador de AOX.
A Agência de Proteção ao Meio Ambiente dos Estados Unidos (EPA –
USA) sugere que antes de proceder com a adsorção em carvão ativado, as
amostras de efluentes de indústrias de celulose sejam diluídas, conforme
Tabela 1.
Tabela 1 - Proposta de diluição de amostras segundo USEPA (1997).
EfluenteVolume de amostra p/
diluição (mL) *
Volume para adsorção
(mL)
Fábrica de celulose 30 50
Fábrica de papel 10 25
Fábrica integrada 5 25
Branqueamento 1 25
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Filtrado de estágio C 0,5 25
* Assume diluição para volume final de 100 mL.
Com a amostra diluída, parte-se para sua adsorção em carvão ativado.
Inicialmente a amostra é tratada com solução padrão de nitrato, e uma
quantidade de carvão ativado é adicionada no erlenmeyer e é mantido por pelo
menos uma hora sob agitação. Esta combinação de carvão ativado e amostra
liquida é então filtrada (para separação do carvão ativado e do liquido). O
carvão ativado é então levado para processo de combustão em forno
analisador de AOX. No processo, um fluxo de oxigênio analítico arrasta os
gases primeiramente até a unidade de secagem, contendo ácido sulfúrico
concentrado, onde ocorre o resfriamento dos gases. Após passagem pela
unidade de secagem, os gases, chegam à célula eletrolítica, onde estão os
eletrodos de prata e platina e também a cadeia de medição, onde ocorre a
reação entre os halogênios, oriundos da combustão do filtrado, e a prata
liberada pelo eletrodo (. A cadeia de medição quantifica esta reação entre
halogênios e prata. Os resultados são expressos em unidades diferentes,
dependendo dos equipamento, diluição e volume de amostra empregados, no
entanto podem ser convertidos para mg/L (RIVA E RIBAS, 1996; USEPA,
1997).
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Figura 10 - Forno medidor de AOX. Adaptado de USEPA (1997)
Para determinação de AOX na polpa, deve-se desintegrá-la em
condições específicas, a suspensão formada é filtrada e o filtrado é analisado
segundo os procedimentos de análise de AOX, isto é, adsorvido em carvão
ativado e em seguida levado para o forno de determinação de AOX (SCAN CM
44).
2.6. HALOGÊNIOS ORGÂNICOS EXTRAÍVEIS EM SOLVENTE
ORGÂNICO – EOX
Dentro dos AOX existe uma fração que é considerada mais perigosa ao
meio ambiente, correspondente aos EOX, que são organoclorados extraíveis
com solvente orgânico.
A medição de tal parâmetro se justifica pelo fato de serem solúveis em
solventes orgânicos, serem mais lipofílicos e por conter compostos mais
estáveis e resistentes à biodegradação. Como consequência de tais fatos,
alguns compostos quantificados como EOX podem ser bioacumuláveis em
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1. Desumidificador2. Dispositivo para colocar amostra3. Amostra4. Forno5. Tubo de combustão6. Absorvedor preenchido com ác. Sulfúrico.7. Célula de titulação8. Eletrodos9. Eletrodos10. Agitador11. Microprocessador de titulação12. Dispositivo de controle de fluxo de gases
e temperatura
tecido adiposo dos animais e persistirem no meio ambiente por longos
períodos, elevando sua concentração a níveis superiores aos que passam a
ser tóxicos (HAYER, WAGNER e PIHAN, 1996; RIVAS e RIBAS, 1996).
Segundo Rivas e Ribas (1996) cerca de 80% dos organoclorados
extraíveis têm potencial para bioacumulação, valor bastante diferente do
apresentado por Bajpai e Bajpai (1996) que argumenta que apenas cerca de
10% dos EOX tem esse potencial.
A metodologia para análise de EOX é bastante semelhante à utilizada
para AOX, com a diferença que não é realizada uma adsorção em carvão
ativado, mas sim uma extração liquido-liquido usando acetona ou éter como
solvente orgânico. Após essa extração, o solvente é volatilizado quase que
totalmente (até aproximadamente 1 mL) e a amostra levada para o analisador
de AOX, conforme descrito no item anterior.
Esta análise pode ser feita para o efluente ou para materiais sólidos, tal
como lodo, solo e polpa. Apenas uma adaptação tem que ser feita na
preparação da amostra, que deve ser triturada, lavada com solução de nitrato
(nitrato de sódio, geralmente) e posteriormente submetida à extração com
solvente orgânico. Esta analise está descrita e padronizada na norma SCAN-
CM 55:99.
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4. CONCLUSÕES
Como pode ser constatado, mesmo nas sequencias ECF de
branqueamento ainda há formação de organoclorados. Esta formação se deve
não a ação direta do dióxido de cloro, mas sim à ação de subprodutos de sua
reação com a lignina, tais como o cloro (Cl2) e o ácido hipocloroso (HOCl). No
entanto, apesar de ainda serem formados organoclorados, estes são gerados à
taxas muito inferiores que no passado, onde o Cl2 era o agente preferido de
branqueamento.
Por questões de condições de operação do estágio de branqueamento
com dióxido de cloro, há pequena formação de Cl2 e maior formação de HOCl,
fator que contribui para uma menor taxa de formação de organoclorados
altamente substituídos, tais como aqueles que são considerados mais tóxicos
(ex.: PCDD’s - policlorados Dibenzo Dioxinas - e PCDF´s - policlorado
Dibenzo Furanos).
As reações entre tais subprodutos do dióxido e compostos derivados da
lignina, simplesmente chamados de lignina em diversos trabalhos, são os
principais precursores da formação de organoclorados, no entanto, há também
alguma formação devido à reações entre compostos clorados e carboidratos e
extrativos.
Boa parte dos organoclorados são substituídos durante extração alcalina
e outra parte é degradada durante o tratamento de efluentes, no entanto,
alguma parte continua sendo lançada junto ao efluente final, tendo muitas
vezes associação com a toxicidade encontrada em tais efluentes.
Os métodos de medição de organoclorados são semelhantes entre si,
sendo uma ferramenta de grande importância na avaliação dos destinos do
cloro após o branqueamento e para a previsão de possíveis efeitos ao
ambiente relacionados à atividade industrial e ao lançamento de efluentes.
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5.
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