AS RESIDÊNCIAS SERRANAS FLUMINENSES NOS SALÕES … · de Arte Moderna de São Paulo, e apoio de...
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4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
AS RESIDÊNCIAS SERRANAS FLUMINENSES NOS SALÕES DAS PRIMEIRAS BIENAIS E NAS PÁGINAS DAS REVISTAS DE
ARQUITETURA NA DÉCADA DE 1950
HERBST, HELIO (1)
1. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Grupo
de Pesquisas em Expressão, Representação e Análise da Forma em Arquitetura e Urbanismo Rodovia BR 465 Km 7 Instituto de Tecnologia. Seropédica RJ CEP 23890-000
RESUMO O presente artigo visa problematizar as soluções projetuais de nove residências implantadas na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, expostas nas quatro primeiras edições das Exposições Internacionais de Arquitetura, realizadas em paralelo às bienais paulistanas, entre 1951 e 1957. A investigação dos projetos arquitetônicos, à luz de conceitos formulados pela Estética da Recepção (Rezeptionsästhetik), pretende identificar a recepção, na acepção cunhada por Hans Robert Jauss, das obras pela crítica especializada na década de 1950. A análise desse conjunto de artigos também almeja desnudar as representações, no sentido proposto por Roger Chartier, utilizadas para modelar narrativas que evidenciam apenas grandes feitos. A construção de um referencial mítico, idílico e róseo constitui, portanto, o mote central deste estudo.
Palavras-chave: Bienal de São Paulo; arquitetura moderna; recepção; representação
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
aproximação com o objeto de estudos
Por iniciativa do empresário Francisco (Ciccillo) Matarazzo Sobrinho, presidente do Museu
de Arte Moderna de São Paulo, e apoio de um seleto grupo de artistas e intelectuais, a I
Bienal do MAM/SP foi inaugurada em 1951, com normas regimentais inspiradas na Bienal
de Veneza. Mas ao contrário da congênere europeia, a mostra paulistana inovou ao
introduzir, em paralelo à seção de artes, a Exposição Internacional de Arquitetura (EIA),
organizada pelo MAM/SP e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).
Antecessoras das Bienais Internacionais de Arquitetura (BIA), as EIAs mobilizaram o meio
profissional, brasileiro e internacional, nas décadas de 1950 e 1960. Sua última edição,
vinculada às bienais de arte, ocorreu em 1971. Desde 1973, as BIAs constituem um evento
autônomo, organizado em parceria entre a Fundação Bienal e o IAB. Suas duas últimas
edições, realizadas em 2011 e 2013, não contaram com o suporte da Fundação Bienal.
Nas primeiras edições das EIAs, qualquer arquiteto podia encaminhar projetos para
apreciação do júri, respeitando as normas divulgadas pela imprensa especializada e pelos
órgãos de classe. A exibição de projetos também ocorria por meio de convites, sendo nestes
casos vinculada a salas especiais, organizadas em consideração ao mérito da produção
individual ou coletiva, por decisão da diretoria artística do evento.
Todas as nove residências analisadas no presente estudo passaram pelo crivo dos júris de
seleção e premiação, conforme demonstra o quadro 1. A primeira EIA (1951) contou com a
presença de dois projetos construídos em Petrópolis: a residência George Hime, de
Henrique Mindlin, e a casa Hildebrando Accioly, de Francisco Bolonha. Na II EIA
(1953/1954), Sérgio Bernardes apresentou dois projetos: a residência Maria Carlota
Costallat de Macedo Soares e a casa Paulo Sampaio, ambas em Petrópolis. O Pavilhão
(comercial-residencial) Lowndes, concebido pelos irmãos Roberto, e outras duas realizações
petropolitanas integraram a IV EIA (1957), sendo a uma de Marcello Fragelli e outra de
Olavo Redig de Campos. Também participaram da mesma mostra duas casas de final de
semana para uso dos seus próprios autores: uma de Carlos Frederico Ferreira, em
Cachoeiras de Macacu, e outra de Jorge Mereb, em Teresópolis. Cumpre salientar a não
realização de mostra de projetos na III EIA, realizada em 1955. O mesmo pode ser dito em
relação à edição de 1959, restrita a salas especiais instituídas para celebrar o centenário da
Red House, de William Morris.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
quadro 1 – identificação dos projetos
obra autoria localização data do projeto e
de execução
exibição nas bienais paulistanas
Residência George Hime
Henrique Mindlin (1911-1971)
Roberto Burle Marx (1909-1994)
projeto paisagístico
Parque Bom Clima Nogueira, Petrópolis
c.1949 projeto c.1950-1951
execução
I EIA (1951)
Residência Hildebrando
Accioly
Francisco Bolonha (1923-2006)
Estrada do Contorno Km 73 Fazenda Inglesa, Petrópolis
c.1949 projeto c.1949-1950
execução
I EIA (1951)
Residência Maria Carlota Costallat de
Macedo Soares
Sérgio Bernardes (1919-2002)
Lotta Macedo Soares (1910-1967)
projeto paisagístico
Rua Djanira, 2132 Fazenda Samambaia
Petrópolis
c.1951 projeto c.1951-1956
execução
II EIA (1953-1954)
Residência Paulo
Sampaio
Sérgio Bernardes (1919-2002)
Roberto Burle Marx (1909-1994)
projeto paisagístico
Mangalarga Itaipava, Petrópolis
c.1953 projeto c.1953-1954
execução
II EIA (1953-1954)
Pavilhão Lowndes
Marcelo Roberto (1908-1964)
Milton Roberto (1914-1953)
Maurício Roberto (1921-1996)
Rua Durval de Souza Fazenda Samambaia
Petrópolis
c.1954 projeto c.1954-1955
execução
IV EIA (1957)
Residência Edmundo
Mello Costa
Marcello Acciolly Fragelli (1928-2014)
Petrópolis 195? projeto
195? execução IV EIA (1957)
Residência Geraldo Baptista
Olavo Redig de Campos (1906-1984)
Itaipava, Petrópolis c.1954 projeto c1954-1956 execução
IV EIA (1957)
Casa de Final de Semana
Carlos Frederico Ferreira (1906-1996)
Estrada da Boca do Mato Cachoeiras de Macacu
c.1949 projeto c.1949-1952
execução
IV EIA (1957)
Casa de Final de Semana
Jorge Mereb Estrada do Ermitage
Teresópolis c.1957 projeto
c.1957 execução IV EIA (1957)
o morar serrano fluminense exposto nas bienais paulistanas
Modestos, arrojados, conservadores, experimentais. Muitos outros indicadores podem
qualificar os projetos residenciais serranos fluminenses expostos nas bienais, conforme
mostram as imagens do quadro 2 mais adiante. Seus autores formam um grupo bastante
heterogêneo, em termos de inserção e reconhecimento no meio profissional. Em comum,
talvez seja possível identificar a busca pela difusão da produção arquitetônica moderna
brasileira, ainda que, para tanto, fosse necessário aceitar as regras impostas pelos
promotores das bienais, quando da submissão dos projetos ao crivo dos júris.
Na edição inaugural da mostra, realizada no Pavilhão do Trianon, na Avenida Paulista,
Henrique Mindlin exibiu a residência George Hime, implantada no condomínio Bom Clima,
distrito de Nogueira, Petrópolis. Caracterizada por rígido zoneamento funcional e por
inusitada articulação de volumes semi-independentes, a obra recebeu do Júri de Premiação,
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composto por Eduardo Kneese de Mello, Francisco Beck, Junzo Sakakura, Mario Pani e
Siegfried Giedion, a láurea de melhor Habitação (Individual ou Coletiva), compartilhada com
o projeto do Conjunto Residencial do Parque Guinle, assinado por Lucio Costa.
Na mesma exposição, Francisco Bolonha expôs a casa de campo do embaixador
Hildebrando Accioly, implantada nas proximidades da antiga Estrada do Contorno (atual BR
040), distrito da Fazenda Inglesa, Petrópolis. Em rápida análise, pode-se dizer que a
composição articula arrojo, em sua concepção volumétrica, com tradição construtiva,
expressa na utilização de técnicas construtivas vernaculares. Seu singular programa de
necessidades inclui uma capela semi-independente, dotada de serviços de sacristia e local
de descanso para o pároco.
Na segunda edição da EIA, a primeira de uma série realizada no Parque Ibirapuera, Sérgio
Bernardes encaminhou três projetos, dois deles propostos para a região serrana fluminense:
a residência Paulo Sampaio, construída em Mangalarga, distrito de Itaipava, e a residência
Maria Carlota (Lotta) Costallat de Macedo Soares, assentada no alto de um condomínio no
distrito da Fazenda Samambaia, em local de difícil acesso.
A residência Paulo Sampaio notabiliza-se pelo arrojo volumétrico, obtido por meio de
telhado borboleta, e pela surpreendente combinação de usos do hall central de distribuição,
capaz de abrigar uma varanda integrada aos salões de estar ou, em situações eventuais,
um alpendre port-cochère. Por tal particularidade, chegou-se a difundir, equivocadamente, a
ideia de que Sérgio Bernardes havia projetado uma residência para nela inserir um
automóvel no ambiente de estar.
A residência Lotta Soares, por sua vez, apresenta rígida demarcação funcional. O emprego
de estrutura metálica associado a fechamentos em pedra, alvenaria e grandes panos de
vidro, e a solução dada à cobertura, em telhas metálicas recobertas com sapé, constituem
soluções de inegável alargamento ao repertório da época. Tais predicados podem ter
contribuído para que Sérgio Bernardes recebesse de Affonso Eduardo Reidy, Alvar Aalto,
Ernesto Nathan Rogers, Josep Luis Sert, Lourival Gomes Machado, Oswaldo Arthur Bratke
e Walter Gropius, membros do Júri de Premiação, o prêmio da categoria Jovem Arquiteto,
concedido a profissionais com menos de 35 anos de idade.
Cinco projetos implantados na região serrana do Estado do Rio de Janeiro foram expostos
nos salões da IV EIA, a primeira de uma longa série realizada no Palácio das Indústrias,
popularmente conhecido como o “Pavilhão da Bienal.” Mas nenhum desses projetos
recebeu qualquer distinção por parte do Júri de Premiação, composto por Francisco Beck,
Jacob Ruchti, Kenzo Tange, Philip Johnson, Marcel Breuer, Mário Henrique Glicério Torres
e Sílvio de Vasconcellos.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
O primeiro desses projetos tornou-se conhecido como Pavilhão Lowndes. Abrigava, além de
moradia, escritório para venda de lotes do condomínio Fazenda Samambaia. A edificação,
concebida pelos irmãos Marcelo, Maurício e Milton Roberto e implantada em local de forte
declividade, compõe-se de unidade residencial e salão de vendas acomodados em um
prisma suspenso por meio de cinco paredões trapezoidais, de tal modo a conservar o perfil
do terreno. Finalizada a etapa de vendas, o salão comercial foi incorporado ao setor social
da residência, conforme sugere a planta baixa publicada em periódicos de época.
Marcello Acciolly Fragelli expôs dois projetos na IV EIA. A Residência Edmundo Mello Costa
foi construída em local não especificado na ficha de inscrição e tampouco identificado nas
fontes consultadas, mas possivelmente localizado na região central de Petrópolis, em
função do tamanho do lote e da inexistência de recuos em uma de suas laterais. Também
reforça essa hipótese a separação do jardim em dois núcleos semi-independentes. O
primeiro deles corresponde à porção frontal do lote e destina-se a atividades de serviços e
ao abrigo de automóveis. O segundo núcleo, na porção posterior do terreno, expande os
ambientes de estar e os dormitórios, resguardando-os do contato direto com a rua.
Olavo Redig de Campos submeteu ao crivo do júri três proposições, uma urbanística e duas
arquitetônicas, das quais uma na região serrana fluminense – a residência Geraldo de Faria
Baptista, implantada em logradouro (até o momento) não identificado no distrito de Itaipava.
A implantação escalonada, a combinação de volumetrias, o tratamento e a orientação das
aberturas dos ambientes de longa permanência constituem os elementos mais marcantes
desta composição arquitetônica.
Carlos Frederico Ferreira apresentou uma residência construída ao preço de um carro
popular que conjuga simplicidade construtiva e apuro técnico. No caso, o seu próprio refúgio
na Estrada da Boca do Mato, na zona rural de Cachoeiras do Macacu. O raciocínio do
projeto, a exemplo da residência Hildebrando Accioly e do Pavilhão Lowndes, também
enfatiza a associação entre tradição e modernidade, aqui enunciadas pelo uso da técnica do
pau-a-pique e pelo arrojo de sua concepção estrutural e volumétrica.
Jorge Mereb submeteu ao crivo do júri a sua própria residência de fim de semana,
construída na franja urbana de Teresópolis, em localidade até o momento não identificada.
O programa residencial mais uma vez recorre à setorização para atender as exigências
funcionais de cada atividade, de tal modo a articular os ambientes de estar em torno de um
pátio desde o qual se descortina uma privilegiada vista do entorno. Cabe ainda sublinhar a
acentuada ortogonalidade da composição, também presente em todos os projetos
selecionados, em maior ou menor grau.
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quadro 2 – residências da região serrana fluminense expostas nas primeiras bienais
Residência George Hime
Autor não identificado Fonte: http://www.hmaarquitetura.com/
Acesso em 12 out 2015
Residência Hildebrando Accioly
Foto Hess Fonte: Habitat (25): 54, dez. 1955
Residência Lotta Macedo Soares Autor não identificado
Fonte: L’Architecture d’Aujourd’Hui (90): 61, 1960
Residência Paulo Sampaio Foto Michel Aertsens
Fonte: Architectural Review (115): 164, mar 1954
Pavilhão Lowndes Autor não identificado
Fonte: Habitat (22): 17, mai./jun. 1955
Residência Edmundo Mello Costa Foto Michel Aertsens
Fonte: Acrópole (240): 546, out. 1958
Residência Geraldo Baptista Autor não identificado
Fonte: Acrópole (208): 137, fev. 1956
Casa de Final de Semana em Cachoeiras de Macacu
Autor não identificado Fonte: Arquitetura e Engenharia (28): 49, set./out.
1953
Casa de Final de Semana em Teresópolis
Autor não identificado Fonte: Arquivo Histórico Wanda Svevo da
Fundação Bienal de São Paulo
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a inserção das residências serranas nas revistas especializadas
Dentre as residências que compõem esta investigação, apenas a Casa de Final de Semana
em Teresópolis não foi incluída em nenhum periódico especializado na década de 1950,
conforme demonstra o quadro 3. Apenas um artigo aborda a Residência Edmundo Costa.
Duas matérias dissertam sobre a Residência Geraldo Baptista e sobre a Casa de Final de
Semana em Cachoeiras de Macacu. Três analisam o Pavilhão Lowndes e a Residência
Hildebrando Accioly. Quatro versam sobre as Residências George Hime e Paulo Sampaio.
Por fim, a Residência Lotta Soares foi tema de sete artigos. O que tudo isso pode sinalizar?
quadro 3 – inserção dos projetos em periódicos de época (1951-1960)
exibição nas bienais paulistanas
obra inserção em periódicos
(1951-1960)
I EIA (1951)
Residência George Hime
Arquitetura e Engenharia (22): 42-45, jun./ago. 1952 L’Architecture d’Aujourd’Hui (23):15-17, ago.1952
Domus (s/n) 12-14, mar. 1953 Acrópole (184): 170, ago. 1953
I EIA (1951)
Residência Hildebrando Accioly
L’Architecture d’Aujourd’Hui (23): 18-21, ago. 1952 Habitat (25): 54-55, dez. 1955
Brasil Arquitetura Contemporânea (10): 22-25, 1957
II EIA (1953-1954)
Residência Lotta Macedo Soares
L’Architecture d’Aujourd’Hui (23): 70-71, ago.1952 L’Architecture d’Aujourd’Hui (24): 99, out.1953
AD Arquitetura e Decoração (9): s/pag, jan./fev. 1954 The Architectural Review (115): 162-163, mar. 1954 Arquitetura e Engenharia (29): s/pag, nov./dez. 1954 Brasil Arquitetura Contemporânea (4): 14-16, 1954
Habitat (7): 11; 14-15, jan./fev. 1955
II EIA (1953-1954)
Residência Paulo Sampaio
Arquitetura e Engenharia (29): 34-36, jan./fev. 1954 The Architectural Review (115): 164-165, mar. 1954
Brasil Arquitetura Contemporânea (4): 17, 1954 Módulo (1): 39-41, mar. 1955
IV EIA (1957)
Pavilhão Lowndes Módulo (1): 36-38, mar. 1955
Habitat (22): 16-17, mai./jun. 1955 Habitat (31): 49-66, jun. 1956
IV EIA (1957)
Residência Edmundo Mello Costa
Acrópole (240): 546-547, out. 1958
IV EIA (1957)
Residência Geraldo de Faria Baptista
Habitat (25): 56-57, nov./dez. 1955 Acrópole (208): 137-139, fev. 1956
IV EIA (1957)
Casa de Final de Semana em Cachoeiras de Macacu
L’Architecture d’Aujourd’Hui (23): 68, ago.1952 Arquitetura e Engenharia (28): 48-49, set./out. 1953
IV EIA (1957)
Casa de Final de Semana em Teresópolis
–
Conforme menção anterior, este estudo pretende evidenciar a recepção dos projetos pela
crítica especializada na década de 1950. Para tanto, será de extrema relevância ressaltar os
conteúdos das reflexões sem jamais vincular a qualidade de cada projeto com a quantidade
de artigos, pois bem se sabe que a atribuição de prêmios e a proximidade entre arquitetos e
editores pode ter favorecido a divulgação de alguns projetos, com consequente projeção de
determinados expoentes. É recomendável, pois, considerar as relações que compõem os
bastidores profissionais daquele instante.
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A análise dessas publicações, à luz da conceituação proposta pela Estética da Recepção,
mais particularmente a partir das ideias defendidas por Hans Robert Jauss, pretende colocar
em evidência os principais atributos lançados sobre os projetos, de tal modo a identificar as
ênfases concedidas aos diferentes aspectos que integram uma composição arquitetônica.
Em outras palavras, a presente investigação objetiva identificar o efeito e o horizonte de
expectativas a partir dos quais a crítica especializada construiu seus parâmetros avaliativos,
muitas vezes apoiando-se no impacto proporcionado pela exibição e/ou premiação dos
projetos nos salões das bienais.
Cumpre também enfatizar que o conceito de representação formulado por Roger Chartier
será essencial ao entendimento dos processos que norteiam a construção da historiografia,
na medida em que a análise dos discursos sobre os projetos permite entrever, em suas
entrelinhas, as intenções dos produtores de conteúdos. Partindo-se de tal premissa, esta
comunicação pretende desnudar os discursos a fim de desconstruir as narrativas tornadas
canônicas, muitas vezes replicadas sem qualquer cerimônia.
Chartier sublinha que a construção da História não explicita em suas entrelinhas as
intenções de seus idealizadores. Partindo-se de tal premissa, o foco principal deste ensaio
não reside na mera descrição dos projetos expostos nas bienais. Ao contrário, pretende
incorporar uma minuciosa análise da recepção das obras nos periódicos especializados no
exato instante em que surgem os primeiros compêndios sobre a arquitetura moderna
brasileira, entre os quais se inscreve o manual de Henrique Mindlin, lançado em 1956.
a recepção dos projetos
A Residência Edmundo Costa, de Marcello Fragelli, foi publicada uma única vez, em outubro
de 1958, quase um ano depois de integrar a IV EIA. A matéria (não assinada) da revista
Acrópole apresenta planta baixa humanizada que ilustra os hábitos de lazer, as áreas de
serviço e os locais de refeições e estudos dos proprietários. Quatro fotografias destacam a
utilização da madeira em forros, em armários embutidos e em pormenores do sistema de
ventilação. As legendas das fotografias ressaltam a integração dos ambientes sociais com
as áreas externas sem tampouco explorar a plasticidade do projeto – o que, de certo modo,
reitera o conceito editorial proposto por Max Gruenwald, proprietário e diretor geral da
revista entre de 1953 e 1971, pautado por uma leitura anti-formalista da arquitetura brasileira
(Miranda, 2010).
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A Residência Geraldo Baptista, assinada por Olavo Redig de Campos, foi tema de dois
artigos nas revistas paulistanas Acrópole e Habitat, antes de ser exposta nos salões da IV
EIA. A primeira ocorrência, em novembro/dezembro de 1955, inscreve-se no exato instante
em que Rodolfo Klein concebeu uma ampla reformulação da revista Habitat, pautada pela
manutenção das editorias de Arquitetura e Artes Plásticas, chefiadas por Geraldo Ferraz e
José Geraldo Vieira, e pela extinção das divisões de Literatura e Teatro, acompanhadas de
progressiva redução de matérias sobre cinema, design e fotografia (Stuchi, 2006).
Ainda que as ações empreendidas pelo proprietário e diretor responsável tenham
modificado os parâmetros gerais da publicação idealizada por Lina Bo e Pietro Maria Bardi,
não se pode notar alterações substanciais na leitura crítica dos projetos arquitetônicos. No
caso da obra em questão, o artigo possivelmente assinado pelo crítico Geraldo Ferraz e/ou
pelo redator-chefe Geraldo Serra ultrapassa a simples descrição de aspectos construtivos,
formais, funcionais, plásticos e técnicos, na medida em que procura apontar acertos e
equívocos do projeto, equacionando-se os porquês das escolhas, à luz da produção
arquitetônica daquele instante.
As pesquisas plásticas visando encontrar soluções as mais díspares para os não
menos complexos problemas da arquitetura contemporânea têm sido, sob certo
aspecto, a constante preocupação dos bons arquitetos. Visam eles, antes de mais
nada, procurar novos materiais para novas faturas, novas concepções, novas
linhas, sem se olvidarem do meio ambiente e, em particular, dos elementos que a
natureza põe à sua disposição.
Em contrapartida, o artigo publicado em Acrópole, em fevereiro de 1956 limita-se a
considerar profusa a escolha dos materiais utilizados nas alvenarias, pisos, esquadrias e
coberturas, sem sequer mencionar qualquer outro elemento constitutivo da Residência
Geraldo Baptista. Do ponto de vista iconográfico, a matéria também não apresenta
contribuição significativa, na medida em que reproduz as mesmas fotografias e os mesmos
desenhos técnicos divulgados poucos meses antes na revista Habitat.
A Casa de Final de Semana de Carlos Frederico Ferreira, em Cachoeiras de Macacu, foi
registrada por dois diferentes periódicos. O primeiro artigo se inscreve em um número
especial da revista francesa L’Architecture d’Aujourd’Hui, organizado sob direção de seu
fundador, André Bloc, e assessoria da arquiteta Giuseppina Pirro de Moreira, esposa de
Jorge Machado Moreira. Além de Bloc, a edição dedicada ao Brasil, lançada em agosto de
1952, reuniu resenhas de José Lins do Rego, Lucio Costa e do secretário-geral dos
Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), Siegfried Giedion.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Entre os projetos que integram o compêndio, inscrevem-se diversos projetos expostos na I
EIA, a exemplo das residências George Hime e Hildebrando Accioly. Cabe ressaltar que a
seleção de projetos foi intermediada pela diretoria do MAM/SP, conforme atestam
documentos localizados no Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São
Paulo, durante a pesquisa de doutoramento deste autor.
Mas isso não impediu que outros projetos, a exemplo do refúgio serrano de Carlos Frederico
Ferreira, posteriormente exposto na IV EIA, também integrasse a edição especial da revista
francesa. Apesar de sucinto, o artigo apresenta uma descrição do seu peculiar sistema
construtivo, resultante da combinação de ossatura independente, em troncos de madeira da
região, com a técnica do pau-a-pique para os elementos de vedação.
A revista Arquitetura e Engenharia, editada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil,
Departamento de Minas Gerais, também concedeu espaço ao projeto de Ferreira na edição
de setembro de 1953, quatro anos antes de ser exposto nos salões da quarta bienal
paulistana. A resenha (não assinada) ressalta os mesmos elementos compositivos
apresentados na revista francesa. Aceita-se como “bom o lado técnico” e “bastante
satisfatórios” os resultados obtidos. Por fim, o texto relata a substituição da primitiva
cobertura de sapé e informa o custo total da realização.
Todas as ocorrências relacionadas à Residência Hildebrando Accioly, assinada por
Francisco Bolonha, são posteriores à sua exibição na I EIA. Cronologicamente, o primeiro
artigo sobre o projeto integra a edição especial Brésil da revista francesa L’Architecture
d’Aujourd’Hui. O registro, ilustrado com oito fotografias, três cortes, elevação e planta baixa
humanizada, inclui um memorial que enfatiza o caráter despojado e a distribuição das
atividades entre setores funcionais semi-independentes, sendo tal prerrogativa aplicada até
no agrupamento dos dormitórios de moradores e hóspedes. O texto também elenca os
materiais construtivos e as soluções de ventilação, enaltecendo a associação entre tradição
e modernidade, expressos na adoção de técnicas construtivas locais e na intenção plástica
da composição.
A segunda ocorrência sobre a casa do embaixador Accioly se inscreve na edição de
novembro/dezembro de 1955 da revista Habitat. O artigo é ilustrado com planta baixa
humanizada – a mesma de L’Architecture d’Aujourd’Hui – e sete fotografias, nenhuma das
quais presentes na edição especial da revista francesa. A resenha, assinada por B. T.
Wettreich, abre com uma citação não creditada do ensaio Considerações sobre arte
contemporânea, escrito em 1940 por Lucio Costa.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Arquitetura é, antes de tudo, construção, porém construção segundo uma intenção
estética, intimamente relacionada com o meio ambiente, as tradições e os
materiais da região.
As palavras de Costa, assim colocadas, corroboram a ideia de que arquitetura brasileira
tornou-se conhecida mundialmente pelo arrojo de suas formas combinadas à utilização de
materiais e técnicas construtivas tradicionais. Mas no entender de Wettreich, tal prerrogativa
encontrava-se ameaçada pela influência norte-americana, na medida em que nossa
arquitetura, por uma “espécie de comodismo estético”, estaria se tornando uma cópia de
modelos incompatíveis com a “nossa realidade industrial”.
Wettreich acredita que Francisco Bolonha não se deixou absorver por este “formalismo
cosmopolita”: na contramão das preferências em voga naqueles anos, optou por utilizar
materiais característicos das nossas construções coloniais, com meticuloso estudo de
intersecções e contrastes entre paredes de pedra e alvenaria branca utilizados em nossas
igrejas barrocas. Por fim, a resenha sentencia que as soluções da residência Accioly
deveriam servir de exemplo aos jovens estudantes de arquitetura, sendo este o principal
motivo de sua publicação.
A residência Accioly foi ainda tema de uma terceira matéria, lançada em 1957 na revista
Brasil Arquitetura Contemporânea. A publicação, fundada no Rio de Janeiro em 1953,
contava com um prestigiado time de colaboradores e diretores, entre os quais Álvaro Vital
Brazil, Henrique Mindlin, Joaquim Mattos e Mário Barata. Sua proposta editorial visava
equacionar o particular momento da arquitetura brasileira, em busca de respostas para as
exigências de modernização do país. (Miranda, 2010)
O artigo (não assinado) se desdobra em duas partes: a primeira é dedicada à residência
Accioly e enfatiza a configuração de setores funcionais semi-independentes, a rusticidade
dos acabamentos e a articulação das peças ao redor de pátios internos e ao longo de um
alpendre que atravessa a fachada principal em toda a sua extensão. A segunda parte do
artigo é dedicada à capela de Santa Maria e mais uma vez enaltece a simplicidade da
composição, obtida pela utilização da madeira na caixilharia, na estrutura, no piso e no
mobiliário. O verbete analítico também destaca as pinturas murais elaboradas por Emeric
Marcier e o arranjo interior da capela, a cargo de D. Geraldo Martins.
Todas as ocorrências sobre o Pavilhão Lowndes são anteriores à sua exibição na IV EIA. A
primeira inserção da obra ocorreu na edição inaugural da revista carioca Módulo. Criado em
1955 por iniciativa de Oscar Niemeyer, o periódico contribuiu para difundir sua produção
teórica, em um momento de inflexão em sua obra projetual, perceptível na busca de maior
simplicidade em termos formais (Macedo, 2000).
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
A resenha salienta a tectônica como o elemento definidor do Pavilhão Lowndes. Ou para ser
mais exato, o autor (não identificado) desse artigo atribui ao sistema construtivo economia
de recursos, rapidez na execução, simplicidade técnica e expressivo efeito plástico, obtido
pela impressão de suspensão do volume edificado em cinco paredões trapezoidais.
A revista Habitat por duas vezes abordou o Pavilhão Lowndes. A primeira, em maio de
1955, aprofunda a discussão iniciada em Módulo, mas não acrescenta material iconográfico
capaz de contribuir para um melhor entendimento do projeto. A segunda inserção do projeto
em Habitat, em junho de 1956, compõe a série Individualidades da Arquitetura Brasileira.
Assinado pelo crítico Geraldo Ferraz, o especial dedicado aos irmãos Roberto discorre
sobre as principais realizações do escritório, entre as quais se inscrevem o Pavilhão
Lowndes, a Associação Brasileira de Imprensa e o terminal de passageiros do Aeroporto
Santos Dumont, além de edifícios comerciais (Marquês do Herval e Resseguros do Brasil) e
residenciais (Anchieta, Julio Barreto e M.M.M. Roberto).
O ensaio de Ferraz não descreve as contribuições individuais dos irmãos Marcelo, Milton e
Maurício em cada realização do escritório. Pretende, ao contrário, mostrar de que modo a
criação dos Roberto pauta-se pela busca da funcionalidade, seja na obtenção de uma
solução estrutural, seja na proposição de um traçado urbanístico. Neste particular, o artigo
faz ecoar uma (triste) constatação de Marcelo Roberto sobre a arquitetura brasileira: “toda
arquitetura leva a um urbanismo e a nossa não levou” – apesar de contar com expertise e
exemplos dignos de consideração.
A Residência Paulo Sampaio, concebida por Sérgio Bernardes, tornou-se objeto de
discussão de quatro matérias. A primeira delas, em Arquitetura e Engenharia, coincide
cronologicamente com a sua exibição na II EIA e não inscreve qualquer texto analítico,
limitando-se a reproduzir cinco fotografias, além de corte, elevação e planta baixa. A
segunda matéria integra uma edição especial da revista inglesa The Architectural Review na
qual se inscreve o controvertido editorial Report on Brazil, que problematiza os rumos da
arquitetura brasileira, valendo-se da opinião de cinco expoentes de renome, entre os quais
Walter Gropius, vencedor da láurea máxima da II EIA, o Grande Prêmio Andrea e Virgínia
Matarazzo, e Max Bill, estigmatizado pela célebre – e nada positiva – avaliação da
arquitetura moderna brasileira. (Cappello, 2011) Apesar do tom critico dos cinco ensaios, a
publicação reverencia diversos projetos também celebrados pela imprensa local.
A análise de The Architectural Review para a Residência Paulo Sampaio ressalta o arrojo de
sua concepção estrutural, a distribuição das atividades em zonas funcionais independentes
e a articulação dos setores por meio de uma varanda que pode servir como ponto de
embarque e desembarque de passageiros. Em 1954, Brasil Arquitetura Contemporânea
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salienta o caráter inovador da proposição, apesar de considerar pesado o vigamento da
cobertura do bloco que abriga as atividades diurnas da residência. Por fim, a revista carioca
Módulo dedicou três páginas de sua edição inaugural ao projeto, sem entretanto acrescentar
qualquer contribuição relevante.
A Residência George Hime, de Henrique Mindlin, foi tema de quatro artigos, todos eles
publicados após o recebimento do prêmio ex aequo de melhor habitação (individual ou
coletiva) na I EIA. O primeiro deles, na edição de junho da revista Arquitetura e Engenharia,
limita-se a reproduzir seis fotografias, além de planta baixa humanizada dos seus
pavimentos, sem inscrever qualquer resenha crítica. A segunda inserção do projeto ocorreu
na edição especial de L’Architecture d’Aujourd’Hui, em agosto de 1952. A matéria descreve
as condicionantes do sítio e a distribuição dos ambientes em alas articuladas a partir da sala
de jantar, de tal modo a garantir as melhores visuais e adequada orientação solar aos
recintos de estar e dormitórios. A resenha também apresenta em pormenores o programa
de necessidades, ressaltando a participação de Roberto Burle Marx na concepção
paisagística, que inclui a elaboração de uma composição mural. O artigo, ilustrado com dez
fotografias (algumas em tons de cinza, outras em cores), corte longitudinal e plantas baixas,
enaltece a conquista do prêmio de melhor habitação na primeira bienal paulistana.
A análise da Residência George Hime na revista italiana Domus coloca em discussão o
caráter cosmopolita da arquitetura brasileira. A proveniência dos sobrenomes Korngold,
Warchavchik, Niemeyer, Costa, Bernardes, Verona e Mindlin exemplifica a multiplicidade de
origens de um país generoso e – na avaliação do periódico – decididamente empenhado na
construção de uma verdadeira tradição moderna, “(...) que agora se manifesta com a
plenitude de uma arquitetura que impressiona o mundo.”
A segunda parte do verbete (não assinado) enfoca a produção de Henrique Mindlin a partir
de breve menção a duas casas em São Paulo. A primeira delas notabiliza-se pela
fenestração sobre o jardim e pelo tom geral da composição “equilibrada e serena.” Na
análise da Residência George Hime e de um segundo projeto paulistano não identificado
são enfatizadas a expressão composta e a movimentação dos volumes em ângulos abertos.
O confronto entre os projetos, muito além de indicar diferenças, aponta elementos comuns,
a partir dos quais torna-se possível reconhecer, no caráter do arquiteto, aspectos singulares
e recorrentes entre outros expoentes da moderna arquitetura brasileira.
A última inserção da Residência George Hime em periódicos lançados nos anos 1950
ocorreu em agosto de 1953, em número de Acrópole dedicada ao IV Centenário de São
Paulo e ao IV Congresso Brasileiro de Arquitetos. Para além das efemérides, a edição
especial da revista evidencia a contribuição dos arquitetos paulistas – de origem, de
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formação ou atividade – para a consolidação do Movimento Moderno no Brasil. O primeiro
bloco é composto por um breve ensaio de Roberto Cerqueira Cesar e pela transcrição dos
artigos de Rino Levi e de Gregori Warchavchik que, provavelmente, foram os introdutores do
debate acerca da arquitetura moderna no Brasil, em 1925. A segunda parte do especial
agrupa um conjunto de artigos sobre a atuação de 20 arquitetos. Cada uma dessas matérias
é ilustrada com fotografias das principais realizações desses profissionais, a exemplo da
Residência George Hime, e nenhuma delas é acompanhada de resenha crítica.
A Residência Lotta de Macedo Soares, de Sérgio Bernardes, foi tema de sete pautas, nas
internacionais The Architectural Review e L’Architecture d’Aujourd’Hui e nas brasileiras AD
Arquitetura e Decoração, Brasil Arquitetura Contemporânea, Arquitetura e Engenharia e
Habitat. L’Architecture d’Aujourd’Hui foi o primeiro periódico a incluir resenha sobre o
projeto, em duas diferentes ocasiões. A primeira delas ocorreu no número especial dedicado
ao Brasil. O artigo destaca a inusitada associação de materiais e técnicas construtivas,
vernaculares e industrializadas, e o desnivelamento do solo como eficiente estratégia para
garantir a distribuição do programa de necessidades em um único pavimento. A segunda
matéria da revista francesa, veiculada em outubro de 1953, não chega a constituir uma
contribuição relevante, na medida em que inscreve a mesma planta baixa e fotografias
publicadas no ano precedente, sem incluir resenha crítica.
Coube à revista paulistana AD Arquitetura e Decoração lançar, em janeiro de 1954, a
terceira análise sobre a residência Lotta Soares. O artigo (não assinado) menciona a
conquista do prêmio na II EIA e enaltece “o emprego racional e ao mesmo tempo lírico dos
materiais de construção, dentro de um espírito de contínua pesquisa.” Também ressalta a
distribuição dos ambientes em alas, de tal modo a proporcionar máxima privacidade ao
dormitórios de hóspedes em relação às dependências de uso exclusivo da proprietária.
The Architectural Review, em edição especial dedicada ao Brasil, lançada em março de
1954, incluiu três obras de Sérgio Bernardes – as casas (Lotta de Macedo) Soares, (Paulo)
Sampaio e (Hélio) Cabal, anteriormente designada Residência Jadir de Souza. O artigo
evidencia a premiação de Bernardes na II EIA e reitera as opiniões previamente lançadas
sobre sua obra, especialmente a respeito das técnicas construtivas empregadas. A análise
sobre a Residência Lotta Soares considera sua peculiar localização, no alto de uma colina, o
elemento definidor de sua peculiar tectônica, resultante da combinação de elementos
industriais leves – treliças em alumínio e chapas corrugadas – e materiais disponíveis no
local, consideravelmente pesados – tijolos e pedra.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Em novembro do mesmo ano, Arquitetura e Engenharia publicou um artigo sobre o projeto.
Apesar de não apresentar material iconográfico inédito, inovou ao reproduzir a ata oficial do
Júri de Premiação da II EIA, assim formulado:
Sérgio Bernardes dá, na residência M. Carlota Macedo, o que nos parece um bom
exemplo de combinação dos espaços abertos, cobertos e fechados, e um bom uso
dos elementos leves do teto, muito aplicáveis às condições do clima local.
A revista Brasil Arquitetura Contemporânea também inscreveu, em 1954, um artigo sobre o
projeto de Sérgio Bernardes, reproduzindo ipsis litteris a mesma resenha crítica de AD
Arquitetura e Decoração, com uma honrosa contribuição: a inclusão de uma ilustração em
perspectiva da fachada frontal da casa produzida a partir de um desenho a lápis associado a
uma fotografia de Michel Aertsens.
Habitat foi o último periódico a publicar um artigo sobre a obra premiada na II EIA. A
matéria, veiculada em janeiro de 1955, faz parte de uma antologia de projetos de Sérgio
Bernardes antecedida por nota introdutória assinada por Oswaldo Correa Gonçalves. Nela,
Bernardes é apresentado como um homem apaixonado por automóveis de corrida e
arquitetura, dotado de capacidade para simplificar, “de maneira extraordinária, os materiais
adotados na construção (...) e na pré-fabricação.”
O viés tecnológico lançado sobre a produção de Bernardes também comparece em Habitat,
por meio de um memorial descritivo da residência Lotta Soares, provavelmente escrito pelo
próprio arquiteto. O texto descreve detalhadamente a estrutura pré-fabricada em vergalhão
redondo utilizado em pilares e vigas, sobre os quais se apoia a cobertura em chapa metálica
recoberta em sapé, de tal modo a possibilitar circulação permanente de ar. Com isso,
Bernardes acredita ter reunido rapidez, economia de recursos e facilidade construtiva, além
de obter “excelente” resultado estético, em perfeita harmonia com a paisagem local.
últimas considerações
Antes de lançar algumas considerações sobre o estado de conservação das obras
selecionadas, talvez seja oportuno reiterar os objetivos desta investigação, expressos por
meio de três indagações: 1) De que maneira os projetos foram assimilados pela crítica na
década de 1950? 2) Como explicar o interesse proporcionado por algumas obras em
detrimento da mais completa indiferença suscitada por outras? 3) De que maneira a leitura
desses projetos contribuiu para ampliar o quadro de referências sobre a produção
arquitetônica brasileira?
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Na impossibilidade de equacionar temas de tamanha complexidade em tão breves linhas,
este artigo examinou as páginas dos periódicos especializados para identificar as narrativas
que embasaram as primeiras versões da historiografia da arquitetura brasileira, ainda que se
saiba que a metodologia utilizada, apoiada nas formulações de Hans Robert Jauss e Roger
Chartier, seja incapaz de elucidar algumas lacunas, entre as quais se inscreve o mais
completo silêncio sobre a obra de Jorge Mereb exposta na IV EIA.
Cumpre, pois, recuperar os testemunhos lançados sobre os projetos celebrados para neles
reconhecer o horizonte de expectativas que permeou o olhar da crítica especializada no
exato instante em que a produção arquitetônica brasileira fornecia expressivas contribuições
ao estabelecimento de novos parâmetros para a modernidade. Em outro extremo, parece
ser importante equacionar o desinteresse suscitado por determinadas obras na medida em
que suas soluções de projeto podem assinalar dissonâncias ou mera rotinização de práticas.
De todo modo, não se pode lançar conclusões sobre um determinado conjunto de projetos
sem conhecê-los com a devida profundidade. Para suprir tal tarefa, os bolsistas Ada de
Oliveira Pires, Danielle Marques Franco, Nathalia Melo Leal, Rani Lopes Sander, Rayane de
Souza Farias e Richard Andrade Pires e os pesquisadores voluntários Artur Torquato
Teixeira e Mayara Rapallo, pertencentes ao GERAR/UFRRJ, têm realizado estudos
sistemáticos sobre todas as residências implantadas em solo fluminense que foram
expostas nas bienais paulistanas da década de 1950.
Nesses estudos, foram investigados diversos aspectos que compõe a solução projetual de
um total de 22 projetos, tendo como parâmetro metodológico as formulações de Francis
Ching, Geoffrey Baker, Herman Hertzberger e Simon Unwin. Por meio dessas análises,
pretende-se questionar de que modo as obras estabelecem interlocução com as
comunidades locais e com os órgãos de defesa do patrimônio edificado. Não sem surpresa,
constatou-se que, dentre os nove projetos implantados na região serrana fluminense, não
obtivemos informações sobre a Residência Edmundo Costa e sobre a Casa de Final de
Semana em Teresópolis. Será que elas continuam edificadas?
Sabe-se, por meio de documentários e fotografias recentes, que a Casa de Final de Semana
em Cachoeiras do Macacu e as residências George Hime, Geraldo Baptista e Paulo
Sampaio continuam preservadas. Registros equivocados chegaram a noticiar a demolição
do Pavilhão Lowndes, que felizmente permanece erguido às margens do rio Piabanha. A se
julgar a veracidade desses testemunhos, a preservação da Residência Hildebrando Accioly
pode ser questionada.
Por fim, camuflada sob a mata, seguem erguidas a Residência Lotta de Macedo Soares e o
estúdio de trabalho de sua companheira, a poetisa norte-americana Elisabeth Bishop.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Amplamente retratado em romances e publicações especializadas, o refúgio do casal não foi
(infelizmente) utilizado como locação da versão que transportou para o cinema as trajetórias
de Lotta e Bishop, alternando-se os sonhos e as frustrações de uma geração que pretendia
construir um país mais justo e fraterno. Resta, mais do que nunca, compreender o passado
para que se possa conquistar um futuro assemelhado à exuberância da paisagem da região
serrana fluminense.
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4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
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