As Principais Teorias Do Cinema j d Andrew

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J. DUDLEY ANDREW As Principeis Teories do Cinema Uma Introducao Traducao: Teresa Ottoni JORGE ZAHAR EDITOR Rio de Janeiro

Transcript of As Principais Teorias Do Cinema j d Andrew

  • J. DUDLEY ANDREW

    As PrincipeisTeories do Cinema

    Uma Introducao

    Traducao:Teresa Ottoni

    JORGE ZAHAR EDITORRio de Janeiro

  • para minha mae e meu pai,de quem...

    Titulo originalThe Major Film Theories - An introduction

    Traducao autorizada da primeira edicao norte-americanapublicada em 1976 por Oxford University Press, Inc.,

    de Nova York, Estados Unidos da America.

    Copyright 1976, Oxford University Press, Inc.Copyright 1989 da edicao em lingua portuguesa:

    Jorge Zahar Editor Ltda,rua Mexico, 31 sobreloja

    20031-144 Rio de JaneirolRJTel.: (21) 2240-0226/ Fax: (21) 2262-5123

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    Capa: Sergi; Campante, sobre cartaz de Dick Elffers

    f saMARIO~

    Lista de Ilustrll{oes .Prejaao '" '" .IntrodUf;a.o .

    o tema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    o metoda...................................................

    PARTE I: A TRADIc;:Ao FORMATIVA, 21

    1. Hugo Munsterberg .assunto e meios .forma efun~ao '" .

    2. Rudolf Arnheim .material

    ....................................................

    o uso criativo do veiculo .forma fi/mica .o objetivo do cinema .

    79

    131315

    252530

    3535383941

    Andrew, James Dudley, 1945-A58p As principais teorias do cinema: uma introducao /

    J. Dudley Andrew; traducao, Teresa Ottoni. - Rio deJaneiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

    3. Sergei Eisenstein. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46a materia-prima do cinema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48os meios cinematicos: cria~ao atraves da montagem. . . . . . . . . . . . 52forma fi/mica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57o objetivo final do cinema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

    il.:

    Traducao de: The major film theories: an introductionInclui bibliografiaISBN: 85-7110-068-3

    1. Cinema - Estetica. 1. Titulo

    02-1710CDD - 791.4301CDU - 791.43.01

    4. Bela Balazs e a Tradicao do Formalismo . . . . . . . . . . . . . .. 72um resumo da teoria format iva do cinema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72formalismo russo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74Bela Balazs. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78a materia-prima da arte cinematografica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80o potencial criativo da tecnica cinematografica . . . . . . . . . . . . . . . . 81forma ou contomo cinematico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84[uncoes cinematicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

  • PARTE II: TEORIA REAUSTA DO CINEMA, 91

    Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 203Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 207Agradedmentos da traduiora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 215tndice de nomes e de assuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 217

    5. Siegfried Kracauer. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93assunto e meios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94formas de composii;do . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99o objetivo do cinema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 106replicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 109

    7.JeanMitry 151a materia-prima. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 154potencial criativo do cinema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 156a forma e 0 objetivo do cinema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 165

    8. Christian Metz e a Semiologia do Cinema . . . . . . . . . . . . .. 170a materia-prima. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 173os meios de significai;do no cinema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 175as[ormas e possibilidades do cinema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 184a semiologia e os objetivos do cinema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 188

    9.0 Desafio da Fenomenologia: Amedee Ayfree Henri Agel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 193

    L1STA DE ILOSTRA

  • rPREFAclO

    ~

    Foram escritas, que eusaiba, duas historias da teoria do cinema: Storia delle teo-richedelfilm, de Guido Aristarco, e Esthetiquedu cinema, de Henri Agel. Apesarde eu muito dever a esses trabalhos, nao quero competir com eles em sua tenta-tiva de registrar todos os teoricos e desvendar todas as linhas teoricas.

    Em vez disso, este livro tern a intencao de colocar os principais teoricosfrente a frente, forcando-os a falar de questoes comuns, fazendo-os revelar abase de seu pensamento. Assim, escolhi os teoricos que escreveram sobre cine-ma num sentido amplo, e que 0 fizeram atraves de exaustivos argumentos. Qua-se nao ha referencia aos incontaveis pensadores que ja teorizaram sobre cinema(inclusive grandes pensadores como Panofsky, Susanne Langer, Maurice Mer-leau-Ponty, Gabriel Marcel e Andre Malraux). Os primeiros teoricos, como Ric-ciotto Canudo, Louis Delluc e Vachel Lindsay, tambem sao negligenciadosporque, em minha opiniao, suas teorias nao tern peso suficiente comparadascom as que figuram neste livro.

    Foi dada prioridade aos teoricos cujos trabalhos sao encontrados com faci-lidade em Ingles. Infelizmente, isso elimina da discussao grandes teoricos fran-ceses, russos e especialmente italianos. Como este volume tern a intencao deajudar, nao de substituir, a leitura dos proprios teoricos, urn tratamento maiordas figuras cujos livros sao dificeis de obter e nao estao traduzidos nao se enqua-dra em nosso objetivo. Everdade que os capttulos finais deste livro tratam de al-guns teoricos franceses contemporaneos cujos trabalhos ainda estao em frances,mas sua presenc;a tern fundamento a partir do momenta em que suas ideias es-tao em evidencia e, em varies casos, em processo de rraducao.

    o esquema deste livro tern uma especie de aparencia historica, mas so inci-dentalmente. Mantendo a classica distincao entre teoria formativa e teoria rea-lista ou fotografica, distincao que e lugar-cornum e que esta relacionada aocliche de que todo filme tern ratzes tanto em Melies como em Lumiere. Na teoriacinematografica, acontece de a primeira grande fase de pensamento ter sidoquase homogeneamente formativa. Ate cercade 1935 e diftcil encontrar urn rea-lista capaz de competir com Hugo Munsterberg, Rudolf Arnheim, Sergei Eisen-stein, Bela Balazs ou VI. Pudovkin. Depois a situacao mudou, e as sementes daprimitiva teoria realista tornaram-se a luxuriante tradicao de Andre Bazin, 0 en-

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  • 10 AS PRINCIPAlS TEOR1AS DO CINEMA

    rPREFACIO 11

    tico de Cahiers du Cinema, enos Estados Unidos, de Siegfried Kracauer e de ar-tistas do cinema-verite como Richard Leacock, D.A. Pennebaker e MichaelRoemer.

    Evalioso colocar esses movimentos em oposicao, a partir do momenta emque foi exatamente desse modo que eles se desenvolveram. Os te6ricos Iormati-vos refutaram 0 realismo bruto que os produtores cinematograficos propagan-deavam e que 0 publico pensava estar recebendo. Mais tarde, os realistasatacaram especificamente os formalistas porque estes negavam 0 vinculo espe-cial do cinema com 0 realismo ao tentarem fazer com que ele se colocasse aolado das artes prestigiadas.

    Epreciso salientar novamente que aqui nao se fez qualquer tentativa de in-cluir todos os pensadores de todos os campos. Escolhi os pensadores que articu-lam melhor uma posicao, que tern arras de si ou urn raciocinio extensivo ou umatradicao importante. Ao trabalhar em cima des sa tradicao ou desse nucleo, espe-ro dar ao lei tor alguns pontos de referencia com os quais ele possa com mais fa-cilidade e melhor capacidade debrucar-se sobre os trabalhos originais. Ficaraclaro que enquanto os pensadores formativos, por exemplo, coincidem em mui-tas - na realidade, na maioria - das questoes relativas ao cinema, suas razoespara manter tais posicoes e os argumentos que as ap6iam variam enormemente.Enquanto a maioria dos estudantes de cinema pode estar pronta a comparar teo-rias tao divergentes quanto as de Eisenstein e Bazin, parece mais frunfero com-parar te6ricos do mesmo campo. Este livro tern 0 objetivo de fazer talcomparacao,

    A secao final do livro trata da teoria conternporanea, com 0 pensamento que,no momento mesmo em que escrevo, ainda esta se desenvolvendo, ainda se ela-borando em direcao a uma forrnulacao final. A maior parte da teoria contempora-nea tentou ignorar 0 debate formativo/realista, tanto incorporando ambos oscampos numa dialetica, como Jean Mitry 0 fez, quanto levando a discussao a urnntvel de abstracao onde a distincao nao e mais tao pertinente (como tanto os feno-menologistas quanto os semiologos fizeram ate certo ponto). Por causa da rique-za da atual teoria e de seu estado bastante confuso, restnngi-me a trabalhos feitosna Franca, onde, apesar da diversidade de abordagens, ha urn sensa de debate e depreocupacoes comuns. Essa secao final ira pelo menos proporcionar ao leitor umasene de pontos de referencia atraves dos quais podera reconhecer as principaisquestoes e considerar as varias posicoes a luz da teoria classica do cinema.

    Aqui tambern algumas figuras serao esquecidas, figuras que podem parecerou podem tornar-se importantes. Mas 0 que me interessa e 0 que deveria in teres-sar a todos os especialistas e estudantes e 0 projeto da propria teoria do cinema,nao a classificacao de todos os te6ricos. Mesmo que este livro fosse urn exausti-vo tratamento de todas as teorias do cinema, seria tolice do leitor terminar sualeitura com a sensacao de ter ingerido urn resumo do que ja se pensou sobre ci-nema. Espero, em vez disso, que comece a teorizar por conta pr6pria, inspirado(apesar de nunca limitado) pelos homens e argumentos anteriores a ele.

    Todo ~ivro requer urn tempo e urn lugar para ser escrito. Gostaria de agrade-cer ao ~atlOnal Endowment for the Humanities por me dar tempo para organi-zar e articular estes ensaios. A Universidade de Iowa, com sua tradi~aode seriesestudos te6ricos sobre cinema (marcada por mais de uma duzia de trabalhosnesta area), proporcionou uma atmosfera de estimulo. 0 Dr. Sam Becker foi apersonificacao desse estimulo e a propria imagem daquela tradicao te6rica.

    Devo agradecer principalmente aos extraordinarios alunos que durantecinco anos assistiram a meus cursos sobre teoria do cinema e que me ajudaram achegar aos criterios e comparacoes contidos nestes ensaios. Quero citar especi-almente varies ex-alunos, a maioria agora ensinando teoria do cinema, cujostrabalhos e discussoes levaram-me a en tender determinadas figuras. 0 claro erigoroso tratamento de Hugo Munsterberg feito por Donald Frederickson cons-cientizou-me do poder de sua pouco conhecida teoria e da complexa tradicaoque a ap6ia. Jeffrey Bacal e James Spellerberg fizeram-me encarar aspectos equestoes do pensamento de Einsenstein que se tornaram centrais para minha vi-sao do grande russo. Brian Lewis e David Bordwell apoiaram e ampliaram enor-memente meu ponto de vista sobre lean Mitry

    De modo mais pessoal, quero agradecer a Christian Koch, Dennis Nastav,Anthony Pfannkuche, Ellen Evans e Donald Crafton, nao apenas por suas con-tribuicoes a minha cornpreensao do assunto, mas por suas criticas a todo 0 es-force de teorizacao. De certo modo, gracas a eles este livro foi uma parte viva deminha vida, e nao apenas uma tarefa. As tarefas que permaneceram foram alivia-das e frequentemente assumidas por Larry Ward, de Iowa, e pelo meticuloso tra-balho e born humor pessoal de john Wright, da Oxford University Press.

    ].D.A.Iowa City

    junho de 1975

  • ,.

    INTROD{J~AO~

    OTEMA

    Que e teoria do cinema? Que fazemos em teoria do cinema? Os teoricos de cine-ma fazem e verificarn proposicoes sobre cinema ou algum aspecto do cinema.Eles 0 fazem por motivos tanto praticos como teoricos. Quanto a questao pratt-ca, a teoria do cinema responde as perguntas feitas por aqueles engajados na Iei-tura de filmes. 0 cinegrafista pode querer en tender as vantagens e desvantagensda tela panoramica; 0 produtor pode querer estudar com profundidade todas asrarnificacoes do processo tridimensional. Em tais casos, a teoria do cinema cla- .rifica 0 que os cineastas sem duvida compreendem intuitivamente.

    A teoria do cinema e estudada com mais frequencia, como outras artes eciencias, pelo simples prazer do conhecimento. A maioria de nos simplesmentequer entender urn fenomeno que experimentamos frutiferamente por muitosanos. Decerto, nao ha qualquer garantia de que a teoria do cinema va aprofun-dar a apreciacao dessa arte, e na realidade muitos estudantes reclamam da perdadaquele prazer original irrefletido que todos ja tivemos na sala de exibicao. 0que substitui essa perda e 0 conhecimento, a compreensao de como as coisasfuncionam.

    Essa situacao, na qual 0 conhecimento de uma experiencia corneca a subs-tituir a propria experiencia, e urn fen6meno peculiarmente moderno. So 0 que epreciso edar uma olhadela na livraria local para ver quantas experlencias, quepor si mesmas nao sao experiencias da mente, estao sendo consideradas demodo racional. 0 mais comum seria 0 Ienomeno da vida sexual do homem, quetern sido estudado por tantos manuais e trabalhos psicoterapeuticos. A religiao,do mesmo modo, tern sido substitufda por muitos pela filosofia da religiao oupela antropologia cultural, as quais colocam uma atividade da razao no lugar deuma de outra ordem. Todo 0 campo da psicologia tern como objetivo a compre-ensao consciente dos processos inconscientes. Essa lista poderia continuar e in-cluiria, e claro, a estetica, a pesquisa racional do domtnio da arte, urn domfnioque sem duvida nao e totalmentesracional.

    Perguntar se a razao pode acrescentar experiencia e fazer uma pergunta queultrapassa 0 objetivo deste pequeno estudo; mas e fazer uma pergunta que deve-

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  • 14 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA INTRODU
  • 16 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA INTRODUc;:Ao 17

    tro. A seu proprio modo, cada teorico colocara 0 que considera ser umapergunta importante sobre cinema e, tendo respondido a ela (ou, no ato de ten-tar dar uma resposta), sera forcado a fazer outras perguntas afins. As teorias docinema, assim, sao redutfveis a um dialogo sinuoso de perguntas e respostas, epodemos compara-las provisoriamente apenas examinando os tipos de pergun-tas feitas e a prioridade dada a cada pergunta. Nosso estudo, no entanto, seriatrivial se apenas enumerassemos todas as perguntas formuladas por cada teori-co e as respostas dadas. Tallista por si so nunca geraria a comparacao, 0 contras-te e a esquematizacao das ideias sobre cinema.

    Para comparar teoricos, devemos Iorca-los a falar de questoes semelhantes,categorizando suas perguntas. Cada pergunta sobre cinema esta contida empelo menos um dos seguintes tftulos: materia-prima, metodos e tecnicas, for-mas e modelos, objetivo ou valor. Essas categorias, adaptadas de Aristoteles",dividem 0 fenomeno do cinema em aspectos que 0 compoern e que podem serexaminados.

    1. "A materia-prima" inclui perguntas sobre 0 vetculo, tais como as queprocuram sua relacao com a realidade, fotografia e ilusao, ou as que dizem res-peito a seu uso do tempo e do espac;:o, ou mesmo as que se referem a processoscomo cor, som e a decoracao da sala de exibicao. Tudo 0 que existe como um es-tado de coisas com 0 qual comeca 0 processo cinematico pertence a categoria da"materia-prima" .

    2. "Os metodos e tecnicas" de cinema compreendem todas as perguntas 50-bre 0 processo criativo que da forma ou trata a materia-prima, indo das discus-soes sobre os desenvolvimentos tecnologicos (como a tomada em zoom) apsicologia do cineasta ou mesmo a economia da producao cinematografica.

    3. "Formas e modelos" do cinema e a categoria que contem perguntas 50-bre os tipos de filmes que foram ou poderiam ser feitos. Perguntas sobre a capa-cidade do cinema de adaptar outros trabalhos de arte pertencem a essacategoria, assim como perguntas sobre genero e a expectativa da plateia ou 50-bre a repercussao, Aqui analisamos os filmes partindo da premissa de que saoum processo completo no qual a materia-prima ja tomou forma atraves de va-rios metodos criativos. Que determina essas formas e como elas sao reconheci-das por uma plateia?

    4. "Objetivo e valor" do cinema e a categoria que se relaciona aos aspectosmais amplos da vida, pois aqui residem todas as perguntas que investigam 0 ob-jetivo do cinema no universo do homem. Uma vez que a materia-prima foi mol-dada por um processo, obtendo determinada forma significativa, que significaisso para a humanidade?

    Quer essa seja ou nao perfeita divisao de perguntas sobre cinema, pare-ce-nos uma divisao justa e util, e todo teorico implicitamente responde a cada

    * A divisao de Arist6teles das quatro "causas" de qualquer fen6meno natural (material, eficiente,formal e final) e desenvolvida em sua Flsica, II, secao 3.

    tipo de pergunta. Podemos conhecer muito sobre um teorico observando quecategoria de perguntas mais 0 intriga. Em qualquer caso, em cada analise e feitauma tentativa para ver que tipo de respostas e questoes e gerado por cada cate-goria de perguntas. Desse modo, as comparacoes de posicoes teoricas sao bemmais faceis. Sem duvida, esse caminho e injusto com alguns teoricos, pois im-poe uma especie de esquema logico as suas observacoes, que podem ajustar-se aelas desajeitadamente, mas proporciona uma perspectiva con stante que nospermitira obter um resumo das teorias do cinema, enos da as coordenadas quenos permitem comecar a mapear essas teorias.

    Apesar de haver incontaveis perguntas que podem ser catalogadas dentrodessas categorias, na realidade precisamos estar preocupados com apenas umaspoucas. A razao disso e que a teoria do cinema forma um sistema no qual a res-posta a qualquer pergunta pode facilmente levar a proxima pergunta, e qualquerpergunta pode ser reformulada. Estas duas proposicoes sobre teoria do cinemasao essenciais: 1) a transposicao de perguntas e 2) a interdependencia de per-guntas. Vamos analisa-las brevemente.

    1. Transposicao

    Os teoricos do cinema podem comecar com uma pergunta relacionada a umacategoria e abordar as outras apenas implicitamente. Um teorico como Pudov-kin estava muito interessado em perguntas sobre a criacao de um filme. Ele dis-cutiu questoes tecnicas do ponto de vista de um cineasta. Que especie demontagem organiza melhor uma cena? Que especie de interpretacao e adequadaa um filme epico historico? Que devenamos fazer com a nova invencao, osom?

    Outros teoricos iniciais estavam interessados no cinema do ponto de vistado espectador. Como um espectador responde a montagem paralela ou a um fil-me do tipo cinema-verite, que tenta ganhar em imediatismo 0 que perde em atra-cao visual? Alguns teoricos van direto as proprias imagens projetadas parafazerem suas perguntas. Qual e a natureza do filme? Qual a sua relacao com a re-alidade? Como a fotografia e 0 som se relacionam? 0 cinema e uma arte espacialou temporal? Em sua essencia, 0 que distingue 0 cinema?

    Urn unico fen6meno pode ser estudado de qualquer perspectiva ou podeser transposto e questionado de todas as perspectivas. Por exemplo, a perguntade Pudovkin sobre os tipos de usa que podem ser feitos do cinema sonoro pode-ria ser reformulada: "0 som sincronizado fara a imagem parecer mais real para 0espectador ou, ao contrario, aumentara a ilusao do filme de ficcao?" Essa trans-posicao pode ser mais tarde redefinida para se ajustar a perspectiva material:"Seria 0 som mais real que a fotografia, por ser a reproducao de um fato auditi-YO, enquanto a imagem e uma representacao em duas dimensoes de urn fato vi-sual?" Assim, mesmo se dois teoricos cornecarem de diferentes perspectivas,podemos relacionar seus pontos de vista transpondo as perguntas.

  • 18 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA INTRODU
  • ,,

    A Tradi~ao Formativa

    Como 0 nosso seculo provou ser urn seculo de crttica, nao surpreende 0 fato deas teorias do cinema terem aparecido antes de 0 processo cinematografico com-pie tar 20 anos. Nunca antes uma arte foi pesquisada tao rapidamente por inte-lectuais que tentavam entende-la ou, com maior frequencia, que tentavamcoloca-la apropriadamente em seu caminho.

    Os primeiros ensaios series sobre 0 cinema naturalmente procuraram en-contrar urn lugar para ele na cultura moderna. 0 cinema havia crescido comouma trepadeira em redor dos grandes ramos de cultura popular e seria. Haviamesmo comecado a alterar a visao cultural de sua historia. No entanto, deve tersido diftcil, de infcio, separar 0 cinema dos eventos que ele registrava, e mais di-ftcil ainda analisa-lo isoladamente das artes e entretenimentos estabelecidos dosquais dependia para adquirir sua forma e seus proprios metodos de atingir umaplateia.

    As primeiras "teorias" parecem mais anuncios de nascimento do que pes-quisas cientfficas. Individuos que sentiram uma simpatia imediata pelo cinemae que queriam ve-lo florescer por conta propria perceberam que primeiro ti-nham de liberta-lo de outros fenornenos que 0 apoiavam e aos quais 0 publiconaturalmente associava. 1550 significou urn ataque imediato ao realismo na telae aqueles que, como Lumiere, tinham a certeza de que 0 cinema nao tinha urnsignificado duradouro alem dos eventos que podia registrar.

    Esses teoricos lutaram para dar ao cinema 0 status da arte. 0 cinema, argu-mentavam, era igual as outras artes porque transformava 0 caos e a ausencia designificado do mundo numa estrutura e num ritmo auto-sustentados. Duranteessa epoca, foram feitas comparacoes entre 0 cinema e virtualmente todas as ou-tras artes. 0 teorico Vachel Lindsay foi 0 primeiro norte-americano a publicaruma teoria do cinema (The Art of the Moving Picture, 1916), e mostrou especifi-camente que 0 cinema se beneficiava das propriedades de todas as outras artes,inclusive a arquitetura. Na Franca, urn cfrculo de entusiastas do cinema compa-rou-o incessantemente com a musica, concentrando-se em sua capacidade demol dar 0 fluxo e a aparencia da realidade. Seguindo os passos iniciais de Ricci-otto Canudo, e sob a bandeira levantada por Louis Delluc, hder do movimento

    21

  • 22 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA

    TA TRADI~AO FORMATIVA 23

    de vanguarda do cinema frances ate sua morte, em 1924, esse grupo nao apenasqueria ver 0 cinema considerado uma arte, mas insistia em que era uma arte in-dependente.

    Inurneros ensaios desse periodo (1912-25) diferenciavam em altas vozes 0cinema do teatro. A maioria afirmava que, pelo fato de 0 cinema em sua infanciater sido economicamente obrigado a registrar desempenhos teatrais, ele nuncasuperara 0 teatro na busca de sua pr6pria essencia. A vanguarda dos anos 1920salientou as qualidades musicais, poeticas e, sobretudo, ontricas inerentes aex-periencia cinematografica. Delluc tentou resumir sua concepcao da nova artenuma palavra rnlstica, photogenie, aquela qualidade especial disponivel apenasao cinema, que pode transformar tanto 0 mundo como 0 homem com urn sim-ples gesto. 0 cinema e fotografia, mas fotografia elevada a uma unidade ritmicae que, em troca, tern 0 poder de gerar e ampliar nossos sonhos. Os artigos elivros de Germaine Dulac, Jean Epstein e Abel Gance abundam em declaracoesltricas sobre a singularidade do cinema. As proposicoes esteticas sao avancadas,mas raramente fundamentadas de modo rigoroso. Foi suficiente, na decada de1920, conceber e apresentar vigorosamente novas maneiras de se ver 0 cinema(como "forma plastica", ou "tempo congelado", ou "sincronizado com 0 tempode nossos sonhos cotidianos").

    Ao mesmo tempo em que a teoria poetica do cinema aparecia na Franca jun-to com os primeiros cineclubes e os artistas cinernatograficos de vanguarda, aindustria cinematografica institucional alema estava laboriosamente criando 0movimento que chamamos expressionismo. Esse movimento, que leva a serio 0ditado formativo de transformar a vida cotidiana, nao teve te6ricos reais que fa-lassem por ele, apesar de, entre todos os movimentos da hist6ria do cinema, terpermanecido mais proximo das ideias da intelligentsia de que se originou. Cer-tamente existem interessantes observacoes de atores, desenhistas, escritores ediretores expressionistas com relacao ao rnetodo e afuncao do cinema, mas ne-nhuma ampla teoria expressionista do cinema foi jamais formulada.

    Quando, em 1925,0 movimento alemao perdeu seu poder original e a van-guarda francesa se desintegrou, 0 centro do pensamento avancado sobre cinemamudou-se para Moscou. A Russia abrira sua famosa Escola Estatal de Cine-ma em 1920 e, ao redor dessa escola, desenvolverarn-se entusiasmadas e produ-tivas discussoes. Lev Kuleshov, Dziga Vertov,VI. Pudovkin e especialmente Ser-gei Eisenstein sao os nomes mais frequentemente associados a esse pertodo.Quase todas as questoes relativas ao cinema foram catalogadas por esse grupocomo questoes de montagem. As ideias de Eisenstein avancaram, mas nunca de-vemos esquecer-nos de que seus escritos foram compostos no contexto de umavasta e vibrante atmosfera de debate.

    o fim do cinema mudo gerou grande numero de ensaios importantes. Porvolta de 1929,0 numero de publicacoes dedicadas a teoria do cinema (incluin-do revistas em Ingles como Close Up e Experimental Cinema) indica que uma sig-nificativa comunidade mundial considerava 0 cinema poderosa forma de arte.

    Estetas apareceram por toda parte para debater a nova direcao que 0 cinema de-veria tomar depois que 0 som perturbara seu equiltbrio. Todo esse debate ocor-reu numa atmosfera definitivamente formativa.

    Pa~adoxalmente, a chegada do som parece marcar 0 decltnio da grande erada teona formativa do cinema. No entanto, por volta de 1935 ja era consideradocerto em quase todos os cfrculos cultos que 0 cinema era uma arte, independen-te de todas as outras artes, mas tendo em comum com elas 0 processo de trans-

    for~a

  • capitulo 1Hugo Munsterberg

    Quando Hugo Munsterberg escreveu The Photoplay: A Psychological Study, em1916, escreveu sem precedente, e talvez par essa razao a sua nao seja apenas aprimeira, mas tambem a mais direta das principais teorias do cinema. Sua mentenao foi distratda pelo rutdo de argumentos, nem a memoria a alimentava comobstinados contra-argumentos, pais a cinema dificilmente poderia ser conside-rado sofisticado a bastante para ten tar qualquer coisa diferente do que preen-cher as funcoes que sabia poder controlar. Como Munsterberg afirma que soassistiu a filmes num penodo de cerca de dez meses antes de escrever seu livro(ele tinha vergonha de ser vista num cinema), seu legado visual foi obviamenterestrito. Ele tentou superar issa com a energia e a obstinacao de urn especialista,pesquisando cuidadosamente a cinema e estudando sua historia a quanta pede.No entanto estava claramente interessado em discutir, nao as primordios do ci-nema, mas as maravilhosos filmes historicas de 1915 aos quais, e claro, assistiuquase diariamente.

    o livro de Munsterberg divide-se em uma estetica e uma psicologia do cine-ma, e ele era proeminentemente qualificado nas duas areas. E frequentementeidentificado como urn dos fundadores da moderna psicologia e escreveu ampla-mente sabre a assunto para a especialista e para a leigo.Em filosofia, suas ere-denciais sao ate mais impressionantes. Ele fora importado da Alemanha paraHarvard par William James e acabou se tornando diretor do Departamento deFilosofia durante a era nao apenas de James, mas de Royce e Santayana. Pareceter tido uma inteligencia tenaz e quando, em 1915, apontou essa inteligenciapara a cinema, nao descansou ate explicar seus trabalhos para si mesmo e justi-ficar sua importancia para as intelectuais da epoca, que a consideravam incipi-ente e tala.

    AssaNTO E MEIOS

    o livro de Munsterberg comeca com uma introducao historica, fruto de sua ten-tativa de conhecer tudo a que podia sabre a vetculo. Essa secao, intitulada"Introducao", pode parecer autonorna e tangencial a sua teoria, especialmente

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  • 26 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA HUGO MUNSTERBERG 27

    para a leitor que sabe que a reputacao de Munsterberg reside na filosofia e napsicologia, certamente nao em historia. Alern disso, Munsterberg segue umalonga tradicao de conhecimento quando examina a genese do cinema antes deanalisa-lo. As perguntas "0 que quero examinar?" e "Como veio a ser assim?"tern uma precedencia natural sabre perguntas como "De que modo funciona?" e"Que posso fazer com isto?" Mas nao nos devemos enganar, pais a introducaoinformal de Munsterberg se encaixa no centro de seu argumento. 0 que a prin-cipia parece uma simples cronologia de acontecimentos importantes serve,numa segunda olhadela, para resumir a modo pelo qual a instituicao do cinema,assim como qualquer outro exemplo de cinema, pode existir.

    A historia do cinema de Munsterberg divide-se claramente entre a que elechama de desenvolvimentos cinernatograficos "externos'' e "internes", entre ahistoria tecnologica do vetculo e a evolucao do usa, pela sociedade, desse veicu-10. Munsterberg argumenta que a tecnologia proporcionou a carpo desse novofen6meno e que a sociedade deu vida a esse corpo, forcando-o a desempenharinumeros papeis reais. Sem a tecnologia nao haveria filmes e sem as pressoespsicossociologicas esses filmes permaneceriam, sem ser projetados, em poroes emuseus. E a avidez da sociedade par informacao, educacao e entretenimentoque permite ao cinema existir, sem duvida.

    A introducao de Munsterberg culmina com uma apologia acapacidade nar-rativa do cinema. Conta a lenda de urn jovem cinema submetido, em seus pri-meiros anos, a escravizadora documentacao de pe

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    mento a mudanca de lugar de uma imagem em seu territorio e menciona quepodemos, atraves da cuidadosa atencao, reverter essa relacao, alterando nossapercepcao do movimento. a movimento das nuvens e da lua da 0 melhor exem-plo dessa experiencia. Podemos, em determinadas noites, ver nuvens passandodelicadamente atraves de uma imperiosa lua, mas no momenta seguinte a luacomeca a deslizar atraves de uma escura floresta de nuvens. Tudo depende decomo nossa atencao estrutura as percepcoes,

    Munsterberg tinha uma nocao hierarquica da mente; isto e, achava que elacontinha varies nfveis, com os mveis superiores dependendo da acao dos infe-riores. Cada nivel resolve 0 caosde estfmulos indistintos mediante urn ate ver-dadeiro, criando virtualmente 0 mundo de objetos, eventos e emocoes que cadaurn de nos experimenta. Em seu primeiro nrvel, amente da movimento ao mun-do sensorial. Sabe-se que sua descricao do chamado jenomeno-ph( 0 coloca de-cadas a frente de teoricos posteriores que explicariam a ilusao do cinemarecorrendo ateoria da "retencao de estfmulos visuais". Munsterberg.caracteris-ticamente, ultrapassou esse ponto de vista passivo, adotando urn ativo, no quala mente, em seu mvel mais primitivo, confere movimento aos estimulos.

    Ele sabia que a retina retem impressoes visuais momentaneamente depoisque urn esttmulo foi removido, como quando fechamos os olhos depois de olharpara 0 sol; mas ele mostra que esse fenomeno passivo nao e capaz de explicar 0modo pelo qual damos vida a uma serie de fotografias paradas (stills). a feno-meno-phi explica isso ao salientar os poderes ativos da mente que literalmentefazem sentido (movimento) devido a esttmulos distintos. Munsterberg descreveesse fenomeno recorrendo a algumas experiencias de percepcao, mas nuncatenta explica-lo. Esse fenomeno-phl e para ele urn dado. Mostra que em seu nt-vel mais basico a mente tern suas proprias leis e constroi nosso mundo exerci-tando-as. Mostra tambem que a tecnologia do cinemareconhece implicitamenteessas leis e trabalha seus efeitos na propria mente. A complexa maquinaria (ca-maras, projetores e toda a parafernalia de processamento) que produz fotogra-fias paradas intermitentes foi desenvolvida para trabalhar diretamente sobre amateria-prima da mente. a resultado e 0 filme.

    Essa unica, basica capacidade mental foi suficiente para levar Munsterberga conceber todo 0 processo cinematico como urn processo mental. a cinema,para ele, e a arte da mente, assim como a musica e a do ouvido e a pintura, a doolho. Toda a sua tecnologia e sociologia se originam dessa crenca. Todas as in-vencoes e uso do cinema foram desenvolvidos para moldar e criar filmes a partirda mente humana. E a mente a fonte do cineasta e a substancia dos filmes.

    Pareceu obvio a Munsterberg considerar todas as propriedades cinematicasmentais. Alem da qualidade basica do movimento, ele nota que primeiros pla-

    * 0 movimento ilusorio de linhas, figuras, ou outros objetos mostrados numa rapida sucessao deposicoes diferentes, sem que na verdade qualquer movimento autentico seja apresentado avisao.(N.E.)

    nos e angulos de camara existem nao apenas por causa das lentes e camaras queos tornam tecnicamente posstveis, mas por causa do proprio modo de trabalhoda mente, que ele rotula de "atencao". A mente nao apenas vive num mundo emmovimento, ela organiza esse mundo atraves da propriedade da atencao. Domesmo modo, 0 filme nao e mere registro do movimento, mas urn registro orga-nizado do modo como a mente cria uma realidade significativa. A atencao operano mundo da sensacao e do movimento, como 0 angulo, a composicao e a pro-fundidade focal sao propriedades urn degrau acima do mere registro de fotogra-fias intermitentes.

    Num mvel ainda rnais elevado, Munsterberg confronta as operacoes men-tais da memoria e imagtnacao que superam a simples atencao para dar a essemundo urn sentido, urn impacto, uma direcao pessoal. As propriedades ftlmicasque respondem a essas operacoes mentais sao os varies tipos de montagem, queconferem tanto ao movimento quanto ao trabalho significativo da camara umadirecao dramatica e uma organizacao. No mais alto mvel mental estao as emo-coes, que Munsterberg considera os eventos mentais completos. Apesar de elenunca distinguir, nesse livro pelo menos, entre a mente e suas emocoes, a mentedeve organizar os poderes e atividades das emocoes. a aspecto cinernatico cor-respondf\nte a emocao e a propria historia, a mais alta unidade ou ingredientedispornvela essa arte da narrativa, e a que dirige todos os processos inferioresdo cinema.

    Assim, ao elaborar sua hierarquia psicologica, Munsterberg indicou cuida-dosamente os analogos materiais do cinema relacionados a cada estagio mental.A primitiva ilusao de movimento dada a nos pela acao da mente sobre fotogra-fias intermitentes e complementada pela atencao seletiva obtida via angulo,composicao, tamanho da imagem e iluminacao, Correspondendo amemoria e aimaginacao estao os recursos naturais de montagem, que diminuem ou aumen-tam 0 tempo, criam ritmo e desvendam retrospectos ou cenas de sonho. Final-mente, Munsterberg afirma: "Registrar emocoes deve ser 0 objetivo central dapec,;a cmematografica.?' Como os materiais do cinema sao os recursos da mente,a forma do cinema deve espelhar os acontecimentos mentais, isto e, as emocoes,a cinema nao e 0 vefculo do mundo, mas da mente. Sua base nao reside na tee-nologia, mas na vida mental.

    Finalmente, podemos ver como Munsterberg presta apenas uma rapidaatencao aos documentaries e filmes educacionais. Eles podem ter valiosas fun-coes sociais, mas nunca podem atingir 0 status de pec,;a cinernatografica, que euma forma baseada na verdadeira materia-prima do cinema, 0 movimento dosprocessos mentais. Tambem podemos ver por que ele achava que a cor e 0 somdemonstrariam ser mais do que superfluos para a experiencia cinematica. Elessao desenvolvimentos tecnicos que nao ativam urn novo ntvel mental. Para ele,a tecnologia de 1915 ja servia de modo ideal para moldar as maiores obras dearte de que 0 cinema seria capaz e para realcar nossas vidas, em consequenciapreenchendo inteiramente os objetivos da arte. Como sua posicao e diferente da

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    de Bazin, que, 30 an os mais tarde, afirmaria que 0 cinema deve ser visto comourn Ienomeno em evolucao, desenvolvendo permanentemente uma tecnologiacada vez mais perfeita, que servira a objetivos impensaveis ao nos dar formasimmaginaveis de cinema. Nunca passou pela cabeca de Munsterberg que 0 obje-tivo do cinema de mais alto mvel poderia ser diferente do objetivo tradicional daarte ou que sua forma poderia nao seguir os preceitos estabelecidos para todasas artes bem-sucedidas.

    FORMA E FUNC;:AO

    Munsterberg foi em primeiro lugar e sempre urn filosofo, urn idealista da escolaneokantiana. E e a estetica kantiana que ele nos entrega pre-embrulhada no im-cio da parte II de seu livro. Para usar nosso sistema de categorias, foi 0 valor, fun-cao ou proposito do cinema que primeiro deve ter atingido sua mente, a partirdo momenta em que ele se viu voltando inumeras vezes aos filmes de 1915. Paraele, a experiencia de se deixar levar por uma historia cinematograflca provouque 0 cinema era uma arte, tendo 0 objetivo da arte, e e em direcao aestetica dofilme que tende a sua psicologia do cinema.

    Seguindo Kant, Munsterberg utiliza urn tipo inteiramente diferente de ana-lise quando se volta da psicologia para a estetica, A psicologia e parte de urnmodo de pensar cienttfico. Tenta explicar aspectos do que Kant chamou de do-minio [enomenico, 0 dominio do sensa de experiencia onde as coisas sao ligadasno tempo, no espa

  • 32 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA HUGO MUNSTERBERG 33

    usam a psicologia para explicar os sentidos humanos universais ao seu redor.Eles tentam explicar 0 numenico pelo fenornenico. Tanto Kant quanto Muns-terberg foram sensiveis a esses ataques e chegaram aestetica para escorar 0 in-defeso mundo da transcendencia. Eles descobriram que na pura expertencia dabeleza 0 homem encontra uma transcendencia que nao 0 atinge diretamente eque a psicologia dos materialistas nao po de explicar. A beleza salva tanto a ver-dade como a bondade.

    No objeto de arte, a mente de repente descobre no mundo urn objeto cons-truido com perfeicao para ele, assegurando a exatidao tanto do objeto como damente perceptiva, os quais escapam por urn momenta da apressada tensao inin-terrupta existente entre 0 homem e 0 mundo. Para Munsterberg, 0 objeto de arteisolado deve atingir 0 receptor desinteressado com toda a sua singularidade, pri-meiro pressionando a mente e depois relaxando-a. Alguns filmes, ele descobriu,alcancam isso plenamente.

    Evidentemente, 0 efeito foi tao forte que ele se recusou a acreditar que 0 fil-me era uma forma de arte inferior. Os que afirmam ser este urn mero derivado daarte do teatro ignoram 0 fato de que, quando vern os uma fotografia da pinturarenascentista, desejamos ver 0 original e, desse modo, nao ficamos realmentesatisfeitos com 0 objeto em frente a nos; mas quando vemos urn born filme fica-mos satisfeitos e nao 0 consideramos urn teatro deslocado. Nossas mentes saoinvadidas por esse objeto na tela e sao afastadas de todos os outros compromis-sos. 0 filme entao desliza para sua conclusao moldado de tal forma que se man-tem longe do mundo real enos mantem no que tern sido chamado de estado de"atencao extasiada". Em vez de tentar usar tal filme, ou mesmo de compreen-de-le, ficamos contentes por percebe-lo em si mesmo, isolado de todo 0 resto,valioso por si so. Essa e a resposta de Munsterberg ao objetivo final do cinema.Ele tern tanta certeza dessa resposta que jamais se preocupou em discuti-la nes-se ensaio. Para ele, e urn fato provado.'

    A experiencia estetica atinge-nos, em primeiro lugar, em nossa contempla-cao da natureza. Quando, em nossa rotina diana, repentinamente paramos semrazao "para realmente ver" , e temos prazer com 0 que antes quase nao havtamosnotado, estamos isolando esse objeto ou paisagem de seu backgroundenos iso-lando de nossa rotina. Essa instancia da natureza agrada-nos, nao.porque ajudaas nossas vidas, mas porque corrobora 0 que diz Mikel Dufrenne: "Somos feitospara este mundo eo mundo e feito para nos." Nossa experiencia deixa-nos rela-xados e nada mais desejamos mesmo quando 0 objeto e violento ou estranho.

    Cultivamos a experiencia estetica dos objetos de arte, que sao objetos cons-trutdos no mundo sem razao pratica, Frequentemente sao retirados do mundopor uma fronteira espacial (uma moldura ou urn arco de proscenio) ou por uma

    -fronteira temporal (ouvirnos uma sinfonia num salao das 20h as 20h45m e de-pois voltamos para a rua). Trabalhos de arte sao objetos, diria Munsterberg, se-guindo Kant, construtdos de acordo com nossas mentes, objetos cuja raisond'etre e serem sentidos perfeitamente e fora de qualquer contexto.

    M~nsterberg tern de mo~trar como 0 cinema pode ser urn objeto de artedesse tl~o '.Ele procede neganvamente. Primeiro indica, como vimos, que 0 ci-nema n~o e mero.canal de transrnissao do trabalho artistico teatral. Depois, tal-vez murto resumidamente, nos conta que 0 filme tambern nao e urn canal detransmissao ~a experiencta estetica do mundo natural. Everdade que 0 diretorpode proporcionar uma fotograha das cataratas do Niagara para aqueles de nosque nunca as vimos; e pode mostrar-nos pela primeira vez a beleza de uma florque conhecemos, mas que nunca realmente "vimos antes", apenas colocandoesses objetos naturais na tela onde, Iorcosamente, nao tern valor. Mas Munster-berg nunca afirmaria que essa e a capacidade estetica total do filme. Afinal decont.as, por .que precisamos de uma duplicacao da natureza, e quem nao podesennr 0 cheiro da flor ou os respingos das cataratas? Os filmes sobre beleza na-tural tern 0 objetivo pratico de estimular nosso apetite pela experiencia esteticada natureza, mas nunca podem substituir tal experiencia. Sao mais como a foto-grafia de uma pintura renascentista que acaba nos levando a Galeria Uffizi emFlorenca. '

    Finalmente, Munsterberg volta-se para 0 lado positivo de seu argumento.Se uma parte da natureza ou urn ato de uma pe~a deve funcionar esteticamentenum filme, ele 0 faz, afirma, submetendo-se a poetica da tela, formando urnno:,o objeto, urn objeto filmico de contemplacao. Para Munsterberg, esse e urnobjeto mental, urn objeto que flui e encontra seu abrigo de acordo com as leis dament~. Aqui.podemos reconhecer a coincidencia de sua teoria estetica e sua psi-cologia do cmema. A crenca de que 0 unico vinculo do cinema com a validadee~tetica reside em sua capacidade de transformar a realidade em objeto da ima-gmacao encontra eco na reivindicacao psicologica de que 0 filme existe, nao emceluloide, nem mesmo na tela, mas apenas na mente, que 0 efetiva ao conferirmovimento, atencao, memoria, imaginacao e emocao a uma inanimada serie desombras.

    Nem todos os filmes conseguem ser objetos esteticos. Como urn filme deveser para atingir este status? Em outras palavras, como os filmes devem ser trans-formados em imaginacao? Aqui Munsterberg mostra suas raizes kantianas rnaisexplicitamente quando afirma que a realidade e caracterizada pelas ordensprimarias de tempo, espa~o e causalidade. Esses tres caminhos basicos derelacionar objetos asseguram seu status na continuidade da realidade. Nem po-demos conceber 0 mundo sem eles. Agorao cineasta tern os meios para organi-zar precisamente essas tres categorias de experiencia, dando-lhes forma, naoimportando as relacoes espaciais, temporais e causais que escolha. Apesar deMunsterberg nao 0 dizer explicitamente, esse ponto de vista sobre 0 potencialdo cinema 0 aproxima bastante do mundo do sonho. Naturalmente, Munster-berg apreciaria essa relacao tanto no campo estetico como no psicologico.

    o filme deve seguir urn mundo puramente mental, substituindo as relacoesentre as formas do mundo por relacoes mentais. 0 filme difere do sonho princi-palmente em plenitude. Enquanto 0 sonho pode gerar determinadas fantasias e

  • 34 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA

    emocoes, deixando-nos desnorteados ou tremulos ao acord~rmos, 0 filme este-,tico vai dispersal' todas as energias que chama a acao, Ele val pegar as formas danatureza, reordena-las a luz da mente e, ao fazer isso, vai excitar noss~s erno-coes. Ira entao claramente juntar essas formas, dand~-lhes uma ordem fm~l.queimediatamente corrobora a prioridade das leis mentats sobre as formas caoncas,e ao mesmo tempo completa a experiencia do espectador de urn modo que 0deixa sem sen til' falta de nada. 0 espectador transporta-se para urn objeto daimaginacao e e deixado no mundo, mas maravilhosame~te afa~tado de suas :~refas e obrigacoes. Munsterberg nao poderia tel' sido mais sucmto ao resurmr:

    A peca cinernatografica conta-nos uma historia humana ultrapa.ssando as formasdo mundo exterior - a saber, espac;:o, tempo e causalidade - e ajustando os aeon-tecimentos as formas do mundo interior - a saber, atencao, memoria, imaginacaoe ernocao. '" [Estes acontecimentos} alcancam isolamen}o total do mundo praticoatraves da perfeita unidade de enredo e forma pictorica.

    Essa estetica pratica levou Munsterberg a uma concepcao avancada d~ c~nsura. Qualquer material e adequado ao cinema, argumentou, .mesmo. 0 mars VlO-len to e lascivo, contanto que atinja suas conclusoes apropnadas, liberando asenergias que despertou. A "unidade" torna-se 0 lema aqui, como em tantas teo-rias da arte. A unidade formal absoluta do trabalho arttstico assegura que nadanele ira afetar diretamente nossas praticas, A experiencia e inteiramente auto-contida. Exatamente como 0 espa~o e 0 tempo do filme sao imaginaries e naoafetam 0 espa~o e 0 tempo de nossa existencia cotidiana, assim tambem a causa-lidade do trabalho cinematografico nao flui diretamente para dentro de nossasvidas. Os sentimentos que vemos na tela, temos, violentos, er6ticos, virtuo~os...todos cresceram fora de urn sistema conectado que termina quando termma 0filme. Esses sentimentos emocionam-nos durante 0 filme, mas a unidade do fil-me permite-nos contempla-los desapaixonadamente quando .som~s la~~adosde volta ao barulho do trafego fora do cinema. Se a forma do filme e unificada,entao 0 objetivo do filme servira enos envolvera desinteressadamente como urnobjeto isolado e intrinsecamente valioso.

    Ha varias questoes serias levantadas pela estetica de Munster~erg,.~as elaspoderiam ser formuladas pOl'inconta~eis estetas a partir de Kant. E mais impor-tante notal' a consistencia do pensarnento de Munsterberg. Embora algumas desuas respostas possam surpreender-nos pela estreiteza de visao (sua recusa emaceitar 0 sorn, a cor, 0 documentario, a espontaneidade etc.), deve-se lembrarque ele proporcionou ao cinema urn pe~same~to c~idad.oso, nao-a~ologetico,extraido de uma tradicao respeitada de psicologia e filosofia, e que 0 cmema pre-cisava desesperadamente de tal apoio naquela epoca, Talvez 0 impacto to.tal ~eMunsterberg ainda esteja por vir. A reedicao de seu estudo provocou considera-vel interesse pOl'sua teoria, e]ean Mitry, para citar apenas urn, disse: "Como pu-demos deixar de conhece-lo durante tantos anos? Em 1916 esse homemcompreendeu 0 cinema quase tao bern quanto qualquer urn jamais 0 fara.?"

    capitulo 2

    Rudolf Arnheim

    As ideias de Hugo Munsterberg, nao importa quae avancadas ou irrefutaveis, ti-veram pequena influencia sobre as subsequentes teorias do cinema. RudolfAmheim, ao contrario, cujas nocoes, na maioria dos casos, sao substancialmen-te as mesmas de Munsterberg em The Photoplay: A Psychological Study, teve am-pIa influencia. Assim como cresceu a reputacao de Amheim no campo da crtticade arte e da psicologia da percepcao, 0 mesmo ocorreu com 0 interesse pOl'Filmas Art, 0 pequeno livro que publicou (originalmente na Alemanha) em 1932.Como Munsterberg, Amheim vern de uma respeitada escola intelectual, a escolagestaltista de psicologia. E talvez por essa razao seu raciocmio, como 0 deMunsterberg, seja rapido e consistente. Ao mesmo tempo, sua absoluta adesao aurn grupo de ideias leva-o a rejeitar muitos tipos de cinema, fazendo-o parecerhoje deveras paroquial.

    Na primeira frase de seu ensaio, Amheim limita seu interesse pelo cinemaenquanto forma de arte apenas. Como apoio, usa analogias dos outros vefculos:nao damos atencao estetica a cartoes-postais (arte), marchas militares (musicas)e striptease (danca). Todos os vefculos, diz, tern usos multiples, sendo apenasurn estetico; mas e essa funcao artistica que geralmente nos faz focalizar 0 vetcu-10. Em consequencia, a poesia rernete-nos as palavras, nao as mensagens, e apintura coloca em evidencia nossa sensibilidade com relacao a linha, a cor, acomposicao e a outras propriedades formais, em vez de nos remeter aimagem. Aarte cinematografica, do mesmo modo, rernete-nos abase do vetculo em vez deenfatizar 0 mundo que ela fotografa. Mas qual e a base?

    MATERIAL

    Para Munsterberg, essa base sao os processos psico16gicos do espectador.Amheim quer focalizar 0 material do proprio veiculo, mas nao encontra urnmodo de reduzi-lo a qualquer coisa analoga aos materials simples das outras ar-tes. Conclui que 0 material ctnematografico devem ser todos os fatores que tor-nam 0 cinema uma ilusao mais que perfeita da realidade.

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  • 36 AS PIlINCIPI>tSTEOR1AS DO CINE!'IA J7

    A malo rta dos tecrt ccs tern afirmado qu e ate cen o ponlo 0 cinema e vetculoda realldade. mesmo se ndo urna subs m utcao do real. Arnheim , no entente , as-segura que, nesse case, 0 fllme nao pod e se r arte, a part ir do mornemo em queurn antsta nac tern poss ibilidade real de manipular tal verculo . 0 artista teriaape nas de reapresentar a realidade, focalu ando a atencac da plateic no que e re-presemadc . nao no mod o de tal representacao. Tal como 0 LeXlOde prosa educe-cional , tal fettura de I tl me terta seu valor, mas este nu nca seria urn valor estenco.pots se dirige ao c bjcto e nac ao modo.

    Assim, Arnhei m vclta-se para uma abo rdagem decisivamen te brtlhante .Como 0 filme 56 pode ser uma ane se 0 verculo dife re de urn verdade tro retrat oda realtdade, ele enurnera cada aspecto do vetculc que c, de certo modo, irrcal.Estes incluem: 1) a projecao de s6lidos numa superffcie bid imensional; 2) a re-dUC;:lO de urn sentido de profu ndid ade e 0 problema do tamanho absol uro daImagem : 3) a tlu mmac ao e a ausencta de co r; 4) 0 enquadrament o da imagern;5) a ausencia da cc ntlnuidade espaco-temporal gra"as a monlagem; 6) a ausen-cia de entradas (i npuls) de our ros senlidos. Cada tmagem do filrne contern pelomenos esscs seis upos de aspectos lrreats. E sao esses aspectos qu e devem ser amalt ria-prima da arte ctnemetograflca.

    Deverta ficar claro por que Arnheim se opoe a dese nvclvtrnentos tecnologt-cos como cor, forografla tridimensional, sam e tela panoramica, que reduzem 0irnpacto do cinema ao leva-lo cada vez mats em drrecao a expertencla natural. Apos tcac de Am heim aqui t proxima da de Munsterberg, pots os aspectos enume-rados nao solo tanto desvios da rralidade, mas da nossa operitncia do real. Vindocomo vern da psicologia gestalusta. que enfatiza conj unros em relacso a partes,psd roes em relacao a sensacces tsoladas, Amheim considera a expenencta cine-matografica irrea l. Na reahdede. cia prod uz multos Iatos visuals em celulolde exa-tamente como eles seriam vtsros pela retina , mas nosso senttmeruc com relacao arealidade e muito ma ts profundo do que seu ccrnpo ne me rettntanc .

    Veja mos alguns exernplos. Am heim sa lienta a fato de \'ermos um a mesa re-tan gular como q uase relangular mesmo quando a parte frontal e empu rradapara bern petto de nossos olhos . Apesar de a imagem retiniana da mesa ser tra-pezOidal (como seria qualquer fOlografia dela tirada dessa perspect iva) , nossamenIe compensa tal dis ton;::lo. Nossa visAo , em outras palavras, nilo t. mero re-sultado da eslimula c;!o da relin a, mas envolve urn "campo~ inleiro de percep-c;Oes, assocla c;oes e mem6ria. Nesse caso, nilo estamos vend o mal; na realidade,eslam os vcndo mais do que nossos olhos podem vcr. pois a visao e uma opera-1;;\0 menta l complela na qual 0 cslimulo da retina desempenha apena s uma par-tc. Os objetos diminu em de tarnanho na raz:lo da raiz qu ad rada de sua d istAnciade n6s. Nossa mente co rnpensa isso em grande rnedida . Mas a fotografia nllocompensa, dando-nos um a imagem do pe de urn homem , diz Arnheim , maiordo qu e sua cabe1;a. St este for colocado e m fren le a d e. Quando examinamosuma fotografia, nossa mente n:lo consegue compensa r esse d eilo, pais a fOlo-grafia e urn objeto bidimensional. E isso que lorna a composi~o fotogmflca tao

    FlG.2 Fotografia de Joe Heuman n.

    diferen te da meta arru macao de figuras. A compos lcac no filmc ou na Iotografiae uma funcac deste fate o u inadequacao visual. Apesar de ser matematicamenteI lel ao real , a fotografta epsicologicamenre Ialsa com relacao a ele.

    A n01;

  • 38 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA RUDOLF ARNHEIM 39

    dia de usar esse veiculo para atingir objetivos superiores. As limitacoes do ilu-sionismo sao os meios pelos quais reconhecemos totalmente 0 vetculo, e sao ca-pazes de tratar urn filme como filme e nao como realidade. Essas limitacoestambem sao a estrutura do veiculo.

    Apesar de Arnheim nolo dizer isto, a arte cinematograiica difere arnplamen-te das outras artes nessa questao da materia-prima. A musica, por exernplo, esom que se tornou consciente de si mesmo e de suas propriedades, e que foi reti-rado do mundo de modo a se transformar em objeto mental. A arte cinernato-grafica, por outro lado, e 0 usa autoconsciente, nao de algo do mundo (som,pedra, gesto etc.), mas urn processo que usamos para rep resen tar 0 mundo. Emoutras palavras, a arte cinematografica baseia-se em urn processo ou, mais acu-radamente, no retardamento de urn processo.

    Podertamos pensar no processo cinematografico como uma janela atravesda qual somos capazes de ver 0 mundo. Arnheim nos faria virar essa janela ateurn angulo em que 0 vidro comecasse a refratar a luz, distorcendo 0 que estaalem dele e ao mesmo tempo revelando suas propriedades. Repentinamente,tornamo-nos conscientes da cornposicao do vidro, da sua textura, dos tipos deluz que ele permite passar e assim por diante. No entanto nunca nos conscienti-zanamos dessas qualidades se nao estivessemos tentando olhar atraves da jane-lao A arte cmematografica e urn produto da tensao entre a representacao e adistorcao, Baseia-se, nolo no usa estetico de algo do mundo, mas no usa esteticode algo que nos da 0 mundo.

    Arnheim nao analisa as implicacoes dessa diferenca do cinema em relacao aarte tradicional, diferenca que se tornara a pedra angular da teoria de Bazin. A deArnheim e necessariamente uma teoria negativa, baseada como e na nocao desupressao: devemos suprimir 0 processo filmico da representacao em favor doprocesso artistico da expressao, Podemos faze-lo porque 0 processo cinematicotern suas proprias peculiaridades. Nolo e tanto uma janela, mas urn prisma.

    o OSO CRIATIVO DO VEicOLO

    o proximo passo de Arnheim e simples, e seus estudos sobre a teoria da arte 0prepararam para ele. Tendo definido que a materia-prima do cinema sao aspec-tos de sua tecnologia, pode desenvolver os efeitos artisticos associados a cadaaspecto ou limitacao. E 0 faz com muitos exemplos de filmes artisticamentebern-sucedidos. Os artistas do cinema sao conscientes da irrealidade das ima-gens que criam e exploram essas limitacoes, Iorcando 0 espectador a ver noloapenas 0 objeto na tela, mas 0 objeto cuidadosamente delimitado atraves do vet-culo.ja mencionei a composicao em profundidade como Iuncao da bidimensio-nalidade do filme. Do mesmo modo, 0 enquadramento, que restringe a visao doespectador, pode ser usado pelo artista para organizar e dirigir nossa percepcaodo objeto. Para cada limitacao da percepcao natural ha urn ganho de percepcao

    estetica potencial, e Arnheim rapidamente enumera tais ganhos. Alem disso, hapossibilidades especificamente filmicas que ninguern associaria a percepcaoreal: carnara lenta ou movimento acelerado; fusees, fades, superposicoes, movi-mento para tras, 0 uso da fotografia parada, distorcoes atraves de foco e de filtros.

    Estaria Arnheim tentando criar urn dicionario da arte cinematograica? Setal abordagem e valida, cada aspecto manipulativo do cinema poderia ser descri-to, junto com sugestoes sobre 0 significado de tal manipulacao (por exemplo, acamara baixa sugere peso ou impetuosidade; 0 plano fechado em teleobjetiva dealguern correndo denota a futilidade ou dificuldade de seu esforco). Inume-raveis manuais sobre capacidade visual foram escritos com base no trabalho deArnheirn, todos pretendendo dar aos espectadores uma explicacao sobre aquiloque 0 cineasta esta dizendo atraves de seu tratamento especial de urn assunto.Tais iniciacoes frequenternente sao valiosas, pois focalizam a atencao do espec-tador nao-iniciado em aspectos do vetculo que ele anteriormente "nao vira";mas tambem podem promover uma visao empobrecedora do cinema. Ha, peloraciocmio de Arnheim, urn numero finito de limitacoes para 0 artista manipu-lar; e, ao mesmo tempo em que existem inumeros rneios de se manipular algunsdeles, uma lista de possiveis "efeitos arttsticos" e na realidade muito possivel.Devemos entao acreditar que toda imagem consiste em urn objeto (nome) ouacao (verbo) modificados pelos efeitos artisticos (adjetivos e adverbios)? Deve-mos entao pensar em todo Iilme como algo visto atraves de urn prisma que foicuidadosamente moldado pelo diretor com 0 objetivo de distorcer ou alterar 0que quer que seja que esteja mostrando?

    A esterilidade dessa visao sombreia sua utilidade. Alguma outra arte apenas"cementa" ou altera 0 mundo? Talvez Arnheim tenha gerado tal visao com suadefinicao da materia-prima do cinema. Notamos que 0 material cinematograi-co parece diferir do tipo de material das outras artes. Sua visao de que 0 cinemase torna arte quando 0 processo filmico de representar 0 mundo e retardado, noentanto, mantern a arte cinematografica dependente da representacao. As outrasartes retiram seu material do mundo e jogam com ele livrernente; 0 cinema pare-ceria estar condenado a comentar sobre 0 mundo porque seu material nolo e ma-terial do mundo, absolutamente, mas urn processo inventado para representar 0mundo e que e inconcebtvel fora desse mundo.

    FORMA FiLMICA

    Ao mesmo tempo em que as prescricoes de Arnheim para 0 uso artistico do ci-nema foram amplamente adotadas, suas nocoes do cinema como forma artisticararamente sao levadas a serio. Mas e apenas gra

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    de produzir arte. 0 envolvimento de Arnheim com a psicologia gestaltista con-fere-lhe uma vantagem nesse campo.

    Ele revela sua heranca gestaltista no prefacio, quando emprega 0 termo im-purezas em relacao a forma cinematografica. E e essa ideia que volta no ultimoensaio do livro, "A New Laocoon". Para Arnheim, todo vetculo, quando usadocom objetivos artfsticos, retira a atencao do objeto que ele mostra e a focalizanas caracteristicas do proprio veiculo. Alern disso, todo veiculo age atraves deurn nexo sensorial central: a musica e 0 veiculo do som, a danca, do gesto, a poe-sia, das palavras, e assim por diante.

    o nexo torna-se uma linguagem simbolica a ser manipulada pelo artista, eo artista precisa aprender a organizar esse material ftsico a fim de que sua con-cepcao ou ideia transpareca. Mesmo se ele quer duplicar aspectos do mundo fi-sico, deve estudar seu veiculo diligentemente a fim de que possa traduzir comsucesso sua percepcao do mundo para os codigos apropriados desse veiculo.Urn pintor observa uma cena pastoral com vacas e casas de Iazenda; em seguidaolha para a paleta e para a tela; finalmente, depois de muitas tentativas e erros, ecom 0 forte apoio de truques aprendidos de outros artistas, esparrama as pince-ladas apropriadas de tinta na tela e produz relacoes com as quais todos vao ma-ravilhar-se por serem tao fieis a realidade. Ele nao transmite coisa alguma; emvez disso, traduz uma especie de percepcao atraves das convencoes de seu vet-culo. Se seu objetivo e a expressao de urn estado ou emocao internos, deve pro-ceder do mesmo modo. Nao ha qualquer atalho atraves do vetculo.'

    Como urn artista apos outro joga com seu nexo material, as experienciassao rapidarnente acumuladas. Aprende-se que algumas coisas nao podem serbern traduzidas pela musica ou pela escultura. Mais importante, aprende-se queo veiculo e mais sutil e mais interessante quando adota determinados contornosconcentrados ou puros. Anos de atencao no veiculo deveriam ter como efeito apurificacao progressiva deste, a fim de que a musica, num estagio avancado, porexemplo, pudesse libertar-se de referencias (hricas) e teatralidades (caracteristi-cas de interpretacao) e revelar 0 som puro. Em outras palavras, a capacidade es-tetica de sua natureza procura uma simplificacao do caos e no maximo encontraurn dominio de pureza no coracao do veiculo.

    Embora todo usa de urn veiculo seja convencional (isto e, uma traducao,nao uma transmissao), algumas convencoes sao mais naturais a urn certo velcu-10 do que outras, pais urn veiculo tern propriedades fisicas definidas. Com 0tempo, as varias convencoes revelam cada vez mais claramente as peculiarida-des mais poderosas do velculo, ate que ele e purificado de todas as conexoes es-tranhas. Nesse ponto, a veiculo encontrou sua forma. Ap6s seculos de irucios eparadas, a musica caminhou em direcao a pureza da forma sonata na epoca deMozart e Haydn. Outras formas coexistiram com essa, mas ficou claro que a mu-sica encontrara uma postura natural na sonata. Mesmo em nosso seculo, ascompositores sao atraidos por essa forma porque as ouvintes percebem sua he-

    ranca e, mais importante, porque e urn usa puro e, em consequencia, poderosoda musica.

    Arnheim temia que 0 cinema, em constante procura da novidade, nuncadesenvolvesse uma plateia capaz da experiencia sutil. Tambern estava preocupa-do com a possibilidade de que as artistas cinernatograficos, ao mudarem de for-ma para forma, renunciassem au desistissem de uma forma pura da expressaocinematica se urn dia a encontrassem.

    Na realidade, Arnheim achava que a cinema encontrara tal forma e desisti-ra dela. 0 cinema mudo da decada de 1920 foi, para ele, a ponto alto da historiado cinema. Depois de 20 anos de experiencia, as cineastas haviam localizado aspeculiaridades do veiculo e estabelecido uma forma narrativa capaz de unificaras mais variados efeitos. Com a chegada do sam, essa forma foi jogada fora. Emvez de urn grupo alta mente flextvel de sistemas de sinais Iisicos, as diretoresproporcionaram as plateias uma aparencia de realismo total. Qualquer urn liga-do a profundidade e a sofisticacao da expressao podia ver que 0 cinema negocia-ra sua pureza. Do ponto de vista de Arnheim, as peculiaridades do veiculoestavam sendo desenfatizadas. A forma cinernatica, em vez de unificar urn gru-po variado de sistemas de sinais (iluminacao, interpretacao, montagem, compo-sicao), tornara-se na decada de 1920 uma especie de saco de lavanderiacontendo imitacces da realidade. Uma forma moderna, excepcionalmente ver-satil, foi trocada par uma forma que s6 era capaz de enfatizar urn elemento, afala, transformando a cinema numa especie impura de substituto do teatro.

    o filme sonoro fracassou como arte de todos as modos. Ele tentou passaraproximando-se da realidade, esquecendo que a arte s6 existe quando a atencaoreflui para 0 veiculo. Em segundo lugar, colocou num relicario uma de suas par-tes (0 dialogo) a custa nao apenas de outras partes desenfatizadas, mas do con-junto organico. Os psicologos gestaltistas sugerem que, na evolucao dequalquer organismo, a perda de uma coacao pode causar urn crescimento doen-tio, crescimento que nao beneficia 0 organismo como urn todo. Urn cancer re-sulta da perda das defesas naturais e esse cancer pode destruir 0 conjunto ao seexpandir. A defesa tecnologica contra 0 som mantivera a energia cinematografi-ca fluindo produtivamente para filmes bern organizados, bern equilibrados, Iil-mes nos quais todos as aspectos trabalhavam harmoniosamente. 0 sam forcatodos as elementos a servirem ao enredo e ao dialogo, e tenta insistir na realida-de de seu conteudo. Para Arnheim, e realmente urn cancer que destruiu a vidaartistica do cinema ao Ihe distorcer a forma de conjunto.

    o OBJETIVO DO CINEMA

    o que, no cinema mudo,' tanto atraia Arnheim? Que Iuncao ele desempenhavatao bern? Qual e, para Arnheim, a objetivo do cinema? Apesar de Film as Art naoresponder adequadamente a essas perguntas, os prolificas ensaios de Arnheimnos campos da hist6ria da arte e da psicologia da percepcao contem muitas refe-

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    rencias exatamente a este problema. 0 que ocorre com Arnheim, assim, e muitosemelhante ao que ocorre com Munsterberg. Ambos os intelectuais escreveramtratados muito superficiais sobre cinema (como se 0 cinema fosse para elesumas ferias de seus verdadeiros campos), mas esses tratados, nos dois casos,tern arras de si volumoso trabalho em campos afins, assim como 0 prestigio deuma importante tradicao intelectual.

    A importante tradicao dentro da qual Arnheim escreveu, e ainda esta escre-vendo, e obviamente a psicologia gestaltista. Ao ganhar proeminencia logo aposa Primeira Guerra Mundial, a psicologia gestaltista obteve seus maiores suces-50S no campo da percepcao. Os gestaltistas acreditam que a mente atua na expe-riencia da realidade, de tal modo que confere a realidade nao apenas seusignificado, mas tambern suas verdadeiras caracteristicas fisicas. Baseando suascrencas em numerosas experiencias, as mais famosas das quais envolvem a mu-danca de relacoes entre figura e Iundo, argumentaram que a cor, a forma, 0 ta-manho, a densidade e 0 brilho dos objetos do mundo sao produtos do trabalhoda mente criativa sobre uma natureza essencialmente muda ou neutra.

    Arnheim chegou a afirmar que nao apenas a mente, mas todos os nossoscentros nervosos criam 0 mundo em que vivemos ao organiza-lo. Nossos olhos,nossos ouvidos, as pontas de nossos dedos dao forma, cor, contorno e finalmen-te significados superiores ao mundo que os estimula. Esse processo e chamadode transiormacao, e ocorre constantemente com todos os seres humanos men-talmente saudaveis. Os gestaltistas atribuem muitos disturbios psicologicos aomau funcionamento sensorial. Por exemplo, Arnheim fala do esquizofrenicocomo de alguern que esta trancado num mundo de pouquissimas formas visuaisaplicadas infinitamente ao mundo. Essas poucas formas sao inadequadas paracompetir com a grande quantidade de estimulos que nossos proprios olhos ementes nao tern dificuldade em transformar. 0 esquizofrenico, entao, certa-mente entrara em conflito com uma realidade na qual 0 resto de nos, com nossascapacidades mais "saudaveis", ou pelo menos mais diversificadamente estrutu-radas, 0 obrigamos a viver e a qual reconhecemos.

    Os gestaltistas reservam urn lugar importante em suas teorias aos processosartisticos. Para eles, esse e 0 verdadeiro modelo ou paradigma da atividade per-ceptiva. Bern conhecidas sao as suas experiencias e diagnosticos que envolvem 0sujeito no ato de criar ou ler (isto e, transformar) imagens. Mas alern disso osgestaltistas tern apoiado a tendencia do seculo xx de desmistificar a arte, fazen-do-a parecer parte do que todos fazemos como seres humanos, em vez de urn ta-lento divino que uns poucos genios tern 0 direito de praticar. No prefacio de seuArt and Visual Perception, Arnheim escreve:

    Nao mais podemos considerar 0 processo artistico uma atividade reservada, miste-riosamente inspirada do alto, nao relacionada e nao relacionavel as outras coisasque as pessoas fazem. Em vez disso, 0 elevado modo de ver que leva a criacao dagrande arte aparece como urn resultado da mais humilde e rotineira atividade dosolhos na vida coudiana.'

    E mais tarde, no mesmo livro, continua:

    o recente [isto e, gestaltista] pensamento psicologico encoraja-nos a chamar de vi-sao uma atividade da mente humana. A percepcao alcanca, no rnvel sensorial, 0 queno dominio da razao e conhecido como cornpreensao. 0 olhar de cada homem tam-bern antecipa, de modo modesto, a admirada capacidade do artista de produzir pa-droes que interpretam validamente a experiencia atraves da forma organizadaCp.37).

    Apesar de a arte poder ser produzida pela mesma capacidade humana quepermite a experiencia cotidiana, Arnheim nunca afirmaria que e do mesmo tipo.A "excelencia" e a "exaltacao" da arte advern precisamente de sua generalidade,isto e, de sua qualidade de pairar acima do cotidiano num mundo de formas. Aarte e a organizacao, nao de urn campo especifico de informacao sensorial, masde urn padrao geral aplicavel acima de si mesmo. Arnheim afirma: "0 artista usasuas categorias de forma e cor para capturar alguma coisa universalmente signi-ficativa no particular" (Art and Visual Perception, p.vi). A preocupacao do artis-ta, entao, nao e tanto seu tema, mas 0 padrao que ele pode criar atraves dessetema. Quando admiramos uma pintura, nao admiramos 0 tema reproduzido,mas a organizacao dada pelo pintor. Numa pintura representacional, notamosque 0 artista primeiro viu 0 seu tema (isso e chamado de iransiormacao prima-ria, a transforrnacao que cada urn de nos realiza constantemente) e depois 0 or-ganizou imaginativamente, num padrao mais elevado que parece expressar suavisao particular tanto do tema como de toda a realidade (essa e a transiormacaosecundariai. Uma pintura cubista de urn edificio, por exernplo, e uma transfor-macae, nao do predio, mas do modo particular do artista de organizar alguns ti-pos de percepcoes,

    Ora, Arnheim sempre foi muito cuidadoso para nao exagerar. Urn trabalhode arte e uma expressao, que fique claro, uma expressao que lanca luz sobre ossentimentos organizativos do artista; no entanto, nao devemos esquecer que aexpressao corneca no mundo. De outro modo, os seres humanos seriam tranca-dos, como esquizofrenicos, dentro de urn grupo fechado de categorias de expe-riencias a priori. Para Arnheim, a arte e urn "da e recebe" com 0 mundo. 0artista recebe estimulos brutos do mundo que ele ve como objetos e eventos; en-tao projeta esses objetos em urn padrao imaginativo que joga de volta para 0mundo. 0 mundo responde, obrigando-o a adaptar seu padrao, ate que ambos,o artista e 0 mundo, estejam satisfeitos. Desse modo, 0 trabalho artistico expres-sa tanto 0 artista como 0 mundo.

    Essa posicao e mais moderada que 0 idealismo ou mentalismo extremos deMunsterberg. A percepcao e a arte sao ambas fundadas nas capacidades organi-zativas da mente, mas para Arnheim elas sao apoiadas por urn mundo que pare-ce emprestar-lhe determinados tipos de organizacao. Parece importantesalientar que a psicologia gestaltista esforcou-se para se basear na fisica, nao nafilosofia. Urn de seus primeiros e mais importantes mernbros, Wolfgang Kohler,

  • 44 AS PRINCIPAlS TEORIAS DO CINEMA RUDOLF ARNHEIM 45

    argumentou que 0 conceito de "campo" da percepcao humana, por ele introdu-zido, estava diretamente relacionado com a fisica atornica de Max Planck.' Aciencia moderna, incluindo a ecologia, mostrou que algumas formas ou impul-50S gerais organizam os eventos naturais e que todo evento isolado ganha signi-ficado apenas quando visto em termos de urn sistema completo. Kohler levou aserio essa analogia e construiu teorias da percepcao baseadas nas propriedadesfisicas dos movimentos eletronico e celular, que ele acreditava deverem oearrernos centros nervosos. 0 trabalho fisico do cerebro, em outras palavras, exigeque pensemos em termos de equilibrio, simetria, contraste e assim por diante.Percebemos 0 mundo de acordo com as leis que existem em n6s, mas que nosforam dadas pelo mundo, do qual somas, em consequencia, parte integrante ho-mogenea.

    Outros pensadores gestaltistas podem aceitar ou nao esses pontos de vista,mas Arnheim certamente ve uma intima relacao entre 0 mundo e a mente. De-certo os sentidos humanos e seu padrao cerebral padronizam 0 mundo e, naarte, 0 padronizam de modo absoluto. 1550 pareceria dar amente uma autorida-de sabre a natureza. Mas esses padroes, pensa Arnheim, tern as mesmas caracte-risticas da natureza bruta. Ele insiste nisso no final de Art and Visual Perception:

    Temascomo ascensao e queda, dominio e submissao, fraqueza e forca, harmonia ediscordia, esforco e conformismo perpassam toda a existencia. Nos os encontra-mos dentro de nossa propria mente e em nossas relacoes com as outras pessoas, nacomunidade humana enos eventos da natureza. A percepcao e a expressao preen-chern sua missao espiritual apenas se nela experimentamos mais do que a resso-nancia de nossos proprios sentimentos. Ela nos permite perceber que as Iorcas quenos sustentam sao apenas exemplos isolados das mesmas forcas que agem em todoo universo (p.434).

    Numa perspectiva mais ampla, portanto, Arnheim sente que 0 objetivo daarte e perceber e expressar as Iorcas gerais da existencia, Enquanto todos as se-res humanos transformam a mundo de estimulos brutos em urn mundo de obje-tos e eventos, a artista vai alern, abstraindo desses objetos e eventos suascaracteristicas gerais. Arnheim diz que, quando termina urn quadro, 0 artistanao criou urn padrao do mundo feito par si mesmo, mas em vez disso equilibrouurn grupo de forcas (as suas proprias e as do mundo) ate que seu quadro adqui-risse equilibria. Alguns artistas, argumenta, negligenciam sua pr6pria padroni-zacao na esperanr,:a de expressar a caos da natureza e da vida (as romanticos);outros sao compelidos a estampar uma forma atemporal sobre nao importa quenatureza escolham reunir para suas padronizacoes (artistas classicos, os descen-dentes do estilo bizantino). Ambos as metodos sao autodestrutivos quando le-vados a seus limites, e todos os estilos artfsticos se encontram em algum lugarentre os dais.

    Arnheim nao se coloca a favor de urn estilo de arte contra outro, pais ve namultiplicidade de estilos uma manifestacao da infinita variedade do homem e

    da natureza. Mas de todos as estilos, a seu ver, devem atingir algum tipo deequilibria entre a mente e a natureza, pais sem isso a trabalho permanece inaca-bado. 0 artista pode fracassar no nivel do material que supostamente deve pa-dronizar, satisfazendo-se com a mera reproducan de particularidades danatureza. 0 resultado e sensacao bruta, sensacao acessivel sem arte, sensacaonunca elevada ao mvel onde se expressa a si mesma. Par outro lado, a artistapode fracassar no mvel de suas abstracoes, nunca atingir urn padrao singularadequado ao material. Esse fracasso e chamado de "arnbiguidadr-'' e "confunde 0ato artistico, pois deixa a observador numa situacao critica entre duas ou rnaisafirmacoes que nada acrescentam ao conjunto" (Art and Visual Perception,p.31). Para Amheim, existe urn e apenas urn padrao que corresponde claramen-te ao seu material, levando ambos a luz da expressao. Aqui, mais que qualqueroutro ele rejeita de modo absoluto as te6ricos realistas que serao estudados maistarde. A ambiguidade para eles, especialmente para Bazin, torna-se urn valor,nao uma responsabilidade; 0 produto artfstico, de seu ponto de vista, jamais po-deria ser considerado urn "ato".

    Apesar de Arnheim salientar a interacao entre a homem e a natureza nacriacao da arte, a sua e, em conclusao, uma teoria mentalista da arte. Ele procuraaqueles momentos nos quais urn equilibria de Iorcas, obtido pela mente de urnartista atraves dos estimulos do mundo, consegue expressar aspectos, tanto doartista como do mundo, dos quais nunca antes nos conscientizararnos total-mente. A inspiracao, nas esferas cienttficas e artfsticas, e adquirida quando amaterial em frente de alguern repentinamente se reorganiza numa nova e satisfa-t6ria estrutura. Tanto 0 artista como a cientista criam a "figura esbocada", a pa-drao da mancha de Rorschach que chamamos de realidade, urn padrao que arealidade ja esta predisposta a receber. Gracas a tais reestruturacoes cientificas eartisticas, podemos ver mais profundamente, viver mais plenamente. Como vei-culo fotografico, 0 cinema nos proporciona mais material para padronizar.Como vetculo arttstico, pode ajudar-nos a padronizar esse material enos mos-trar as caminhos atraves dos quais nossas mentes sao ligadas ao universo fisicoem que vivernos.

    Arnheim escreveu apenas uns poucos artigos menores sabre a cinema des-de seu livro de 1932, mas recentemente, em 1957, disse: "Ainda acredito no queacreditava entao" (Film as Art, p.5). E seus ensaios mais recentes aplicam asmesmas ideias a arte da fotografia.' Sua recusa em renegar suas crencas iniciaisexasperou gerar,:6esde estudantes de cinema, mas confere a seus pontos de vistauma presenca e uma solidez que nao podem ser ignoradas. Hoje Arnheim per-manece silencioso sabre 0 cinema, mas sua posicao tern muitos defensores, quevao dos manuais de educacao visual diretamente derivados dele ate as sofistica-das teorias da percepcao fflmica que Christian Metz esta desenvolvendo atual-mente na Franca e pelas quais abertamente se diz em debito com Amheim."

  • SERGEI EISENSTEIN 47

    capitulo 3Sergei Eisenstein

    As concepcoes de cinema desenvolvidas por Sergei Eisenstein sao infinitamentemais ricas e mais complexas que as de Arnheim ou Munsterberg. Diferenternen-te deles, Eisenstein era urn cineasta de capacidade imensuravel, cuja fama asse-gurou a seus ensaios sobre cinema uma leitura imediata e ampla. Eisenstein foiurn pensador energico e ecletico. Diferentemente de Arnheim e Munsterberg,porern, foi por temperamento incapaz de deduzir uma teo ria cinematografica apartir de uma filosofia firmemente sustentada, e atravancou sua pesquisa teori-ca com quantidades macicas de inforrnacoes arquivadas, selecionadas durantetoda uma vida de leituras variadas em pelo menos quatro idiomas.

    Apesar de publicamente render homenagem a Marx e Lenin, e de certamen-te estar comprometido com muitas de suas teorias, Eisenstein nao foi 0 tipo depensador que abraca uma unica ideia ou tradicao e a desenvolve sistematica-mente. Eisenstein interessava-se por incontaveis temas e numerosas teorias so-bre esses temas. Ele daria uma olhada criativamente numa livraria ou biblioteca,descobrindo fatos e hip6teses de todos os tipos que mais tarde aplicaria a suapaixao especial, 0 cinema.

    Tudo isso da a muitas de suas ideias a aparencia de teoria pop. Basta exarni-nar seu ensaio "Color and Meaning" (em The Film Sense), onde ele reune umavasta mas difusa lista de declaracoes famosas sobre a teoria da cor. A lista e irn-pressionante e ao mesmo tempo fascinante. Perrnanecera como importante fori-te para a estetica da teo ria da cor, mas e uma colecao de declaracoes que geramilhares de confusoes e contradicoes que Eisenstein, em sua busca apaixonadada substancia, nao se preocupou em esclarecer. Em sua excitacao para confir-mar suas intuicoes sobre cor e cinema, ele rapidamente invocou como testernu-nhas todas as fontes que pode, muitas dificilmente relevantes para sua teoria. Eisso e caracterfstico. Seus ensaios sempre revelaram odrama da descoberta quena realidade experimentava ao elaborar sua teoria. Parece que era repentina-mente tornado por uma intuicao e levado a explorar a historia, a economia, ahistoria da arte, a psicologia, a antropologia e incontaveis outros campos com 0objetivo de substanciar essa intuicao. Ou, em outras ocasioes, parece que umanova ideia com relacao a algum aspecto da teo ria cinematografica chegava a ele

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    atraves de urn encontro quase fortuito com livros, eventos, pessoas. Seu ensaiooriginal, "The Unexpected" (em Film Form), comeca: "Recebernos a visita doteatro kabuqui ...", e continua desenvolvendo uma teo ria da imagem cinemato-grafica que 0 atingiu enquanto assistia a esse teatro.

    Apesar de, ate certo ponto, todos agirmos desse modo (da intuicao a umaprocura de apoio para essa intuicao), poucos autores expoem esse processo demodo tao engenhoso quanto Eisenstein. A qualidade de chocar que tanto salien-tou na feitura de filmes e do mesmo modo uma parte integrante de sua tatica deescrever teoria cinematografica. Folheie 0 ensaio "A Dialectical Approach to theFilm Form" (em Film Form) e voce vera graficamente como Eisenstein tentoujogar ideias sobre nos em vez de cornpo-las num tecido de logica linear. Mesmoem seus dois ensaios ha urn uso continuo da transicao abrupta, em lugar de umapassagem gradual ou de urn encadeamento das ideias. Exatamente como afir-maya que devemos ouvir os sobretons dos pianos dos filmes, do mesmo mododevemos ouvir tais sobretons em seus ensaios.

    Tudo isto torna a leitura de Eisenstein interessante mas vaga; e torna quaseimpossivel urn resumo de suas ideias. Pre tendo apenas tentar localizar Eisen-stein nas categorias de perguntas que usamos para examinar outros te6ricos.Esperamos que tal orientacao de ao lei tor alguns pontos de referencia e variesmarcos nos quais se possa apoiar enquanto vagueia atraves dos varies quartei-roes, avenidas e becos que constituem essa rica megalopole teorica que chama-mos 0 trabalho de Eisenstein.

    Ejusto notar, inicialmente, que nossa preocupacao neste capitulo sera ten-tar manter 0 mesmo empenho que as ideias de Eisenstein aparentemente tive-ram em todos os nfveis. Apesar de todas as suas afirmacoes soarem dogmaticas edecisivas, devem ser vistas como restringindo-se umas as outras. Esse e 0 modoverdadeiramente dialetico de pensar, urn modo que Eisenstein praticou brilhan-temente.

    Veremos, em primeiro lugar, que sua concepcao sobre 0 material basico dovefculo evoluiu da crenca de que 0 plano era 0 bloco de construcao basico do ci-nema (uma crenca que Vsevolod Pudovkin nunca transcendeu) a uma concep-cao mais completa, a da "atracao", Esse ultimo conceito e muito menosmecanicista que 0 do plano, pois leva em conta a atividade da mente dos espec-tadores, nao apenas 0 desejo do diretor. No entanto, Eisenstein nunca abando-nou completamente 0 determinismo de seus primeiros pontos de vista e aesperanca de que 0 diretor, atraves de uma estruturacao calculada de atracoes,pudesse moldar os processos mentais do espectador.

    Em seguida, no mvel do processo criativo, veremos como sua atitude comrelacao a montagem, em geral considerada inflextvel e dogrnatica, na realidademudou com relacao a seu ponto de partida de modo bastante significativo. Amudanca de ponto de vista de Eisenstein com relacao a montagem e mais bernpercebida atraves da relacao do conceito com determinados tipos de psicologia.Enquanto Eisenstein parece ter elaborado sua concepcao de montagem de acor-

  • 48 AS PRINCIPAlS TEaRlAS DO CINEMA -- SERGEI EISENSTEIN 49

    do com 0 modelo psicologico de Pavlov, ou pelo menos dos associacionistas,seus ultimos ensaios sobre a questao parecern muito mais proximos da psicolo-gia do desenvolvimento de Jean Piaget. Novamente suas nocoes mecanicistas,inicialmente simples, foram questionadas e alteradas por uma variante maiscomplexa e menos previsivel, que significou urn respeito pelos poderes do es-pectador e pelos misteriosos trabalhos da percepcao e da cornpreensao.

    A tensao entre 0 processo simples, previsivel, mecanicista da feitura de fil-mes e a complexa experiencia de evolucao da visao do cinema aparece explicita-mente na visao dupla de Eisenstein, primeiro com relacao a formacinematografica e, depois, com relacao ao objetivo do cinema. Ele considerava 0cinema unificado como, algumas vezes, uma maquina, e, outras vezes, urn orga-nismo. Algumas vezes falou sobre 0 cinema como urn poderoso vetculo de per-suasao teorica, e outras como urn meio superior, quase mtstico, de se conhecer 0universo. Isto e, falou do cinema como arte aut6noma. Esses dois pares de opos-tos dialeticos (a maquina versus a organismo e retorica versus a arte) serao dis-cutidos separadamente. A meu ver, foi a real frustracao de tentar manter pontosde vista opostos que permitiu a Eisenstein questionar cada ponto de vista e per-manecer urn teorico produtivo por mais de 30 anos. Seus ensaios sao semprefascinantes porque cada urn deles esta repleto de uma energia derivada da justa-posicao de tendencias opostas. Ele sentia essas oposicoes em si mesmo, nomundo em que vivia, e passou a vida tentando entender 0 cinema.

    A MATERIA-PRIMA DO CINEMA

    Eisenstein estudou engenharia mecanica antes de entrar no circulo artfstico deMoscou, e quando se juntou a esse circulo participou de urn movimento conhe-cido como "construtivismo". Desde 0 inicio Eisenstein considerava a atividadeartfstica uma atividade do "Iazer", ou, rnais precisamente, do "construir". Porisso, a pergunta sobre a "materia-prima" que 0 artista tern a sua disposicao cons-tantemente adquiria supremacia em sua mente.

    o que incomodava Eisenstein nos filmes que via era a ineficiencia. 0 cineas-ta, achava ele, estava amerce dos acontecimentos que filmava, mesmo quando in-terpretados. A plateia olhava para os eventos cinematograficos exatamente comoolhava para os acontecimentos cotidianos, tornando 0 cineasta mero canal atravesdo qual a realidade podia ser reproduzida. Eisenstein enfrentara urn problema se-melhante no teatro no intcio dos anos 1920, quando se envolveu numa luta brutalentre 0 Teatro de Arte de Moscou e os movimentos teatrais de vanguarda de queparticipava. "0 Teatro de Arte de Moscou e meu inimigo mortal" , disse, por causade sua preocupacao com uma replica fiel da realidade. Os construtivistas mostra-yam esse realismo de uma serie de maneiras, a maioria das quais levando os variesaspectos do teatro para sua esfera, onde podiam ser recompostos de acordo comos desejos formais do diretor. Os cenarios nao deviam ser uma cortina de fundodo dialogo, argumentavam os construtivistas, mas deviam funcionar em igualda-

    de de condicoes com 0 dialogo, quase em dialogo com 0 dialogo. 0 mesmo comrelacao a iluminacao, a perucaria, aos figurinos e assim por diante, que deveriamcoexistir em harmonia democratica, e nao em uma hierarquia feudal.ja no teatroEisenstein procurava caminhos atraves dos quais pudesse transformar a realidadeem material util a ser moldado pelo diretor.

    o processo de decompor desse modo a realidade em blocos ou unidadesutilizaveis po de ser chamado de neutralizacao. Ele afirmava que a musica e apintura baseiam-se na neutralizacao do som e do tom, respectivamente. Em seuensaio sobre cor, negou especificamente que determinada cor pudesse ter urnsignificado proprio - que 0 amarelo, por exemplo, pudesse significar ciume e 0vermelho, paixao. 0 significado da cor, como todos os significados para Eisen-stein, deriva de uma inter-relacao de partfculas neutras: 0 verde adquire urn sig-nificado quando aparece num sistema de relacoes envolvendo outras cores eoutros codigos.

    Eisenstein reconhecia que a particula elementar do cinema, 0 plano isola-do, e diferente de urn tom ou de urn som.ja e compreensivel e atinge imediata-mente a mente do espectador, assim como seus sentidos. Para dar ao cineasta 0mesmo poder do compositor e do pintor, achava Eisenstein, os planes devemser neutralizados a fim de se tornarem elementos formais basicos capazes de se-rem combinados sempre que 0 diretor achar necessario, e de acordo com qual-quer dos principios formais que ele possa desejar. Seu "sense" genuino deve serextraido, a fim de que suas propriedades ffsicas possam ser usadas para criar urnsignificado novo e superior.

    A "inesperada" revelacao proporcionada a Eisenstein pelo teatro kabukideu-lhe pelo menos a evidencia que ele precisava para suas teorias sobre a neu-tralizacao. 0 kabuki usa uma estilizacao exagerada, muito alern do que normal-mente permitimos no teatro ocidental. Nao apenas intensifica a realidade dofato ou evento; nem apenas faz uma alusao ou da uma interpretacao particularaos fatos e eventos atraves da estilizacao, como Arnheim achava que toda artedeveria fazer; em vez disso, deforma e altera todos os acontecimentos e fatos ateque estes retenham apenas uma base fisica. Todos os aspectos do drama tor-nam-se iguais, a partir do momenta em que todos foram estilizados na pura epi-derme, na forma ffsica pura. Desse modo, a interpretacao do kabuki de,digamos, urn assassinate e bern diferente da convencional mise-en-scene ociden-tal. A estilizacao do gesto do assassinato elimina sua primazia e 0 coloca em pede igualdade com outros gestos com os quais coopera. No entanto todos essesgestos estilizados funcionam num sistema mais ample que inclui codigos estill-zados de sons, figurino e cenario, de tal modo que nao se pode dizer que essescodigos estao la para apoiar os gestos. 0 significado de uma pe~a kabuki, em ou-tras palavras, nunca poderia ser entendido atraves do enredo ou dos gestos. Eaforma do conjunto que contern 0