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AS RELAÇÕES SOCIAIS DA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN NA

PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

Silvânia dos Santos Zeschotko1 Valéria Lüders 2

RESUMO Com base nos pensamentos de Vygotsky, propusemo-nos a fazer algumas considerações, análise e reflexão acerca da teoria sócio-histórica, da atual política educacional, do papel do educador na formação do indivíduo que integre uma sociedade real e que reconheça qualquer indivíduo, com deficiência ou não, como sujeito histórico capaz de atuar de maneira plena e efetiva em seu meio. Com isso, poderá influenciar a transformação e consolidação de uma sociedade que respeite a diversidade humana, onde nenhum ser humano seja excluído com base na sua condição. O presente artigo tem como objetivos centrais identificar e discutir a orientação histórico-cultural de Vygotsky e de seguidores, com foco nas relações sociais da pessoa com síndrome de Down; analisar de forma reflexiva os aportes teóricos histórico-culturais e sua relevância no atendimento à pessoa com deficiência; compreender as interações sociais como elemento indispensável de integração do indivíduo especial ao mesmo tempo em que propõe refletir sobre o papel do mediador e suas atitudes no tocante aos princípios e diretrizes que alicerçarão a metodologia relacionada com o papel atual da escola inclusiva. Palavras-chave: Lev S. Vygotsky; Teoria sócio-histórica; Interação social; Deficiência intelectual; Síndrome de Down. ABSTRACT Based on Vygotsky' thoughts we decided to make some considerations, analysis and reflection on the socio-historical theory, the current educational politic, the educator's role in shaping the individual forming part of a real society and to recognize anyone with disability or not, as a historical subject able to act fully and effectively in their midst, influencing the transformation and consolidation of a society that respects human diversity, where no human being is excluded based on their condition. This article aims to identify and discuss the central historical and cultural orientation of Vygotsky and followers, with 0a focus on social relations of people with Down syndrome; give an opportunity to have a reflective analysis regarding historical and cultural theoretical approaches and their relevance in meeting the disabled person, to present the importance of understanding social interactions as an essential element

1 Graduada em Letras, Pós-Graduada em Educação Especial – Secretaria de Estado da Educação do

Paraná (SEED-PR). Professora na Escola de Educação Especial Nilza Tartuce – Curitiba-PR. Email: [email protected]. 2 Doutora em Educação (UNICAMP). Graduação em Psicologia (PUC/Campinas). Graduação em

Pedagogia(UNICAMP). Professora da Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação, Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação, nas disciplinas de Psicologia de Educação e Fundamentos da Educação Especial.

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of integration of the individual special while proposing a reflection on the role of mediator and their attitudes regarding the principles and guidelines that will support the methodology that relates to the current role of the inclusive school. Keywords: Vygotsky sociohistorical theory, social interactions, mental impairment, Down Syndrome.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é requisito para conclusão do Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE) e baseia-se em aprofundamento

teórico/metodológico a ser apresentado à Coordenação Geral do PDE/SEED.

Resulta dos estudos com base no tema: Rede de apoio à inclusão de alunos com

necessidades especiais e tem como título: “As Interações Sociais da Criança com

Síndrome de Down e suas implicações no Âmbito Escolar Inclusivo”. O Plano

Integrado de Formação Continuada compreende: Projeto de Pesquisa, Produção

Didático-Pedagógica, implementação do projeto de pesquisa na escola, tutoria em

plataforma MOODLE através do GTR - Grupo de Trabalho em Rede e Artigo Final.

Este estudo teve como pano de fundo a seguinte questão e nela se

fundamentou: Como entender o desenvolvimento das relações sociais da pessoa

com síndrome de Down a partir de uma perspectiva histórico-cultural? Concebendo

a pessoa com síndrome de Down como um sujeito simbólico, cultural e histórico.

Tem como objetivos: Contribuir para o trabalho pedagógico, no sentido de apontar

na dimensão epistemológica a real importância do desenvolvimento das relações

sociais no cotidiano da pessoa com síndrome de Down. Aprofundar–se em aportes

teóricos e metodológicos, interrogando sobre as práticas e os desafios enfrentados

pelas políticas inclusivas, provocando e motivando o profissional da educação a

movimentar-se no sentido de refletir e reinventar sua prática, na busca de novas

possibilidades, ampliando perspectivas para uma educação inclusiva na qual a

escola, espaço que representa a sociedade como um todo, promova o encontro

entre as diferenças e seja, por excelência, um ambiente para a apropriação pelo

aluno dos elementos e processos culturais e não apenas ambiente de socialização.

Como o fracasso ou êxito se constituem na concretude das relações nos

mais variados contextos, o resultado das reflexões aqui apresentadas busca ampliar

e sinalizar complexas questões acerca do deficiente intelectual, apoiado no

resultado de minha experiência em Educação Especial no Paraná e da singular

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oportunidade nesse momento de investigação teórica e metodológica através do

Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE).

Espera-se que essa pesquisa na área de interações sociais da criança com

síndrome de Down seja relevante e cumpra seu objetivo, caindo em solo fértil, o qual

acredito ser as mãos de todos aqueles que trabalham com crianças e jovens com

deficiência intelectual, em especial a pessoa com síndrome de Down. Esta pesquisa

é resultado também de uma aproximação, ou melhor, de um menor distanciamento

entre o que vem sendo discutido, analisado e produzido na academia e o realizado

nas escolas da rede pública de ensino.

Importante ressaltar que nos debruçaremos sobre a teoria sócio-histórica,

sem descartar outras teorias até então adotadas, mas buscando conhecer e então

identificar o que a teoria e os estudos de Lev Seminovitch Vygotsky, acerca da

dimensão histórico-cultural do desenvolvimento humano, contribuem e propõem

para a educação especial.

A deficiência intelectual, vista como diferença estabelecida na relação com o

outro, vem permeada pelos aspectos sociais, culturais e históricos. Entende-se que

é pertinente refletir sobre o cenário atual no referente às práticas inclusivas, os

desafios enfrentados pela educação especial em nosso país e a importância da

pesquisa como suporte para construção de novos caminhos que contribuirão para

consolidação de uma educação e uma sociedade mais coerente, justa e

democrática.

A necessidade de se aprofundar no tema As Relações Sociais da pessoa

com síndrome de Down surge da intenção de propor ao profissional da Educação

Especial lançar um novo olhar, uma nova reflexão acerca de uma educação que

proporcione ao indivíduo com síndrome de Down condições de atuar em sua própria

transformação e da realidade que o circunda; materializando-se a partir do momento

no qual o consideramos um ser ativo e capaz de desenvolver-se plenamente. Afinal,

as pessoas com deficiência para desenvolverem-se plenamente buscam "igualdade"

ou desejam preservar suas "diferenças"? Não é na diferença que encontramos sua

subjetividade? As diferenças experimentadas no contexto das relações são

completamente distintas. As experiências vividas por um indivíduo são únicas,

independentemente se com deficiência ou não. A proposta deste estudo é analisar a

deficiência concebida socialmente para esse sujeito concreto, real e único - que é

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histórico e experimenta em seu contexto, mediante a interação, as oportunidades e

limitações impostas.

Esta pesquisa, durante a sua elaboração, contou com a riquíssima

contribuição de artigos, teses, estudos e experiências de profissionais na área

educacional e da psicologia comprometidos com o desenvolvimento humano.

Importante destacar que a maior parte dos estudos envolvendo as

habilidades sociais da pessoa com deficiência intelectual está fundamentada em

uma perspectiva comportamentalista, isto é, a ação do sujeito depende de um

estímulo vindo de fora e resulta em uma resposta positiva ou negativa. A pesquisa

em questão tem como foco de sua atenção as experiências concretas do indivíduo

em seu contexto real/social, com destaque à mediação das interações humanas,

que influenciam e são influenciadas pelas relações sociais. Este estudo foi

fundamentado e compreendido a partir do pressuposto teórico da Psicologia Sócio-

Histórica de Lev Seminovitch Vygotsky. Desse modo, os textos a seguir são

“recortes” acerca dos estudos e dos pressupostos teóricos norteadores deste

trabalho a respeito das relações sociais da criança com Síndrome de Down e suas

implicações no âmbito escolar inclusivo.

Ao se refletir e conceituar comportamentos, no que consiste o

desenvolvimento e os traços definidores da criança com síndrome de Down, tem-se

como respostas nada mais do que traços genéricos, os quais favorecem sua

identificação e caracterização. A pessoa com essa síndrome, como qualquer outra,

tem sua experiência marcada por práticas culturais que lhe permitirão se construírem

na condição de sujeitos. Portanto, vale lembrar não serem as limitações as mesmas

para todos os indivíduos com a mesma síndrome; não é, portanto, o conhecimento

das limitações impostas pela síndrome um fim em si mesmo. Não é a capacidade de

conhecermos teoricamente as especificidades dessa síndrome e suas limitações

que contribuirão para o desenvolvimento desse indivíduo, de sua formação, mas um

meio de conhecimento necessário e de apoio para se oportunizar desenvolvimento

por meio de suas experiências individuais e únicas vividas no contexto social e

familiar.

Reconhecê-lo como sujeito real, erradicarmos a exclusão, integrá-lo na

sociedade é um avanço e um reconhecimento dos direitos da pessoa com síndrome

de Down. Contudo, não deixa de ser um desafio que compete não somente ao

Estado e às instituições de ensino, mas a cada um de nós. Possibilitarmos às

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pessoas com síndrome de Down, por serem sujeitos socialmente capazes, o pleno

desenvolvimento de suas relações sociais, como condição de aceitar e ser aceito,

relacionar-se e conviver em sociedade exige compromisso coletivo.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A conscientização de que a sociedade e a educação excluem, como excluem, por que excluem e a quem excluem pressupõe o "anúncio" de um projeto de transformação da sociedade, de cujo processo a educação faz parte, e de um processo de luta ético-política pela libertação dos oprimidos. A conscientização da exclusão aponta para a necessidade de a sociedade e a escola serem transformadas (OLIVEIRA, 2003, p.60).

A história registra que a sociedade sempre teve dificuldades em lidar com a

deficiência, mormente com as características inerentes à deficiência intelectual. Ao

fazermos uma análise histórica da Educação Especial em nosso país, observamos

concomitantemente um resgate e uma reflexão a respeito do processo histórico da

política educacional voltada à pessoa com deficiência, dos diferentes momentos

vividos, do compromisso público dos governos, do conjunto de ações direcionadas à

garantia dos direitos, dos movimentos nacionais e internacionais, com foco principal

na educação de qualidade para todos.

Com essa observação, iniciou-se, no período de setembro a outubro/2011,

análise e reflexão das cinco temáticas componentes do Material Didático: “Eu e

Você construindo relações, valorizando diferenças”, com os dezesseis (16)

professores da Escola de Educação Especial Nilza Tartuce convidados a participar

da implementação do projeto de intervenção na Escola (a maioria graduada em

Pedagogia e com Pós-Graduação em Educação Especial), e seis (6) terapeutas nas

áreas de fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional e psicologia.

Esse “momento de estudo” realizou-se em oito encontros, lembrando que as

discussões ancoraram-se na abordagem histórico-cultural, valendo-se das

contribuições e experiências vividas por cada profissional envolvido, uma vez que a

própria pesquisa apoia-se e privilegia a questão das interações sociais.

Apresentou-se o tema de estudo, linha de pesquisa e da proposta vinculada

ao Projeto e ao Material Didático, intitulados: “As relações sociais da criança com

síndrome de Down e suas implicações no âmbito escolar inclusivo” e “Eu e você

construindo relações, valorizando diferenças”. Houve a apresentação da

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contribuição pretendida com essas produções, levando em conta os aportes teóricos

e metodológicos, práticas e desafios enfrentados pelas políticas inclusivas.

Iniciou-se com a leitura, análise e reflexão do texto: “Um pouco da história da

Educação Especial em nosso país”, que compõe o material didático, e em mesa

redonda discutiram-se os temas: cultura, valores e comunidade inclusivos; papel

cabível a cada um de nós como educadores para efetivação da inclusão e que

barreiras devemos transpor a fim de se consolidar esse conceito.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948,

em seu Artigo 1° diz que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e

direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos

outros com respeito de fraternidade" (BRASIL 1948). Assim, fica assegurado a todos

os mesmos direitos à educação fundamental, à dignidade e à liberdade de participar

na sociedade.

Ao se fazer uma retrospectiva histórica da Educação Especial não se pode

deixar de observar, de maneira contextualizada, tanto nas práticas quanto nas

metodologias, a luta pela democratização do espaço escolar e a busca pela

superação da exclusão da pessoa com deficiência.

A educação inclusiva, segundo Oliveira (2004, p.81), desenvolve uma

espécie de "Revolução Copernicana", ao transferir "o foco vigente das relações entre

os indivíduos com necessidades especiais e a escola: do indivíduo para as

instituições, da incapacidade para as potencialidades individuais, do indivíduo para a

coletividade". Ainda, conforme Oliveira (2004), é importante antes de tudo refletirmos

sobre o processo de implementação das políticas públicas inclusivas do Governo

Federal, o qual perpassa pelas secretarias estaduais e municipais de educação até

chegar a nossas escolas, e nessa trajetória nos defrontamos ainda com alguns

conflitos que refletem na prática da educação inclusiva no cotidiano escolar.

Para Carvalho (2010, p. 41) as políticas de educação, como políticas sociais,

devem ser entendidas como modalidades de política pública, ou seja, como conjunto

de ações de governo com objetivos específicos e, ainda de acordo com o autor,

devemos nos conscientizar que um documento de política não se encerra em si

mesmo, cabe planejamento, previsões e provisões de recursos de toda natureza,

para se garantir sua efetividade na prática.

Foi proposto ao grupo de professores e terapeutas refletirem sobre a política

inclusiva, que vem se consolidando em suas bases legais, sendo praticada,

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discutida, socializada e problematizada não somente pelos docentes da educação

especial, mas instituída no cenário educacional brasileiro mediante ações mais

concretas.

Durante as discussões foi muito difícil manter o foco da temática central, pois

os professores tendiam sempre a desviar a atenção para as situações cotidianas,

para problemas pontuais observados em sala de aula. A discussão não podia

naquele momento se desviar dos movimentos sociais inspirados nas conquistas dos

direitos humanos, com foco na pessoa com deficiência, excluída socialmente e que

vem alcançando ideias e ideais de educação com orientação inclusiva, como prática

democrática voltada para realização da pessoa com deficiência.

Apresentou-se aos participantes um recorte na história da educação especial

no Brasil para análise e ponto de vista pessoal, sobre o princípio de normalização.

Esse princípio tinha como ideia central a "condição normal" de vida das pessoas

com deficiência, isto é, surge uma nova orientação com proposta para a integração

das pessoas com deficiência, mediante mudanças nas atitudes, melhor definindo,

todas deveriam ser tratadas de maneira "igual" e "conviver junto" às demais.

Reconhecia-se, dessa forma, que todas as pessoas tinham direito a conviver

socialmente, uma vez que fossem ajustadas, ou melhor, normalizadas para não se

distanciarem do que se considerava normal em uma sociedade. Essa pessoa seria

trabalhada para se encaixar o mais próximo possível do padrão imposto pela

sociedade.

Comentou-se sobre as organizações não governamentais como: clínicas

especializadas, centros de reabilitação, classes especiais e, por conseguinte, as leis

que legalizam e organizam esses serviços prestados pelas escolas especiais.

Lembrou-se que o compromisso maior dessas instituições passou a ser a

normalização das pessoas com deficiência, e para isso contavam com o apoio da

área terapêutica, a qual, em parceria com a área educacional, tinham como objetivo

maior, normalizar a pessoa com deficiência para integrá-la na sociedade.

Ao se falar da “normalização”, o interesse era contagiar o grupo a fazer uma

análise crítica das ações desencadeadas oferecidas àqueles que recebiam o

diagnóstico de deficiência intelectual, considerados como patologias sociais, que se

transformavam em objetos de vigilância, aos quais eram impostos inúmeros

exercícios repetidos com o intuito do aprendizado e do letramento.

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A fim de promover medidas necessárias para educação e assistência, em

1957 o Governo Federal criou campanhas voltadas às pessoas com deficiências. O

número de escolas especiais cresceu muito e no fim da década de 60 a APAE já

contava com dezesseis instituições, criando-se nesse mesmo ano a Federação

Nacional das APAES. Com essas organizações ofertando a educação especial, o

Estado isenta-se de assumir as pessoas com deficiências na rede pública.

Notou-se, entre os profissionais, após comentários sobre a “normalização”,

certa movimentação contrária à ideia, até mesmo uma certa intolerância quanto às

ações por ela desencadeadas. Ressaltou-se que, apesar de se considerar

atualmente a normalização como algo excludente, ela foi um grande avanço para a

sociedade de então. Um exemplo disso foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDBEN) n° 4.024/61, que assegura educação aos "excepcionais"

preferencialmente no sistema geral de ensino. Quando reformulada em 1971, com a

Lei n°. 5.692/71, sustentou-se a ideia de inserir alunos com deficiência em classes e

escolas especiais, como o mesmo enfoque assistencialista, contemplando a

temática da educação especial com apenas um artigo:

Art. 9º - Os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971)

Conforme Miranda (2008, p.35), um dos pontos que gerou polêmica entre as

pessoas que lutavam a favor da pessoa com deficiência foi que, ao citar as

deficiências, omitiram-se os deficientes visuais, auditivos e também, aqueles

indivíduos com condutas típicas das síndromes neurológicas e psicológicas.

Retomou-se com o grupo a proposta de contextualização histórica,

lembrando que na década de 70 iniciou-se de maneira mais efetiva o combate às

práticas discriminatórias e passou-se a considerar o fim do modelo segregacionista.

Em 1973, criou-se o Centro Nacional de Educação Especial e a institucionalização

da educação especial quanto aos planejamentos e às políticas públicas. O impulso

maior para prática da integração social aconteceu a partir dos anos 80. Os

movimentos voltados à integração que aconteceram nas décadas de 70 e 80 foram

historicamente um divisor de águas de extrema importância, pois romperam com a

ideia já cristalizada da incapacidade das pessoas com deficiência.

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A efetivação na prática da integração social no cenário mundial teve seu

maior impulso a partir dos anos 1980, reflexo dos movimentos de luta pelos direitos

dos deficientes. No Brasil, essa década representou também um tempo marcado por

muitas lutas sociais empreendidas pela população marginalizada (MIRANDA, 2008).

O “Ano Internacional das Pessoas Deficientes”, em 1981, consistiu em

acentuada mobilização para conscientização dos diversos setores e segmentos da

sociedade em relação aos direitos da pessoa com deficiência.

A gratuidade e a obrigatoriedade da Educação Especial nas Escolas

Públicas ganharam legitimidade através da Lei n°.7 853/89, prevendo penalidades e

sansões nos casos em que haja recusa, suspensão ou cancelamento de matrículas

em estabelecimento de ensino público ou privado em razão de deficiência.

Novos paradigmas educacionais na década de 90 compreendem a

diversidade como elemento constituidor das diferenças sociais e culturais. Há um

maior combate à segregação, passa-se a exigir tratamento mais humanitário e a

disponibilidade de maior suporte social, físico e econômico para a inclusão social se

efetivar. Iniciam-se no Brasil discussões em torno do novo modelo educacional

denominado inclusão escolar. Este novo paradigma surgiu como uma reação

contrária ao processo de integração, e sua efetivação prática gerou muitas

controvérsias e discussões, pois não se podia garantir um espaço inclusivo apenas

colocando o deficiente na rede regular de ensino, mas sim por meio de preparação

para dar conta de trabalhar de maneira democrática a diversidade que se

encontrava em seu interior (URBANEK; ROSS, 2010, p.39).

Ao se fazer uma retrospectiva da história da Educação Especial, até a

década de 90, constatam-se muitas conquistas em relação à educação da pessoa

com deficiência intelectual. Partimos de uma quase completa inexistência de

atendimento a uma proposição e efetivação de políticas de integração social

(MIRANDA, 2008).

Na opinião de Glat e Pletsch (1999), criou-se uma falsa dicotomia entre

educação inclusiva e educação especial, como se o advento de uma representasse

a descontinuidade da outra. Na realidade, ocorre justamente o contrário. Em um

sistema educacional inclusivo torna-se fundamental a especificidade de experiência

em processos diferenciais de aprendizagem da educação especial, tanto no campo

de conhecimento, quanto como na área de atuação aplicada.

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Entre os importantes documentos norteadores de políticas públicas, temos

como instrumento jurídico precursor da inclusão no Brasil a Constituição Federal de

1988, que deixa claro que o atendimento educacional especializado aos alunos com

deficiência deverá ocorrer, preferencialmente, na rede regular de ensino. São

estabelecidas diretrizes para tratar a Educação Especial como modalidade da

educação escolar obrigatória e gratuita e são integradas as escolas especiais aos

sistemas de ensino.

De acordo com Bueno (1999, p. 9):

Não podemos deixar de considerar que a implementação da educação inclusiva demanda, por um lado, ousadia e coragem, mas, por outro, prudência e sensatez, quer seja na ação educativa concreta (de acesso e permanência qualificada, de organização escolar e do trabalho pedagógico e da ação docente) ou nos estudos e investigações que procurem descrever, explicar, equacionar, criticar e propor alternativas para a educação especial.

A segregação social, e a marginalização dos indivíduos com supostas

deficiências têm raízes históricas profundas, e a sua inclusão escolar não pode ser

vista apenas como um problema de políticas públicas, pois envolve, sobretudo, “o

significado ou a representação que as pessoas têm sobre o deficiente, e como esse

significado determina o tipo de relação que se estabelece com ele” (GLAT, 1998,

p.17).

Ficou claro para o grupo de professores da Escola onde foi realizado o

projeto de implementação, existir o desafio, serem as mudanças fundamentais, a

inclusão um processo, e nesse processo não podemos deixar de analisar seus

diversos aspectos. A resistência é um desses aspectos e é uma realidade que surge

com a proposta de educação inclusiva. Quando se observa a resistência por parte

dos educadores, não significa que os mesmos concordem com a segregação, mas

por outro lado partilham da ideia de a presença física da pessoa com deficiência na

classe comum não garantir seu sucesso nem transformar-se essa ação em ação

excludente. A falta de formação dos educadores para enfrentar esse desafio é uma

realidade, e essa formação, como tem acontecido, não deve se resumir a uma

palestra ou curso de curta duração e sim a um acompanhamento contínuo (GLAT,

1998), porque ações isoladas são consideradas paliativas e não resolvem o

problema em questão.

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Durante a apresentação dessa temática observou-se continuar sendo a

formação e preparo dos profissionais um tema de interesse comum a ser explorado,

abordados e discutidos no âmbito escolar ainda gerador de muitos questionamentos

acerca de em que consiste a garantia e de um ensino de qualidade para todos. Isso

exige da escola um novo posicionamento e é um motivo a mais para o ensino se

modernizar e para os professores aperfeiçoarem suas práticas. É momento para

atualização, inovação e reestruturação das condições atuais da maioria de nossas

escolas.

O fracasso ou o sucesso da aprendizagem do aluno sempre recaem sobre o professor. Em nenhum momento a equipe escolar se sente responsável. Isso eu venho observando há anos, principalmente na Educação Especial. (P7-AP)

3.

Segundo Mantoan (1988), a inclusão se concilia com uma Educação para

Todos e com um ensino especializado no aluno, mas não se consegue implantar

uma opção de inserção tão revolucionária sem enfrentar um desafio ainda maior: o

que recai sobre o fator humano.

O desafio imposto pela inclusão vem desestabilizando todo um processo de

fragmentação do ensino. Hoje o papel que cabe à educação, aos profissionais e à

sociedade é o de abandonar toda e qualquer ação que se mostre excludente, injusta

e discriminatória. Contudo, problematizar os vários aspectos da inclusão de ordem

social, política, econômica, pedagógica e cultural não caracteriza nesse momento

uma ação contrária, nem uma oposição às novas orientações. Trata-se, sim, de

interagirmos de forma clara, cortando as arestas, sem romantismo como nos coloca

Rosita Edler Carvalho, com os pés no chão, com os pingos nos "is", para que

aconteça e se concretize em bases sólidas, enfim para que dê certo.

2.1 CONTEXTUALIZANDO A DEFICIÊNCIA

Somos nós que definimos o outro (...). E a alteridade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade e a reforça ainda mais (...). A partir deste ponto de vista, o louco confirma a nossa razão (...); a criança, a nossa maturidade; o selvagem, a nossa civilização; o marginalizado, a nossa integração; o estrangeiro, o nosso país; e o deficiente, a nossa normalidade (LARROSA; LARA, 1998; p.8).

3 Sigla que equivale à identificação dos participantes; P: Professor; AP: Área Pedagógica; T:

Terapeuta; AT: Área Terapêutica. Cada profissional recebeu uma numeração.

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Iniciou-se essa temática com o questionamento da palavra “alteridade”, que

significa: estado, qualidade daquilo que é outro, a forma como o sujeito se

caracteriza. Para Vygotsky (1984) o ser humano ao estabelecer uma relação com a

realidade que o circunda apropria-se da cultura e ao mesmo tempo nela se objeta.

Portanto, alteridade é a dimensão do outro, é a relação que estabeleço com o outro.

Como nos coloca Ross4 (2011) “Eu sou o que você reconhece em mim. O que você

reconhece em mim me constitui”.

A concepção do termo alteridade, parte do pressuposto básico de que todo o

homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, a existência do

"eu - individual" só é permitida mediante um contato com o outro.

Em meio à equipe formada por professores, e nesse momento também de

alguns terapeutas, surge o seguinte questionamento:

“Falando em alteridade, o autismo, por exemplo, significa a ausência da ponte

entre o mesmo e o outro?” (P1-AP).

Ao considerar-se que alteridade é tudo aquilo que é de ordem exterior a nós,

que é também o reconhecer, a consciência da diferença, para o autista sempre

haverá essa falta, essa inacessibilidade, esse viver na incomunicabilidade, não

fazendo pontes com as pessoas que o cercam, com a sociedade onde está inserido,

entre o mesmo e o outro.

Estamos em constante diálogo com tudo que nos cerca de forma consciente e, diante disso, tomamos decisões o tempo todo em relação à metodologia, às técnicas e objetivos. Observo que poucas são as vezes em que nos permitimos questionar o que para nós não é coerente. Não estamos apenas reproduzindo uma prática já pré-estabelecida e dada como positiva? (P5-AP)

Para Vygotsky (1984), é pela atividade humana que o ser humano

transforma o contexto social no qual está inserido e é nesse mesmo processo que

se constitui como sujeito. Para Padilha (2007), fazemos pouca análise da outra face

da moeda – o sim e o não; o que não é. Para Vygotsky (2000, p. 33), “cada pessoa é

um agregado de relações sociais encarnadas num indivíduo”.

4Paulo Ross é Doutor em Educação Inclusiva pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como

professor e pesquisador na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Somos a constituição do outro, e reconhecer esse outro concreto é para nós

um espelho que nos torna real e, ao mesmo tempo, resultado das ações concretas

que, por sermos seres humanos, organizamos coletivamente concepções, análises e

infinitas possibilidades de vir a ser no contexto social.

A fala que se segue ilustra um momento de participação:

“Os encaminhamentos em sala de aula que se ancoram na abordagem

histórico-cultural devem levar em conta o quê?” (P9-AP).

Devem levar em conta as experiências concretas da pessoa com deficiência

ou não diante das relações sociais. Reconhecer nosso aluno como sujeito histórico

que é capaz de se inserir de forma atuante em sua realidade histórica e ao mesmo

tempo crítica, sendo oportunizado a ele recriar sua existência.

“Quem garante que nossa boa intenção não produza experiências

desastrosas?” (P7-AP).

Na condição de coordenadora do grupo, e com meu estudo focado na teoria

Vygotskyana, coloco que os questionamentos são válidos, contudo os fatos devem

ser encarados historicamente. Quanto mais nos conscientizamos, mais nos

tornamos capazes de sermos anunciadores e denunciadores no que consiste o

compromisso de transformação por nós assumidos (FREIRE, 2000, p.28).

“É possível vislumbrarmos uma educação inclusiva para „todos‟ na rede

pública de ensino? E quanto à educação sem preconceitos quando se trata da

pessoa com deficiência intelectual?”(T4-AT).

Questiona-se a inclusão, enquanto o fracasso escolar e a evasão constituem

um problema instalado nas escolas da rede pública de ensino, o pouco ou quase

nada reconhecimento do profissional da educação, espaços físicos inadequados e

muitas vezes sem acessibilidade. A Educação Especial nas academias é tema de

congressos, pesquisas, teses, artigos, enfim, de análises de propostas que contam

com um número considerável de estudiosos e educadores que apontam hoje

metodologias e teorias para - porque não - a participação de “todos” na sociedade

que para nós é a participação na vida cultural e também social.

Segundo Anache e Martinez (2005), para os profissionais da educação a

deficiência mental se expressa nas dificuldades de aprendizagem e adaptação

social. Para os profissionais da saúde, ela decorre de uma patologia que acarreta

prejuízos em quase todas as áreas, o que justifica o atendimento desses alunos por

uma equipe multiprofissional. Os profissionais adotam o mesmo conceito adotado

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pelo Ministério da Educação: são educandos com necessidades especiais aqueles

que necessitam de programas e recursos individualizados como condição de

aprendizagem.

As referidas autoras citam em seu artigo que, no Brasil, são considerados

educandos com necessidades especiais aqueles que no decorrer do processo

educacional apresentam:

Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo do

desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades

curriculares compreendidas em dois grupos:

a) Aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;

b) Aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou

deficiências;

Dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais

alunos demandando a utilização de linguagem e códigos aplicáveis;

Altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que

os levem a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes

(Resolução CNE/CEB N. 02 de set/2001).

De nada vale questionarmos o papel das escolas especiais, das instituições

e dos atendimentos clínicos oferecidos hoje às pessoas com deficiência, se não

analisarmos as relações que intermedeiam esse contexto, as interações. Afinal,

como cita Padilha (2000, p.206) “O deficiente não é deficiente por si só, o tempo

todo, como uma entidade abstrata e deslocada. A deficiência está contextualizada e

marcada pelas condições concretas de vida social.”

Para Vygotsky (1989), não é o defeito que decide o destino das pessoas,

mas, sim, as consequências sociais desse defeito.

Segundo Marques (2007), o conceito de ser humano não pode, em hipótese

alguma, ser tomado como um conceito unívoco, ou seja, não existe, de fato, uma

unidade de manifestações emocionais, intelectuais ou físicas que possa reduzir os

habitantes dos diversos recantos do planeta a um único conjunto de intenções e

manifestações. As crianças com síndrome de Down, como qualquer outra criança,

desenvolvem-se, crescem, interagem, progridem e aprendem, entretanto o fazem

com algumas particulares diferenciações.

Depois de muitos anos e muitos esforços, as pessoas com deficiência têm

demonstrado que podem aprender, superando um estado de abandono secular. Não

15

podemos perder os frutos de tantos esforços, temos de confiar em suas

possibilidades e capacidade (FEDERACIÓN ESPAÑOLA DE SÍNDROME DE

DOWN, 2010).

Oportunizar às pessoas com deficiência intelectual, sujeitos socialmente

capazes, o desenvolvimento das suas relações sociais, como condição de aceitar e

ser aceito, relacionar-se e conviver em sociedade exige compromisso coletivo.

“Ouvimos o tempo todo que a escola deve atender as necessidades de

todos sem discriminação. Como fazer isso se a ideia primária do professor é corrigir

comportamentos considerados desviantes?” (P10-AP).

Constata-se aí um equivoco nas concepções de escola e de educação;

lembremos da tão falada educação bancária que não possibilita o direito

fundamental de todo indivíduo de agir em sua própria história. O professor deve

abolir toda e qualquer ação que se mostre excludente, de desvalorização, que não

conceba o indivíduo em suas diferenças e que essa diferença não se constitua

marco ou critério de hierarquização.

Nesse sentido, as interações sociais são a base da estrutura social,

conforme a psicologia sócio-histórica, traz em sua essência a concepção de que

todo Homem se constitui como ser humano pelas interações sociais que estabelece.

Desde que nasce, o indivíduo é socialmente dependente dos outros e se envolve em

um processo histórico que, de um lado, oferece dados para compreensão de mundo

e visões sobre ele e, de outro, permite a construção de uma visão pessoal, sobre

este mesmo mundo (MARTINS, 1997, p. 111).

Uma vez que esse estudo fundamenta-se na teoria sócio-histórica de

Vygotsky (1984), vale ressaltar que nos seus estudos a noção de desenvolvimento

está atrelada a um contínuo de evolução, no qual caminharíamos ao longo de todo o

ciclo vital. Essa evolução, nem sempre linear, dar-se-á em diversos campos da

existência, nas seguintes áreas: afetiva, cognitiva, motora e social.

Parafraseando Anache (1997), a deficiência possui etiologias diversas e

pode ser vista como uma via comum de vários processos patológicos que afetam o

funcionamento do sistema nervoso central. Segundo a referida autora, esse conceito

é oficialmente assumido no Brasil e apresenta uma concepção de aprendizagem da

pessoa com deficiência fundamentada em uma visão adaptativa e naturalista sobre

os processos de aprendizagem. A perspectiva histórico-cultural nos oportuniza

problematizar essa visão, uma vez que a deficiência é entendida como uma

16

construção social e o sujeito considerado na sua singularidade, o que justifica se

constituírem as funções psicológicas superiores por intermédio das atividades

humanas no contexto cultural.

Enquanto professora e com uma experiência de vinte cinco anos no magistério, observo que nos últimos anos a inclusão tem mostrado quase que como uma “ansiedade geral” entre os educadores. Há uma fórmula mágica pedagógica de inclusão? Se há, qual é?(P9-AP)

Não há. Temos, sim, uma tentativa de mediante as metodologias e as

práticas de ensino oportunizar uma melhor adaptação da pessoa com deficiência

intelectual nas escolas de ensino regular. Devemos nos questionar na condição de

educadores, nosso envolvimento conjunto na elaboração de estratégias que

favoreçam a inclusão. Como educadores, precisamos ter bem claro o que queremos,

o que buscamos e pelo que lutamos; caso contrário, farão essa escolha por nós e

teremos que arcar com o que a nós for imposto, mesmo que nos pareça incerto e

inviável. Fazer valer os princípios de respeito à dignidade e às diferenças, à

igualdade de oportunidades, impedir práticas que constituem discriminação e

exclusão, garantindo, assim, a toda pessoa com deficiência, desfrutar dos direitos

humanos e da liberdade, eliminando os empecilhos de sua plena participação na

sociedade.

Em relação à inclusão, o que houve no Brasil foi a inversão de fatores,

diferentemente de outros países, cuja legislação que a garante antecedeu a história

de inclusão. Não houve uma preparação, por isso essa “dificuldade” em se fazer

cumprir a lei, por isso tanto temor, tanta ansiedade, tanta frustração.

2.2 A TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA

Apresentou-se aos professores e terapeutas que a escolha pela teoria sócio-

histórica surgiu como proposta teórica que leva em conta o sujeito histórico, o sujeito

em sua concretude, aprofundando-se principalmente no tema da relação entre

pensamento e linguagem, pois temos a linguagem como instrumento primordial para

interação social de qualquer indivíduo, seja ele deficiente ou não. Surgiu também

como possibilitador de análise e questionamento da teoria em questão, focada na

psicologia cognitiva que abrange a percepção, a memória, a atenção, a resolução de

17

problemas, a fala e a coordenação motora, tendo como eixo norteador um sujeito

real e inserido, não desconectado de seu tempo, mas concreto, histórico e social.

Durante a discussão dessa temática observou-se que as expectativas dos

professores crescia à medida que a teoria sócio-histórica era apresentada e que

para alguns estava sendo encarada como tábua de salvação, pois questionavam a

prática da teoria.

“Podemos sonhar com uma nova metodologia que surja e resgate uma nova

pedagogia, um novo olhar, que fuja totalmente dessa visão terapeutizada da

educação especial que muitos profissionais leigos ainda têm?” (P15-AP).

Estamos diante de uma situação priorizada em lei e já participamos da

construção do projeto político–pedagógico inclusivo, e isso nos possibilita vislumbrar

esse intercâmbio entre escolas especiais e regulares visando a ações pedagógicas

que correspondam às particularidades de aluno e garantam a esses sujeitos a

efetiva inclusão.

“Devo esquecer as outras teorias e considerá-las fracassadas, uma vez que

posiciona a teoria Vygotskyana como exemplo de perfeição? Essa teoria não está

em nenhum material didático. Como posso colocá-lo em prática?” (P7-AP).

Buscaram-se estratégias para lidar com a ansiedade instalada de alguns

professores e da estagnação de outros. Isso era desafiador e ao mesmo tempo

positivo, pois conseguir desestabilizar toda uma postura metodológica e observar

que os professores conseguiram se distanciar da prática e refletiam sobre a mesma

com a posição de questionadores à luz de uma outra teoria.

Um gesto de indignação, algo que inquieta e até mesmo incomoda, funciona

para o educador como um despertar para uma mudança de olhar, uma ação

reflexiva diante do seu cotidiano, oportunizando a abertura de novos horizontes.

A teoria sócio-histórica nos permite estudar a relação entre funcionamento

intelectual e a cultura na qual se insere a pessoa com deficiência. Contudo, vale

ressaltar que uma teoria não pode ser vista como tábua de salvação e que não é

somente por meio da teoria que vamos resolver o problema da prática na Educação.

Torna-se necessário, um estudo mais profundo, trabalhar a partir da prática concreta

da nossa realidade, tentando um movimento de transformação de mentalidades.

Colocou-se para o grupo de professores e terapeutas que a teoria em

questão diferencia-se de outras porque ao se analisar a criança com deficiência,

suas potencialidades e limites, concentra-se nas habilidades e potencialidades que

18

essas possuem e que se tornarão a base primordial para o desenvolvimento de suas

capacidades integrais. Vygotsky (1989), direciona seu olhar bem mais para o que

representa força do que pelo que representa deficiência, rejeitando os testes que

medem capacidade como objeto quantificador das capacidades.

Questionou-se diante do olhar atento de cada professor.

“Estamos em momento de mudança de paradigma? Como colocar em

prática as teorias sócio-históricas no cotidiano da sala de aula? Por que ainda

dividimos em estágios o desenvolvimento da criança?”

Observa-se que há hesitação diante de alguns questionamentos que põem

em evidência práticas materialistas e mecanicistas. O estudo em questão traz um

contraponto teórico sobre a educação pautada nessas concepções. Pautar o

desenvolvimento da criança numa visão desenvolvimentista, que classifica e divide

em estágios, distancia o educador desse educando, descontextualiza o

desenvolvimento e descortina a hierarquização desse profissional que considera

previamente conhecer tão bem o individuo sob seus cuidados. Definir exatamente o

que esse educando conhece, porque conhece, o que detém e o que não detém,

nada mais é que um encaixe em estágios pré-definidos. O educador deve ter como

foco, ao observar o educando, a dimensão histórica que o mesmo está inserido

social e culturalmente. Parafraseando Bakhtin (1980), o homem não nasce só, como

um organismo abstrato, nasce também socialmente.

Vygotsky (1997), concluiu que o ser humano é um ser ativo que influencia

nesse meio, ou melhor, na criação desse meio. É quando o elemento histórico

mistura-se e funde-se ao cultural. Essa constante mediação da criança com os

adultos faz com que esse novo ser incorpore-se à cultura acumulada historicamente.

Inicialmente, as reações desse novo ser são biológicas, pois suas respostas são

dominadas pelos processos naturais. Porém, pela mediação os processos

instrumentais mais complexos (inter psíquicos) surgem com maior definição e forma.

A abordagem histórico-cultural de Vygotsky (1989), concebe o

desenvolvimento humano como processo que transcorre nas condições concretas

de vida na cultura e, assim, atribui às práticas sociais e às instâncias institucionais,

um papel efetivamente formativo do sujeito. As noções centrais de mediação social e

internalização traduzem em tese que o ser humano é social desde o início e se faz

indivíduo nas relações sociais, assimilando a cultura e sendo por ela assimilado

(GÓES, 2009).

19

Para Vygotsky (1997), há necessidade de que os processos educativos

recaiam principalmente na riqueza de um ensino, no qual as funções psicológicas

superiores tenham sua gênese. Significa que devemos ficar atentos à reconstituição

desse educando nas relações com outro, na relação com o social de maneira que as

representações e as compreensões tenham significado, pois estão permitindo outras

possibilidades educativas no contexto educacional. Todas as atividades cognitivas

básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se

constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade.

Portanto, as habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do

indivíduo não são determinadas por fatores congênitos. São, isto sim, resultado das

atividades praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que o

indivíduo se desenvolve.

Conforme a teoria histórico-cultural o aprendizado não se subordina

totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se

alimenta do outro, provocando saltos de nível de conhecimento. É a isso que se

refere um de seus principais conceitos - o de zona de desenvolvimento proximal

(ZDP) - que seria a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo

que ela tem como potencial de aprender – potencial que é demonstrado pela

capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto.

Segundo Rego (2004), o aprendizado é o responsável por criar a zona de

desenvolvimento proximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a

criança é capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento

que, sem a ajuda externa, seria impossível ocorrer. É por isso que Vygotsky (1984,

p. 98) afirma que: “‟aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível

de desenvolvimento real amanhã - ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com

assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã”.

Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre

o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer

sozinha. Saber identificar essas duas capacidades, e trabalhar o percurso de cada

aluno entre ambas, são as duas principais habilidades que um professor precisa ter.

É importante nesse momento destacar a abordagem em tom de

questionamento de uma das professoras participantes:

20

Alguns colegas que atuam na rede regular de ensino, por temerem não o deficiente, mas o desconhecido. Por também temerem não dar conta de ensinar, pois não sabem de fato o que, e como ensinar experimentando, assim, um sentimento de impotência diante da pessoa com deficiência, preferem posicionarem-se contra a inclusão. Se questionamos o porquê da sua posição, pouco nos convencem. Temos muitos profissionais que preferem se esconder em sua covardia, do que lançarem ao desafio de enxergar a criança, suas dificuldades e potencialidades (P8-AP).

Para Vygotsky (1997), a deficiência, seja ela em que grau for, causa impacto

no ambiente, e poderá ser fonte geradora de possibilidades ou limitações, portanto,

todo trabalho seria para evitar que o defeito primário se constituísse em defeitos

secundários. Vygotsky (1997) define o defeito primário como sendo de origem

biológica, e o secundário como sendo construído na relação social. Afirma que ao

relacionar-se com outras pessoas, o ser humano acaba relacionando-se consigo

mesmo; ele enfatiza a ideia proposta pelo materialismo histórico dialético, que

propõe o homem como ser social em constante mudança pelo meio no qual está

inserido. Dessa maneira, a criança, com deficiência intelectual, relacionar-se-á

consigo mesma de acordo com o seu ambiente. Se esse ambiente for acolhedor e

produtivo, ela tenderá a se sentir acolhida e produtiva; em contrapartida, se esse

ambiente for discriminatório e improdutivo, ela tenderá a se sentir discriminada e

incapaz.

Para a pessoa com deficiência intelectual, estabelecer e manter vínculos

sociais, antes de tudo, implica capacidade de organizar sentimentos, pensamentos e

emoções no contexto de seu ambiente como casa, escola, trabalho, fazendo uso da

linguagem verbal ou não verbal de maneira articulada e efetiva. Quando se

relacionam habilidades sociais a um determinado grupo, leva-se em conta sua

cultura, seu contexto, a função que desenvolve, a idade, os valores, as expectativas

de sua realidade atual, e isso tudo definirá o repertório de habilidades esperados e

os padrões a serem seguidos, e até mesmo valorizados.

Ao assumir o papel de educador, é inerente o comprometer-se com uma

educação que contemple o sujeito em sua complexidade. Vale ressaltar, que nos

estudos de Vygotsky (1997), a noção de desenvolvimento está atrelada a um

contínuo de evolução, em que caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital. Essa

evolução, nem sempre linear, dar-se-á em diversos campos da existência, tais como

afetivo, cognitivo, social e motor.

21

Parafraseando Anache (1997), a deficiência possui etiologias diversas e

pode ser visto como uma via comum de vários processos patológicos que afetam o

funcionamento do sistema nervoso central. Segundo a referida autora, esse conceito

é oficialmente assumido no Brasil e apresenta uma concepção de aprendizagem da

pessoa com deficiência, fundamentada em uma visão adaptativa e naturalista sobre

os processos de aprendizagem. A perspectiva histórico-cultural nos oportuniza

problematizar essa visão, já que a deficiência é entendida como uma construção

social e o sujeito considerado na sua singularidade, o que justifica que as funções

psicológicas superiores se constituem por intermédio das atividades humanas no

contexto cultural. Por conseguinte, para a sociedade, o indivíduo especial é visto

„naturalmente‟ como inferior e incapaz, porque isso foi construído socialmente e

dessa maneira justifica-se uma exclusão natural e até então muito bem aceita.

Afinal, o que nos determina na condição de sujeitos? Alguns

questionamentos foram muito importantes durante a discussão da temática para

uma retomada do tema, pois as vozes dos profissionais nesse momento tinham

extremo valor para a construção final do artigo em questão.

“Não sei muito bem o que nos determina, mas que estamos sempre nos

adaptando, estamos (...) ao contexto, ao sistema, ao ambiente (...). Para Vygotsky

deve ser mais ou menos isso, não é?” (T6-AT).

Complementando o pensamento da professora, somos um conjunto de

possibilidades e as condições sociais nos determinam. O ser biológico, essa

entidade humana, enquanto conjunto de possibilidades desenvolve durante seu

percurso algumas habilidades e outras não. Ganhamos e perdemos, adaptamo-nos

biológica e socialmente durante toda nossa vida.

Vygotsky (2004), foi um grande pesquisador e tratarmos sua teoria de modo

dogmático contraria a maneira como conduziu seus estudos e pesquisas. Ele

aprofundou-se em diversas áreas do conhecimento e, se quisermos ser coerentes

com a sua teoria, devemos tê-la como ponto de partida e não como ponto de

chegada.

22

2.3 INTERAÇÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL:

SUJEITO NA DIFERENÇA

Iniciou-se essa temática buscando definir com o grupo o que é interação

social. Importante destacar que não somos diferentes de nosso tempo e não há

troca humana no contexto de uma sociedade que não seja considerada social. E

quando nesse social coletivo questionamos a exclusão e o preconceito, não há

como interpretá-los, senão, vinculando-o ao que se passa pela interpretação do

coletivo. Foi lançado ao grupo de professores o seguinte questionamento: Podemos

considerar a consciência humana como um produto social? Com certeza. A

interpretação do coletivo nada mais é que a consciência, muitas vezes herdada de

gerações anteriores que se cristalizaram. Não houve, de quem a reproduz hoje,

participação direta de sua construção, contudo nós a repetimos e a reproduzimos na

maioria das vezes de forma inconsciente. Conhecemos pouco ou quase nada da

construção social que nos move, o que nos guiou e guia até mesmo nas pequenas

ações cotidianas.

Depois dessa consideração, os professores foram convidados a fazerem

uma análise reflexiva de suas próprias trocas, das trocas de seu aluno no contexto

social e o que isso simboliza para a pessoa com deficiência que carrega a marca da

“diferença”. Observou-se que essa experiência, esse diálogo com os professores,

oportunizou reflexão sobre a ação.

Segundo Carvalho (2010), as relações sociais ocorrem em todos os lugares

de uma formação social e, na prática, a experiência vivida e as decorrentes das

relações sociais não ocorrem em espaços mutuamente exclusivos. Quando se trata

da pessoa com deficiência, suas diferenças no contexto social ganham outra

dimensão e conotação.

O desenvolvimento humano está intrinsecamente relacionado à evolução, ao

ciclo que se tece durante toda a vida. Quando se trata do desenvolvimento da

pessoa com deficiência intelectual, suas diferenças no contexto social ganham nova

dimensão com outra conotação, tem sua potencialidade muitas vezes desvalorizada,

destacando-se somente o que nele é ineficiente e busca-se, sobremaneira, repor

essa ineficiência de forma assistencialista muitas vezes maquiada e intitulada

'inserção social'.

23

Trabalho também em uma Escola do Ensino Regular e lá ouço os professores dizerem que quando tem um aluno especial na sala não o tratam com diferença. Para esses profissionais todos são iguais. É correto agir de maneira a não reconhecer o deficiente enquanto um aluno que precisa de um atendimento diferenciado? (P3-AP)

Deve-se ter muito cuidado com a afirmação de "são diferentes, mas são

tratados como iguais". Diferentes em quê? Iguais em quê? Não é negando a

diferença que conquistaremos o respeito político e social, mas de como essa

diferença vem sendo analisada e entendida no contexto atual.

A maturação pela qual passa qualquer indivíduo, em todo seu processo de

desenvolvimento, recebe uma gama de influências e estímulos externos que

podemos considerar o meio onde essa criança está inserida, que envolve vários

aspectos como: sociedade, cultura, aspectos socioeconômicos, ambiente familiar,

entre outros.

O desenvolvimento somente pode acontecer de forma saudável, se este

puder experimentar uma interação humana que lhe forneça os instrumentos para

lidar com o mundo. Ao interagir com o meio, o ser humano se desenvolve criando

ferramentas para lidar com o mundo que o cerca (FEUERSTEIN, 1994).

Ao tratar-se do desenvolvimento das interações sociais da pessoa com

síndrome de Down, não podemos deixar de fazer referência à inclusão/exclusão

social desse indivíduo e à identidade que ele constrói sob influência dessa interação.

As causas de exclusão na sociedade hoje são as desigualdades de oportunidades,

não só para a pessoa com deficiência intelectual, mas principalmente para aqueles

com diferenças econômicas, étnicas e culturais numa sociedade que valoriza o

padrão "normalidade", e aqueles que não se encaixam, ou melhor, não se

enquadram nesse padrão, encontram-se em grande desvantagem e fora do padrão

estabelecido como ideal. A desigualdade, essa diferença, foi construída

historicamente; portanto, nenhum decreto, nem as lutas travadas em favor de

políticas sociais que buscam equidade podem mudar repentinamente esse fato.

Observo que não só eu, mas muitos outros colegas agem de forma a sempre apontar ao aluno “especial” indicando o que fazer, quando fazer, como fazer (...). Não oportunizamos, muitas vezes, que o mesmo faça escolhas. Não damos muitas vezes autonomia para que o mesmo se desenvolva. (P14-AP).

24

Quando buscamos desenvolver, oportunizar interações sociais, temos

garantir a esses indivíduos seu direito às escolhas, atitudes e ações. Quando lhes é

negado o direito à interação, à decisão, à escolha, oportunizamos-lhes apenas o

isolamento e a compaixão aos olhos de quem os vê, validando o estigma, a

exclusão, a discriminação, a inferiorização e a diferença.

Para Carvalho (2010), a questão da diferença como relação social pode ser

resumida nas seguintes indagações: nas relações sociais, a percepção das

diferenças atua como meio de valorizar a diversidade ou como prática excludente?

Após um significativo silêncio e troca de olhares, uma educadora posiciona-

se:

Devemos desenvolver um olhar mais atento, pois enquanto acreditamos estar valorizando a diversidade, estamos também o tempo todo tentando disciplinar, ajustar, moldar o individuo especial a um padrão pré-estabelecido de normalidade. Será que continuamos hierarquizando e infelizmente classificando nosso aluno e impedindo que o mesmo estabeleça relações interpessoais positivas? Será que não há uma busca quase que inconsciente do educador por uma „eficiência‟ ditada pela sociedade? (P14-AP)

Segundo Löhr (2004), a dificuldade de estabelecer e manter

relacionamentos interpessoais produtivos estão presentes na vida de muitas

pessoas, constituindo-se, como no caso de algumas deficiências, não o problema

central, mas parte do quadro da própria deficiência. Temos hoje uma sociedade

regida por regras muito claras que dá grande valoração à eficiência.

Marques (1992, p.8) afirma que:

O que temos é uma sociedade impregnada de preconceitos e de um espírito de competição que, por prepotência dos ditos 'normais', procura estabelecer os limites do outro, como se esse fosse um inválido e, consequentemente, um ser digno apenas de „caridades‟ marginalizadoras e humanamente humilhante.

Ao referir-se ao desenvolvimento das interações sociais do indivíduo com

deficiência intelectual, busca-se minimizar a discriminação e a exclusão. Busca-se

derrubar as barreiras que impedem a plena socialização do indivíduo com

deficiência e com o paradigma na sociedade de que o indivíduo com deficiência

deva carregar consigo uma patologia que o exclua do convívio social e deixe-o à

margem do convívio com pessoas ditas “normais”. Quer-se em uma sociedade

25

inclusiva que se valorizem as diferenças como elemento enriquecedor, não por

decreto ou determinação, mas de forma espontânea e inerentemente inclusiva.

“Gostaria de saber um pouco mais sobre a aprendizagem da criança com

síndrome de Down.” (T6-AT).

Ao indagar-se sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da pessoa com

síndrome de Down, no papel de sujeito-histórico-social, que se constitui na relação

com o outro, apropriando-se historicamente dos conhecimentos, reportamo-nos à

teoria histórico-cultural de Vygotsky, a qual nos permite problematizar essa visão em

função de a deficiência ser compreendida como construção social. Consoante

Vygotsky (1989), há necessidade de que os processos educativos recaiam

principalmente na riqueza de um ensino, no qual as funções psicológicas superiores

tenham sua gênese. Significa que devemos ficar atentos à reconstituição desse

educando nas relações com o outro, na relação com o social de maneira que as

representações e as compreensões tenham significado, pois estão permitindo outras

possibilidades educativas no contexto educacional.

O ser humano possui uma história social e nela englobam-se elementos de

sua cultura resultantes de seu contexto. Dentro da perspectiva histórico-cultural, a

aprendizagem não se limita apenas à aquisição de habilidades. O método dialético

nos dá a possibilidade interpretativa a partir da dimensão histórico-cultural do

desenvolvimento humano nas relações sociais, em seu movimento, analisando os

fatos historicamente.

De acordo com Vygotsky (2000), todas as atividades cognitivas básicas do

indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no

produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade. Portanto, as

habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do indivíduo não são

determinadas por fatores congênitos. São, isto sim, resultado das atividades

praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que o indivíduo se

desenvolve.

“Nem sempre a deficiência simboliza um obstáculo” (T4-AT).

A deficiência em si, origina não somente dificuldades e obstáculos, origina

também força para vencer; forças, porém, que só poderão ser vistas, interpretadas

e compreendidas com um outro olhar, por um outro prisma. O que tem acontecido,

segundo Padilha (2000), é que as ideias de „força‟, de „potencialidade‟ e

„possibilidade‟ constante dos programas de educação especial e que fazem parte

26

das falas dos profissionais, têm sido direcionadas no sentido restrito de evitar a

discriminação. Fala-se em considerar a criança ou o jovem deficiente como

„qualquer outra criança‟, ou „qualquer outro jovem‟. Afirma-se, por exemplo: „tratamos

estes jovens como se fossem normais. Esta ideia, esta concepção, mesmo

parecendo libertadora, é mobilizadora e, na verdade mascara a dificuldade de

compreender as condições de produção do pensamento e da ação dos deficientes,

resultando em dificuldades de programar as práticas educativas. Quando não se

reconhece a deficiência, a diferença é mascarada e, dessa forma, dá-se abertura

para exclusão. Segundo Vygotsky (1989, p.23): “a escola especial tem diante de si a

tarefa da criação positiva, da criação de suas formas de trabalho que respondam às

peculiaridades de seus educandos”.

Para Carvalho (2010), somos diferentes e queremos ser assim, e não uma

cópia malfeita de modelos considerados ideais. Somos iguais no direito de sermos,

inclusive, diferentes!

Ao reconhecermos as diferenças, possibilitamos ao educando participar de

maneira mais efetiva em seu contexto, e não apenas com a presença física em seu

ambiente educacional e social.

2.4 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA PESSOA COM SÍNDROME DE DOWN

Destaca-se, nesse último encontro com os professores, o quanto esse tema

tem estado em foco e tem sido discutido em diferentes teorias filosóficas e das mais

variadas maneiras. Acredita-se que ao abordarmos o tema processos de

aprendizagem da pessoa com síndrome de Down, devemos considerar também os

fatores biológicos, ambientais e psicológicos desse indivíduo. Há, não podemos

negar, uma significação negativa perpetuada muitas vezes pela condição irreversível

do quadro, conferindo maior destaque à patologia e focando-se nos déficits e lesões

ocasionados pela síndrome e é isso que é reproduzido na sociedade, criando-se,

dessa forma, o estereótipo “a criança com deficiência intelectual não aprende, é

limítrofe ou não alcançará avanços significativos no processo de aprendizagem”.

Quem de nós já não se debruçou para analisar e aplicar posições teóricas

como: independência entre desenvolvimento e aprendizagem - pela teoria

Piagetiana; aprendizagem igual a desenvolvimento – pela teoria behaviorista;

aprendizagem e desenvolvimento - processos diferentes, mas mutuamente

27

relacionados – com a teoria gestaltista. Buscamos avidamente por uma que faça a

diferença e nos renove os ânimos, pois o cotidiano da prática pedagógica, no âmbito

das escolas especiais, exige de cada um de nós direcionamento de nossa

intervenção determinando qual é a nossa prática educacional e como a mesma

contribui para os resultados esperados.

Para Palangana (1989), muitas são as teorias que se propõem a explicar

como se dá a aquisição do conhecimento, todavia poucas são as que se voltam para

a interação sujeito/objeto como elemento fundamental no processo de construção e

evolução do conhecimento e do próprio homem. Como se sabe, as indagações

acerca da natureza humana e da possibilidade de trocas sociais que esta oferece é

tão antiga quanto as obras dos grandes filósofos.

Segundo Anache (2005), a aprendizagem é um sistema complexo composto

por três subsistemas que interagem entre si: os resultados da aprendizagem (o que

se aprende), os processos de aprendizagem (como se aprende), e as condições

práticas (em que se aprende). O contexto educacional de qualquer indivíduo com

síndrome de Down ou não, deve ser um contexto que proporcione, além desses

questionamentos, riqueza de experimentações, jamais desintegrado de seu

momento histórico e de seu espaço sociogeográfico concreto. Esse contexto não

pode ser compreendido quando não vinculado historicamente, socialmente e

pautado na realidade.

“Ouço falar sobre relação entre defeito e mecanismo de compensação. O

que isso significa? Podemos aplicar essa teoria com nossos alunos?” (P15-AP)

Respondendo ao questionamento, ao analisarmos as contribuições de

Vygotsky (1984-1997), observamos haver relação entre o defeito e o mecanismo de

compensação e que a aprendizagem orienta e estimula processos internos de

desenvolvimento. Nenhum sujeito é resultado de simples reflexos estímulos-

resposta; as mediações estabelecidas por esse sujeito nas relações humanas

resultam em modificações no seu ambiente. É fundamental reconhecer o educando

enquanto indivíduo concreto, situado contextualmente e que sua bagagem, isto é,

sua situação pedagógica como resultado de sua vivência, da experiência que o meio

social lhe fornece, é fator preponderante e fundamental.

Segundo Rego (1995, p.56), atribuiu-se enorme importância ao papel da

interação social no desenvolvimento do ser humano. Vygotsky (1984), faz críticas

aos paradigmas "botânicos" e "zoológicos" adotados para explicar o

28

desenvolvimento infantil. Para ele, o termo "botânicos" é usado quando considera

que o desenvolvimento da criança depende do processo de maturação do

organismo, o que considera um fator secundário no desenvolvimento, pois o

desenvolvimento depende da interação da criança e de sua cultura. Considera, para

o termo "zoológicos", uma definição equivocada do desenvolvimento, pois busca

resposta no reino animal, fundamentando-se apenas no desenvolvimento enquanto

base biológica. Para Vygotsky (1984), consoante Rego (1995), considerar apenas a

estrutura fisiológica humana, o que o indivíduo traz de forma inata não é suficiente

para produzir o indivíduo humano. Todas as características humanas e individuais

como: modo de agir, de pensar, de sentir, seus valores éticos e morais,

conhecimentos, visão de mundo, dependem da interação do ser humano com seu

meio físico e social.

Para ilustrar, tomemos como exemplo o caso verídico das "meninas-lobas"

encontradas na Índia, as quais viviam em meio a uma manada de lobos e agiam,

comiam e se comportavam como animais.

“Então, para que o indivíduo se humanize é necessário que interaja com

outros seres humanos e conviva em um ambiente que lhe oportunize se apropriar da

sua cultura histórica?”(T5-AT).

Com certeza, pois o que é inato, o que é de ordem biológica, não é

suficiente para produzir o indivíduo que partilha, que se apropria de uma cultura,

reage, troca e se desenvolve humanamente.

É muito importante que fique bem claro que assim como as pessoas sem

nenhuma incapacidade intelectual, e as pessoas com síndrome de Down, não existe

um padrão de desenvolvimento que pode ser aplicado a todas elas, não só porque

geneticamente existem várias formas de se produzir a alteração cromossômica,

geradora da síndrome, como também há grupos com atrasos particulares e distintos

que recebem atendimento diferenciado por terem sido expostos a ambiente pouco

favorável a seu desenvolvimento. A deficiência, portanto, não estabelece uma forma

única de aprendizagem; deve-se levar em conta seu ambiente cultural.

Todas as crianças, independente de serem normais ou com atrasos

cognitivos, passam pelos mesmos processos de desenvolvimento, contudo não seria

ético criar falsas expectativas em relação ao seu desenvolvimento global, tampouco

fomentar expectativas pessimistas. Podemos, sim, afirmar seguramente que a

maioria dos estudos realizados no Brasil, e em outros países apontam ter a pessoa

29

com síndrome de Down seu processo de desenvolvimento cognitivo, motor, sócio-

emocional e da linguagem semelhantes ao das pessoas normais, porém para seu

progresso exige maior atenção e mediação. A capacidade intelectual é bastante

dinâmica, portanto melhoram conforme as condições ambientais oportunizadas

(SAAD, 2003).

“Como devo transformar a minha prática?” (P9-AP).

Transformar a prática pedagógica numa prática conjunta, com tendência a

observar mais, compreender e significar esse indivíduo, esse agente cultural que

constrói, reconhece, abstrai e conceitua sua realidade a partir das interações sociais,

ou seja, daquilo que lhe acresce nas trocas que medeia. Essa mediação é feita

também pela linguagem, a qual representa um importante objetivo a ser considerado

no processo de desenvolvimento. O papel da linguagem no desenvolvimento da

criança com deficiência está atrelado ao desenvolvimento mental e deve ser

considerado como um processo histórico diretamente ligado ao seu contexto

(ambiente) social e que direciona ao desenvolvimento das funções mentais

superiores. A linguagem atrelada à cultura e a internalização desses signos torna-se

instrumento de inserção social.

Não são as interações sociais também linguagem? Qual linguagem nossos

alunos estão trazendo para o contexto da sala de aula? Estejamos atentos não só

para o verbalizado pelos alunos no cotidiano da sala de aula, mas como isso se

efetiva, pois nesse momento um olhar mais atento pode captar o que emerge nessa

relação, nessa troca. Essa dinâmica dialógica favorece um espaço democrático,

onde o professor é mediador e não um mero transmissor de um saber pronto.

A linguagem é considerada uma das principais limitações da pessoa com

síndrome de Down. Constitui a dificuldade linguística, um obstáculo fundamental que

afeta não só seu desenvolvimento pessoal, mas também o social.

O educando reconhece e constrói sua realidade na relação com o outro,

portanto não podemos ignorar que essa relação social vem permeada pela

linguagem. Para Vygotsky (1984), é na escola que se dão as produções sociais de

signos e por meio da linguagem se delineia a possibilidade de ambientes

educacionais focado na apropriação de uma cultura na história humana.

Para Vygotsky (1989), a linguagem é o maior mediador. Quando se

relaciona pensamento e linguagem, para ele não há possibilidade de

desenvolvimento cognitivo distanciado da linguagem e também não há linguagem

30

sem a mediação realizada na interação. E não podemos deixar de expor que a

linguagem, por sua vez, é socialmente formada e culturalmente constituída e, assim,

sua significação acontece no meio social. A palavra só possui significado quando

contextualizada.

Segundo Padilha (2007, p.6), o funcionamento simbólico não tem sido

privilegiado nos programas das escolas ou instituições de educação especial. Ainda

referindo-me a autora, a mesma cita que para Marx (1996 apud PADILHA, 2007), as

relações acontecem na sociedade civil, que é o sistema de relações sociais; o

método do materialismo dialético de Vygotsky (1993), também tem como foco central

estudar o homem na sua relação concreta de vida, tendo as ações humanas

significância resultante na hominização.

Para oferecer uma educação à pessoa com síndrome de Down, que é um

ser histórico, cultural e simbólico tem que se considerar uma educação que faça

sentido, que possa dar sentido aos pensamentos, às ideias, às emoções, às

indagações, enfim, ao seu desenvolvimento cognitivo. Isso não deve estar

dissociado do simbólico, desse ser simbólico que precisa, através da mediação de

um profissional, significar e pensar esse mundo, dar sentido a ele por meio dessas

relações intersubjetivas.

Quando se oportuniza à pessoa com síndrome de Down participar da vida

cultural que a cerca, desenvolver seu comportamento simbólico, fazer abstrações,

interpretar o mundo simbolicamente é um meio de integrá-lo no contexto real, é uma

maneira de não limitarmos o individuo à sua deficiência, é permitirmo-nos olhar para

além da patologia.

“Quais mudanças devo fazer no meu planejamento? Devo alterar minha teoria

e metodologia? Afinal, como ocorrem esses processos simbólicos na pessoa com

síndrome de Down?” (P11-AP)

Para Wallon (1986), o progresso intelectual do ser humano acontece com o

desenvolvimento da função simbólica. Entre o desenvolvimento sensório-motor e o

plano simbólico, está o meio social, a vida em sociedade, um ambiente humanizado

no qual principalmente a linguagem desempenha papel formador e constituidor.

A teoria de Vygotsky permite estudar e analisar esse homem nas suas

relações concretas de vida através do método do materialismo dialético histórico. A

linguagem, segundo Vygotsky (1993), é uma ferramenta e a palavra é o signo

mediador das relações sociais.

31

Para instigar o grupo a refletir, faz-se o seguinte questionamento:

Quando pensamos o mundo a partir do olhar da pessoa com deficiência nos

perguntamos: Qual o sentido de mundo para esse indivíduo? O mundo tem um

sentido, e esse sentido é captado pelo simbólico, e esse simbólico é expresso e

manifestado pela linguagem.

Complementa-se essa observação enfatizando a importância da linguagem, e

que é por meio dela que interagimos, essa linguagem só surge na interação social.

As condições socioculturais muitas vezes precárias a que estão submetidos nossos

alunos, afetam seu desenvolvimento cognitivo, motor, afetivo, social e linguístico.

Segundo Changeux (1991 apud PADILHA, 2007, p.31), diz que um meio ambiente

'patológico' pode inscrever-se em neurônios e sinapses de um indivíduo normal.

Subsistem possibilidades de recuperação, mas perdem-se pouco a pouco. O que

não podemos aceitar é transformar cada dificuldade em patologia, reduzir o ser

humano ao estritamente biológico.

Segundo Padilha (2007, p. 32):

Estamos diante de uma polêmica questão: O que é da ordem do biológico e o que é da ordem do cultural? O que é do organismo e o que é da sociedade? O que é individual e o que é social? Se ainda não temos respostas teórico-metodológicas satisfatórias, temos histórias reais para contar.

Devemos compreender como se dá o desenvolvimento e não somente

reconhecer e classificar as deficiências, deixemos de lado o CID-10, documento da

Organização Mundial da Saúde (OMS) para Classificação de Transtornos Mentais e

de Comportamento. Ela apenas enquadra e classifica a pessoa com deficiência

intelectual em uma categoria, pouco orientando o profissional que avalia e

desenvolve um trabalho com ele.

Deixemos as práticas classificatórias, sejamos mais críticos em relação à

reprodução mecânica dos conteúdos aplicados, provoquemos no nosso cotidiano

escolar reflexões em relação ao processo ensino-aprendizagem, transformemos as

práticas, renovemos nosso ânimo e nossas estratégias de ensino promovendo,

assim, mudanças substanciais frente às diferenças individuais.

32

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo, propôs-se análise e reflexão acerca da teoria sócio-

histórica, da atual política educacional e do papel do educador na formação de um

indivíduo que, com deficiência ou não, integra uma sociedade real. Procurou-se

levar em conta o sujeito histórico, capaz de atuar de maneira plena e efetiva em seu

meio, influenciando na transformação e consolidação de uma sociedade que

respeite a diversidade humana, em que nenhum ser humano seja excluído com base

na sua condição.

Esse momento de estudo, efetivado durante a implementação, possibilitou

desmobilizar uma aparente inércia, com o desafio de refletir a própria prática, sob a

luz da teoria sócio-histórica de Vygotsky. A interação entre os participantes, com

vistas a discutir a prática, foi bastante significativa, promoveu um ambiente

encorajador do conhecimento, fortalecedor do pensamento crítico, da argumentação

e do relacionamento educativo produtivo. A essa riqueza de experiência de olhares

podemos chamar de vozes em ação, pois fomentou a investigação, a autoanálise e

principalmente, a renovação dos ânimos nas estratégias e práticas, promovendo

possíveis mudanças frente às diferenças individuais.

A prática reflexiva, abordada durante a interação com os professores e

terapeutas, associada à análise de outra teoria, permitiu embasamento,

instrumentalização e fortalecimento de uma visão mais ampla e atenta aos princípios

filosóficos da inclusão.

A formação aliada à pesquisa e multiplicação do conhecimento, além de um

desafio, trouxe como princípio capacitação e formação, agiu como incentivador da

pesquisa, fundamentando a prática docente. Os diálogos que permearam esse

estudo confirmam a complexidade do contexto da educação especial na atualidade e

a importância dessa imersão do educador para reflexão-crítica, articulação entre

teoria e prática, seus saberes, suas dificuldades.

Durante a implementação, observou-se claramente com base na narrativa

de cada educador, que o método por ele utilizado passa por uma racionalidade

prática, isto é, resulta das experiências teóricas, práticas e pessoais vividas no seu

dia a dia escolar.

Este estudo possibilitou, além da análise e reflexão, a promoção de

momentos para que esse profissional, que caminha na direção de uma educação

33

inclusiva, se distanciasse do contexto da sala de aula para discutir e socializar sua

realidade cotidiana face à nova estrutura da Educação Especial. Essa valiosa ação

cooperativa entre universidade e escola oportunizou ressignificar a prática, construir

novos diálogos, conectar esse profissional a um novo momento, porquanto a cada

dia se exige mais desse profissional como: conhecimento, aprimoramento,

atualização, pesquisa, criticidade, compromisso com o saberes e valores.

Novas trajetórias se apresentaram nesse contexto, que com certeza

contribuíram não só para uma mudança epistemológica, mas também para um

repensar das responsabilidades do educador, que pode e deve atuar também como

agente transformador das mudanças políticas e sociais.

Foi visível e bastante gratificante a compreensão dos participantes à enorme

importância dada por Vygotsky ao papel da relação social no desenvolvimento do

ser humano. E que as características humanas e individuais como: modo de agir, de

pensar, de sentir, seus valores éticos e morais, conhecimentos, visão de mundo,

dependem da interação do ser humano com seu meio físico e social.

Mostrando que, assim como para pessoa com deficiência e para aquelas

sem nenhuma incapacidade intelectual, não existe um padrão de desenvolvimento

que pode ser aplicado a todas elas, pois na condição de indivíduos sociais temos de

levar em conta o ambiente cultural ao qual esse indivíduo esteve exposto; que pode

ser favorável ou não ao desenvolvimento de algumas competências. Somos fruto do

nosso meio, enfim, somos resultado de nossa interação humana.

A dificuldade maior, durante a implementação, foi sintetizar o conteúdo para

aplicá-lo no curto espaço de tempo, sem perder sua essência. Trata-se de uma

pesquisa teórica sobre a importância das relações sociais da pessoa com deficiência

intelectual, que envolve um estudo até então fundamentado em uma perspectiva

comportamentalista, isto é, quando a ação do sujeito depende de um estímulo vindo

de fora e resulta em uma resposta positiva ou negativa. Durante esse processo,

tornou-se possível aos profissionais absorverem o máximo da teoria sócio-histórica

que tem como foco de sua atenção as experiências concretas do indivíduo em seu

contexto real/social, com destaque à mediação das interações humanas.

A troca de experiências entre professores e terapeutas pode ser avaliada

como rica e produtiva, no concernente ao intercâmbio de informações e diálogos

entre os envolvidos.

34

Não há como mudar práticas de professores sem que os mesmos tenham

consciência de suas razões e benefícios, tanto para os alunos, a escola e o sistema

de ensino, quanto para seu próprio desenvolvimento profissional (PIETRO, 2006,

p.59).

Ao se dar voz ao indivíduo real, ao educador, ao educando, que socialmente

se constituem na relação com o outro, permite-se a apropriação do conhecimento e

o reencontro do ser humano com o sujeito histórico.

Nesse sentido, baseando-se nessas reflexões, conclui-se que a prática

pedagógica voltada ao sujeito social deve estar calcada no reconhecimento do

direito à educação, à potencialidade dos educandos historicamente marginalizados,

às novas práticas e olhares pedagógicos a fim de, de fato, consolidar-se uma

sociedade mais inclusiva, justa e democrática.

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