As redes sociais e mundos virtuais para ligação à comunidade e concretização das aprendizagens

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As redes sociais e mundos virtuais para ligação à comuni- dade e concretização das aprendizagens Leonel Morgado INESC TEC/UTAD, Dep. Engenharias [email protected] Resumo A partilha de contexto, não apenas de factos estritamente profissionais, mas de aspetos da vida e da exis- tência pessoal, pode gerar empatia entre professor e alunos, entre pessoas em geral, mas também gerar antipatia ou desagrado. Do ponto de vista técnico, as plataformas sociais atuais são confrontadas com insu- ficiências de funcionalidades na gestão dos fluxos informativos gerados, partilhados e consumidos, o que exige a sua transformação e novas formas de atuação por parte de todos quantos as usam. Apresenta-se neste texto uma reflexão sobre estes temas, apoiada num teste de esforço. Palavras-chave redes sociais, plataformas sociais, mundos virtuais, espaço pessoal, espaço partilhado Introdução Gosto da música “Fear of the Dark”, dos Iron Maiden. Gosto de polvo grelhado servido numa tasca com sabor autêntico, acompanhado de batata cozida e vinho maduro. Gosto de puxar pela Briosa no futebol. De acompanhar as explorações de Marte. E de dinamizar os colegas e alunos da universidade para participar na campanha Great Space Race do sítio Web Dropbox.com, para obter para todos mais uns gigabytes de armazenamento online gratuito (só por dois anos, é verdade, mas durante esse tempo…). Proponho que todos estes factos são relevantes para a minha profissão de docente do ensino superior, na área da informática. E qualquer pessoa que acompanhe a minha presença nas plataformas sociais (que é totalmente pública e aberta) poderá ter tido contacto com eles. Porque um professor não é um debitador de conhecimento nele armazenado. Na sociedade atual, o conhe- cimento factual está disponível e acessível a quem quiser encontra-lo. Aí reside um requisito de grande exigência para todas as pessoas que querem aprender. Porque havemos de querer encontrar um conheci- mento em particular? Os mais imediatos, como saber a chave da lotaria, o horário de chegada de um auto- carro, as cores da bandeira do país a visitar, para a apresentação comercial que se vai preparar… não re- querem grande preparação: são utilitários. Mas o conhecimento mais profundo é complexo. A interpreta- ção e o juízo, a identificação da relevância, a decisão de investir esforço sem resultados imediatos ou garan- tidos, confiante no produto a médio e longo prazo ou pelo menos decidindo um caminho perante os mares de incertezas da vida, requerem a confluência de informações diversas, de métodos de pensar e refletir que demoram anos a desenvolver, a aprimorar. É trabalho de um professor, mais que veicular o conhecimento factual, conduzir a ele. E frequentemente por caminhos não necessariamente imediatos: encorajando e dando confiança; confrontando ilusões com desafios; inspirando; inspirando fundo, para seguir em frente e fazer avançar. III / CONGRESSO INTERNACIONAL / A FENDA DIXITAL / TIC ESCOLA E DESENVOLVIMENTO LOCAL 109

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A partilha de contexto, não apenas de factos estritamente profissionais, mas de aspetos da vida e da existência pessoal, pode gerar empatia entre professor e alunos, entre pessoas em geral, mas também gerar antipatia ou desagrado. Do ponto de vista técnico, as plataformas sociais atuais são confrontadas com insuficiências de funcionalidades na gestão dos fluxos informativos gerados, partilhados e consumidos, o que exige a sua transformação e novas formas de atuação por parte de todos quantos as usam. Apresenta-se neste texto uma reflexão sobre estes temas, apoiada num teste de esforço.

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As redes sociais e mundosvirtuais para ligação à comuni-dade e concretização das aprendizagens

Leonel Morgado

INESC TEC/UTAD, Dep. [email protected]

Resumo

A partilha de contexto, não apenas de factos estritamente profissionais, mas de aspetos da vida e da exis-tência pessoal, pode gerar empatia entre professor e alunos, entre pessoas em geral, mas também gerar antipatia ou desagrado. Do ponto de vista técnico, as plataformas sociais atuais são confrontadas com insu-ficiências de funcionalidades na gestão dos fluxos informativos gerados, partilhados e consumidos, o que exige a sua transformação e novas formas de atuação por parte de todos quantos as usam. Apresenta-se neste texto uma reflexão sobre estes temas, apoiada num teste de esforço.

Palavras-chave

redes sociais, plataformas sociais, mundos virtuais, espaço pessoal, espaço partilhado

Introdução

Gosto da música “Fear of the Dark”, dos Iron Maiden. Gosto de polvo grelhado servido numa tasca com sabor autêntico, acompanhado de batata cozida e vinho maduro. Gosto de puxar pela Briosa no futebol. De acompanhar as explorações de Marte. E de dinamizar os colegas e alunos da universidade para participar na campanha Great Space Race do sítio Web Dropbox.com, para obter para todos mais uns gigabytes de armazenamento online gratuito (só por dois anos, é verdade, mas durante esse tempo…).Proponho que todos estes factos são relevantes para a minha profissão de docente do ensino superior, na área da informática. E qualquer pessoa que acompanhe a minha presença nas plataformas sociais (que é totalmente pública e aberta) poderá ter tido contacto com eles.Porque um professor não é um debitador de conhecimento nele armazenado. Na sociedade atual, o conhe-cimento factual está disponível e acessível a quem quiser encontra-lo. Aí reside um requisito de grande exigência para todas as pessoas que querem aprender. Porque havemos de querer encontrar um conheci-mento em particular? Os mais imediatos, como saber a chave da lotaria, o horário de chegada de um auto-carro, as cores da bandeira do país a visitar, para a apresentação comercial que se vai preparar… não re-querem grande preparação: são utilitários. Mas o conhecimento mais profundo é complexo. A interpreta-ção e o juízo, a identificação da relevância, a decisão de investir esforço sem resultados imediatos ou garan-tidos, confiante no produto a médio e longo prazo ou pelo menos decidindo um caminho perante os mares de incertezas da vida, requerem a confluência de informações diversas, de métodos de pensar e refletir que demoram anos a desenvolver, a aprimorar. É trabalho de um professor, mais que veicular o conhecimento factual, conduzir a ele. E frequentemente por caminhos não necessariamente imediatos: encorajando e dando confiança; confrontando ilusões com desafios; inspirando; inspirando fundo, para seguir em frente e fazer avançar.

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Neste texto falo da ligação das plataformas sociais a esta visão do papel do professor. E, como todos pode-mos aprender com todos, da ligação dessas plataformas ao papel de aluno, de colega, de profissional, de pessoa social. Reflito sobre a oportunidade que aí reside, mas exponho um teste de esforço que aponta para uma contradição entre a oportunidade e a sua viabilidade. Precisamos de novas características nas plata-formas para ultrapassar esta contradição (talvez mesmo de novas plataformas), mas também de métodos de atuação, e com essa reflexão terminarei este texto.

Contexto e espessura humana

Os factos aparentemente desconexos com que iniciei este texto foram publicados por mim, ao correr da vida, nos meus espaços públicos das plataformas sociais Facebook, Twitter, Google+ e LinkedIn. Além de-les, também publiquei outros ligados de forma mais óbvia à minha atividade profissional, como uma notí-cia sobre a forma como os algoritmos de seleção de publicações do Facebook estão a desagradar às empre-sas; expondo aspetos da preparação da conferência internacional SLACTIONS sobre mundos virtuais, que fundei e já por duas vezes organizei, com a cooperação de vários colegas e alunos; anunciando a oportuni-dade de alunos concorrerem com os seus trabalhos ao Federal Virtual Worlds Challenge, ou que um antigo aluno ganhou um prémio num concurso de programação para Windows 8.Imaginemos agora que só publicava estes factos, mais claramente “profissionais”. Um perfil muito mais professoral, sem dúvida. Mas não poderiam os alunos, os colegas, igualmente encontrar esses factos sem a minha publicação? Claro que sim. E isso é o que têm se – imaginemos por instantes um ensino totalmente automatizado – assinarem (ou “subscreverem”, como por vezes se diz agora) fontes informativas várias, ligadas aos seus interesses. Mas irão reparar nesses factos mesmo que se deparem com eles? Irão dar-lhes relevo? Como irão enquadrá-los? Em que mudam os factos “profissionais” ao serem integrados com factos da minha vida ou da visão e preferências da minha pessoa?A pergunta mais objetiva poderia ser: porque há de um aluno estudar algo? Já muitos autores têm debatido os deméritos do ensino que se foca na veiculação de factos e exercita métodos na convicção de serem os factos mais necessários e os métodos mais pertinentes à vida futura do aluno. Paulo Freire (1997), famo-samente, criticou-o como ensino “bancário”, baseado no depósito de algo nos alunos, para mais tarde po-derem “levantar” o “saldo” desse depósito. Há décadas ou séculos – desde que encontramos autores que refletem sobre o ensino – que constatamos a dificuldade de implementar este método. As propostas de abordagens pedagógicas tentam desde sempre combater essas dificuldades, com engenho de refinação ou mudança, ou convicções de reformulação ou revolução – ou recuperação de um passado idealizado.Sabemos que a generalidade dos docentes é eclética nas suas práticas pedagógicas, envolvendo aspetos de propostas teóricas diversas. Assim, em lugar de atender a alguma proposta isolada ou a tentar atender a todas – manifestamente impossível neste espaço – apoio-me em ideias genericamente comuns a várias propostas, que se centram em conferir um significado mais imediato ao conteúdo das aprendizagens, seja ele factual ou metodológico. Penso nas metodologias de projeto, onde este é tema, motivo e alibi para o esforço de aprendizagem (Kilpatrick, 1951); nas abordagens por comunidades de práticas, onde a autorida-de crescente da periferia para o centro proporciona confiança ou motivação para esse esforço (Wenger, 1998); no construcionismo papertiano, onde o confronto com as exigências da construção de algo real seja confronto e teste às ideias e convicções, fonte de motivação para o aprofundamento das aprendizagens (Papert, 1999); na perspetiva ambiental de Bronfenbrenner onde o contexto pessoal, organizacional, social e cultural deve ser considerado e atuado, como fonte causal do esforço de aprendizagem (Bronfenbrenner, 1979); na visão de contínuo abstrato-concreto de Wilensky, onde o grau de abstração dos conceitos e méto-dos não depende deles, mas das formas de relação pessoal de cada pessoa com eles (Wilensky, 1991); na inspiração de Gee, que viu nos videojogos o veículo para reinterpretação pessoal e visão modificada sobre o mundo, como forma de encontrar significado e sentido para o esforço de aprendizagem (Gee, 2003); en-fim, em todas as perspetivas que não dão por assumido que uma pessoa – aprendente – parta desde o pri-meiro momento com uma vontade clara de dedicar à aprendizagem formal o esforço que ela exige. (E por isso não me baseio aqui nas perspetivas behavioristas/comportamentalistas, nem às cognitivistas, nem às de processamento de informação, por muito eficazes que sejam em contextos específicos.)Estando estas visões pedagógicas ligadas a uma relação humana, entre um aprendente – ou desejado aprendente – e um tema ou um ensinante, temos de considerar aspetos de empatia, de significado mais profundo que o meramente objetivo e superficial. Creio que não é possível encontrar, para todos os concei-tos e métodos, para todos os alunos, aplicações imediatas que – só por si – lhes confiram um cariz utilitário

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merecedor de esforço e empenho. Especialmente por razões biológicas: o nosso cérebro não desenvolve métodos de raciocínio de forma imediata: necessita de exposição regular a contextos de atuação e informa-ção específicos para isso. Por exemplo, a mera aprendizagem da leitura em criança – por oposição a essa aprendizagem após alcançada a idade adulta – está correlacionada com formas de funcionamento estrutu-ralmente diferentes do cérebro, mesmo em atividades não ligadas à leitura (Castro-Caldas, 2004). Se o cérebro se molda funcionalmente ao longo do tempo, não é totalmente correto – é em certa medida uma falsidade – apresentar valores imediatos como fonte essencial de motivação para o esforço de aprendiza-gem. Para grande parte do caminho de aprendizagem, temos de decidir segui-lo com base numa decisão de confiança, de esperança nesse caminho, não numa visão clara e imediata da sua utilidade ou validade.Reflito assim sobre o papel do docente na promoção das condições para estas decisões pessoais dos alunos: da necessidade, valor ou desejo de dedicar o seu esforço. Reflito sobre a engenharia do contexto onde essa decisão – essa decisão contínua – tem lugar, segundo a perspetiva de Dias de Figueiredo. O docente é um ator, uma peça muito relevante nesse contexto. Reflito sobre a fotografia de um polvo grelhado que parti-lhei, em frente aos olhos do aprendente, que a viu sobreposta mentalmente à ideia difusa do docente, se-gundo a perspetiva do contexto desse momento: essa fotografia e o texto que a acompanha, o “like”/”gosto” ou comentário noutra publicação do Facebook, o retuíte no Twitter, o “+1” do Google+, outras partilhas recentes ou que tenham ficado frisadas nesse aprendente, como os problemas das afinações algorítmicas do Facebook ou o grito de BRIOOOSA que ganhou ao Atlético de Madrid – e a alegria e exposição humana que contém. Este conjunto desconexo de elementos não é de um livro ou de uma máquina: é de uma pes-soa. É isso que faz do docente alguém mais do que a figura no corredor, a fotografia no sítio Web, o profes-sor que gere uma aula e depois desaparece: fá-lo mais pessoa. Dá-lhe mais espessura humana. Enquadra ou ladeia as suas atuações, intervenções – altera o contexto. E, lanço a hipótese – pode ser fator de empatia humana, a partir da qual se possa gerar com os alunos um cerne de confiança ou esperança na validade de um caminho – ou de outro – na virtude de dedicar esforço à aprendizagem, na construção de uma coopera-ção mais estreita entre docente e discente. Ou, aplicada a outros contextos sociais, na construção de uma cooperação mais estreita entre colegas, entre cidadãos, entre a humanidade em geral.

Contradições

A ideia que avancei como hipótese não deixa de enfrentar várias contradições. Logo a um nível humano, a pessoalização do professor pode criar empatia, mas também pode criar atritos: as preferências, gostos, opiniões que extravasam as temáticas profissionais podem facilmente ser fonte de desacordo mais ou me-nos sério. As possibilidades de ocorrerem mal-entendidos, de equívocos, enfim de más decisões, deslizes e infelicidades naturais da vida humana. Voltemos ao polvo de sabor tradicional na tasca: pode ser interpre-tado como uma apreciação dos sabores tradicionais; mas também (por usar-se a palavra “tasca”) como uma presunção de contenção financeira por parte de um docente, que aufere um rendimento superior à média da população; ou, se visto por alguém enquanto come da sua marmita e se sente frustrado por ter acabado de receber um recibo de vencimento com um corte, como origem de inveja por ser um momento de alguém que ainda pode almoçar fora. Pode ainda ser fonte de asco para algum vegan mais radical na apreciação alheia, fonte de irritação por ser uma trivialidade para alguém que as despreze, entre muitos outros pontos negativos que possam surgir, no contexo de quem vê a partilha.Outra contradição – um aspeto que tem sido realçado recentemente em trabalhos da investigadora Sherry Turkle – é a relação entre os momentos de partilha e os de privacidade, ou dito de outra forma, entre a imersão social total e a solidão e recolhimento ocasionais necessários a momentos de reflexão. Estaremos, nas palavras delas, sozinhos juntos (Turkle, 2011)? Estaremos a optar por nos recolhermos nos contactos e partilhas on-line, em detrimento do investimento pessoal? E não causará um contexto estranho, incoeren-te, alguém que partilha sistematicamente e depois se recolhe prolongadamente? Não causará, por exemplo, preocupação pela ausência (“será que lhe aconteceu algo?”); ou frustração e irritação pelo silêncio (“está sempre disponível mas não agora não está para participar nisto”); ou desconfiança pela privacidade (“sei que está por ali mas nada diz… curiosa constatação…”)?Finalmente, a contradição final é que a quantidade de factos partilhados não é adequada simultaneamente a todas as pessoas que os possam receber: nos fluxos lineares das plataformas sociais atuais, alguém que publique regularmente pode tornar-se demasiado presente para alguns destinatários, que seguem as plata-formas com menos regularidade, mas insuficientemente presente para outros, que as seguem em perma-nência. Pode ser sobrepujante para quem as segue numa perspetiva informal e de convívio, e irrelevante ou

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fútil para quem as segue de forma mais utilitária ou reflexiva. Mas note-se que nesta contradição o proble-ma não está no contexto de quem partilha – o partilhador – mas no contexto de quem pode receber essa partilha, contexto que pode ser desconhecido do partilhador!

Um teste de esforço à ideia

Como contributo para esta reflexão, efetuei um teste de esforço a esta ideia de contradições entre a partilha como fonte de empatia e contexto e a receção da partilha como situação múltipla, potencialmente desade-quada da partilha original. Centrei-me num tipo de partida muito simples, que inclusivamente é comum nas plataformas sociais: partilhar ao longo de uma tarde as músicas que ouvia enquanto trabalhava no ga-binete.

Figura 1 – Exemplos da sequência de partilhas

A partilha decorreu no dia 18 de outubro de 2012, entre as 15h00 e as 18h00, tendo partilhado ao todo 38 momentos de audição musical, além de 3 outras informações, não relacionadas com estas (as partilhas que faria num dia normal). Os momentos de partilha não foram regulares: por vezes partilhava uma música quando esta começava a tocar, outras vezes não tinha oportunidade de o fazer (ou estava tão absorto na tarefa em mãos que não reparei na mudança de música), e revia quais as músicas que tinham tocado, parti-lhando 2 ou 3 em rápida sucessão. O motivo principal para a partilha não ter sido automática é pretender partilhar um contexto verdadeiro: ouço digitalizações de músicas da minha coleção pessoal, várias das quais não estão disponíveis na Internet (pelo menos em formato facilmente localizável ou partilhável). Isto implicava, para cada partilha, procurar a música num serviço de streaming de som ou vídeo, ou pelo menos uma página Web que a mencionasse ou ao álbum que integra. Um motivo secundário foi partilhar automa-ticamente e em simultâneo nas quatro plataformas sociais onde intervenho habitualmente: Facebook, Twitter, Google+ e LinkedIn. Faço-o habitualmente através do suplemento de navegador Socialba, que não tem ligação aos serviços tradicionais de partilha de música. A Figura 1 apresenta a história das partilhas dessa tarde, no meu mural do Facebook (com anonimização dos participantes).Registei de seguida que pessoas reagiram de alguma forma a estas partilhas: fazendo “gosto”, comentando ou repartilhando no Facebook, respondendo ou retuitando no Twitter, etc. Note-se que certamente muitas outras pessoas viram as partilhas, sem com elas interagir, mas não disponho de informação sobre essas, apenas sobre as que interagiram. Até às 22h16 desse dia, 45 pessoas participaram de alguma forma face a estas 41 partilhas, efetuando 62 interações (1,4 interações/pessoa). Separei essas interações em três cate-gorias: favoráveis (gostos ou comentários positivos no Facebook, retuites ou respostas positivas no Twitter, +1 ou comentários favoritos no Google+; no LinkedIn não houve interações); neutras (interação com as partilhas não relacionadas com música); e negativas (comentários ou respostas exprimindo espanto ou desagrado). A Figura 2 resume os dados deste teste de esforço. Solicitei a todos os participantes uma entre-vista posterior para tentar compreender o contexto de cada um, a visão que tiveram da partilha e a perce-

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ção de pormenores como o facto de eu ter mencionado que era a “banda sonora do gabinete”, ter numerado as músicas e ter indicado “/…” nessa numeração como indicação de não haver um final previsível. Comecei por efetuar uma entrevista vocal (via Skype) a um dos intervenientes desagradado, que usei como base para elaborar um conjunto de perguntas para entrevista escrita aos demais; ao todo obtive 20 respostas aos pedidos de entrevista por escrito. O conteúdo ainda está a ser analisado.

Figura 2 – Análise das interações registadas: participantes (horizontal) vs. partilhas (vertical)

Os dados apresentam uma limitação clara (além do já mencionado de se referir apenas a quem interagiu com as partilhas, não com quem as viu mas não interagiu, e do facto de ser um teste inicial exploratório, em ambiente pouco controlado): a generalidade das interações decorreu no Facebook, tendo sido sendo residuais no Twitter e Google+ (e inexistentes no LinkedIn). A este nível, é importante ter presente que o Facebook apresenta normalmente de forma agrupada as partilhas sucessivas que sejam feitas por um uten-te, pelo que os meus contatos nessa plataforma não terão visto as 41 partilhas individualmente (salvo quem tenha optado por usar o Facebook de forma temporal – situação que me foi confirmada numa entrevista). Já nas outras plataformas esse agrupamento não ocorre e os meus contactos nelas terão visto surgir a tota-lidade das 41 partilhas. Contudo, o comportamento registado no Facebook foi surpreendente: generica-mente, cada partilha tinha um conjunto de pessoas diferentes a interagir. As entrevistas revelaram que alguns participantes viram várias partilhas mas só interagiram com uma, mas a regularidade observada na Figura 2 leva a indagar se o Facebook não estará a dividir, algoritmicamente, as partilhas por blocos ou secções diferentes do conjunto dos meus contactos, em vez de os tratar como indivíduos.Notam-se alguns episódios de “seguimento” das partilhas (contactos que ao longo de um período de tempo foram interagindo) mas a generalidade das pessoas só interagiu com uma das partilhas. Finalmente, sem surpresa, as interações negativas deram-se no final da tarde, indicadoras de enfartamento quanto a infor-mações provenientes de apenas uma fonte.

Reflexões finais

Uma dimensão única do meu contexto – a música que estava a ouvir – foi por si só suficiente para sobre-pujar (expressão utilizada por um dos entrevistados, apesar de ter realizado apenas interações favoráveis) alguns dos destinatários das minhas partilhas. Já há reações tecnológicas a este problema, como o agru-pamento de partilhas consecutivas por parte do Facebook. Talvez o padrão identificado aponte para outra reação tecnológica, por confirmar: a divisão dos destinatários potenciais por lotes, cerceando à partida a visibilidade do contexto que se pretende partilhar.

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O que seria, então uma tentativa de partilha global de contexto, restrita apenas à privacidade? Não apenas as músicas e as leituras interessantes, mas também a paisagem ocasional, o estado do tempo, as pessoas que connosco se cruzam, a comida (um tema de partilha muito comum nas plataformas sociais), etc.? Uma inundação esmagadora de informação para os destinatários, que sujeitos a ela perdessem a utilidade ou relevância dessas informações em demasia? Mas qual é o ponto de demasia? Se por um lado podemos en-carar quem partilha – o professor, neste caso – como um editor de contexto, como decisor editorial, não podemos encará-lo como alguém que possa estar consciente dos contextos em que as suas partilhas serão desfrutadas. O problema não está na emissão, está na receção, que é demasiado restrita.Creio que as atuais plataformas sociais têm aqui uma grande fragilidade: estrangulam uma imensidão de informação para caber no canal estreito de um fluxo informativo constante ou na atenção limitada de um recetor, sem meios para expandir dinamicamente, livremente, o acesso a essa informação, à variedade dela. E esses meios não podem ser totalmente automáticos: se queremos ter a liberdade de decidir o que vemos, de quem vemos, temos de ter formas de atuar mais complexas, de ser capazes de especificar regras de processamento e seleção de informação, não apenas selecionar opções de filtração. Se queremos que esta capacidade de definir regras seja adotável pela população em geral, precisamos de forma novas, mais ricas e diversas de organizar e apresentar informações. Talvez mesmo formas multidimensionais. Talvez um espaço multidimensional (visual 3D, animado no tempo, sonoro, tátil, ou múltiplas camadas de reali-dade aumentada sobrepostas ao nosso dia-a-dia) seja um destino para esta dificuldade. De uma forma ou de outra, as plataformas sociais atuais terão de mudar não apenas em aspeto, mas em conceito. E a nossa forma de atuar face à informação que geramos, partilhamos e consumimos tem de se tornar mais conscien-te de si própria.

Agradecimentos

Agradeço a todos quantos têm vindo a partilhar comigo a convivência nos mundos virtuais e nas platafor-mas sociais, permitindo-me desta forma a reflexão aqui exposta. Agradeço muito particularmente aos par-ticipantes no pequeno teste exposto, em particular pela sua disponibilidade para serem entrevistados, con-tribuindo deste modo para o enriquecimento desta reflexão.

Referências

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