AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE OS EVANGÉLICOS: ANÁLISE DE DADOS E … · 2019-04-18 ·...
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Ana Beatriz de Oliveira Marques da Silva
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE OS EVANGÉLICOS:
ANÁLISE DE DADOS E COMPREENSÃO DE SENTIDOS NA
REPORTAGEM “EXTREMISMO EVANGÉLICO” DA REVISTA
SUPERINTERESSANTE
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2018
Ana Beatriz de Oliveira Marques da Silva
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE OS EVANGÉLICOS:
ANÁLISE DE DADOS E COMPREENSÃO DE SENTIDOS NA
REPORTAGEM “EXTREMISMO EVANGÉLICO” DA REVISTA
SUPERINTERESSANTE
Trabalho de conclusão de curso, apresentado a banca
examinadora do Centro Universitário Toledo, para a
obtenção do título de bacharel em Jornalismo, sob a
orientação da Profª. Drª. Cristiane Magalhães Bissaco.
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2018
À minha família, com carinho.
AGRADECIMENTOS
Não só agradeço como também dedico este trabalho de conclusão a Deus, o dono e
provedor de toda sabedoria e inteligência concedida aos homens, pois Ele, mais do que
ninguém, conhece todos os desafios enfrentados até aqui. Agradeço por sua destra fiel que me
conduziu até o presente momento, mesmo tendo passado por vales profundos até a conclusão
desse capítulo de minha vida. Só a Ele a honra, a glória e o louvor para todo o sempre.
Agradeço aos meus pais por terem acreditado no meu potencial, e por terem me
apoiado de inúmeras maneiras permitindo que este trabalho se tornasse real. Registro aqui o
meu amor e respeito ao meu pai, por ter cuidado de mim com tanto zelo ao longo desses
quatro anos de curso, em especial nesses nove meses de produção da monografia. Também
reconheço e bendigo a Deus pela vida da minha mãe, que me cobriu e protegeu em oração,
além de me incentivar a continuar essa jornada e me ajudar com sabedoria a lidar com as
circunstâncias que se levantaram nesse período.
Aos meus irmãos de sangue, Pedro, Isabela e Rafael, além de minhas cunhadas e
sobrinha.
Estendo os agradecimentos a toda minha família, tios, tias, primos e primas pelo apoio
e amor.
Gratifico também a minha Igreja e aos irmãos em Cristo que ali possuo por orarem em
meu favor.
Transcrevo aqui minha gratidão a Deus pela vida da minha coordenadora, Melissa
Carolina de Moura, por ter tido um papel fundamental em minha vida acadêmica e por sua
ética profissional e moral, que fazem a diferença na vida de seus alunos. Obrigada por tudo,
Mel!
Reconheço e agradeço também a minha professora, orientadora e amiga, Cristiane
Magalhães Bissaco, por ter me ajudado com muito profissionalismo e paciência na reta final
da monografia e por não apenas sonhar esse sonho comigo, mas por me ajudar a concretizá-lo.
Obrigada por tudo, querida professora e orientadora.
Por fim, mas não menos importante, agradeço a todos os professores que passaram por
mim ao longo desses quatro anos compartilhando seus conhecimentos.
Partilho hoje com o apóstolo Paulo a alegria de ter completado a carreira e guardado a
fé. A Deus todo o louvor para sempre, amém.
RESUMO
Considerando o grandioso cenário evangélico no Brasil e a necessidade da mídia de
captar esse público, este trabalho tem como proposta demonstrar por meio da análise textual
da reportagem da revista Superinteressante, como os evangélicos são representados
socialmente no país. Para entender como essa representação é criada e dar base teórica para
este estudo, a teoria das Representações Sociais e a Análise da Compreensão de Sentidos
foram o principal suporte teórico-metodológico. Por fim, a análise textual foi realizada a partir
do levantamento das palavras mais frequentes no texto e de suas coligações, e pôde-se
identificar as representações criadas sobre os evangélicos que refletem na maneira como eles
são vistos e interpretados socialmente.
Palavras-chave: Evangélicos; Representações Sociais/Representação; Religião; Mídia;
Sociedade; Compreensão de Sentidos.
ABSTRACT
Considering the great evangelical scenario in Brazil and the need of the media to
capture this public, this work has the purpose of demonstrating, through the textual analysis of
the magazine Superinteressante, how evangelicals are represented socially in the country. To
understand how this representation is created and to give a theoretical basis for this study, the
theory of Social Representations and the Analysis of the Understanding of Senses were the
main theoretical and methodological support. Finally, the textual analysis was carried out
from the survey of the most frequent words in the text and its coalitions, and one can identify
the representations created on the evangelicals that reflect in the way they are seen and
interpreted socially.
Keywords: Evangelicals; Social Representations / Representation; Religion; Media;
Society; Understanding Senses.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
I- AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COLETIVAS ........................................................ 10
1.1 As Representações Sociais..................................................................................................13
1.2 As Representações Sociais Midiáticas ............................................................................... 18
1.3 Meios de Comunicação de Massa e as Representações Sociais ........................................ 20
II- IGREJAS EVANGÉLICAS NO BRASIL ...................................................................... 30
2.1 Igrejas Históricas e a onda do Movimento Pentecostal no Brasil ...................................... 32
2.2 A Religião nos Estudos Sociais da Comunicação .............................................................. 36
III- A COMPREENSÃO DE SENTIDOS NA REPORTAGEM DA REVISTA
SUPERINTERESSANTE ....................................................................................................... 40
3.1 Bakhtin e a Compreensão de Sentidos ............................................................................... 40
3.2 Revista Superinteressante................................................................................................... 42
3.3 Análise do Córpus .............................................................................................................. 44
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 52
ANEXO 1 .................................................................................................................................. 60
8
INTRODUÇÃO
O cristianismo protestante é segunda religião com mais adeptos no Brasil conforme
dados do censo do IBGE de 2010, o que significa que os evangélicos somam cerca de
42.275.438 pessoas no país, cerca de 22,2% da população. Compreendendo a grandiosidade
que esse grupo ocupa na sociedade, e a necessidade da mídia em cobrir os acontecimentos que
os cercam, este trabalho tem a finalidade de identificar como esse grupo é representado
socialmente através da reportagem da edição 351, de setembro de 2015, da revista
Superinteressante.
Como principal escopo teórico para tal identificação, foi utilizado a Teoria das
Representações Sociais e a Teoria da Compreensão de Sentidos, tendo por principais
estudiosos Émili Durkheim (1896), Serge Moscovici (1978) e Mikhail Bakhtin (2003). Tais
teorias dialogam por compreender que a linguagem é responsável por formar o homem dentro
da sociedade, dando forma dentro do processo de comunicação, a sua maneira de pensar,
sentir e agir, pois segundo Della Torre (1986) elas revelam forças externas que moldam a
percepção do indivíduo, ou seja, não lemos o mundo individualmente de modo autônomo, nós
o enxergamos por intermédio de um filtro veiculado nas representações, através da
linguagem. Portanto, o ser humano lê o mundo, inconscientemente, pela imagem formulada
por outros, o que reflete diretamente na maneira como determinados grupos da sociedade são
interpretados.
Dessa forma podemos entender que existe um pensamento social que se impõe ao
pensamento individual, isto é, as representações veiculam um real criado socialmente, e um
dos principais meios de veiculação desse “real” se dá através da mídia, que ocupa a
centralidade da vida social, colaborando para a construção das representações no cotidiano
dos indivíduos. Nesse sentido, compreendemos que os meios de comunicação também são
responsáveis pela construção da realidade social: “o conhecimento não é uma coisa que as
pessoas possuem em suas cabeças, e sim algo que constroem juntas” (SPINK e MEDRADO,
2000, p. 27). Assim, pode-se sugerir que as formações cognitivas dos indivíduos em relação
aos acontecimentos, alteram-se segundo definições e padrões impostos pela mídia. Wolf
(1985) explica que a maneira como mídia mostra um determinado grupo acaba por estabelecer
como aquele núcleo de pessoas será vista na sociedade, pois a cobertura midiática cria
consensos.
A linguagem como prática social tem sua origem na aceitação de que os sentidos são
negociados e construídos dentro de um momento sócio-histórico determinado. É assim que,
9
diante dos enunciados estabelecidos, participando de um processo interpretativo de
compreensão de sentidos, o corpus deste trabalho foi analisado. Portanto, o principal objetivo
dessa pesquisa é analisar o contexto social e histórico dos evangélicos, buscando interpretar
dentro da reportagem da revista Superinteressante, como eles foram colocados socialmente e
quais foram às ferramentas utilizadas para que tal construção da realidade fosse criada,
moldando a percepção dos indivíduos sobre essa parcela da sociedade.
Dessa forma, a organização do trabalho se divide em três capítulos; no primeiro é feito
um estudo profundo sobre as Representações Sociais e como elas são formadas na sociedade
em diversas esferas, inclusive na mídia, que é a maior percursora de representações e padrões
de pensamento do século XX e XXI, além de uma síntese sobre algumas teorias da
comunicação que dialogam com a teoria das representações, entre elas: Teoria Critica,
Gatekeeper, A Sociedade do Espetáculo, Teoria do Agendamento, Teoria do Espelho, Estudos
Culturais e Teoria da Persuasão; já o segundo capítulo se detém em fazer um apanhado
histórico sobre os evangélicos e suas origens, descrevendo sua chegada em terras brasileiras,
das primeiras igrejas e seus fundadores as ramificações das igrejas que conhecemos
atualmente, além de descrever como a religião é estudada e compartilhada nos Estudos
Sociais da Comunicação; finalmente, o terceiro capítulo busca fazer a análise do córpus
textual da reportagem, e explica o uso da Teoria da Compreensão de Sentidos utilizando a
linguagem e as representações criadas por ela como principal base teórica, além de
contextualizar sobre a história do veículo responsável pela reportagem, a revista
Superinteressante. Na sequência, apresento a conclusão dessa pesquisa, na qual discuto os
resultados obtidos, as limitações do trabalho e os desdobramentos que permitirão novos
resultados nos caminhos desta investigação.
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I- AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COLETIVAS
Significando o mundo ao redor e explicando os fenômenos sociais que nos cercam,
Brigido Camargo (2007) retoma o pensamento de Augusto Comte (1798-1857), fundador da
Sociologia, e diz que a observação dos fenômenos sociais esclarece as leis fundamentais do
desenvolvimento social, bem como fornece uma visão conjuntural da realidade.
Segundo Della Torre (1986), no âmbito da Sociologia, os fenômenos sociais são
analisados como objetos científicos. Os fatos sociais, como maneiras de agir, pensar e sentir,
por exemplo, tornam-se objeto de estudo, já que podem revelar forças externas que moldam a
percepção do indivíduo.
O importante sociólogo francês Émile Durkheim, por exemplo, aborda a importância
dessa observação científica dos fenômenos sociais, uma vez que ela revela como as pessoas
interpretam a realidade. No decorrer de toda sua obra, Durkheim usa o termo representação
coletiva para explicar como o ser humano lê o ambiente externo e a si próprio. Márcio de
Oliveira esclarece bem didaticamente essa conceituação:
O conceito de representações coletivas é central em Durkheim. Em termos teóricos,
mantém semelhanças com o conceito de fato social. Contudo, é menos imperioso e
coercitivo que o último, já que é forjado no cotidiano das interações sociais. Mas,
como o primeiro, ele também é coletivo, exterior e objetivo. Empiricamente, as
representações podem representar qualquer coisa, ou seja, qualquer objeto pode ser
mentalmente representado. As representações são assim funções mentais.
Representando, fazemos viver o mundo. Socialmente, as representações coletivas
sintetizam o que os homens pensam sobre si mesmos e sobre a realidade que os
cerca. É, portanto, inicialmente, uma forma de conhecimento socialmente produzida.
Resultado de esforço coletivo, elas emancipam-se das representações individuais,
pautam novas ações e demonstram a existência da sociedade (OLIVEIRA, 2010,
p.5)
Para Márcio de Oliveira (2010), as representações coletivas não podem ser reduzidas
aos indivíduos, já que resultam da interação, dos laços sociais e das instituições que o homem
estabelece para si: “aqui, as representações alcançam o terreno das práticas sociais, às quais se
ligam. Em resumo, o conceito de representações coletivas é ao mesmo tempo forma de
conhecimento e guia para as ações sociais das pessoas” (OLIVEIRA, 2010, p.5).
Ainda segundo Oliveira (2010), para criar o conceito de representação coletiva, o
sociólogo francês partiu da noção de consciência coletiva:
O conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma
sociedade forma um sistema determinado, que tem sua vida própria; pode-se chamá-
lo de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato um
órgão único; ela está, por definição, difusa em toda extensão da sociedade. [...] Com
efeito, ela é independente das condições particulares onde os indivíduos se
encontram; eles passam e ela continua. [...] Ela é o tipo psíquico da sociedade, tipo
que tem suas propriedades, suas condições de existência, seu modo de
11
desenvolvimento, assim como os tipos individuais ainda que de outra maneira. [...]
As funções jurídicas, governamentais, científicas, industriais, em uma palavra, todas
as funções especiais são de ordem psíquica, uma vez que elas consistem em sistemas
de representações e de ações: contudo elas estão evidentemente fora da consciência
comum. (DURKHEIM, 1893, p. 81)
Segundo Oliveira (2010), nessa passagem, o autor define a consciência coletiva como
o conjunto de crenças e sentimentos comuns a todos os indivíduos. Essas crenças gerais, que
estão difusas na sociedade, criam a visão psíquica social, explica Oliveira (2010). A partir
disso, “essas crenças e sentimentos comuns aos indivíduos espelham o conjunto de
representações sociais sobre o mundo” (OLIVEIRA, 2010, p.5). Ou seja, não lemos o mundo
individualmente, de modo autônomo, nós o enxergamos por intermédio de um filtro coletivo,
que é veiculado nas representações coletivas:
Os fatos sociais são exteriores a consciência individual. O sujeito os assimila para
viver em sociedade. Durkheim afirmava que os fatos sociais são objetivos porque
são anteriores, posteriores e superiores (no sentido de independentes) em relação aos
indivíduos. [...]. Mesmo inconscientemente, os indivíduos vão adquirindo o
comportamento de eu grupo, falando a língua, adotando os costumes, e as maneiras
de pensar e ler o mundo (TORRE, 1966, p.20).
Ainda segundo Torre (1986), o comportamento grupal é tão interiorizado pelo sujeito,
que ele acaba por não perceber que lê o mundo, inconscientemente, pela imagem formulada
por outros, explica Torre (1986). A partir disso, Durkheim, demostrou a primazia do
pensamento social em relação ao pensamento individual.
Para Torre (1986), o sociólogo francês demostrou como a noção de realidade é algo
imposto pela sociedade, por intermédio das representações coletivas. Ou seja, nossa
subjetividade é permeada por valores externos:
No homem existem duas naturezas. A natureza bio-pisiquica é também chamada
natureza individual ou “eu individual”, trazido ao nascer, compreendendo
características físicas, fisiológicas e psíquicas, tais como traços fisionômicos,
temperamento, dons especiais, inteligência e etc. Vivendo em sociedade, vai ele
adquirindo uma segunda natureza- a natureza social ou o “eu social”. À medida que
vai adquirindo essa segunda natureza, o homem se integra à sociedade, se socializa.
Aprende maneiras de vestir, as crenças, as ideias, a língua da sociedade. Essas duas
naturezas se fundem constituindo a pessoa humana, dando-lhe personalidade. A
pessoa humana apresenta sempre, em qualquer traço de seu comportamento o
individual e o social (TORRE, 1986, p. 215).
Ainda conforme Torre (1986), Durkheim revelou, por exemplo, como a comunicação
era fundamental para a reprodução de formas de pensar dentro dos grupos sociais. Pelo
suporte da linguagem, o homem é capaz de criar significados para ler o mundo: “Só o homem
possui a linguagem, pois é o único dentre todos os animais que goza a capacidade de atribuir
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significados aos objetos. Graças ao poder de linguagem, o homem pode ligar o tempo, o
passado ao presente e perpetuar leituras do mundo (TORRE, 1986, p. 70).
Na visão de Torre (1986), essas leituras do mundo estão presentes nas representações
coletivas, que acabam constituindo uma espécie de consciência coletiva. Isto é, existe um
pensamento social que se impõe ao pensamento individual:
Durkheim nos deu o conceito de consciência coletiva. Essa consciência coletiva não
tem sentido se a entendermos como uma entidade psíquica existindo acima e fora
dos indivíduos, só o tem quando a concebemos presente em cada membro da
sociedade. Cada pessoa, vivendo em sociedade, introjeta, aprende as ideias,
representações, crenças, valores da mesma em sua consciência individual. Donde se
conclui que é a consciência coletiva e a esfera das consciências que o homem possui
como membro da sociedade. Consciência grupal, consciência de classe, consciência
nacional são modalidades da consciência coletiva (TORRE, 1986, p.216).
Dessa forma, Durkheim (1896) interpretava a consciência coletiva como o conjunto
de ideias, crenças e valores. É uma espécie de identidade psíquica coletiva que se impõe de
fora para dentro dos sujeitos:
O conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma
sociedade forma um sistema determinado, que tem sua vida própria; pode-se chamá-
lo de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato um
órgão único; ela está, por definição, difusa em toda extensão da sociedade. […] Com
efeito, ela é independente das condições particulares onde os indivíduos se
encontram; eles passam e ela continua. […] Ela é o tipo psíquico da sociedade, tipo
que tem suas propriedades, suas condições de existência, seu modo de
desenvolvimento, assim como os tipos individuais ainda que de outra maneira. […]
As funções jurídicas, governamentais, científicas, industriais, em uma palavra, todas
as funções especiais são de ordem psíquica, uma vez que elas consistem em sistemas
de representações e de ações: contudo elas estão evidentemente fora da consciência
comum (DURKHEIM, 1893, p. 81).
Segundo Valdir Morigi (2004), Durkheim estudou as representações coletivas (ou
consciência coletiva) observando a religião nas sociedades primitivas. Ele demostrou como as
crenças, solidificadas nas tradições culturais, estavam presentes, por exemplo, na difusão dos
mitos. Os mitos, conforme Morigi (2004), eram narrativas religiosas que as sociedades
antigas criavam para explicar o mundo quando ainda não havia a Ciência para dar respostas.
Tais narrativas veiculavam modos de ser e agir nessas sociedades. As ideias presentes, nas
representações mitológicas, é que guiavam o comportamento social, criando assim com
consciência coletiva, segundo demostrou Durkheim.
De acordo com Torre (1986), a maioria dos sociólogos atuais concordam com essa
ideia de consciência coletiva, tal como concebeu Durkheim. Apontam ainda que a leitura do
mundo, presente nessas representações coletivas (ou consciência coletiva), não correspondem
ao real empírico. Isto é, as representações coletivas veiculam um real criado socialmente.
A seguir discutiremos as representações sociais sobre a ótica de Serge Moscovici.
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1.1 As Representações Sociais
As representações sociais são objeto de estudo de diferentes campos disciplinares com
inúmeras ramificações e possuem grande importância nos estudos da Comunicação Social.
Segundo Jefferson Bernardes (2011), elas envolvem o estudo da realidade simbólica,
compartilhada por um determinado grupo. As representações sociais são fundamentais para
entender como se constrói o conhecimento do mundo presente no senso comum, diz ainda
Bernardes (2011).
Conforme Robert Farr (1995), a teoria das representações sociais surgiu entrelaçada a
uma nova Psicologia Social, que começou a emergir na segunda metade do século XX, na
Europa. Esses estudos, que ao longo dos anos ganharam força, principalmente na Europa e na
América Latina, entendiam que os estudos da Psicologia Social deveriam estar na fronteira
entre a Psicologia e a Sociologia. Deveriam ainda considerar os processos cognitivos, como
também aos processos sociais e comportamentos coletivos, relembra Celso Sá (1998).
Segundo Maria de Fátima Santos (2005), no começo do século XX, a Psicologia
Social tinha como preocupação pensar a construção da consciência. Isto é, entender a mente
humana e os fenômenos cognitivos. Neste contexto, Serge Moscovici (1925-2014) propôs
novas concepções que reconheciam o homem como um ser social e ativo, com potencial para
promover mudanças. Essa visão abandonava a clássica separação estabelecida entre o sujeito
e o objeto. Ou seja, entre o universo interior e o universo exterior, explica Jean-Claude Abric
(1998) e Denise Oliveira (2005).
Segundo Moscovici (1986), o ser humano, quanto indivíduo, não adere passivamente
as representações sociais, pois ele se comunica e constrói suas próprias representações. O
autor se opõe à noção clássica da natureza individual da Psicologia Social, mas enxerga o
indivíduo como um ser ativo e que constrói sua a realidade social e nela é construído.
Na visão de Moscovici (1986), o indivíduo vive e se comporta a partir da sua
interpretação sobre o mundo e, dessa forma, constrói uma realidade simbólica, que se torna a
própria realidade daquele sujeito. Baseando-se nessas ideias, Moscovici (1986), lança em
1961, a teoria das representações sociais, no livro La psychanalyse: sonimageetson public. A
teoria das representações sociais, apresentada por Serge Moscovici, retoma as ideias
ÉmiliDurkhein sobre as representações coletivas.
Para Moscovici (2003), entende-se por representações sociais um conjunto de
estímulos produzidos pelos homens, que tem como finalidade substituir um sinal ou som que
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não pode acontecer naturalmente. Dessa maneira, as representações servem como um
referencial nas interpretações do mundo em que vivemos: “assim que nos encontramos, por
vezes, em um dilema em que necessitamos um outro signo, que nos auxiliará a distinguir uma
representação de outra, ou uma representação do que ela representa” (MOSCOVICI, 2003, p.
32). De acordo com Denise Jodelet (2001), nossas necessidades de inserção no mundo, de
informação e de ajustamento determinam como as representações são criadas: “Elas nos
guiam do modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária,
no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente posicionar-se frente a
elas de forma defensiva” (JODELET, 2001, p.17).
Moscovici esclarece resumidamente que elas “restauram a consciência coletiva e lhe
dão forma, explicando os objetos e acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis
a qualquer um e coincidem com nossos interesses imediatos” (MOSCOVICI, 2003, p. 52).
Menandro, Trindade e Almeida (2003) reafirmam as ideias de Moscovici ao descreverem as
representações sociais como “uma forma de conhecimento social que nos permite interpretar e
pensar os acontecimentos de nossa vida cotidiana” (MENANDRO; TRINDADE; ALMEIDA,
2003, p. 44).
Para Ângela Arruda (2002), Jodelet é a autora que traz uma explicação mais
consensual sobre o assunto: “representações sociais são uma forma de conhecimento
socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a
construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2002, p. 22,
ARRUDA, 2002, p.117). Isto é, existe o mundo empírico e o mundo construído socialmente
pelas representações sociais.
Jodelet interpreta as representações como a reprodução de alguma coisa (objeto), ou
de alguém (sujeito). As características do sujeito ou do objeto se manifestam nelas, entretanto
não se trata da reprodução fiel do que é representado: “essas representações têm com o objeto
uma relação de simbolização, substituição e de interpretação, conferindo significações aquilo
que representa” (JODELET, 2001, p.21).
Ainda segundo a autora, a simbolização é o aspecto central da representação. Isso
significa uma coisa no lugar de outra (substitui algo que está ausente), seja em um texto, uma
imagem ou um discurso, pois vivemos em um mundo simbólico, explica Jodelet (2001).
Criamos, por exemplo, imagens para explicar as coisas e tais imagens nem sempre retratam
com proximidade o objeto observado no mundo, segundo o pensamento da autora.
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Para Marcos Queiroz (2000), as representações sociais são um tipo de saber negociado
socialmente, contido no senso comum. Elas permitem ao indivíduo uma visão de mundo
eorientam as ações dos sujeitos na sociedade. Ou seja, os indivíduos atribuem significados aos
fenômenos sociais ao criarem representações. A representação social, ou seja, o saber
construído socialmente por negociação, incorpora o senso comum e as pessoas reproduzem o
que está no senso comum de maneira inconsciente, explica Queiroz (2000),
De acordo com Moscovici (2003), o principal objetivo das representações sociais é
tornar o novo e o estranho em algo assimilável e de fácil compreensão. Isto é, torna o não
familiar em familiar. De acordo com Patrick Rateaur (2012), para compreendermos e darmos
significado ao mundo, precisamos torná-lo simples e familiar. É por isso que nós o
reconstruímos por intermédio de interpretações simbólicas, esclarece Rateaur (2012). Essa
reconstrução da realidade a nossa volta é social, pois é arquitetada de acordo com as
características do indivíduo, que está impregnado por valores sociais.
Ainda de acordo com Rateaur (2012), as representações sociais permitem que os
indivíduos se distingam daqueles que não compartilham as mesmas ideias e representações:
“nem todos os grupos sociais compartilham os mesmos valores, os mesmos padrões, as
mesmas ideologias ou as mesmas experiências concretas. No entanto, todos constroem
representações que são proximamente baseadas nisto” (RATEAUR, 2012, p. 2). Isso acontece
porque o familiar gera segurança e conforto, enquanto o desconhecido provoca nos indivíduos
o medo da perda de seus referenciais e da comunicação entre seus pares, esclarece Rateaur
(2012). Ao pensar essas questões, no contexto da sociedade moderna, é importante refletir:
A pluralidade de informações, o constante contato com diversas novidades e a
estruturação e a valorização do conhecimento científico foram, e ainda são,
fundamentais para a formação e a manutenção das representações sociais. Devido à
existência delas, os sujeitos que vivem nesse meio complexo e difuso, conseguem se
situar, interpretar a realidade e se comunicar. (OLIVEIRA e MARTINS, 2014, p.4)
A palavra representação, então, deve ser entendida como algo que deixa de ser igual
ao objetivo, pois trata-se de algo que é reconstituído e modificado pela visão social de um
grupo, argumentam ainda Oliveira e Martins (2014). Dessa forma, as representações sociais
tornam o mundo real simbólico, já que isso envolve interpretações ao ler a realidade. Por isso,
elas assumem na vida cotidiana uma importância significativa e podem ser tomadas como
objeto de estudo para entender como a sociedade ler os fenômenos da sociedade
contemporânea, explicam Oliveira e Martins (2014).
Almeida (2005) destaca as relações que as representações estabelecem com as práticas
sociais. Para a autora, as representações sociais devem ser entendidas como entidades que
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modelam e reconfiguram o pensamento. Isto é, elas orientam práticas sociais e
comportamentos.
Moscovici (2003) menciona dois processos fundamentais na formação das
representações sociais, denominados por ancoragem e objetivação. Eles seguem uma lógica
natural e tem como funções, orientar condutas, possibilitar a comunicação, compreender e
explicar a realidade social. Justificam ainda, segundo Moscovici (2003), as tomadas de
posição e as condutas do sujeito e isso determina as identidades e as especificidades de como
os grupos sociais são vistos. Isto é, de acordo com Moscovici (2003), ao nomear algo, “nós o
libertamos de um anonimato perturbador, para dotá-lo de uma genealogia e para incluí-lo em
um complexo de palavras específicas, para localizá-lo, de fato, na matriz de identidade de
nossa cultura” (MOSCOVICI, 2003, p. 66). É transformar o abstrato em “real”:
A objetivação une a ideia de não familiaridade com a de realidade, torna-se a
verdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como um universo
puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece, então, diante de nossos olhos,
física e acessível (MOSCOVICI, 2003, p. 71).
Em contrapartida, a ancoragem diz respeito ao processo no qual uma ideia é trazida
para o contexto do familiar, o que acaba por incluí-la na categoria de “imagem comum”.
Nesse momento, explica Moscovici (2003), é dado nome àquilo que não tinha nome e assim
torna-se possível imaginá-lo e representá-lo, produzindo uma assimilação das imagens dadas
pela objetivação. Dessa forma, a ancoragem é um processo de familiarização do novo,
transformando um conhecimento que influencia outras pessoas, se revelando como uma
verdade para determinado grupo. Como ensina ainda Moscovici:
Pela classificação do que é inclassificável, pelo fato de dar um nome ao que não
tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo. De fato, a
representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de
alocação de categorias e nomes. (MOSCOVICI, 2003, p. 62)
Moscovici (2003) propõe entender esses processos e tomar consciência de que eles
existem e provocam consequências na vida dos indivíduos, o que torna os estudos de
representações sociais tão importantes. O autor explicita essa ideia ao afirmar que:
Nós pensamos através de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos, de
acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações,
como por nossa cultura. Nós vemos apenas o que as convenções subjacentes nos
permitem ver e nós permanecemos inconscientes dessas convenções. (MOSCOVICI,
2003, p.35)
Com esse aporte teórico, acredita-se que seja possível detectar sentidos, significados e
imagens que determinados grupos compartilham sobre um tema, tal como entender os papéis
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sociais que esse tema ou fenômeno assumem em suas vidas, orientando comportamentos e
formando visões de mundo, crê Moscovici (2003).
Ainda de acordo comMoscovici (2003), as representações sociais interferem na nossa
capacidade de interpretação do mundo. Nossas reações e leitura das pessoas e das coisas
acabam sendo respostas aos estímulos coletivos: “no que se refere à realidade, estas
representações são tudo o que nós temos, aquilo que nossos sistemas perceptivos, como
cognitivos, estão ajustados” (MOSCOVICI, 2003, p. 32). A representação é, então, o processo
que liga o mundo e as coisas às pessoas:
A representação é sempre a atribuição da posição que as pessoas ocupam na
sociedade, toda representação social é a representação de alguma coisa ou de
alguém. Ela não é cópia do real, nem é cópia do ideal, nem a parte subjetiva o
objeto, nem a parte objetiva do sujeito ela é o processo que estabelece relação entre
o mundo e as coisas (SÊGA, 2000, p. 130).
Gerard Duveen (2005) aponta que as representações são responsáveis por construir o
reconstruir o mundo:
Assim, ao serem internalizadas, as representações passam a expressar a relação do
sujeito com o mundo que ele conhece e, ao mesmo tempo, elas o situam nesse
mundo. É essa dupla operação de definir o mundo e localizar um lugar nele que
fornece às representações o seu valor simbólico. Moscovici refere-se a isso quando
fala de representações sociais estabelecendo ‘uma ordem que permite aos sujeitos
orientar-se no seu mundo material e social, e comandá-lo’ (1973). Sendo assim
estabelecida, a ordem que é fornecida pelas representações assume um caráter fixo e
objetivo. Elas assumem a estabilidade que garante segurança para os sujeitos
encontrarem um lugar próprio no mundo. (DUVEEN, 2005, p. 267)
Sandra Jovcheloviych (1995) em sua definição afirma:
A Teoria das Representações Sociais se articula tanto com a vida coletiva de uma
sociedade, como com os processos de constituição simbólica, nos quais os sujeitos
sociais lutam para dar sentido ao mundo, entendê-lo e nele encontrar o seu lugar,
através de uma identidade social. Isso significa deixar claro como as representações
sociais, enquanto fenômenos psicossociais, estão necessariamente radicadas no
espaço público e nos processos através dos quais o ser humano desenvolve uma
identidade, cria símbolos e se abre para a diversidade de um mundo de outros
(JOVCHELOVIYCH,1995, p.65).
Diante disso, as representações sociais são fundamentais para a compreensão do senso
comum. O censo comum, segundo Fabiane Mendonça (2013), consiste:
Formas de saber e viver que cada indivíduo adquire em sua existência, através de
seu convívio social. Ou seja, o ser humano forma o senso comum por meio de suas
experiências cotidianas. Neste sentido, o estudo das representações sociais é
importante por entendê-las como parte integrante da vida humana e suas relações,
envolvendo também as práticas de comunicação (MENDONÇA, 2013, p. 30).
Para Santos (2005), as representações sociais, nesse sentido, uma espécie de conhecimento
compartilhado. É como um grupo social entende majoritariamente um determinado assunto:
18
Falar em representações sócias é remeter-se ao conhecimento produzido no senso
comum. Porém não a todo e qualquer conhecimento, mas a uma forma de
conhecimento compartilhado, articulado, que se constitui em uma teoria leiga a
respeito de determinados fatos sociais. Por sua vez, fala das representações sociais, é
referir-se a um modelo teórico, um conhecimento cientifico que visa compreender e
explicar esse conhecimento leigo, dessas teorias do senso comum. (SANTOS, 2005,
p.21)
Abric (1998) afirma que toda representação é, portanto, uma forma de visão global e
unitária de um objeto, mas também de um sujeito. Moscovici (2003) atribui duas funções as
representações: a primeira é que torna convencional os objetos, acontecimentos e pessoas. A
segunda define as representações como prescritivas. Ou seja, as representações localizam
objetos, pessoas ou acontecimentos de forma definida em uma determinada categoria.
As quatro representações sociais essenciais atribuídas por Abric (1998) são: a função
saber, a função hereditária, a função de orientação e a função justificadora. A primeira se
refere ao saber prático do sendo comum, a segunda assegura um espaço primordial nos
processos de comparação social, a terceira orienta os comportamentos práticos e a quarta
permite uma justificativa nas tomadas de decisão.
Por meio dessas quatro funções, podemos perceber como as representações sociais
são efetivas na prática da vida cotidiana dos indivíduos e como elas interferem em seu
comportamento e leitura do mundo e dos fatos sociais.
Arruda (2002) conclui que as representações sociais são terreno fértil de estudo já
que possibilitam a constatação e a percepção de como um grupo lê a realidade num dado
contexto social.
Dando andamento ao assunto, a seguir veremos como as representações sociais agem
no campo midiático.
1.2 As Representações Sociais Midiáticas
Os meios de comunicação de massa merecem destaque na sociedade, especialmente no
estudo das representações, pois modificam as relações na sociedade e contribuem para a
percepção do espaço e do tempo. Mauro Wolf (1985) afirma que com a mídia, um novo tipo
de esfera pública foi formada, a esfera midiática, na qual a proporção, o alcance e as imagens
de um acontecimento são ampliadas e largamente difundidas.
Ainda segundo Wolf (1895), os problemas entre a sociedade e a comunicação se
tornaram mais complexos, a partir do século XX, quando os meios de comunicação de massa
19
passaram a desempenhar um papel mais ativo na sociedade, ocupando a centralidade e
colaborando para a construção das representações no cotidiano dos indivíduos.
Portanto, os meios de comunicação de massa se colocam como um importante
componente cultural na teoria das representações. Geralmente nos estudos das representações
sociais nos meios de comunicação de massa, se inclui a análise de conteúdo das coberturas
midiáticas a respeito dos temas que ela trata, porque as representações sociais se encontram
não só na mente das pessoas, mas também nos meios de comunicação, exigindo uma
interpretação, exemplificação e análise em ambos os lugares, explica Faar (2003).
Para Santos (2005), além de veículos de informação, os meios de comunicação
dentro do processo de comunicabilidade, se tornam responsáveis por produzir os sentidos que
circulam na sociedade. Para ela, as representações estão presentes nos discursos e nas palavras
veiculadas nas mensagens e imagens da mídia.
Os meios de comunicação também são responsáveis pela construção da realidade
social: “o conhecimento não é uma coisa que as pessoas possuem em suas cabeças, e sim algo
que constroem juntas” (SPINK e MEDRADO, 2000, p. 27). Assim, pode-se sugerir que as
formações cognitivas dos indivíduos em relação aos acontecimentos, alteram-se segundo
definições e padrões impostos pela mídia. Valter Morigi (2004), por exemplo, ressalta que os
meios de comunicação de massa participam da produção dos consensos na sociedade:
Hoje as preocupações estão centradas em questões que dizem respeito à produção
dos consensos. Mas como o consenso é possível em uma sociedade diversa, plural e
global ao mesmo tempo? Se existe uma multiplicidade de formas de pensamento e
formas de representá-lo? Os meios de comunicação, nesse contexto, assumiram um
papel que ultrapassa a de condição meros veículos das mensagens e dos conteúdos
(MORIGI, 2004, p.3)
Moscovici (2003) frisa que as “representações sociais são fenômenos específicos que
estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar – um modo
que cria tanto realidade quanto senso comum” (MOSCOVICI, 2003, p.49). Ele segue
dizendo:
A sua importância continua a crescer, em proporção direta com a heterogeneidade e
a flutuação dos sistemas unificadores – as ciências, religiões e ideologias oficiais – e
com as mudanças que elas devem sofrer para penetrar na vida cotidiana e se torna
parte da realidade comum. Os meios de comunicação de massa aceleram essa
tendência, multiplicam tais mudanças e aumentam a necessidade de elo entre, de
uma parte, nossas ciências e crenças gerais puramente abstratas e, de outra parte,
nossas atividades concretas como indivíduos sociais. Em outras palavras, existe uma
necessidade contínua de re-constituir o ‘senso comum’ ou a forma de compreensão
que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma sociedade pode
operar. Do mesmo modo, a s coletividades hoje não poderiam funcionar se não
criassem representações sociais baseadas no tronco das teorias e ideologias que elas
transformam em realidades compartilhadas, relacionadas com as interações entre
20
pessoas que, então, passam a constituir uma categoria de fenômenos à parte
(MOSCOVICI, 2003, p.49).
Além de serem importantes na construção cultural, os meios de comunicação de
massa também são responsáveis por criarem o senso comum:
As representações sociais disseminadas pelos meios de comunicação passam a se
constituírem realidades as quais passam a integrar o perfil da opinião pública em
forma de discurso da atualidade, tornando parte do senso-comum. As influências
sociais da comunicação no processo das representações sociais servem como meio
para estabelecer ligações e conexões significativas com as quais nos relacionamos e
interagimos uns com os outros (MORIGI, 2004, p.6).
Ao estudar as representações sociais no contexto da psicologia social, Moscovici
(2003) avalia que todas as informações de algum modo sofreram, em determinado momento,
algum tipo de deformidade. O que caracteriza que a mídia constrói sua própria realidade de
acordo com seus padrões, normas e valores. Seguindo a mesma linha de raciocino Morigi
(2004) afirma que:
Cada campo social possui suas normas próprias – contratos – para seus discursos,
que permitem ao seu público uma compreensão das mensagens. Embora os
múltiplos discursos das diversas instituições sociais, formam linguagens técnicas
nem sempre acessíveis e decodificáveis pelos atores sociais. O campo midiático
possui regras específicas, que rompem a ordem do campo de origem, para a
efetivação de uma nova ordem assimilada pela pluralidade da opinião pública. Ela
possibilita uma leitura dos acontecimentos sociais, dando coerência e clareza,
tornando-os visíveis em espaço e tempo limitados, graças à velocidade da
tecnologia, porém o faz de acordo com sua ótica (MORIGI, 2004, p.8).
Portanto, ainda segundo o autor, os meios de comunicação submetem as informações
a tratamentos estéticos “assim, o ‘real’, socialmente produzido pela mídia é produto de uma
série de interações e movimentos de sentidos. Ele é perpassado por diversos estilos, estéticas,
discursos e culturas de diferentes campos de origem” (MORIGI, 2004, p.9). Ele ainda reforça
essa concepção afirmando que “assim, no processo de construção e reconstrução, o
acontecimento é submetido a um tratamento técnico-estético até atingir o modelo socialmente
consumido na atualidade” (MORIGI, 2004, p.9).
1.3 Meios de Comunicação de Massa e as Representações Sociais
Os meios de comunicação de massa possuem grande importância na sociedade por
exercerem grande influência na vida e no cotidiano dos indivíduos. Como frisa Vera Amaral
(2010), “eles são veículos de informação e de valores que nos constituem como sujeitos em
nossa sociedade” (AMARAL, 2010, p.5)
21
O termo “mídia de massas”, de acordo com Denis McQuail (1983), é uma abreviatura
para descrever meios de comunicação que operam em grande escala, atingindo e envolvendo
vitalmente quase todos os membros de uma sociedade. São eles: jornais, revistas, filmes,
rádio, sites e, especialmente, a televisão. Para McQuail (1983), a comunicação de massas,
emitida por esses meios, é um tópico estudado pela Ciência da Comunicação:
Que pretende compreender a produção, o processamento e efeitos dos sistemas de
símbolos e sinais pelo desenvolvimento de teorias testáveis, com generalizações
adequadas que expliquem fenômenos associados à produção, processamento e
efeitos (BERGER; CHAFFEE, 1987, p.17).
O termo “comunicação de massa” começou a ser usado no final dos anos trinta.
Segundo Wolf (1895), a característica mais óbvia dos meios de comunicação de massa é que
são desenhados para chegarem a muitos. Outra questão é que as audiências potenciais são
vistas como grandes agregados de consumidores anônimos. Ainda segundo Wolf (1985), o
conteúdo de massa não se pauta por ideias de bem ou mal. A questão é agradar o receptor,
sobretudo pelo suporte do entretenimento. Ainda sobre o conteúdo de massa, McQuail (1983)
diz:
Denota grande volume, gama ou extensão (de pessoas ou de produção) enquanto
comunicação se refere ao sentido de emitir ou receber mensagens. Uma definição
anterior dizia o seguinte: a comunicação de massas compreende as instituições e
técnicas pelas quais grupos especializados empregam meios tecnológicos (jornais,
rádio, cinema, etc.) para disseminar conteúdos simbólicos junto de grandes
audiências, dispersas e heterogêneas (JANOWITZ, 1968 apud MCQUAIL, p.27).
Segundo McQuail (1983), os teóricos sociais do final do século XIX e do começo
século XX, estavam conscientes da grande transformação que ocorria ao passo que as
maneiras de se comunicar mudavam. Muitos temas da sociologia europeia e norte-americana,
por exemplo, os trabalhos de Ferdinand Tönnies (1855-1936), Herbert Spencer (1820-1903),
Max Weber (1864-1920) e Durkheim, abordaram o tema.
Tais autores refletem um tipo de consciência coletiva (representações sociais) que
surge por intermédio das mensagens veiculados pelos meios de comunicação na modernidade.
Mediante isso, o autor destaca:
As ligações entre os populares meios de comunicação de massas e a integração
social eram fáceis de perceber tanto em termos negativos, como individualistas, mas
era também possível visualizar uma contribuição positiva das comunicações
modernas para a coesão e a comunidade. Os media de massas eram uma força
potencial para um novo tipo de coesão, capazes de ligar indivíduos separados numa
experiência comum nacional, da cidade e local. Podiam também apoiar as novas
políticas democráticas e movimentos de reformas sociais. O modo como a sua
influência veio a ser interpretada teve com frequência a ver com a atitude pessoal do
observador em relação à sociedade moderna e o grau de optimismo ou de
pessimismo da sua visão social. A primeira parte do século, tanto por (ou talvez por
causa de) ser um ponto alto do nacionalismo, da revolução e de conflito social, foi
22
também um tempo de pensamento progressivo, de avanço democrático e de
progresso científico e tecnológico (MCQUAIL, p.53).
Ainda segundo McQuail (1983), embora o conceito de sociedade de massas tenha sido
completamente desenvolvido depois da Segunda Guerra Mundial, as ideias essenciais sobre
esse fenômeno já estavam estabelecidas antes do final do século XIX. De acordo com o autor,
o termo massa e comunicação de massas, em seu início, geralmente era visto como algo
negativo:
Os usos iniciais do termo continham em geral associações negativas. Referiam-se à
multiplicidade das pessoas comuns vistas habitualmente como não educadas,
ignorantes e potencialmente irracionais, sem regras e mesmo violentas. O termo
poderia, contudo, ser também usado num sentido positivo, especialmente na tradição
socialista onde conota a força e a solidariedade das classes trabalhadoras quando
organizadas para fins coletivos ou quando têm de resistir à opressão (MCQUAIL,
1983, p.42).
Para McQuail (1983), o emissor das mensagens midiáticas feitas pelos meios de
comunicação de massa é, na maioria das vezes, um comunicador profissional. Por exemplo, o
jornalista, o produtor ou animador. Ainda segundo o autor, “o conteúdo simbólico da
mensagem é tipicamente fabricado de forma estandardizada, repetindo formas idênticas”
(MCQUAIL, 1983, p.119).
Sobre a audiência dos meios de comunicação de massas, o autor as define como sendo
“grandes agregados de espectadores dispersos e passivos, sem oportunidade para responderem
ou participarem de maneira genuína. Embora conscientes de serem parte de um conjunto
muito maior, os espectadores dos media têm pouco contato ou conhecimento de outros”
(MCQUAIL, 1983, p.42).
Wolf (1986) relembra que o tipo de comunicação desse contexto exibe nuances éticas
questionáveis. Para ele, o fato de a notícia ter virado mercadoria é algo perigoso, pois no lugar
de conteúdos isentos, surgem matérias manipuladas para fins políticos e econômicos, por
exemplo. Ele aponta também o prejuízo do tom de melodrama que atinge, especialmente os
conteúdos televisivos. Isso ocorre porque os bens simbólicos (incluindo o jornalismo)
tornaram-se parte da indústria cultural, conforme define Theodor W. Adorno:
Tudo quanto essa indústria comunica for organizado por ela própria com o objetivo
de seduzir os espectadores a vários níveis psicológicos, simultaneamente. Com o
efeito, a mensagem oculta pode ser mais importante do que a que se vê, já que
aquela escapará ao controlo da consciência, não será impedida pelas resistências
psicológicas aos consumos e penetrará provavelmente no cérebro do espectador
(ADORNO, 1954, p.384).
Em outras palavras, para Adorno (1954), por buscar lucro, o conteúdo jornalístico
pode se afastar da realidade empírica em favor de interesses econômicos, já que as notícias
vivaram um produto. No lugar de defender o que é importante para toda a população, as
23
matérias podem, por exemplo, defender o interesse de uma minoria, que tem o poder
econômico. Ainda para o autor, isso ocorre porque o efeito econômico do contexto capitalista
prejudica o potencial crítico do jornalismo em favor de interesses mercadológicos.
Essa ideia do jornalismo criando uma realidade que não coincide necessariamente com
o real empírico dialoga bastante com o pensamento de Durkheim, pois de acordo com Torre
(1986), a leitura do mundo presente nas representações coletivas (ou consciência coletiva),
não corresponde totalmente ao real empírico. Isto é, as representações, presentes também nas
mensagens midiáticas, veiculam um real criado socialmente por intermédio de seleções dos
veículos de comunicação.
Para Adorno (1954), o efeito desse conteúdo midiático pode ser muito perigoso, pois
as simplificações das mensagens, em favor de um modo de vida consumista, por exemplo,
pode gerar sujeitos alienados. Como consequência, na visão dos pensadores frankfurtianos1, o
receptor, de um modo geral, não consegue perceber o fato do jornalismo não ser
necessariamente a “verdade”, pois a cultura de massa cria uma audiência passiva, que não
questiona o que assiste ou lê.
Ou seja, o público costuma aceitar a visão que a mídia veicula em suas representações
sociais midiáticas e isso ajuda a criar uma consciência coletiva ou senso comum, “pois falar
em representações sociais é remeter-se ao conhecimento produzido no senso comum. Porém
não a todo e qualquer conhecimento, mas a uma forma de conhecimento compartilhado”
(SANTOS, 2005, p.21).
Essas ideias, presentes na Teoria Crítica, ofertam uma interpretação científica da
sociedade que considera os efeitos dos meios de comunicação. Segundo Wolf (1985), o
estudo ajuda a entender a relação entre mídia e modernidade. Nesse sentido, é um instrumento
fundamental de compreensão da realidade. Para Andreas Fischer (2010), outra questão
importante, é que a teoria lê os problemas sociais considerando o todo, inclusive a economia:
Uma teoria crítica dos sistemas aborda as antinomias das estruturais sociais;
ela realiza uma crítica imanente, em atitude não-conformista, abarcando
igualmente o “olho maligno”, tão caro à teoria crítica. Dessa forma, a
1 Os frankfurtianos referem-se à escola de Frankfurt, que por sua vez se remete a um grupo de intelectuais
alemães marxistas que, no início do século XX, se filiaram ao Instituto de Pesquisa Social, num primeiro
momento vinculado à Universidade de Frankfurt. O termo é posterior aos trabalhos de Horkheimer, Adorno,
Marcuse, Benjamin e Habermas e indica uma unidade geográfica que, na verdade, é questionável, posto que
durante a segunda guerra mundial alguns desses pesquisadores foram exilados da Alemanha, produzindo um
material ainda mais significativo fora de seu país, consequentemente dando origem à Teoria Crítica (FREITAG,
2004, p.9-10).
24
abordagem procura identificar e reforçar os processos sociais que podem
conduzir à superação das ordens sociais reificadas (FISCHER, 2010, p.164).
Ainda segundo Fischer (2010), Teoria Crítica, ao ler o social, considera a formação das
identidades e como isso se relaciona com as mensagens dos meios de comunicação, uma vez
que a mídia cria essa consciência coletiva por intermédio das representações sociais que
veicula, explica Fischer (2010). Ou seja, Horkheimer (1937), revela como os homens são
manipulados pelas mensagens da mídia e sugere que os sujeitos leem o mundo, em grande
medida, pelo suporte de tais conteúdos.
Da mesma forma que a Teoria Crítica, o conceito de gatekeeper também dialoga com
o conceito de representações sociais midiáticas, pois parte também da ideia que a mídia
seleciona aspectos da realidade e não o todo. O conceito foi criado por Kurt Lewim (1890-
1947) em um estudo sobre as dinâmicas que agem no interior dos grupos sociais.
Lewim (1947), de acordo com Wolf (1985), ao analisar os canais pelos quais fluem as
informações (meios de comunicação), identificou que existem dentro deles, zonas de podem
funcionar como cancelas, ou como porteiros, determinando a passagem ou o bloqueio das
informações. Para Lewim (1947), esses filtros estão especificamente contidos nos canais
comunicativos, exercendo a manipulação/seleção do que o público pode conhecer ou não.
Wolf (1985), esclarece essa questão declarando que “as zonas de filtro são controladas
por sistemas objetivos de regras ou por gatekeepers. Neste último caso, há um indivíduo, ou
um grupo, com o poder de decidir se deixa passar a informação ou se bloqueia” (WOLF 1985,
p.180)
Ampliando as questões da seleção, Wolf (1985) expõe que durante o controle das
informações feitas pelos gatekeepers, quem recebe essas informações está sob um controle
social que resulta das leituras de mundo que se manifestam nas representações midiáticas.
Ainda de acordo com Wolf (1985), as imagens da realidade social, fornecida pelos meios de
comunicação, por meio dessa cancela e do porteiro que selecionam as informações, podem
distorcer o que de fato é verdadeiro.
Para Wolf (1985), a atuação da mídia é tão forte que acaba por criar uma realidade
além da realidade. Para Schlesinger (1978), essa ideia de manipulação foi provada em
diversos estudos da área da Comunicação e é suportada pela teoria gatekeeper.
Segundo Elliott (1979), os critérios de noticiabilidade utilizados pelos meios de
comunicação também definem quais instituições estarão em destaque ou não, tanto no sentido
positivo quando negativo. Dessa forma, evidencia-se as que as representações sociais
25
midiáticas acabam por determinar a realidade e os sujeitos ao narrar. Isto é, a maneira como
mídia mostra um determinado grupo acaba por estabelecer como aquele núcleo de pessoas
será vista na sociedade, pois a cobertura midiática cria consensos, explica Wolf (1985).
Essa ideia que a mídia cria consensos sobre determinados assuntos dialoga com a
Teoria do Agendamento e ainda com a noção de representações sociais midiáticas, pois todas
concordam que a mídia selecionada parte do real para reconstruir o mundo social, argumenta
Wolf (1985). A Teoria do Agendamento, de acordo com Cohen (1963), demonstra que a
mídia pode ter efeitos diretos sobre as pessoas, possuindo o poder de dizer sobre o que pensar.
Walter Lippmann (1922) entende que os meios de comunicação, ao contribuírem para
o estabelecimento das agendas que preocupam cidadãos e políticos, têm o poder de modelar
as representações que fazem da realidade. Como resultado, Lippmann (1922), entende que os
mass media acabam estabelecendo o que deve ser tema de discussão dos grupos sociais e
como o assunto deve ser visto. Donald Shaw (1980) ao analisar a Teoria do Agendamento,
chega a dizer:
Em consequência das ações dos jornais, da televisão e de outros meios de
informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou
negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência
para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media
incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir
àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase
atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW,
1979, p.96)
Brian Roberts (1972) afirma que na medida em que o destinatário não é capaz de
entender com precisão as nuances da representação da realidade social emitida pelos meios de
comunicação, “esses meios passam a produzir uma realidade distorcida, estereotipada ou
manipulada” (ROBERTS, 1972, p.380). Ele diz ainda:
É eficaz na construção da imagem da realidade que o sujeito vem estruturando. Essa
imagem – que é simplesmente uma metáfora que representa a totalidade da
informação sobre o mundo que cada indivíduo tratou, organizou e acumulou- pode
ser pensada como um standard em relação ao qual a nova informação é confrontada
para lhe conferir significado. Esse standard inclui o quadro de referência e as
necessidades, crenças e expectativas que influenciam aquilo que o destinatário retira
de uma situação comunicativa (ROBERTS, 1972, p.366 apud WOLF, 1985, p.152-
153).
Ao tratar sobre isso Wolf (1985), explica os mecanismos do agendamento “a omissão,
a não cobertura de certos temas, a cobertura intencionalmente modesta ou marginalizada que
alguns assuntos recebem e criam uma visão consensual sobre o tema” (WOLF, 1985, p.151).
De acordo com Grossi (1983), “em virtude do papel crescente dos “mass media”,
foram aumentando fatias de realidade que os indivíduos não vivem diretamente em seu
26
cotidiano, mas que vivem exclusivamente por conta das representações dos meios de
comunicação” (GROSSI, 1983, p.225).
Guy Debord na obra, A Sociedade do Espetáculo (1997), também aborda essa força do
conteúdo midiático. Assim como Émile Durkheim e Moscovici, ele relembra que o conteúdo
midiático pode se afastar do real empírico. Para ele, a vida moderna é uma grande acumulação
de espetáculos. Segundo Debord (1997), a aparência veiculada pelos meios de comunicação,
nem sempre condiz com o real. Ou seja, as representações midiáticas trazem um real
reconstruído e isso cria leituras consensuais sobre assuntos importantes.
Na opinião de Debord (1997), a aparência costuma se sobrepor ao real. O autor define
o espetáculo como: “não como um conjunto de imagens, mas uma relação social entre
pessoas, mediada por imagens” (DEBORD, 1997, p.14). Diante disso, ele aponta um consumo
alienado das imagens frágeis e manipulado difundido pelos meios de comunicação:
A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta da sua
própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla,
menos vive; quanto aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade,
menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao
homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios
gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele. É por isso que
o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda
parte (DEBORD, 1997, p. 24).
Michele Negrini (2014) diz algo parecido. Para ela, a consciência humana e a
capacidade do homem de pensar ficam submissas a um conjunto de influências que recebem
do espetáculo: “o espetáculo desvincula o espectador de sua própria história, de suas origens e
de seu modo de pensar e agir” (NEGRINI, 2014, p.3).
Para Roger Szpacenkopf (2003), os jornais podem tratar as notícias como espetáculo
quando exageram no tratamento dos fatos para gerar comoção, por exemplo. Ou seja, objetivo
de informar fica num segundo plano nesse tipo de situação.
Como efeito disso, para Debord (1997), o homem perde a capacidade de criticar,
pensar e agir. Ele discorre sobre a lógica do espetáculo e a ideia de passividade:
O governo do espetáculo, que no presente momento detém todos os meios para
falsificar o conjunto da produção tanto quanto da percepção, é o senhor absoluto das
lembranças, assim como é senhor incontrolado dos projetos que modelam o mais
longínquo futuro. Ele reina sozinho por toda parte e executa seus juízos sumários
(DEBORD, 1997 p.174).
Ainda segundo Debord (1997), a falta de contestação deu ao teor mentiroso uma nova
qualidade, ao mesmo tempo em que a verdade deixou de existir em todo lugar. No entanto,
para Debord (1997), a mentira, que parece verdade, fez desaparecer a opinião pública, em um
27
cenário dominado pelas distorcidas representações midiáticas, que não necessariamente
correspondem ao real, conforme é consenso entre os autores citados aqui.
Debord (1997) acreditava que pela mediação das imagens e mensagens dos meios de
comunicação de massa, os indivíduos passam a viver num mundo movido pelas aparências,
pelo consumo de fatos e notícias. A partir disso, segundo o autor, os meios de comunicação
de massa criam uma realidade própria para que a sociedade se solidarize e crie novos critérios
de julgamento e justiça conforme seus conceitos manipuladores.
Ainda segundo Debord (1997), as tecnologias no campo da informação agem
diretamente na capacidade de percepção dos indivíduos e dificultam a percepção do mundo. O
que nos remete mais uma vez a teoria das representações sociais, já que a ação dos meios de
comunicação pode criar leituras distorcidas sobre a realidade, conforme revelam os diversos
autores apresentados neste estudo.
No passado, mais precisamente no século XIX, acreditava-se ingenuamente que a
mídia era um reflexo da realidade. Essa tese chamada, Teoria do Espelho, hoje é bastante
contestada. Segundo Felipe Pena (2006), a mídia só pode ser entendida como um espelho se
considerarmos que os espelhos também podem distorcer o real em seus reflexos, mediante os
efeitos da luz, por exemplo.
Para Pena (2006), não há como transmitir o significado direto dos acontecimentos,
pois o jornalismo projeta a construção de uma realidade paralela, o que inviabiliza a
existência de um reflexo puro do real. Dessa forma, para o autor, a mídia não imprime o que
ocorre na realidade social, nem oferece um retrato fiel da realidade. Ele revela uma visão
particular, como um espelho fragmentado do mundo, pois a verdade não está no discurso, mas
sim no efeito que ele produz, explica Pena (2006).
Para Isabelle Melo (2007), durante o processo de construção da realidade, existe a
seleção, a hierarquização dos acontecimentos noticiosos e a interferência da realidade
socialmente, culturalmente e historicamente projetada:
Ou seja, há um primeiro plano já mediado da realidade que se dá na vida cotidiana e
funciona como um enquadramento primeiro para a construção do discurso midiático
(como um segundo enquadramento). Desse ponto de vista interacional, o jornalismo
não estaria mais diante do real, mas diante de uma realidade já socialmente dada.
Assim, “as notícias não contam como as coisas são, mas contam as coisas segundo o
seu significado (TRAQUINA, 1993 apud MELO, 2007, p. 02).
Melo (2007) ao comentar essa questão, revela que as teorias da comunicação de
modo geral apontam algo consensual: o jornalismo é apenas um recorte do mundo empírico.
Ele afirma ainda que é bastante perigoso as pessoas pensaram nas notícias como uma verdade
28
absoluta. Ou seja, o autor fala de um real socialmente construído assim como foi definido
pelos teóricos das representações sociais.
Ainda de acordo com Melo (2007), interferências simbólicas, culturais e ideológicas
são aplicadas no método de produção das notícias, e a partir disso, os meios de comunicação
formatam para o público uma determinada visão do fato.
Os pensadores dos Estudos Culturais, grupos de intelectuais britânicos que estudaram
os meios de comunicação, também abordaram as representações sociais midiáticas.
Raymond Williams (1976), por exemplo, diz que o modo de comunicar acaba determinando o
fato/conteúdo. Stuart Hall (2006) também concorda, já que a linguagem (tom) pode imprimir
significados psicológicos mais profundos além da “informação”. Ambos afirmam, assim
como demais autores citados, que o conteúdo midiático cria uma mediação/seleção para as
pessoas entenderam o mundo.
Stuart Hall (2006) entende a linguagem como um fenômeno cultural, que produz
sentido no mundo. A comunicação, segundo ele, determina a relações sociais entre as pessoas,
mantendo ou destruindo hierarquias. Nesse sentido, da mesma forma que os frankfurtianos,
ele reconhece o poder da mídia sobre a audiência, apesar de reconhecer que o público pode
perceber o tom manipulatório em algumas situações.
Para Hall (2006), a mídia veicula suas mensagens por meio dede signos que
constroem sentidos sociais. Tal tese dialoga com as representações sociais, pois para
Moscovici (1986), as representações acontecem mediante a seleção de alguns signos e
exclusão de outros. Ambos os autores apontam também o vínculo entre identidade e mídia.
Isto é, o conteúdo midiático ajuda a determinar grupos sociais e também como eles são vistos
pelo senso comum.
Segundo Hall (2006) é através da identidade que se constrói o outro e essa
construção passa pela influência da mídia na cultura, ele crê. Para os Estudos Culturais de
Hall (2006), os códigos da mídia podem ser interiorizados como formas de representações
mentais. Tais representações, que parecem naturais, são social e culturalmente construídas,
argumentam Hall e Willians (2006).
Eles dizem que as notícias são resultados de uma construção social. Portanto, o
jornalismo de um modo geral, é uma edificação de uma realidade outra. Diante disso, para
mostrar os níveis mais profundos das mensagens, Célia Motta (2004) fala do sentido da
conotação e da denotação presente no conteúdo midiático:
Um exemplo sobre a conotação e da denotação: uma invasão da Rocinha pela
polícia. Na primeira leitura, são as imagens da subida dos policiais armados. Num
29
segundo nível de leitura, o da conotação, os signos vão ser lidos como valores,
emoções e atitudes. Nesta notícia, existe uma leitura que vai depender do lugar de
fala do telespectador. De como ele consegue interpretar aquele fato. Num vídeo, a
denotação está no processo de reprodução em si de uma imagem da realidade. Já a
conotação tem a ver com o modo como o codificador transmite seus sentimentos ou
julgamento sobre uma mensagem. O que se usa nesta linha conotativa: ângulos de
câmera, iluminação, música de background, tipo de cortes ou de fusões de imagens.
Um exemplo também é o do enterro do traficante Lulu, no São João Batista, no Rio.
As cenas filmadas, mostrando que a revolta e a tristeza da população da Rocinha que
foi ao enterro, valorizam num primeiro momento, os detalhes do enterro. Numa
segunda leitura, levam a uma interpretação do papel do traficante para aquela
comunidade. E no terceiro nível de leitura, somos levados a discutir a questão do
tráfico como um problema social grave no Brasil, a nos perguntar sobre porque ele
ocupou os morros cariocas, sua lógica interna e o conflito entre o poder paralelo e o
poder político que a notícia desencadeia (MOTTA, 2004, p.4).
Ainda segundo a autora, os pensadores dos Estudos Culturais abordam também os
mitos, que são narrativas com significados compartilhados por todos os membros de uma
determinada cultura como forma de explicar a realidade: “o mito reflete os princípios mais
amplos pelos quais uma cultura organiza e interpreta a realidade. Eles operam como estruturas
organizadas dentro de uma área de intersubjetividade cultural” (MOTTA, 2004, p.4). É
possível dizer que as narrativas da mídia funcionam como os mitos, já que as pessoas as
utilizam para explicar a realidade.
Harold Lasswell (1971), ao criar a Teoria da Persuasão passa a estudar até que ponto a
ela pode atingir o público, dependendo do repertório desse indivíduo. A Teoria da Persuasão
afirma que a mensagem da mídia não é prontamente assimilada pelo indivíduo, sendo
submetida a vários filtros psicológicos individuais, o que nos remete mais uma vez a Teoria
das Representações. Ainda segundo o autor “Em algumas ocasiões, o indivíduo até mesmo
distorcerá o conteúdo das mensagens recebidas, de forma a adequá-las à sua forma de
entender” (LASSWELL, 1971).Portanto, a Teoria da Persuasão coloca a influência pessoal
em vantagem, em relação à eficácia dos “mass media”, conforme afirma Lazarsfeld (1940).
30
II- IGREJAS EVANGÉLICAS NO BRASIL
O cenário religioso no Brasil é altamente plural, e abriga inúmeros dogmas, formas de
pensar e de expressar a fé. Até mesmo o Cristianismo, a religião com mais adeptos no país,
passou por diversas modificações em sua história. De acordo com Ribeiro (2015), a Igreja
Católica que possuía hegemonia religiosa no Brasil, convive hoje com inúmeras vertentes do
Cristianismo, que conquistam novos fiéis todos os dias.
Conforme dados do censo do IBGE2 de 2010, os evangélicos somam cerca de
42.275.438 pessoas no Brasil, cerca de 22,2% da população. Os mesmos dados apontam que
12.314.410 de pessoas pertencem a uma única denominação, a Assembleia de Deus,
considerada a maior igreja do país.
Segundo Barbosa (2007), a Reforma Protestante que durou 38 anos, de 1517 a 1555,
respectivamente, idealizada pelo monge Martinho Lutero (1483-1546), que teve como cenário
a Alemanha do início do século XVI, se deu devido à decadência de várias ordens da Igreja
Católica, como com a venda de precatórios e o envolvimento ilícito de sacerdotes em tarefas
de caráter mundano, e foi responsável por popularizar a leitura da Bíblia Sagrada, proibida
por leigos dentro do contexto católico.
De acordo com Ribeiro (2015), a liberdade pregada pela Reforma, foi a principal
responsável por gerar inúmeras interpretações dos textos sagrados, idealizando o surgimento
de muitas Igrejas com diferentes vertentes sobre o evangelho disseminado pela Bíblia
Sagrada.
Lima (2009) transcreve que com o passar do tempo as Igrejas provenientes da
Reforma Protestante começaram a se dissipar rapidamente pelo mundo, e muitas delas se
afastaram dos ideais pregados pelos reformadores. O autor afirma que as Igrejas “originais”
nascidas dentro do contexto da Reforma protestante, são a Igreja Luterana e a Igreja
Anglicana3, e que todas as demais vertentes partiram da divisão dessas Igrejas, o que
caracteriza uma grande heterogeneidade na forma de professar essa fé.
Outra característica das Igrejas Evangélicas segundo Lima (2009) é o denominado
“sacerdócio universal”, que permite o crescimento na fé por meio da ideologia de que todos
os evangélicos podem se tornar sacerdotes, ou lideres de uma comunidade, o que difere do
conceito do clero e da Igreja Católica. Portanto, o evangelho possibilitou que “leigos” se
2https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14244-asi-
censo-2010-numero-de-catolicos-cai-e-aumenta-o-de-evangelicos-espiritas-e-sem-religiao 3 Herdeiras diretas do Protestantismo Histórico, baseadas nas doutrinas da reforma. (LIMA, 2009)
31
tornassem líderes espirituais. Na mesma linha de raciocínio, Ribeiro (2015) completa que o
sacerdócio universal foi responsável também por regionalizar as Igrejas, fazendo com que
novas denominações com características próprias dos lugares que nasceram surgissem, o que
mais uma vez reforça o conceito de pluralidade dentro dessa religião.
A chegada do evangelho no Brasil se deu poucas décadas após a morte de Martinho
Lutero que segundo Ribeiro (2015), surgiu com os imigrantes europeus no início da
colonização, que trouxeram com sigo uma nova maneira de professar sua fé, inserindo esses
princípios em nossa cultura.
Lima (2009) aponta que as primeiras Igrejas Evangélicas surgiram no Brasil em
meados do século XIX, e tinham como principal característica a leitura reflexiva dos textos
contidos na Bíblia, livro considerado sagrado para todos os cristãos. O autor também aponta
que possivelmente o primeiro culto evangélico no Brasil aconteceu em 1557, idealizado por
uma comitiva francesa enviada ao país por João Calvino (1509 – 1564), outro grande
influenciador da Reforma Protestante. Ainda segundo o autor a imigração alemã trouxe as
primeiras comunidades luteranas, instaladas em 1824, na cidade de Nova Friburgo (RJ) e em
São Leopoldo (RS).
Matos (2011), afirma que nos séculos XVI e XVII houve uma crescente invasão de
holandeses e franceses no território nacional, e que muitos destes eram protestantes e
buscavam ensinar a nova religião aos índios (em especial os franceses), colocando os
portugueses em alerta, já que a Europa iniciava um movimento contra a reforma. Liderados
por Mauricio de Nassau-Siegen, os holandeses promoveram liberdade religiosa entre os
católicos e judeus localizados no Nordeste brasileiro, especificamente em Olinda e Recife, em
meados de 1630. O autor enfatiza que os protestantes holandeses se destacaram por sua
atuação missionária para com os índios, ensinando-os sobre a Bíblia, promovendo o
catecismo e a ordenação de novos pastores entre os nativos, além de ajudarem obras
assistenciais, escolas, hospitais e criando centros de auxílio.
De acordo com Ribeiro (2015), após a chegada da família real em 1808, o segmento
histórico da Igreja Evangélica começa a se estabelecer, graças à abertura dos portos das
nações amigas, pelo então príncipe João, que permitiu a entrada de muitos imigrantes
europeus. Porém, em 1824 o catolicismo foi instituído como a religião oficial do império,
vetando a manifestação pública de outras religiões, que podiam ser professadas em cultos
domésticos e em lugres específicos. Segundo Lima (2009), a liberdade de manifestação
pública da fé só foi conquistada novamente em 1891 com a Constituição Republicana, que
32
determinava uma separação entre a Igreja e o Estado e declarava liberdade de culto em todo
território nacional.
2.1 Igrejas Históricas e a onda do Movimento Pentecostal no Brasil
Segundo Matos (2011), as primeiras Igrejas protestantes a se instalarem no Brasil
foram as Sociedades Bíblicas Britânicas e Estrangeiras em 1804, e a Americana em 1816.
Nessa época, segundo o autor, havia apenas duas traduções da Bíblia disponíveis. A primeira
foi feita pelo Reverendo João Ferreira de Almeida (1628–1691), que era utilizada pelos
protestantes, e a outra, feita pelo padre Antônio Pereira de Figueiredo (1725–1797), usada
pelos católicos.
Ribeiro (2015) afirma que a primeira Igreja a iniciar trabalhos missionários no Brasil,
foi a Igreja Metodista Episcopal, em 1876. Ainda segundo o autor, essa mesma Igreja fundou
a primeira Escola Bíblica Dominical.
A Igreja Presbiteriana foi outra grande denominação histórica que se instalou em terras
brasileiras no ano de 1863, no Rio Janeiro, tendo como fundador o norte-americano Ashbel
Simonton. Matos (2011), declara que umas das grandes contribuições dessa denominação foi
à criação do jornal “Imprensa Evangélica”, que circulou durante 28 anos (1862-1864). Ainda
segundo o autor, o primeiro pastor evangélico brasileiro ordenado foi o ex-sacerdote José
Manoel da Conceição, em 17 de dezembro de 1865.
Assis (2012) reitera que após a Guerra Civil dos Estados Unidos (1861-1865), muitos
americanos vieram ao Brasil em busca de refúgio e de terras. Segundo ele, esses imigrantes
financiaram e incentivaram a expansão de missões em território brasileiro e participaram da
fundação de templos presbiterianos4, batistas5 e metodistas6. O primeiro pastor batista
brasileiro, segundo Ribeiro (2015), foi Antônio Teixeira em 1882, e em 1907 imigrantes
fundaram a Convenção Batista Brasileira, em Salvador (BA).
Para Assis (2012), embora as palavras “evangelho” e “protestante” sejam vistos como
sinônimos, os termos possuem significados distintos. Em sua origem, “evangelho” diz
respeito àquele que se submete ao ensinamento do Evangelho, tendo apenas a Bíblia Sagrada
como fonte de revelação. Porém, a palavra “protestante” se refere ao documento de protesto
4 O termo deriva de uma assembleia ou organização governada por presbíteros ou anciãos (ASSIS, 2009). 5 Que enfatizam o batismo de pessoas adultas como forma de confissão pública de sua fé (ASSIS, 2009). 6 Que pregam a relação pessoal do homem e Deus e o estudo metódico da Bíblia Sagrada (ASSIS, 2009).
33
apresentado pelos luteranos em 1529, que declarava a fé católica como a única legal. Ainda de
acordo com o autor, no Brasil o termo “protestante” se refere aos fiéis das Igrejas
provenientes da reforma, como os presbiterianos, luteranos anglicanos, enquanto os termos
“evangélicos” abrangem todos os seguidores das igrejas pentecostais e neopentecostais.
Segundo Ribeiro (2015), em 1910 inicia-se no Brasil o Pentecostalismo, considerado
pelos estudiosos como o “novo movimento”, que é dividido em duas fases. O termo se deriva
da palavra pentecostal, que por sua vez faz referência a festa de pentecostes, considerada
como uma importante data no calendário cristão, na qual se comemora a descida do Espirito
Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo, que trouxe grande avivamento sobre os cristãos e é
lembrada 50 dias antes da Páscoa. Portanto, sua principal característica é a crença no Espirito
Santo e na plenitude da vida moral, além do batismo no Espirito Santo que é o ato de “falar
em línguas estranhas”, cientificamente chamada de glossolalia.
A primeira igreja evangélica brasileira com essa vertente foi a Congregação Cristã do
Brasil, fundada em 1910 pelo italiano Luigi Francescon, em São Paulo. Seu fundador era
membro da Igreja Presbiteriana na Itália, que tempos depois aderiu ao Pentecostalismo de
Chicago nos Estados Unidos, como afirma Lima (2009). A Congregação iniciou seus
trabalhos dentro das comunidades italianas no país, mas tempos depois se espalhou, tornando-
se nacionalmente conhecida. A segunda principal igreja dessa vertente é a Assembleia de
Deus, fundada em 1911, por dois missionários suecos, Gunnar Vingren e Daniel Berg, em
Belém do Pará. De acordo com Ribeiro (2015), essas duas igrejas marcam duas fases do
movimento pentecostal no Brasil.
Assis (2012), afirma que os movimentos pentecostais possuem características
definidas, como membros de baixa escolaridade e renda, e que apresentam forte resistência ao
catolicismo, além de acreditarem nos dons vindos do Espírito Santo, e por possuírem um
comportamento radical de rejeição ao mundo.
Em meados de 1950 se inicia a segunda fase do Pentecostalismo no Brasil, com a
chegada da Igreja Quadrangular, fundada pelo missionário norte-americano Harold Williams,
que segundo Ribeiro (2015), tem como diferencial o sacerdócio feminino, até então extinto no
país.
Ainda de acordo com o autor, outra igreja que marca a segunda fase do
Pentecostalismo no Brasil é a Igreja o Brasil Para Cristo, oriunda da divisão de duas Igrejas
do Evangelho Quadrangular em 1956. A Igreja Deus É Amor também se destaca nessa fase,
sendo inaugurada em 1962 pelo missionário David Miranda. A sede da Deus É Amor
34
localizada em São Paulo, é um dos maiores templos evangélicos no país, e possuí capacidade
para 10 mil pessoas, de acordo com Ribeiro (2015).
Lima (2009) certifica que “As igrejas da segunda fase tiveram como fator favorável
para o seu crescimento o processo de urbanização das cidades e a estruturação de uma
sociedade de massa com o advento de meios de comunicação como o rádio” (LIMA, 2009, p.
19).
A partir dos anos de 1970, de acordo com Ribeiro (2015), começa a se instaurar no
Brasil uma corrente de Igrejas Evangélicas que em muito se diferenciava das já conhecidas
pentecostais, sendo catalogadas como “neopentecostais”, que tinham como foco o uso das
mídias e a urbanização dos grandes centros do país.
Considerada como a primogênita das igrejas com essa denominação, a Igreja Nova
Vida, fruto de uma divisão com a Assembleia de Deus, foi fundada no Brasil em 1960. Lima
(2009) descreve as principais características desse primeiro movimento:
Esta igreja foi uma das primeiras a levar o pentecostalismo para a classe média, com
um formato menos conservador, e investiu nos meios de comunicação. Ao mesmo
tempo em que a sua origem está ligada à Assembleia de Deus, ela mesma abrigou
pessoas que seriam as fundadoras de três novas igrejas, a saber: Edir Macedo que
fundou a Igreja Universal do Reino de Deus e Romildo R. Soares, cunhado de Edir
Macedo e fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus (LIMA, 2009, p.20).
A expressiva Igreja Universal do Reino de Deus foi fundada nesse mesmo período,
regida pelos mesmos princípios do neopentecostalismo, em 9 de julho de 1977, pelo pastor
Edir Macedo. Mariano (2004) aponta que a denominação que teve um início humilde se
tornou em menos de 30 anos, umas das maiores igrejas do país, com foco na grande exposição
midiática, se tornando dona de umas das maiores emissoras de televisão do Brasil, a rede
Record, em 1989. Lima (2009) reitera que as principais características dessa denominação
estão na ênfase da batalha espiritual, em doutrinas liberais, na pregação da “Teologia da
Prosperidade” que consiste na visão de que todo o cristão filho de Deus deve ser próspero em
todos os sentidos da vida e, na prática de exorcismos.
Durante o período de crescimento do movimento neopentecostal, algumas igrejas
históricas passaram a ser consideravelmente influenciadas por esse movimento e, devido à
relutância das mesmas, muitos grupos foram desligados das Igrejas Históricas formando
novos grupos denominados de “renovados”. Ribeiro (2015), afirma que a partir desse
movimento a Igreja Católica, por também ser influenciada, iniciou o “movimento
carismático”.
Lima (2009) aponta que devido a grande exposição midiática das igrejas pertencentes
a esse movimento, muitas pessoas tiveram acesso aos cultos e reuniões promovidas pelas
35
mesmas, que tem como foco experiências espirituais e o testemunho de curas e milagres por
parte dos fiéis, o que cooperou para o aumento da audiência e consequentemente do número
de pessoas que faziam parte da doutrina.
Ribeiro (2015) destaca que algumas igrejas neopentecostais foram envolvidas em
escândalos na mídia, como os casos do pastor Edir Macedo, líder da Igreja Universal do
Reino de Deus, e do bispo Estevam Hernandes, líder da Igreja Renascer em Cristo, ambos
acusados de charlatanismo, estelionato e lavagem de dinheiro. Porém, o autor afirma que
casos como estes não devem ser generalizados, pois muitas igrejas evangélicas operam de
acordo com princípios éticos, promovendo inúmeros trabalhos missionários e de ajuda a
comunidade, com obras sociais e de conforto espiritual como, por exemplo, os centros de
reabilitação para dependentes químicos e a ajuda humanitária em países de risco. Ribeiro
(2015) conclui dizendo que generalizações não cabem dentro de quaisquer instituições, sejam
de nível público ou privado, religiosos ou estatais.
As igrejas evangélicas segundo Cunha (2007, p.14-15 apud RIBEIRO, 2015, p.16-17),
devido a sua grande heterogeneidade, são subdivididas em alguns grupos que além de
ajudarem a classificá-las, criam tipologias para identificá-las. Eles são divididos em seis
categorias diferentes, sendo os protestantes decompostos em históricos e pentecostais.
a) Protestantismo Histórico de Migração, quem tem raízes na reforma do século
XVI, chegou ao Brasil com o fluxo migratório estabelecido a partir do século XIX,
sem preocupações missionáriosconversionistas. É representada pela Igreja
Luteranas, Anglicanas e Reformadas. b) Protestantismo Histórico de Missão (PHM), Também originário da reforma do
século XVI, vieram para o Brasil trazidos por missionários norte-americanos no
século XIX. Correspondem as igrejas Congregacional, Presbiterianas, Metodistas,
Batistas e Episcopal. c) Pentecostalismo Histórico, assim chamado por suas raízes nas confissões
históricas da Reforma, veio para o Brasil no início do século XX com o objetivo
missionário. É caracterizado pela doutrina do Espirito Santo, ou seja, pela condição
que os adeptos devem assumir de um segundo batismo, o batismo do Espirito Santo,
caracterizado pela glossolalia (o falar em línguas estranhas). Composto pelas igrejas
Assembleia de Deus, Congregação Cristã e Evangelho Quadrangular. d) Protestantismo de Renovação ou Carismático, que surgiu a partir de expurgos e
divisões das chamadas “igrejas históricas”, em especial na década de 60,
caracterizado por posturas influenciadas pela doutrina pentecostal. Mantem vínculos
com a tradição da reforma e com a estrutura de suas denominações de origem. É
formada pelas igrejas Metodistas Wesleyana, Presbiteriana Renovada e Batista da
Renovação, entre outros. e) Pentecostalismo Independente (também denominado neopentecostalismo), que
sem raízes históricas na Reforma do século XVI, surgiu (e surge ainda hoje) de
divisões teológicas ou políticas nas “denominações históricas” a partir da segunda
metade do século XX. Tem como especificidades sua composição em torno de uma
“liderança carismática”, a pregação da Teologia da Prosperidade e a Guerra
Espiritual, a prática constante de exorcismos e curas milagrosas e o rompimento
com o ascetismo pentecostal histórico. Sua enumeração é dificílima, dada a profusão
constante de novas igrejas: Deus é amor, Brasil para Cristo, Casa da Benção e
Universal do Reino de Deus.
36
f) Pentecostalismo Independente de Renovação, que apareceu no final do século XX
e ganha força no início do século XXI. Possui as características do Pentecostalismo
Independente (alguns autores tratam esse grupo de igrejas integrado ao outro), no
entanto difere dele por ter como público – alvo as 17 classes médias e a juventude,
estruturando seu modo de ser para alcançá-los. Esse modo de ser atenua a ênfase no
exorcismo e nos milagres e ressalta a prosperidade e a guerra espiritual. Grupo de
igrejas composto pela Renascer em Cristo, Comunidades (evangélicas da graça),
Sara Nossa Terra, Bola de Neve, entre outras (CUNHA, 2007, p.14-15 apud
RIBEIRO, 2015, p.16-17).
O objeto de estudo e de análise dessa monografia se encontra entre o Pentecostalismo
Independente, ou o neopentecostalismo e o Protestantismo de Renovação, ou carismático.
2.2 A Religião nos Estudos Sociais da Comunicação
De acordo com Luís Martino (2016), mesmo que a fé seja uma questão individual, a
religião é vivida em público, e isso a transforma em tema para os estudos das Ciências Sociais
e da Comunicação. O autor afirma que “o modo como à pessoa religiosa se veste, fala, vive
com os outros, escolhe seus relacionamentos afetivos ou mesmo profissionais está, em alguma
medida, ligado às suas crenças.” (MARTINO, 2016, p.9). Ainda segundo o autor, “assim
como a religião define quem está dentro da comunidade, define também quem está fora.”
(MARTINO, 2016, p.13). Dessa forma, ele compreende que a religião deve ser entendida
como uma prática social, pois ela acontece na relação entre as pessoas, além de ser um dos
grandes registros de identidade dos indivíduos, comunidades e grupos, pois interfere
diretamente na sociedade.
Ricardo Fiegenbaum (2006) ressalta que com o advento dos primeiros veículos de
comunicação de massa como rádio, televisão e jornal, no início do século XX, a sociedade
passou a analisar os impactos que os mesmos causavam em vários âmbitos sociais e culturais.
Para Fiegenbaum (2006), a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e a Teoria Informacional
norte-americana, colocavam em uma relação pragmática o problema dos meios de
comunicação de massa na vida e no cotidiano das sociedades, dialogando com a questão das
religiões nesses meios.
Os meios de comunicação seriam instrumentos, de um lado, da expansão de um
modelo ideal de mercado, onde haveria livre trânsito de informações e de bens
culturais e, de outro, de perpetuação, por meio da produção e circulação de bens
culturais (mensagens), de um modelo de mercado organizado sobre a concepção de
uma sociedade dividida em classes antagônicas, resultado da contradição entre
capital e trabalho. O pressuposto ideológico da Teoria Crítica estava na afirmação do
progressivo domínio da técnica e a perenização da dependência e da opressão, pela
massificação midiática. A Teoria da Informação tinha como pressuposto o próprio
mercado, como regulador natural das relações humanas. Tais teorias colocavam-se
em posições opostas quanto aos efeitos das mídias de massa, mas se aproximavam
37
enquanto abordagem instrumental dos meios. Ambas suportaram diferentes
aproximações sobre a relação entre mídia e religião. Da Teoria Crítica surgiram estudos que consideravam, por exemplo, os meios de
comunicação de massa como uma ameaça à fé e à moral judaico-cristã e, mais tarde,
também como um aparelho ideológico a serviço do capitalismo internacional,
voltados para projetos de manipulação das massas empobrecidas, o que resultaria em
propostas de comunicação alternativa e dialógica. Rechaçava-se a mediação técnica
por temer-se que ela viesse a desumanizar as relações. De outro lado, a Teoria
Informacional desencadeou estudos ufanistas sobre o potencial evangelizador dos
meios de comunicação e sobre seu importante papel para a veiculação de valores
positivos, de formação de comunidades de fé à distância e de alcance aos fiéis nos
mais remotos confins. (FIEGENBAUM, 2006, p. 18, 19).
Assim como verifica Robert A. White (2007, p.3, apud MARTINO, 2016, p.15), se
referindo ao contexto histórico das pesquisas sobre mídia e religião na Europa e nos Estados
Unidos, em que segundo ele, existiu uma passagem de estudos interessados no “efeito da
mídia sobre a religião” para a “construção dos significados” pelos indivíduos diante dessas
relações. Em outras palavras, muda-se o contexto da maneira que as religiões utilizam os
meios de comunicação, para a maneira de como as religiosidades se associam com o ambiente
das mídias.
Martino (2016) entende que há algumas décadas, em especial na segunda metade dos
anos de 1980, o Brasil passou a vivenciar em sua sociedade e cultura, experiências de
pluralismo religioso, o que significou viver diferenças religiosas, que até então, eram
desconhecidas. Nesse sentido, o autor comenta que esse pluralismo serviu para mostrar a
visibilidade midiática desses meios que, também era desconhecida.
Não se tratava mais de uma denominação principal – o Brasil era “o maior país
católico do mundo” – observando a resistência de denominações e religiões
minoritárias, como protestantes e espíritas, mas de um cenário de pluralidade, no
qual a dinâmica das denominações religiosas passou a se organizar em termos de
uma disputa por espaço – tanto entre as pessoas, quanto pelo público. O pluralismo
religioso ultrapassou rapidamente a esfera das religiões e se articulou com outros
setores da sociedade, como a política e a cultura. No campo político, o pluralismo
religioso significou a entrada de novos temas na agenda de debates. Questões como
o Estado laico, o ensino religioso nas escolas, o respeito à diferença de crenças e
outras temáticas passaram a frequentar a mídia e o cotidiano. No entanto, ao que
parece, a consciência desse pluralismo começou a crescer a partir dos anos 1980,
quando algumas denominações religiosas passaram a usar uma estratégia que, nos
anos seguintes, mostraria uma relevância até então pouco conhecida – a visibilidade
midiática (MARTINO, 2016, p.14).
Portanto, Martino (2016) afirma que “esses exemplos sugerem uma crescente
complexidade do campo religioso, que ultrapassa o limite estrito da ‘crença’ e diz respeito a
toda a sociedade” (MARTINO, 2016, p.14).
O advento da imprensa ajuda a explicar o triunfo da Reforma protestante. Para
Campos (2008), o sucesso protestante se dá graças à imprensa, que se desenvolveu através da
38
criação das prensas, arquitetadas por Gutenberg em 1450, que permitiu que a impressão dos
textos de Martinho Lutero e de João Calvino chegasse a Europa.
A religião sempre foi uma temática de destaque nas Ciências Sociais. Os intitulados
“pais fundadores” das Ciências Sociais, como Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, se
dedicaram consideravelmente nos estudos sobre o tema. Martino (2016, p. 16, apud BRUCE,
1990, p.26) afirma que a partir do surgimento dos “televangelistas”7 e dos programas
religiosos ingressarem na televisão, é que os estudos voltaram suas atenções para o tema, mas
que apenas em 1990, quando o campo religioso se tornou diretamente voltado para a mídia,
foi que se percebeu o início de novas pesquisas sobre o assunto. Ainda de acordo com o autor,
é a partir dos anos 2000 que começaram a surgir consideráveis crescimentos nos números de
estudos a respeito de religião e mídia, nos campos da Comunicação, migrando da Sociologia
da Religião, que no início de 1960 era a responsável por estudos sobre o tema. Para ele, esse
processo migratório se divide em três partes:
(a) um primeiro momento, ainda nos anos 1960, no qual a “mídia” era ainda um
elemento secundário nas pesquisas em religião desenvolvidas, sobretudo – mas não
exclusivamente – nas Ciências Sociais; (b) as primeiras aproximações com a área de Comunicação, nos anos 1980,
emestudos sobre Comunicação Eclesial; (c) os desenvolvimentos feitos a partir dos anos 1990, quando da ampliação dos
temas na área de Comunicação. Essa divisão, vale reforçar, não significa que não
ocorreram e ocorram bem-vindas mesclas, intersecções e sobreposições – o
conhecimento, até onde se sabe, acontece no diálogo. Inclusive entre disciplinas e
áreas do conhecimento (MARTINO, 2016, p.17).
Outros pesquisadores, como Pierre Bourdieu (1983) indicam outra mudança que pode
ter cooperado para atribuir espaço ao tema “mídia e religião” nas Ciências Sociais, como a
passagem de uma “sociologia religiosa”, ou seja, feita por pessoas ligadas a denominadas
religiões, para uma “sociologia da religião”, feita por interessados na religião como um
fenômeno social. Maurtino (2016) define essa diferença:
A religião interessa para as Ciências Sociaise para a Comunicação por sua
importância como fenômeno social, não como fenômeno religioso. A realidade em
si dos fenômenos religiosos, das crenças e divindades, disputadas sobre questões
doutrinárias, sobre o certo e o errado das religiões em si não são o objeto da
pesquisa nas Ciências Sociais. A religião se torna um tema de interesse porque essas
crenças estão ligadas ao modo como indivíduos, comunidades e sociedades vivem e
se relacionam uns com os outros. O debate sobre as características de uma
divindade, por exemplo, interessa exclusivamente aos adeptos daquela religião. No
entanto, quando esse debate se torna um pretexto para que algumas pessoas adotem
determinada atitude em relação às outras, como servi-las ou dominá-las, a questão se
torna de interesse para as Ciências Sociais, na medida em que é uma prática social
(MARTINO, 2016, p.20).
7 Televangelismo é ouso da televisão para transmitir a fé cristã para muitas pessoas (Lima 2009).
39
Para Lima (2009), os aspectos que tornam as pesquisas sobre os evangélicos no Brasil
são o crescimento no número de evangélicos na América Latina, o impacto no campo
religioso, o uso das mídias e sua repercussão na sociedade e na politica.
No inicio da década de 1980, as pesquisas sobre mídia e religião, eram direcionadas a
estudar a mídia religiosa e o uso da mídia pelas Igrejas, como cita Martino (2016), que
buscava compreender quais eram suas características, objetivos, possibilidades e limites. O
autor considera esses estudos como “Comunicação Eclesiástica”, que se voltavam ao
Catolicismo e em suas variadas manifestações e movimentos nas igrejas protestantes e
tradicionais.
José Marques de Melo (1986) relata que os trabalhos publicados nessa época falavam
sobre as discussões da mídia e religião no contexto da redemocratização politica e na
expansão dos meios de comunicação de massa.
Pedro Gomes (2004) entende que a criação de interfaces entre a religião e a
comunicação contribuiu para que ela se consolidasse como área de estudos. Na América
Latina o Cristianismo e o Marxismo são colocados como as duas origens mais importantes de
pensamento, e o autor delimita as conquistas dessas matizes como: “O desenvolvimento
original de um pensamento crítico, combinado às particularidades da religião como fonte de
uma reflexão, não apenas do fenômeno religioso, mas também da própria Comunicação”
(GOMES, 2004, p.211).
A partir dos anos 2000, começam a surgir novas linhas de pesquisa que abordavam o
tema “mídia e religião”, e ao mesmo tempo o cenário religioso também estava em
considerável mudança. Martino (2006) explica que a consolidação das igrejas evangélicas
neopentecostais e a renovação carismática católica, aliadas as mudanças na comunicação
como com a chegada da internet e as mídias digitais, foram responsáveis por trazer novas
perspectivas nos estudos da relação entre essas manifestações, destacando o relacionamento
da religião com a publicidade e o consumo.
Fiegenbaum (2006) afirma que a religião midiatizada do século XXI, desperta
interesse por que interfere e reconfigura de maneira significante as práticas nos campos
político, religioso, econômico e midiático.
Portanto, entende-se que a religião desde os seus primórdios esteve ligada a
comunicação, e atualmente, se relaciona de maneira efetiva e linear com a mídia, tornando-se
objeto de estudo nos campos da comunicação.
40
III- A COMPREENSÃO DE SENTIDOS NA REPORTAGEM DA
REVISTA SUPERINTERESSANTE
A ideia deste estudo é evidenciar o efeito das representações sociais midiáticas sobre
os evangélicos e a compreensão de sentidos que elas criam através de seu locutor para os
interlocutores, dentro do contexto social. De agora em diante será explicado um pouco sobre o
método escolhido para ler o corpus, que se caracteriza na reportagem da edição 351, de
setembro de 2015, da revista Superinteressante, intitulada: “Extremismo evangélico”. O
conteúdo textual da reportagem, portanto, é o principal objeto de análise deste capítulo.
Dessa forma, dando sequência lógica ao estudo, nos próximos subcapítulos serão
feitas as descrições sobre os elementos teóricos que me serviram de base para concluir o
objetivo desta monografia, ou seja, compreender como os evangélicos são representados
socialmente através da reportagem em questão. Também será feito um breve histórico sobre a
fonte de análise do corpus, ou seja, a revista Superinteressante, onde conheceremos seu perfil
editorial e discursivo, a fim de compreender quais representações são criadas a partir disso,
pois segundo Van Dijk (2011, p.22 apud SANT´ANA, 2014, p.56), o discurso é o “texto em
contexto”. Por fim, a análise do corpus destrinchará o texto buscando através dos elementos
textuais encontrar as representações e a compreensão de sentidos contida no texto
materializado.
3.1 Bakhtin e a Compreensão de Sentidos
O trabalho aqui apresentado se baseia no conceito de compreensão de sentidos
discutido por Bakhtin, um renomado filósofo da linguagem um pensador, mais ensaísta do
que cientista (POSSENTI, 2003, p. 8), sendo a linguagem, conforme Volochínov (2013, p.
143) “condição necessária para a organização do trabalho humano”, porque por meio dela
perpassa toda atividade humana, ela organiza a vida social do homem.
Cabe antes de discutir a compreensão de sentidos, entender que o indivíduo não existe
fora da sociedade, que ele não é só uma composição biológica abstrata. Silvestri (2013, p. 83)
pautado nos estudos Bakhtinianos declara que nascer fisicamente não garante ao homem
entrar na história, “é necessário algo como um segundo nascimento, um nascimento social”.
Porém, “não como fantoche das relações sociais”, conforme destacado por Sobral (2012, p.
24), “mas como um agente, um organizador de discursos, responsável por seus atos e
responsivo ao outro”. E assim, esse trabalho busca analisar por meio do referencial
41
apresentado como o discurso apresentado na revista Superinteressante sobre os evangélicos
traz entrelaçada as representações sociais de quem assina a reportagem.
Faraco (2003) aponta que Bakhtin percebe as vozes sociais como numa cadeia de
responsabilidade, o que envolve respostas ao que já foi dito, invocando novas reflexões e
novas perguntas, como em um círculo completo e contínuo. Desse modo, o diálogo é um dos
eventos em que as relações dialógicas se manifestam, admitindo a vastidão, variedade e
complexidade das relações. Para o autor, para haver relações dialógicas é preciso que
qualquer material semiótico “tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição
de um sujeito social” e que se estabeleçam relações de sentido, gerando significações
“responsivamente a partir do encontro de posições avaliativas” (FARACO, 2003, p. 64). Só
assim é possível responder, fazendo réplicas ao dito, confrontando posições, acolhendo a
palavra do outro, buscando um sentido profundo.
Ainda, sobre as compreensões de sentido estabelecidas nas relações dialógicas, Brait
(2005, p. 93) destaca que “a linguagem não é falada no vazio, mas numa situação histórica e
social concreta no momento e no lugar da atualização do enunciado”. Tanto para Bakhtin
(2003) quanto para Volochínov (2013), a palavra somente existe quando usada de forma
comunicativa efetiva; quando é dita e pode ser interpretada, compreendida de forma
responsiva, criando novas oportunidades comunicativas. A compreensão contém em si uma
resposta. Compreender a enunciação do outro significa orientar-se a ela, “encontrar o seu
lugar adequado no contexto correspondente”. Nas palavras da enunciação vamos
compreendendo processualmente, “fazemos corresponder uma série de palavras nossas,
formando uma réplica” (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2009, p. 137). Nesse sentido, Sobral
(2012) enfatiza o caráter da “responsabilidade” e da “participatividade” do agente, unindo, no
primeiro conceito, a “responsabilidade, o responder pelos próprios atos”, à “responsividade, o
responder a alguém ou a alguma coisa”. Com efeito, a enunciação é o produto da interação de
dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este
pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A
palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se
tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na
hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai,
mãe, marido etc.) (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2009, p. 116).
Faraco (2003, p. 67) acrescenta que, para o Círculo de Bakhtin, mesmo que a
responsividade seja caracterizada pela adesão incondicional ao dizer do outro, “se faz no
42
ponto de tensão deste dizer com outros dizeres”, assim como aceitar um enunciado é também
“recusar outros enunciados”. “Nenhum sujeito absorve uma só voz social, mas sempre muitas
vozes” (FARACO, 2003, p. 81). Por um lado, o dialogismo diz respeito ao permanente
diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que
configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade. Por outro lado, o dialogismo diz
respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos
instaurados historicamente pelos sujeitos, que por sua vez, se instauram e são instaurados por
esses discursos (BRAIT, 2005, pp. 94-95).
No processo de interação dos sujeitos, as vozes funcionarão de diferentes modos,
intituladas por Bakhtin por vozes de autoridade e vozes persuasivas. A primeira “é aquela que
nos interpela, nos cobra reconhecimento e adesão incondicional”. Já a segunda “é aquela que
aparece como uma entre outras muitas” (FARACO, 2003, p. 81). Quanto mais vozes de
autoridade para o sujeito, mais monológica será sua consciência; ao passo que, quanto mais
essas vozes forem persuasivas, mais dialógica será sua consciência. Assim, cada um dos
elementos significativos da enunciação é transferido “nas nossas mentes para um outro
contexto, ativo e responsivo” (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2009, p. 137).
Dessa forma, a compreensão pode ser entendida a partir de trilhas ou das pistas que
nos são dadas. Apoiada nessa perspectiva, a análise proposta traz possibilidades de discussão
sobre a linguagem em práticas sociais, tais como as apresentadas na reportagem da Revista
Superinteressante “Extremismo evangélico”.
É pela e na linguagem (LESSA, 2003), entendida como instrumento de mediação, que
podemos discutir a representação social dos evangélicos em uma reportagem da Revista
Superinteressante. A linguagem como prática social tem sua origem na aceitação de que os
sentidos são negociados e construídos dentro de um momento sócio-histórico determinado. É
assim que, diante dos enunciados estabelecidos, participando de um processo interpretativo de
compreensão de sentidos o corpus será analisado.
3.2 Revista Superinteressante
Em 1978, fundou-se na Alemanha a revista PM, criada pelo grupo Gruner + Jar (G+J),
também responsável pela criação da revista MuyInteresante, veiculada na Espanha, Colômbia,
Venezuela, Argentina, México, e Chile (SANT´ANA, 2014, p.56 apud LIMA, 2008, p. 34).
A Editora Abril comprou em 1987 os direitos da revista Espanhola MuyInteresante,
tendo como principal objetivo a publicação integral da mesma no Brasil, através de traduções.
43
Contudo, segundo Sant´ana (2014), a nova detentora dos direitos da revista percebeu que os
fotolitos 8eram maiores do que os utilizados no Brasil, o que obrigou a Editora a produzir suas
próprias reportagens para a revista Superinteressante.
Lima (2008) afirma que o primeiro exemplar da revista foi lançado no ano de 1987,
com uma tiragem de 150 mil cópias, que surpreendentemente se esgotou em três dias. Esse
fato colaborou na decisão da Editora em publicar mais 65 mil exemplares extras da mesma
edição. Conforme destaca o autor, em 1994 a Superinteressante atingiu o patamar de revista
com maior tiragem dentre as quais estava vinculada, se tornando uma das maiores detentoras
de publicações sobre jornalismo científico do país.
Atualmente a revista possui uma tiragem superior a 485 mil exemplares, que abrange
mais de 1,5 milhões de leitores. Lima (2008) ressalta que o público-alvo da revista possui
idade entre 18 e 39 anos, e que as classes A e B constituem 79% desse público.
A Editora Abril decidiu em setembro de 2007 publicar gratuitamente o conteúdo da
Superinteressante na internet9, possibilitando que todas as edições, da primeira a última,
sejam acessadas no site oficial da revista. Dessa forma, ela atualmente é composta pelas
seguintes seções: alimentação, ciência, cotidiano, cultura, ecologia, esporte, história, mundo
animal, religião, saúde, tecnologia e universo.
Sant´ana (2014) destaca que algumas revistas surgiram a partir de edições especiais da
Superinteressante, das quais, destaca-se aqui a Revista das Religiões, de maio de 2003.
A Superinteressante segundo Lima (2008) é um veículo periódico jornalístico, de
circulação nacional e mensal, que em suas publicações privilegia o gênero de reportagem,
definida por Marques de Melo (2003) como um “relato ampliado de um acontecimento que já
repercutiu no organismo social e reproduziu alterações que são percebidas pela intuição
jornalística” (MELO, 2003, p.65-66). A autora Sant’ana (2014, p.57 apud LIMA 2008, p.19),
afirma que através do gênero reportagem, a revista busca alcançar seu discurso da prática
jornalística, pois além disso:
A Revista apresenta o jornalismo científico como um gênero textual capaz de formar
o conhecimento dos leitores, através das suas reportagens e coberturas completas de
temas. Isso porque este gênero jornalístico é o único da comunicação que tem a
preocupação com a exegese e com a explicação do método científico – algo não
usual em outros gêneros jornalísticos – da mesma forma que o Jornalismo Científico
tem um caráter metalinguístico e empírico, pois realiza estudo sobre os dados, faz as
comparações estatísticas e estuda os fenômenos em questão (SANT’ANA, 2014,
p.56 apud LIMA, 2008, p. 19-20).
8 Chapas utilizadas no processo de impressão. 9 https://super.abril.com.br/historia/extremismo-evangelico/
44
Portanto, segundo a autora, as reportagens fornecem informações mais detalhadas
sobre os assuntos, e por aparecerem com frequência no periódico, colaboram para a formação
do leitor.
Segundo Lima (2008), as reportagens da revista são diretas e acompanham as
diretrizes dos textos jornalísticos, por serem direcionadas e elaboradas com base na
pressuposição de quem seja este leitor, seus interesses, e como ele entende se diferenciando
do texto científico, que possui como público-alvo especialistas no assunto.
Ainda segundo o autor, a Superinteressante utiliza com veemência a informação
codificada como imagem, conhecida também como infografia10, além de outros recursos
gráficos que ilustram suas reportagens. As imagens, em grande parte, são imprescindíveis na
compreensão do que está sendo dito, e ainda de acordo com o autor, no expediente da revista
existe sempre um designer, ou editor de imagem, ao lado do responsável pelos infográficos.
Porém, vale reforçar aqui que a análise feita por este estudo se detém apenas na materialidade
do texto contido na reportagem da revista Superinteressante.
As capas da Superinteressante seguem a linha editorial de ciência da pós-
modernidade, e abordam os temas de maneira mais social, filosófica, humana e relativa.
Portanto, atualmente, as capas da revista possuem temas ligados à religião e ao misticismo,
além de ciência e comportamento, que segundo dados da revista, vendem mais (SANT’ANA,
2014, p.59 apud LIMA, 2008, p. 17).
Lima (2008) ressalta que os leitores de veículos de jornalismo especializado no Brasil
possuem curiosidade sobre temas relacionados à ciência, religião e misticismo. Para o autor,
ao publicar reportagens de capa sobre esses assuntos, a Superinteressante se tornou um dos
maiores periódicos do país, quebrando recordes e conquistando muitos prêmios.
3.3 Análise do Córpus
A partir de agora será feita a Análise do Córpus da reportagem, a fim de enxergar a
compreensão de sentidos e as representações sociais que ela cria sobre os evangélicos.
A reportagem que tem como título “Extremismo evangélico”, é assinada pelo jornalista
Leandro Beguoci, está situada na página 28 da edição 351, de setembro de 2015 da revista
Superinteressante, possui 17.525 caracteres no corpo do texto e dispõe o total de 7 páginas. A
10 Junção de textos breves com ilustrações explicativas para o leitor entender o conteúdo (LIMA 2008).
45
reportagem em questão está localizada, nesta edição, dentro do segmento de “História”, e
pode ser encontrada na íntegra no site da Superinteressante na internet.11
Como observado a partir do levantamento das palavras mais frequentes, por meio do
programa Antconc,12 pôde-se concluir que as palavras de conteúdo que mais se destacam são:
“evangélicos” (25), “Igreja” (17),“pastor” (15),“evangélica” (12),“Brasil” (10) e “evangélico”
(10), isso nos indica, sem necessitar de uma leitura prévia, que o tema da reportagem se
destina aos pastores de igrejas evangélicas no Brasil, citando com mais frequência os três
pastores pentecostais mais influentes e mais conhecidos por polêmicas no país que são:
“Lucinho” (13), “Edir Macedo” (3) e “Silas Malafaia” (3). O léxico católico por seu turno é
citado13 apenas uma vez na reportagem, onde a informação de que o Brasil é um país
majoritariamente católico é reforçada, e na qual o autor se vale de ironia para contrapor os
“católicos rígidos e organizados” com evangélicos que segundo ele são “desorganizados” e
que não possuem uma “doutrina padronizada”. Entretanto, segundo Ribeiro (2015), os cultos
evangélicos possuem uma organização interna, que se caracteriza no louvor, oferta, oração e
pregação da palavra, na qual o pastor, diferente do padre que tem pré-selecionada sua leitura
do dia, prepara seu sermão conforme sua reflexão acerca dos textos sagrados.
Sobre a materialidade do texto, o título da reportagem possui caráter dedutivo, o que
significa que ele cria uma noção de sentido sobre o leitor, levando-o inconscientemente a criar
um juízo de valor sobre o que está lendo, pois segundo Monteiro (2003) a dedução parte de
uma questão generalizada para a particularização. Portanto, em um primeiro momento, a
reportagem generaliza o extremismo e depois leva essa questão para o particular, se referindo
aos evangélicos, impondo o estigma de que todo evangélico é extremista.
Logo em seguida a linha fina apresenta o seguinte conteúdo: “Pastores agem como
aiatolás. Intolerância religiosa nas ruas. Conheça a fúria dos fundamentalistas que ameaçam
as liberdades individuais – e as próprias igrejas evangélicas”. Em uma primeira análise o autor
compara os pastores evangélicos com aiatolás no trecho “Pastores agem como aiatolás.”, que
são altos dignitários na hierarquia religiosa mulçumana xiita. Os mulçumanos e xiitas são
conhecidos como “extremistas radicais” por seus atos de terrorismo que chocaram o mundo a
partir da década de 1980, quando a embaixada dos Estados Unidos foi invadida14 em Teerã,
capital e principal cidade da República do Islã, por extremistas xiitas que resultou no
11 https://super.abril.com.br/historia/extremismo-evangelico/ 12 http://www.laurenceanthony.net/software/antconc/ 13 Página 4, primeiro parágrafo. 14 https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/curiosidades/sunitas-x-xiitas.htm
46
enforcamento de iranianos em praça pública, além de outros atentados terroristas envolvendo
os mesmos. Dessa forma, ao comparar os pastores evangélicos com aiatolás, o autor deduz
que esses líderes religiosos disseminam o mesmo discurso de ódio professado por esses
grupos radicais mulçumanos. Portanto, segundo Torre (1986), esse tipo de afirmação veicula
um real criado por intermédio da seleção de quem profere a informação, ou seja, do autor da
reportagem, que resulta em novos padrões manipulados de pensamento, construídos a partir
dessa representação particular e estereotipada sobre o real.
Posteriormente a linha fina exibe “[…] intolerância religiosa nas ruas […]”, que cria o
sentido de que tal intolerância se dá, em sua maioria, através dos evangélicos, pois a
reportagem fala apenas sobre esse grupo social. Tal dedução se confirma no trecho15 do texto
em que o autor transcreve “O Rio é o Estado com maior presença evangélica no País, e nos
últimos meses passou São Paulo no ranking de reclamações de intolerância religiosa.”, o que
explicitamente evidencia a ideia de que o crescente número de intolerância religiosa no
Estado está estritamente ligado ao aumento do número de evangélicos, reforçando o
pensamento de que os evangélicos são de fato extremistas e intolerantes. Por fim, a linha fina
termina com a seguinte frase “Conheça a fúria dos fundamentalistas que ameaçam as
liberdades individuais – e as próprias igrejas evangélicas”, o que reitera, mais uma vez, a
noção de agressividade e de alienação contida na religião evangélica.
Logo no início da reportagem16 o pastor Lucinho, que é citado por 13 vezes no corpo
do texto, é intitulado como “[…] uma estrela da Igreja Batista da Lagoinha […]”, que no
contexto da reportagem o descreve17 como sendo uma “[…] celebridade evangélica.” e “[…]
uma versão religiosa do ‘vida loka’ da puberdade.”, onde o autor cita os títulos dos livros que
o pastor escreveu, além de sua linha de camisetas muito popular entre o público jovem
evangélico. Após as devidas apresentações o texto relata um vídeo em que o pastor explica
como estragar uma festa da umbanda, narrado pelas palavras do autor. Em uma pesquisa na
internet, o vídeo veiculado no ano de 2015 em uma plataforma de compartilhamento de
vídeos, não foi encontrado. Portanto, o conteúdo descrito na reportagem está sujeito à
interpretação de seu autor, o que coloca em dúvida sua total autenticidade. Entretanto, o
episódio desastroso narrado na reportagem é veementemente condenável aos olhos da fé
evangélica, que em sua maioria, desaprova ações dessa natureza por pregar a mensagem de
amor e respeito ao próximo, e as suas escolhas religiosas, seguindo a ordem de Jesus em
15 Página 3, segundo parágrafo. 16 Página 1, primeiro parágrafo. 17 Página 1, primeiro parágrafo.
47
colocar seu semelhante no mesmo patamar de si próprio, como cita o evangelho de Marcos “E
o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro
mandamento maior do que estes” (MARCOS, capítulo 12, versículo 31).
Dentro do público evangélico e na mídia, o pastor Lucinho é conhecido por suas
pregações polêmicas e por adotar um comportamento extravagante na maneira de professar
sua fé, tendo participado de alguns episódios icônicos no meio cristão, como na vez em que
ele fez uma foto18 “cheirando sua bíblia”, fazendo alusão ao gesto que os usuários de cocaína
utilizam para usar o entorpecente, convidando jovens para um culto que aconteceria em uma
igreja no Estado do Espirito Santo ano de 2012. O caso ganhou repercussão nacional e o
pastor passou a ser, a partir de então, visto como uma figura polêmica e alvo de diversas
matérias, sendo entrevistado inclusive, pelo programa Brasil Urgente19, conhecido por seu
conteúdo sensacionalista e apresentado pelo também polêmico José Luis Datena. Portanto,
fica evidente que ao citar o pastor Lucinho por diversas vezes ao longo do texto, e ao associá-
lo ao extremismo evangélico, o autor busca reforçar a ideia central da reportagem contida no
título: os evangélicos são extremistas. Esse tipo de visão massifica uma grande parcela dos
cristãos que não compactuam com as visões do pastor Lucinho, afinal, a Igreja Batista da
Lagoinha, igreja em que ele é pastor, possui 80 mil20 membros, o que representa uma pequena
parcela dos evangélicos no Brasil que são mais de 42 milhões. Morigi (2004) explica essa
seleção dos conteúdos que a mídia faz ao dizer “o ‘real’, socialmente produzido pela mídia é
produto de uma série de interações e movimentos de sentidos (MORIGI, 2004, p.9).” O que
reforça a ideia de que a mídia seleciona visões de mundo, a fim de criar novos sentidos sobre
as informações.
Retornando ao texto, o autor segue para o primeiro tópico intitulado de “Poder e
intolerância”21, onde ele dá continuidade à sua linha de raciocínio. Nesse tópico ele fala sobre
a atuação dos evangélicos na política e sugere que os mesmos usam o poder constitucional
atribuído a eles para pregar o extremismo, e usa palavras como “atitudes extremas” e
“linguagem beligerante”, além de “A batalha evangélica […] chegou com força bruta à
política.” e “Eles rezam o pai-nosso no Congresso e propõem projetos para criminalizar
críticas à sua religião.”, que reforçam a ideia de que os evangélicos estão sempre em luta com
outros grupos e religiões, e que utilizam as leis para benefícios próprios. Ao falar sobre a
18http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2012/08/em-foto-na-internet-pastor-cheira-biblia-e-gera-
polemica.html 19 https://www.youtube.com/watch?v=IkOBcm1PCFI 20 https://www.lagoinha.com/ 21 Página 2.
48
linguagem e seu poder de criar significados como afirmam Moscovici (1978) e Bakhtin
(2003), este tipo de exemplo empregado pelo autor traz uma compreensão negativa e parcial
sobre como é de fato a linguagem utilizada por esse grupo e sobre sua atuação política,
criando consensos a partir de uma opinião estandardizada, gerada pela escolha da seleção de
aspectos de uma realidade, nesse caso, da realidade evangélica, como também aponta o
conceito de gatekeeper. Wolf (1987) afirma que essa seleção da realidade cria filtros que
exercem a manipulação do que o público deve conhecer.
Em seguida o autor fala sobre a “teologia da prosperidade”22 porém, dentro do
contexto da aceleração do PIB (Produto Interno Bruto) na última década, deduzindo que o
segmento evangélico cresceu apenas por causa do crescimento econômico a que o país foi
submetido. Isso se torna evidente quando ele diz “Uma fatia gorda dessa população ou já era
evangélica, ou tornou-se no meio do caminho, e passou a fazer uma associação entre seu
progresso financeiro e a igreja. Se a carteira do fiel estava mais recheada, era porque Deus
estava agindo a favor dele. E se Deus estava com ele, era graças à igreja, graças ao pastor.”
além de “Nada mais natural do que confundir o alho do crescimento econômico com o
bugalho da teologia da prosperidade.” Tais afirmações deduzem que as pessoas se
converteram a essa religião apenas por interesse financeiro, além de sugerir que esse grupo
social é facilmente manipulado, criando juízo de valores sobre os mesmos. A ideia de que a
mídia constrói um sentido de valores dialoga com o pensamento de Morigi (2004), ao afirmar
que os valores criados socialmente são permeados pela mídia.
Mais à frente, no sétimo parágrafo, o autor firma que após a queda da economia no
Brasil, a “teologia da prosperidade começou a enferrujar” além de que o radicalismo
evangélico recente se dá através da “[…] teoria que alguns pesquisadores vêm montando
[…]” insinuando que o extremismo, que segundo ele é proveniente da religião, se deu através
da falta de dinheiro dos fiéis, ou de sua insatisfação com Deus. Vale ressaltar que ao citar os
“pesquisadores”, o autor não faz menção a nenhum estudioso, o que dá a entender que ele
utilizou meios não comprovados e sem fundamento para justificar sua afirmação. Em seguida,
a reportagem diz que a agenda moral dos evangélicos “[…] serve para manter os fiéis unidos
sob uma bandeira clara e agressiva.”, criando, mais uma vez, juízo de valores sobre os
evangélicos além de reafirmar que eles possuem uma bandeira agressiva e extrema. Esse tipo
22 Refere-se a uma doutrina religiosa de que os fiéis ao contribuírem com a obra seriam abençoados por Deus
com bens matérias.
49
de afirmação baseada em sua representação de mundo gera outras representações como visto
nas Representações Sociais de Moscovici (1985) no primeiro capítulo deste trabalho.
No segundo tópico denominado de “A disputa de poder”23, o autor entra mais afundo
nas questões políticas que envolvem os evangélicos e, em suas afirmações o autor cita
assuntos polêmicos como o aborto, legalização das drogas e a homossexualidade, a fim de
causar reações negativas no público, reafirmando a opinião contraproducente que o texto traz
sobre os evangélicos.
A reportagem contém apenas duas entrevistas, uma é do pastor Ricardo Gondim,
Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista e outra da professora de
Antropologia Cultural da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisadora da relação
entre evangélicos e política, Christina Vital da Cunha. Ambos os personagens concordam com
a opinião do autor, fazendo afirmações condizentes com o conteúdo proposto: o extremismo
evangélico.
Em seguida o texto faz menção24 ao pastor Silas Malafaia, pastor da Assembleia de
Deus, inteirando afirmações que reiteram o pensamento de agressividade dos líderes
evangélicos, além de reforçar o estigma de que “todo pastor é ladrão” pois o autor faz menção
aos bens adquiridos pelo pastor afirmando que ele “adora ostentar riqueza”.
Ainda falando sobre líderes religiosos, sob a ótica de agressividade e extremismo, o
autor cita25 o pastor Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, como alguém
que “mistura fé e política há muito tempo”, além de afirmar que ele “possui atitude agressiva”
e mencionar a construção da sede da Universal na cidade de São Paulo, conhecida como
templo de Salomão, que enfaticamente frisada pelo autor, custou 680 milhões de reais e
possui “uma área quatro vezes maior que o santuário de Aparecida.” Inclusive nesse trecho o
autor deduz que a Igreja Universal cresceu por conta de seu “significativo apoio” ao governo
do ex-presidente Lula em 2002. Dessa forma vale frisar aqui, mais uma vez, que os líderes
religiosos citados pelo autor são ícones que possuem um papel de destaque polêmico na
sociedade e na mídia. Essa escolha transparece a ideia que o texto busca em criar um padrão
de pensamento, ou seja, uma representação sobre os evangélicos, em grande parte, negativa.
Fechando este tópico a reportagem afirma que mesmo com a grande quantidade de fiéis que
fazem parte dessas denominações lideradas por esses pastores (Lucinho, Silas Malafaia e Edir
Macedo), existe uma comunidade evangélica mais difusa e “[…] menos disposta a servir
23 Página 3, sexto parágrafo. 24 Página 4, sétimo parágrafo. 25 Página 5, primeiro parágrafo.
50
como massa de manobra ou curral de votos.” Aqui, como podemos perceber, o autor usa o
estereótipo de que todas as pessoas que fazem parte dessas igrejas (Lagoinha, Assembleia e
Universal) são uma “massa de manobra” ou um “curral de votos”, insinuando que tais pessoas
não possuem senso crítico ou que são alienadas. Walter Lippmann (1922) entende que os
meios de comunicação, ao contribuírem para o estabelecimento das agendas têm o poder de
modelar as representações que fazem da realidade. Como resultado, Lippmann (1922),
entende que os “mass media” acabam estabelecendo o que deve ser tema de discussão dos
grupos sociais e como o assunto deve ser visto.
No terceiro e último tópico da reportagem “A moderação vem de dentro”26 o autor faz
menção aos pentecostais, citados no segundo capítulo deste trabalho, apontando o Brasil
como o país com maior número de seguidores desse ramo do cristianismo, e descreve27essa
vertente evangélica como vaga ao dizer “Por fim, há os evangélicos pentecostais – que são
basicamente os evangélicos que chamamos de evangélicos no Brasil. […] Na prática, dizer
que alguém é evangélico é tão vago quanto dizer que alguém nasceu na América do Sul, sem
mencionar o país, a região, a cidade.”, além de classificar os neopentecostais, também citados
no segundo capítulo deste trabalho como “uma versão mais midiática e estridente dos
pentecostais.” O autor usa a frase28 “Há muita vida fora do fanatismo”, para fechar as críticas
recorrentes aos evangélicos ao longo das sete páginas da reportagem.
Portanto, conclui-se que o jornalista que apresenta a reportagem foi tendencioso,
faltando com o comprometimento ético na comunicação e o direito ao acesso à informação
esperado pela profissão, por criar representações negativas sobre os evangélicos explorando
apenas um lado da história. Nota-se que em nenhum momento a reportagem buscou outras
fontes de informação, a fim de investigar como os evangélicos agem, se comportam, com o
que concordam e qual visão de fato possuem sobre o mundo e sobre as outras religiões, o que
segundo o conceito de gatekeeper, pode distorcer o que de fato é verdadeiro através da
seleção das informações, das fontes e do viés que o material possui. Assim, fica evidente que
tanto o profissional que escreveu a reportagem, quanto a revista, não foram imparciais e que
através dessa parcialidade, eles se tornaram um canal responsável por criar representações
negativas e estereotipadas sobre essa religião, além de massificar todas as 42.275.438 pessoas
no Brasil pertencentes ao segmento evangélico.
26 Página 5, último parágrafo. 27 Página 6, primeiro parágrafo. 28 Página 6, quinto parágrafo.
51
CONCLUSÃO
O trabalho contribui de maneira significativa, pois traz à tona a discussão sobre
o jornalismo tendencioso, servindo a análise aqui contida para que se reflita sobre o papel
ético do jornalista, propondo-se a uma reflexão sobre a ética discursiva, sobretudo a analisada
a partir da reportagem da Revista Superinteressante intitulada “Extremismo Evangélico”.
Ressalta-se que a imparcialidade por meio do jornalista é fundamental para o bom
funcionamento ético da profissão, uma vez que, como provado aqui, o jornalismo é capaz de
criar representações de mundo e, consequentemente, moldar como determinados grupos da
sociedade são vistos.
Como limitações do trabalho aponta-se que por uma questão de tempo a análise se
direcionou de uma maneira a valer-se da compreensão dos sentidos bakhtinianos destinada
somente aos dados textuais, abrindo mão de análises com caráter mais semiótico das imagens
contidas na reportagem como também da capa da revista.
Como desdobramentos aponta-se a necessidade de estudar o “Relatório sobre
Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011-2015)”, do Governo Federal do Brasil, em
busca de elementos para a reflexão sobre a relação tanto da imprensa escrita como da falada
com a intolerância e violência religiosas.
52
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60
ANEXO 1 – REPORTAGEM DA REVISTA SUPERINTERESSANTE DE
SETEMBRO DE 2015, INTITULADA “EXTREMISMO EVANGÉLICO”.
Extremismo evangélico
Pastores que agem como aiatolás. Intolerância religiosa nas ruas. Conheça a fúria dos
fundamentalistas que ameaçam as liberdades individuais - e as próprias igrejas evangélicas
Lúcio Barreto Júnior, o pastor Lucinho, é uma estrela da Igreja Batista da Lagoinha,
tradicional instituição evangélica de Belo Horizonte. Nos últimos meses, Lucinho pregou na
Inglaterra, Espanha e Luxemburgo. Também foi para o Rio de Janeiro, Santa Catarina e
Paraíba. Muitas das suas pregações têm ingressos esgotados. Ele é uma celebridade
evangélica.
Em seu site oficial, Lucinho vende camisetas com a frase “Com Jesus, venço até
Chuck Norris”. Ele também tem uma linha de DVDs, com títulos como A Verdadeira Tropa
de Elite e Treinando um Louco Por Jesus.
Na igreja da Lagoinha, Lucinho é responsável por evangelizar jovens e adolescentes, e
se apresenta como se fosse um. Nem de perto aparenta seus 43 anos – usa cabelo espetado e
gírias de quem tem pouco menos de 20 anos. Também faz questão de se definir como um
“Louco por Jesus”, uma versão religiosa do “vidaloka” da puberdade. Lucinho fez dessa
definição tanto um slogan das suas pregações quanto um estilo de vida.
Num vídeo que circulou pelo Facebook neste ano, o pastor aparece pregando em Belo
Horizonte. Logo no começo, Lucinho diz: “Só vai ter marcha das vadias se você quiser. Só
vai ter boate gay, parada gay, parada dos maconheiros, se você quiser. Outro dia, em Belo
Horizonte, falaram comigo: ‘Lucinho, vai ter a festa do Preto Velho’. Eu falei, ‘ninguém me
pediu. Não aceito. Não vai ter’”. Então ele explica como estragar a festa alheia. “Cheguei lá
no meu grupo de jovens, chamei 20 jovens, falei ‘vamos dar um B.O. na festa do capeta?’”.
Os jovens, para tristeza do pastor, não estavam dispostos a dar B.O. na festa de umbanda. Mas
Lucinho não desiste.
“Então fui no melhor departamento de qualquer igreja. Fui falar com os
adolescentes. Cheguei e falei ‘preciso de 20 malucos para dar uma busca e apreensão no Preto
Velho.’” O pastor diz que os meninos aceitaram na hora. E passa a gritar com a multidão que
ouvia sua pregação: “Fica velho, mas não fica idiota. Faz faculdade, mas não vira um
retardado mental. Não perde o sangue nos olhos. Não deixa as suas muitas letras te levarem a
61
delirar. Não vira um palhaço. Não é porque agora está vestindo uma roupinha engomadinha
que não pode dar uma busca e apreensão no capeta”.
Na sequência, ele conta como treinou os adolescentes ao longo de 20 dias. Eles não
podiam causar tumultos e deveriam seguir as regras da dispersão: “Se der polícia, confusão,
FBI, dá o ‘vazari’. Some”. E conclui: “O mais legal é você pegar gente simples. Você pode
desenhar Cristo na alma deles, melhor do que gente que você tem que desconstruir
para depois construir”.
Missão dada, missão cumprida. No final do vídeo, o pastor descreve como os
adolescentes cercaram a praça, a confusão com a festa da umbanda, a chegada da polícia e
como um dos meninos depredou a estátua do Preto Velho. A festa, que deveria ir até as 6h,
acabou antes da meia-noite. Lucinho diz que isso é prova de autoridade divina, de que Jesus
está guiando cada um deles.
O vídeo abre para aplausos e gritos da multidão dentro da Igreja Batista da Lagoinha.
Centenas de pessoas celebravam um pastor que acabava de contar como tinha formado uma
milícia adolescente para acabar com a celebração de outra fé.
Poder e intolerância
Lucinho não é um caso isolado de atitudes extremas e linguagem beligerante dentro da
comunidade evangélica. O vídeo do pastor é só uma entre diversas evidências de intolerância
que têm se acumulado.
Por exemplo: o pastor Cezar Cavalcante, reitor da Faculdade Teológica Betesda, de
Campinas (SP), disse, em entrevista à Folha de S.Paulo, que tem todo o direito de pregar
contra a umbanda e o candomblé porque, afinal, são duas religiões “em pecado”.
Nessa toada extremista, a Igreja Universal lançou uma campanha de evangelização
chamada de Gladiadores do Altar. Num vídeo recente, as pessoas, vestidas de soldados, dizem
que “graças ao Senhor, hoje estamos aqui prontos para a batalha”.
A batalha evangélica também extrapolou o altar e chegou com força bruta à política.
Em Brasília, deputados evangélicos bloqueiam qualquer proposta que vá contra as suas
crenças religiosas. Eles rezam o pai-nosso no Congresso e propõem projetos para criminalizar
críticas à sua religião.
Além disso, a Câmara dos Deputados já aprovou leis que aumentam a isenção de
impostos a igrejas, livrando os pastores de pagar tributos pelas comissões que recebem. Eles
têm metas a alcançar. Precisam conquistar novos fiéis e aumentar a arrecadação de dízimo.
Logo, são bonificados por seus líderes quando conseguem. E isso era tributado. Pela proposta,
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não será mais. Ainda no pacote tributário, a Câmara anistiou multas de R$ 200 milhões
aplicadas pela Receita Federal a igrejas.
Tem mais. A Câmara estuda proposta que inclui as igrejas entre as instituições que
podem propor ações de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal). Hoje,
apenas o governo, a OAB, partidos políticos e alguns sindicatos têm esse direito. Se passar,
igrejas poderão contestar ações que aumentam direitos LGBT no País, por exemplo. Elas
ganhariam um poder institucional grande demais dentro de um Estado que, a princípio, é
laico.
Por fim, temos vários outros pastores Lucinhos brotando pelo Brasil. Principalmente
no Rio de Janeiro. O Rio é o Estado com maior presença evangélica no País e nos últimos
meses passou São Paulo no ranking de reclamações de intolerância religiosa. Há várias
denúncias de invasões de terreiros e agressões. Nas favelas da cidade, traficantes convertidos
proíbem umbanda e candomblé nos seus domínios.
Os líderes evangélicos sabem faz tempo que têm poder. A diferença é que eles nunca
tiveram uma base tão grande para justificar esse poder. Nunca houve tantas pessoas para ouvi-
los e seguir suas orientações. E tudo por um motivo inusitado: a China.
Sim, a China. Nossas igrejas evangélicas dão ênfase à chamada “teologia da
prosperidade”. Por esse ponto de vista, o sucesso deve ser procurado na vida terrena. E Deus
devolve em dobro a quem contribui com a igreja, fazendo o fiel ganhar dinheiro, acumular
bens, conquistar uma vida mais confortável.
Bom, o crescimento acelerado do PIB na última década ajudou milhões de brasileiros
a acumular bens, conquistar uma vida mais confortável. Uma fatia gorda dessa população ou
já era evangélica, ou tornou-se no meio do caminho, e passou a fazer uma associação entre
seu progresso financeiro e a igreja. Se a carteira do fiel estava mais recheada, era porque Deus
estava agindo a favor dele. E se Deus estava com ele, era graças à igreja, graças ao pastor.
Nada mais natural do que confundir o alho do crescimento econômico com o bugalho da
teologia da prosperidade.
Mas fora do mundo espiritual o benfeitor foi outro: o crescimento da China. A
segunda maior economia do mundo se tornou o comprador número um das nossas
mercadorias agrícolas e minerais. Isso fez chover dólar no Brasil, ajudando a girar as
engrenagens do resto da economia. Foi um dos maiores círculos virtuosos da nossa história,
com inflação sob controle, renda lá em cima e desemprego lá embaixo.
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Mas aí veio a crise – a China perdeu o fôlego, o governo federal pedalou na política
econômica, a inflação saiu da toca e o demônio do desemprego voltou a assombrar nossas
almas. Nisso, a corrente para frente da teologia da prosperidade começou a enferrujar. Afinal,
como justificar que Deus está tirando algo que essas pessoas suaram tanto para conquistar?
Essa é a teoria que alguns pesquisadores vêm montando para entender o radicalismo
evangélico recente. Com a crise econômica, é difícil sustentar a teologia da prosperidade. A
agenda moral, portanto, vem a calhar. Ela serve para manter os fiéis unidos sob uma bandeira
clara e agressiva. Nada mais distante das origens humildes de nossa comunidade evangélica.
A disputa de poder
Os evangélicos estão na política brasileira desde meados do século 20. Mas foi só a
partir de 1986 que eles ganharam alguma força. Naquele ano, os parlamentares que fariam a
primeira Constituição pós-ditadura foram eleitos. Um impulso para a organização dos
evangélicos foi o boato, numa era pré-redes sociais, de que a Constituição faria do Brasil um
país oficialmente católico. Os evangélicos costumavam dizer que “crente não se mete em
política”. O receio de ter sua religião virtualmente banida fez com que eles trocassem essa
ideia pelo conceito de que “irmão vota em irmão”. E tomaram gosto pela coisa. Em 1986,
foram eleitos 32 deputados federais evangélicos. Hoje, o Congresso tem 78 parlamentares que
professam essa fé. Quase um em cada seis deputados é evangélico, incluindo o presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Essa bancada gravita em torno da Frente Parlamentar Evangélica, criada em 2003 e
que hoje conta com uma das estruturas políticas mais eficientes do País. Cada membro cede
um assessor parlamentar à frente, de tal forma que eles conseguem acompanhar cada
movimento no Congresso. Mais recentemente, essa organização ganhou uma bandeira
unificada. Agora, além da organização, eles têm uma agenda forte em comum: a defesa da
família tradicional.
Um estudo do teólogo Jung MoSung, da Universidade Metodista de São Paulo, mostra
que essa agenda é muito importante para a nova classe média evangélica. Temas como aborto
e legalização da maconha seriam ofensas diretas a Deus – mesmo que a Bíblia tenha mais
citações contra a manipulação da fé do que contra a homossexualidade.
Por causa da força na sociedade, essa bandeira está se expandindo para além do
Parlamento. Já há associações evangélicas de juízes, que vêm tentando bloquear algumas
pautas que não passariam no Congresso, mas têm aceitação no Judiciário – a união civil de
pessoas do mesmo sexo e uma legislação mais moderada para o uso de drogas, por exemplo.
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O pastor Ricardo Gondim, mestre em ciências da religião pela Universidade Metodista
e pastor da Igreja Betesda, em São Paulo, é um crítico dessa agenda extremista. “Hoje, a
agenda evangélica é reacionária. Eles só reagem, e isso vem dando unidade a essa parcela
mais radical”, diz Gondim, que é uma figura influente entre os evangélicos mais liberais.
“Isso é uma pena, porque divide o País e reforça o estigma de que todo evangélico é um
radical.”
De fato. Não faz sentido generalizar os evangélicos. “É um erro achar que todos
seguem uma agenda comum”, conta Christina Vital da Cunha, professora de antropologia
cultural da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisadora da relação entre
evangélicos e política. “Poucas coisas unem todos os líderes da igreja. E todos, no final das
contas, competem por fiéis para seus templos. A agenda de defesa da família tradicional é
uma das poucas coisas que eles têm em comum”, explica ela.
Dois personagens, com forte ascendência na Frente Parlamentar Evangélica, sinalizam
essas semelhanças e diferenças. Eles simbolizam as duas instituições com os projetos
políticos mais claros.
Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus, usa as redes sociais e a TV para ofender
adversários, pregar contra o aborto, atacar homossexuais e pressionar candidatos a cargos
públicos. É admirado e temido por vários líderes evangélicos País afora. E adora ostentar
riqueza. Mostra o carro de meio milhão de reais e o relógio caríssimo como provas de que
Deus aprova o seu trabalho. Malafaia cresceu bastante a partir de 2010, quando se
transformou num dos principais opositores do PT, e segue como oposição ao governo federal.
Do outro lado está Edir Macedo, da Igreja Universal. Ele já mistura fé e política há
muito tempo. Desde os anos 1990, seus programas de rádio e TV e seus templos são usados
para ungir algumas pessoas, atacar outras e defender a família tradicional. Um dos seus
primeiros alvos, há mais de 20 anos, foi o então eterno candidato à presidência Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), que alguns dos seus pastores definiam como o “demônio de quatro
dedos”. Essa fase passou quando Lula foi eleito presidente em 2002 e contou com apoio
significativo da Universal. Desde então, Macedo tem adotado uma atitude discreta em público
e agressiva nos bastidores. Ele emplacou ministros e aliados em ministérios e postos-chave
dos governos Lula e Dilma. Apesar de sua igreja não ser a maior do País, é a mais influente.
Uma prova desse poder se tornou concreto. O Templo de Salomão, inaugurado em
2014 e sede da Universal, é o maior templo religioso do Brasil. Ele custou R$ 685 milhões e
tem uma área quatro vezes maior do que o santuário católico de Aparecida, também em São
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Paulo. A construção imita o templo do rei Salomão – só que numa versão estupendamente
maior que a do santuário original, descrito pela Bíblia como uma edificação modesta. Na
inauguração, a presidente Dilma, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito
Fernando Haddad (PT) marcaram presença. Nenhum deles é evangélico, mas quem se
atreveria a desagradar Macedo?
Malafaia e Edir estão longe de ser unanimidade entre os evangélicos, naturalmente.
Vários pastores são contra a mistura de fé e política e preferem fazer seu trabalho de
formiguinha nos recantos do País. E não são poucos.
Tanto que o número de evangélicos que frequentam templos menores ou que não se
identificam com uma igreja específica explodiu nos últimos anos. As pessoas vão aos lugares
onde se sentem bem. Na prática, aumentou a infidelidade a uma igreja específica. É como
uma playlist da fé – você escolhe apenas as experiências que fazem mais sentido para você.
Ao mesmo tempo, a Universal, igreja mais identificada com política partidária, foi uma das
poucas a perder fiéis entre 2000 e 2010. Mais um ponto a favor dessa tendência de uma
comunidade evangélica mais difusa, menos disposta a servir como massa de manobra ou
curral de votos.
A moderação vem de dentro
Macedo, Malafaia e o pastor Lucinho lá do início do texto são três entre os 42 milhões
de evangélicos do Brasil, mas de um ramo específico. Eles são evangélicos pentecostais –
assim como outros 26,9 milhões de brasileiros. Segundo dados do World Christian Database,
o Brasil é o país com o maior número de seguidores desse ramo do cristianismo. Nigéria,
Estados Unidos, Indonésia e Gana completam o ranking dos cinco maiores.
Os evangélicos pentecostais são difíceis de entender num país majoritariamente
católico, acostumado com uma hierarquia rígida, com papa, bispos e padres, e com uma
celebração clara – a missa, organizada em torno do sermão do sacerdote. Evangélicos não têm
uma doutrina padronizada nem uma forma única de celebração – muito menos um “papa”,
claro. Qualquer um pode mudar de igreja e continuar sendo evangélico. Na prática, dizer que
alguém é evangélico é tão vago quanto dizer que alguém nasceu na América do Sul, sem
mencionar o país, a região, a cidade.
Há os evangélicos nascidos na reforma protestante, como os luteranos, metodistas e
calvinistas. Há os batistas, que são anteriores à grande cisão com a Igreja Católica. Há a
linhagem fundamentalista, que surgiu nos EUA, no início do século 20, e pregava uma
interpretação literal do Velho Testamento, à moda do que fazem os judeus ultraortodoxos.
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Por fim, há os evangélicos pentecostais – que são basicamente os evangélicos que chamamos
de evangélicos no Brasil. Muitas dessas pessoas estão em igrejas que têm expoentes como
Silas Malafaia e Edir Macedo. Outros milhões, não.
Os evangélicos pentecostais nasceram nos EUA, no começo do século 20. Eles são
inspirados pelo dia de Pentecostes – o quinquagésimo dia após a Páscoa, ocasião em que os
apóstolos, segundo a Bíblia, receberam do Espírito Santo a capacidade de falar línguas
estrangeiras, de modo que pudessem pregar a palavra de Jesus pelo mundo inteiro.
Pentecostais acreditam em curas espirituais e profecias. E, além de conservadores, são
fortemente missionários.
Nos anos 1970, surge o neopentecostalismo – uma versão mais midiática e estridente
dos pentecostais. Eles dão ênfase maior à cura – espiritual e física – e, principalmente, à
teologia da prosperidade. Por isso mesmo os neopentecostais ganharam tanta força no Brasil
nos anos de estabilidade e crescimento, já que entenderam tal bonança como prova da graça
divina.
Mas a teologia da prosperidade e a posição reacionária não são as únicas bandeiras,
claro. Na verdade, elas até ofuscam outras causas evangélicas, como a assistência social e a
organização comunitária de ajuda mútua. No fim das contas, colocar todo evangélico no
balaio conservador de Silas Malafaia e Edir Macedo é como dizer que todo brasileiro foi
corintiano enquanto Lula, que torce para o time do Parque São Jorge, foi presidente. Há muita
vida além do fanatismo. Basta olhar para a história.
Nos EUA, um país majoritariamente evangélico, vários líderes comunitários são
pentecostais ou de outros ramos evangélicos. Martin Luther King, líder do movimento de
direitos civis nos anos 1960, era pastor. No Brasil, vários pastores vêm abrindo seus templos
para gays e lésbicas. Essa quantidade enorme de pessoas, muitas delas silenciosas, sofrem um
duplo preconceito. Para os evangélicos radicais, elas não são evangélicas o suficiente. Para o
restante da sociedade, são fanáticos.
Portanto, se há algum caminho para impedir o crescimento dessa agenda agressiva, ele
passa necessariamente por esses evangélicos moderados. São os milhões de pessoas que
seguem as palavras que Jesus disse quando alguns radicais queriam matar uma mulher a
pedradas: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Esses evangélicos são os
mesmos fiéis que o pastor Lucinho chama de “palhaços”. Na vida real, porém, eles não têm
nada de ridículos. São nada menos que a chave para a construção de um Brasil tão evangélico
quanto tolerante.