AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS-UNISINOS CIÊNCIAS HUMANAS ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL ALEXSANDRA CRISTINA ERHART BAMBERG PEDROSO AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS SÃO LEOPOLDO 2013

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Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS-UNISINOS

CIÊNCIAS HUMANAS

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

ALEXSANDRA CRISTINA ERHART BAMBERG PEDROSO

AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

SÃO LEOPOLDO

2013

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ALEXSANDRA CRISTINA ERHART BAMBERG PEDROSO

AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

Trabalho de conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS Orientador: Ms. Paulo Sergio Fochi

SÃO LEOPOLDO

2013

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Alexsandra Cristina Erhart Bamberg Pedroso

AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS Aprovado em 28 de março de 2013.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Prof. Ms. Paulo Sergio Fochi – Orientador

________________________________________________________________

Prof. Dra. Marita Martins Redin – 2ª Avaliadora

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A todos que me incentivaram a estudar, pesquisar e correr atrás dos meus

sonhos, dedico este trabalho.

Mas, principalmente as crianças, que com sua curiosidade, irreverência e alegria

me levaram a sentir esta necessidade de compreendê-las melhor.

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Agradeço a minha família pela paciência, incentivo e compreensão. A minha mãe, que me incentivou a ser

professora, a estudar e batalhar por aquilo que acredito; ao meu esposo pelo seu companheirismo nos momentos em que

precisei desabafar e trocar ideias e pela sua ajuda quando precisei escrever a presente monografia e ele teve que ficar

com nossa filha; e claro a minha filha, peço desculpas pelos momentos que não pude estar tão presente quanto gostaria,

mas agradeço ao seu carinho e compreensão em saber que sua mãe precisava realizar esta pesquisa. Todos, e cada um

a sua maneira, colaborando para que eu realizasse esta conquista de ser Especialista em Educação Infantil.

Aos professores que foram muito importantes em minha caminhada, me fazendo crer na educação. A uma em

especial, que percebeu em mim o gosto pela infância, antes mesmo de mim. Ao professor e meu orientador Paulo Sergio

Fochi, pelas horas de dedicação, pelos seus comentários, questionamentos, críticas, sugestões, por suas palavras de

incentivo e também por sua cobrança e puxões de orelha, obrigada por você ser tão presente e interessado, por estar e

se mostrar disposto a me ajudar em todos os momentos que precisei.

A todas as crianças que fizeram parte da minha caminhada, que de uma forma ou de outra, me motivaram a

estudar, a pesquisar, em busca de informações que me auxiliassem a compreendê-las melhor, me possibilitando refletir

sobre a minha prática pedagógica e me incentivando a sempre ir além, buscar o novo, o imprevisível. E não poderia

deixar de agradecer as minhas colegas e a equipe da escola Municipal de Educação Infantil Pedacinho do Céu, pelo

apoio e incentivo nos meus momentos de experimentação com os bebês.

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RESUMO

Este trabalho refere-se à pesquisa que investiga como os bebês estabelecem relações com os materiais e como

estas se convertem em linguagem. Trata-se da pesquisa sobre a utilização de materiais não corriqueiros nas atividades

desenvolvidas com os bebês, e a importância que estes momentos de exploração e relacionamento com os diversos

materiais possuem para a criança, pois através destas experiências o bebê toma conhecimento sobre os materiais, define

projetos, age, demonstra intenção, testa hipóteses, relaciona, agrupa, compõe, alinha, intercala, ordena, classifica,

amontoa, recolhe, derrama, despeja, apropriando-se das características dos materiais, conhecendo-os e significando-os,

desta forma compreende o mundo que a cerca, comunicando-se com ele.

PALAVRAS-CHAVE: Educação infantil, bebês, relações, materiais, linguagem.

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Ao contrário as cem existem

A criança

é feita de cem.

A criança tem cem mãos

cem pensamentos

cem modos de pensar

de jogar e de falar.

Cem sempre cem

modos de escutar

de maravilhar e de amar.

Cem alegrias

para cantar e compreender.

Cem mundos

para descobrir.

Cem mundos,

para inventar.

Cem mundos

para sonhar.

A criança tem cem linguagens

(e depois cem cem cem)

mas roubaram-lhe noventa e nove.

A escola e a cultura

lhe separam a cabeça do corpo.

Dizem-lhe:

de pensar sem as mãos

de fazer sem a cabeça

de escutar e de não falar

de compreender sem alegrias

de amar e de maravilhar-se

só na Páscoa e no Natal.

Dizem-lhe:

de descobrir um mundo que já existe

e de cem roubaram-lhe noventa e nove.

Dizem-lhe:

que o jogo e o trabalho

a realidade e a fantasia

a ciência e a imaginação

o céu e a terra

a razão e o sonho

são coisas

que não estão juntas.

Dizem-lhe enfim:

que as cem não existem.

A criança diz:

ao contrário, as cem existem.

LORIS MALAGUZZI

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................................................10

2. O ACASO ME GUIOU E LEVOU-ME DE ENCONTRO AO ENCANTAMENTO COM A

INFÂNCIA............................................................................................................................................12

3. MATERIAIS NO BERÇÁRIO. QUAIS, DE QUE FORMA E POR QUE UTILIZÁ-LOS? ...............18

4. POSSIBILIDADES DA CRIANÇA PERCEBER O MUNDO, TRANSFORMANDO TODA SUA

IRREVÊRENCIA E ALEGRIA EM SEDE POR PESQUISA...............................................................28

4.1 Nosso primeiro encontro - inseguranças e curiosidades.................................................31

4.1.1 Iniciativa e coragem...........................................................................................................32

4.1.2 Manchando, marcando, borrando, pintando......................................................................33

4.2 Nosso segundo encontro - muitas experimentações........................................................38

4.2.1 Quantos objetos - o que fazer com eles?..........................................................................40

4.2.2 Que meleca, isso gruda!!...................................................................................................42

4.2.3 Meu corpo inteiro na ação.................................................................................................46

4.3 Nosso terceiro momento de explorações...........................................................................50

4.3.1 Uma lata - motivo de risadas, descobertas e muitos puxões............................................54

4.3.2 Pincéis e uma lata com água - quantas possibilidades e diálogos....................................57

4.3.3 Incontáveis percepções e descobertas..............................................................................59

4.4 Quarto encontro - ação + movimento + liberdade = puro divertimento..........................62

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4.4.1 Ação e reação - que descoberta.......................................................................................64

4.4.2 Concentração - momentos gloriosos com nossa pequena pesquisadora........................66

4.4.3 Concentrado sim - parado nunca......................................................................................71

4.4.4 Potes e água - incríveis possibilidades.............................................................................74

4.4.5 E isso aqui, o que será?....................................................................................................76

5. CONCLUSÃO.................................................................................................................................78

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS..................................................................................................85

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1 INTRODUÇÃO

Meu interesse pela forma como os bebês se relacionam com os materiais e como os convertem em linguagem,

levou-me a propor quatro sessões com bebês da escola onde trabalho. Em cada sessão desenvolvida, ofereci materiais

inusitados, que possibilitassem diferentes ações, relações e transformações sobre eles, e no desenrolar de cada sessão

procurei analisar as ações e relações que as crianças teciam, procurando intervir o mínimo possível, o protagonismo

delas na realização tanto de projetos individuais, quanto dos coletivos.

Esta monografia pretende revelar a importância de utilizar uma gama de materiais com os bebês na Educação

Infantil, materiais que normalmente nos passam desapercebidos, mas que nas mãos das crianças tornam-se fontes

riquíssimas de investigação, criação, elaboração. Também estou convencida de que os bebês, ao elaborarem e testarem

diferentes hipóteses em suas explorações com os materiais se apropriam das características dos mesmos e os

transformam em linguagem.

No primeiro capítulo será apresentada a minha trajetória de vida, meus encontros e desencontros com a Educação

Infantil, a forma como o acaso me guiou ao encontro da infância e me fez perceber apaixonada por ela, até chegar as

inquietações que me motivaram a realizar esta pesquisa.

No segundo capítulo será abordada uma análise sobre os materiais que costumamos encontrar com maior

frequência nas salas de berçários, as fontes de pesquisa de onde grande parte dos educadores de educação infantil

buscam informações e ideias para desenvolver com suas crianças, uma contextualização sobre os materiais, onde

dialogo com teóricos que abordam o assunto e embasam esta teoria, dos materiais como linguagem.

No terceiro capítulo será abordada a metodologia adotada na pesquisa, a descrição das sessões práticas

realizadas com os bebês, os relatos das experiências e descobertas realizadas pelos bebês, durante estas sessões,

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dialogando com autores que se dedicaram a pesquisar sobre o tema. Incentivando o leitor a prestar atenção as ações

das crianças, o quanto elas são significativas e podem estar nos mostrando, comunicando, expressando.

No quarto capítulo apresento as considerações finais, obtidas com a referida pesquisa, onde faço uma reflexão

sobre a utilização de materiais inusitados e não estruturados e sobre a relação dos bebês com os mesmos, e, se e como,

é possível para os bebês, transformar estas relações em uma forma de linguagem com o mundo.

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2- O ACASO ME GUIOU E LEVOU-ME DE ENCONTRO AO ENCANTAMENTO COM A INFÂNCIA.

Sou uma pessoa tranquila e tímida, não gosto de falar em público prefiro escrever. Gosto de pintar telas, fazer

artesanato, ler livros de romance, olhar filmes, ouvir músicas e ficar sentada na rede sentindo o vento e olhando as

estrelas, tenho sentido falta desses momentos. Sou casada e tenho uma filha de 2 anos que fica na mesma escola onde

trabalho, atuo como professora de educação infantil há seis anos e meio na rede de Esteio, este ano estou fazendo RET

(regime especial de trabalho), abro e fecho a escola, resumindo estou quase morando na escola, ainda bem que existem

os finais de semana.

Desde muito pequena brincava de ser professora, a criançada da rua reunia-se na minha casa e mesmo sendo

uma criança tímida, nesses momentos coordenava a brincadeira, minha irmã caçula foi alfabetizada por mim, de tanto

brincar com as letras, palavras e frases, quando ela entrou na escola já sabia escrever, por isso terminava rapidamente

os exercícios e passava o tempo conversando, a professora dela não ficou contente, pois ela distraía os colegas, mas eu

sentia um grande orgulho de ter ajudado ela neste primeiro contato com a escrita.

Era uma criança quieta, na escola tinha poucos amigos e na maioria das vezes não interagia muito com os

colegas, minha professora chamou por diversas vezes minha mãe para saber se eu não brincava por medo de me sujar,

questionando-a se me proibia de brincar. Minha mãe que sempre nos incentivou a brincar, a explorar o ambiente, a criar

brincadeiras, que permitia que os nossos vizinhos fossem brincar na nossa casa, que os acolhia com carinho e

compreendia nossa necessidade de experimentar, repetir, diversificar, bagunçar,... precisou convencer minha professora

que eu apenas era uma criança tímida e introvertida.

Os anos foram passando, fui crescendo, tinha bons amigos com os quais tinha liberdade para falar, mas

continuava tendo dificuldade para me comunicar com determinadas pessoas, nas aulas até parecia que eu sabia tudo,

pois dificilmente questionava algo, mas esse silêncio era todo motivado pela timidez. Nesta fase precisava decidir o que

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estudar no segundo grau, tinha vontade de fazer o magistério, mas ao mesmo tempo não queria sair da escola a qual já

estava adaptada. Minha mãe precisou me dar um empurrão e levar-me para fazer a matrícula no Magistério. Agradeço-a

por isso, agora tenho certeza de que estou no caminho certo e devo isso a ela.

Quando chegou o momento do estágio precisava escolher uma turma, a professora me sugeriu que eu procurasse

realizar o estágio com os pequenos, talvez uma primeira série, mas eu insisti que preferia os maiores e procurei por uma

terceira série. Durante o estágio foram muitos os desafios que tive que vencer, no entanto tudo deu certo e consegui

chegar ao final satisfeita com a sensação de haver feito algo de produtivo.

Após o estágio prestei diversos concursos, mas, como não obtive sucesso comecei a procurar por emprego. Uma

amiga minha que trabalhava em uma escola particular de educação infantil procurou-me para que eu fizesse uma pintura

decorativa na sala dela, caso a dona da escola gostasse poderia chamar-me para fazer outras pinturas. E foi assim que

tive o meu primeiro contato com a educação infantil, por destino, coincidência ou mero acaso.

Ao final da pintura a dona da escola além de me pedir para pintar outras paredes convidou-me para trabalhar na

escola com as crianças de 2 e 3 anos. Primeiramente fiquei receosa se daria conta do recado, afinal nunca havia

pretendido trabalhar com crianças tão pequenas, mas eles já haviam me cativado, já sentia um enorme carinho por eles.

Desta forma aceitei o desafio e iniciei minha caminhada na educação infantil, o começo foi difícil e tumultuado, as

dúvidas eram enormes e eu me sentia muito insegura, mas conforme os dias passavam e eu me apaixonava mais por

eles, por suas descobertas, experimentações, formas de resolver os conflitos e pela facilidade de dar e receber carinho.

No ano seguinte ingressei na graduação no curso de Licenciatura em Artes Visuais, mesmo estando na Educação

Infantil a vontade de estudar artes, de estar envolvida com o mundo das artes foi maior, e fui para a Feevale com muitas

expectativas.

Foram momentos bons e também difíceis, meu parco salário não estava sendo suficiente para me manter, então

tive que sair da escola infantil e optar por outro trabalho. Além disso, estava me sentindo incomodada por muitas coisas

na escola, inquietações, que me faziam questionar se eu estava no lugar certo. A estrutura, a higiene, a rotina, os

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materiais e atividades oferecidos às crianças me pareciam pobres, a visão que a escola tinha de que se eles estavam

pagando sempre poderia entrar mais uma criança, angustiava-me e comecei a sentir-me fora de lugar naquele ambiente,

pois as outras pessoas estavam satisfeitas com a rotina que se apresentava e não tinham interesse em mudar.

Tentei vagas em outras escolas, mas ao perceber que eram muito parecidas com a que eu havia saído não vi

futuro para mim nestes ambientes. Acabei trabalhando como baba por dois anos, depois trabalhei três anos em um

escritório de revenda de peças para tratores e afins e finalmente fui chamada no concurso para professora de Educação

Infantil.

Quando fui me apresentar na escola tenho que admitir que estava cheia de receios e incertezas, havia passado

um bom tempo afastada das crianças e estava chegando a conclusão que seria melhor eu lecionar artes para os maiores.

Estava morrendo de medo que me levassem para trabalhar com os bebês, pois meu contato com esta faixa etária na

outra escola havia sido um pouco traumatizante, porém aguardei a supervisora me encaminhar para a sala e me deparei

com a turma de maternal dois, até o final daquela tarde eles já haviam me conquistado e estava encantada com eles.

Neste mesmo ano me graduei em artes e prestei vários concursos, quando me chamaram em um fiquei numa

dúvida cruel, mas achei que seria interessante fazer uma experiência e assumi o concurso em Sapucaia, neste período

eu estava grávida, em pouco tempo entrei de licença e tive tempo para pensar no que eu realmente desejava. Quando

retornei da licença trabalhei mais dois meses para fazer o fechamento das avaliações e me exonerei do concurso de

Sapucaia. A experiência com os maiores foi maravilhosa, no entanto eu sentia muita falta da espontaneidade, alegria, do

brilho dos olhos perante cada novidade, do carinho dos meus pequeninos. Assim sendo, fiquei somente com o concurso

de Educação Infantil em Esteio.

As artimanhas da vida são tão estranhas havia esperado tanto tempo para lecionar artes com os maiores e quando

consegui só me sentia deslocada e com saudades dos pequeninhos que sempre eram tão carinhosos comigo, muitos me

chamaram de maluca, porém pouco me importou, resolvi seguir meu coração e aqui estou eu até o momento e sem a

menor vontade de modificar o meu caminho, tenho paixão por aquilo que faço, sou educadora de corpo, alma e coração.

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Fazendo uma reflexão lembrei-me da professora que estava orientando meu estágio de Magistério, pois ela havia

insistido muito para que eu fizesse o estágio em uma primeira série e eu teimosamente insisti em fazer em uma terceira,

pensei em como ela podia me conhecer tão bem, melhor que eu mesma? Demorei para perceber que me encanto com

os pequenos, mas agora estou aqui e tenho certeza que estou no lugar certo.

No meu segundo ano em Esteio me pediram para trabalhar no projeto de artes, cobrindo a falta do professor que

esta planejando e lá fui eu circular por todas as turmas da escola, inclusive na turma dos bebês que eu tanto temia e qual

não foi a minha surpresa ao perceber que eu adoro trabalhar com esta faixa etária, é maravilhoso poder acompanhar as

suas conquistas e descobertas, os seus rostinhos com expressões curiosas e concentradas na exploração de diferentes

materiais, quando percebem algo que lhes chama a atenção e ficam isolados naquela exploração que algumas vezes

demoramos para compreender.

Acho maravilhoso estar em contato com todas as crianças, buscar coisas que acredito despertar o seu interesse.

Na escola já sou conhecida como a profe da meleca, vira e mexe levo algo diferente para manipularem, experienciarem,

investigarem e provarem, pois com certeza muitas vezes eles acabam levando para a boca, não tem como isso não

acontecer, é puro instinto.

Porém por diversas vezes me sinto incomodada com as caras atravessadas de algumas colegas, a falta de

vontade de outras, com o espaço que por diversas vezes me limita, pelo tempo destinado a atividade/brincadeira que por

diversas vezes nos leva a interromper o processo da criança e esta fica sem uma conclusão para ela, mas estou firme no

meu propósito e em minhas convicções e vou tentando realizar estas experimentações dentro do possível. Mas muito

maior que meu incomodo é meu prazer ao perceber o entusiasmo das crianças quando entro em sala, quando levo algo

diferente, quando seus olhinhos brilham meu coração se enche de alegria e meu esforço se faz valorizado e percebido

por elas que são a minha grande preocupação e alegria, as crianças.

Venho percebendo que outras colegas também estão procurando oportunizar às crianças momentos de contato

com materiais diversificados, ricos em cores, cheiros e texturas, e fico imensamente feliz por saber que de uma forma ou

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de outra algumas se sentiram motivadas por mim, pegaram o gosto por fazer meleca, pois o melecar nos desperta para

variadas sensações desde o receio, a incerteza, a curiosidade, o nojo, a alegria, o prazer, o divertimento, a observação e

nos ajuda a estabelecer relações entre diferentes materiais.

Desta forma venho parar neste Curso de Especialização em Educação Infantil por saber das lacunas que ficaram

em minha graduação, a necessidade de ter um embasamento teórico, a vontade de estar em um grupo que estivesse

preocupado com a infância e suas múltiplas facetas, onde estaríamos conversando, debatendo, ouvindo e principalmente

trocando. Através desta parada, deste tempo dedicado a estudar o tema é possível refletir sobre o que se faz para e com

as crianças, se o trabalho está sendo válido e contribuindo em algo.

Nesta auto avaliação sobre a minha prática pedagógica, percebi que sinto um enorme interesse em trabalhar com

variedade de materiais, principalmente com materiais não estruturados e que fujam da rotina das crianças, gosto de lhes

oferecer coisas novas e inusitadas, de assistir suas interações com os materiais, suas expressões concentradas e seus

olhos brilhando, acredito que estes momentos oportunizam novas descobertas e os ajudam em suas elaborações de

conceitos, mas me questiono se por meio destas experiências é possível que as crianças convertam esta relação com os

materiais em linguagem e de que forma isso seria possível? A partir de diversas leituras relacionadas ao tema tenho me

sentido cada vez mais interessada por esta proposta pedagógica, e a cada dia com mais vontade e segurança para ousar

nas atividades propostas às crianças com as quais convivo.

Sou uma pessoa que cria raízes, não consigo me sentir confortável com mudanças de ambientes/espaços, pois

adoro a sensação de conhecer as pessoas ao meu redor, pois tenho dificuldade em iniciar amizades, então agradeço a

Deus a sorte de estar próxima de pessoas comunicativas e que me aceitaram da maneira que sou, pois ainda que sigam

me considerando quieta tenho a consciência de que fiz progressos significativos em minha forma de relacionar-me.

Tenho sentido vontade de mudar de escola, no entanto primeiro preciso esgotar todas as possibilidades na busca

pelas melhorias quanto ao que me incomoda, pois além de me sentir abandonando o barco tenho receio em não ser tão

bem aceita. Apesar das dificuldades, das diferentes opiniões, da falta de apoio de algumas colegas, do comodismo de

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outras consigo me relacionar bem entre todos os grupos dentro da escola, justamente por ser tranquila e gostar de ouvir

os outros. E desta forma vou tentando levar coisas novas e transmitir o meu entusiasmo para ver se de repente ele não

contagia um pouco essas pessoas.

Nestas páginas escrevi um pouco sobre mim, minha trajetória, minhas dúvidas e certezas, meus interesses, meus

anseios e o caminho que trilhei até o momento.

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3- MATERIAIS NO BERÇÁRIO. QUAIS, DE QUE FORMA E POR QUE UTILIZÁ-LOS?

É preciso ver a vida inteira como no tempo em que se era criança, pois a perda desta condição nos priva da possibilidade de uma maneira de expressão original, isto é, pessoal. (HENRI MATISSE, p. 7)

Refletindo sobre a pesquisa a ser desenvolvida, sobre as muitas dúvidas e questionamentos que perpassam por

minha mente sobre a educação infantil e principalmente sobre os bebês, muitas indagações poderiam servir como a

pergunta inicial desta pesquisa. Mas analisando a minha trajetória, o meu interesse, a minha disponibilidade, o meu

coração, não poderia ser sobre outro o assunto, tenho que pensar/pesquisar/investigar/escrever sobre como as crianças

se relacionam com os materiais e como/ e se essa relação pode se transformar em uma forma de linguagem.

Quando estamos em nossas escolas com os bebês propiciamos momentos em que os bebês possam trabalhar

com diversos suportes e materialidades nas suas experimentações e relações? Que foco damos a nossas observações

perante estes momentos e as possíveis descobertas? Oferecemos um ambiente que favoreça estas explorações?

Permitimos que estas experiências sejam significativas para eles? Que seus ritmos de relações sejam observados e

respeitados? Possibilitamos que as crianças estabeleçam relações com os materiais oferecidos? Como a criança se

relaciona com o mundo? Até que ponto estas questões são relevantes e auxiliam no desenvolvimento da criança? Estas

são questões que me inquietam, e por isso, me motivaram a estudar e realizar esta pesquisa. Estas questões serviram

como norteadoras deste estudo, mas este não tem a pretensão de responder a todas neste momento.

Com base nos profissionais de educação infantil com os quais tenho contato percebo que muitos deles baseiam

suas pesquisas e buscam sugestões de atividades em revistas e guias práticos, nestes ao procurar por atividades para

berçário encontramos muitas sugestões que envolvem o uso do E.V.A, o carimbo das mãos das crianças com tinta em

datas comemorativas para confecção de painéis, a construção de objetos para as crianças passarem e entrarem,

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jogos de encaixar peças,..., e assim sendo muitos

profissionais da educação infantil acabam limitando sua

busca por informações em um mesmo tipo de revista e

sua prática pedagógica fica sendo limitada no mesmo

estilo de atividade, perdendo a qualidade da variedade,

da novidade e da surpresa, sendo desgastada pela

repetição e pelo uso dos mesmos tipos de materiais e as

crianças marcadas pelas mesmas texturas, aromas,

temperaturas, pesos, densidades, movimentos,... O

atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 29) coloca que

“investigar e descobrir como um determinado material se

apresenta e é transformado ajuda a criança a adquirir

conhecimento sobre o material em si – sobre a textura,

forma, configuração, cor e a aparência externa e interna.

[...].”

Poucas são as reportagens e matérias

encontradas nessas revistas que auxiliam estes

profissionais a abrirem seus horizontes e incentive-os a

utilizar materiais diversificados nas atividades realizadas

com os bebês, que apesar de serem pequenos são

crianças potentes, pensantes e que precisam de

oportunidades, possibilidades para descobrir o mundo

que os cerca, ao seu tempo e do seu modo, não de uma

forma imposta e da maneira desejada por nós adultos,

porém, não se trata de “deixar as crianças fazerem o que

querem”, mas sim do adulto estar convicto e assumir

como seu objetivo o processo de como as crianças

exploram o seu entorno e não, do resultado. Precisam

ser respeitados na sua forma de elaborar hipóteses, de

relacionar os materiais, de senti-los e de expressar esta

conquista.

Segundo Francesco Tonucci, (2008) vai dizer que

por material, podemos entender “tudo aquilo com que se

faz algo, que serve pra produzir, para inventar, para

construir deveríamos falar de tudo o que nos rodea,

desde a água até a terra, das pedras aos animais, do

corpo às palavras... „incluindo as plantas e as nuvens‟”

(idem) [grifo do autor] ., inclusive a imaginação é um

material, e este deve ser usado e abusado, utilizado sem

esgotamento, pois os bebês vão conhecendo o mundo

que os cerca com a nossa ajuda e precisamos nos

esforçar em mostra-lo em suas várias facetas, em sua

amplitude e riqueza, e não uma única fatia escolhida por

um adulto que acredita que determinado pedaço dele

seja mais importante do que outro.

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Diante desta afirmação, percebo que a ideia de

material para ser ofertado a criança vai muito além do

que estamos acostumados a utilizar, vai muito além dos

materiais ou brinquedos disponibilizados para a maioria

das crianças das creches. Reproduzo aqui a palavras de

Milú Villela (2007, p. 5) ao escrever sobre o trabalho de

Holm “promovem atividades artísticas simples e com

recursos ignorados pelo senso comum do brinquedo

industrializado.”, temos incorporado em nós a

necessidade de consumo, desta maneira, muitas vezes

optamos por oferecer as crianças brinquedos prontos

(industrializados), que normalmente são confeccionados

da mesma matéria e acabam limitando a criança, pois

geralmente estes brinquedos já chegam às crianças

carregados de informações e significados, induzindo a

criança a reproduzir ações no seu faz de conta e

impossibilitando-a de criar/recriar com o material, de

estabelecer as suas conjecturas a respeito do mesmo,

pensando em diferentes formas de utilizá-lo.

Neste mesmo sentido, podemos pensar que os

materiais também tem valor ao organizarmos o espaço

da escola, conforme a entrevista de Gambetti dada a

Lella Gandini (2010, p. 52) em que a autora registra

como encontrou a linha para unir todos os ambientes da

escola “[...] o objetivo era usar materiais para mostrar

que as experiências na escola poderiam ser expressadas

em muitas linguagens.[...]”, e ainda (2010, p. 62) “ [...]

meu outro conselho, bastante pragmático, é jogar fora os

materiais pré-fabricados encontrados em catálogos para

crianças e começar a procurar materiais em outros

locais: no sótão da vovó, feiras de coisas usadas, praias,

ferragens. [...]”.

As crianças não necessitam de brinquedos caros e

sofisticados, elas conseguem criar, inventar muito mais

com materiais que muitas vezes não nos chamam a

atenção, materiais que consideramos sem utilidade,

coisas sem significado para nós adultos, mas as crianças

se apropriam destes materiais e de suas características,

na busca por conhecer e compreender o mundo que as

cerca.

Os autores Saló e Barbuy (1980, p. 36) afirmam “o

mundo da matéria começa a operar na vida da criança

no momento em que ela passa do meio intra - uterino ao

ambiente exterior.“ Desta maneira o bebê entra em

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contato com a matéria desde a mais tenra idade, logo

que ele nasce e vem para o ambiente externo, para o

mundo com o qual nós adultos já estamos acostumados,

mas para os pequenos tudo é novo, a cada segundo uma

nova descoberta, uma nova sensação, uma nova

percepção.

Começa percebendo a temperatura que o rodeia e

é diferente da que estava acostumado dentro do ventre

materno, o ar, o aconchego e calor humano, a sutileza da

água, o toque no berço, os tecidos de suas roupas e o

das outras pessoas como dos lençóis, fronhas,

almofadas, o toque em seus primeiros brinquedos

percebendo os diferentes materiais, a rigidez e aspereza

de outros objetos, a luz, os reflexos, sons, formas, os

cheiros sabores e aromas. Tudo isso, nas mãos de uma

criança, torna-se um material produtivo para estar e

relacionar-se com o mundo.

Ao decidirmos trabalhar e oferecer uma variedade

de materiais e matérias (a qual pode ser entendida como

a substância de que são feitas as coisas, aquilo de que

algo é feito), para os nossos bebês precisamos nos dar

conta de que a natureza nos disponibiliza uma infinidade

de materiais e possibilidades, pois com estes materiais é

mais fácil para a criança elaborar hipóteses e conceitos,

devido ao fato de ficar livre do uso que os adultos dão

aos objetos e materiais. Nestes, a criança liberta-se da

intencionalidade do adulto e pode fazer suas próprias

deduções, dando o seu significado para a matéria,

transformando-a em material, sem a interferência do

adulto e da cultura que rodeia os materiais e objetos. Os

materiais e matérias que encontramos na natureza nos

possibilitam diversas interações/ construções/ criações

sem as significações já impostas pelos adultos, estes

materiais e matérias são passíveis de transformações.

Nesse sentido, vale a pena ressaltar a afirmação de

Giovani Piazza (2012, p. 28) em entrevista concedida a

Lella Gandini:

Quando as crianças usam suas mentes e mãos para agir sobre um material usando gestos e instrumentos e começam a adquirir habilidades, experiência, estratégias e regras surgem estruturas dentro da criança, que podem ser consideradas como uma forma de alfabeto ou gramática, do uso dos materiais, deve ser descoberto pelas crianças em parceria com adultos.

E ainda, Piazza (2012, p. 28-29):

Page 22: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

22

É durante a construção dessa relação que

as possibilidades de modificação,

transformação e estruturação do material

se apresentam, de modo que o material

transformado pode se tonar o meio para a

expressão que comunica os pensamentos

e sentimentos da criança.

Como nos propõem Saló e Barbuy (1980, p. 38)

“que os adultos fiquem com os objetos e permitam às

crianças usar a matéria de que são feitos os objetos.” Os

autores (1980, p. 41) também colocam que:

Cada material tem uma mensagem

diferente e especial. Cada material tem

uma ensinança para a criança. A criança

está preparada para recebê-la. Os adultos

não estão preparados para tornar possível

o diálogo direto entre a criança e a matéria.

Os adultos não querem ficar à margem, e

procuram ser indispensáveis. Mas as

crianças não necessitam intermediários

nem intérpretes.

Apoio à ideia de que as crianças não necessitam

que lhes ensinemos como interagir com as matérias e os

materiais. Elas necessitam de tempo, espaço, variedade

de materiais e profissionais que se disponham a

realmente deixa-los livres para escolher onde mexer,

com o que interagir e que estejam abertos e presentes

para lhes ajudar quando necessário, mas que não lhes

solucionem todos os conflitos/problemas, que permitam

as crianças testar todas as possibilidades ao explorar os

materiais oferecidos, pois durante estas testagens as

crianças realizam a verificação de informações (FOCHI,

2013, p. 141) sobre os materiais, desta maneira

conseguem realizar escolhas, decidindo quais materiais

utilizar e de que forma, assim, demonstrando a sua

intenção sobre os materiais. Em contrapartida, esses

profissionais também devem mostrar às crianças que

elas podem contar com a sua presença, seu interesse,

com o seu olhar e com o seu respeito a sua condição de

sujeito pensante, desbravador, investigador e atuante. O

atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 27-28), coloca que:

Um primeiro encontro das crianças com

materiais, para explorar e agir sobre eles, é

um processo de conhecer da criança.

Nesses encontros e explorações, as

crianças constroem uma percepção do que

pode acontecer com os materiais, e os

adultos constroem a capacidade de

Page 23: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

23

observar e apoiar a significância de cada

experiência.

Precisamos, nos permitir, fugir do mesmo tipo de

atividades, do comodismo da rotina e do que estamos

acostumados, variar os materiais e as matérias que

oferecemos aos nossos bebês, pensar que eles podem

criar e recriar com objetos que não são tão usuais,

observar nossos pequenos como pensadores e

construtores de conceitos e lógicas. É importante que

nosso enfoque esteja na criança e na visão de criança

que acreditamos.

Desta maneira percebo que é necessário pensar

mais sobre os materiais e a forma como oferta-los, Sálo

e Barbuy (1980, p. 40) colocam “cada material tem uma

estrutura interna, uma textura superficial, uma

determinada resistência para ser trabalhada, uma

maneira de conduzir o calor e centenas de outras

qualidades mais, que devem ser ponderadas ante a

criança.” Já o atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 28)

afirma que:

É durante a construção dessa relação que

as possibilidades de modificação,

transformação e estruturação do material

se apresentam, de modo que o material

transformado pode se tornar o meio para a

expressão que comunica os pensamentos

e sentimentos da criança.

Podemos perceber que os materiais transmitem

muitas informações, causam muitas reações, sensações

e percepções nas crianças. Na exploração destes

materiais surgem muitas relações, conceitos começam a

ser construídos e a criança expressa através de gestos,

sons, ações essas elaborações que lhes vão no íntimo,

comunicando a quem se dispor a observar atentamente

seus pensamentos e emoções. De acordo com Charles

Schwall (2012, p. 32):

O estilo de trabalho que adotamos é usar

os materiais como linguagens. Nessa

visão, os materiais são veículos para

expressar e comunicar e fazem parte do

tecido das experiências e processos de

aprendizagem das crianças, em vez de

serem produtos separados. As crianças

apresentam uma receptividade inata às

possibilidades que os materiais oferecem e

interagem com eles para criar significações

e relações, explorar e comunicar.

Page 24: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

24

A matéria possui muitas informações, tais como:

peso, calor, densidade, maleabilidade, textura,

sonoridade, elasticidade, consistência, entre outras.

Quando estamos elaborando nosso planejamento

dificilmente pensamos nestas características das

matérias que constituem os materiais ou em como eles

podem ser ricos para as mentes inovadoras de nossas

crianças, ou em quanto eles podem transformar o

material dando um significado diferente daquele que

estamos acostumados e habituados. Portanto, venho a

refletir sobre a necessidade das crianças se relacionarem

com diferentes materiais, de se sentirem parte de um

processo de aprendizagem, de se comunicarem com o

mundo, a partir de diversos materiais, portanto, de

diversas linguagens, como diria Malaguzzi (1999),

podendo perceber todas as suas sutilezas e diversidade.

Sálo e Barbuy (1980, p. 32) ao falarem sobre os

materiais, colocam que “ponderar o papel dos materiais

na educação faz que a metodologia se simplifique, até

converter-se em mero inventário, para manter o estoque

em dia, e fornecê-los gradualmente de acordo com uma

ordem de prioridades.”.

De acordo com os autores, no que eu concordo

plenamente, ao ponderarmos sobre o papel dos

materiais, percebemos que os materiais precisam ser

ofertados com frequência, mas de forma organizada,

para que desperte o interesse das crianças, também

devemos criar coleções de materiais, variedade (tampas,

canos, sementes, retalhos de tecido, retalhos de papéis,

latas, rolhas, fios,...), de diferentes cores, texturas,

tamanhos, formatos, espessuras, transparências, para

que possamos propor desafios às crianças, que

componham com alguns tipos de objetos e materiais,

mas que eles possuam várias diferenças entre si,

possibilitando interações, construções e transformações.

Concordo com o pesquisador Paulo Sergio Fochi

(2013, p. 137) quando afirma que “[...] esses tipos de

materiais criam uma atmosfera em que a

imprevisibilidade ocupa um espaço importante, não

sabemos o que as crianças farão e que sentidos darão

para aqueles materiais, naquele espaço com outras

crianças.”, e ainda (2013, p. 138-139) ” a ação das

crianças com os materiais parece exatamente, ser

sempre o início para inventar, produzir, fazer algo

Page 25: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

25

inimaginável e surpreendente, muitas vezes, com aquilo

que faz parte do cotidiano,”. Assim sendo, as crianças

precisam estar em contato com diferentes materiais, com

outras crianças, com um ambiente que seja incentivador

para que possam inventar e produzir ações e

significações sobre os materiais ofertados, por mais

corriqueiros que esses materiais possam nos parecer,

para a criança é o momento em que ela pode exercer a

sua intenção sobre o objeto durante a realização do seu

projeto.

Desta forma, também trago Cunha (2001, p. 26)

que ao falar sobre a arte e os materiais em relação com

a criança, afirma:

[...], devem ser reinventados tanto os usos

dos materiais como dos suportes e

instrumentos. Devemos lembrar que assim

como os artistas contemporâneos

aproveitam e exploram qualquer material

em suas produções, as crianças também

podem fazer o mesmo quando se

expressam.

Os autores nos fazem refletir sobre como estamos

tratando e ofertando os materiais para nossas crianças.

Nesse sentido, vale a pena ressaltar a necessidade de

incentivá-los a se expressarem através de todos os seus

sentidos, de perceber que através da experiência

concreta e efetiva com as matérias e os materiais, os

pequenos vão construindo conceitos sobre as coisas que

compõem o mundo, sobre seu formato, consistência,

temperatura, solidez, textura, volume, peso, densidade,

sobre como é possível utilizá-los, combiná-los e também

transformá-los.

Outro aspecto a ser considerado ao falarmos

sobre materiais é a criatividade, o quanto este tipo de

proposta auxilia e incentiva o desenvolvimento da

criatividade, de acordo com Gandini (2010, p. 193) “a

criatividade não é apenas a qualidade do pensamento de

cada individuo; ela também é um projeto interativo,

relacional e social. Ela requer um contexto que lhe

permita existir, ser expressada, tornar-se visível.”, para

Malaguzzi (2010, p. 87) ”a criatividade parece expressar-

se por meio de processos cognitivos, afetivos e

imaginativos, que se unem e que apoiam as habilidades

para prever e chegar a soluções inesperadas.”, e

também “a criatividade exige que a escola do saber

encontre conexões com a escola da expressão, abrindo

Page 26: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

26

as portas (este é nosso slogan) para as cem linguagens

das crianças.”[grifo do autor], pois esta não se

desenvolve sozinha e a partir do nada na criança, a

criança não nasce criativa ela desenvolve esta

criatividade a parir de suas experiências,

experimentações, explorações, relações com os adultos,

com o ambiente, com as matérias e com os materiais

que a rodeiam. E ainda, Lella Gandini (2010, p. 193) ao

esternalizar sua opinião sobre criatividade coloca:

Nas escolas, a criatividade deve ter a

oportunidade de se expressar em cada

local e a cada momento. O que esperamos

é a aprendizagem criativa e professores

criativos ,e não apenas uma “hora da

criatividade”. É por isso que o ateliê deve

promover e garantir todos os processos

criativos que possam ocorrer em qualquer

lugar da escola, em casa e na sociedade.

Devemos lembrar que não haverá

criatividade na criança se não houver

criatividade no adulto. Teremos uma

criança competente e criativa se houver um

adulto competente e criativo.

Já Barbara Burrington (2010, p. 66) ao conceituar

a geografia da imaginação, coloca que:

O território é definido por sensações

sentidas dentro das crianças e impressões

indeléveis produzidas por cada encontro

com os materiais. A paisagem reflete

memórias essenciais e duradouras que as

crianças levarão pela vida, de cores, da

sensação das coisas, da aparência de

algo; um espaço onde memórias são

criadas profundamente dentro da criança,

moldadas por meio de tudo que fazem ali.

O ateliê é um lugar para aprender todos os

tipos de técnicas e um lugar para pesquisa.

Partindo das afirmações dos autores podemos

compreender que a criatividade precisa ser desenvolvida

em todos os lugares e em todos os momentos, ela

expressa-se por meio de seus processos cognitivos,

afetivos e imaginativos, onde criam novas relações e

transformações; já a imaginação é a capacidade de

imaginar, fantasiar, se constitui das memórias que a

criança carrega com ela, em seu interior, as impressões

sobre as cores, as sensações das coisas, a aparências

que percebe nos objetos/materiais/pessoas com quem

convive. De acordo com Malaguzzi (2010, p. 88) “nossa

tarefa no que se refere à criatividade, é ajudar para que

as crianças escalem suas próprias montanhas, tão alto

quanto possível. Ninguém pode fazer mais do que isso.”

Page 27: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

27

Para que as crianças tenham a possibilidade de se

expressar criativamente e de desenvolver esta

criatividade, precisamos , assim como aconteceu em

Reggio Emilia , onde trabalham com a proposta de

ateliês nas escolas, que se resumem a espaços

destinados a propiciar o desenvolvimento da criatividade

através de infinitas linguagens, ressignificar a nossa

compreensão sobre os espaços, os materiais e a

docência do professor na Educação Infantil. Para desta

forma, podermos modificar a maneira como nos

relacionamos com as crianças.

Em Reggio Emilia os professores precisam estar

em dia com a sua criatividade para poderem perceber as

diversas possibilidades e auxiliarem as crianças a

também se tornarem criativas, portanto esta criatividade

deve ser respeitada em todos os seus momentos e não

apenas durante o desenvolvimento de uma certa

atividade, a criança deve ser respeitada e se sentir

valorizada em todas as suas conquistas.

Assim sendo, devemos sentir-nos incentivados a

pesquisar e a instigar as crianças a pesquisar. Durante

estes momentos de investigação sobre o material a

criança desenvolve sua criatividade, cria e estabelece

relações, construindo e reconstruindo conceitos.

Também precisamos nos acostumar com a ideia de que

a criança é uma protagonista (Malaguzzi, 1999, p. 62) no

seu processo de conhecimento, que ela não apenas

recebe informações como também as produz, mas neste

processo ela necessita da ajuda dos outros para

perceber e descobrir o significado das novas relações e

para ser incentivada a buscar outras relações, portanto,

precisa ser desafiada com propostas criativas e que

propiciem a investigação sobre os materiais.

Assim sendo, podemos destacar que o adulto

precisa estar atento para compreender e extrair os

significados destas, para depois encontrar maneiras de

unir as suas interpretações aos significados das crianças,

criando um dialogo produtivo, onde haja uma

colaboração entre as partes na construção e elaboração

do conhecimento. Ao ser entrevistado por Lella Gandini

(1999, p. 91), sobre o papel do adulto na aprendizagem

das crianças, Loris Malaguzzi afirma:

[...] gostaria de salientar a participação das

próprias crianças: elas são capazes, de um

modo autônomo, de extrair significado de

suas experiências cotidianas através de

Page 28: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

28

atos mentais envolvendo planejamento,

coordenação de idéias e abstrações.

Lembre-se os significados jamais são

estáticos, inequívocos ou finais; estão

sempre gerando novos significados. O ato

central dos adultos, portanto, é ativar,

especialmente de um modo indireto, a

competência de extrair significado, das

crianças, como uma base para toda a

aprendizagem.

Portanto, compartilho a ideia de que os materiais,

nas mãos e mentes inventivas dos bebês, se convertem

em linguagem, onde através das relações estabelecidas,

das intenções e ações durante a realização do projeto

estabelecido por eles, os bebês estão presentes e se

relacionam com o mundo que se descortina a sua frente,

em todo seu esplendor de cores, formas, texturas,

aromas, movimentos . Assim sendo, a criança comunica-

se com o mundo, com os adultos e com outras crianças,

expressando suas conquistas e aquisições, e também

transformando constantemente os conhecimentos de

mundo que foi adquirindo, por meio de suas experiências

sobre os materiais, suas características e sobre as

diversas possibilidades de relações entre eles.

Page 29: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

29

4- POSSIBILIDADES DA CRIANÇA PERCEBER O MUNDO, TRANSFORMANDO TODA SUA IRREVERÊNCIA,

CURIOSIDADE E ALEGRIA EM SEDE POR PESQUISA.

Convite

Os pequenos nos convidam a experimentar. Eles têm a arte dentro de si.

Eles criam arte. Eles nos dizem algo. Algo que perdemos.

Algo atraente e sedutor. Algo que reconhecemos.

E que não podemos explicar. Tudo é muito maior.

Para as crianças pequenas existe uma conexão direta entre vida e obra. Essas são coisas inseparáveis.

Anna Marie Holm

Considerando o que foi apresentado no capítulo anterior escolhi utilizar materiais variados e não habituais para

elaborar as sessões com os bebês, desta maneira interagiram com alimentos, tintas confeccionadas com base de

alimento, água, e claro diversificados objetos que foram escolhidos de forma que propiciassem à criança possibilidades

de ações e interações.

Os autores Saló e Barbuy (1980, p. 15) afirmam que “antes de aprender o idioma, antes do significado das

palavras e, antes das leis gramaticais, a linguagem criada, com sons, formas, cores e gestos, permite a comunicação

total, direta, profunda e exata”. Levando em consideração esta afirmação, é possível perceber que as crianças se

Page 30: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

30

comunicam de uma forma muito mais abrangente, do

que nós adultos, normalmente, estamos acostumados a

perceber, pois se utilizam de todos os seus sentidos,

todo o seu corpo expressa esta comunicação. Segundo

Fochi (2013, p. 105) “a linguagem da qual utilizam está

desde o gesto até os sons dos balbucios e sorrisos, ou

seja, a linguagem dos bebês está na ação.” e ainda

(2013, p. 102) ” aqui, talvez caiba destacar da nossa

incompletude para compreender os bebês e suas

linguagens, seja pelo fato de estarmos imersos no

mundo das palavras, seja pela histórica imagem da

ausência de linguagem antes da fala.”

Portanto, os materiais se convertem em

linguagem, e assim, é de vital importância que as

crianças tenham contato com diferentes materiais,

(pintura, desenho, dança, música, teatro,...) de diferentes

formas, cores, texturas, para que, através do

conhecimento que adquirem durante suas

experimentações, possam converter estes conhecimen-

tos em um linguajear para os bebês.

Como metodologia de pesquisa propus quatro

encontros com bebês entre 10 meses e 1 ano e 4 meses,

escolhi trabalhar com um grupo de 4 crianças, dois

meninos e duas meninas, mas devido a alguns

imprevistos tive que substituir uma das crianças que não

se mostrou disposta a participar e alternar outras devido

às faltas, para que o número de crianças não ficasse

muito reduzido, então no total seis crianças participaram

desta pesquisa.

Filmei as sessões com os bebês e fotografei

sempre que possível. As sessões foram realizadas em

um ambiente organizado para recebê-los, onde evitei que

estivessem mais crianças e outros materiais que

pudessem distraí-los.

Page 31: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

31

4.1- Nosso primeiro encontro- inseguranças e curiosidades

Materiais: tinta caseira utilizando o grude de

farinha e corante comestível, um papelão grande,

diversos objetos (pincel, rolo, esponja, peneira,

madeira, palitos, tampas, rolha, tecido,

espumadeira).

Primeiramente estendi o papelão no saguão da

escola, tendo o cuidado de fixar as laterais do papelão,

ao chão, com fita durex, evitando que as crianças

viessem a tropeçar no papelão. Depois distribui os

materiais sobre o papelão, de forma que ficassem

espalhados alternadamente com os pingos de tinta

colorida. Procurei montar a sessão de forma que ficasse

colorida e atrativa aos olhos dos bebês. Quando o

material estava todo organizado, busquei os bebês e

coloquei-os próximos ao papelão.

Page 32: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

32

Os quatro bebês ficaram sentados na lateral do papelão, observando o material com receio mas também com

curiosidade. Observavam o material que estava exposto, o espaço do saguão, suas professoras que estavam próximas e

novamente seus olhos recaiam sobre o colorido distribuido sobre o papelão.

A Manuela não sentiu-se à vontade para participar, ficou próxima aos colegas por algum tempo, engatinhou ao

lado do papelão, caminhou segurando-se à parede, até se interessou em mexer em uma tampinha, mas não demonstrou

interesse em interagir e explorar os materiais oferecidos. Depois alguns minutos, procurou pela segurança

do colo da sua professora e não se aproximou mais dos colegas que já estavam envolvidos em suas experimentações e

descobertas.

4.1.1- Iniciativa e coragem

O Bernardo, apesar de ser o mais novo da turma, foi o primeiro a caminhar sobre o papelão e relacionar-se com o

material. Conforme dava seus passos, ainda meio inseguros, pois estava caminhando a pouco tempo, seus pés

causavam marcas no papelão ao espalharem a tinta. Vendo o Bernardo em contato com o material a Julia também se

animou e foi engatinhando para cima do papelão.

O Bernardo logo interessou-se por um pincel grande e largo, observou-o com curiosidade, de acordo com Fochi

(2013, p. 98) “ a curiosidade é uma característica do ser humano pelo qual motivou e motiva os grandes feitos da

humanidade.”, virou-o de lado alterando sua posição várias vezes, segurou nas cerdas do pincel, alisou as cerdas do

pincel como se estivesse fazendo um carinho; encaixou o dedo no furo do cabo do pincel, retirou o dedo, encaixou-o

novamente; passou o pincel sobre o papelão, fazendo algumas marcas no momento em que as cerdas encostaram na

tinta, sempre concentrado na sua ação, os olhos observando e acompanhando os seus movimentos.

Page 33: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

33

4.1.2- Manchando, marcando, borrando, pintando.

Após abandonar o pincel largo, o Bernardo

caminhou sobre o papelão observando-o, ao perceber

um outro pincel, segurou-o firmemente entre os dedos,

observou, movimentou-o para um lado e para outro, de

repente abaixou o pincel e começou a bater com ele

sobre o papelão. No momento em que acertou com o

pincel sobre um dos montes de tinta, espalhando-a

formando marcas no papelão, parou e observou o

colorido próximo aos seus pés, depois recomeçou a

bater com o pincel até o momento que diminuiu o ritmo

do movimento e começou a passar as cerdas do pincel

sobre o papelão, movimentando a tinta que até aquele

momento estava ali parada. Criou uma linda pintura, com

suas pinceladas suaves, um tanto quando

desencontradas mas carregadas de emoção.

Ainda com o pincel, foi extendendo a sua pintura,

utilizou o seu corpo como o suporte da pintura, passou o

pincel na bochecha, chupou as cerdas do pincel, passou

o pincel pela roupa, pelas pernas, sobre os pés, como

estava sentado virou o pé e pintou a sola do pé,

passando lentamente o pincel por toda extensão do seu

pé. De vez em quando, fazia uma pausa, para observar

como estava ficando, e depois voltava a pintar mais um

pouco.

Richter (2001, p. 55) escreve:

A viscosidade da tinta determina uma

resistência ao corpo impondo-lhe um modo

de lidar com a força do movimento gestual:

forte ou fraco, longo ou curto, amplo ou

contido. A pintura nasce do modo como

seguramos o pincel, pela maneira da mão

conduzir o movimento. Diálogo entre mão e

matéria, entre mão e cultura. Não raro a

mão nos surpreende, criando e resolvendo

problemas no ato dinâmico de confrontar a

matéria ao desejo de figurar.

O Bernardo em sua relação e envolvimento com o

pincel e com a tinta, mostrou diferentes intenções ao

realizar suas ações sobre o material, encontrando

possibilidades variadas de movimentar o pincel. Realizou

diferentes movimentos gestuais, com diferentes

intensidades e pressões, percebeu que sua mão expan-

diu o movimento da sua pintura, chamando todo o seu

Page 34: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

34

corpo a participar da mesma e servir de suporte para

esta pintura. Acredito, que sua mão, deva tê-lo

surpreendido ao dialogar com o material, com a tinta,

pois conduziu a viscosidade da tinta por várias partes do

seu corpo, oportunizando diferentes experiências e

sensações, dialogando com seu corpo inteiro.

Depois de um tempo levantou chorando, olhou em

volta, voltando a atenção novamente para o chão, onde

percebeu uma espumadeira, abaixou-se e segurou a

espumadeira, seus olhos brilhavam e parou de chorar,

virou o objeto, lambeu, girou, alisou, bateu no chão, sua

expressão estava interrogativa, como se perguntasse o

que é isso? para que serve?

Em seguida voltou a bater, percebeu o som, bateu

novamente no chão, levou a espumadeira a boca

lambendo e mordendo-a, soltou-a, voltou a pegar o

objeto começando a movimentá-lo para o chão, testou

várias intensidades de pressões ao bater com a

espumadeira no chão, iniciando levemente e

aumentando o ritmo e intensidade, parando e reiniciando

o processo, até haver esgotado o seu interesse, ao que

levantou e foi procurar sua professora abandonando os

materiais. O pesquisador Fochi (2013, p. 142) em sua

dissertação, utiliza as palavras de Mayer e Musatti (2002)

para tratar desta repetição de movimentos, de ações:

bebês e crianças pequenas procedem em

suas explorações, consolidando suas

descobertas passo a passo, por exemplo,

pela repetição até mesmo das atividades

mais simples, e apresentando mais ou

menos sistematicamente elemenos novos

para substituir ou acrescentálos a

elementos já compreendidos (p.198).

Portanto, é possível afirmar que os bebês e as

crianças pequenas, atraves da repetição de ações, nas

quais aos poucos vão acrescentando novos elementos,

seja objetos ou tipos de ações, consolidam suas

descobertas, atuam sobre os materiais fazendo

modificações, investigando-os.

Já a Julia, se envolveu principalmente no processo

de engatinhar sobre o papelão causando marcas sobre o

mesmo. Marcas dos joelhos e das mãos que deslizavam

pelo chão, quando percebeu que ao passar com as mãos

sobre os montes de tinta, elas se espalham, gerando

formas novas, colorindo o que estava embaixo,

Page 35: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

35

começou a bater e passar os dedos sobre todos os

montes de tinta que encontava a sua frente, observando

concentrada as diferentes cores que ali estavam, sentia a

tinta em contato com a mão, apertando e abrindo-a,

formando muitas manchas, borrões e cores novas. Com

a expressão de satisfação, demonstrava ter percebido

que suas ações e movimentos, que causavam toda

aquela dança de cores e formas que apareciam sobre o

papelão, criadores daquela linda pintura.

Ao abordar a questão da cor e da mancha, Richter

(2001, p. 49) nos diz:

Ante a mancha de cor, a criança reage de modo distinto do desenhar. A cor toca o ser dinânico das coisas, revelando-o como eterna fluidez e mudança, um enigma sensorial quase mágico, onde nada é fixo no constante movimento do corpo e das cores, estímulo e provocação de gestos no espaço, figurando o imaginário, participando da construção do pensamento e do comportamento.

Desta forma, cabe registrar nesta análise que o

processo de espalhar a tinta demonstra a

intencionalidade da Júlia em marcar a superfície do

papelão, oportunizando-lhe a percepção de que suas

ações geram uma reação, neste caso, as marcas sobre o

papelão. Onde, lhe é possível, expressar-se através

desta experiência, convertendo esta experimentação

com os materiais em linguagem, já que, utilizando as

tintas, as manchas e misturas de cores, o sensorial, o

movimento do corpo, consegue comunicar o seu

processo de raciocínio sobre a sua elaboração e

hipóteses e as conclusões que chega durante este

processo de aprendizagem.

O Gustavo, apesar de ser muito dinâmico e ativo,

demonstrou estranhamento com a proposta. Ficou por

longo tempo sentado no mesmo lugar, apenas

observando o que acontecia com os colegas e os

materiais, por diversas vezes procurava suas professoras

com os olhos. No entanto, não se afastou do material

oferecido. Depois de vários minutos, aproximei-me dele e

chamei-o para sentar mais próximo ao material, mas sem

forçá-lo a relacionar-se com o mesmo.

Neste momento ele sacudiu a mão e acabou

encostando em um monte de tinta com os dedos,

surpreso movimentou os dedos observando o colorido

que os havia manchado, e a partir deste momento

Page 36: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

36

sentiu-se a vontade para experimentar, mas ainda

demonstrava estar inseguro e desconfiado.

Limitou-se a explorar o que estava ao alcançe de

suas mãos, ficando o tempo todo praticamente no

mesmo lugar, mas realizou muitas ações neste pequeno

espaço físico. Escolheu ficar acocado enquanto

relacionava-se com o material. O primeiro objeto que

segurou foi uma peneira pequena, passou a peneira

sobre um monte de tinta espalhando-a levemente, bateu

com a peneira sobre o papelão. Ao perceber que o

papelão ficou manchado, onde havia batido com a

peneira, repetiu este mesmo movimento, por diversas

vezes, sempre observando as novas marcas que

apareciam sob seu olhar. Este olhar era um olhar que

demonstrava curiosidade, satisfação e interesse, mas

ainda com uma ponta de receio.

Levantou-se segurando a peneira, olhou em volta,

observou as manchas que realizou e decidiu abaixar-se

novamente. Timidamente pasou seus dedos sobre os

montes de tinta próximos a ele, misturou as cores

espalhando-as com as mãos, passou a mão fazendo

uma pressão mais intensa nas pontas dos dedos o que

ocasionou em uma marca longa de quatro tiras paralelas

que ele observou intrigado. Com a peneira em mãos

novamente começou a bater sobre esta marca e

percebeu que a marca ia sumindo, restando apenas

manchas coloridas.

Na perspectiva de Richter (2001, p. 40):

Na Linguagem plástica não existem

restrições: importa é tornar visível o vivido!

É educar o olho e a mão para estarem

alertas e curiosos para recolherem

fragmentos e dispô-los em outros olhares

que, a partir do observado, construam

outras hipóteses.

Pensando no desenvolvimento da ação do

Gustavo, em contato investigativo com os materiais,

levando em consideração a perspectiva de pintura

apresentada por Richter (2001), e o fato da linguagem

plástica não impor restrições, nem o certo ou errado,

devo reconhecer que o Gustavo tornou visível o vivido.

Ele olhou de diversas formas os materiais, impregnou

suas experimentações com os conhecimentos que já

possuia sobre os materias e elaborou e testou novas

hipóteses, construindo novos conceitos através da

transformação do material pelo gesto do corpo, da mente

Page 37: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

37

e da mão.

Em seguida, o Gustavo, segura um pouco de tinta

entre os dedos, espreme a tinta, sentido-a entre seus

dedos, observa sua mão, levanta o corpo, abaixa

novamente, observa sua mão com atenção, sua

expressão estava muito concentrada, de repente passa a

mão sobre seu pé e analisa as marcas que surgem neste

movimento. Satisfeito, realiza o mesmo movimento por

mais algumas vezes, deixando seus pés coloridos de

tinta.

Ao olhar para o papelão novamente, percebe um

palito de picolé e um prendedor de roupa, esticou suas

mãos para segurá-los e começou a passá-los sobre o

papel. A cada movimento que fazia realizava marcas

sobre a tinta que estava no papelão, marcas mais

intensas ou mais suaves, dependendo da pressão que

fazia sobre o objeto, observava as marcas com interesse,

de cabeça baixa, olhos focados no seus traços que

deslizavam em várias direções.

Em determinado momento, resolveu encerrar o

seu desenho e pareceu ter novas ideias, continuava com

os dois objetos em mãos, mas observava-os com outra

expressão. Então começou a tentar encaixar o palito no

prendedor, tentou de um lado, depois virou e tentou do

outro lado, soltou-os para em seguida pegá-los de novo,

bateu com o palito no prendedor, depois de alguns

momentos voltou a desenhar com o palito e o prendedor,

pareceu ter chegado a conclusão de que esta era a

utilidade destes materiais.

A seguinte frase de Gandini (2012, p. 192) “com

“criatividade”, queremos dizer a capacidade de construir

novas conexões entre pensamentos e objetos que

promovem inovação e mudanças, pegando objetos

conhecidos e criando novas conexões.”, me fez perceber

que a ação desenvolvida pelo Gustavo tem tudo a ver

com o seu significado, pois o Gustavo explorando o

prendedor e o palito, se apropriou dos mesmos , mas os

utilizou a sua maneira, dando-lhes o seu significado e

função, sem se limitar a função já estipulada para o

objeto. Permitiu-se estabelecer suas próprias conexões e

relações.

Page 38: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

38

4.2- Nosso segundo encontro – muitas experimentações

Materiais: farinha (consistência pura, molenga, massinha

de modelar e grudenta), lona, bacias para as farinhas,

objetos (esponja, pincel, rolinho de pintura, palitos,

tampas, espumadeira, tecido, peneira).

Neste dia, organizei a sessão com os bebês,

dentro da sala deles. Estendi uma lona grande no chão,

colando algumas pontas para haver menos risco das

crianças tropeçarem na lona. Distribui três bacias sobre a

lona, em cada bacia coloquei a farinha em um estado de

consistência diferente, deixando a que parecia massa de

modelar diretamente sobre a lona. Distribui

aleatoriamente os objetos sobre a lona, intercalando-os,

de forma que ficasse um visual harmônico e interessante

aos olhos.

Em um primeiro momento, as crianças, se

aproximaram da lona, mas não ultrapassaram este limite

demarcado no chão. Ficaram paradas olhando ao redor,

observando o que havia sobre aquele espaço que estava

diferente, então começaram a olhar para as professoras

como a pedir licença para relacionar-se com o material

que estava sendo oferecido, mas somente pisaram na

lona, quando os incentivei verbalmente e gestualmente,

no momento em que avisei que poderiam mexer e

realizei um gesto com a mão, de que aquilo tudo era para

eles. Enquanto os colegas aproximavam-se lentamente

Page 39: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

39

das bacias e dos objetos, o Gustavo caminhava e depois

corria ao redor da lona, procurando não pisar na mesma.

Depois de umas três voltas, parou e rendeu-se a

curiosidade de também participar da experimentação que

os colegas já estavam fazendo.

Page 40: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

40

4.2.1- Quantos objetos – o que fazer com eles?

A Júlia aproximou-se da bacia com farinha pura e recolheu um punhado

com a mão, ergueu-a entre os dedos apertando-a, e então, abriu a mão,

observando a farinha escorregar entre os dedos, percebendo que uma parte

caia dentro da bacia e a outra parte na lona. Concentrada, pegou outro

punhado de farinha que rapidamente largou sobre a lona, observando as

marcas deixadas na mesma, o contraste era vibrante.

Entusiasmada, passou a mão sobre a lona, espalhando-a, levantando

um pouco daquela “poeira” branca. Neste momento inicia o processo de testar

vários objetos e seus sentidos. Segurou a peneira entre os dedos, passando-a

pela bandeja de farinha, espalhando a farinha, algumas vezes parecia estar

querendo erguer a farinha com a peneira, mas o gesto não se completava,

olhava para a peneira e voltava a empurrá-la pelo fundo da bacia, deixando

novos traços e movimentos estampados na farinha.

Também encontrou uma colher, que observou atentamente ao passá-la

pela bandeja de farinha. Trocou de objeto, pegou um rolinho de pintura que

ficou girando a espuma com os dedos, para em seguida passar o rolo pela

farinha pura, largou o rolo para se interessar por palitos. Procurou empurrar a

farinha com o palito, realizando um movimento repetitivo, também realizou

movimentos circulares com os palitos, ocasionando traçados muito bonitos

dentro da bacia.

Page 41: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

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Para Richter (2001, p. 56):

É quando age, mexe e remexe nas coisas, experimenta e modifica-as que conhece melhor. Entendo

experimentação, não como simples manipulação de materiais, mas antes de tudo como um desafio provocado

pela própria simbolização. Experiência supõe um processo de interpretação, de autoria.

Pensando neste trecho do texto de Richter (2001), posso afirmar que a Júlia efetivamente

experimentou, teve uma experiência investigativa sobre os materiais, sentiu-se provocada a interpretar,

analisar, avaliar as possibilidades que os materiais ofereciam; suas características físicas e sensoriais.

Procurou conhecer o material que tocava, agindo sobre o mesmo de diversas formas, inclusive modificando-o.

Page 42: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

42

4.2.2- Que meleca, isso gruda!!

Aproximando-se da bacia, com a farinha em estado

molengo, a Júlia passou uma mão pela farinha, movimentando os

dedos e sentindo a sensação do gelado e da meleca, passando

entre seus dedos. Entusiasmada passou as duas mãos dentro da

bacia, movimentando a meleca que estava lá dentro, empurrando-

a de um lado para o outro, deixando aparecer a cor da bacia ao

fundo. Retirou as mãos da bacia e passou-as sobre a lona,

parecendo querer limpar as mãos com este movimento.

Mas, inesperadamente, ela não consegue. No entanto,

nota que aparecem muitas manchas deixadas pela farinha, com

este movimento, sobre as marcas já realizadas por outros, e ela,

Júlia, transforma estas manchas em outras formas, ao

movimentar as mãos sobre a farinha, criando novas manchas, as

suas manchas.

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Segundo o italiano Francisco Tonucci (2008, p. 11) “[...] e, portanto, também as roupas, brinquedos,

livros... Como isso pode ser material para construir, nas mãos de uma criança que vive em um ambiente onde

inventar é lícito e desejável.” Refletindo sobre a profundidade desta frase, acredito que os bebês necessitam de

um ambiente e de profissionais que permitam variadas possibilidades de relação, transformação e

experimentação, assim sendo os materiais ganham um valor muito grande nas pequenas mãos dos bebês,

tornam-se potentes nas mãos que são capazes de transformá-los e ressignificá-los.

Page 44: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

44

Após passar por todos os tipos de consistência de farinha, e

manipular cada uma delas, começou a mostrar-se inquieta com a

quantidade de farinha que estava grudada em sua mão, a sensação

estava incomodando e trazendo-lhe um certo desconforto. Chamava

“mãe, mãe” mostrando as mãos sujas, continuou fazendo mais alguns

sons, que apesar de serem incompreensíveis já demonstravam o seu

incomodo, cada vez chegando mais próxima a mim, neste momento o

seu foco de interesse mudou, esqueceu-se da farinha que estava

grudada entre seus dedos, e sentando no meu colo, apontou para a

máquina, observando a imagem que aparecia no visor enquanto eu

batia algumas fotografias.

Em seguida, a Júlia desce do colo e aproxima-se da bacia com o

grude, onde a consistência é “puxenta”, coloca uma mão dentro da

bacia, movimenta-a para em seguida levantá-la da bacia. Durante o

movimento de erguer a mão percebeu os fios de massa que ficaram

presos em suas mãos, observou-as, movimentou-as, realizou

novamente a ação de molhar a mão no grude e puxar, sentindo

novamente a resistência da massa, os respingos que saltaram e os

pedaços de farinha pendurados em suas mãos, lembrando finas

minhocas. Dedicou-se por vários minutos a puxar estas minhoquinhas

tentando libertar sua mão da sensação pegajosa.

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Ao observar a ação da Júlia em interação com a farinha muito pegajosa, lembrei-me da frase de Jonh Dewey

(2010, p. 130) “ao manipularmos, tocamos e sentimos; ao olharmos, vemos; ao escutarmos, ouvimos. A mão se

move com a agulha usada para gravar ou com o pincel. O olho acompanha e relata a consequência daquilo que é

feito”. Pois, em sua concentração e interesse, seus olhos, acompanhavam todos os movimentos que seus braços e

mãos faziam, percebiam as consequências que surgiam perante os seus atos/ações/gestos, sua mente assimilando

todas as suas sensações e percepções decorrentes da experiência investigativa sobre o material.

Page 46: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

46

4.2.3- Meu corpo inteiro na ação

No momento em que o Gustavo iniciou sua exploração, ele jogou-se de corpo – alma e coração. Ele começou sua

exploração interagindo com as farinhas em diferentes estados de consistência, sentindo o toque, a sensação que

causava, se grudava ou não na mão, se saia da mão ao sacudi-la, buscando descobrir em quais objetos e materiais ele

conseguiria deixar marca, e como ficariam estas marcas.

O Gustavo pegou um punhado de farinha pura e seca e jogou sobre a lona preta, em seguida pegou mais um

pouco de farinha e jogou no chão, abaixou-se e começou a espalhar esta farinha com as mãos, depois com os pés.

Enquanto realizava movimentos de empurrar a farinha de um lado para o outro ou passava os dedos, deixando marcas

longas e finas, que nos remetem a linhas, observava atentamente o movimento que realizava e o que acontecia ao

realizar este movimento.

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47

Encontrou um rolo de pintura, aproximou-se da bacia com a farinha

em estado molengo e enfiou o rolo nesta meleca. Ao erguê-lo percebeu

que gotejava, a meleca escorria, respingando por suas pernas e pela

lona, logo após passou o rolo pela meleca e em seguida na farinha

pura, entreteu-se empurrando este rolo pelo chão, deixando suas

marcas pelo espaço da sala. Testou várias possibilidades de manchar

com o rolo, experimentou passa-lo em todas as farinhas para em

seguida deslizar o rolo pela lona, pelo chão, pela parede, pela caixa de

brinquedo, nas bandejas de farinha, no espelho onde se observou por

entre as marcas que deixou, logo voltou à lona, molhou o rolo e depois

continuou pintando/marcando.

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Segundo Cunha (2001, p. 17):

[...] quanto mais uma criança pinta e

interage com diferentes tintas e

instrumentos (buchas, pincéis, esponjas,

rolhas, etc.) que marcam um suporte

(papel, madeira, pedra, tecido, argila, etc.)

mais possibilidades esta criança terá de

elaborar seu vocabulário pictórico. É neste

fazer, e no pensar sobre este fazer pintura

que a criança constituirá sua linguagem na

modalidade da pintura, assim como em

qualquer outra modalidade visual.

O Gustavo ao relacionar-se com diferentes

suportes (lona, espelho, chão, parede, bandejas) e com

as diferentes consistências de farinha desenvolveu a sua

noção de pintura, pois a aquisição da linguagem gráfico-

plástica acontece gradativamente, quanto mais

possibilidades de relacionar-se com este tipo de

materiais, mais facilidade ele terá de elaborar o seu

repertório pictórico. Quanto mais experiências a criança

tiver com pinturas e seus respectivos materiais, mais ela

irá conhecer o material, podendo utilizá-lo de uma forma

mais confiante e cheia de propriedade.

Deixando o rolo um pouco de lado, continuou o

processo de deixar marcas, só que agora utilizava as

próprias mãos, passou as mãos pelos braços, pernas,

pés, bochecha, na roupa. Algumas vezes dava batidas

com as mãos pelo corpo provocando sons.

Novamente com o rolo em mãos, o Gustavo

molhou o rolo na farinha molenga e deitou-se no piso,

observando suas mãos e o rolo, logo passou o rolo pela

mão, por cima e por baixo. A sensação parece ter sido

boa, pois sorriu enquanto o rolo passeava por sua mão.

Rapidamente virou o corpo e levantou-se para enfiar o

rolo na meleca novamente e continuou pintando o chão;

em posição meio sentada, meio ajoelhada. De forma que

deslizava o corpo pelo chão, deixando novas marcas,

pois seu corpo limpava a farinha do chão deixando um

rastro mais limpo e de outra cor.

Passou o rolo e as mãos, por tantas vezes no

chão, que criou uma pintura única, somente sua; coberta

de energia, curiosidade, ação sobre, fora as marcas de

dedos, mãos, pés, e punhados de farinha que foram

sendo sobrepostos, possibilitando que a pintura/desenho

aparecesse naquele momento.

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49

Cunha (2001, p. 31) afirma “[...] o importante é termos

disponibilidade para explorar o inusitado junto com as

crianças, propondo usos para diferenciados objetos

comuns do cotidiano”. Concordo com a autora sobre a

importância de explorar objetos comuns de uma maneira

inusitada, pois desta forma as crianças podem descobrir

novas maneiras de usar e interagir com os objetos,

transformando-os inclusive em novos objetos, com

finalidades totalmente diferentes das que nós adultos

lhes damos.

Imagine quanto foi prazeroso estar presente em todas

as relações das crianças com os materiais, em cada

investigação que fizeram; a cada nova possibilidade que

descobriram ou a cada sensação e emoção que

demonstraram. Se estas propostas de exploração de

materiais inusitados não houvessem ocorrido, quantas

experiências não teriam acontecido, quantas

descobertas continuariam esperando por um momento

para poderem acontecer. Neste momento percebo que

começam a surgir respostas para minhas indagações

iniciais.

Page 50: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

50

4.3- Nosso terceiro momento de explorações

Coloquei um grande tecido de cor clara no

chão, distribui os materiais os quais seriam

oferecidos sobre o tecido. Nesta sessão utilizei

alimentos cozidos (massa de três tipos diferentes),

cenoura, beterraba e espinafre e completei dispondo

alguns objetos que acreditei serem possíveis de

promover relações.

Quando o espaço e os materiais estavam

organizados, faltava o essencial, os bebês, e assim fui

buscá-los, com uma certa curiosidade para ver o que

demonstrariam ao serem colocados diante destes

diferentes materiais.

Nos primeiros minutos, os quatro bebês ficaram

sentados esperando por algum sinal de que poderiam

agir, suas expressões variavam da curiosidade ao receio

pelo novo, vagarosamente foram se aproximando dos

materiais e começaram a tocar e relacionar-se com o que

estava exposto. Cada criança se aproximou do que mais

chamava sua atenção, ou seu tempo, sem interferência

de quem estava observando. Segundo Ana Angélica

Albano (2007, p. 8):

Para ela [a criança] tudo vai depender da

disponibilidade do adulto de ouvir e

acompanhar as narrativas criadas durante

as brincadeiras, e também, de sua

capacidade de propor desafios e aceitar

que as crianças transgridam as propostas

apresentadas criando outras.

Page 51: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

51

A criança necessita que os adultos tornem-se

presentes, que acompanhem seus gestos e ações, que

lhes transmitam segurança e incentivo com uma palavra,

um carinho ou simplesmente um olhar, para que se sinta

segura em continuar explorando os objetos e materiais

que são oferecidos, que se sinta incentivada a ir além da

proposta inicial do professor, onde ela possa criar e

recriar suas próprias propostas, seus próprios desafios.

Holm (2007, p. 12) também acredita na importância do

adulto participar e estar presente, confortando e

apoiando a criança “o importante é ter um adulto por

perto, co-participando e não controlando.”

A Vitória logo se interessou pelos pedaços de

cenoura, ficou envolvida tentando segurá-los, mas os

pedaços de cenoura teimavam em escorregar de suas

mãos. Persistente, ela continuou insistindo, até que

conseguiu ficar com todos os pedaços nas mãos, deu

gritos de felicidade pela conquista e se levantou,

caminhando com os pedaços nas mãos, mostrando-os

para os que estavam próximos.

Depois, encontrou uma forma com várias

cavidades e ficou observando-a intensamente, como a

analisar as possibilidades do material, até que começou

a encaixar os pedaços de cenoura nestas cavidades.

Caminhou com a forma, circulando todo o painel,

tentando equilibrar os pedaços de cenoura. Claro que por

diversas vezes eles caíram, mas ela resgatou-os e

colocou-os novamente na forma.

Após, vários minutos nesta exploração, resolveu

aproximar-se de sua professora, que estava sentada

próxima, e colocou os pedaços de cenoura sobre as

pernas dela, a professora fez um gesto de que estava

tudo bem e se dispôs a aceitar os pedaços de cenoura,

fazendo um carinho na cabeça da Vitória. Demonstrando

com este gesto simples que a Vitória podia compartilhar

suas descobertas e que podia contar com o seu apoio.

Page 52: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

52

Em seguida a Vitória se afastou e logo o Bernardo

foi até lá pegou um dos pedaços de cenoura, segurou

levando-o a boca e dando uma mordida nele, mastigou

com satisfação e ficou por alguns minutos nas pernas da

professora, olhando-a em seus olhos, depois que

recebeu um sorriso dela e alguns carinhos voltou a

brincar no grande painel.

Ao analisar esta interação com o adulto me

recordei sobre o que é estar presente na visão de Holm

(2007, p. 71) “o que é “estar presente”? Tem a ver com

não exigir um resultado específico, mas um contato de

igual para igual.”. São destas ações e intervenções que

as crianças necessitam para sentirem-se seguras e

incentivadas a realizar suas próprias pesquisas com e

sobre os materiais.

A Rhayane e a Pietra ficaram próximas das

massas, estavam mais tímidas e foram se aproximando

com mais cautela, aos poucos colocaram as mãos dentro

das bacias e pegaram pedaços de massas.

A Pietra apertou com os dedos suavemente o

pedaço de massa sentindo o que acontecia, já a

Rhayane encostava na massa, mas demonstrando

receio, a empurrava no chão, até a Pietra lhe entregar

uma massa na mão, que ela pegou com as pontinhas

dos dedos e colocou-a no chão. Ao querer engatinhar

para sair dali, esmagou com a mão uma massa, e esta

ficou grudada em sua mão, sua expressão foi de quem

estava achando muito nojento e pegajoso, após algumas

tentativas sacudindo as mãos, conseguiu se livrar da

massa e prosseguiu engatinhando.

Page 53: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

53

A Pietra se interessou pelo rolo, resgatou-o de dentro da bacia da

beterraba erguendo-o. Enquanto olhava para o rolo e sentia maciez

da espuma dele, gotas caíram sobre seus pés, ela sentiu os

respingos e ficou o observando curiosa, até que sentiu mais gotas e

decidiu abaixar o rolo, observando os respingos coloridos em seu pé

e no tecido. Depois as gotas pararam de cair e ela ficou olhando

muito concentrada para o rolo, até que uma nova gota caiu e ela

repetiu o processo de ficar observando o rolo, só que desta vez ela

virava o rolo no ar, abaixou-o novamente e mergulhou-o na bacia, de

forma que ao erguê-lo novas gotas respingaram, ficou observando-

as caindo e as manchas que ocasionavam, até que perdeu o

interesse e depositou-o sobre o chão.

Conforme Rangel (2001, p. 19):

Nos berçários, é onde surgem os primeiros

registros, que são as marcas realizadas pelos bebês

com as mãos impregnadas de sopas, papas e

sucos. De certa maneira, as mãos precedem os

instrumentos (buchas e pincéis) e os alimentos às

tintas. Por isso é interessante permitir que aconteça

em alguns momentos esta lambança alimentícia

primitiva da inscrição e da mancha.

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54

Enquanto a Pietra experimentava o objeto, percebeu que ao colocá-lo na bacia e erguê-lo, o mesmo liberava um

líquido que escorria, respingava, molhava e também manchava. Nesta faixa etária, os bebês, se utilizam de seus sentidos

para conhecer e reconhecer objetos e materiais; desta forma apreciam tocar nos alimentos e assim iniciam seus

primeiros registros gráficos, as marcas das mãos lambuzadas sobre a mesa, nas próprias mãos, nos braços e na roupa.

Na linguagem artística as mãos seriam o seu primeiro instrumento de ação e os alimentos seriam suas primeiras tintas,

aquelas que possibilitam tingir/marcar/imprimir algo sobre alguma superfície. As primeiras manchas surgem desta

necessidade e interesse das crianças. A Pietra surpreendeu-se com as manchas provocadas pela água do cozimento da

beterraba.

4.3.1- Uma lata- motivo de risadas, descobertas e muitos puxões

Em determinado momento os bebês começaram a perceber a lata, que estava posicionada entre as bacias de

alimentos, com pedaços de cenoura e a água de seu cozimento dentro dela. Primeiramente foi o Bernardo que se

aproximou, ficou observando atentamente, chegou mais perto e se abaixou segurando a lata. Em seguida começou a

pegar os objetos que estavam próximos e colocava-os dentro da lata, depois vagarosamente puxava-os para fora, para

logo largá-los dentro da lata novamente.

Ao querer retirar o rolo de pintura de dentro da lata teve dificuldade, puxava e o rolo não soltava, ele olhou ao

redor, como a procurar por auxílio, parecia estar chamando os colegas ou os adultos a lhe prestarem ajuda, levantou e

voltou a tentar soltar o rolo, sacudiu a lata até conseguir o feito. Um pouco depois a Vitória também resolveu se

aproximar, chegou sorridente e interessada, trouxe um pincel e colocou na lata. E os dois ficaram próximos à lata

mexendo no líquido que havia dentro com um pincel, de vez em quando faziam sons com a boca, conversando.

Page 55: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

55

Jonh Dewey (2012, p. 149) “a transformação de sons, balbucios, lalações etc. em linguagem é uma ilustração

perfeita do modo como os atos expressivos passam a existir e também da diferença entre eles e os meros atos de

descarga”, desta forma, conforme os bebês amadurecem percebem que determinadas ações geram consequências

diferentes, principalmente em relação às pessoas a sua volta. Assim, começam a se dar conta do sentido das suas

ações e tornam-se capaz de expressar suas vontades, ideias, desejos. A Vitória e o Bernardo ao relacionarem-se

com a lata e produzirem sons com as bocas, estavam estabelecendo sua forma de comunicação, trocando ideias a

sua maneira.

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56

Assim começou o rodizio dos bebês em volta da lata, aos

poucos todos interagiram com este objeto, experimentaram colocar

diversos objetos dentro e depois retirá-los. Conforme sacudiam a lata

ou retiravam os objetos caiam gotas de água ou respingos nos bebês e

no painel.

Enquanto os bebês estavam neste processo de integração, onde

todos foram se aproximando e começaram a relacionarem-se com a

lata, pude perceber que os bebês demonstravam satisfação em

estarem juntos em um projeto, de acordo com Renée Maisonnet e Mira

Stambak (2011, p. 28) “as sequências organizam-se a partir da ação de

uma das crianças do grupo, que atrai a atenção de um ou de vários

outros, que então reproduzem essa atividade durante um tempo mais

ou menos longo”.

O Bernardo foi o desencadeador desta ação , a qual foi imitada

pelos colegas, que se apropriaram desta ação para estabelecer o início

da sua atividade, que foi sendo transformada conforme eles realizavam

novas ações, leventando novas possibilidades e faziam novas

descobertas. Demonstraram, através desta ação, que ao observarem

os colegas, imitam-os, mas ao mesmo tempo tornam-se propulsores de

novas ideias, que também aprendem através da imitação. Uma criança

propõe a ação e a outra continua, mas de forma a transformá-la em

algo novo e inovador.

Page 57: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

57

4.3.2- Pincéis e uma lata com água - quantas

possibilidades e diálogos

O Gustavo chegou à lata com um pincel, colocou-

o dentro da lata e em seguida retirou-o de lá, passando-

o no chão, neste momento deu um sorriso e voltou a

molhar o pincel dentro da lata e novamente passou-o no

chão, percebeu que fazia marcas no piso com o pincel

molhado e repetiu este processo por mais vezes,

inclusive se afastava da lata passando o pincel pelo

chão em volta do painel de tecido, ia e voltava várias

vezes, sempre observando concentrado as marcas que

apareciam.

Segundo Holm (2007, p. 73) “os primeiros traços

são à base da linguagem através da pintura.” Assim

sendo, neste momento de encantamento o Gustavo

estava exercitando sua linguagem através da

pintura/desenho, com traços enérgicos, curtos e rápidos,

concentrado neste seu processo mas em certos

momentos observando e buscando perceber se os

adultos a sua volta estavam acompanhando o seu

processo.

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58

Neste momento a lata se transformou no centro

das atenções e os outros foram se aproximando também,

assim começaram a puxar a lata, todos queriam segurá-

la, em alguns momentos a Pietra chegou a tentar morder

os colegas para que eles se afastassem. Faziam muitos

sons com a boca, trocavam olhares, estavam em

comunicação, todos se olhavam e faziam sons, pareciam

estar discutindo quem iria brincar com a lata.

Envolvidos neste processo, colocaram um pincel

dentro da lata e o Gustavo tentou puxá-lo, mas não

conseguiu, depois a Pietra e a Rhayane também

tentaram e nada, novamente o Gustavo tentou puxá-lo,

porém o pincel não saia, então o Gustavo se levantou e

acabou puxando o pincel e erguendo a lata do chão,

sacudindo-a, no entanto o pincel continuava preso dentro

da lata, até que ele, colocou a lata com força no chão e o

pincel se movimentou, de forma que ele conseguiu tirá-lo

de lá. Gandini (2012, p. 24) escreve:

Temos que nos convencer de que a

expressividade é uma arte, uma

construção combinada (não imediata, não

espontânea, não isolada, não secundária);

que a expressividade tem motivações,

formas e procedimentos; conteúdos

(formais e informais); e a capacidade de

comunicar o previsível e o imprevisível.

Portanto, podemos entender que a expressividade

é um processo, no qual podemos estar expressando

fatos, desejos, ideias previsíveis ou totalmente

inesperadas e imprevisíveis para quem esta observando

este momento de expressão, pois a expressividade

precisa de veículos que a convertam efetivamente em

expressão. Durante a experimentação do Gustavo, da

Pietra e da Rhayane com a lata e o pincel pude perceber

que estavam expressando a compreensão de que se

havia uma forma de colocar o pincel dentro da lata,

deveria haver também uma forma de retirá-lo de lá.

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59

4.3.3- Incontáveis percepções e descobertas

Aproveitando que ninguém estava segurando a

lata a Rhayane olhou para os colegas e puxou-a para o

lado, com este movimento acabou por virar boa parte da

água que ali estava, quando os bebês perceberam a

água sorriram e fizeram novos sons, o Gustavo “aguui,

aguui” entusiasmado, em seguida ele pegou a lata e

tratou de virar o resto de água que ainda estava ali

dentro, observaram a água cair e sentiram os respingos

soltando gritinhos, passaram a mão na água que estava

no chão molhando os dedos e mãozinhas. O Gustavo

dava pulos de alegria.

Cathy Topal (2012, p. 141) nos provoca a pensar

sobre a situação referida quando diz “trazer um material

incomum para a sala de aula é uma maneira intrigante

de fazer perguntas sobre sua origem, características,

qualidades e usos possíveis [...]”. Através deste tipo de

experiências, com materiais diversificados e inusitados

no cotidiano da escola, os bebês se apropriam do

contato com o material, conhecendo e reconhecendo

suas características e vão estabelecendo possibilidades

de utilizar este material, incentivando o processo

investigativo. Analisando a experimentação dos bebês

com a lata e os objetos, percebi que nesta relação

apropriaram-se do formato da lata, do seu material, do

fato de ser possível colocar coisas dentro dela, de poder

retirar coisas, de poder erguer, girar, movimentar, como

também de sentir os respingos e a temperatura da água.

Com a lata vazia, o Gustavo levantou-a acima da

cabeça, olhando para dentro e sacudindo-a, como se

assim pudesse sair mais água de lá, quando percebeu

que não havia mais nada a largou no chão, virando-a

várias vezes entre seus dedos, logo começou a bater as

mãos sobre ela, percebendo o som que fazia. A Pietra

notou o som e também se aproximou, tentando pegar a

lata, mas quando ela encostava os dedos a lata

escorregava e desta forma a mesma acabou rolando no

chão e fazendo barulho, os dois se olharam sorriram e

novamente tentaram pegar a lata, até que o Gustavo

empurrou a lata para a colega e assim ela conseguiu

segurá-la.

Page 60: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

60

De acordo com Giovanni Piazza (2012, p. 156) “vemos a criança como uma rica portadora de experiências –

experiências não apenas de construir mas também de elaborar significados em suas relações com os materiais, [...]”.

Assim sendo, na visão de Giovanni, com a qual eu concordo e acredito ser de extrema importância, as crianças

constroem significados a respeito dos materiais com os quais se relacionam, estabelecendo relações no momento da

experimentação, que podem vir à tona em outros momentos, em novas investigações, que completem esta experiência

anterior, pois as crianças vão se apropriando dos materiais, de suas relações, suas possibilidades de interação, do seu

toque, textura, formato, temperatura, sonoridade.

A lata ainda foi fonte de exploração e descobertas, passeou um pouco nos braços das crianças, mas em seguida

completou seu ciclo de interesse para os bebês. Esta lata foi à sensação do momento e acabou roubando a cena durante

esta sessão

.

Para Gandini (2012, p. 24):

A expressividade encontra suas fontes no lúdico, assim como na prática, no estudo e na aprendizagem visual, assim

como em interpretações subjetivas que vêm com as emoções, com a intuição, com o acaso, e com a imaginação

racional e as transgressões.

Page 61: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

61

Através das brincadeiras, dos momentos lúdicos, dos momentos de experimentação e exploração, conseguimos

observar que a expressividade da criança aparece, onde ela se mostra em sua forma mais pura e completa. Nestes

momentos as crianças sentem-se livres para estabelecer suas próprias relações e diálogos, e através destes, expressa

suas emoções, anseios, desafios, conquistas, e por diversas vezes nos surpreendem, realizam ações e transformações

que não estávamos preparados e organizados para presenciar naquele momento. As crianças são fontes inesgotáveis do

imprevisível. Portanto, a investigação sobre materiais se torna importante para os bebês, pois através delas, conforme se

apropriam e tomam conhecimentos sobre os materiais, conseguem utilizá-los como veículos para sua expressividade.

Esta relação entre, bebê, matéria e material, possibilita que a expressão apareça e que os bebês transmitam suas ideias

aos outros, seja aos outros bebês ou aos adultos que os rodeiam.

Em diversos momentos diferentes, as crianças levantaram e movimentaram-se pelo espaço, indo e vindo conforme

a sua vontade, corriam em volta do painel, foram até a porta que dava para o pátio espiar pela fresta que havia ficado

aberta, se aproximavam das professoras que estavam próximas, ou apenas corriam de um lado para o outro, mas

quando sentiam vontade voltavam a se aproximar dos materiais e a explorá-los até sentirem novamente a necessidade

de se movimentarem.

Analisando o comportamento dos bebês, concordo com Holm (2007, p. 35) quando ela afirma que “nosso corpo se

movimenta quando tem necessidade, sem que isso prejudique a concentração.”, pelo contrário, a movimentação ajuda

que as crianças tenham experiências mais ricas e completas, onde conseguem utilizar todo o seu corpo na

experimentação, tornando sua ação mais autêntica e dinâmica. Podemos perceber a veracidade desta afirmação,

observando como o Gustavo realiza suas investigações sobre os materiais. Dificilmente fica parado em um mesmo lugar,

está sempre em atividade, indo e vindo, tomando conhecimento de todo o espaço que tem a sua volta, então, para e volta

a exploração, testa diversas hipóteses, experimenta com concentração e entusiasmo, estabelecendo e elaborando

diversas relações, onde utiliza todo o seu corpo na investigação, aproveitando e experimentando todos os seus sentidos.

Page 62: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

62

4.4- Quarto encontro – Ação + movimento + liberdade = Puro divertimento As coisas que não levam a nada

têm grande importância Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo Tem seu lugar

Na poesia ou na geral O que se encontra em ninho de joão-ferreira:

caco de vidro, garampos, retratos de formatura,

servem demais para poesia

Manuel de Barros

Materiais: Várias bacias com água,

corante alimentício, e diversos

objetos: lata, potes pequenos e

grandes, pincel largo, pacote de

argila, garrafas pet 500ml

decoradas, bolinhas de plástico,

peças de madeira, peneira,

escorredor de massa infantil,

esponja, brinquedos de plástico.

Page 63: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

63

Para delimitar um espaço do pátio, que ficava em frente a sala do berçário 1, de forma que as crianças não

ficassem expostas ao sol intenso, utilizei dois bancos, colocando-os de maneira que formassem um L. Distribui as onze

bacias, de tamanhos variados, dentro deste espaço; colori a água com o corante (cores: laranja, roxo, verde, vermelho),

me preocupando em deixar algumas bacias com a água incolor. Sobre um destes bancos distribui os materiais que

ficariam a espera das crianças.

No horário combinado com as educadoras da turma, busquei as crianças que faziam parte da pesquisa, neste dia

apenas três crianças puderam participar, pois as outras duas estavam com febre. Como o espaço preparado para a

sessão era em frente à sala das crianças, apenas precisei abrir a porta e chamá-las para virem ao pátio.

Desta vez as crianças se mostraram ávidas por mexer no material, nos primeiros instantes observaram as bacias

coloridas com um quê de curiosidade e ansiedade, para em seguida se aproximarem das mesmas, caminhando pelo

espaço, até escolherem uma bacia, abaixarem-se ao lado dela e então começarem a realizar suas descobertas.

Page 64: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

64

4.4.1- Ação e reação – que descoberta

A Vitória protagonizou a primeira cena a ser

narrada neste encontro, assim que acocou-se ao lado da

bacia, com água laranja, olhou para a bacia, para os

colegas e depois voltou a observar a água na bacia.

Então, colocou suas mãos na água, movimentando-as

com calma, para em seguida começar a bater com uma

mão na água, levantando vários respingos. Ao sentir as

gotas de água caindo sobre seu corpo, soltava alguns

gritinhos, derrubando água para fora da bacia,

apresentando uma expressão de surpresa e ao mesmo

tempo feliz.

Albano (2007, p. 8) diz que:

Poetas e artistas deveriam estar, sempre,

entre os interlocutores privilegiados dos

educadores que trabalham com a primeira

infância. Eles recuperam para a educação

aquilo que a criança ainda não perdeu: o

encantamento diante de todas as coisas

simples.

Observando como as crianças vêm se

relacionando com os materiais, em sua simplicidade,

alegria e curiosidade, devo concordar com a colocação

de Albano, precisamos ser mais artistas ou ao menos

possuir alma de artista para resgatar o encantamento

frente às coisas simples da vida. As crianças não

precisam de materiais elaborados e caros para criar, mas

sim de variedade de matérias e de materiais, de espaço

e liberdade para explorá-los, pois as crianças criam muito

com pouco, já que admiram a simplicidade da vida. Nós,

adultos, que complicamos a vida e o trabalho com

pesquisa de materiais, colocando empecilhos que na

realidade temos condições de resolver.

Quando percebeu que a água estava caindo no

chão, a Vitória passou os dedos na superfície,

espalhando ainda mais esta água e em seguida

levantou-se ficando em pé; repetiu o processo de abaixar

– bater as mãos-sentir respingos-soltar gritinhos-levantar,

várias vezes, até que resolveu sentar-se ao lado da

bacia, colocando uma mão em cada uma delas,

movimentando os dedos lentamente.

Page 65: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

65

Tentou levantar-se, mas não conseguiu, e começou a chorar,

arrastando o corpo para a frente. Neste momento, achei

importante realizar uma pequena interferência, estendi minha

mão para a Vitória, que a segurou prontamente, levantando-se, e

parando de chorar, segurou-se com a outra mão em uma das

bacias, logo, libertando minha mão. Voltou a abaixar o corpo, de

forma a poder movimentar a água com as mãos, em seguida

prosseguiu insegura, caminhando, até onde o chão estava seco.

Neste momento, percebi que o piso molhado estava

deixando as crianças inseguras ao caminharem, então, realizei

mais uma intervenção, que foi coloquei os chinelos em cada um,

o que facilitou a segurança e locomoção das crianças.

No momento em que a Vitória retornou para perto das

bacias, percebeu que o banco estava repleto de objetos variados

e materiais, aproximou-se do banco com uma expressão de

curiosidade, seu olhar passeou agilmente por toda extensão do

banco, até que se deteve em um pode de plástico, rapidamente

segurou o pote com suas mãos. O Gustavo e a Pietra ao

visualizaram a Vitória também aproximaram-se do banco,

desbravando o que havia nele.

Page 66: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

66

Colla (2012, p. 84) coloca “quanto mais atenção

tivermos em nossas escolhas sobre os materiais e o

espaço, mais evidentes serão a seriedade e a beleza das

investigações que as crianças fazem.”, já Hunter-Mcgrath

(2012, p. 130) “[...] oferecem aberturas e caminhos pelos

quais as crianças podem entrar no mundo do

conhecimento.”

De acordo com as autoras, a investigação

realizada pelas crianças em pesquisas com materiais

deve proporcionar possibilidade de ações e relações.

Para que as investigações sejam ricas, completas e

possibilite a criança apropriar-se de conhecimentos, nós

adultos devemos pensar com seriedade sobre os

materiais selecionados e nas possibilidades que esses

oferecem, além de, questionar-se se os materiais dão

abertura a uma variedade de explorações, se permitem

diferentes usos, se várias crianças podem explorá-lo e

claro como apresentar este material para as crianças, de

forma que o mesmo seja atrativo, mas sem ser

intimidante e limitador.

4.4.2- Concentração- momentos gloriosos com nossa

pequena pesquisadora

No primeiro momento, a Vitória, ainda com o pote

de plástico nas mãos, interessou-se pelas bolinhas

coloridas. Estava o tempo todo com uma expressão

concentradíssima.

Começou sua ação, pegando algumas bolinhas

que estavam no chão próximo às bacias e distribuindo-as

entre duas bacias, uma com água verde e outra com

água incolor, abaixou e levantou-se várias vezes, até

conseguir recolher todas as bolinhas que visualizou, e

colocá-las dentro das bacias escolhidas.

Testou várias hipóteses neste seu momento de

relação com a matéria e com o material. Colocou uma

bolinha dentro do pote que segurava, analisou, girou a

bolinha, observou o movimento dos seus dedos ao girar

esta bolinha, tentou colocar mais uma bolinha no pote e

notou que não havia espaço suficiente. Pegou uma

embalagem de xampu e tentou encaixar a bolinha no

buraco dela, ao perceber que ela não encaixava

abandonou o pote no chão e continuou observando a

bolinha que segurava, pegou outro pote, agora uma

Page 67: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

67

embalagem de tinta e procurou colocar a bolinha dentro da embalagem, novamente não conseguiu, mais uma

vez largou o pote que não lhe foi útil e buscou o pote que já havia experimentado, o qual a bolinha encaixava

perfeitamente. Demostrou ter esgotado todas as suas hipóteses de encaixar as bolinhas, pois, tranquilamente deixou

o pote de lado.

Segundo Saló e Barbuy (1980, p. 20) “não é suficiente a experiência física e sensitiva dos materiais; é necessário

realizar a vivência sobre o espectro completo de possibilidades oferecidas pela própria matéria, captá-lo e registrá-lo em

todas as suas alternativas.” Refletindo sobre esta frase percebi que a Vitória realizou uma vivência sobre a própria

matéria, partiu de uma questão que lhe cultivou o interesse e testou diversas possibilidades de solucioná-la até sentir-se

satisfeita com a questão e a solução encontrada no momento, quem sabe retornará a esta questão no futuro?

Foi em busca de um novo desafio, tentou por diversas vezes segurar duas bolinhas com uma mão apenas, mas

não conseguia, as bolinhas escorregavam de suas mãos, até que percebeu, que conseguiria segurar uma em cada mão,

neste momento deu um sorriso satisfeito, havia encontrado uma maneira de solucionar o seu dilema, que era segurar as

duas bolinhas coloridas nas mãos.

Em seguida, resgatou o pote plástico, com o qual havia iniciado este processo, encheu-o de água, e então virou o

pote, jogando a água do pote dentro da bacia. Observou o movimento que a água da bacia fazia ao receber a água que

caia do pote, e a forma como as bolinhas movimentavam-se dentro da bacia. Realizou este processo mais algumas

vezes, e então aproximou-se da bacia de água verde, retirando todas as bolinhas de lá.

Novamente encheu o pote com água e virou-o para que a água caísse dentro da bacia, sorriu quando sentiu os

respingos que chegavam até seu corpo e soltou alguns gritinhos entusiasmados. Repetiu o processo, de

encher e esvaziar o pote, por mais algumas vezes, e então largou o pote na bacia e saiu caminhando, observando o que

havia ao redor.

Page 68: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

68

Page 69: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

69

Não demorou muito para encontrar outra fonte de

interesse. Percebeu que a Pietra havia colocado algumas

garrafas em uma bacia e que empurrava-as para o fundo

querendo afundá-las, mas as garrafas voltavam a

superfície. Aproximou-se da bacia e também empurrou

uma garrafa para o fundo, mas retornou a superfície,

olhou surpresa e tentou novamente.

A Pietra sacudiu a cabeça e foi observar outros

materiais; já a Vitória, retirou todas as garrafas da água,

pegou um pincel largo e começou a passá-lo

suavemente sobre a superfície da água, como se

estivesse acariciando-a com o pincel. Seguiu para a

bacia ao lado e relizou o mesmo processo de passar o

pincel sobre a água. Novamente trocou de lugar,

aproximou-se de outra bacia, porém, nesta ela resolveu

afundar o pincel na água, começou afundando somente

as cerdas do pincel e então erguia-o, observando as

gotas caindo, para em seguida afundar o pincel até tocar

o fundo da bacia. Erguendo o pincel movimentou-o,

observando todos os seus lados, tocou em suas cerdas

com cuidado, percebendo a sutiliza do toque.

Retornou a primeira bacia com o pincel firme em

sua mão, colocou algumas bolinhas dentro da bacia e

com o pincel empurrou a bolinha, encantada, observava

a bolinha movimentando-se, e as ondinhas que

formavam na bacia, em decorrencia do seu movimento

com o pincel.

Começou a bater com o pincel na água, a príncipio

levemente e aos poucos foi aumentando a intensidade

do movimento, até que conseguiu respingar bastante

água para fora da bacia. Não satisfeita, retirou as

bolinhas da bacia e substituiu-as pelas garrafas pet.

Realizou o mesmo pocesso de alisar as garrafas com as

cerdas do pincel, para em seguida empurrar as garrafas

com o pincel, por alguns momentos, ficou parada em

frente a bacia com a expressão séria, observando o

movimento que acontecia dentro da bacia, meneou a

cabeça, deu um leve sorriso e abaixou-se para começar

a retirar as garrafas da bacia e largá-las sobre o outro

banco.

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70

Refletindo sobre as ações e

relações estabelecidas pela Vitória

com a água, bolinhas, garrafas e o

pincel me lembrei da frase de Cathy

Weisman Topal (2012, p. 138) onde

“esse tempo de experimentação – de

organizar e reorganizar – é muito

importante. [...] essa ideia de testar

possibilidades é onde se encontra a

riqueza de uma experiência com

materiais. ” Assim sendo, a Vitória

testou possibilidades ao

experimentar balançar as bolinhas

na água como pincel, ao movimentar

a água e perceber as bolinhas

balançando, ao tentar afundar as

garrafas e perceber que elas vinham

a tona e boiavam sobre a água.

Criou relações com os materiais e

investiu em diversas

experimentações de ideias, suas

ideias.

Page 71: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

71

4.4.3- Concentrado sim – parado nunca

O Gustavo é uma criança muito ativa, alegre,

que não consegue ficar parado por muito tempo,

mas sem dúvida experimenta e concentra-se nas

suas descobertas, porém de uma forma toda sua,

única. Foram muitas as explorações e relações do

Gustavo, mas vou descrever apenas as que

considero mais potentes, para que o relato não

torne-se cansativo para o leitor.

Assim que percebeu os objetos sobre o

banco, o Gustavo, apropriou-se de um brinquedo

que parecia um peso de ginástica, chamou-me a

atenção que por umas três ou quatro vezes ele

aproximou este brinquedo do ouvido, como se

segurasse um telefone, e falava algumas palavras,

mas que para mim ainda não foram compreensiveis,

mas pude perceber que ele simulava uma conversa

ao telefone, já realizava assim o jogo simbólico por

sua própria conta, sem a interferência de um adulto

que o induzisse a esta ação.

Page 72: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

72

Ao escrever sobre o faz-de-conta e o desenvolvimento

cognitivo da criança, Musatti (2011, p. 90) “ [...] segundo

Vygotsky, ao brincar, a criança toma consciência das próprias

ações e do fato de que todas as coisas têm seu próprio

significado. O jogo simbólico está, estreitamente ligado ao

desenvolvimento da linguagem”. O Gustavo ao aproximar o objeto

(chocalho em forma de peso) do ouvido e simular uma conversa

telefônica apropriou-se do significado do objeto para ele e utilizou-

o de acordo com este significado, desta forma evocou, por

imitação, objetos ou também ações realizadas por si mesmo ou

por outras pessoas, realizando o faz-de-conta.

Mesmo envolvido na relação com o brinquedo, que lembrava

um peso, acabou por segurar e explorar outros objetos e

materiais, no entanto não se afastava do brinquedo inicial. Ao

pegar uma lata começou a usar o “peso” como basteca, a

principio batia calmamente na lata gerando um som mais suave,

aos poucos começou a caminhar segurando a lata,

consequentemente começou a bater com mais força e energia

com o “peso” na lata, ocasionando um som mais alto, mais rápido

e curto. O Gustavo estava realizado, fazia a sua música, corria de

um lado para o outro, mexia o seu corpo, querendo acompanhar o

ritmo do seu som, com o resto do seu corpo.

Page 73: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

73

De acordo com a proposta de Holm

(2007, p. 18):

O processo criativo não pode se

desenvolver numa situação fechada.

Quando se cria, é preciso fugir da

necessidade de ser bem sucedido o

tempo todo. Temos que retomar à

criação como um elemento

integrado, uma convivência comum,

sem esperar resultados.

Durante suas experimentações e

investigações o Gustavo não demonstrou

preocupação em estar fazendo certo ou errado,

apenas se dedicou a investigar os materiais e as

relações que poderia tecer entre eles, testando

suas hipóteses, sem esperar resultados. Utilizou

todos os seus sentidos nesta exploração,

buscando experimentar e conhecer as qualidades

físicas e sensoriais dos materiais, criando formas

de conhecer e reconhecer estes materiais.

Page 74: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

74

4.4.4- Potes e água- incríveis possibilidades

Interessou-se muito pelos potes expostos, foi

testando todos eles ao se aproximar das bacias. Pegava

um pote, aproximava-se de uma bacia, enchia de água o

pote e então jogava a água do pote em outra bacia,

repetia este processo em várias bacias, parecia estar

querendo misturar as águas de cores diferentes, pois

jogava a água e dava uma olhada para ver se acontecia

algo.

Desta forma, realizou este mesmo processo com

cinco tipos de potes diferentes, com a embalagem de

tinta têmpera, a do xampu, a do amaciante de roupas,

com uma tampinha e com um escorredor de massa de

brinquedo. Cada pote permitia uma quantidade de água

diferente, um peso diferente ao segurar, um volume de

água diferente ao ser jogado, uma variedade de

respingos, um som diferente ao pingar/cair na água da

bacia e também o movimento diferente que causava na

água da bacia, ora mais suave (um leve balanço) ora

muitos movimentos e ondas. Também resolveu degustar

a água, por duas vezes encheu um potinho e levou o

pote aos lábios tomando um gole de água, rindo

satisfeito, falava “aguui, aguui”. Uma nova descoberta,

além de molhar, refrescar, manchar o chão, podia beber

a água, aí que delícia.

Já, quando tentou levar a água, de uma bacia para

outra, com o escorredor de massa, teve uma surpresa

que o deixou muito intrigado, pois sempre que chegava a

outra bacia via no máximo uma ou duas gotas caindo,

então realizou o processo novamente, só que desta vez

mais calmamente, prestando atenção ao trajeto e ao

movimento, qual não foi sua surpresa ao perceber que a

água do pote ia gotejando o caminho todo, e quando

chegava a outra bacia não sobrava água dentro do pote.

Mais uma conquista para seu repertório de vida, pote

com furos não armazena água, a não ser por um período

de tempo curtissímo.

Page 75: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

75

Abrahan Kaplan (2012, p. 38) ao abordar a teoria de Jonh Dewey, diz “é no ato de expressão que o material

se converte em um veículo. O ato de expressão, não sendo rotineiro nem caprichoso, faz do material, [...] um canal

pelo qual a experiência flui, desimpedida e despreocupada”. Durante a investigação dos bebês com os materiais é

possível perceber que os bebês se expressam através dos materiais, convertendo-os em veículos de comunicação

e transformado-os em uma forma de linguagem, desde que a experiência flua com naturalidade, através do seu

interesse e da testagem de suas hipóteses.

Page 76: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

76

4.4.5- E isso aqui, o que será?

De repente, o Gustavo abandonou os potes,

começando a caminhar em volta das bacias, notou que

uma peça de madeira havia caido para o outro lado do

banco e resolveu ir buscá-la, autônomo, correu

contornando o banco que servia de delimitação de

espaço e buscou a pecinha, voltou todo feliz e orgulhoso,

largou a peça próxima ao banco, virou-se movimentando

os braços e foi girando o corpo, numa dança só sua,

sorria feliz e empolgado, nisso abaixou-se, batendo com

as duas mãos na água, energicamente, ocasionando

muitos respingos, ao que sorria mais ainda, gritando “ai,

ai, ai”, satisfeito com os pingos que molhavam-o.

Holm (2007, p. 22) ao escrever sobre como a

atividade pode ser realizada no pátio, onde permite uma

maior movimentação e interação, afirma que “a

felicidade com criação é naturalmente maior quando não

há limitações. Existe a possibilidade de uma total

integração dos sentidos, envolvendo movimentos,

sentimentos, sons e tudo o que se pode ver”. Analisando

as ações do Gustavo pude perceber que ele demonstra

necessidade de liberdade para desenvolver suas

experimentações, seu corpo pede por espaço e

movimento, precisa ir e vir, utiliza todos os seus sentidos

em uma integração, utiliza a totalidade de sua expressão,

sem fragmentação.

Nisso, percebeu uma esponja ao lado da bacia,

seu olhar brilhou ao tocar na esponja, ergueu-a

rapidamente, observou/analisou/avaliou a esponja e em

seguida enfiou-a dentro da bacia, ergueu-a, percebendo

que gotinhas de água deslizavam da esponja para

caiarem dentro da bacia.

Aos poucos, foi aumentando o movimento,

molhava a esponja e levantava caminhando com ela,

observava os pingos caindo no chão, molhava a esponja

e apertava-a para a água cair mais rapidamente. Depois

de alguns minutos nesta exploração, mas sem ter ficado

parado no mesmo lugar, molhou a esponja e saiu

caminhando, procurando áreas do pátio que ainda

estavam secas, onde conseguia observar melhor as

manchas que as gotas faziam ao tocarem no chão.

Page 77: AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS

77

Quando percebeu as primeiras manchas começou a sorrir muito e a soltar sons e gritinhos olhando para mim,

estava conversando comigo, eu em resposta bati palmas e falei “que legal Gu, que descoberta!!”. Ficou por mais

alguns minutos envolvido com a esponja, passou-a na parede, tentou enfiá-la em um buraco da parede, até que

pareceu ter esgotado a sua curisidade sobre o material, concluindo, desta forma o seu ciclo de descobertas e de

hipóteses testadas para o momento.

Cathy Weisman Topal (2012, p. 142) nos faz pensar na relação entre criança e adulto, e em como é

importante compartilhar e refletir sobre novas estratégias, para propor novos desafios a criança, acrescentando

novos materiais e situações que os levem a novas explorações, articulações e reações, segundo ela “quando

crianças e adultos se envolvem e celebram juntos os momentos de reações, segundo ela “quando crianças e adultos

se envolvem e celebram juntos os momentos de expressão e descoberta, e usam esses momentos para despertar

novas aventuras, nasce um espírito de encantamento e confiança”; já Holm (2007, p. 12) afirma “[...]e ter confiança,

para que a criança possa se movimentar e experimentar. E que ela retorne ao adulto, tenha contato e crie junto”.

Refletindo sobre o comportamento do Gustavo, ao conversar comigo, da sua necessidade de compatilhar a

sua descoberta, a sua conquista, tenho que concordar com as duas autoras, pois através desta relação e desta

troca de olhares e entendimentos, a criança demonstra confiança na pessoa que está ao seu lado, e sente-se

segura para continuar em suas experimentações e relações, sente-se livre para se movimentar e experienciar.

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78

CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve o intuito de pesquisar

como os bebês se relacionam com os materiais e de que

forma os convertem em linguagem, se isso ocorre e de

que maneira. Durante a realização das sessões com os

bebês me foi possível refletir sobre muitas questões

relacionadas aos materiais e os bebês, em como eles se

apropriam das características físicas dos materiais e

elaboram e reelaboram hipóteses, até sentirem-se

satisfeitos com suas resoluções.

Várias questões influenciam na relação dos bebês

com os materiais, a questão do espaço pensado para o

desenvolvimento da ação, a quantidade de crianças, a

escolha dos materiais e a forma como são ofertados, a

variedade de materiais, a presença atuante dos adultos,

a forma como são realizadas as interferências e em que

momentos, se os bebês sentem-se desafiados a

investigar o material. Desta maneira concordo com

Focchi (2013, p. 157) que ”[...] ao invés de planejar a

atividade para ser “aplicada” com os bebês, seja mais

interessante o planejamento de outros elementos, que,

nesse estudo, organizo-os da seguinte forma: o tempo,

os espaços, os materiais, a organização do grupo e o

tipo de intervenção.”, portanto, todos estes fatores devem

ser tratados como resposta às problematizações dos

bebês, a partir do que foi sendo significado em suas

ações. Assim sendo, é necessário refletir sobre a forma

como o adulto irá realizar intervenções durante os

momentos que estará junto com as crianças, para que

possa garantir experiências ricas e interessantes para as

crianças e adultos, oportunizando momentos de

transformação.

Durante o desenvolvimento da parte prática desta

pesquisa, observei que as crianças sentiam-se mais a

vontade quando o ambiente estava mais silencioso e

sem trânsito de pessoas próximas ao local, pois sua

atenção não se distanciava do seu foco, que era a

relação com os materiais. Na primeira sessão realizada

com os bebês, os adultos da escola estavam curiosos

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79

em espiar qual seria a reação dos bebês frente ao desafio proposto, que era interagir com tintas e diversos

objetos, e desta maneira vários se aproximavam do local,

sem perceberem que esta presença interessada estava

dispersando e talvez intimidando algumas crianças, que

já se mostravam um pouco receosas, incertas do que

fazer, pois estavam diante de algo diferente do que

estavam acostumados. As sessões seguintes se

desenvolveram de forma mais tranquila, pois conversei

sobre a importância das crianças sentirem-se a vontade

no ambiente, sem muitas pessoas próximas a lhes

inquietar. Desta forma, observei que é necessário um

ambiente mais isolado e calmo para a prática das

sessões.

Na relação com os diferentes suportes e com os

diferentes materiais os bebês me surpreenderam em

vários momentos, como ao tecerem tantas hipóteses,

diálogos, proposições, interações com, basicamente,

uma lata. Nesta exploração mostraram-se capazes de

criar variadas hipóteses e testá-las até se sentirem

satisfeitos com o desenvolver da sua ação, de

apropriarem-se das ações dos colegas, através da

imitação, para servir de ponto de partida para suas

próprias elaborações e testagens, como também de

dialogarem com os colegas expondo suas ideias e

conquistas através de uma comunicação completa,

utilizando-se de todos os sentidos e movimentos do

corpo.

Nestes momentos, em que o que foi pensado e

organizado não ocorreu conforme o planejado,

inicialmente, refleti sobre a importância dos bebês

poderem realizar suas próprias descobertas, sendo

imprevisíveis em suas elaborações e criações. Também

percebi a potencialidade e riqueza dos materiais, e como

nos diz Holm (2007, p. 14) ”[...] é importante ousar ir

além e ouvir: nós devemos ouvir as crianças.”,

precisamos estar atentos e presentes, para ouvir o que

as crianças querem nos dizer, nos comunicar, e aceitar

que criem novas soluções para seus conflitos.

Observando as crianças, em seus momentos de

investigação sobre o material, principalmente ao olhar

para o Gustavo e suas ações/relações, e em todos os

movimentos que ele realizava, todas suas idas e voltas

aos materiais, pude compreender e defender que a

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criança tenha liberdade de movimento, o direito de ir e vir

enquanto desenvolve a atividade, pois seu corpo não

precisa estar parado, enrijecido em um lugar, para

demonstrar que esteja concentrado e envolvido no que

esta fazendo, segundo Holm (2007, p. 35) ”nosso corpo

se movimenta quando tem necessidade, sem que isso

prejudique a nossa concentração.”, e ainda (2007, p.58)

”quando a criança tem liberdade para movimentar-se

livremente, ela está incessantemente em contato com

diferentes materiais.”.

Compartilho da opinião de Ashley Cadwell (2012,

p. 213) que ”as escolas devem ser ambientes que

cultivem a criatividade e a cooperação, a invenção e a

inovação e a investigação, assim como as habilidades

fundamentais. Essencialmente as escolas devem cultivar

relacionamentos. [...].”, portanto a escola deve valorizar

as crianças, os conhecimentos que elas já trazem como

bagagem (suas questões e teorias), e estar sempre

propondo desafios as crianças. A criança precisa que a

escola lhe proporcione ambientes, profissionais e

variedade de materiais que as ajudem a compreender o

mundo e tudo que o compõem, Cadwell ainda coloca “[...]

as crianças têm o desejo inato de entender o seu mundo

e de aprender a interagir com ele.[...] Por meio das suas

ações, elas constroem conhecimento e caráter.”.

Cada criança possui a sua maneira e o seu tempo

de relacionar-se com a matéria e com o material,

algumas demonstram mais cuidado, receio e

insegurança, outras praticamente se atiram sobre os

materiais em seu entusiasmo em explorar o que esta

sendo oferecido. Independente da maneira como a

criança irá se relacionar, ela precisa ser respeitada em

sua individualidade, em seu tempo de sentir-se a vontade

com a proposta e com os materiais. No entanto,

podemos incentivá-las, propondo atividades

significativas, onde a criança possa estabelecer relações

entre os materiais, criando novos conceitos ou

comparando-os com experiências anteriores, desta forma

transformando a matéria e o material e o que já conhecia

sobre o mesmo, ampliando o seu repertório de mundo.

Durante a observação e reflexão das sessões

desenvolvidas com os bebês, pude perceber que os

bebês se desafiaram a realizar projetos com os materiais

que foram oferecidos, e nesta intenção que exerceram

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sobre os mesmos, estabeleceram diversas relações

entre os materiais, transformando-os, compondo,

relacionando, agrupando, seriando, amontoando,

esparramando. Nestas relações criaram conceitos, e

modificaram outros que já haviam adquirido, testando-os

sobre novos enfoques, confrontando-os com outros

materiais e hipóteses.

Através destas experiências, o bebê consegue se

apropriar da materialidade que compõe o mundo,

consegue perceber do que o mundo que o cerca é

composto e assim tece suas próprias relações, que

geram ações que lhes possibilitam comunicar ao mundo,

as crianças e aos adultos, os conceitos que vem

estabelecendo e as relações que vem criando e

recriando, desta forma se comunicando através de suas

ações, movimentos, hipóteses testadas, descobertas,

intenções sobre os materiais, percepções, enfim,

transformando estes momentos de experiências com

materiais inusitados e não-estruturados em mais uma

forma de linguagem.

Por meio das leituras realizadas e das sessões

práticas desenvolvidas com os bebês me confrontei com

a minha prática pedagógica, a maneira como venho

trabalhando com os bebês e percebi que posso ousar

muito mais, apesar de já trabalhar com diversidade de

materiais, ainda existem muitas possibilidades sobre as

quais não havia pensado e com certeza os bebês serão

beneficiados com esta prática voltada para a sua

investigação sobre materiais de diversas texturas,

tamanhos, temperaturas, formatos, matérias.

A utilização de materiais não estruturados e não

convencionais nas atividades propostas para as crianças

pequenas, oportunizam experiências, oferecem novos

caminhos, novas aberturas e incontáveis possibilidades

de aprendizagem às crianças, pois os materiais

provocam, convocam e mobilizam as crianças/bebês a

interagirem com eles.

Segundo John Dewey (2010, p. 109):

[...] experiência proveniente de outras

experiências. Conclui-se uma obra de

modo satisfatório; um problema recebe sua

solução; um jogo é praticado até o fim;

uma situação, seja a de fazer uma

refeição, jogar uma partida de xadrez,

conduzir uma conversa, escrever um livro

ou participar de uma campanha política,

conclui-se de tal modo que seu

encerramento é uma consumação, e não

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uma cessação. Essa experiência é um todo

e carrega em si seu caráter individualizado

e sua autossuficiência. Trata-se de uma

experiência.

Percebo que muitas pessoas ainda acreditam que

manipular e tocar em variados objetos, materiais e

matérias, seja por si só considerado uma experiência, no

entanto em minha concepção, partilho da ideia de Jonh

Dewey, na qual para ser considerada experiência é

necessário um contato muito mais profundo com o

material, é necessário que o bebê/ a criança se relacione

com o mesmo, que o observe, que mexa, analise suas

características, pense em formas de organizar, interligar,

de utilizá-lo, que dê seu significado a ele, aprendendo e

construindo, até que consiga completar o ciclo, e chegue

a uma solução para o seu problema, para sua hipótese.

Muitas vezes, colocamos empecilhos ao pensar

em trabalhar com este tipo de proposta, não temos um

lugar adequado, pensamos na sujeira que será gerada,

nos pais que podem reclamar, no gasto com a aquisição

do material (a escola não possui verba para isso),..., mas

se observarmos como as crianças constroem muito com

tão pouco, percebemos que nossos empecilhos são

facilmente superados. Os materiais podem ser inclusive

coletados na natureza e reaproveitados ou reciclados, o

que sujar basta limpar, com os pais é suficiente uma boa

conversa explicando sobre este tipo de proposta e os

seus benefícios, e quanto ao espaço basta adaptar, até o

pátio pode se transformar em um atelier, como coloca

Ana Angélica Albano (2007, p. 8) ao registrar a opinião

de Holm sobre o atelier:

A cozinha, o quintal, um guarda sol velho,

o espaço embaixo da mesa de jantar, [...]

qualquer espaço pode ser transformado

em um atelier, onde meias velhas,

caixinhas de chá, pôsteres antigos, a água

da conserva de beterraba, o sumo da

ameixa são utilizados como materiais

expressivos.”

Portanto, qualquer lugar pode ser utilizado para a

realização de atividades que envolvam a relação com

materiais expressivos, basta estarmos disponíveis a

imaginar, a criar, a ousar, a ir além do que sempre

fazemos, de sair da rotina e de enxergar além do óbvio,

de nos desafiar a olhar com olhos de crianças as

possibilidades dos lugares e dos materiais.

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Já os materiais precisam ser pensados e escolhidos de forma a oportunizar ações e relações possíveis

entre eles, que desafiem a criança a criar, recriar, compor, transformar, significar. Desta forma, podemos aproveitar tudo

que esta a nossa volta, desde folhas de jornal e a sombra de uma árvore ou latas e diferentes canos, apenas precisamos

pensar na atividade e na escolha dos materiais com antecedência, para podermos proporcionar um momento que seja

significativo para a criança e oportunize novos aprendizados, novos conceitos elaborados.

Na pedagogia italiana, desenvolvida nas escolas de Reggio Emila a escola é considerada como um ambiente

educador, ele é flexível e deve estar em constante processo de modificação perante as crianças, para que estas sintam-

se protagonistas no processo de construção do seu conhecimento. No texto de Lella Gandini (1999, p. 157) cita as

palavras de Loris Malaguzzi:

Valorizamos o espaço devido a seu poder de organizar, de promover relacionamentos agradáveis entre as pessoas de

diferentes idades, de criar um ambiente atraente, de oferecer mudanças, de promover escolhas e atividade, e a seu

potencial para iniciar toda a espécie de aprendizagem social, afetiva e cognitiva. Tudo isso contribui para uma sensação

de bem-estar e segurança nas crianças. Também pensamos que o espaço desse ser uma espécie de aquário que

espelhe as idéias, os valores, as atitudes e a cultura das pessoas que vivem nele (Malaguzzi,1984).

Cada escola deveria se preocupar em valorizar o seu espaço, em promover relacionamentos agradáveis entre

todas as pessoas que fazem parte das mesmas, em propor um ambiente que seja atraente aos olhos de todos, adultos,

crianças e bebês. Considero ser de extrema importância a escola espelhar as ideias, crenças, valores, culturas e

pensamentos daqueles que vivem neste ambiente. Pois, desta forma, as crianças sentem-se seguras e respeitadas, os

adultos sentem que fazem parte daquele lugar, sentem-se apoiados e reconhecidos, e assim criam um ambiente único

que reflete suas vidas e histórias.

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Desejo que esta escrita, que se constituiu na presente monografia, possa incentivar possíveis leitores a refletirem

sobre a importância de se trabalhar com uma variedade extensa de materiais e de possibilidades de utilizá-los, seja

agrupando, sobrepondo, interligando, reestruturando, compondo ou transformando-os.

Que cada educador ao ler este texto pense nas crianças como pessoas capazes de pensar, imitar, criar e recriar,

transformar, expressar, desafiar, relacionar, comunicar, agir, propor, dialogar, investigar e que se desafie a possibilitar

momentos em que as crianças/bebês possam exercitar todas estas suas qualidades em contato com diferentes materiais,

técnicas e meios, de forma que ao conhecer as características dos objetos e dos materiais, possam estabelecer as suas

relações e assim se relacionar e conhecer o mundo que as rodeia.

Desafie-se!! As crianças e a educação infantil agradecerão pela sua iniciativa e coragem em oportunizar uma

educação centrada na criança, no seu olhar sobre este ser ao mesmo tempo tão pequeno e tão surpreendentemente

potente.

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