AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS
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1
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS-UNISINOS
CIÊNCIAS HUMANAS
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL
ALEXSANDRA CRISTINA ERHART BAMBERG PEDROSO
AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS
SÃO LEOPOLDO
2013
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ALEXSANDRA CRISTINA ERHART BAMBERG PEDROSO
AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS
Trabalho de conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS Orientador: Ms. Paulo Sergio Fochi
SÃO LEOPOLDO
2013
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Alexsandra Cristina Erhart Bamberg Pedroso
AS RELAÇÕES QUE OS BEBÊS ESTABELECEM COM OS MATERIAIS
Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS Aprovado em 28 de março de 2013.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Ms. Paulo Sergio Fochi – Orientador
________________________________________________________________
Prof. Dra. Marita Martins Redin – 2ª Avaliadora
4
A todos que me incentivaram a estudar, pesquisar e correr atrás dos meus
sonhos, dedico este trabalho.
Mas, principalmente as crianças, que com sua curiosidade, irreverência e alegria
me levaram a sentir esta necessidade de compreendê-las melhor.
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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Agradeço a minha família pela paciência, incentivo e compreensão. A minha mãe, que me incentivou a ser
professora, a estudar e batalhar por aquilo que acredito; ao meu esposo pelo seu companheirismo nos momentos em que
precisei desabafar e trocar ideias e pela sua ajuda quando precisei escrever a presente monografia e ele teve que ficar
com nossa filha; e claro a minha filha, peço desculpas pelos momentos que não pude estar tão presente quanto gostaria,
mas agradeço ao seu carinho e compreensão em saber que sua mãe precisava realizar esta pesquisa. Todos, e cada um
a sua maneira, colaborando para que eu realizasse esta conquista de ser Especialista em Educação Infantil.
Aos professores que foram muito importantes em minha caminhada, me fazendo crer na educação. A uma em
especial, que percebeu em mim o gosto pela infância, antes mesmo de mim. Ao professor e meu orientador Paulo Sergio
Fochi, pelas horas de dedicação, pelos seus comentários, questionamentos, críticas, sugestões, por suas palavras de
incentivo e também por sua cobrança e puxões de orelha, obrigada por você ser tão presente e interessado, por estar e
se mostrar disposto a me ajudar em todos os momentos que precisei.
A todas as crianças que fizeram parte da minha caminhada, que de uma forma ou de outra, me motivaram a
estudar, a pesquisar, em busca de informações que me auxiliassem a compreendê-las melhor, me possibilitando refletir
sobre a minha prática pedagógica e me incentivando a sempre ir além, buscar o novo, o imprevisível. E não poderia
deixar de agradecer as minhas colegas e a equipe da escola Municipal de Educação Infantil Pedacinho do Céu, pelo
apoio e incentivo nos meus momentos de experimentação com os bebês.
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RESUMO
Este trabalho refere-se à pesquisa que investiga como os bebês estabelecem relações com os materiais e como
estas se convertem em linguagem. Trata-se da pesquisa sobre a utilização de materiais não corriqueiros nas atividades
desenvolvidas com os bebês, e a importância que estes momentos de exploração e relacionamento com os diversos
materiais possuem para a criança, pois através destas experiências o bebê toma conhecimento sobre os materiais, define
projetos, age, demonstra intenção, testa hipóteses, relaciona, agrupa, compõe, alinha, intercala, ordena, classifica,
amontoa, recolhe, derrama, despeja, apropriando-se das características dos materiais, conhecendo-os e significando-os,
desta forma compreende o mundo que a cerca, comunicando-se com ele.
PALAVRAS-CHAVE: Educação infantil, bebês, relações, materiais, linguagem.
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Ao contrário as cem existem
A criança
é feita de cem.
A criança tem cem mãos
cem pensamentos
cem modos de pensar
de jogar e de falar.
Cem sempre cem
modos de escutar
de maravilhar e de amar.
Cem alegrias
para cantar e compreender.
Cem mundos
para descobrir.
Cem mundos,
para inventar.
Cem mundos
para sonhar.
A criança tem cem linguagens
(e depois cem cem cem)
mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
lhe separam a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
de pensar sem as mãos
de fazer sem a cabeça
de escutar e de não falar
de compreender sem alegrias
de amar e de maravilhar-se
só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
de descobrir um mundo que já existe
e de cem roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra
a razão e o sonho
são coisas
que não estão juntas.
Dizem-lhe enfim:
que as cem não existem.
A criança diz:
ao contrário, as cem existem.
LORIS MALAGUZZI
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................................10
2. O ACASO ME GUIOU E LEVOU-ME DE ENCONTRO AO ENCANTAMENTO COM A
INFÂNCIA............................................................................................................................................12
3. MATERIAIS NO BERÇÁRIO. QUAIS, DE QUE FORMA E POR QUE UTILIZÁ-LOS? ...............18
4. POSSIBILIDADES DA CRIANÇA PERCEBER O MUNDO, TRANSFORMANDO TODA SUA
IRREVÊRENCIA E ALEGRIA EM SEDE POR PESQUISA...............................................................28
4.1 Nosso primeiro encontro - inseguranças e curiosidades.................................................31
4.1.1 Iniciativa e coragem...........................................................................................................32
4.1.2 Manchando, marcando, borrando, pintando......................................................................33
4.2 Nosso segundo encontro - muitas experimentações........................................................38
4.2.1 Quantos objetos - o que fazer com eles?..........................................................................40
4.2.2 Que meleca, isso gruda!!...................................................................................................42
4.2.3 Meu corpo inteiro na ação.................................................................................................46
4.3 Nosso terceiro momento de explorações...........................................................................50
4.3.1 Uma lata - motivo de risadas, descobertas e muitos puxões............................................54
4.3.2 Pincéis e uma lata com água - quantas possibilidades e diálogos....................................57
4.3.3 Incontáveis percepções e descobertas..............................................................................59
4.4 Quarto encontro - ação + movimento + liberdade = puro divertimento..........................62
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4.4.1 Ação e reação - que descoberta.......................................................................................64
4.4.2 Concentração - momentos gloriosos com nossa pequena pesquisadora........................66
4.4.3 Concentrado sim - parado nunca......................................................................................71
4.4.4 Potes e água - incríveis possibilidades.............................................................................74
4.4.5 E isso aqui, o que será?....................................................................................................76
5. CONCLUSÃO.................................................................................................................................78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS..................................................................................................85
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1 INTRODUÇÃO
Meu interesse pela forma como os bebês se relacionam com os materiais e como os convertem em linguagem,
levou-me a propor quatro sessões com bebês da escola onde trabalho. Em cada sessão desenvolvida, ofereci materiais
inusitados, que possibilitassem diferentes ações, relações e transformações sobre eles, e no desenrolar de cada sessão
procurei analisar as ações e relações que as crianças teciam, procurando intervir o mínimo possível, o protagonismo
delas na realização tanto de projetos individuais, quanto dos coletivos.
Esta monografia pretende revelar a importância de utilizar uma gama de materiais com os bebês na Educação
Infantil, materiais que normalmente nos passam desapercebidos, mas que nas mãos das crianças tornam-se fontes
riquíssimas de investigação, criação, elaboração. Também estou convencida de que os bebês, ao elaborarem e testarem
diferentes hipóteses em suas explorações com os materiais se apropriam das características dos mesmos e os
transformam em linguagem.
No primeiro capítulo será apresentada a minha trajetória de vida, meus encontros e desencontros com a Educação
Infantil, a forma como o acaso me guiou ao encontro da infância e me fez perceber apaixonada por ela, até chegar as
inquietações que me motivaram a realizar esta pesquisa.
No segundo capítulo será abordada uma análise sobre os materiais que costumamos encontrar com maior
frequência nas salas de berçários, as fontes de pesquisa de onde grande parte dos educadores de educação infantil
buscam informações e ideias para desenvolver com suas crianças, uma contextualização sobre os materiais, onde
dialogo com teóricos que abordam o assunto e embasam esta teoria, dos materiais como linguagem.
No terceiro capítulo será abordada a metodologia adotada na pesquisa, a descrição das sessões práticas
realizadas com os bebês, os relatos das experiências e descobertas realizadas pelos bebês, durante estas sessões,
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dialogando com autores que se dedicaram a pesquisar sobre o tema. Incentivando o leitor a prestar atenção as ações
das crianças, o quanto elas são significativas e podem estar nos mostrando, comunicando, expressando.
No quarto capítulo apresento as considerações finais, obtidas com a referida pesquisa, onde faço uma reflexão
sobre a utilização de materiais inusitados e não estruturados e sobre a relação dos bebês com os mesmos, e, se e como,
é possível para os bebês, transformar estas relações em uma forma de linguagem com o mundo.
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2- O ACASO ME GUIOU E LEVOU-ME DE ENCONTRO AO ENCANTAMENTO COM A INFÂNCIA.
Sou uma pessoa tranquila e tímida, não gosto de falar em público prefiro escrever. Gosto de pintar telas, fazer
artesanato, ler livros de romance, olhar filmes, ouvir músicas e ficar sentada na rede sentindo o vento e olhando as
estrelas, tenho sentido falta desses momentos. Sou casada e tenho uma filha de 2 anos que fica na mesma escola onde
trabalho, atuo como professora de educação infantil há seis anos e meio na rede de Esteio, este ano estou fazendo RET
(regime especial de trabalho), abro e fecho a escola, resumindo estou quase morando na escola, ainda bem que existem
os finais de semana.
Desde muito pequena brincava de ser professora, a criançada da rua reunia-se na minha casa e mesmo sendo
uma criança tímida, nesses momentos coordenava a brincadeira, minha irmã caçula foi alfabetizada por mim, de tanto
brincar com as letras, palavras e frases, quando ela entrou na escola já sabia escrever, por isso terminava rapidamente
os exercícios e passava o tempo conversando, a professora dela não ficou contente, pois ela distraía os colegas, mas eu
sentia um grande orgulho de ter ajudado ela neste primeiro contato com a escrita.
Era uma criança quieta, na escola tinha poucos amigos e na maioria das vezes não interagia muito com os
colegas, minha professora chamou por diversas vezes minha mãe para saber se eu não brincava por medo de me sujar,
questionando-a se me proibia de brincar. Minha mãe que sempre nos incentivou a brincar, a explorar o ambiente, a criar
brincadeiras, que permitia que os nossos vizinhos fossem brincar na nossa casa, que os acolhia com carinho e
compreendia nossa necessidade de experimentar, repetir, diversificar, bagunçar,... precisou convencer minha professora
que eu apenas era uma criança tímida e introvertida.
Os anos foram passando, fui crescendo, tinha bons amigos com os quais tinha liberdade para falar, mas
continuava tendo dificuldade para me comunicar com determinadas pessoas, nas aulas até parecia que eu sabia tudo,
pois dificilmente questionava algo, mas esse silêncio era todo motivado pela timidez. Nesta fase precisava decidir o que
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estudar no segundo grau, tinha vontade de fazer o magistério, mas ao mesmo tempo não queria sair da escola a qual já
estava adaptada. Minha mãe precisou me dar um empurrão e levar-me para fazer a matrícula no Magistério. Agradeço-a
por isso, agora tenho certeza de que estou no caminho certo e devo isso a ela.
Quando chegou o momento do estágio precisava escolher uma turma, a professora me sugeriu que eu procurasse
realizar o estágio com os pequenos, talvez uma primeira série, mas eu insisti que preferia os maiores e procurei por uma
terceira série. Durante o estágio foram muitos os desafios que tive que vencer, no entanto tudo deu certo e consegui
chegar ao final satisfeita com a sensação de haver feito algo de produtivo.
Após o estágio prestei diversos concursos, mas, como não obtive sucesso comecei a procurar por emprego. Uma
amiga minha que trabalhava em uma escola particular de educação infantil procurou-me para que eu fizesse uma pintura
decorativa na sala dela, caso a dona da escola gostasse poderia chamar-me para fazer outras pinturas. E foi assim que
tive o meu primeiro contato com a educação infantil, por destino, coincidência ou mero acaso.
Ao final da pintura a dona da escola além de me pedir para pintar outras paredes convidou-me para trabalhar na
escola com as crianças de 2 e 3 anos. Primeiramente fiquei receosa se daria conta do recado, afinal nunca havia
pretendido trabalhar com crianças tão pequenas, mas eles já haviam me cativado, já sentia um enorme carinho por eles.
Desta forma aceitei o desafio e iniciei minha caminhada na educação infantil, o começo foi difícil e tumultuado, as
dúvidas eram enormes e eu me sentia muito insegura, mas conforme os dias passavam e eu me apaixonava mais por
eles, por suas descobertas, experimentações, formas de resolver os conflitos e pela facilidade de dar e receber carinho.
No ano seguinte ingressei na graduação no curso de Licenciatura em Artes Visuais, mesmo estando na Educação
Infantil a vontade de estudar artes, de estar envolvida com o mundo das artes foi maior, e fui para a Feevale com muitas
expectativas.
Foram momentos bons e também difíceis, meu parco salário não estava sendo suficiente para me manter, então
tive que sair da escola infantil e optar por outro trabalho. Além disso, estava me sentindo incomodada por muitas coisas
na escola, inquietações, que me faziam questionar se eu estava no lugar certo. A estrutura, a higiene, a rotina, os
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materiais e atividades oferecidos às crianças me pareciam pobres, a visão que a escola tinha de que se eles estavam
pagando sempre poderia entrar mais uma criança, angustiava-me e comecei a sentir-me fora de lugar naquele ambiente,
pois as outras pessoas estavam satisfeitas com a rotina que se apresentava e não tinham interesse em mudar.
Tentei vagas em outras escolas, mas ao perceber que eram muito parecidas com a que eu havia saído não vi
futuro para mim nestes ambientes. Acabei trabalhando como baba por dois anos, depois trabalhei três anos em um
escritório de revenda de peças para tratores e afins e finalmente fui chamada no concurso para professora de Educação
Infantil.
Quando fui me apresentar na escola tenho que admitir que estava cheia de receios e incertezas, havia passado
um bom tempo afastada das crianças e estava chegando a conclusão que seria melhor eu lecionar artes para os maiores.
Estava morrendo de medo que me levassem para trabalhar com os bebês, pois meu contato com esta faixa etária na
outra escola havia sido um pouco traumatizante, porém aguardei a supervisora me encaminhar para a sala e me deparei
com a turma de maternal dois, até o final daquela tarde eles já haviam me conquistado e estava encantada com eles.
Neste mesmo ano me graduei em artes e prestei vários concursos, quando me chamaram em um fiquei numa
dúvida cruel, mas achei que seria interessante fazer uma experiência e assumi o concurso em Sapucaia, neste período
eu estava grávida, em pouco tempo entrei de licença e tive tempo para pensar no que eu realmente desejava. Quando
retornei da licença trabalhei mais dois meses para fazer o fechamento das avaliações e me exonerei do concurso de
Sapucaia. A experiência com os maiores foi maravilhosa, no entanto eu sentia muita falta da espontaneidade, alegria, do
brilho dos olhos perante cada novidade, do carinho dos meus pequeninos. Assim sendo, fiquei somente com o concurso
de Educação Infantil em Esteio.
As artimanhas da vida são tão estranhas havia esperado tanto tempo para lecionar artes com os maiores e quando
consegui só me sentia deslocada e com saudades dos pequeninhos que sempre eram tão carinhosos comigo, muitos me
chamaram de maluca, porém pouco me importou, resolvi seguir meu coração e aqui estou eu até o momento e sem a
menor vontade de modificar o meu caminho, tenho paixão por aquilo que faço, sou educadora de corpo, alma e coração.
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Fazendo uma reflexão lembrei-me da professora que estava orientando meu estágio de Magistério, pois ela havia
insistido muito para que eu fizesse o estágio em uma primeira série e eu teimosamente insisti em fazer em uma terceira,
pensei em como ela podia me conhecer tão bem, melhor que eu mesma? Demorei para perceber que me encanto com
os pequenos, mas agora estou aqui e tenho certeza que estou no lugar certo.
No meu segundo ano em Esteio me pediram para trabalhar no projeto de artes, cobrindo a falta do professor que
esta planejando e lá fui eu circular por todas as turmas da escola, inclusive na turma dos bebês que eu tanto temia e qual
não foi a minha surpresa ao perceber que eu adoro trabalhar com esta faixa etária, é maravilhoso poder acompanhar as
suas conquistas e descobertas, os seus rostinhos com expressões curiosas e concentradas na exploração de diferentes
materiais, quando percebem algo que lhes chama a atenção e ficam isolados naquela exploração que algumas vezes
demoramos para compreender.
Acho maravilhoso estar em contato com todas as crianças, buscar coisas que acredito despertar o seu interesse.
Na escola já sou conhecida como a profe da meleca, vira e mexe levo algo diferente para manipularem, experienciarem,
investigarem e provarem, pois com certeza muitas vezes eles acabam levando para a boca, não tem como isso não
acontecer, é puro instinto.
Porém por diversas vezes me sinto incomodada com as caras atravessadas de algumas colegas, a falta de
vontade de outras, com o espaço que por diversas vezes me limita, pelo tempo destinado a atividade/brincadeira que por
diversas vezes nos leva a interromper o processo da criança e esta fica sem uma conclusão para ela, mas estou firme no
meu propósito e em minhas convicções e vou tentando realizar estas experimentações dentro do possível. Mas muito
maior que meu incomodo é meu prazer ao perceber o entusiasmo das crianças quando entro em sala, quando levo algo
diferente, quando seus olhinhos brilham meu coração se enche de alegria e meu esforço se faz valorizado e percebido
por elas que são a minha grande preocupação e alegria, as crianças.
Venho percebendo que outras colegas também estão procurando oportunizar às crianças momentos de contato
com materiais diversificados, ricos em cores, cheiros e texturas, e fico imensamente feliz por saber que de uma forma ou
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de outra algumas se sentiram motivadas por mim, pegaram o gosto por fazer meleca, pois o melecar nos desperta para
variadas sensações desde o receio, a incerteza, a curiosidade, o nojo, a alegria, o prazer, o divertimento, a observação e
nos ajuda a estabelecer relações entre diferentes materiais.
Desta forma venho parar neste Curso de Especialização em Educação Infantil por saber das lacunas que ficaram
em minha graduação, a necessidade de ter um embasamento teórico, a vontade de estar em um grupo que estivesse
preocupado com a infância e suas múltiplas facetas, onde estaríamos conversando, debatendo, ouvindo e principalmente
trocando. Através desta parada, deste tempo dedicado a estudar o tema é possível refletir sobre o que se faz para e com
as crianças, se o trabalho está sendo válido e contribuindo em algo.
Nesta auto avaliação sobre a minha prática pedagógica, percebi que sinto um enorme interesse em trabalhar com
variedade de materiais, principalmente com materiais não estruturados e que fujam da rotina das crianças, gosto de lhes
oferecer coisas novas e inusitadas, de assistir suas interações com os materiais, suas expressões concentradas e seus
olhos brilhando, acredito que estes momentos oportunizam novas descobertas e os ajudam em suas elaborações de
conceitos, mas me questiono se por meio destas experiências é possível que as crianças convertam esta relação com os
materiais em linguagem e de que forma isso seria possível? A partir de diversas leituras relacionadas ao tema tenho me
sentido cada vez mais interessada por esta proposta pedagógica, e a cada dia com mais vontade e segurança para ousar
nas atividades propostas às crianças com as quais convivo.
Sou uma pessoa que cria raízes, não consigo me sentir confortável com mudanças de ambientes/espaços, pois
adoro a sensação de conhecer as pessoas ao meu redor, pois tenho dificuldade em iniciar amizades, então agradeço a
Deus a sorte de estar próxima de pessoas comunicativas e que me aceitaram da maneira que sou, pois ainda que sigam
me considerando quieta tenho a consciência de que fiz progressos significativos em minha forma de relacionar-me.
Tenho sentido vontade de mudar de escola, no entanto primeiro preciso esgotar todas as possibilidades na busca
pelas melhorias quanto ao que me incomoda, pois além de me sentir abandonando o barco tenho receio em não ser tão
bem aceita. Apesar das dificuldades, das diferentes opiniões, da falta de apoio de algumas colegas, do comodismo de
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outras consigo me relacionar bem entre todos os grupos dentro da escola, justamente por ser tranquila e gostar de ouvir
os outros. E desta forma vou tentando levar coisas novas e transmitir o meu entusiasmo para ver se de repente ele não
contagia um pouco essas pessoas.
Nestas páginas escrevi um pouco sobre mim, minha trajetória, minhas dúvidas e certezas, meus interesses, meus
anseios e o caminho que trilhei até o momento.
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3- MATERIAIS NO BERÇÁRIO. QUAIS, DE QUE FORMA E POR QUE UTILIZÁ-LOS?
É preciso ver a vida inteira como no tempo em que se era criança, pois a perda desta condição nos priva da possibilidade de uma maneira de expressão original, isto é, pessoal. (HENRI MATISSE, p. 7)
Refletindo sobre a pesquisa a ser desenvolvida, sobre as muitas dúvidas e questionamentos que perpassam por
minha mente sobre a educação infantil e principalmente sobre os bebês, muitas indagações poderiam servir como a
pergunta inicial desta pesquisa. Mas analisando a minha trajetória, o meu interesse, a minha disponibilidade, o meu
coração, não poderia ser sobre outro o assunto, tenho que pensar/pesquisar/investigar/escrever sobre como as crianças
se relacionam com os materiais e como/ e se essa relação pode se transformar em uma forma de linguagem.
Quando estamos em nossas escolas com os bebês propiciamos momentos em que os bebês possam trabalhar
com diversos suportes e materialidades nas suas experimentações e relações? Que foco damos a nossas observações
perante estes momentos e as possíveis descobertas? Oferecemos um ambiente que favoreça estas explorações?
Permitimos que estas experiências sejam significativas para eles? Que seus ritmos de relações sejam observados e
respeitados? Possibilitamos que as crianças estabeleçam relações com os materiais oferecidos? Como a criança se
relaciona com o mundo? Até que ponto estas questões são relevantes e auxiliam no desenvolvimento da criança? Estas
são questões que me inquietam, e por isso, me motivaram a estudar e realizar esta pesquisa. Estas questões serviram
como norteadoras deste estudo, mas este não tem a pretensão de responder a todas neste momento.
Com base nos profissionais de educação infantil com os quais tenho contato percebo que muitos deles baseiam
suas pesquisas e buscam sugestões de atividades em revistas e guias práticos, nestes ao procurar por atividades para
berçário encontramos muitas sugestões que envolvem o uso do E.V.A, o carimbo das mãos das crianças com tinta em
datas comemorativas para confecção de painéis, a construção de objetos para as crianças passarem e entrarem,
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jogos de encaixar peças,..., e assim sendo muitos
profissionais da educação infantil acabam limitando sua
busca por informações em um mesmo tipo de revista e
sua prática pedagógica fica sendo limitada no mesmo
estilo de atividade, perdendo a qualidade da variedade,
da novidade e da surpresa, sendo desgastada pela
repetição e pelo uso dos mesmos tipos de materiais e as
crianças marcadas pelas mesmas texturas, aromas,
temperaturas, pesos, densidades, movimentos,... O
atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 29) coloca que
“investigar e descobrir como um determinado material se
apresenta e é transformado ajuda a criança a adquirir
conhecimento sobre o material em si – sobre a textura,
forma, configuração, cor e a aparência externa e interna.
[...].”
Poucas são as reportagens e matérias
encontradas nessas revistas que auxiliam estes
profissionais a abrirem seus horizontes e incentive-os a
utilizar materiais diversificados nas atividades realizadas
com os bebês, que apesar de serem pequenos são
crianças potentes, pensantes e que precisam de
oportunidades, possibilidades para descobrir o mundo
que os cerca, ao seu tempo e do seu modo, não de uma
forma imposta e da maneira desejada por nós adultos,
porém, não se trata de “deixar as crianças fazerem o que
querem”, mas sim do adulto estar convicto e assumir
como seu objetivo o processo de como as crianças
exploram o seu entorno e não, do resultado. Precisam
ser respeitados na sua forma de elaborar hipóteses, de
relacionar os materiais, de senti-los e de expressar esta
conquista.
Segundo Francesco Tonucci, (2008) vai dizer que
por material, podemos entender “tudo aquilo com que se
faz algo, que serve pra produzir, para inventar, para
construir deveríamos falar de tudo o que nos rodea,
desde a água até a terra, das pedras aos animais, do
corpo às palavras... „incluindo as plantas e as nuvens‟”
(idem) [grifo do autor] ., inclusive a imaginação é um
material, e este deve ser usado e abusado, utilizado sem
esgotamento, pois os bebês vão conhecendo o mundo
que os cerca com a nossa ajuda e precisamos nos
esforçar em mostra-lo em suas várias facetas, em sua
amplitude e riqueza, e não uma única fatia escolhida por
um adulto que acredita que determinado pedaço dele
seja mais importante do que outro.
20
Diante desta afirmação, percebo que a ideia de
material para ser ofertado a criança vai muito além do
que estamos acostumados a utilizar, vai muito além dos
materiais ou brinquedos disponibilizados para a maioria
das crianças das creches. Reproduzo aqui a palavras de
Milú Villela (2007, p. 5) ao escrever sobre o trabalho de
Holm “promovem atividades artísticas simples e com
recursos ignorados pelo senso comum do brinquedo
industrializado.”, temos incorporado em nós a
necessidade de consumo, desta maneira, muitas vezes
optamos por oferecer as crianças brinquedos prontos
(industrializados), que normalmente são confeccionados
da mesma matéria e acabam limitando a criança, pois
geralmente estes brinquedos já chegam às crianças
carregados de informações e significados, induzindo a
criança a reproduzir ações no seu faz de conta e
impossibilitando-a de criar/recriar com o material, de
estabelecer as suas conjecturas a respeito do mesmo,
pensando em diferentes formas de utilizá-lo.
Neste mesmo sentido, podemos pensar que os
materiais também tem valor ao organizarmos o espaço
da escola, conforme a entrevista de Gambetti dada a
Lella Gandini (2010, p. 52) em que a autora registra
como encontrou a linha para unir todos os ambientes da
escola “[...] o objetivo era usar materiais para mostrar
que as experiências na escola poderiam ser expressadas
em muitas linguagens.[...]”, e ainda (2010, p. 62) “ [...]
meu outro conselho, bastante pragmático, é jogar fora os
materiais pré-fabricados encontrados em catálogos para
crianças e começar a procurar materiais em outros
locais: no sótão da vovó, feiras de coisas usadas, praias,
ferragens. [...]”.
As crianças não necessitam de brinquedos caros e
sofisticados, elas conseguem criar, inventar muito mais
com materiais que muitas vezes não nos chamam a
atenção, materiais que consideramos sem utilidade,
coisas sem significado para nós adultos, mas as crianças
se apropriam destes materiais e de suas características,
na busca por conhecer e compreender o mundo que as
cerca.
Os autores Saló e Barbuy (1980, p. 36) afirmam “o
mundo da matéria começa a operar na vida da criança
no momento em que ela passa do meio intra - uterino ao
ambiente exterior.“ Desta maneira o bebê entra em
21
contato com a matéria desde a mais tenra idade, logo
que ele nasce e vem para o ambiente externo, para o
mundo com o qual nós adultos já estamos acostumados,
mas para os pequenos tudo é novo, a cada segundo uma
nova descoberta, uma nova sensação, uma nova
percepção.
Começa percebendo a temperatura que o rodeia e
é diferente da que estava acostumado dentro do ventre
materno, o ar, o aconchego e calor humano, a sutileza da
água, o toque no berço, os tecidos de suas roupas e o
das outras pessoas como dos lençóis, fronhas,
almofadas, o toque em seus primeiros brinquedos
percebendo os diferentes materiais, a rigidez e aspereza
de outros objetos, a luz, os reflexos, sons, formas, os
cheiros sabores e aromas. Tudo isso, nas mãos de uma
criança, torna-se um material produtivo para estar e
relacionar-se com o mundo.
Ao decidirmos trabalhar e oferecer uma variedade
de materiais e matérias (a qual pode ser entendida como
a substância de que são feitas as coisas, aquilo de que
algo é feito), para os nossos bebês precisamos nos dar
conta de que a natureza nos disponibiliza uma infinidade
de materiais e possibilidades, pois com estes materiais é
mais fácil para a criança elaborar hipóteses e conceitos,
devido ao fato de ficar livre do uso que os adultos dão
aos objetos e materiais. Nestes, a criança liberta-se da
intencionalidade do adulto e pode fazer suas próprias
deduções, dando o seu significado para a matéria,
transformando-a em material, sem a interferência do
adulto e da cultura que rodeia os materiais e objetos. Os
materiais e matérias que encontramos na natureza nos
possibilitam diversas interações/ construções/ criações
sem as significações já impostas pelos adultos, estes
materiais e matérias são passíveis de transformações.
Nesse sentido, vale a pena ressaltar a afirmação de
Giovani Piazza (2012, p. 28) em entrevista concedida a
Lella Gandini:
Quando as crianças usam suas mentes e mãos para agir sobre um material usando gestos e instrumentos e começam a adquirir habilidades, experiência, estratégias e regras surgem estruturas dentro da criança, que podem ser consideradas como uma forma de alfabeto ou gramática, do uso dos materiais, deve ser descoberto pelas crianças em parceria com adultos.
E ainda, Piazza (2012, p. 28-29):
22
É durante a construção dessa relação que
as possibilidades de modificação,
transformação e estruturação do material
se apresentam, de modo que o material
transformado pode se tonar o meio para a
expressão que comunica os pensamentos
e sentimentos da criança.
Como nos propõem Saló e Barbuy (1980, p. 38)
“que os adultos fiquem com os objetos e permitam às
crianças usar a matéria de que são feitos os objetos.” Os
autores (1980, p. 41) também colocam que:
Cada material tem uma mensagem
diferente e especial. Cada material tem
uma ensinança para a criança. A criança
está preparada para recebê-la. Os adultos
não estão preparados para tornar possível
o diálogo direto entre a criança e a matéria.
Os adultos não querem ficar à margem, e
procuram ser indispensáveis. Mas as
crianças não necessitam intermediários
nem intérpretes.
Apoio à ideia de que as crianças não necessitam
que lhes ensinemos como interagir com as matérias e os
materiais. Elas necessitam de tempo, espaço, variedade
de materiais e profissionais que se disponham a
realmente deixa-los livres para escolher onde mexer,
com o que interagir e que estejam abertos e presentes
para lhes ajudar quando necessário, mas que não lhes
solucionem todos os conflitos/problemas, que permitam
as crianças testar todas as possibilidades ao explorar os
materiais oferecidos, pois durante estas testagens as
crianças realizam a verificação de informações (FOCHI,
2013, p. 141) sobre os materiais, desta maneira
conseguem realizar escolhas, decidindo quais materiais
utilizar e de que forma, assim, demonstrando a sua
intenção sobre os materiais. Em contrapartida, esses
profissionais também devem mostrar às crianças que
elas podem contar com a sua presença, seu interesse,
com o seu olhar e com o seu respeito a sua condição de
sujeito pensante, desbravador, investigador e atuante. O
atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 27-28), coloca que:
Um primeiro encontro das crianças com
materiais, para explorar e agir sobre eles, é
um processo de conhecer da criança.
Nesses encontros e explorações, as
crianças constroem uma percepção do que
pode acontecer com os materiais, e os
adultos constroem a capacidade de
23
observar e apoiar a significância de cada
experiência.
Precisamos, nos permitir, fugir do mesmo tipo de
atividades, do comodismo da rotina e do que estamos
acostumados, variar os materiais e as matérias que
oferecemos aos nossos bebês, pensar que eles podem
criar e recriar com objetos que não são tão usuais,
observar nossos pequenos como pensadores e
construtores de conceitos e lógicas. É importante que
nosso enfoque esteja na criança e na visão de criança
que acreditamos.
Desta maneira percebo que é necessário pensar
mais sobre os materiais e a forma como oferta-los, Sálo
e Barbuy (1980, p. 40) colocam “cada material tem uma
estrutura interna, uma textura superficial, uma
determinada resistência para ser trabalhada, uma
maneira de conduzir o calor e centenas de outras
qualidades mais, que devem ser ponderadas ante a
criança.” Já o atelierista Giovanni Piazza (2012, p. 28)
afirma que:
É durante a construção dessa relação que
as possibilidades de modificação,
transformação e estruturação do material
se apresentam, de modo que o material
transformado pode se tornar o meio para a
expressão que comunica os pensamentos
e sentimentos da criança.
Podemos perceber que os materiais transmitem
muitas informações, causam muitas reações, sensações
e percepções nas crianças. Na exploração destes
materiais surgem muitas relações, conceitos começam a
ser construídos e a criança expressa através de gestos,
sons, ações essas elaborações que lhes vão no íntimo,
comunicando a quem se dispor a observar atentamente
seus pensamentos e emoções. De acordo com Charles
Schwall (2012, p. 32):
O estilo de trabalho que adotamos é usar
os materiais como linguagens. Nessa
visão, os materiais são veículos para
expressar e comunicar e fazem parte do
tecido das experiências e processos de
aprendizagem das crianças, em vez de
serem produtos separados. As crianças
apresentam uma receptividade inata às
possibilidades que os materiais oferecem e
interagem com eles para criar significações
e relações, explorar e comunicar.
24
A matéria possui muitas informações, tais como:
peso, calor, densidade, maleabilidade, textura,
sonoridade, elasticidade, consistência, entre outras.
Quando estamos elaborando nosso planejamento
dificilmente pensamos nestas características das
matérias que constituem os materiais ou em como eles
podem ser ricos para as mentes inovadoras de nossas
crianças, ou em quanto eles podem transformar o
material dando um significado diferente daquele que
estamos acostumados e habituados. Portanto, venho a
refletir sobre a necessidade das crianças se relacionarem
com diferentes materiais, de se sentirem parte de um
processo de aprendizagem, de se comunicarem com o
mundo, a partir de diversos materiais, portanto, de
diversas linguagens, como diria Malaguzzi (1999),
podendo perceber todas as suas sutilezas e diversidade.
Sálo e Barbuy (1980, p. 32) ao falarem sobre os
materiais, colocam que “ponderar o papel dos materiais
na educação faz que a metodologia se simplifique, até
converter-se em mero inventário, para manter o estoque
em dia, e fornecê-los gradualmente de acordo com uma
ordem de prioridades.”.
De acordo com os autores, no que eu concordo
plenamente, ao ponderarmos sobre o papel dos
materiais, percebemos que os materiais precisam ser
ofertados com frequência, mas de forma organizada,
para que desperte o interesse das crianças, também
devemos criar coleções de materiais, variedade (tampas,
canos, sementes, retalhos de tecido, retalhos de papéis,
latas, rolhas, fios,...), de diferentes cores, texturas,
tamanhos, formatos, espessuras, transparências, para
que possamos propor desafios às crianças, que
componham com alguns tipos de objetos e materiais,
mas que eles possuam várias diferenças entre si,
possibilitando interações, construções e transformações.
Concordo com o pesquisador Paulo Sergio Fochi
(2013, p. 137) quando afirma que “[...] esses tipos de
materiais criam uma atmosfera em que a
imprevisibilidade ocupa um espaço importante, não
sabemos o que as crianças farão e que sentidos darão
para aqueles materiais, naquele espaço com outras
crianças.”, e ainda (2013, p. 138-139) ” a ação das
crianças com os materiais parece exatamente, ser
sempre o início para inventar, produzir, fazer algo
25
inimaginável e surpreendente, muitas vezes, com aquilo
que faz parte do cotidiano,”. Assim sendo, as crianças
precisam estar em contato com diferentes materiais, com
outras crianças, com um ambiente que seja incentivador
para que possam inventar e produzir ações e
significações sobre os materiais ofertados, por mais
corriqueiros que esses materiais possam nos parecer,
para a criança é o momento em que ela pode exercer a
sua intenção sobre o objeto durante a realização do seu
projeto.
Desta forma, também trago Cunha (2001, p. 26)
que ao falar sobre a arte e os materiais em relação com
a criança, afirma:
[...], devem ser reinventados tanto os usos
dos materiais como dos suportes e
instrumentos. Devemos lembrar que assim
como os artistas contemporâneos
aproveitam e exploram qualquer material
em suas produções, as crianças também
podem fazer o mesmo quando se
expressam.
Os autores nos fazem refletir sobre como estamos
tratando e ofertando os materiais para nossas crianças.
Nesse sentido, vale a pena ressaltar a necessidade de
incentivá-los a se expressarem através de todos os seus
sentidos, de perceber que através da experiência
concreta e efetiva com as matérias e os materiais, os
pequenos vão construindo conceitos sobre as coisas que
compõem o mundo, sobre seu formato, consistência,
temperatura, solidez, textura, volume, peso, densidade,
sobre como é possível utilizá-los, combiná-los e também
transformá-los.
Outro aspecto a ser considerado ao falarmos
sobre materiais é a criatividade, o quanto este tipo de
proposta auxilia e incentiva o desenvolvimento da
criatividade, de acordo com Gandini (2010, p. 193) “a
criatividade não é apenas a qualidade do pensamento de
cada individuo; ela também é um projeto interativo,
relacional e social. Ela requer um contexto que lhe
permita existir, ser expressada, tornar-se visível.”, para
Malaguzzi (2010, p. 87) ”a criatividade parece expressar-
se por meio de processos cognitivos, afetivos e
imaginativos, que se unem e que apoiam as habilidades
para prever e chegar a soluções inesperadas.”, e
também “a criatividade exige que a escola do saber
encontre conexões com a escola da expressão, abrindo
26
as portas (este é nosso slogan) para as cem linguagens
das crianças.”[grifo do autor], pois esta não se
desenvolve sozinha e a partir do nada na criança, a
criança não nasce criativa ela desenvolve esta
criatividade a parir de suas experiências,
experimentações, explorações, relações com os adultos,
com o ambiente, com as matérias e com os materiais
que a rodeiam. E ainda, Lella Gandini (2010, p. 193) ao
esternalizar sua opinião sobre criatividade coloca:
Nas escolas, a criatividade deve ter a
oportunidade de se expressar em cada
local e a cada momento. O que esperamos
é a aprendizagem criativa e professores
criativos ,e não apenas uma “hora da
criatividade”. É por isso que o ateliê deve
promover e garantir todos os processos
criativos que possam ocorrer em qualquer
lugar da escola, em casa e na sociedade.
Devemos lembrar que não haverá
criatividade na criança se não houver
criatividade no adulto. Teremos uma
criança competente e criativa se houver um
adulto competente e criativo.
Já Barbara Burrington (2010, p. 66) ao conceituar
a geografia da imaginação, coloca que:
O território é definido por sensações
sentidas dentro das crianças e impressões
indeléveis produzidas por cada encontro
com os materiais. A paisagem reflete
memórias essenciais e duradouras que as
crianças levarão pela vida, de cores, da
sensação das coisas, da aparência de
algo; um espaço onde memórias são
criadas profundamente dentro da criança,
moldadas por meio de tudo que fazem ali.
O ateliê é um lugar para aprender todos os
tipos de técnicas e um lugar para pesquisa.
Partindo das afirmações dos autores podemos
compreender que a criatividade precisa ser desenvolvida
em todos os lugares e em todos os momentos, ela
expressa-se por meio de seus processos cognitivos,
afetivos e imaginativos, onde criam novas relações e
transformações; já a imaginação é a capacidade de
imaginar, fantasiar, se constitui das memórias que a
criança carrega com ela, em seu interior, as impressões
sobre as cores, as sensações das coisas, a aparências
que percebe nos objetos/materiais/pessoas com quem
convive. De acordo com Malaguzzi (2010, p. 88) “nossa
tarefa no que se refere à criatividade, é ajudar para que
as crianças escalem suas próprias montanhas, tão alto
quanto possível. Ninguém pode fazer mais do que isso.”
27
Para que as crianças tenham a possibilidade de se
expressar criativamente e de desenvolver esta
criatividade, precisamos , assim como aconteceu em
Reggio Emilia , onde trabalham com a proposta de
ateliês nas escolas, que se resumem a espaços
destinados a propiciar o desenvolvimento da criatividade
através de infinitas linguagens, ressignificar a nossa
compreensão sobre os espaços, os materiais e a
docência do professor na Educação Infantil. Para desta
forma, podermos modificar a maneira como nos
relacionamos com as crianças.
Em Reggio Emilia os professores precisam estar
em dia com a sua criatividade para poderem perceber as
diversas possibilidades e auxiliarem as crianças a
também se tornarem criativas, portanto esta criatividade
deve ser respeitada em todos os seus momentos e não
apenas durante o desenvolvimento de uma certa
atividade, a criança deve ser respeitada e se sentir
valorizada em todas as suas conquistas.
Assim sendo, devemos sentir-nos incentivados a
pesquisar e a instigar as crianças a pesquisar. Durante
estes momentos de investigação sobre o material a
criança desenvolve sua criatividade, cria e estabelece
relações, construindo e reconstruindo conceitos.
Também precisamos nos acostumar com a ideia de que
a criança é uma protagonista (Malaguzzi, 1999, p. 62) no
seu processo de conhecimento, que ela não apenas
recebe informações como também as produz, mas neste
processo ela necessita da ajuda dos outros para
perceber e descobrir o significado das novas relações e
para ser incentivada a buscar outras relações, portanto,
precisa ser desafiada com propostas criativas e que
propiciem a investigação sobre os materiais.
Assim sendo, podemos destacar que o adulto
precisa estar atento para compreender e extrair os
significados destas, para depois encontrar maneiras de
unir as suas interpretações aos significados das crianças,
criando um dialogo produtivo, onde haja uma
colaboração entre as partes na construção e elaboração
do conhecimento. Ao ser entrevistado por Lella Gandini
(1999, p. 91), sobre o papel do adulto na aprendizagem
das crianças, Loris Malaguzzi afirma:
[...] gostaria de salientar a participação das
próprias crianças: elas são capazes, de um
modo autônomo, de extrair significado de
suas experiências cotidianas através de
28
atos mentais envolvendo planejamento,
coordenação de idéias e abstrações.
Lembre-se os significados jamais são
estáticos, inequívocos ou finais; estão
sempre gerando novos significados. O ato
central dos adultos, portanto, é ativar,
especialmente de um modo indireto, a
competência de extrair significado, das
crianças, como uma base para toda a
aprendizagem.
Portanto, compartilho a ideia de que os materiais,
nas mãos e mentes inventivas dos bebês, se convertem
em linguagem, onde através das relações estabelecidas,
das intenções e ações durante a realização do projeto
estabelecido por eles, os bebês estão presentes e se
relacionam com o mundo que se descortina a sua frente,
em todo seu esplendor de cores, formas, texturas,
aromas, movimentos . Assim sendo, a criança comunica-
se com o mundo, com os adultos e com outras crianças,
expressando suas conquistas e aquisições, e também
transformando constantemente os conhecimentos de
mundo que foi adquirindo, por meio de suas experiências
sobre os materiais, suas características e sobre as
diversas possibilidades de relações entre eles.
29
4- POSSIBILIDADES DA CRIANÇA PERCEBER O MUNDO, TRANSFORMANDO TODA SUA IRREVERÊNCIA,
CURIOSIDADE E ALEGRIA EM SEDE POR PESQUISA.
Convite
Os pequenos nos convidam a experimentar. Eles têm a arte dentro de si.
Eles criam arte. Eles nos dizem algo. Algo que perdemos.
Algo atraente e sedutor. Algo que reconhecemos.
E que não podemos explicar. Tudo é muito maior.
Para as crianças pequenas existe uma conexão direta entre vida e obra. Essas são coisas inseparáveis.
Anna Marie Holm
Considerando o que foi apresentado no capítulo anterior escolhi utilizar materiais variados e não habituais para
elaborar as sessões com os bebês, desta maneira interagiram com alimentos, tintas confeccionadas com base de
alimento, água, e claro diversificados objetos que foram escolhidos de forma que propiciassem à criança possibilidades
de ações e interações.
Os autores Saló e Barbuy (1980, p. 15) afirmam que “antes de aprender o idioma, antes do significado das
palavras e, antes das leis gramaticais, a linguagem criada, com sons, formas, cores e gestos, permite a comunicação
total, direta, profunda e exata”. Levando em consideração esta afirmação, é possível perceber que as crianças se
30
comunicam de uma forma muito mais abrangente, do
que nós adultos, normalmente, estamos acostumados a
perceber, pois se utilizam de todos os seus sentidos,
todo o seu corpo expressa esta comunicação. Segundo
Fochi (2013, p. 105) “a linguagem da qual utilizam está
desde o gesto até os sons dos balbucios e sorrisos, ou
seja, a linguagem dos bebês está na ação.” e ainda
(2013, p. 102) ” aqui, talvez caiba destacar da nossa
incompletude para compreender os bebês e suas
linguagens, seja pelo fato de estarmos imersos no
mundo das palavras, seja pela histórica imagem da
ausência de linguagem antes da fala.”
Portanto, os materiais se convertem em
linguagem, e assim, é de vital importância que as
crianças tenham contato com diferentes materiais,
(pintura, desenho, dança, música, teatro,...) de diferentes
formas, cores, texturas, para que, através do
conhecimento que adquirem durante suas
experimentações, possam converter estes conhecimen-
tos em um linguajear para os bebês.
Como metodologia de pesquisa propus quatro
encontros com bebês entre 10 meses e 1 ano e 4 meses,
escolhi trabalhar com um grupo de 4 crianças, dois
meninos e duas meninas, mas devido a alguns
imprevistos tive que substituir uma das crianças que não
se mostrou disposta a participar e alternar outras devido
às faltas, para que o número de crianças não ficasse
muito reduzido, então no total seis crianças participaram
desta pesquisa.
Filmei as sessões com os bebês e fotografei
sempre que possível. As sessões foram realizadas em
um ambiente organizado para recebê-los, onde evitei que
estivessem mais crianças e outros materiais que
pudessem distraí-los.
31
4.1- Nosso primeiro encontro- inseguranças e curiosidades
Materiais: tinta caseira utilizando o grude de
farinha e corante comestível, um papelão grande,
diversos objetos (pincel, rolo, esponja, peneira,
madeira, palitos, tampas, rolha, tecido,
espumadeira).
Primeiramente estendi o papelão no saguão da
escola, tendo o cuidado de fixar as laterais do papelão,
ao chão, com fita durex, evitando que as crianças
viessem a tropeçar no papelão. Depois distribui os
materiais sobre o papelão, de forma que ficassem
espalhados alternadamente com os pingos de tinta
colorida. Procurei montar a sessão de forma que ficasse
colorida e atrativa aos olhos dos bebês. Quando o
material estava todo organizado, busquei os bebês e
coloquei-os próximos ao papelão.
32
Os quatro bebês ficaram sentados na lateral do papelão, observando o material com receio mas também com
curiosidade. Observavam o material que estava exposto, o espaço do saguão, suas professoras que estavam próximas e
novamente seus olhos recaiam sobre o colorido distribuido sobre o papelão.
A Manuela não sentiu-se à vontade para participar, ficou próxima aos colegas por algum tempo, engatinhou ao
lado do papelão, caminhou segurando-se à parede, até se interessou em mexer em uma tampinha, mas não demonstrou
interesse em interagir e explorar os materiais oferecidos. Depois alguns minutos, procurou pela segurança
do colo da sua professora e não se aproximou mais dos colegas que já estavam envolvidos em suas experimentações e
descobertas.
4.1.1- Iniciativa e coragem
O Bernardo, apesar de ser o mais novo da turma, foi o primeiro a caminhar sobre o papelão e relacionar-se com o
material. Conforme dava seus passos, ainda meio inseguros, pois estava caminhando a pouco tempo, seus pés
causavam marcas no papelão ao espalharem a tinta. Vendo o Bernardo em contato com o material a Julia também se
animou e foi engatinhando para cima do papelão.
O Bernardo logo interessou-se por um pincel grande e largo, observou-o com curiosidade, de acordo com Fochi
(2013, p. 98) “ a curiosidade é uma característica do ser humano pelo qual motivou e motiva os grandes feitos da
humanidade.”, virou-o de lado alterando sua posição várias vezes, segurou nas cerdas do pincel, alisou as cerdas do
pincel como se estivesse fazendo um carinho; encaixou o dedo no furo do cabo do pincel, retirou o dedo, encaixou-o
novamente; passou o pincel sobre o papelão, fazendo algumas marcas no momento em que as cerdas encostaram na
tinta, sempre concentrado na sua ação, os olhos observando e acompanhando os seus movimentos.
33
4.1.2- Manchando, marcando, borrando, pintando.
Após abandonar o pincel largo, o Bernardo
caminhou sobre o papelão observando-o, ao perceber
um outro pincel, segurou-o firmemente entre os dedos,
observou, movimentou-o para um lado e para outro, de
repente abaixou o pincel e começou a bater com ele
sobre o papelão. No momento em que acertou com o
pincel sobre um dos montes de tinta, espalhando-a
formando marcas no papelão, parou e observou o
colorido próximo aos seus pés, depois recomeçou a
bater com o pincel até o momento que diminuiu o ritmo
do movimento e começou a passar as cerdas do pincel
sobre o papelão, movimentando a tinta que até aquele
momento estava ali parada. Criou uma linda pintura, com
suas pinceladas suaves, um tanto quando
desencontradas mas carregadas de emoção.
Ainda com o pincel, foi extendendo a sua pintura,
utilizou o seu corpo como o suporte da pintura, passou o
pincel na bochecha, chupou as cerdas do pincel, passou
o pincel pela roupa, pelas pernas, sobre os pés, como
estava sentado virou o pé e pintou a sola do pé,
passando lentamente o pincel por toda extensão do seu
pé. De vez em quando, fazia uma pausa, para observar
como estava ficando, e depois voltava a pintar mais um
pouco.
Richter (2001, p. 55) escreve:
A viscosidade da tinta determina uma
resistência ao corpo impondo-lhe um modo
de lidar com a força do movimento gestual:
forte ou fraco, longo ou curto, amplo ou
contido. A pintura nasce do modo como
seguramos o pincel, pela maneira da mão
conduzir o movimento. Diálogo entre mão e
matéria, entre mão e cultura. Não raro a
mão nos surpreende, criando e resolvendo
problemas no ato dinâmico de confrontar a
matéria ao desejo de figurar.
O Bernardo em sua relação e envolvimento com o
pincel e com a tinta, mostrou diferentes intenções ao
realizar suas ações sobre o material, encontrando
possibilidades variadas de movimentar o pincel. Realizou
diferentes movimentos gestuais, com diferentes
intensidades e pressões, percebeu que sua mão expan-
diu o movimento da sua pintura, chamando todo o seu
34
corpo a participar da mesma e servir de suporte para
esta pintura. Acredito, que sua mão, deva tê-lo
surpreendido ao dialogar com o material, com a tinta,
pois conduziu a viscosidade da tinta por várias partes do
seu corpo, oportunizando diferentes experiências e
sensações, dialogando com seu corpo inteiro.
Depois de um tempo levantou chorando, olhou em
volta, voltando a atenção novamente para o chão, onde
percebeu uma espumadeira, abaixou-se e segurou a
espumadeira, seus olhos brilhavam e parou de chorar,
virou o objeto, lambeu, girou, alisou, bateu no chão, sua
expressão estava interrogativa, como se perguntasse o
que é isso? para que serve?
Em seguida voltou a bater, percebeu o som, bateu
novamente no chão, levou a espumadeira a boca
lambendo e mordendo-a, soltou-a, voltou a pegar o
objeto começando a movimentá-lo para o chão, testou
várias intensidades de pressões ao bater com a
espumadeira no chão, iniciando levemente e
aumentando o ritmo e intensidade, parando e reiniciando
o processo, até haver esgotado o seu interesse, ao que
levantou e foi procurar sua professora abandonando os
materiais. O pesquisador Fochi (2013, p. 142) em sua
dissertação, utiliza as palavras de Mayer e Musatti (2002)
para tratar desta repetição de movimentos, de ações:
bebês e crianças pequenas procedem em
suas explorações, consolidando suas
descobertas passo a passo, por exemplo,
pela repetição até mesmo das atividades
mais simples, e apresentando mais ou
menos sistematicamente elemenos novos
para substituir ou acrescentálos a
elementos já compreendidos (p.198).
Portanto, é possível afirmar que os bebês e as
crianças pequenas, atraves da repetição de ações, nas
quais aos poucos vão acrescentando novos elementos,
seja objetos ou tipos de ações, consolidam suas
descobertas, atuam sobre os materiais fazendo
modificações, investigando-os.
Já a Julia, se envolveu principalmente no processo
de engatinhar sobre o papelão causando marcas sobre o
mesmo. Marcas dos joelhos e das mãos que deslizavam
pelo chão, quando percebeu que ao passar com as mãos
sobre os montes de tinta, elas se espalham, gerando
formas novas, colorindo o que estava embaixo,
35
começou a bater e passar os dedos sobre todos os
montes de tinta que encontava a sua frente, observando
concentrada as diferentes cores que ali estavam, sentia a
tinta em contato com a mão, apertando e abrindo-a,
formando muitas manchas, borrões e cores novas. Com
a expressão de satisfação, demonstrava ter percebido
que suas ações e movimentos, que causavam toda
aquela dança de cores e formas que apareciam sobre o
papelão, criadores daquela linda pintura.
Ao abordar a questão da cor e da mancha, Richter
(2001, p. 49) nos diz:
Ante a mancha de cor, a criança reage de modo distinto do desenhar. A cor toca o ser dinânico das coisas, revelando-o como eterna fluidez e mudança, um enigma sensorial quase mágico, onde nada é fixo no constante movimento do corpo e das cores, estímulo e provocação de gestos no espaço, figurando o imaginário, participando da construção do pensamento e do comportamento.
Desta forma, cabe registrar nesta análise que o
processo de espalhar a tinta demonstra a
intencionalidade da Júlia em marcar a superfície do
papelão, oportunizando-lhe a percepção de que suas
ações geram uma reação, neste caso, as marcas sobre o
papelão. Onde, lhe é possível, expressar-se através
desta experiência, convertendo esta experimentação
com os materiais em linguagem, já que, utilizando as
tintas, as manchas e misturas de cores, o sensorial, o
movimento do corpo, consegue comunicar o seu
processo de raciocínio sobre a sua elaboração e
hipóteses e as conclusões que chega durante este
processo de aprendizagem.
O Gustavo, apesar de ser muito dinâmico e ativo,
demonstrou estranhamento com a proposta. Ficou por
longo tempo sentado no mesmo lugar, apenas
observando o que acontecia com os colegas e os
materiais, por diversas vezes procurava suas professoras
com os olhos. No entanto, não se afastou do material
oferecido. Depois de vários minutos, aproximei-me dele e
chamei-o para sentar mais próximo ao material, mas sem
forçá-lo a relacionar-se com o mesmo.
Neste momento ele sacudiu a mão e acabou
encostando em um monte de tinta com os dedos,
surpreso movimentou os dedos observando o colorido
que os havia manchado, e a partir deste momento
36
sentiu-se a vontade para experimentar, mas ainda
demonstrava estar inseguro e desconfiado.
Limitou-se a explorar o que estava ao alcançe de
suas mãos, ficando o tempo todo praticamente no
mesmo lugar, mas realizou muitas ações neste pequeno
espaço físico. Escolheu ficar acocado enquanto
relacionava-se com o material. O primeiro objeto que
segurou foi uma peneira pequena, passou a peneira
sobre um monte de tinta espalhando-a levemente, bateu
com a peneira sobre o papelão. Ao perceber que o
papelão ficou manchado, onde havia batido com a
peneira, repetiu este mesmo movimento, por diversas
vezes, sempre observando as novas marcas que
apareciam sob seu olhar. Este olhar era um olhar que
demonstrava curiosidade, satisfação e interesse, mas
ainda com uma ponta de receio.
Levantou-se segurando a peneira, olhou em volta,
observou as manchas que realizou e decidiu abaixar-se
novamente. Timidamente pasou seus dedos sobre os
montes de tinta próximos a ele, misturou as cores
espalhando-as com as mãos, passou a mão fazendo
uma pressão mais intensa nas pontas dos dedos o que
ocasionou em uma marca longa de quatro tiras paralelas
que ele observou intrigado. Com a peneira em mãos
novamente começou a bater sobre esta marca e
percebeu que a marca ia sumindo, restando apenas
manchas coloridas.
Na perspectiva de Richter (2001, p. 40):
Na Linguagem plástica não existem
restrições: importa é tornar visível o vivido!
É educar o olho e a mão para estarem
alertas e curiosos para recolherem
fragmentos e dispô-los em outros olhares
que, a partir do observado, construam
outras hipóteses.
Pensando no desenvolvimento da ação do
Gustavo, em contato investigativo com os materiais,
levando em consideração a perspectiva de pintura
apresentada por Richter (2001), e o fato da linguagem
plástica não impor restrições, nem o certo ou errado,
devo reconhecer que o Gustavo tornou visível o vivido.
Ele olhou de diversas formas os materiais, impregnou
suas experimentações com os conhecimentos que já
possuia sobre os materias e elaborou e testou novas
hipóteses, construindo novos conceitos através da
transformação do material pelo gesto do corpo, da mente
37
e da mão.
Em seguida, o Gustavo, segura um pouco de tinta
entre os dedos, espreme a tinta, sentido-a entre seus
dedos, observa sua mão, levanta o corpo, abaixa
novamente, observa sua mão com atenção, sua
expressão estava muito concentrada, de repente passa a
mão sobre seu pé e analisa as marcas que surgem neste
movimento. Satisfeito, realiza o mesmo movimento por
mais algumas vezes, deixando seus pés coloridos de
tinta.
Ao olhar para o papelão novamente, percebe um
palito de picolé e um prendedor de roupa, esticou suas
mãos para segurá-los e começou a passá-los sobre o
papel. A cada movimento que fazia realizava marcas
sobre a tinta que estava no papelão, marcas mais
intensas ou mais suaves, dependendo da pressão que
fazia sobre o objeto, observava as marcas com interesse,
de cabeça baixa, olhos focados no seus traços que
deslizavam em várias direções.
Em determinado momento, resolveu encerrar o
seu desenho e pareceu ter novas ideias, continuava com
os dois objetos em mãos, mas observava-os com outra
expressão. Então começou a tentar encaixar o palito no
prendedor, tentou de um lado, depois virou e tentou do
outro lado, soltou-os para em seguida pegá-los de novo,
bateu com o palito no prendedor, depois de alguns
momentos voltou a desenhar com o palito e o prendedor,
pareceu ter chegado a conclusão de que esta era a
utilidade destes materiais.
A seguinte frase de Gandini (2012, p. 192) “com
“criatividade”, queremos dizer a capacidade de construir
novas conexões entre pensamentos e objetos que
promovem inovação e mudanças, pegando objetos
conhecidos e criando novas conexões.”, me fez perceber
que a ação desenvolvida pelo Gustavo tem tudo a ver
com o seu significado, pois o Gustavo explorando o
prendedor e o palito, se apropriou dos mesmos , mas os
utilizou a sua maneira, dando-lhes o seu significado e
função, sem se limitar a função já estipulada para o
objeto. Permitiu-se estabelecer suas próprias conexões e
relações.
38
4.2- Nosso segundo encontro – muitas experimentações
Materiais: farinha (consistência pura, molenga, massinha
de modelar e grudenta), lona, bacias para as farinhas,
objetos (esponja, pincel, rolinho de pintura, palitos,
tampas, espumadeira, tecido, peneira).
Neste dia, organizei a sessão com os bebês,
dentro da sala deles. Estendi uma lona grande no chão,
colando algumas pontas para haver menos risco das
crianças tropeçarem na lona. Distribui três bacias sobre a
lona, em cada bacia coloquei a farinha em um estado de
consistência diferente, deixando a que parecia massa de
modelar diretamente sobre a lona. Distribui
aleatoriamente os objetos sobre a lona, intercalando-os,
de forma que ficasse um visual harmônico e interessante
aos olhos.
Em um primeiro momento, as crianças, se
aproximaram da lona, mas não ultrapassaram este limite
demarcado no chão. Ficaram paradas olhando ao redor,
observando o que havia sobre aquele espaço que estava
diferente, então começaram a olhar para as professoras
como a pedir licença para relacionar-se com o material
que estava sendo oferecido, mas somente pisaram na
lona, quando os incentivei verbalmente e gestualmente,
no momento em que avisei que poderiam mexer e
realizei um gesto com a mão, de que aquilo tudo era para
eles. Enquanto os colegas aproximavam-se lentamente
39
das bacias e dos objetos, o Gustavo caminhava e depois
corria ao redor da lona, procurando não pisar na mesma.
Depois de umas três voltas, parou e rendeu-se a
curiosidade de também participar da experimentação que
os colegas já estavam fazendo.
40
4.2.1- Quantos objetos – o que fazer com eles?
A Júlia aproximou-se da bacia com farinha pura e recolheu um punhado
com a mão, ergueu-a entre os dedos apertando-a, e então, abriu a mão,
observando a farinha escorregar entre os dedos, percebendo que uma parte
caia dentro da bacia e a outra parte na lona. Concentrada, pegou outro
punhado de farinha que rapidamente largou sobre a lona, observando as
marcas deixadas na mesma, o contraste era vibrante.
Entusiasmada, passou a mão sobre a lona, espalhando-a, levantando
um pouco daquela “poeira” branca. Neste momento inicia o processo de testar
vários objetos e seus sentidos. Segurou a peneira entre os dedos, passando-a
pela bandeja de farinha, espalhando a farinha, algumas vezes parecia estar
querendo erguer a farinha com a peneira, mas o gesto não se completava,
olhava para a peneira e voltava a empurrá-la pelo fundo da bacia, deixando
novos traços e movimentos estampados na farinha.
Também encontrou uma colher, que observou atentamente ao passá-la
pela bandeja de farinha. Trocou de objeto, pegou um rolinho de pintura que
ficou girando a espuma com os dedos, para em seguida passar o rolo pela
farinha pura, largou o rolo para se interessar por palitos. Procurou empurrar a
farinha com o palito, realizando um movimento repetitivo, também realizou
movimentos circulares com os palitos, ocasionando traçados muito bonitos
dentro da bacia.
41
Para Richter (2001, p. 56):
É quando age, mexe e remexe nas coisas, experimenta e modifica-as que conhece melhor. Entendo
experimentação, não como simples manipulação de materiais, mas antes de tudo como um desafio provocado
pela própria simbolização. Experiência supõe um processo de interpretação, de autoria.
Pensando neste trecho do texto de Richter (2001), posso afirmar que a Júlia efetivamente
experimentou, teve uma experiência investigativa sobre os materiais, sentiu-se provocada a interpretar,
analisar, avaliar as possibilidades que os materiais ofereciam; suas características físicas e sensoriais.
Procurou conhecer o material que tocava, agindo sobre o mesmo de diversas formas, inclusive modificando-o.
42
4.2.2- Que meleca, isso gruda!!
Aproximando-se da bacia, com a farinha em estado
molengo, a Júlia passou uma mão pela farinha, movimentando os
dedos e sentindo a sensação do gelado e da meleca, passando
entre seus dedos. Entusiasmada passou as duas mãos dentro da
bacia, movimentando a meleca que estava lá dentro, empurrando-
a de um lado para o outro, deixando aparecer a cor da bacia ao
fundo. Retirou as mãos da bacia e passou-as sobre a lona,
parecendo querer limpar as mãos com este movimento.
Mas, inesperadamente, ela não consegue. No entanto,
nota que aparecem muitas manchas deixadas pela farinha, com
este movimento, sobre as marcas já realizadas por outros, e ela,
Júlia, transforma estas manchas em outras formas, ao
movimentar as mãos sobre a farinha, criando novas manchas, as
suas manchas.
43
Segundo o italiano Francisco Tonucci (2008, p. 11) “[...] e, portanto, também as roupas, brinquedos,
livros... Como isso pode ser material para construir, nas mãos de uma criança que vive em um ambiente onde
inventar é lícito e desejável.” Refletindo sobre a profundidade desta frase, acredito que os bebês necessitam de
um ambiente e de profissionais que permitam variadas possibilidades de relação, transformação e
experimentação, assim sendo os materiais ganham um valor muito grande nas pequenas mãos dos bebês,
tornam-se potentes nas mãos que são capazes de transformá-los e ressignificá-los.
44
Após passar por todos os tipos de consistência de farinha, e
manipular cada uma delas, começou a mostrar-se inquieta com a
quantidade de farinha que estava grudada em sua mão, a sensação
estava incomodando e trazendo-lhe um certo desconforto. Chamava
“mãe, mãe” mostrando as mãos sujas, continuou fazendo mais alguns
sons, que apesar de serem incompreensíveis já demonstravam o seu
incomodo, cada vez chegando mais próxima a mim, neste momento o
seu foco de interesse mudou, esqueceu-se da farinha que estava
grudada entre seus dedos, e sentando no meu colo, apontou para a
máquina, observando a imagem que aparecia no visor enquanto eu
batia algumas fotografias.
Em seguida, a Júlia desce do colo e aproxima-se da bacia com o
grude, onde a consistência é “puxenta”, coloca uma mão dentro da
bacia, movimenta-a para em seguida levantá-la da bacia. Durante o
movimento de erguer a mão percebeu os fios de massa que ficaram
presos em suas mãos, observou-as, movimentou-as, realizou
novamente a ação de molhar a mão no grude e puxar, sentindo
novamente a resistência da massa, os respingos que saltaram e os
pedaços de farinha pendurados em suas mãos, lembrando finas
minhocas. Dedicou-se por vários minutos a puxar estas minhoquinhas
tentando libertar sua mão da sensação pegajosa.
45
Ao observar a ação da Júlia em interação com a farinha muito pegajosa, lembrei-me da frase de Jonh Dewey
(2010, p. 130) “ao manipularmos, tocamos e sentimos; ao olharmos, vemos; ao escutarmos, ouvimos. A mão se
move com a agulha usada para gravar ou com o pincel. O olho acompanha e relata a consequência daquilo que é
feito”. Pois, em sua concentração e interesse, seus olhos, acompanhavam todos os movimentos que seus braços e
mãos faziam, percebiam as consequências que surgiam perante os seus atos/ações/gestos, sua mente assimilando
todas as suas sensações e percepções decorrentes da experiência investigativa sobre o material.
46
4.2.3- Meu corpo inteiro na ação
No momento em que o Gustavo iniciou sua exploração, ele jogou-se de corpo – alma e coração. Ele começou sua
exploração interagindo com as farinhas em diferentes estados de consistência, sentindo o toque, a sensação que
causava, se grudava ou não na mão, se saia da mão ao sacudi-la, buscando descobrir em quais objetos e materiais ele
conseguiria deixar marca, e como ficariam estas marcas.
O Gustavo pegou um punhado de farinha pura e seca e jogou sobre a lona preta, em seguida pegou mais um
pouco de farinha e jogou no chão, abaixou-se e começou a espalhar esta farinha com as mãos, depois com os pés.
Enquanto realizava movimentos de empurrar a farinha de um lado para o outro ou passava os dedos, deixando marcas
longas e finas, que nos remetem a linhas, observava atentamente o movimento que realizava e o que acontecia ao
realizar este movimento.
47
Encontrou um rolo de pintura, aproximou-se da bacia com a farinha
em estado molengo e enfiou o rolo nesta meleca. Ao erguê-lo percebeu
que gotejava, a meleca escorria, respingando por suas pernas e pela
lona, logo após passou o rolo pela meleca e em seguida na farinha
pura, entreteu-se empurrando este rolo pelo chão, deixando suas
marcas pelo espaço da sala. Testou várias possibilidades de manchar
com o rolo, experimentou passa-lo em todas as farinhas para em
seguida deslizar o rolo pela lona, pelo chão, pela parede, pela caixa de
brinquedo, nas bandejas de farinha, no espelho onde se observou por
entre as marcas que deixou, logo voltou à lona, molhou o rolo e depois
continuou pintando/marcando.
48
Segundo Cunha (2001, p. 17):
[...] quanto mais uma criança pinta e
interage com diferentes tintas e
instrumentos (buchas, pincéis, esponjas,
rolhas, etc.) que marcam um suporte
(papel, madeira, pedra, tecido, argila, etc.)
mais possibilidades esta criança terá de
elaborar seu vocabulário pictórico. É neste
fazer, e no pensar sobre este fazer pintura
que a criança constituirá sua linguagem na
modalidade da pintura, assim como em
qualquer outra modalidade visual.
O Gustavo ao relacionar-se com diferentes
suportes (lona, espelho, chão, parede, bandejas) e com
as diferentes consistências de farinha desenvolveu a sua
noção de pintura, pois a aquisição da linguagem gráfico-
plástica acontece gradativamente, quanto mais
possibilidades de relacionar-se com este tipo de
materiais, mais facilidade ele terá de elaborar o seu
repertório pictórico. Quanto mais experiências a criança
tiver com pinturas e seus respectivos materiais, mais ela
irá conhecer o material, podendo utilizá-lo de uma forma
mais confiante e cheia de propriedade.
Deixando o rolo um pouco de lado, continuou o
processo de deixar marcas, só que agora utilizava as
próprias mãos, passou as mãos pelos braços, pernas,
pés, bochecha, na roupa. Algumas vezes dava batidas
com as mãos pelo corpo provocando sons.
Novamente com o rolo em mãos, o Gustavo
molhou o rolo na farinha molenga e deitou-se no piso,
observando suas mãos e o rolo, logo passou o rolo pela
mão, por cima e por baixo. A sensação parece ter sido
boa, pois sorriu enquanto o rolo passeava por sua mão.
Rapidamente virou o corpo e levantou-se para enfiar o
rolo na meleca novamente e continuou pintando o chão;
em posição meio sentada, meio ajoelhada. De forma que
deslizava o corpo pelo chão, deixando novas marcas,
pois seu corpo limpava a farinha do chão deixando um
rastro mais limpo e de outra cor.
Passou o rolo e as mãos, por tantas vezes no
chão, que criou uma pintura única, somente sua; coberta
de energia, curiosidade, ação sobre, fora as marcas de
dedos, mãos, pés, e punhados de farinha que foram
sendo sobrepostos, possibilitando que a pintura/desenho
aparecesse naquele momento.
49
Cunha (2001, p. 31) afirma “[...] o importante é termos
disponibilidade para explorar o inusitado junto com as
crianças, propondo usos para diferenciados objetos
comuns do cotidiano”. Concordo com a autora sobre a
importância de explorar objetos comuns de uma maneira
inusitada, pois desta forma as crianças podem descobrir
novas maneiras de usar e interagir com os objetos,
transformando-os inclusive em novos objetos, com
finalidades totalmente diferentes das que nós adultos
lhes damos.
Imagine quanto foi prazeroso estar presente em todas
as relações das crianças com os materiais, em cada
investigação que fizeram; a cada nova possibilidade que
descobriram ou a cada sensação e emoção que
demonstraram. Se estas propostas de exploração de
materiais inusitados não houvessem ocorrido, quantas
experiências não teriam acontecido, quantas
descobertas continuariam esperando por um momento
para poderem acontecer. Neste momento percebo que
começam a surgir respostas para minhas indagações
iniciais.
50
4.3- Nosso terceiro momento de explorações
Coloquei um grande tecido de cor clara no
chão, distribui os materiais os quais seriam
oferecidos sobre o tecido. Nesta sessão utilizei
alimentos cozidos (massa de três tipos diferentes),
cenoura, beterraba e espinafre e completei dispondo
alguns objetos que acreditei serem possíveis de
promover relações.
Quando o espaço e os materiais estavam
organizados, faltava o essencial, os bebês, e assim fui
buscá-los, com uma certa curiosidade para ver o que
demonstrariam ao serem colocados diante destes
diferentes materiais.
Nos primeiros minutos, os quatro bebês ficaram
sentados esperando por algum sinal de que poderiam
agir, suas expressões variavam da curiosidade ao receio
pelo novo, vagarosamente foram se aproximando dos
materiais e começaram a tocar e relacionar-se com o que
estava exposto. Cada criança se aproximou do que mais
chamava sua atenção, ou seu tempo, sem interferência
de quem estava observando. Segundo Ana Angélica
Albano (2007, p. 8):
Para ela [a criança] tudo vai depender da
disponibilidade do adulto de ouvir e
acompanhar as narrativas criadas durante
as brincadeiras, e também, de sua
capacidade de propor desafios e aceitar
que as crianças transgridam as propostas
apresentadas criando outras.
51
A criança necessita que os adultos tornem-se
presentes, que acompanhem seus gestos e ações, que
lhes transmitam segurança e incentivo com uma palavra,
um carinho ou simplesmente um olhar, para que se sinta
segura em continuar explorando os objetos e materiais
que são oferecidos, que se sinta incentivada a ir além da
proposta inicial do professor, onde ela possa criar e
recriar suas próprias propostas, seus próprios desafios.
Holm (2007, p. 12) também acredita na importância do
adulto participar e estar presente, confortando e
apoiando a criança “o importante é ter um adulto por
perto, co-participando e não controlando.”
A Vitória logo se interessou pelos pedaços de
cenoura, ficou envolvida tentando segurá-los, mas os
pedaços de cenoura teimavam em escorregar de suas
mãos. Persistente, ela continuou insistindo, até que
conseguiu ficar com todos os pedaços nas mãos, deu
gritos de felicidade pela conquista e se levantou,
caminhando com os pedaços nas mãos, mostrando-os
para os que estavam próximos.
Depois, encontrou uma forma com várias
cavidades e ficou observando-a intensamente, como a
analisar as possibilidades do material, até que começou
a encaixar os pedaços de cenoura nestas cavidades.
Caminhou com a forma, circulando todo o painel,
tentando equilibrar os pedaços de cenoura. Claro que por
diversas vezes eles caíram, mas ela resgatou-os e
colocou-os novamente na forma.
Após, vários minutos nesta exploração, resolveu
aproximar-se de sua professora, que estava sentada
próxima, e colocou os pedaços de cenoura sobre as
pernas dela, a professora fez um gesto de que estava
tudo bem e se dispôs a aceitar os pedaços de cenoura,
fazendo um carinho na cabeça da Vitória. Demonstrando
com este gesto simples que a Vitória podia compartilhar
suas descobertas e que podia contar com o seu apoio.
52
Em seguida a Vitória se afastou e logo o Bernardo
foi até lá pegou um dos pedaços de cenoura, segurou
levando-o a boca e dando uma mordida nele, mastigou
com satisfação e ficou por alguns minutos nas pernas da
professora, olhando-a em seus olhos, depois que
recebeu um sorriso dela e alguns carinhos voltou a
brincar no grande painel.
Ao analisar esta interação com o adulto me
recordei sobre o que é estar presente na visão de Holm
(2007, p. 71) “o que é “estar presente”? Tem a ver com
não exigir um resultado específico, mas um contato de
igual para igual.”. São destas ações e intervenções que
as crianças necessitam para sentirem-se seguras e
incentivadas a realizar suas próprias pesquisas com e
sobre os materiais.
A Rhayane e a Pietra ficaram próximas das
massas, estavam mais tímidas e foram se aproximando
com mais cautela, aos poucos colocaram as mãos dentro
das bacias e pegaram pedaços de massas.
A Pietra apertou com os dedos suavemente o
pedaço de massa sentindo o que acontecia, já a
Rhayane encostava na massa, mas demonstrando
receio, a empurrava no chão, até a Pietra lhe entregar
uma massa na mão, que ela pegou com as pontinhas
dos dedos e colocou-a no chão. Ao querer engatinhar
para sair dali, esmagou com a mão uma massa, e esta
ficou grudada em sua mão, sua expressão foi de quem
estava achando muito nojento e pegajoso, após algumas
tentativas sacudindo as mãos, conseguiu se livrar da
massa e prosseguiu engatinhando.
53
A Pietra se interessou pelo rolo, resgatou-o de dentro da bacia da
beterraba erguendo-o. Enquanto olhava para o rolo e sentia maciez
da espuma dele, gotas caíram sobre seus pés, ela sentiu os
respingos e ficou o observando curiosa, até que sentiu mais gotas e
decidiu abaixar o rolo, observando os respingos coloridos em seu pé
e no tecido. Depois as gotas pararam de cair e ela ficou olhando
muito concentrada para o rolo, até que uma nova gota caiu e ela
repetiu o processo de ficar observando o rolo, só que desta vez ela
virava o rolo no ar, abaixou-o novamente e mergulhou-o na bacia, de
forma que ao erguê-lo novas gotas respingaram, ficou observando-
as caindo e as manchas que ocasionavam, até que perdeu o
interesse e depositou-o sobre o chão.
Conforme Rangel (2001, p. 19):
Nos berçários, é onde surgem os primeiros
registros, que são as marcas realizadas pelos bebês
com as mãos impregnadas de sopas, papas e
sucos. De certa maneira, as mãos precedem os
instrumentos (buchas e pincéis) e os alimentos às
tintas. Por isso é interessante permitir que aconteça
em alguns momentos esta lambança alimentícia
primitiva da inscrição e da mancha.
54
Enquanto a Pietra experimentava o objeto, percebeu que ao colocá-lo na bacia e erguê-lo, o mesmo liberava um
líquido que escorria, respingava, molhava e também manchava. Nesta faixa etária, os bebês, se utilizam de seus sentidos
para conhecer e reconhecer objetos e materiais; desta forma apreciam tocar nos alimentos e assim iniciam seus
primeiros registros gráficos, as marcas das mãos lambuzadas sobre a mesa, nas próprias mãos, nos braços e na roupa.
Na linguagem artística as mãos seriam o seu primeiro instrumento de ação e os alimentos seriam suas primeiras tintas,
aquelas que possibilitam tingir/marcar/imprimir algo sobre alguma superfície. As primeiras manchas surgem desta
necessidade e interesse das crianças. A Pietra surpreendeu-se com as manchas provocadas pela água do cozimento da
beterraba.
4.3.1- Uma lata- motivo de risadas, descobertas e muitos puxões
Em determinado momento os bebês começaram a perceber a lata, que estava posicionada entre as bacias de
alimentos, com pedaços de cenoura e a água de seu cozimento dentro dela. Primeiramente foi o Bernardo que se
aproximou, ficou observando atentamente, chegou mais perto e se abaixou segurando a lata. Em seguida começou a
pegar os objetos que estavam próximos e colocava-os dentro da lata, depois vagarosamente puxava-os para fora, para
logo largá-los dentro da lata novamente.
Ao querer retirar o rolo de pintura de dentro da lata teve dificuldade, puxava e o rolo não soltava, ele olhou ao
redor, como a procurar por auxílio, parecia estar chamando os colegas ou os adultos a lhe prestarem ajuda, levantou e
voltou a tentar soltar o rolo, sacudiu a lata até conseguir o feito. Um pouco depois a Vitória também resolveu se
aproximar, chegou sorridente e interessada, trouxe um pincel e colocou na lata. E os dois ficaram próximos à lata
mexendo no líquido que havia dentro com um pincel, de vez em quando faziam sons com a boca, conversando.
55
Jonh Dewey (2012, p. 149) “a transformação de sons, balbucios, lalações etc. em linguagem é uma ilustração
perfeita do modo como os atos expressivos passam a existir e também da diferença entre eles e os meros atos de
descarga”, desta forma, conforme os bebês amadurecem percebem que determinadas ações geram consequências
diferentes, principalmente em relação às pessoas a sua volta. Assim, começam a se dar conta do sentido das suas
ações e tornam-se capaz de expressar suas vontades, ideias, desejos. A Vitória e o Bernardo ao relacionarem-se
com a lata e produzirem sons com as bocas, estavam estabelecendo sua forma de comunicação, trocando ideias a
sua maneira.
56
Assim começou o rodizio dos bebês em volta da lata, aos
poucos todos interagiram com este objeto, experimentaram colocar
diversos objetos dentro e depois retirá-los. Conforme sacudiam a lata
ou retiravam os objetos caiam gotas de água ou respingos nos bebês e
no painel.
Enquanto os bebês estavam neste processo de integração, onde
todos foram se aproximando e começaram a relacionarem-se com a
lata, pude perceber que os bebês demonstravam satisfação em
estarem juntos em um projeto, de acordo com Renée Maisonnet e Mira
Stambak (2011, p. 28) “as sequências organizam-se a partir da ação de
uma das crianças do grupo, que atrai a atenção de um ou de vários
outros, que então reproduzem essa atividade durante um tempo mais
ou menos longo”.
O Bernardo foi o desencadeador desta ação , a qual foi imitada
pelos colegas, que se apropriaram desta ação para estabelecer o início
da sua atividade, que foi sendo transformada conforme eles realizavam
novas ações, leventando novas possibilidades e faziam novas
descobertas. Demonstraram, através desta ação, que ao observarem
os colegas, imitam-os, mas ao mesmo tempo tornam-se propulsores de
novas ideias, que também aprendem através da imitação. Uma criança
propõe a ação e a outra continua, mas de forma a transformá-la em
algo novo e inovador.
57
4.3.2- Pincéis e uma lata com água - quantas
possibilidades e diálogos
O Gustavo chegou à lata com um pincel, colocou-
o dentro da lata e em seguida retirou-o de lá, passando-
o no chão, neste momento deu um sorriso e voltou a
molhar o pincel dentro da lata e novamente passou-o no
chão, percebeu que fazia marcas no piso com o pincel
molhado e repetiu este processo por mais vezes,
inclusive se afastava da lata passando o pincel pelo
chão em volta do painel de tecido, ia e voltava várias
vezes, sempre observando concentrado as marcas que
apareciam.
Segundo Holm (2007, p. 73) “os primeiros traços
são à base da linguagem através da pintura.” Assim
sendo, neste momento de encantamento o Gustavo
estava exercitando sua linguagem através da
pintura/desenho, com traços enérgicos, curtos e rápidos,
concentrado neste seu processo mas em certos
momentos observando e buscando perceber se os
adultos a sua volta estavam acompanhando o seu
processo.
58
Neste momento a lata se transformou no centro
das atenções e os outros foram se aproximando também,
assim começaram a puxar a lata, todos queriam segurá-
la, em alguns momentos a Pietra chegou a tentar morder
os colegas para que eles se afastassem. Faziam muitos
sons com a boca, trocavam olhares, estavam em
comunicação, todos se olhavam e faziam sons, pareciam
estar discutindo quem iria brincar com a lata.
Envolvidos neste processo, colocaram um pincel
dentro da lata e o Gustavo tentou puxá-lo, mas não
conseguiu, depois a Pietra e a Rhayane também
tentaram e nada, novamente o Gustavo tentou puxá-lo,
porém o pincel não saia, então o Gustavo se levantou e
acabou puxando o pincel e erguendo a lata do chão,
sacudindo-a, no entanto o pincel continuava preso dentro
da lata, até que ele, colocou a lata com força no chão e o
pincel se movimentou, de forma que ele conseguiu tirá-lo
de lá. Gandini (2012, p. 24) escreve:
Temos que nos convencer de que a
expressividade é uma arte, uma
construção combinada (não imediata, não
espontânea, não isolada, não secundária);
que a expressividade tem motivações,
formas e procedimentos; conteúdos
(formais e informais); e a capacidade de
comunicar o previsível e o imprevisível.
Portanto, podemos entender que a expressividade
é um processo, no qual podemos estar expressando
fatos, desejos, ideias previsíveis ou totalmente
inesperadas e imprevisíveis para quem esta observando
este momento de expressão, pois a expressividade
precisa de veículos que a convertam efetivamente em
expressão. Durante a experimentação do Gustavo, da
Pietra e da Rhayane com a lata e o pincel pude perceber
que estavam expressando a compreensão de que se
havia uma forma de colocar o pincel dentro da lata,
deveria haver também uma forma de retirá-lo de lá.
59
4.3.3- Incontáveis percepções e descobertas
Aproveitando que ninguém estava segurando a
lata a Rhayane olhou para os colegas e puxou-a para o
lado, com este movimento acabou por virar boa parte da
água que ali estava, quando os bebês perceberam a
água sorriram e fizeram novos sons, o Gustavo “aguui,
aguui” entusiasmado, em seguida ele pegou a lata e
tratou de virar o resto de água que ainda estava ali
dentro, observaram a água cair e sentiram os respingos
soltando gritinhos, passaram a mão na água que estava
no chão molhando os dedos e mãozinhas. O Gustavo
dava pulos de alegria.
Cathy Topal (2012, p. 141) nos provoca a pensar
sobre a situação referida quando diz “trazer um material
incomum para a sala de aula é uma maneira intrigante
de fazer perguntas sobre sua origem, características,
qualidades e usos possíveis [...]”. Através deste tipo de
experiências, com materiais diversificados e inusitados
no cotidiano da escola, os bebês se apropriam do
contato com o material, conhecendo e reconhecendo
suas características e vão estabelecendo possibilidades
de utilizar este material, incentivando o processo
investigativo. Analisando a experimentação dos bebês
com a lata e os objetos, percebi que nesta relação
apropriaram-se do formato da lata, do seu material, do
fato de ser possível colocar coisas dentro dela, de poder
retirar coisas, de poder erguer, girar, movimentar, como
também de sentir os respingos e a temperatura da água.
Com a lata vazia, o Gustavo levantou-a acima da
cabeça, olhando para dentro e sacudindo-a, como se
assim pudesse sair mais água de lá, quando percebeu
que não havia mais nada a largou no chão, virando-a
várias vezes entre seus dedos, logo começou a bater as
mãos sobre ela, percebendo o som que fazia. A Pietra
notou o som e também se aproximou, tentando pegar a
lata, mas quando ela encostava os dedos a lata
escorregava e desta forma a mesma acabou rolando no
chão e fazendo barulho, os dois se olharam sorriram e
novamente tentaram pegar a lata, até que o Gustavo
empurrou a lata para a colega e assim ela conseguiu
segurá-la.
60
De acordo com Giovanni Piazza (2012, p. 156) “vemos a criança como uma rica portadora de experiências –
experiências não apenas de construir mas também de elaborar significados em suas relações com os materiais, [...]”.
Assim sendo, na visão de Giovanni, com a qual eu concordo e acredito ser de extrema importância, as crianças
constroem significados a respeito dos materiais com os quais se relacionam, estabelecendo relações no momento da
experimentação, que podem vir à tona em outros momentos, em novas investigações, que completem esta experiência
anterior, pois as crianças vão se apropriando dos materiais, de suas relações, suas possibilidades de interação, do seu
toque, textura, formato, temperatura, sonoridade.
A lata ainda foi fonte de exploração e descobertas, passeou um pouco nos braços das crianças, mas em seguida
completou seu ciclo de interesse para os bebês. Esta lata foi à sensação do momento e acabou roubando a cena durante
esta sessão
.
Para Gandini (2012, p. 24):
A expressividade encontra suas fontes no lúdico, assim como na prática, no estudo e na aprendizagem visual, assim
como em interpretações subjetivas que vêm com as emoções, com a intuição, com o acaso, e com a imaginação
racional e as transgressões.
61
Através das brincadeiras, dos momentos lúdicos, dos momentos de experimentação e exploração, conseguimos
observar que a expressividade da criança aparece, onde ela se mostra em sua forma mais pura e completa. Nestes
momentos as crianças sentem-se livres para estabelecer suas próprias relações e diálogos, e através destes, expressa
suas emoções, anseios, desafios, conquistas, e por diversas vezes nos surpreendem, realizam ações e transformações
que não estávamos preparados e organizados para presenciar naquele momento. As crianças são fontes inesgotáveis do
imprevisível. Portanto, a investigação sobre materiais se torna importante para os bebês, pois através delas, conforme se
apropriam e tomam conhecimentos sobre os materiais, conseguem utilizá-los como veículos para sua expressividade.
Esta relação entre, bebê, matéria e material, possibilita que a expressão apareça e que os bebês transmitam suas ideias
aos outros, seja aos outros bebês ou aos adultos que os rodeiam.
Em diversos momentos diferentes, as crianças levantaram e movimentaram-se pelo espaço, indo e vindo conforme
a sua vontade, corriam em volta do painel, foram até a porta que dava para o pátio espiar pela fresta que havia ficado
aberta, se aproximavam das professoras que estavam próximas, ou apenas corriam de um lado para o outro, mas
quando sentiam vontade voltavam a se aproximar dos materiais e a explorá-los até sentirem novamente a necessidade
de se movimentarem.
Analisando o comportamento dos bebês, concordo com Holm (2007, p. 35) quando ela afirma que “nosso corpo se
movimenta quando tem necessidade, sem que isso prejudique a concentração.”, pelo contrário, a movimentação ajuda
que as crianças tenham experiências mais ricas e completas, onde conseguem utilizar todo o seu corpo na
experimentação, tornando sua ação mais autêntica e dinâmica. Podemos perceber a veracidade desta afirmação,
observando como o Gustavo realiza suas investigações sobre os materiais. Dificilmente fica parado em um mesmo lugar,
está sempre em atividade, indo e vindo, tomando conhecimento de todo o espaço que tem a sua volta, então, para e volta
a exploração, testa diversas hipóteses, experimenta com concentração e entusiasmo, estabelecendo e elaborando
diversas relações, onde utiliza todo o seu corpo na investigação, aproveitando e experimentando todos os seus sentidos.
62
4.4- Quarto encontro – Ação + movimento + liberdade = Puro divertimento As coisas que não levam a nada
têm grande importância Cada coisa ordinária é um elemento de estima
Cada coisa sem préstimo Tem seu lugar
Na poesia ou na geral O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
caco de vidro, garampos, retratos de formatura,
servem demais para poesia
Manuel de Barros
Materiais: Várias bacias com água,
corante alimentício, e diversos
objetos: lata, potes pequenos e
grandes, pincel largo, pacote de
argila, garrafas pet 500ml
decoradas, bolinhas de plástico,
peças de madeira, peneira,
escorredor de massa infantil,
esponja, brinquedos de plástico.
63
Para delimitar um espaço do pátio, que ficava em frente a sala do berçário 1, de forma que as crianças não
ficassem expostas ao sol intenso, utilizei dois bancos, colocando-os de maneira que formassem um L. Distribui as onze
bacias, de tamanhos variados, dentro deste espaço; colori a água com o corante (cores: laranja, roxo, verde, vermelho),
me preocupando em deixar algumas bacias com a água incolor. Sobre um destes bancos distribui os materiais que
ficariam a espera das crianças.
No horário combinado com as educadoras da turma, busquei as crianças que faziam parte da pesquisa, neste dia
apenas três crianças puderam participar, pois as outras duas estavam com febre. Como o espaço preparado para a
sessão era em frente à sala das crianças, apenas precisei abrir a porta e chamá-las para virem ao pátio.
Desta vez as crianças se mostraram ávidas por mexer no material, nos primeiros instantes observaram as bacias
coloridas com um quê de curiosidade e ansiedade, para em seguida se aproximarem das mesmas, caminhando pelo
espaço, até escolherem uma bacia, abaixarem-se ao lado dela e então começarem a realizar suas descobertas.
64
4.4.1- Ação e reação – que descoberta
A Vitória protagonizou a primeira cena a ser
narrada neste encontro, assim que acocou-se ao lado da
bacia, com água laranja, olhou para a bacia, para os
colegas e depois voltou a observar a água na bacia.
Então, colocou suas mãos na água, movimentando-as
com calma, para em seguida começar a bater com uma
mão na água, levantando vários respingos. Ao sentir as
gotas de água caindo sobre seu corpo, soltava alguns
gritinhos, derrubando água para fora da bacia,
apresentando uma expressão de surpresa e ao mesmo
tempo feliz.
Albano (2007, p. 8) diz que:
Poetas e artistas deveriam estar, sempre,
entre os interlocutores privilegiados dos
educadores que trabalham com a primeira
infância. Eles recuperam para a educação
aquilo que a criança ainda não perdeu: o
encantamento diante de todas as coisas
simples.
Observando como as crianças vêm se
relacionando com os materiais, em sua simplicidade,
alegria e curiosidade, devo concordar com a colocação
de Albano, precisamos ser mais artistas ou ao menos
possuir alma de artista para resgatar o encantamento
frente às coisas simples da vida. As crianças não
precisam de materiais elaborados e caros para criar, mas
sim de variedade de matérias e de materiais, de espaço
e liberdade para explorá-los, pois as crianças criam muito
com pouco, já que admiram a simplicidade da vida. Nós,
adultos, que complicamos a vida e o trabalho com
pesquisa de materiais, colocando empecilhos que na
realidade temos condições de resolver.
Quando percebeu que a água estava caindo no
chão, a Vitória passou os dedos na superfície,
espalhando ainda mais esta água e em seguida
levantou-se ficando em pé; repetiu o processo de abaixar
– bater as mãos-sentir respingos-soltar gritinhos-levantar,
várias vezes, até que resolveu sentar-se ao lado da
bacia, colocando uma mão em cada uma delas,
movimentando os dedos lentamente.
65
Tentou levantar-se, mas não conseguiu, e começou a chorar,
arrastando o corpo para a frente. Neste momento, achei
importante realizar uma pequena interferência, estendi minha
mão para a Vitória, que a segurou prontamente, levantando-se, e
parando de chorar, segurou-se com a outra mão em uma das
bacias, logo, libertando minha mão. Voltou a abaixar o corpo, de
forma a poder movimentar a água com as mãos, em seguida
prosseguiu insegura, caminhando, até onde o chão estava seco.
Neste momento, percebi que o piso molhado estava
deixando as crianças inseguras ao caminharem, então, realizei
mais uma intervenção, que foi coloquei os chinelos em cada um,
o que facilitou a segurança e locomoção das crianças.
No momento em que a Vitória retornou para perto das
bacias, percebeu que o banco estava repleto de objetos variados
e materiais, aproximou-se do banco com uma expressão de
curiosidade, seu olhar passeou agilmente por toda extensão do
banco, até que se deteve em um pode de plástico, rapidamente
segurou o pote com suas mãos. O Gustavo e a Pietra ao
visualizaram a Vitória também aproximaram-se do banco,
desbravando o que havia nele.
66
Colla (2012, p. 84) coloca “quanto mais atenção
tivermos em nossas escolhas sobre os materiais e o
espaço, mais evidentes serão a seriedade e a beleza das
investigações que as crianças fazem.”, já Hunter-Mcgrath
(2012, p. 130) “[...] oferecem aberturas e caminhos pelos
quais as crianças podem entrar no mundo do
conhecimento.”
De acordo com as autoras, a investigação
realizada pelas crianças em pesquisas com materiais
deve proporcionar possibilidade de ações e relações.
Para que as investigações sejam ricas, completas e
possibilite a criança apropriar-se de conhecimentos, nós
adultos devemos pensar com seriedade sobre os
materiais selecionados e nas possibilidades que esses
oferecem, além de, questionar-se se os materiais dão
abertura a uma variedade de explorações, se permitem
diferentes usos, se várias crianças podem explorá-lo e
claro como apresentar este material para as crianças, de
forma que o mesmo seja atrativo, mas sem ser
intimidante e limitador.
4.4.2- Concentração- momentos gloriosos com nossa
pequena pesquisadora
No primeiro momento, a Vitória, ainda com o pote
de plástico nas mãos, interessou-se pelas bolinhas
coloridas. Estava o tempo todo com uma expressão
concentradíssima.
Começou sua ação, pegando algumas bolinhas
que estavam no chão próximo às bacias e distribuindo-as
entre duas bacias, uma com água verde e outra com
água incolor, abaixou e levantou-se várias vezes, até
conseguir recolher todas as bolinhas que visualizou, e
colocá-las dentro das bacias escolhidas.
Testou várias hipóteses neste seu momento de
relação com a matéria e com o material. Colocou uma
bolinha dentro do pote que segurava, analisou, girou a
bolinha, observou o movimento dos seus dedos ao girar
esta bolinha, tentou colocar mais uma bolinha no pote e
notou que não havia espaço suficiente. Pegou uma
embalagem de xampu e tentou encaixar a bolinha no
buraco dela, ao perceber que ela não encaixava
abandonou o pote no chão e continuou observando a
bolinha que segurava, pegou outro pote, agora uma
67
embalagem de tinta e procurou colocar a bolinha dentro da embalagem, novamente não conseguiu, mais uma
vez largou o pote que não lhe foi útil e buscou o pote que já havia experimentado, o qual a bolinha encaixava
perfeitamente. Demostrou ter esgotado todas as suas hipóteses de encaixar as bolinhas, pois, tranquilamente deixou
o pote de lado.
Segundo Saló e Barbuy (1980, p. 20) “não é suficiente a experiência física e sensitiva dos materiais; é necessário
realizar a vivência sobre o espectro completo de possibilidades oferecidas pela própria matéria, captá-lo e registrá-lo em
todas as suas alternativas.” Refletindo sobre esta frase percebi que a Vitória realizou uma vivência sobre a própria
matéria, partiu de uma questão que lhe cultivou o interesse e testou diversas possibilidades de solucioná-la até sentir-se
satisfeita com a questão e a solução encontrada no momento, quem sabe retornará a esta questão no futuro?
Foi em busca de um novo desafio, tentou por diversas vezes segurar duas bolinhas com uma mão apenas, mas
não conseguia, as bolinhas escorregavam de suas mãos, até que percebeu, que conseguiria segurar uma em cada mão,
neste momento deu um sorriso satisfeito, havia encontrado uma maneira de solucionar o seu dilema, que era segurar as
duas bolinhas coloridas nas mãos.
Em seguida, resgatou o pote plástico, com o qual havia iniciado este processo, encheu-o de água, e então virou o
pote, jogando a água do pote dentro da bacia. Observou o movimento que a água da bacia fazia ao receber a água que
caia do pote, e a forma como as bolinhas movimentavam-se dentro da bacia. Realizou este processo mais algumas
vezes, e então aproximou-se da bacia de água verde, retirando todas as bolinhas de lá.
Novamente encheu o pote com água e virou-o para que a água caísse dentro da bacia, sorriu quando sentiu os
respingos que chegavam até seu corpo e soltou alguns gritinhos entusiasmados. Repetiu o processo, de
encher e esvaziar o pote, por mais algumas vezes, e então largou o pote na bacia e saiu caminhando, observando o que
havia ao redor.
68
69
Não demorou muito para encontrar outra fonte de
interesse. Percebeu que a Pietra havia colocado algumas
garrafas em uma bacia e que empurrava-as para o fundo
querendo afundá-las, mas as garrafas voltavam a
superfície. Aproximou-se da bacia e também empurrou
uma garrafa para o fundo, mas retornou a superfície,
olhou surpresa e tentou novamente.
A Pietra sacudiu a cabeça e foi observar outros
materiais; já a Vitória, retirou todas as garrafas da água,
pegou um pincel largo e começou a passá-lo
suavemente sobre a superfície da água, como se
estivesse acariciando-a com o pincel. Seguiu para a
bacia ao lado e relizou o mesmo processo de passar o
pincel sobre a água. Novamente trocou de lugar,
aproximou-se de outra bacia, porém, nesta ela resolveu
afundar o pincel na água, começou afundando somente
as cerdas do pincel e então erguia-o, observando as
gotas caindo, para em seguida afundar o pincel até tocar
o fundo da bacia. Erguendo o pincel movimentou-o,
observando todos os seus lados, tocou em suas cerdas
com cuidado, percebendo a sutiliza do toque.
Retornou a primeira bacia com o pincel firme em
sua mão, colocou algumas bolinhas dentro da bacia e
com o pincel empurrou a bolinha, encantada, observava
a bolinha movimentando-se, e as ondinhas que
formavam na bacia, em decorrencia do seu movimento
com o pincel.
Começou a bater com o pincel na água, a príncipio
levemente e aos poucos foi aumentando a intensidade
do movimento, até que conseguiu respingar bastante
água para fora da bacia. Não satisfeita, retirou as
bolinhas da bacia e substituiu-as pelas garrafas pet.
Realizou o mesmo pocesso de alisar as garrafas com as
cerdas do pincel, para em seguida empurrar as garrafas
com o pincel, por alguns momentos, ficou parada em
frente a bacia com a expressão séria, observando o
movimento que acontecia dentro da bacia, meneou a
cabeça, deu um leve sorriso e abaixou-se para começar
a retirar as garrafas da bacia e largá-las sobre o outro
banco.
70
Refletindo sobre as ações e
relações estabelecidas pela Vitória
com a água, bolinhas, garrafas e o
pincel me lembrei da frase de Cathy
Weisman Topal (2012, p. 138) onde
“esse tempo de experimentação – de
organizar e reorganizar – é muito
importante. [...] essa ideia de testar
possibilidades é onde se encontra a
riqueza de uma experiência com
materiais. ” Assim sendo, a Vitória
testou possibilidades ao
experimentar balançar as bolinhas
na água como pincel, ao movimentar
a água e perceber as bolinhas
balançando, ao tentar afundar as
garrafas e perceber que elas vinham
a tona e boiavam sobre a água.
Criou relações com os materiais e
investiu em diversas
experimentações de ideias, suas
ideias.
71
4.4.3- Concentrado sim – parado nunca
O Gustavo é uma criança muito ativa, alegre,
que não consegue ficar parado por muito tempo,
mas sem dúvida experimenta e concentra-se nas
suas descobertas, porém de uma forma toda sua,
única. Foram muitas as explorações e relações do
Gustavo, mas vou descrever apenas as que
considero mais potentes, para que o relato não
torne-se cansativo para o leitor.
Assim que percebeu os objetos sobre o
banco, o Gustavo, apropriou-se de um brinquedo
que parecia um peso de ginástica, chamou-me a
atenção que por umas três ou quatro vezes ele
aproximou este brinquedo do ouvido, como se
segurasse um telefone, e falava algumas palavras,
mas que para mim ainda não foram compreensiveis,
mas pude perceber que ele simulava uma conversa
ao telefone, já realizava assim o jogo simbólico por
sua própria conta, sem a interferência de um adulto
que o induzisse a esta ação.
72
Ao escrever sobre o faz-de-conta e o desenvolvimento
cognitivo da criança, Musatti (2011, p. 90) “ [...] segundo
Vygotsky, ao brincar, a criança toma consciência das próprias
ações e do fato de que todas as coisas têm seu próprio
significado. O jogo simbólico está, estreitamente ligado ao
desenvolvimento da linguagem”. O Gustavo ao aproximar o objeto
(chocalho em forma de peso) do ouvido e simular uma conversa
telefônica apropriou-se do significado do objeto para ele e utilizou-
o de acordo com este significado, desta forma evocou, por
imitação, objetos ou também ações realizadas por si mesmo ou
por outras pessoas, realizando o faz-de-conta.
Mesmo envolvido na relação com o brinquedo, que lembrava
um peso, acabou por segurar e explorar outros objetos e
materiais, no entanto não se afastava do brinquedo inicial. Ao
pegar uma lata começou a usar o “peso” como basteca, a
principio batia calmamente na lata gerando um som mais suave,
aos poucos começou a caminhar segurando a lata,
consequentemente começou a bater com mais força e energia
com o “peso” na lata, ocasionando um som mais alto, mais rápido
e curto. O Gustavo estava realizado, fazia a sua música, corria de
um lado para o outro, mexia o seu corpo, querendo acompanhar o
ritmo do seu som, com o resto do seu corpo.
73
De acordo com a proposta de Holm
(2007, p. 18):
O processo criativo não pode se
desenvolver numa situação fechada.
Quando se cria, é preciso fugir da
necessidade de ser bem sucedido o
tempo todo. Temos que retomar à
criação como um elemento
integrado, uma convivência comum,
sem esperar resultados.
Durante suas experimentações e
investigações o Gustavo não demonstrou
preocupação em estar fazendo certo ou errado,
apenas se dedicou a investigar os materiais e as
relações que poderia tecer entre eles, testando
suas hipóteses, sem esperar resultados. Utilizou
todos os seus sentidos nesta exploração,
buscando experimentar e conhecer as qualidades
físicas e sensoriais dos materiais, criando formas
de conhecer e reconhecer estes materiais.
74
4.4.4- Potes e água- incríveis possibilidades
Interessou-se muito pelos potes expostos, foi
testando todos eles ao se aproximar das bacias. Pegava
um pote, aproximava-se de uma bacia, enchia de água o
pote e então jogava a água do pote em outra bacia,
repetia este processo em várias bacias, parecia estar
querendo misturar as águas de cores diferentes, pois
jogava a água e dava uma olhada para ver se acontecia
algo.
Desta forma, realizou este mesmo processo com
cinco tipos de potes diferentes, com a embalagem de
tinta têmpera, a do xampu, a do amaciante de roupas,
com uma tampinha e com um escorredor de massa de
brinquedo. Cada pote permitia uma quantidade de água
diferente, um peso diferente ao segurar, um volume de
água diferente ao ser jogado, uma variedade de
respingos, um som diferente ao pingar/cair na água da
bacia e também o movimento diferente que causava na
água da bacia, ora mais suave (um leve balanço) ora
muitos movimentos e ondas. Também resolveu degustar
a água, por duas vezes encheu um potinho e levou o
pote aos lábios tomando um gole de água, rindo
satisfeito, falava “aguui, aguui”. Uma nova descoberta,
além de molhar, refrescar, manchar o chão, podia beber
a água, aí que delícia.
Já, quando tentou levar a água, de uma bacia para
outra, com o escorredor de massa, teve uma surpresa
que o deixou muito intrigado, pois sempre que chegava a
outra bacia via no máximo uma ou duas gotas caindo,
então realizou o processo novamente, só que desta vez
mais calmamente, prestando atenção ao trajeto e ao
movimento, qual não foi sua surpresa ao perceber que a
água do pote ia gotejando o caminho todo, e quando
chegava a outra bacia não sobrava água dentro do pote.
Mais uma conquista para seu repertório de vida, pote
com furos não armazena água, a não ser por um período
de tempo curtissímo.
75
Abrahan Kaplan (2012, p. 38) ao abordar a teoria de Jonh Dewey, diz “é no ato de expressão que o material
se converte em um veículo. O ato de expressão, não sendo rotineiro nem caprichoso, faz do material, [...] um canal
pelo qual a experiência flui, desimpedida e despreocupada”. Durante a investigação dos bebês com os materiais é
possível perceber que os bebês se expressam através dos materiais, convertendo-os em veículos de comunicação
e transformado-os em uma forma de linguagem, desde que a experiência flua com naturalidade, através do seu
interesse e da testagem de suas hipóteses.
76
4.4.5- E isso aqui, o que será?
De repente, o Gustavo abandonou os potes,
começando a caminhar em volta das bacias, notou que
uma peça de madeira havia caido para o outro lado do
banco e resolveu ir buscá-la, autônomo, correu
contornando o banco que servia de delimitação de
espaço e buscou a pecinha, voltou todo feliz e orgulhoso,
largou a peça próxima ao banco, virou-se movimentando
os braços e foi girando o corpo, numa dança só sua,
sorria feliz e empolgado, nisso abaixou-se, batendo com
as duas mãos na água, energicamente, ocasionando
muitos respingos, ao que sorria mais ainda, gritando “ai,
ai, ai”, satisfeito com os pingos que molhavam-o.
Holm (2007, p. 22) ao escrever sobre como a
atividade pode ser realizada no pátio, onde permite uma
maior movimentação e interação, afirma que “a
felicidade com criação é naturalmente maior quando não
há limitações. Existe a possibilidade de uma total
integração dos sentidos, envolvendo movimentos,
sentimentos, sons e tudo o que se pode ver”. Analisando
as ações do Gustavo pude perceber que ele demonstra
necessidade de liberdade para desenvolver suas
experimentações, seu corpo pede por espaço e
movimento, precisa ir e vir, utiliza todos os seus sentidos
em uma integração, utiliza a totalidade de sua expressão,
sem fragmentação.
Nisso, percebeu uma esponja ao lado da bacia,
seu olhar brilhou ao tocar na esponja, ergueu-a
rapidamente, observou/analisou/avaliou a esponja e em
seguida enfiou-a dentro da bacia, ergueu-a, percebendo
que gotinhas de água deslizavam da esponja para
caiarem dentro da bacia.
Aos poucos, foi aumentando o movimento,
molhava a esponja e levantava caminhando com ela,
observava os pingos caindo no chão, molhava a esponja
e apertava-a para a água cair mais rapidamente. Depois
de alguns minutos nesta exploração, mas sem ter ficado
parado no mesmo lugar, molhou a esponja e saiu
caminhando, procurando áreas do pátio que ainda
estavam secas, onde conseguia observar melhor as
manchas que as gotas faziam ao tocarem no chão.
77
Quando percebeu as primeiras manchas começou a sorrir muito e a soltar sons e gritinhos olhando para mim,
estava conversando comigo, eu em resposta bati palmas e falei “que legal Gu, que descoberta!!”. Ficou por mais
alguns minutos envolvido com a esponja, passou-a na parede, tentou enfiá-la em um buraco da parede, até que
pareceu ter esgotado a sua curisidade sobre o material, concluindo, desta forma o seu ciclo de descobertas e de
hipóteses testadas para o momento.
Cathy Weisman Topal (2012, p. 142) nos faz pensar na relação entre criança e adulto, e em como é
importante compartilhar e refletir sobre novas estratégias, para propor novos desafios a criança, acrescentando
novos materiais e situações que os levem a novas explorações, articulações e reações, segundo ela “quando
crianças e adultos se envolvem e celebram juntos os momentos de reações, segundo ela “quando crianças e adultos
se envolvem e celebram juntos os momentos de expressão e descoberta, e usam esses momentos para despertar
novas aventuras, nasce um espírito de encantamento e confiança”; já Holm (2007, p. 12) afirma “[...]e ter confiança,
para que a criança possa se movimentar e experimentar. E que ela retorne ao adulto, tenha contato e crie junto”.
Refletindo sobre o comportamento do Gustavo, ao conversar comigo, da sua necessidade de compatilhar a
sua descoberta, a sua conquista, tenho que concordar com as duas autoras, pois através desta relação e desta
troca de olhares e entendimentos, a criança demonstra confiança na pessoa que está ao seu lado, e sente-se
segura para continuar em suas experimentações e relações, sente-se livre para se movimentar e experienciar.
78
CONCLUSÃO
A presente pesquisa teve o intuito de pesquisar
como os bebês se relacionam com os materiais e de que
forma os convertem em linguagem, se isso ocorre e de
que maneira. Durante a realização das sessões com os
bebês me foi possível refletir sobre muitas questões
relacionadas aos materiais e os bebês, em como eles se
apropriam das características físicas dos materiais e
elaboram e reelaboram hipóteses, até sentirem-se
satisfeitos com suas resoluções.
Várias questões influenciam na relação dos bebês
com os materiais, a questão do espaço pensado para o
desenvolvimento da ação, a quantidade de crianças, a
escolha dos materiais e a forma como são ofertados, a
variedade de materiais, a presença atuante dos adultos,
a forma como são realizadas as interferências e em que
momentos, se os bebês sentem-se desafiados a
investigar o material. Desta maneira concordo com
Focchi (2013, p. 157) que ”[...] ao invés de planejar a
atividade para ser “aplicada” com os bebês, seja mais
interessante o planejamento de outros elementos, que,
nesse estudo, organizo-os da seguinte forma: o tempo,
os espaços, os materiais, a organização do grupo e o
tipo de intervenção.”, portanto, todos estes fatores devem
ser tratados como resposta às problematizações dos
bebês, a partir do que foi sendo significado em suas
ações. Assim sendo, é necessário refletir sobre a forma
como o adulto irá realizar intervenções durante os
momentos que estará junto com as crianças, para que
possa garantir experiências ricas e interessantes para as
crianças e adultos, oportunizando momentos de
transformação.
Durante o desenvolvimento da parte prática desta
pesquisa, observei que as crianças sentiam-se mais a
vontade quando o ambiente estava mais silencioso e
sem trânsito de pessoas próximas ao local, pois sua
atenção não se distanciava do seu foco, que era a
relação com os materiais. Na primeira sessão realizada
com os bebês, os adultos da escola estavam curiosos
79
em espiar qual seria a reação dos bebês frente ao desafio proposto, que era interagir com tintas e diversos
objetos, e desta maneira vários se aproximavam do local,
sem perceberem que esta presença interessada estava
dispersando e talvez intimidando algumas crianças, que
já se mostravam um pouco receosas, incertas do que
fazer, pois estavam diante de algo diferente do que
estavam acostumados. As sessões seguintes se
desenvolveram de forma mais tranquila, pois conversei
sobre a importância das crianças sentirem-se a vontade
no ambiente, sem muitas pessoas próximas a lhes
inquietar. Desta forma, observei que é necessário um
ambiente mais isolado e calmo para a prática das
sessões.
Na relação com os diferentes suportes e com os
diferentes materiais os bebês me surpreenderam em
vários momentos, como ao tecerem tantas hipóteses,
diálogos, proposições, interações com, basicamente,
uma lata. Nesta exploração mostraram-se capazes de
criar variadas hipóteses e testá-las até se sentirem
satisfeitos com o desenvolver da sua ação, de
apropriarem-se das ações dos colegas, através da
imitação, para servir de ponto de partida para suas
próprias elaborações e testagens, como também de
dialogarem com os colegas expondo suas ideias e
conquistas através de uma comunicação completa,
utilizando-se de todos os sentidos e movimentos do
corpo.
Nestes momentos, em que o que foi pensado e
organizado não ocorreu conforme o planejado,
inicialmente, refleti sobre a importância dos bebês
poderem realizar suas próprias descobertas, sendo
imprevisíveis em suas elaborações e criações. Também
percebi a potencialidade e riqueza dos materiais, e como
nos diz Holm (2007, p. 14) ”[...] é importante ousar ir
além e ouvir: nós devemos ouvir as crianças.”,
precisamos estar atentos e presentes, para ouvir o que
as crianças querem nos dizer, nos comunicar, e aceitar
que criem novas soluções para seus conflitos.
Observando as crianças, em seus momentos de
investigação sobre o material, principalmente ao olhar
para o Gustavo e suas ações/relações, e em todos os
movimentos que ele realizava, todas suas idas e voltas
aos materiais, pude compreender e defender que a
80
criança tenha liberdade de movimento, o direito de ir e vir
enquanto desenvolve a atividade, pois seu corpo não
precisa estar parado, enrijecido em um lugar, para
demonstrar que esteja concentrado e envolvido no que
esta fazendo, segundo Holm (2007, p. 35) ”nosso corpo
se movimenta quando tem necessidade, sem que isso
prejudique a nossa concentração.”, e ainda (2007, p.58)
”quando a criança tem liberdade para movimentar-se
livremente, ela está incessantemente em contato com
diferentes materiais.”.
Compartilho da opinião de Ashley Cadwell (2012,
p. 213) que ”as escolas devem ser ambientes que
cultivem a criatividade e a cooperação, a invenção e a
inovação e a investigação, assim como as habilidades
fundamentais. Essencialmente as escolas devem cultivar
relacionamentos. [...].”, portanto a escola deve valorizar
as crianças, os conhecimentos que elas já trazem como
bagagem (suas questões e teorias), e estar sempre
propondo desafios as crianças. A criança precisa que a
escola lhe proporcione ambientes, profissionais e
variedade de materiais que as ajudem a compreender o
mundo e tudo que o compõem, Cadwell ainda coloca “[...]
as crianças têm o desejo inato de entender o seu mundo
e de aprender a interagir com ele.[...] Por meio das suas
ações, elas constroem conhecimento e caráter.”.
Cada criança possui a sua maneira e o seu tempo
de relacionar-se com a matéria e com o material,
algumas demonstram mais cuidado, receio e
insegurança, outras praticamente se atiram sobre os
materiais em seu entusiasmo em explorar o que esta
sendo oferecido. Independente da maneira como a
criança irá se relacionar, ela precisa ser respeitada em
sua individualidade, em seu tempo de sentir-se a vontade
com a proposta e com os materiais. No entanto,
podemos incentivá-las, propondo atividades
significativas, onde a criança possa estabelecer relações
entre os materiais, criando novos conceitos ou
comparando-os com experiências anteriores, desta forma
transformando a matéria e o material e o que já conhecia
sobre o mesmo, ampliando o seu repertório de mundo.
Durante a observação e reflexão das sessões
desenvolvidas com os bebês, pude perceber que os
bebês se desafiaram a realizar projetos com os materiais
que foram oferecidos, e nesta intenção que exerceram
81
sobre os mesmos, estabeleceram diversas relações
entre os materiais, transformando-os, compondo,
relacionando, agrupando, seriando, amontoando,
esparramando. Nestas relações criaram conceitos, e
modificaram outros que já haviam adquirido, testando-os
sobre novos enfoques, confrontando-os com outros
materiais e hipóteses.
Através destas experiências, o bebê consegue se
apropriar da materialidade que compõe o mundo,
consegue perceber do que o mundo que o cerca é
composto e assim tece suas próprias relações, que
geram ações que lhes possibilitam comunicar ao mundo,
as crianças e aos adultos, os conceitos que vem
estabelecendo e as relações que vem criando e
recriando, desta forma se comunicando através de suas
ações, movimentos, hipóteses testadas, descobertas,
intenções sobre os materiais, percepções, enfim,
transformando estes momentos de experiências com
materiais inusitados e não-estruturados em mais uma
forma de linguagem.
Por meio das leituras realizadas e das sessões
práticas desenvolvidas com os bebês me confrontei com
a minha prática pedagógica, a maneira como venho
trabalhando com os bebês e percebi que posso ousar
muito mais, apesar de já trabalhar com diversidade de
materiais, ainda existem muitas possibilidades sobre as
quais não havia pensado e com certeza os bebês serão
beneficiados com esta prática voltada para a sua
investigação sobre materiais de diversas texturas,
tamanhos, temperaturas, formatos, matérias.
A utilização de materiais não estruturados e não
convencionais nas atividades propostas para as crianças
pequenas, oportunizam experiências, oferecem novos
caminhos, novas aberturas e incontáveis possibilidades
de aprendizagem às crianças, pois os materiais
provocam, convocam e mobilizam as crianças/bebês a
interagirem com eles.
Segundo John Dewey (2010, p. 109):
[...] experiência proveniente de outras
experiências. Conclui-se uma obra de
modo satisfatório; um problema recebe sua
solução; um jogo é praticado até o fim;
uma situação, seja a de fazer uma
refeição, jogar uma partida de xadrez,
conduzir uma conversa, escrever um livro
ou participar de uma campanha política,
conclui-se de tal modo que seu
encerramento é uma consumação, e não
82
uma cessação. Essa experiência é um todo
e carrega em si seu caráter individualizado
e sua autossuficiência. Trata-se de uma
experiência.
Percebo que muitas pessoas ainda acreditam que
manipular e tocar em variados objetos, materiais e
matérias, seja por si só considerado uma experiência, no
entanto em minha concepção, partilho da ideia de Jonh
Dewey, na qual para ser considerada experiência é
necessário um contato muito mais profundo com o
material, é necessário que o bebê/ a criança se relacione
com o mesmo, que o observe, que mexa, analise suas
características, pense em formas de organizar, interligar,
de utilizá-lo, que dê seu significado a ele, aprendendo e
construindo, até que consiga completar o ciclo, e chegue
a uma solução para o seu problema, para sua hipótese.
Muitas vezes, colocamos empecilhos ao pensar
em trabalhar com este tipo de proposta, não temos um
lugar adequado, pensamos na sujeira que será gerada,
nos pais que podem reclamar, no gasto com a aquisição
do material (a escola não possui verba para isso),..., mas
se observarmos como as crianças constroem muito com
tão pouco, percebemos que nossos empecilhos são
facilmente superados. Os materiais podem ser inclusive
coletados na natureza e reaproveitados ou reciclados, o
que sujar basta limpar, com os pais é suficiente uma boa
conversa explicando sobre este tipo de proposta e os
seus benefícios, e quanto ao espaço basta adaptar, até o
pátio pode se transformar em um atelier, como coloca
Ana Angélica Albano (2007, p. 8) ao registrar a opinião
de Holm sobre o atelier:
A cozinha, o quintal, um guarda sol velho,
o espaço embaixo da mesa de jantar, [...]
qualquer espaço pode ser transformado
em um atelier, onde meias velhas,
caixinhas de chá, pôsteres antigos, a água
da conserva de beterraba, o sumo da
ameixa são utilizados como materiais
expressivos.”
Portanto, qualquer lugar pode ser utilizado para a
realização de atividades que envolvam a relação com
materiais expressivos, basta estarmos disponíveis a
imaginar, a criar, a ousar, a ir além do que sempre
fazemos, de sair da rotina e de enxergar além do óbvio,
de nos desafiar a olhar com olhos de crianças as
possibilidades dos lugares e dos materiais.
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Já os materiais precisam ser pensados e escolhidos de forma a oportunizar ações e relações possíveis
entre eles, que desafiem a criança a criar, recriar, compor, transformar, significar. Desta forma, podemos aproveitar tudo
que esta a nossa volta, desde folhas de jornal e a sombra de uma árvore ou latas e diferentes canos, apenas precisamos
pensar na atividade e na escolha dos materiais com antecedência, para podermos proporcionar um momento que seja
significativo para a criança e oportunize novos aprendizados, novos conceitos elaborados.
Na pedagogia italiana, desenvolvida nas escolas de Reggio Emila a escola é considerada como um ambiente
educador, ele é flexível e deve estar em constante processo de modificação perante as crianças, para que estas sintam-
se protagonistas no processo de construção do seu conhecimento. No texto de Lella Gandini (1999, p. 157) cita as
palavras de Loris Malaguzzi:
Valorizamos o espaço devido a seu poder de organizar, de promover relacionamentos agradáveis entre as pessoas de
diferentes idades, de criar um ambiente atraente, de oferecer mudanças, de promover escolhas e atividade, e a seu
potencial para iniciar toda a espécie de aprendizagem social, afetiva e cognitiva. Tudo isso contribui para uma sensação
de bem-estar e segurança nas crianças. Também pensamos que o espaço desse ser uma espécie de aquário que
espelhe as idéias, os valores, as atitudes e a cultura das pessoas que vivem nele (Malaguzzi,1984).
Cada escola deveria se preocupar em valorizar o seu espaço, em promover relacionamentos agradáveis entre
todas as pessoas que fazem parte das mesmas, em propor um ambiente que seja atraente aos olhos de todos, adultos,
crianças e bebês. Considero ser de extrema importância a escola espelhar as ideias, crenças, valores, culturas e
pensamentos daqueles que vivem neste ambiente. Pois, desta forma, as crianças sentem-se seguras e respeitadas, os
adultos sentem que fazem parte daquele lugar, sentem-se apoiados e reconhecidos, e assim criam um ambiente único
que reflete suas vidas e histórias.
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Desejo que esta escrita, que se constituiu na presente monografia, possa incentivar possíveis leitores a refletirem
sobre a importância de se trabalhar com uma variedade extensa de materiais e de possibilidades de utilizá-los, seja
agrupando, sobrepondo, interligando, reestruturando, compondo ou transformando-os.
Que cada educador ao ler este texto pense nas crianças como pessoas capazes de pensar, imitar, criar e recriar,
transformar, expressar, desafiar, relacionar, comunicar, agir, propor, dialogar, investigar e que se desafie a possibilitar
momentos em que as crianças/bebês possam exercitar todas estas suas qualidades em contato com diferentes materiais,
técnicas e meios, de forma que ao conhecer as características dos objetos e dos materiais, possam estabelecer as suas
relações e assim se relacionar e conhecer o mundo que as rodeia.
Desafie-se!! As crianças e a educação infantil agradecerão pela sua iniciativa e coragem em oportunizar uma
educação centrada na criança, no seu olhar sobre este ser ao mesmo tempo tão pequeno e tão surpreendentemente
potente.
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