AS RESIDÊNCIAS SERRANAS FLUMINENSES NOS SALÕES … · de Arte Moderna de São Paulo, e apoio de...

19
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro AS RESIDÊNCIAS SERRANAS FLUMINENSES NOS SALÕES DAS PRIMEIRAS BIENAIS E NAS PÁGINAS DAS REVISTAS DE ARQUITETURA NA DÉCADA DE 1950 HERBST, HELIO (1) 1. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Grupo de Pesquisas em Expressão, Representação e Análise da Forma em Arquitetura e Urbanismo Rodovia BR 465 Km 7 Instituto de Tecnologia. Seropédica RJ CEP 23890-000 [email protected] RESUMO O presente artigo visa problematizar as soluções projetuais de nove residências implantadas na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, expostas nas quatro primeiras edições das Exposições Internacionais de Arquitetura, realizadas em paralelo às bienais paulistanas, entre 1951 e 1957. A investigação dos projetos arquitetônicos, à luz de conceitos formulados pela Estética da Recepção (Rezeptionsästhetik), pretende identificar a recepção, na acepção cunhada por Hans Robert Jauss, das obras pela crítica especializada na década de 1950. A análise desse conjunto de artigos também almeja desnudar as representações, no sentido proposto por Roger Chartier, utilizadas para modelar narrativas que evidenciam apenas grandes feitos. A construção de um referencial mítico, idílico e róseo constitui, portanto, o mote central deste estudo. Palavras-chave: Bienal de São Paulo; arquitetura moderna; recepção; representação

Transcript of AS RESIDÊNCIAS SERRANAS FLUMINENSES NOS SALÕES … · de Arte Moderna de São Paulo, e apoio de...

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

AS RESIDÊNCIAS SERRANAS FLUMINENSES NOS SALÕES DAS PRIMEIRAS BIENAIS E NAS PÁGINAS DAS REVISTAS DE

ARQUITETURA NA DÉCADA DE 1950

HERBST, HELIO (1)

1. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Grupo

de Pesquisas em Expressão, Representação e Análise da Forma em Arquitetura e Urbanismo Rodovia BR 465 Km 7 Instituto de Tecnologia. Seropédica RJ CEP 23890-000

[email protected]

RESUMO O presente artigo visa problematizar as soluções projetuais de nove residências implantadas na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, expostas nas quatro primeiras edições das Exposições Internacionais de Arquitetura, realizadas em paralelo às bienais paulistanas, entre 1951 e 1957. A investigação dos projetos arquitetônicos, à luz de conceitos formulados pela Estética da Recepção (Rezeptionsästhetik), pretende identificar a recepção, na acepção cunhada por Hans Robert Jauss, das obras pela crítica especializada na década de 1950. A análise desse conjunto de artigos também almeja desnudar as representações, no sentido proposto por Roger Chartier, utilizadas para modelar narrativas que evidenciam apenas grandes feitos. A construção de um referencial mítico, idílico e róseo constitui, portanto, o mote central deste estudo.

Palavras-chave: Bienal de São Paulo; arquitetura moderna; recepção; representação

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

aproximação com o objeto de estudos

Por iniciativa do empresário Francisco (Ciccillo) Matarazzo Sobrinho, presidente do Museu

de Arte Moderna de São Paulo, e apoio de um seleto grupo de artistas e intelectuais, a I

Bienal do MAM/SP foi inaugurada em 1951, com normas regimentais inspiradas na Bienal

de Veneza. Mas ao contrário da congênere europeia, a mostra paulistana inovou ao

introduzir, em paralelo à seção de artes, a Exposição Internacional de Arquitetura (EIA),

organizada pelo MAM/SP e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).

Antecessoras das Bienais Internacionais de Arquitetura (BIA), as EIAs mobilizaram o meio

profissional, brasileiro e internacional, nas décadas de 1950 e 1960. Sua última edição,

vinculada às bienais de arte, ocorreu em 1971. Desde 1973, as BIAs constituem um evento

autônomo, organizado em parceria entre a Fundação Bienal e o IAB. Suas duas últimas

edições, realizadas em 2011 e 2013, não contaram com o suporte da Fundação Bienal.

Nas primeiras edições das EIAs, qualquer arquiteto podia encaminhar projetos para

apreciação do júri, respeitando as normas divulgadas pela imprensa especializada e pelos

órgãos de classe. A exibição de projetos também ocorria por meio de convites, sendo nestes

casos vinculada a salas especiais, organizadas em consideração ao mérito da produção

individual ou coletiva, por decisão da diretoria artística do evento.

Todas as nove residências analisadas no presente estudo passaram pelo crivo dos júris de

seleção e premiação, conforme demonstra o quadro 1. A primeira EIA (1951) contou com a

presença de dois projetos construídos em Petrópolis: a residência George Hime, de

Henrique Mindlin, e a casa Hildebrando Accioly, de Francisco Bolonha. Na II EIA

(1953/1954), Sérgio Bernardes apresentou dois projetos: a residência Maria Carlota

Costallat de Macedo Soares e a casa Paulo Sampaio, ambas em Petrópolis. O Pavilhão

(comercial-residencial) Lowndes, concebido pelos irmãos Roberto, e outras duas realizações

petropolitanas integraram a IV EIA (1957), sendo a uma de Marcello Fragelli e outra de

Olavo Redig de Campos. Também participaram da mesma mostra duas casas de final de

semana para uso dos seus próprios autores: uma de Carlos Frederico Ferreira, em

Cachoeiras de Macacu, e outra de Jorge Mereb, em Teresópolis. Cumpre salientar a não

realização de mostra de projetos na III EIA, realizada em 1955. O mesmo pode ser dito em

relação à edição de 1959, restrita a salas especiais instituídas para celebrar o centenário da

Red House, de William Morris.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

quadro 1 – identificação dos projetos

obra autoria localização data do projeto e

de execução

exibição nas bienais paulistanas

Residência George Hime

Henrique Mindlin (1911-1971)

Roberto Burle Marx (1909-1994)

projeto paisagístico

Parque Bom Clima Nogueira, Petrópolis

c.1949 projeto c.1950-1951

execução

I EIA (1951)

Residência Hildebrando

Accioly

Francisco Bolonha (1923-2006)

Estrada do Contorno Km 73 Fazenda Inglesa, Petrópolis

c.1949 projeto c.1949-1950

execução

I EIA (1951)

Residência Maria Carlota Costallat de

Macedo Soares

Sérgio Bernardes (1919-2002)

Lotta Macedo Soares (1910-1967)

projeto paisagístico

Rua Djanira, 2132 Fazenda Samambaia

Petrópolis

c.1951 projeto c.1951-1956

execução

II EIA (1953-1954)

Residência Paulo

Sampaio

Sérgio Bernardes (1919-2002)

Roberto Burle Marx (1909-1994)

projeto paisagístico

Mangalarga Itaipava, Petrópolis

c.1953 projeto c.1953-1954

execução

II EIA (1953-1954)

Pavilhão Lowndes

Marcelo Roberto (1908-1964)

Milton Roberto (1914-1953)

Maurício Roberto (1921-1996)

Rua Durval de Souza Fazenda Samambaia

Petrópolis

c.1954 projeto c.1954-1955

execução

IV EIA (1957)

Residência Edmundo

Mello Costa

Marcello Acciolly Fragelli (1928-2014)

Petrópolis 195? projeto

195? execução IV EIA (1957)

Residência Geraldo Baptista

Olavo Redig de Campos (1906-1984)

Itaipava, Petrópolis c.1954 projeto c1954-1956 execução

IV EIA (1957)

Casa de Final de Semana

Carlos Frederico Ferreira (1906-1996)

Estrada da Boca do Mato Cachoeiras de Macacu

c.1949 projeto c.1949-1952

execução

IV EIA (1957)

Casa de Final de Semana

Jorge Mereb Estrada do Ermitage

Teresópolis c.1957 projeto

c.1957 execução IV EIA (1957)

o morar serrano fluminense exposto nas bienais paulistanas

Modestos, arrojados, conservadores, experimentais. Muitos outros indicadores podem

qualificar os projetos residenciais serranos fluminenses expostos nas bienais, conforme

mostram as imagens do quadro 2 mais adiante. Seus autores formam um grupo bastante

heterogêneo, em termos de inserção e reconhecimento no meio profissional. Em comum,

talvez seja possível identificar a busca pela difusão da produção arquitetônica moderna

brasileira, ainda que, para tanto, fosse necessário aceitar as regras impostas pelos

promotores das bienais, quando da submissão dos projetos ao crivo dos júris.

Na edição inaugural da mostra, realizada no Pavilhão do Trianon, na Avenida Paulista,

Henrique Mindlin exibiu a residência George Hime, implantada no condomínio Bom Clima,

distrito de Nogueira, Petrópolis. Caracterizada por rígido zoneamento funcional e por

inusitada articulação de volumes semi-independentes, a obra recebeu do Júri de Premiação,

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

composto por Eduardo Kneese de Mello, Francisco Beck, Junzo Sakakura, Mario Pani e

Siegfried Giedion, a láurea de melhor Habitação (Individual ou Coletiva), compartilhada com

o projeto do Conjunto Residencial do Parque Guinle, assinado por Lucio Costa.

Na mesma exposição, Francisco Bolonha expôs a casa de campo do embaixador

Hildebrando Accioly, implantada nas proximidades da antiga Estrada do Contorno (atual BR

040), distrito da Fazenda Inglesa, Petrópolis. Em rápida análise, pode-se dizer que a

composição articula arrojo, em sua concepção volumétrica, com tradição construtiva,

expressa na utilização de técnicas construtivas vernaculares. Seu singular programa de

necessidades inclui uma capela semi-independente, dotada de serviços de sacristia e local

de descanso para o pároco.

Na segunda edição da EIA, a primeira de uma série realizada no Parque Ibirapuera, Sérgio

Bernardes encaminhou três projetos, dois deles propostos para a região serrana fluminense:

a residência Paulo Sampaio, construída em Mangalarga, distrito de Itaipava, e a residência

Maria Carlota (Lotta) Costallat de Macedo Soares, assentada no alto de um condomínio no

distrito da Fazenda Samambaia, em local de difícil acesso.

A residência Paulo Sampaio notabiliza-se pelo arrojo volumétrico, obtido por meio de

telhado borboleta, e pela surpreendente combinação de usos do hall central de distribuição,

capaz de abrigar uma varanda integrada aos salões de estar ou, em situações eventuais,

um alpendre port-cochère. Por tal particularidade, chegou-se a difundir, equivocadamente, a

ideia de que Sérgio Bernardes havia projetado uma residência para nela inserir um

automóvel no ambiente de estar.

A residência Lotta Soares, por sua vez, apresenta rígida demarcação funcional. O emprego

de estrutura metálica associado a fechamentos em pedra, alvenaria e grandes panos de

vidro, e a solução dada à cobertura, em telhas metálicas recobertas com sapé, constituem

soluções de inegável alargamento ao repertório da época. Tais predicados podem ter

contribuído para que Sérgio Bernardes recebesse de Affonso Eduardo Reidy, Alvar Aalto,

Ernesto Nathan Rogers, Josep Luis Sert, Lourival Gomes Machado, Oswaldo Arthur Bratke

e Walter Gropius, membros do Júri de Premiação, o prêmio da categoria Jovem Arquiteto,

concedido a profissionais com menos de 35 anos de idade.

Cinco projetos implantados na região serrana do Estado do Rio de Janeiro foram expostos

nos salões da IV EIA, a primeira de uma longa série realizada no Palácio das Indústrias,

popularmente conhecido como o “Pavilhão da Bienal.” Mas nenhum desses projetos

recebeu qualquer distinção por parte do Júri de Premiação, composto por Francisco Beck,

Jacob Ruchti, Kenzo Tange, Philip Johnson, Marcel Breuer, Mário Henrique Glicério Torres

e Sílvio de Vasconcellos.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

O primeiro desses projetos tornou-se conhecido como Pavilhão Lowndes. Abrigava, além de

moradia, escritório para venda de lotes do condomínio Fazenda Samambaia. A edificação,

concebida pelos irmãos Marcelo, Maurício e Milton Roberto e implantada em local de forte

declividade, compõe-se de unidade residencial e salão de vendas acomodados em um

prisma suspenso por meio de cinco paredões trapezoidais, de tal modo a conservar o perfil

do terreno. Finalizada a etapa de vendas, o salão comercial foi incorporado ao setor social

da residência, conforme sugere a planta baixa publicada em periódicos de época.

Marcello Acciolly Fragelli expôs dois projetos na IV EIA. A Residência Edmundo Mello Costa

foi construída em local não especificado na ficha de inscrição e tampouco identificado nas

fontes consultadas, mas possivelmente localizado na região central de Petrópolis, em

função do tamanho do lote e da inexistência de recuos em uma de suas laterais. Também

reforça essa hipótese a separação do jardim em dois núcleos semi-independentes. O

primeiro deles corresponde à porção frontal do lote e destina-se a atividades de serviços e

ao abrigo de automóveis. O segundo núcleo, na porção posterior do terreno, expande os

ambientes de estar e os dormitórios, resguardando-os do contato direto com a rua.

Olavo Redig de Campos submeteu ao crivo do júri três proposições, uma urbanística e duas

arquitetônicas, das quais uma na região serrana fluminense – a residência Geraldo de Faria

Baptista, implantada em logradouro (até o momento) não identificado no distrito de Itaipava.

A implantação escalonada, a combinação de volumetrias, o tratamento e a orientação das

aberturas dos ambientes de longa permanência constituem os elementos mais marcantes

desta composição arquitetônica.

Carlos Frederico Ferreira apresentou uma residência construída ao preço de um carro

popular que conjuga simplicidade construtiva e apuro técnico. No caso, o seu próprio refúgio

na Estrada da Boca do Mato, na zona rural de Cachoeiras do Macacu. O raciocínio do

projeto, a exemplo da residência Hildebrando Accioly e do Pavilhão Lowndes, também

enfatiza a associação entre tradição e modernidade, aqui enunciadas pelo uso da técnica do

pau-a-pique e pelo arrojo de sua concepção estrutural e volumétrica.

Jorge Mereb submeteu ao crivo do júri a sua própria residência de fim de semana,

construída na franja urbana de Teresópolis, em localidade até o momento não identificada.

O programa residencial mais uma vez recorre à setorização para atender as exigências

funcionais de cada atividade, de tal modo a articular os ambientes de estar em torno de um

pátio desde o qual se descortina uma privilegiada vista do entorno. Cabe ainda sublinhar a

acentuada ortogonalidade da composição, também presente em todos os projetos

selecionados, em maior ou menor grau.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

quadro 2 – residências da região serrana fluminense expostas nas primeiras bienais

Residência George Hime

Autor não identificado Fonte: http://www.hmaarquitetura.com/

Acesso em 12 out 2015

Residência Hildebrando Accioly

Foto Hess Fonte: Habitat (25): 54, dez. 1955

Residência Lotta Macedo Soares Autor não identificado

Fonte: L’Architecture d’Aujourd’Hui (90): 61, 1960

Residência Paulo Sampaio Foto Michel Aertsens

Fonte: Architectural Review (115): 164, mar 1954

Pavilhão Lowndes Autor não identificado

Fonte: Habitat (22): 17, mai./jun. 1955

Residência Edmundo Mello Costa Foto Michel Aertsens

Fonte: Acrópole (240): 546, out. 1958

Residência Geraldo Baptista Autor não identificado

Fonte: Acrópole (208): 137, fev. 1956

Casa de Final de Semana em Cachoeiras de Macacu

Autor não identificado Fonte: Arquitetura e Engenharia (28): 49, set./out.

1953

Casa de Final de Semana em Teresópolis

Autor não identificado Fonte: Arquivo Histórico Wanda Svevo da

Fundação Bienal de São Paulo

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

a inserção das residências serranas nas revistas especializadas

Dentre as residências que compõem esta investigação, apenas a Casa de Final de Semana

em Teresópolis não foi incluída em nenhum periódico especializado na década de 1950,

conforme demonstra o quadro 3. Apenas um artigo aborda a Residência Edmundo Costa.

Duas matérias dissertam sobre a Residência Geraldo Baptista e sobre a Casa de Final de

Semana em Cachoeiras de Macacu. Três analisam o Pavilhão Lowndes e a Residência

Hildebrando Accioly. Quatro versam sobre as Residências George Hime e Paulo Sampaio.

Por fim, a Residência Lotta Soares foi tema de sete artigos. O que tudo isso pode sinalizar?

quadro 3 – inserção dos projetos em periódicos de época (1951-1960)

exibição nas bienais paulistanas

obra inserção em periódicos

(1951-1960)

I EIA (1951)

Residência George Hime

Arquitetura e Engenharia (22): 42-45, jun./ago. 1952 L’Architecture d’Aujourd’Hui (23):15-17, ago.1952

Domus (s/n) 12-14, mar. 1953 Acrópole (184): 170, ago. 1953

I EIA (1951)

Residência Hildebrando Accioly

L’Architecture d’Aujourd’Hui (23): 18-21, ago. 1952 Habitat (25): 54-55, dez. 1955

Brasil Arquitetura Contemporânea (10): 22-25, 1957

II EIA (1953-1954)

Residência Lotta Macedo Soares

L’Architecture d’Aujourd’Hui (23): 70-71, ago.1952 L’Architecture d’Aujourd’Hui (24): 99, out.1953

AD Arquitetura e Decoração (9): s/pag, jan./fev. 1954 The Architectural Review (115): 162-163, mar. 1954 Arquitetura e Engenharia (29): s/pag, nov./dez. 1954 Brasil Arquitetura Contemporânea (4): 14-16, 1954

Habitat (7): 11; 14-15, jan./fev. 1955

II EIA (1953-1954)

Residência Paulo Sampaio

Arquitetura e Engenharia (29): 34-36, jan./fev. 1954 The Architectural Review (115): 164-165, mar. 1954

Brasil Arquitetura Contemporânea (4): 17, 1954 Módulo (1): 39-41, mar. 1955

IV EIA (1957)

Pavilhão Lowndes Módulo (1): 36-38, mar. 1955

Habitat (22): 16-17, mai./jun. 1955 Habitat (31): 49-66, jun. 1956

IV EIA (1957)

Residência Edmundo Mello Costa

Acrópole (240): 546-547, out. 1958

IV EIA (1957)

Residência Geraldo de Faria Baptista

Habitat (25): 56-57, nov./dez. 1955 Acrópole (208): 137-139, fev. 1956

IV EIA (1957)

Casa de Final de Semana em Cachoeiras de Macacu

L’Architecture d’Aujourd’Hui (23): 68, ago.1952 Arquitetura e Engenharia (28): 48-49, set./out. 1953

IV EIA (1957)

Casa de Final de Semana em Teresópolis

Conforme menção anterior, este estudo pretende evidenciar a recepção dos projetos pela

crítica especializada na década de 1950. Para tanto, será de extrema relevância ressaltar os

conteúdos das reflexões sem jamais vincular a qualidade de cada projeto com a quantidade

de artigos, pois bem se sabe que a atribuição de prêmios e a proximidade entre arquitetos e

editores pode ter favorecido a divulgação de alguns projetos, com consequente projeção de

determinados expoentes. É recomendável, pois, considerar as relações que compõem os

bastidores profissionais daquele instante.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

A análise dessas publicações, à luz da conceituação proposta pela Estética da Recepção,

mais particularmente a partir das ideias defendidas por Hans Robert Jauss, pretende colocar

em evidência os principais atributos lançados sobre os projetos, de tal modo a identificar as

ênfases concedidas aos diferentes aspectos que integram uma composição arquitetônica.

Em outras palavras, a presente investigação objetiva identificar o efeito e o horizonte de

expectativas a partir dos quais a crítica especializada construiu seus parâmetros avaliativos,

muitas vezes apoiando-se no impacto proporcionado pela exibição e/ou premiação dos

projetos nos salões das bienais.

Cumpre também enfatizar que o conceito de representação formulado por Roger Chartier

será essencial ao entendimento dos processos que norteiam a construção da historiografia,

na medida em que a análise dos discursos sobre os projetos permite entrever, em suas

entrelinhas, as intenções dos produtores de conteúdos. Partindo-se de tal premissa, esta

comunicação pretende desnudar os discursos a fim de desconstruir as narrativas tornadas

canônicas, muitas vezes replicadas sem qualquer cerimônia.

Chartier sublinha que a construção da História não explicita em suas entrelinhas as

intenções de seus idealizadores. Partindo-se de tal premissa, o foco principal deste ensaio

não reside na mera descrição dos projetos expostos nas bienais. Ao contrário, pretende

incorporar uma minuciosa análise da recepção das obras nos periódicos especializados no

exato instante em que surgem os primeiros compêndios sobre a arquitetura moderna

brasileira, entre os quais se inscreve o manual de Henrique Mindlin, lançado em 1956.

a recepção dos projetos

A Residência Edmundo Costa, de Marcello Fragelli, foi publicada uma única vez, em outubro

de 1958, quase um ano depois de integrar a IV EIA. A matéria (não assinada) da revista

Acrópole apresenta planta baixa humanizada que ilustra os hábitos de lazer, as áreas de

serviço e os locais de refeições e estudos dos proprietários. Quatro fotografias destacam a

utilização da madeira em forros, em armários embutidos e em pormenores do sistema de

ventilação. As legendas das fotografias ressaltam a integração dos ambientes sociais com

as áreas externas sem tampouco explorar a plasticidade do projeto – o que, de certo modo,

reitera o conceito editorial proposto por Max Gruenwald, proprietário e diretor geral da

revista entre de 1953 e 1971, pautado por uma leitura anti-formalista da arquitetura brasileira

(Miranda, 2010).

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

A Residência Geraldo Baptista, assinada por Olavo Redig de Campos, foi tema de dois

artigos nas revistas paulistanas Acrópole e Habitat, antes de ser exposta nos salões da IV

EIA. A primeira ocorrência, em novembro/dezembro de 1955, inscreve-se no exato instante

em que Rodolfo Klein concebeu uma ampla reformulação da revista Habitat, pautada pela

manutenção das editorias de Arquitetura e Artes Plásticas, chefiadas por Geraldo Ferraz e

José Geraldo Vieira, e pela extinção das divisões de Literatura e Teatro, acompanhadas de

progressiva redução de matérias sobre cinema, design e fotografia (Stuchi, 2006).

Ainda que as ações empreendidas pelo proprietário e diretor responsável tenham

modificado os parâmetros gerais da publicação idealizada por Lina Bo e Pietro Maria Bardi,

não se pode notar alterações substanciais na leitura crítica dos projetos arquitetônicos. No

caso da obra em questão, o artigo possivelmente assinado pelo crítico Geraldo Ferraz e/ou

pelo redator-chefe Geraldo Serra ultrapassa a simples descrição de aspectos construtivos,

formais, funcionais, plásticos e técnicos, na medida em que procura apontar acertos e

equívocos do projeto, equacionando-se os porquês das escolhas, à luz da produção

arquitetônica daquele instante.

As pesquisas plásticas visando encontrar soluções as mais díspares para os não

menos complexos problemas da arquitetura contemporânea têm sido, sob certo

aspecto, a constante preocupação dos bons arquitetos. Visam eles, antes de mais

nada, procurar novos materiais para novas faturas, novas concepções, novas

linhas, sem se olvidarem do meio ambiente e, em particular, dos elementos que a

natureza põe à sua disposição.

Em contrapartida, o artigo publicado em Acrópole, em fevereiro de 1956 limita-se a

considerar profusa a escolha dos materiais utilizados nas alvenarias, pisos, esquadrias e

coberturas, sem sequer mencionar qualquer outro elemento constitutivo da Residência

Geraldo Baptista. Do ponto de vista iconográfico, a matéria também não apresenta

contribuição significativa, na medida em que reproduz as mesmas fotografias e os mesmos

desenhos técnicos divulgados poucos meses antes na revista Habitat.

A Casa de Final de Semana de Carlos Frederico Ferreira, em Cachoeiras de Macacu, foi

registrada por dois diferentes periódicos. O primeiro artigo se inscreve em um número

especial da revista francesa L’Architecture d’Aujourd’Hui, organizado sob direção de seu

fundador, André Bloc, e assessoria da arquiteta Giuseppina Pirro de Moreira, esposa de

Jorge Machado Moreira. Além de Bloc, a edição dedicada ao Brasil, lançada em agosto de

1952, reuniu resenhas de José Lins do Rego, Lucio Costa e do secretário-geral dos

Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), Siegfried Giedion.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Entre os projetos que integram o compêndio, inscrevem-se diversos projetos expostos na I

EIA, a exemplo das residências George Hime e Hildebrando Accioly. Cabe ressaltar que a

seleção de projetos foi intermediada pela diretoria do MAM/SP, conforme atestam

documentos localizados no Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São

Paulo, durante a pesquisa de doutoramento deste autor.

Mas isso não impediu que outros projetos, a exemplo do refúgio serrano de Carlos Frederico

Ferreira, posteriormente exposto na IV EIA, também integrasse a edição especial da revista

francesa. Apesar de sucinto, o artigo apresenta uma descrição do seu peculiar sistema

construtivo, resultante da combinação de ossatura independente, em troncos de madeira da

região, com a técnica do pau-a-pique para os elementos de vedação.

A revista Arquitetura e Engenharia, editada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil,

Departamento de Minas Gerais, também concedeu espaço ao projeto de Ferreira na edição

de setembro de 1953, quatro anos antes de ser exposto nos salões da quarta bienal

paulistana. A resenha (não assinada) ressalta os mesmos elementos compositivos

apresentados na revista francesa. Aceita-se como “bom o lado técnico” e “bastante

satisfatórios” os resultados obtidos. Por fim, o texto relata a substituição da primitiva

cobertura de sapé e informa o custo total da realização.

Todas as ocorrências relacionadas à Residência Hildebrando Accioly, assinada por

Francisco Bolonha, são posteriores à sua exibição na I EIA. Cronologicamente, o primeiro

artigo sobre o projeto integra a edição especial Brésil da revista francesa L’Architecture

d’Aujourd’Hui. O registro, ilustrado com oito fotografias, três cortes, elevação e planta baixa

humanizada, inclui um memorial que enfatiza o caráter despojado e a distribuição das

atividades entre setores funcionais semi-independentes, sendo tal prerrogativa aplicada até

no agrupamento dos dormitórios de moradores e hóspedes. O texto também elenca os

materiais construtivos e as soluções de ventilação, enaltecendo a associação entre tradição

e modernidade, expressos na adoção de técnicas construtivas locais e na intenção plástica

da composição.

A segunda ocorrência sobre a casa do embaixador Accioly se inscreve na edição de

novembro/dezembro de 1955 da revista Habitat. O artigo é ilustrado com planta baixa

humanizada – a mesma de L’Architecture d’Aujourd’Hui – e sete fotografias, nenhuma das

quais presentes na edição especial da revista francesa. A resenha, assinada por B. T.

Wettreich, abre com uma citação não creditada do ensaio Considerações sobre arte

contemporânea, escrito em 1940 por Lucio Costa.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Arquitetura é, antes de tudo, construção, porém construção segundo uma intenção

estética, intimamente relacionada com o meio ambiente, as tradições e os

materiais da região.

As palavras de Costa, assim colocadas, corroboram a ideia de que arquitetura brasileira

tornou-se conhecida mundialmente pelo arrojo de suas formas combinadas à utilização de

materiais e técnicas construtivas tradicionais. Mas no entender de Wettreich, tal prerrogativa

encontrava-se ameaçada pela influência norte-americana, na medida em que nossa

arquitetura, por uma “espécie de comodismo estético”, estaria se tornando uma cópia de

modelos incompatíveis com a “nossa realidade industrial”.

Wettreich acredita que Francisco Bolonha não se deixou absorver por este “formalismo

cosmopolita”: na contramão das preferências em voga naqueles anos, optou por utilizar

materiais característicos das nossas construções coloniais, com meticuloso estudo de

intersecções e contrastes entre paredes de pedra e alvenaria branca utilizados em nossas

igrejas barrocas. Por fim, a resenha sentencia que as soluções da residência Accioly

deveriam servir de exemplo aos jovens estudantes de arquitetura, sendo este o principal

motivo de sua publicação.

A residência Accioly foi ainda tema de uma terceira matéria, lançada em 1957 na revista

Brasil Arquitetura Contemporânea. A publicação, fundada no Rio de Janeiro em 1953,

contava com um prestigiado time de colaboradores e diretores, entre os quais Álvaro Vital

Brazil, Henrique Mindlin, Joaquim Mattos e Mário Barata. Sua proposta editorial visava

equacionar o particular momento da arquitetura brasileira, em busca de respostas para as

exigências de modernização do país. (Miranda, 2010)

O artigo (não assinado) se desdobra em duas partes: a primeira é dedicada à residência

Accioly e enfatiza a configuração de setores funcionais semi-independentes, a rusticidade

dos acabamentos e a articulação das peças ao redor de pátios internos e ao longo de um

alpendre que atravessa a fachada principal em toda a sua extensão. A segunda parte do

artigo é dedicada à capela de Santa Maria e mais uma vez enaltece a simplicidade da

composição, obtida pela utilização da madeira na caixilharia, na estrutura, no piso e no

mobiliário. O verbete analítico também destaca as pinturas murais elaboradas por Emeric

Marcier e o arranjo interior da capela, a cargo de D. Geraldo Martins.

Todas as ocorrências sobre o Pavilhão Lowndes são anteriores à sua exibição na IV EIA. A

primeira inserção da obra ocorreu na edição inaugural da revista carioca Módulo. Criado em

1955 por iniciativa de Oscar Niemeyer, o periódico contribuiu para difundir sua produção

teórica, em um momento de inflexão em sua obra projetual, perceptível na busca de maior

simplicidade em termos formais (Macedo, 2000).

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

A resenha salienta a tectônica como o elemento definidor do Pavilhão Lowndes. Ou para ser

mais exato, o autor (não identificado) desse artigo atribui ao sistema construtivo economia

de recursos, rapidez na execução, simplicidade técnica e expressivo efeito plástico, obtido

pela impressão de suspensão do volume edificado em cinco paredões trapezoidais.

A revista Habitat por duas vezes abordou o Pavilhão Lowndes. A primeira, em maio de

1955, aprofunda a discussão iniciada em Módulo, mas não acrescenta material iconográfico

capaz de contribuir para um melhor entendimento do projeto. A segunda inserção do projeto

em Habitat, em junho de 1956, compõe a série Individualidades da Arquitetura Brasileira.

Assinado pelo crítico Geraldo Ferraz, o especial dedicado aos irmãos Roberto discorre

sobre as principais realizações do escritório, entre as quais se inscrevem o Pavilhão

Lowndes, a Associação Brasileira de Imprensa e o terminal de passageiros do Aeroporto

Santos Dumont, além de edifícios comerciais (Marquês do Herval e Resseguros do Brasil) e

residenciais (Anchieta, Julio Barreto e M.M.M. Roberto).

O ensaio de Ferraz não descreve as contribuições individuais dos irmãos Marcelo, Milton e

Maurício em cada realização do escritório. Pretende, ao contrário, mostrar de que modo a

criação dos Roberto pauta-se pela busca da funcionalidade, seja na obtenção de uma

solução estrutural, seja na proposição de um traçado urbanístico. Neste particular, o artigo

faz ecoar uma (triste) constatação de Marcelo Roberto sobre a arquitetura brasileira: “toda

arquitetura leva a um urbanismo e a nossa não levou” – apesar de contar com expertise e

exemplos dignos de consideração.

A Residência Paulo Sampaio, concebida por Sérgio Bernardes, tornou-se objeto de

discussão de quatro matérias. A primeira delas, em Arquitetura e Engenharia, coincide

cronologicamente com a sua exibição na II EIA e não inscreve qualquer texto analítico,

limitando-se a reproduzir cinco fotografias, além de corte, elevação e planta baixa. A

segunda matéria integra uma edição especial da revista inglesa The Architectural Review na

qual se inscreve o controvertido editorial Report on Brazil, que problematiza os rumos da

arquitetura brasileira, valendo-se da opinião de cinco expoentes de renome, entre os quais

Walter Gropius, vencedor da láurea máxima da II EIA, o Grande Prêmio Andrea e Virgínia

Matarazzo, e Max Bill, estigmatizado pela célebre – e nada positiva – avaliação da

arquitetura moderna brasileira. (Cappello, 2011) Apesar do tom critico dos cinco ensaios, a

publicação reverencia diversos projetos também celebrados pela imprensa local.

A análise de The Architectural Review para a Residência Paulo Sampaio ressalta o arrojo de

sua concepção estrutural, a distribuição das atividades em zonas funcionais independentes

e a articulação dos setores por meio de uma varanda que pode servir como ponto de

embarque e desembarque de passageiros. Em 1954, Brasil Arquitetura Contemporânea

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

salienta o caráter inovador da proposição, apesar de considerar pesado o vigamento da

cobertura do bloco que abriga as atividades diurnas da residência. Por fim, a revista carioca

Módulo dedicou três páginas de sua edição inaugural ao projeto, sem entretanto acrescentar

qualquer contribuição relevante.

A Residência George Hime, de Henrique Mindlin, foi tema de quatro artigos, todos eles

publicados após o recebimento do prêmio ex aequo de melhor habitação (individual ou

coletiva) na I EIA. O primeiro deles, na edição de junho da revista Arquitetura e Engenharia,

limita-se a reproduzir seis fotografias, além de planta baixa humanizada dos seus

pavimentos, sem inscrever qualquer resenha crítica. A segunda inserção do projeto ocorreu

na edição especial de L’Architecture d’Aujourd’Hui, em agosto de 1952. A matéria descreve

as condicionantes do sítio e a distribuição dos ambientes em alas articuladas a partir da sala

de jantar, de tal modo a garantir as melhores visuais e adequada orientação solar aos

recintos de estar e dormitórios. A resenha também apresenta em pormenores o programa

de necessidades, ressaltando a participação de Roberto Burle Marx na concepção

paisagística, que inclui a elaboração de uma composição mural. O artigo, ilustrado com dez

fotografias (algumas em tons de cinza, outras em cores), corte longitudinal e plantas baixas,

enaltece a conquista do prêmio de melhor habitação na primeira bienal paulistana.

A análise da Residência George Hime na revista italiana Domus coloca em discussão o

caráter cosmopolita da arquitetura brasileira. A proveniência dos sobrenomes Korngold,

Warchavchik, Niemeyer, Costa, Bernardes, Verona e Mindlin exemplifica a multiplicidade de

origens de um país generoso e – na avaliação do periódico – decididamente empenhado na

construção de uma verdadeira tradição moderna, “(...) que agora se manifesta com a

plenitude de uma arquitetura que impressiona o mundo.”

A segunda parte do verbete (não assinado) enfoca a produção de Henrique Mindlin a partir

de breve menção a duas casas em São Paulo. A primeira delas notabiliza-se pela

fenestração sobre o jardim e pelo tom geral da composição “equilibrada e serena.” Na

análise da Residência George Hime e de um segundo projeto paulistano não identificado

são enfatizadas a expressão composta e a movimentação dos volumes em ângulos abertos.

O confronto entre os projetos, muito além de indicar diferenças, aponta elementos comuns,

a partir dos quais torna-se possível reconhecer, no caráter do arquiteto, aspectos singulares

e recorrentes entre outros expoentes da moderna arquitetura brasileira.

A última inserção da Residência George Hime em periódicos lançados nos anos 1950

ocorreu em agosto de 1953, em número de Acrópole dedicada ao IV Centenário de São

Paulo e ao IV Congresso Brasileiro de Arquitetos. Para além das efemérides, a edição

especial da revista evidencia a contribuição dos arquitetos paulistas – de origem, de

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

formação ou atividade – para a consolidação do Movimento Moderno no Brasil. O primeiro

bloco é composto por um breve ensaio de Roberto Cerqueira Cesar e pela transcrição dos

artigos de Rino Levi e de Gregori Warchavchik que, provavelmente, foram os introdutores do

debate acerca da arquitetura moderna no Brasil, em 1925. A segunda parte do especial

agrupa um conjunto de artigos sobre a atuação de 20 arquitetos. Cada uma dessas matérias

é ilustrada com fotografias das principais realizações desses profissionais, a exemplo da

Residência George Hime, e nenhuma delas é acompanhada de resenha crítica.

A Residência Lotta de Macedo Soares, de Sérgio Bernardes, foi tema de sete pautas, nas

internacionais The Architectural Review e L’Architecture d’Aujourd’Hui e nas brasileiras AD

Arquitetura e Decoração, Brasil Arquitetura Contemporânea, Arquitetura e Engenharia e

Habitat. L’Architecture d’Aujourd’Hui foi o primeiro periódico a incluir resenha sobre o

projeto, em duas diferentes ocasiões. A primeira delas ocorreu no número especial dedicado

ao Brasil. O artigo destaca a inusitada associação de materiais e técnicas construtivas,

vernaculares e industrializadas, e o desnivelamento do solo como eficiente estratégia para

garantir a distribuição do programa de necessidades em um único pavimento. A segunda

matéria da revista francesa, veiculada em outubro de 1953, não chega a constituir uma

contribuição relevante, na medida em que inscreve a mesma planta baixa e fotografias

publicadas no ano precedente, sem incluir resenha crítica.

Coube à revista paulistana AD Arquitetura e Decoração lançar, em janeiro de 1954, a

terceira análise sobre a residência Lotta Soares. O artigo (não assinado) menciona a

conquista do prêmio na II EIA e enaltece “o emprego racional e ao mesmo tempo lírico dos

materiais de construção, dentro de um espírito de contínua pesquisa.” Também ressalta a

distribuição dos ambientes em alas, de tal modo a proporcionar máxima privacidade ao

dormitórios de hóspedes em relação às dependências de uso exclusivo da proprietária.

The Architectural Review, em edição especial dedicada ao Brasil, lançada em março de

1954, incluiu três obras de Sérgio Bernardes – as casas (Lotta de Macedo) Soares, (Paulo)

Sampaio e (Hélio) Cabal, anteriormente designada Residência Jadir de Souza. O artigo

evidencia a premiação de Bernardes na II EIA e reitera as opiniões previamente lançadas

sobre sua obra, especialmente a respeito das técnicas construtivas empregadas. A análise

sobre a Residência Lotta Soares considera sua peculiar localização, no alto de uma colina, o

elemento definidor de sua peculiar tectônica, resultante da combinação de elementos

industriais leves – treliças em alumínio e chapas corrugadas – e materiais disponíveis no

local, consideravelmente pesados – tijolos e pedra.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Em novembro do mesmo ano, Arquitetura e Engenharia publicou um artigo sobre o projeto.

Apesar de não apresentar material iconográfico inédito, inovou ao reproduzir a ata oficial do

Júri de Premiação da II EIA, assim formulado:

Sérgio Bernardes dá, na residência M. Carlota Macedo, o que nos parece um bom

exemplo de combinação dos espaços abertos, cobertos e fechados, e um bom uso

dos elementos leves do teto, muito aplicáveis às condições do clima local.

A revista Brasil Arquitetura Contemporânea também inscreveu, em 1954, um artigo sobre o

projeto de Sérgio Bernardes, reproduzindo ipsis litteris a mesma resenha crítica de AD

Arquitetura e Decoração, com uma honrosa contribuição: a inclusão de uma ilustração em

perspectiva da fachada frontal da casa produzida a partir de um desenho a lápis associado a

uma fotografia de Michel Aertsens.

Habitat foi o último periódico a publicar um artigo sobre a obra premiada na II EIA. A

matéria, veiculada em janeiro de 1955, faz parte de uma antologia de projetos de Sérgio

Bernardes antecedida por nota introdutória assinada por Oswaldo Correa Gonçalves. Nela,

Bernardes é apresentado como um homem apaixonado por automóveis de corrida e

arquitetura, dotado de capacidade para simplificar, “de maneira extraordinária, os materiais

adotados na construção (...) e na pré-fabricação.”

O viés tecnológico lançado sobre a produção de Bernardes também comparece em Habitat,

por meio de um memorial descritivo da residência Lotta Soares, provavelmente escrito pelo

próprio arquiteto. O texto descreve detalhadamente a estrutura pré-fabricada em vergalhão

redondo utilizado em pilares e vigas, sobre os quais se apoia a cobertura em chapa metálica

recoberta em sapé, de tal modo a possibilitar circulação permanente de ar. Com isso,

Bernardes acredita ter reunido rapidez, economia de recursos e facilidade construtiva, além

de obter “excelente” resultado estético, em perfeita harmonia com a paisagem local.

últimas considerações

Antes de lançar algumas considerações sobre o estado de conservação das obras

selecionadas, talvez seja oportuno reiterar os objetivos desta investigação, expressos por

meio de três indagações: 1) De que maneira os projetos foram assimilados pela crítica na

década de 1950? 2) Como explicar o interesse proporcionado por algumas obras em

detrimento da mais completa indiferença suscitada por outras? 3) De que maneira a leitura

desses projetos contribuiu para ampliar o quadro de referências sobre a produção

arquitetônica brasileira?

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Na impossibilidade de equacionar temas de tamanha complexidade em tão breves linhas,

este artigo examinou as páginas dos periódicos especializados para identificar as narrativas

que embasaram as primeiras versões da historiografia da arquitetura brasileira, ainda que se

saiba que a metodologia utilizada, apoiada nas formulações de Hans Robert Jauss e Roger

Chartier, seja incapaz de elucidar algumas lacunas, entre as quais se inscreve o mais

completo silêncio sobre a obra de Jorge Mereb exposta na IV EIA.

Cumpre, pois, recuperar os testemunhos lançados sobre os projetos celebrados para neles

reconhecer o horizonte de expectativas que permeou o olhar da crítica especializada no

exato instante em que a produção arquitetônica brasileira fornecia expressivas contribuições

ao estabelecimento de novos parâmetros para a modernidade. Em outro extremo, parece

ser importante equacionar o desinteresse suscitado por determinadas obras na medida em

que suas soluções de projeto podem assinalar dissonâncias ou mera rotinização de práticas.

De todo modo, não se pode lançar conclusões sobre um determinado conjunto de projetos

sem conhecê-los com a devida profundidade. Para suprir tal tarefa, os bolsistas Ada de

Oliveira Pires, Danielle Marques Franco, Nathalia Melo Leal, Rani Lopes Sander, Rayane de

Souza Farias e Richard Andrade Pires e os pesquisadores voluntários Artur Torquato

Teixeira e Mayara Rapallo, pertencentes ao GERAR/UFRRJ, têm realizado estudos

sistemáticos sobre todas as residências implantadas em solo fluminense que foram

expostas nas bienais paulistanas da década de 1950.

Nesses estudos, foram investigados diversos aspectos que compõe a solução projetual de

um total de 22 projetos, tendo como parâmetro metodológico as formulações de Francis

Ching, Geoffrey Baker, Herman Hertzberger e Simon Unwin. Por meio dessas análises,

pretende-se questionar de que modo as obras estabelecem interlocução com as

comunidades locais e com os órgãos de defesa do patrimônio edificado. Não sem surpresa,

constatou-se que, dentre os nove projetos implantados na região serrana fluminense, não

obtivemos informações sobre a Residência Edmundo Costa e sobre a Casa de Final de

Semana em Teresópolis. Será que elas continuam edificadas?

Sabe-se, por meio de documentários e fotografias recentes, que a Casa de Final de Semana

em Cachoeiras do Macacu e as residências George Hime, Geraldo Baptista e Paulo

Sampaio continuam preservadas. Registros equivocados chegaram a noticiar a demolição

do Pavilhão Lowndes, que felizmente permanece erguido às margens do rio Piabanha. A se

julgar a veracidade desses testemunhos, a preservação da Residência Hildebrando Accioly

pode ser questionada.

Por fim, camuflada sob a mata, seguem erguidas a Residência Lotta de Macedo Soares e o

estúdio de trabalho de sua companheira, a poetisa norte-americana Elisabeth Bishop.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Amplamente retratado em romances e publicações especializadas, o refúgio do casal não foi

(infelizmente) utilizado como locação da versão que transportou para o cinema as trajetórias

de Lotta e Bishop, alternando-se os sonhos e as frustrações de uma geração que pretendia

construir um país mais justo e fraterno. Resta, mais do que nunca, compreender o passado

para que se possa conquistar um futuro assemelhado à exuberância da paisagem da região

serrana fluminense.

Referências Bibliográficas

BERNARDES, Kykah; BRITTO, Alfredo; CAVALCANTI, Lauro (Orgs.). Sérgio Bernardes.

Rio de Janeiro: Artviva, 2010.

BRÉSIL, Maison a Petropolis. L’Architecture d’Aujourd’Hui, Boulogne-sur-Seine, n. 24, p. 99,

out. 1953.

CAPPELLO, Maria Beatriz Camargo. Recepção e difusão da arquitetura moderna brasileira

nos números especiais das revistas especializadas europeias (1940-1960). In: Seminário

Docomomo Brasil, 9, 2011, Brasília. Disponível em <http://docomomobsb.org/> Acesso em

12 de outubro de 2015.

CARATTERI di architetture brasiliane. Domus, Milão, s/n., p. 12-14, mar. 1953.

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

FRAGELLI, Marcello. Quarenta anos de prancheta. São Paulo: Romano Guerra, 2010.

GONÇALVES, Oswaldo Corrêa. Arquiteturas de Sérgio Bernardes. Habitat, São Paulo, n. 7,

p. 11; 14-15, jan./fev. 1955.

HABITATION aux environs de Petropolis. L’Architecture d’Aujourd’Hui, Boulogne-sur-Seine,

n. 23, p. 70-71, ago.1952. Edição especial Brésil.

HENRIQUE Mindlin arquiteto. Acrópole, São Paulo, n. 184, p. 170, jan. 1954.

HERBST, Helio. Pelos salões das bienais, a arquitetura ausente dos manuais: contribuições

para a historiografia brasileira (1951-1959). São Paulo: Annablume: Fapesp, 2011.

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo:

Ática, 1994.

MACEDO, Danilo Matoso (2000). Arquitetura em transição: interpretação do trabalho de

Oscar Niemeyer a partir de seu discurso (1955-1962). Disponível em

<http://danilo.arq.br/textos/arquitetura-em-transicao-interpretacao-do-trabalho-de-oscar-

niemeyer-a-partir-de-seu-discurso-1955-1962/> acesso em 12 de outubro de 2015.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

MIRANDA, Clara Luiza. A circulação das teorias artísticas nas revistas brasileiras de

arquitetura nos anos 1950. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e

Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, 1, 2010, Rio de Janeiro. Disponível em

<http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/169/169-675-1-SP.pdf> Acesso em 12

de outubro de 2015.

PAVILHÃO Lowndes em Petrópolis. Módulo, Rio de Janeiro, n.1, p. 36-38, mar. 1955.

RÉSIDENCE d’été a Petropolis. L’Architecture d’Aujourd’Hui, Boulogne-sur-Seine, n. 23, p.

15-17, ago. 1952. Edição especial Brésil.

RESIDÊNCIA Accioly. Brasil Arquitetura Contemporânea, Rio de Janeiro, n. 10, p. 22-25,

1957.

RESIDÊNCIA de Carlota Macedo Soares – Petrópolis – Estado do Rio. Brasil Arquitetura

Contemporânea, Rio de Janeiro, n. 4, p. 14-16, 1954.

RESIDÊNCIA de um diplomata. Habitat, São Paulo, n. 25, p. 54-55, dez. 1955.

RESIDÊNCIA de verão. Acrópole, São Paulo, n. 208, p. 137-139, fev. 1956.

RESIDÊNCIA de verão, Itaipava, Estado do Rio de Janeiro. Habitat, São Paulo, n. 25, p. 56-

57, dez. 1955.

RESIDÊNCIA de verão na serra de Friburgo. Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, n.

28, p. 48-49, set./out. 1953.

RESIDÊNCIA de week-end. Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, n. 29, p. 39-41,

nov./dez. 1954.

RESIDÊNCIA em Petrópolis. Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, n. 22, p. 42-45,

jun./ago. 1952.

RESIDÊNCIA em Petrópolis. Acrópole, São Paulo, n. 240, p. 546-547, out. 1958.

RESIDÊNCIA em Petrópolis. AD Arquitetura e Decoração, São Paulo, n. 9, s/p., jan./fev.

1954.

RESIDÊNCIA na Fazenda Samambaia – Petrópolis. Arquitetura e Engenharia, Belo

Horizonte, n. 29, s/p., nov./dez. 1954.

RESIDÊNCIA Paulo Sampaio – Petrópolis. Brasil Arquitetura Contemporânea, Rio de

Janeiro, n.4, p. 17, 1954.

RESIDÊNCIA Paulo Sampaio. Arquitetura e Engenharia, Belo Horizonte, n. 29, p. 34-36,

nov./dez. 1954.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

SAMPAIO House. The Architectural Review, Londres, n. 115, p. 164-165, mar. 1954.

SOAREZ House. The Architectural Review, Londres, n. 115, p. 162-163, mar. 1954.

STUCHI, Fabiana Terenzi. Revista Habitat: um olhar moderno sobre os anos 50 em São

Paulo. 2007. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.

VIEIRA, Monica Paciello. Sérgio Bernardes: arquitetura como experimentação. 2006.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

VILLA a Petropolis. L’Architecture d’Aujourd’Hui, Boulogne-sur-Seine, n. 23, p. 18-21, ago.

1952. Edição especial Brésil.