As Políticas Públicas no Brasil heranças, tendências e desafios1

download As Políticas Públicas no Brasil heranças, tendências e desafios1

of 10

Transcript of As Políticas Públicas no Brasil heranças, tendências e desafios1

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    1/10

    As Polticas Pblicas no Brasil: heranas, tendncias e desafios1

    Tnia Bacelar*

    Para abordar o tema das polticas pblicas no Brasil, vamos trat-lo em trs grandes blocos. O

    primeiro discutir a herana das polticas pblicas no Brasil. O segundo, as novas tendncias

    da economia mundial e suas repercusses nas polticas pblicas nacionais. E o terceiro, as

    ameaas e oportunidades para o movimento popular brasileiro.

    1. Herana das Polticas Pblicas no Brasil

    Chamamos de herana recente o perodo que vai dos anos 30 at hoje, quando o Brasil passa

    por uma transformao muito grande. Nos anos 20, era um pas rural e agrcola. O censo de

    1920 revelava que 30% da populao brasileira vivia nas cidades e 70%, no campo.

    Cinqenta anos depois, ocorria o inverso 70% nas cidades e 30% no campo. At 1930, a

    economia do Brasil era uma economia agrcola. Em 1980, o Brasil era o oitavo PIB industrial

    do mundo. Depois dos sete grandes, o oitavo era o Brasil. Isto nos d uma idia da mudana

    de perfil na sociedade e na economia em meio sculo. O que alguns pases levaram sculos

    para fazer, o Brasil fez em cinqenta, sessenta anos. Transformou-se numa potncia industrial

    mdia, com a maior parcela da sua gente morando nas cidades. Este o perfil atual do Brasil.Para entender os dias de hoje, necessrio saber que Estado tnhamos anteriormente e que

    heranas e traos foram se fixando nesse percurso.

    Essencialmente, o que caracterizava o Estado brasileiro nesse perodo (1920-1980) era seu

    carter desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritrio. No era um Estado de

    Bem-Estar Social. O Estado era o promotor do desenvolvimento e no o transformador das

    relaes da sociedade. Um Estado conservador que logrou promover transformaesfantsticas sem alterar a estrutura de propriedade, por exemplo. Nessa fase, o grande objetivo

    do Estado brasileiro era consolidar o processo de industrializao. Desde o comeo do sculo,

    optou-se pela industrializao. A grande tarefa era consolidar esse processo e fazer do Brasil

    uma grande potncia. Assim, o grande objetivo era de ordem econmica: construir uma

    potncia intermediria no cenrio mundial. O Estado desempenhava a funo de promover a

    1 Texto retirado de: Santos Junior, Orlando Alves dos...[et al.]. (organizadores). Polticas Pblicas e Gersto

    Local: programa interdisciplinar de capacitao de conselheiros municipais. Rio de Janeiro: FASE, 2003.* Dr em Economia, Planejamento e Organizao do Espao; Prof dos cursos de ps-graduao em Geografia,Cincia Poltica e Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco.

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    2/10

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    3/10

    3

    centralizada, o tratamento homogeneizado. A centralizao faz com que as propostas

    venham de cima para baixo, e essa uma tradio das polticas sociais no pas. Junta-se a isso

    a conseqente dificuldade de promover a participao da sociedade.

    Esse perfil autoritrio e conservador tambm se traduz na maneira como tradicionalmente so pensadas as polticas sociais. Quem est l em Braslia tende a pensar que o Brasil umamdia. E a mdia no diz quase nada do Brasil, que um pas muito heterogneo.

    Mas, vejamos ainda: que tipo de ao praticou o Estado? O Estado brasileiro fez tudo para

    promover o projeto industrial: financiou, protegeu, criou alquotas, produziu insumos bsicos.

    As estatais, que esto sendo privatizadas agora, produziam insumos bsicos. Nas atividades

    mais pesadas, de investimento mais pesado, com taxa de retorno mais lento, houve

    participao do setor estatal produtivo. A produo de ao, a minerao, a produo de petrleo e de energia, tm a mesma natureza: so insumo bsico. O Estado investiu em

    projetos grandes, onerosos, com taxas de retorno mais lentas, para possibilitar que o setor

    produtivo privado ficasse com o mais leve e rapidamente rentvel. O que se fez de rodovias,

    de portos, de instalaes de telecomunicaes nesse pas, nos ltimos anos, inimaginvel. E

    quem foi responsvel por todas essas realizaes? o Estado brasileiro. Agora, parte dessa

    estrutura est sendo desmontada, com as privatizaes.

    Em muito menor grau, o Estado brasileiro tambm facultou servios sociais, de segurana e

    justia. O Estado regulador, embora com uma face muito menor do que o Estado realizador,

    tambm se fazia presente, quando era imprescindvel a seu projeto. Por exemplo, na era

    Vargas, o Estado interveio para regular a relao trabalho-capital. Quer dizer, no momento em

    que a opo a industrializao, em que o operariado vai surgindo e em que necessrio

    definir as regras do jogo entre o trabalho e o capital, o Estado brasileiro aparece com fora.

    So da era Vargas o salrio mnimo e o essencial da legislao trabalhista que ainda se

    mantm. Na Justia do Trabalho, ou seja, nos mecanismos de regulao da relao entre

    trabalhador urbano e capital, o Estado esteve muito presente.

    E o que herdamos dessa histria brasileira, com o apoio do Estado brasileiro? Na minha viso,

    herdamos um pas que consegue ser a oitava economia do mundo, em poucos anos, e que tem,

    ao mesmo tempo, a maior fratura social dentre os pases de perfil semelhante. No h outro

    pas com o mesmo perfil do Brasil. Conseguiu percorrer essa trajetria econmica, que

    exitosa do ponto de vista de seus objetivos, mas nico quanto distribuio de renda: 20%

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    4/10

    4

    dos mais pobres detm, apenas, 2% da renda nacional, enquanto os 10% mais ricos detm

    quase 50% dessa renda. S a Guatemala, um pequeno pas, sem a importncia econmica do

    Brasil, que apresenta um perfil semelhante. Na verdade, herdamos um pas com uma grande

    vitalidade econmica que talvez se torne um exemplo de xito econmico na histria do

    sculo XX e, ao mesmo tempo, profundamente fraturado, com 2/3 da sua populao fora do

    mercado. com esse Brasil fraturado que enfrentaremos uma nova era.

    E o que herdamos dessa histria brasileira com o apoio do Estado brasileiro? Na minha viso,herdamos um pas que consegue ser a oitava economia do mundo, em poucos anos, e que tem,ao mesmo tempo, a maior fratura social dentre os pases de perfil semelhante.

    Os anos 90 sero de mudanas na economia mundial. Vivemos uma fase de crise. Crise no

    s do mundo socialista, mas tambm do mundo capitalista. Os economistas usam doisindicadores bsicos para mostr-la: o modesto crescimento da produo taxa mundial mdia

    de 2,5% a 3%, com exceo da China, que tem crescido 10% ao ano, nos ltimos cinco anos.

    Mas, na mdia, mesmo os grandes pases apresentam taxa de crescimento muito pequena.

    Outro indicador a taxa de investimento, igualmente modesta nos ltimos anos.A economia

    capitalista entrou numa crise nos anos 90, e o que se vivencia uma fase de preparao e de

    mudanas, talvez para um outro ciclo expansivo, que no entanto ainda no se firmou. Nesse

    novo ambiente mundial, destaco trs grandes movimentos: o movimento de globalizao; omovimento de reestruturao produtiva e o movimento de financeirizao da riqueza.

    2. Novas Tendncias na Economia Mundial e suas Repercusses nas Polticas Pblicas

    Brasileiras

    O movimento de globalizao no novo, nem prprio da crise. um processo em curso, j

    faz algum tempo, de internacionalizao do capital. H um movimento antigo nessa direo,

    mas apenas nesse final de sculo que ele se firma e se consolida cada vez mais. Marca, na

    verdade, uma mudana no mundo: a existncia, hoje, de alguns atores econmicos que tm

    condio de operar em escala global. Um grande conglomerado multinacional, atualmente,

    pode ter centenas de fbricas espalhadas em dezenas de pases, pode controlar tudo em tempo

    real, porque a revoluo das telecomunicaes assim o permite. Na verdade, os

    conglomerados multinacionais planejam olhando para o globo e operam no mbito do globo.

    E esse um dado novo, agora existem atores com essa capacidade. E sua existncia incomoda

    todo mundo, porque cresce a inter-relao entre os espaos econmicos. Esses agentes

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    5/10

    5

    econmicos impem certas homogeneizaes. As regras do jogo, o padro de competitividade

    e o tipo de organizao econmica so, na verdade, impostos por eles, o que termina afetando

    o conjunto do espao econmico mundial, principalmente em pases mdios como o Brasil,

    que interessam a esses agentes. E este processo seletivo, no homogneo.

    O movimento de reestruturao produtiva , na verdade, o modo como o capitalismo

    rearruma-se para tentar sair da crise. Mudanas importantes esto acontecendo, alm da

    globalizao. Com a crise, elas esto se processando para buscar um outro padro produtivo

    para o futuro. H novos setores dinmicos no cenrio mundial, como, por exemplo, o

    complexo eletro-eletrnico, que muito mais dinmico do que o complexo metal-mecnico. E

    este foi um dos carros-chefes da economia do sculo XX. Assim, enquanto uns perdem,

    outros ganham dinamismo. Quando nos detemos no perfil produtivo, observamos a

    emergncia de algumas atividades e o arrefecimento de outras. H tipos novos de processo

    produtivo em consolidao. A chamada revoluo cientfico-tecnolgica est mudando, uma

    vez mais, o modo de produzir. Aquela cadeia produtiva rgida, tpica do sculo XX, est

    sendo remontada. As novas tcnicas produtivas introduzem a possibilidade da produo

    flexvel e rearrumam profundamente o processo de produo, ocasionando mudanas muito

    severas. No toa que a discusso em torno de educao to presente. Na verdade, o novo

    modelo produtivo requer produo de conhecimento, requer inovao contnua no processo

    produtivo. Os padres gerenciais, que tendemos a desprezar, requerem transformaes, como,

    por exemplo, o relacionamento da empresa com os seus fornecedores e com os seus clientes; a

    organizao da empresa na sua intimidade. Esses padres esto mudando de modo profundo,

    inclusive ideologicamente. Investimentos macios esto sendo feitos, hoje, nas reas do

    conhecimento e da educao.

    muito importante que o Brasil entenda o movimento de reestruturao produtiva,normalmente negligenciado. Discutimos muito a globalizao e pouco a reestruturao. Muito

    menos discutido, ainda, o movimento de financeirizao. H no mundo, atualmente, uma

    enorme possibilidade de gerao de riqueza na esfera financeira, o que alis sempre existiu no

    capitalismo, mas jamais com tamanha magnitude.

    Paralelamente a essas tendncias, e associado a elas, algo muito forte ocorre hoje no mundo,

    que no da ordem do mundo real, mas de natureza poltico-ideolgica. a hegemonia daviso neoliberal. Quando observamos o mundo atual, vemos que essas tendncias

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    6/10

    6

    favoreceram a consolidao de uma viso que ideolgica e poltica: a viso de quanto

    menos Estado e quanto mais mercado, melhor; quanto mais individualidade e quanto menos

    coletividade, melhor. Essa a perspectiva dos dirigentes mundiais. E ela que impregna

    todas as sociedades neste final de sculo. Trata-se de uma abordagem que favorece as

    mudanas que esto acontecendo no mundo real, para que o capital globalizado circule no

    mundo inteiro. Quanto menos Estado nacional houver, melhor ser para a realizao dessa

    tendncia.

    Nesse processo, redefine-se o papel dos Estados nacionais. Criam-se instncias

    supranacionais, como o Parlamento Europeu. H menos Estado na produo, menos Estado na

    regulao e, portanto, mais mercado, o que timo para viabilizar o projeto neoliberal. Por

    conseguinte, h menos polticas pblicas e mais mercadorias e servios. A educao, por

    exemplo, agora tratada como uma mercadoria; s acessvel a quem pode pag-la. Ento,

    contrapomos a essa viso nosso ponto de vista de que educao um bem pblico e, portanto,

    dever do Estado.

    No governo Fernando Henrique Cardoso, pode-se dizer que no Brasil havia duas tendncias

    importantes. A primeira traduzia-se na opo central por uma insero no mundo, que se

    poderia chamar de insero submissa, mas que os economistas do governo chamavam de

    integrao competitiva. Era a opo de integrar, competitivamente, o Brasil neste ambiente

    mundial. Como, na verdade, tratava-se de uma integrao comandada pelo mercado, podemos

    denomin-la submissa. E o Estado brasileiro, que tinha uma poltica industrial explcita,

    deixou de faz-lo. O mercado deve decidir o que fica e o que no fica.

    A outra tendncia importante que estava por trs das polticas pblicas era a financeirizao

    das riquezas. Se no a considerarmos, no conseguiremos entender, por exemplo, a privatizao no Brasil. Porque o governo dizia: privatizaremos para conseguir receita

    patrimonial e reduzir nossa dvida. Mas as contas do governo informavam seu endividamento.

    O que ele fez, de fato, foi exatamente o contrrio. Vendeu as estatais e de tudo o que j

    vendeu obteve apenas algo em torno de 9 bilhes de dlares. S conseguiu, de receita

    patrimonial, vinte por cento. Oitenta por cento foram moeda podre. E a pergunta-se: a dvida

    do governo diminuiu? No! A dvida cresceu. A trajetria da dvida mobiliria de 55 bilhes

    de dlares com Sarney, 12 bilhes com o calote de Zlia, 36 bilhes com Marclio. QuandoFernando Henrique assume o Ministrio da Fazenda, a dvida de 40 bilhes de dlares,

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    7/10

    7

    alcanando, j em setembro, 98 bilhes. Somente FHC, como ministro, aumentou em 150% o

    valor da dvida mobiliria do governo. Ou seja, estamos mais endividados e sem o patrimnio

    que foi privatizado. Patrimnio privatizado com moeda podre. Em vez de diminuir a dvida, o

    governo aumentou as taxas de juros para atrair reservas (dlares) e emitiu muitos ttulos da

    dvida pblica. Cresceu o endividamento e cresceu o dficit pblico. Logo, o governo no

    resolveu seu desequilbrio financeiro, mas se exauriu nestas duas contas: o servio da dvida

    externa e o servio da dvida interna. Essa uma das discusses mais atuais. Por que

    carecemos de polticas pblicas e por que o governo, de fato, no teve meios para patrocin-

    las.

    3. Ameaas e Oportunidades Para o Movimento Popular

    Mas o Brasil no o seu governo. H um outro Brasil, que somos ns. Quando observamos

    esse outro Brasil, vislumbramos outra trajetria, muito diferente da traada pelos poderosos.

    Existe uma proposta de reforma do Estado na sociedade brasileira! E no a proposta

    neoliberal. outra. Existe uma proposta de descentralizao! Na prtica, a sociedade

    brasileira est realizando a descentralizao. Sempre que se diz concentrar, centralizar de

    novo, dizemos no! H uma deciso, no seio da sociedade brasileira, que rejeita a

    centralizao. Sabemos que centralizar no d certo no Brasil. Estamos operando a

    descentralizao. Estamos ocupando os espaos da descentralizao. Existe um espao a favor

    da democratizao do Estado brasileiro! Estamos, de muitas formas, dizendo no quele

    Estado fechado, submetido somente aos lobbies. H que existir um amplo espao para

    disputarmos as decises e a implementao das polticas pblicas necessrias. Sente-se uma

    fora na sociedade brasileira tentando instaurar o espao da descentralizao. Existe uma

    deciso a favor das polticas sociais! Reformar aquele Estado desenvolvimentista, que s

    patrocinava o crescimento da economia, e abrir espao para um Estado que patrocine sade, patrocine educao, patrocine segurana. Um Estado com polticas sociais. Existe uma

    proposta a favor do Estado transformador!

    Existe uma experincia acumulada, ao longo desses anos, sobretudo nos espaos

    governamentais locais, muito mais no mbito dos municpios e de alguns estados do que no

    mbito federal. Existe muita experincia acumulada, tambm, nos espaos no-

    governamentais. O Brasil no est morto! Est cheio de experincias locais mostrando comose organiza, como se planta, como se comercializa, como se governa.

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    8/10

    8

    O Brasil no est morto! Est cheio de experincias locais mostrando como se organiza, comose planta, como se comercializa, como se governa.

    Os desafios e oportunidades para o Brasil implicam considerar a heterogeneidade do pas, e

    nesse aspecto equivocada a trajetria das polticas pblicas, por conta da viso

    centralizadora. De baixo para cima, consegue-se trabalhar a heterogeneidade. Mas como as

    polticas generalizadoras vm de cima para baixo, a tendncia operar como se o Brasil fosse

    um pas uniformemente semelhante, o que no . Mas sabemos que, mesmo na

    heterogeneidade, possvel encontrar pontos de semelhana; generalizar o que comum e

    operar sobre o que diferente. Trata-se de um desafio porque no temos essa tradio nas

    polticas pblicas governamentais. Outro desafio romper com a idia de que pblico

    sinnimo de governamental, apesar da tradio brasileira.

    O correto para o Brasil parece ser o modelo descentralizado coordenado. A questo quem

    far essa coordenao. Como que vamos organizar esses focos de coordenao nas polticas

    pblicas governamentais? Qual o papel das ONGs nesse ambiente descentralizado? Se nem

    tudo que pblico governamental e se h descentralizao, resta um espao enorme para as

    ONGs. E como que as ONGs podem evitar a fragmentao? Qual o papel das associaes

    de ONGs, no Brasil de hoje, em relao s polticas pblicas? Para examinarmos essasindagaes, devemos discutir o modelo descentralizado coordenado, que o que parece servir

    ao Brasil. O papel regulador do Estado pode e deve ser ampliado. Com um Estado regulador

    pode-se discutir.

    Outra questo o avano obtido em termos da democratizao. Em muitos casos, tivemos de

    construir espaos. Em outros, o governo que abriu espao. Hoje existem os Conselhos

    institucionais, importantes espaos de participao, mas cuja composio que define arelao de poder. Outro aspecto importante a atribuio dos Conselhos. Uns so consultivos,

    outros so deliberativos. Conseguimos influir mais quando eles so deliberativos, ou seja,

    quando sua atribuio deliberar, influir nas decises e, portanto, exercer uma parcela do

    poder.

    A experincia de descentralizao diante da crise financeira mais uma questo a ser

    discutida. Participamos dos Conselhos Municipais de sade, por um lado, e a sade est sendoprivatizada, por outro. Ento administramos o pedao podre que resta do sistema pblico de

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    9/10

    9

    sade. Ser que vale a pena ter Sistema nico de Sade, com Conselho democratizado e tudo

    o mais, se nos sentamos ali e no tomamos nenhuma deciso, porque no h o que decidir? A

    achamos que o que est errado so os Conselhos. este o erro, ou o erro a falta de

    investimento do governo na sade? Afinal, onde est o erro? O erro est na poltica

    econmica, l que temos de intervir, e no na nossa experincia de gesto descentralizada e

    democrtica.

    Para terminar, sublinhamos algumas idias-chave em torno da discusso das polticas pblicas

    e do papel dos Conselhos:

    1. A economia resultado das decises polticas e no de decises tcnicas como o discurso

    tecnocrtico quer fazer crer.

    2. A crise do Estado a crise de um modelo especfico de Estado que vigorou no Brasil

    durante a maior parte do sculo XX, um Estado desenvolvimentista e conservador;

    3. O modelo de Estado desenvolvimentista foi promotor de desenvolvimento, por um lado,

    mas tambm das enormes desigualdades que temos no Brasil de hoje, por outro;

    4. Principalmente a partir do regime militar, esse modelo de desenvolvimento foi sustentado

    pela internacionalizao da economia e pelas crescentes dvidas internas e externas que geram

    a insustentabilidade do modelo e sua crise profunda;

    5. As desigualdades sociais geradas por esse modelo so um enorme obstculo para a

    superao dessa crise;

    6. As opes polticas no governo Fernando Henrique Cardoso privilegiaram o pagamento da

    dvida, atendendo ao interesse dos credores, em detrimento da promoo de polticas sociais;

    7. Os Conselhos Municipais podem ser um importante instrumento no enfrentamento dessas

    desigualdades;

    8. O municpio sozinho no tem condies de responder s imensas demandas sociaisherdadas. Da a necessidade de pensar polticas pblicas de forma integrada, nos mbitos

  • 8/9/2019 As Polticas Pblicas no Brasil heranas, tendncias e desafios1

    10/10

    10

    federal, estadual e municipal. Os Conselhos podem constituir importantes instrumentos dessa

    articulao. Os Conselhos podem criar uma articulao poderosa, tanto horizontalmente (entre

    os diferentes Conselhos), quanto verticalmente (entre os diferentes segmentos de uma mesma

    poltica);

    10. As conferncias nas diversas escalas (federal, estadual e municipal) so importantes

    porque promovem uma viso de Estado ou de pas, em torno de determinada poltica.

    11. Os atores sociais e os Conselhos setoriais devem articular-se e integrar-se com a poltica

    econmica geral. nosso direito debater e conhecer a poltica econmica geral.

    Para refletir:

    1. Discuta as principais caractersticas da herana histrica das polticas pblicasbrasileiras.

    2. Discuta as novas tendncias da economia mundial e seus possveis impactos sobre aspolticas pblicas brasileiras.

    3. D exemplos de experincias locais de polticas pblicas que voc consideredemocrticas e inovadoras. E discuta os limites da ao local num pas como o Brasile sugira iniciativas capazes de enfrentar tais limites.

    Para ler mais:

    ARAJO, Tnia Bacelar.Ensaios sobre o Desenvolvimento Brasileiro: heranas e urgncias.Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2000.

    FURTADO, Celso. Em Busca do Novo Modelo: reflexes sobre a crise contempornea. SoPaulo: Paz e Terra, 2002.

    FIORI, Jos Lus.Brasil no Espao. Petrpolis: Vozes, 2001.