As revoltas tenentistas no Brasil · O tenentismo, como movimento político da jovem oficialidade...

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109 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 BICENTENÁRIO ESPECIAL surgimento da Primeira República, em 1889, este- ve relacionado com as transformações econômicas do fim do escravismo e com a instituição de uma nova forma de exploração do trabalho assalariado, que seria hegemônica somente tempos depois. É possível dizer que esse período foi uma transição entre a velha sociedade agrária e escravista e a nova sociedade urbana, industrial e assalariada. É nesse momento que [..] que o capitalismo, nos países avançados, ingressou em sua fase monopolista e se expandiu como imperialismo. Tal expansão levou a burguesia daqueles países a investir ca- pitais na construção de meios de transporte e de comunica- ção em regiões como o Brasil, de modo a garantir o supri- mento de matérias primas minerais e agrícolas necessárias às suas indústrias e populações. Estradas de ferro, construídas por capitais ingleses, cortaram o interior do Brasil. Os portos do Rio, de Santos e de outras capitais provinciais, foram mo- dernizados. As cidades que constituíam praças de transbordo de mercadorias receberam benefícios da moderna civiliza- ção, como avenidas e ruas mais largas, iluminação pública, bondes, e algum tipo de saneamento básico. (POMAR, 2009, p. 71). As oligarquias agrárias, com o advento da República, um golpe militar, transformaram seu poder econômico em poder político, tendo os militares, com os governos Deodoro da Fon- seca e Floriano Peixoto, como instrumento fundamental nes- se período inicial, para consolidação do regime republicano, ainda que as relações entre as oligarquias e as forças armadas não fossem em nada tranquilas, conforme intenção dos lati- fundiários de dissolverem o Exército para formarem milícias agrárias (conf. João Quartim de Moraes, 2005) e também pela disputa entre as chapas Prudente de Morais/Floriano Peixoto e Deodoro/Eduardo Wandenkolk, em que Deodoro e Floria- no foram os mais votados na eleição realizada pelo colégio eleitoral do Congresso. Neste momento inicial da República, duas revoltas explo- diram, a Revolução Federalista, no Sul do país, cujas lideran- ças saudosas do escravismo reivindicavam maior autonomia da região, num sistema parlamentarista e federalista, e a Re- volta da Armada, por setores da Marinha que reivindicavam a restauração da monarquia e igualdade de condições dentro das forças armadas. A ação de Floriano Peixoto 12 nesses epi- sódios consolidou a República, mas não foi suficiente para se sobrepor à classe economicamente dominante. 1 Para uma compreensão mais detalhada sobre o papel das forças armadas no cenário político brasileiro, ver A esquerda militar no Brasil, de João Quartim de Moraes (2005). 2 Floriano Peixoto expressou o denominado movimento “jacobino” no Brasil, republicanos radicais, positivistas, que defendiam um governo centralizado, a soberania nacional, um Estado laico, a proteção industrial e um nacionalismo popular, conf. Morais (2005). Esse movimento teve uma relativa importância no início da Primeira República, mas perdeu relevância após o governo de Floriano Peixoto. por Leandro Eliel P. Moraes As revoltas tenentistas no Brasil O As revoltas tenentistas no Brasil devem ser compreendidas no contexto de crise da República Velha (1894-1930) e, retrospectivamente, como mais um episódio da participação militar no cenário político nacional 1 . O próprio tenentismo tornou-se um dos principais fatores explicativos da crise da Primeira República

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109ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

BICENTENÁRIOESPECIAL

surgimento da Primeira República, em 1889, este-ve relacionado com as transformações econômicas do fim do escravismo e com a instituição de uma nova forma de exploração do trabalho assalariado, que seria hegemônica somente tempos depois. É possível dizer que esse período foi uma transição entre a velha sociedade agrária e escravista e a nova sociedade urbana, industrial e assalariada. É nesse momento que

[..] que o capitalismo, nos países avançados, ingressou

em sua fase monopolista e se expandiu como imperialismo.

Tal expansão levou a burguesia daqueles países a investir ca-

pitais na construção de meios de transporte e de comunica-

ção em regiões como o Brasil, de modo a garantir o supri-

mento de matérias primas minerais e agrícolas necessárias às

suas indústrias e populações. Estradas de ferro, construídas

por capitais ingleses, cortaram o interior do Brasil. Os portos

do Rio, de Santos e de outras capitais provinciais, foram mo-

dernizados. As cidades que constituíam praças de transbordo

de mercadorias receberam benefícios da moderna civiliza-

ção, como avenidas e ruas mais largas, iluminação pública,

bondes, e algum tipo de saneamento básico. (POMAR, 2009,

p. 71).

As oligarquias agrárias, com o advento da República, um golpe militar, transformaram seu poder econômico em poder político, tendo os militares, com os governos Deodoro da Fon-

seca e Floriano Peixoto, como instrumento fundamental nes-se período inicial, para consolidação do regime republicano, ainda que as relações entre as oligarquias e as forças armadas não fossem em nada tranquilas, conforme intenção dos lati-fundiários de dissolverem o Exército para formarem milícias agrárias (conf. João Quartim de Moraes, 2005) e também pela disputa entre as chapas Prudente de Morais/Floriano Peixoto e Deodoro/Eduardo Wandenkolk, em que Deodoro e Floria-no foram os mais votados na eleição realizada pelo colégio eleitoral do Congresso.

Neste momento inicial da República, duas revoltas explo-diram, a Revolução Federalista, no Sul do país, cujas lideran-ças saudosas do escravismo reivindicavam maior autonomia da região, num sistema parlamentarista e federalista, e a Re-volta da Armada, por setores da Marinha que reivindicavam a restauração da monarquia e igualdade de condições dentro das forças armadas. A ação de Floriano Peixoto12 nesses epi-sódios consolidou a República, mas não foi suficiente para se sobrepor à classe economicamente dominante.

1 Para uma compreensão mais detalhada sobre o papel das forças armadas no cenário político brasileiro, ver A esquerda militar no Brasil, de João Quartim de Moraes (2005).

2 Floriano Peixoto expressou o denominado movimento “jacobino” no Brasil, republicanos radicais, positivistas, que defendiam um governo centralizado, a soberania nacional, um Estado laico, a proteção industrial e um nacionalismo popular, conf. Morais (2005). Esse movimento teve uma relativa importância no início da Primeira República, mas perdeu relevância após o governo de Floriano Peixoto.

por Leandro Eliel P. Moraes

As revoltas tenentistas no Brasil

O

As revoltas tenentistas no Brasil devem ser compreendidas no contexto de crise da República Velha (1894-1930) e, retrospectivamente, como mais um episódio da participação militar no cenário político nacional1. O próprio tenentismo tornou-se um dos principais fatores explicativos da crise da Primeira República

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A partir de 1894, com a eleição de Prudente de Morais, as oligarquias agrá-rias assumiram diretamente o controle político do país, inaugurando a deno-minada “política do café com leite”, em que as oligarquias paulistas e mineiras (e também as gaúchas) indicavam os candidatos às eleições presidenciais marcadas pelas fraudes, pelo controle político dos votos - o coronelismo e o “voto de cabresto”, em que os interesses regionais e particularistas predomina-vam sobre as perspectivas mais amplas de desenvolvimento nacional. A Consti-tuição de 1891 já expressava exatamen-te isso, um federalismo marcado pela política dos governadores. Além disso, a inexistência de um partido nacional e a predominância de partidos republica-nos regionais eram outros indicadores desse provincianismo das elites brasi-leiras, em que seus interesses econômi-cos imediatos se sobrepunham. Moraes

(2005) advoga que as tensões entre os militares e as oligarquias também se expressavam pela dicotomia entre as perspectivas de coesão nacionalistas e as agrárias e provincianas, ou, dito de ou-tra forma, entre um federalismo radical e um poder centralizado.

O tenentismo, como movimento político da jovem oficialidade do Exér-cito, está circunscrito a um curto perío-do do tempo, entre os anos iniciais de 1920 e 1930, das revoltas militares con-tra a institucionalidade até ao controle governamental pela Aliança Liberal de Vargas. O tenentismo pode ser dividido em dois momentos: sua fase heróica, entre 1922 a 1927, e sua fase de coopta-ção pelos setores políticos que fizeram parte da Revolução de 1930, conforme Lanna Júnior (2013).

Nessa fase heróica, [...] o tenen-

tismo, como movimento de conspi-

ração, pegou em armas para lutar

contra as oligarquias dominantes.

Nesse período, surgiu como única al-

ternativa aos anseios das classes mé-

dias populares. As mudanças tinham

de ser feitas pelas armas, o que teria

transformado os militares rebeldes

em vanguarda política da luta contra

o domínio oligárquico da burguesia

cafeeira e seus aliados. Entretanto,

esse foi um liberalismo de fachada.

Fundamentalmente, o tenentismo

se manteve fiel à defesa da ordem

e das instituições. Não tinha uma

proposta militarista no sentido do

governo militar, mas era elitista; pro-

punha a moralização política contra

as oligarquias cafeeiras. Os jovens ofi-

ciais seriam os responsáveis por essa

moralização, através da Revolução e

da entrega do poder para os políticos

considerados por eles como “hones-

tos”. Nesse sentido, destaca-se seu ca-

ráter elitista, que pregava a mudança

a partir de cima, sem a participação

das classes populares. (LANNA JÚ-

NIOR, 2013, p. 213).

Nessa fase heroica, três aconteci-mentos se destacaram: a Marcha dos De-zoito do Forte (1922), o levante de São Paulo (1924) e a Coluna Prestes (1925).

A Marcha dos Dezoito do Forte

A Marcha dos Dezoito do Forte ocorreu no Rio de Janeiro, em 1922, no Forte de Copacabana, local inicial de uma revolta que se estendeu por outras guarnições militares na capital, em Ni-terói e em Mato Grosso. Após atacarem alvos militares, os revoltosos sofreram uma reação do Exército e exigiram o fim das hostilidades e que receberiam apenas ordens do marechal Hermes como condição de rendição, o que não lhes foi atendido. Com a liderança de Si-queira Campos, os rebeldes que perma-neceram no Forte de Copacabana ten-taram resistir aos ataques e marcharam pela avenida Atlântica sob fogo cruza-do. Siqueira Campos e Eduardo Gomes foram os únicos sobreviventes, o que lhes conferiu, aos olhos do movimen-to, um destaque heróico. Nas demais guarnições rebeldes, as ações ficaram restritas a ameaças, movimentos ime-diatamente reprimidos ou sufocados e rendidos, como foi em Mato Grosso.

Sob governo de Epitácio Pessoa, as oligarquias se reagruparam diante da ameaça de rebelião militar, o que faci-litou a rápida repressão aos focos rebel-des e ao julgamento dos revoltosos.

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

O tenentismo, como movimento político da jovem oficialidade do Exército, está circunscrito a um curto período do tempo, entre os anos iniciais de 1920 e 1930, das revoltas militares contra a institucionalidade até ao controle governamental pela Aliança Liberal de Vargas

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O levante de São Paulo.

O Levante de São Paulo, ocorrido na capital, entre os dias 5 e 28 de ju-lho de 1924, foi parte do movimento tenentista contra as oligarquias que dominavam o poder político da Repú-blica Velha. O estopim desse levante foi a nomeação de Carlos de Campos para a presidência do Estado de São Paulo pelo governo federal de Artur Bernardes.

O movimento teria sido discu-

tido anteriormente entre os oficiais,

com a escolha de um chefe, o general

Isidoro Dias Lopes, e a definição das

bases regionais, que foram expressi-

vas em São Paulo e no Rio Grande

do Sul. Contou com a adesão de no-

vos aliados, como o major Miguel

Costa, da Força Pública paulista [...].

Iniciou-se na madrugada de 5 de

julho, nos quartéis militares de São

Paulo, em Pinheiros e em Quitaú-

na. A estratégia era reunir as tropas

rebeldes no Campo de Marte para

atacar e ocupar os principais prédios

públicos da cidade. No fim do pri-

meiro dia de combate, eles haviam

ocupado as estações da Luz, Soroca-

bana, do Brás e da Cantareira; O Ho-

tel Terminus, o 4º Batalhão de Caça-

dores, a estação transformadora da

Light, o Corpo-Escola e os quartéis

do 1º e do 2º batalhões de polícia, no

bairro da Luz. (LANNA JÚNIOR,

2013, p. 320).

Foram dias de intenso bombardeio sobre a cidade de São Paulo, especial-mente sobre o Palácio governamental Campos Elíseos e o centro da cidade, com um desfecho de centenas de mor-tos e milhares de feridos, num ambien-te de completa dispersão e confusão nos dois lados do combate.

Os rebeldes se viram em um

ambiente desordenado e agitado

pelas próprias ações. A liderança do

movimento oscilava entre o major

da Força Pública Miguel Costa e o

general reformado do Exército Isido-

ro Dias Lopes. A falta de informação

entre os comandantes criava situa-

ções inusitadas, como a rendição de

Miguel Costa por acreditar ter sido

abandonado pelo general Isidoro. A

carta de rendição não chegou à mão

do presidente do estado, Carlos de

Campos, pois este havia fugido de

São Paulo e nem mesmo os revolto-

sos sabiam da retirada do governo.

Surpresos. Eles tinham o controle

da cidade. Entretanto não estavam

preparados para isso. O movimento

objetivava uma revolução nacional.

(LANNA JÚNIOR, 2013, p.320).

O movimento aguardava um de-sencadeamento de inúmeras revoltas regionais para derrubar o governo fede-ral, o que não ocorreu. Em São Paulo, sem controle da cidade, foram inúme-ras as ocorrências de saques em arma-zéns pela população empobrecida. Inú-meras foram as tentativas de acordos de rendição das tropas rebeldes, sempre frustradas.

Apesar de ser um movimen-

to com características militaristas,

no tenentismo predominou um

caráter político. Tratava-se de um

movimento político que objetivava

tomar o poder na capital, inclusive

com articulações com setores ci-

vis. O movimento na cidade de São

Paulo possibilitou o envolvimento

com a população civil, que viu sua

rotina mudada. Assim, em 1924, to-

dos passaram a conhecer a situação

e tomar partido. O movimento teve

BICENTENÁRIOESPECIAL

A Marcha dos Dezoito do Forte ocorreu no Rio de Janeiro, em 1922, no Forte de Copacabana

Reprodução

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112 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

o efeito de dividir a classe dominan-

te, que não se mostrou homogênea.

[...] Para as classes produtoras, repre-

sentava a desordem, uma ameaça de

destruição material, como demons-

trou a Associação Comercial, inter-

mediadora do conflito e que desde o

início posicionou-se em favor do go-

verno. Para a Liga Nacionalista, for-

mada pela alta classe, o tenentismo

representava a “rebeldia de alguns

soldados brasileiros [...]”. (LANNA

JÚNIOR, 2013, pp. 322-323).

O movimento rebelde paulistano também contou com apoios em setores estudantis, operários e populares, com a organização de vários agrupamentos de apoio político e material. Em outras localidades do país, as tentativas de re-belião foram rapidamente sufocadas, com exceção de Manaus que, com ca-racterística mais popular, foi controla-da pelos rebeldes durante um mês na conhecida Comuna de Manaus. Mas, o apoio de setores da elite política não ocorreu como esperado. A revolução que pretendiam não era popular, seria uma revolução pelo alto.

Após discutirem sobre as alternati-

vas possíveis, entre elas a permanência na cidade e a reorganização do movi-mento em Campinas, os rebeldes, le-vando em consideração suas pretensões nacionais, resolveram fugir, partindo de trem na madrugada de 28 de julho, passando por Campinas, em direção a Bauru, constituindo a Coluna Paulista, que abrigou também a denominada Coluna da Morte, que era a retaguarda da coluna principal. Em seguida, com a liderança de Isidoro Dias Lopes e Jua-rez Távora decidiram atacar a cidade de Três Lagoas (MS), onde se localizavam as tropas legalistas. Os rebeldes foram derrotados e partiram para Foz do Igua-çu (PR), encontrando as tropas gaúchas lideradas por Luís Carlos Prestes, epi-sódio que marcaria o início da Coluna Miguel Costa- Prestes.

A Coluna Prestes

Se não houve uma coordenação si-multânea entre as diversas sublevações em variadas localidades do Brasil, no Rio Grande do Sul havia uma conexão, ain-

da que não simultânea, com o levante paulista. No dia 29 de julho, os rebeldes gaúchos ocuparam várias cidades, tendo o tenente Antônio de Siqueira Campos, sobrevivente da Marcha dos Dezoito do Forte, e capitão Luís Carlos Prestes liderando essas ações. Com as batalhas ocorridas nessa região, a necessidade de fuga para Foz do Iguaçu marca o início da denominada Coluna Prestes, que “[...] consistia em uma maioria de civis comandados por uma minoria de mili-tares”. (LANNA JÚNIOR, 2013, p. 329).

Com as experiências de derrotas an-teriores, a guerra aberta seria substituí-da pela guerrilha, o que permitiu que a coluna gaúcha marchasse em direção aos paulistas, em março de 1925. Na-quele momento, com a junção das tro-pas, havia duas alternativas: encerrar as batalhas militares ou iniciar uma nova fase. Para o general Isidoro Dias Lopes não havia possibilidades de avanço no campo militar, enquanto para Prestes, Juarez Távora, Miguel Costa, Djalma Dutra e Oswaldo Cordeiro de Farias o confronto militar continuaria. Esta úl-

BICENTENÁRIO 18222022ESPECIAL

LEVANTE DE SÃO PAULO

O movimento rebelde paulistano também contou com apoios

em setores estudantis, operários e populares, com a organização de vários agrupamentos

de apoio político e material

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tima foi a posição vencedora. Com a decisão tomada, a busca por apoios fi-nanceiros e militares permitiu o surgi-mento de novos focos de combate no Rio Grande do Sul, as “colunas relâm-pagos”, também impulsionadas pelas disputas locais, que coexistiram com a marcha principal.

“A Coluna Miguel Costa-Prestes, ou Coluna Prestes, era formada por um es-tado-maior e duas brigadas – a de São Paulo, com dois batalhões de caçado-res, e a do Rio Grande do Sul, com dois regimentos de cavalaria independen-tes” (LANNA JÚNIOR, 2013, p. 333), contando com cerca de 1.200 homens. Após cerco das tropas governamentais, os insurgentes passaram pelo Paraguai, adentraram o estado de Mato Grosso em 3 de maio de 1925, travando várias batalhas, seguiram por Goiás, em dire-ção ao Norte do país, sendo combatidos também por tropas locais arregimenta-das pelos latifundiários locais. Foi em Goiás que a Coluna encontrou sua ba-talha mais difícil, com muitas baixas e viu-se obrigada a se retirar.

O que se configurava como uma longa marcha de fuga, com ações guer-rilheiras, estava marcada pela dubiedade estratégica. Miguel Costa pretendia to-mar o poder político no Rio de Janeiro, enquanto Luís Carlos Prestes defendia a propagação da revolução pelo país. As condições de luta fizeram os rebeldes op-tarem pela segunda alternativa e, como consequência, Prestes assumiu a chefia do estado-maior. A Coluna foi dividida em quatro destacamentos, percorrendo as margens do rio São Francisco, Bahia, Goiás, Maranhão, Piauí, ainda em 1925, vivenciando conspirações internas, avan-ços e apoios importantes, acordos de tré-guas frustrados, insucesso no objetivo de abalar o poder político oligárquico, mas permanecia invicta. O governo não con-seguia desbaratar a Coluna.

No início de 1926, saindo do Piauí, a Coluna se deslocou pelo Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernam-buco. Neste período, entre o final de 1925 e início de 1926, os insurgentes encontraram seus melhores momen-tos, pois encontraram apoio políticos

localizados. A partir daí, com a chegada na Paraíba, encontrariam suas piores condições de batalhas e de manutenção das tropas. O governo federal, contando com apoio das oligarquias nordestinas e das policiais militares dos estados, possuía um contingente armado muito maior e mais preparado.

Na Bahia, entre março e abril de 1926, a Coluna enfrentou batalhas san-grentas e Prestes organizou uma enge-nhosa movimentação de suas tropas, que, marchando em direção a Minas Gerais, retorna a Bahia enganando as tropas governamentais que seguiram pelo estado mineiro. Sem conquistar seus objetivos, com o final do governo de Artur Bernardes, a Coluna Prestes, esgotada, com pouca capacidade béli-ca de resistência, organiza sua retirada atravessando os estados de Pernambu-co, Piauí, Goiás e, em outubro de 1926, Mato Grosso, dirigindo-se para a fron-teira com a Bolívia, permanecendo por lá até fevereiro de 1927, quando se re-fugiaram no país vizinho. A Coluna In-victa percorreu cerca de 25.000 km pelo país sem que as tropas governamentais pudessem derrotá-la.

BICENTENÁRIOESPECIAL

COLUNA MIGUEL-COSTA PRESTES. GUAÍRA, PR, 1924

A coluna estava marcada pela dubiedade estratégica. Miguel Costa pretendia tomar o poder político no Rio de Janeiro, enquanto Luís Carlos Prestes defendia a propagação da revolução pelo país

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As lideranças dos movimentos tenentistas, após a Coluna Prestes, se-guiram diferenciados caminhos. Uma grande parte se juntaria ao movimento da Revolução de 1930. Prestes, no exílio na Bolívia, Argentina e União Soviética, tornou-se um comunista e se transfor-mou na principal liderança comunista brasileira nas décadas seguintes. No iní-cio dessa trajetória, a recusa do convite a Prestes em liderar a Revolução de 1930 “consistiu evidente reconhecimento de que a causa ‘tenentista’ era portadora das melhores esperanças de regeneração po-lítica do país.” (MORAIS, 2005, p. 238).

As interpretações sobre o movimento tenentista

Sem a pretensão de esgotar as diver-sas interpretações sobre o tema, apoia-do em Lanna Júnior (2013), podemos classificar algumas interpretações sobre o movimento tenentista da seguinte forma: como expressão de um movi-mento de vanguarda dos setores mé-dios da sociedade, desembocando no caráter burguês da Revolução de 1930. Os representantes dessa tese são Nelson Werneck Sodré, Hélio Jaguaribe, Guer-reiro Ramos, Wanderley Guilherme e Edgard Carone; como movimento mi-litar, na lógica interna das forças arma-das, a partir de Vavy Pacheco Borges; a perspectiva de Boris Fausto, que defen-dia que “os oficiais rebeldes saíram das classes médias menos favorecidas, mas o Exército falava mais alto como insti-tuição que guardava certa autonomia” (p. 342) em relação à sociedade, não se tratando de uma relação direta entre os setores médios e o tenentismo. Para Bo-ris Fausto o tenentismo era defensor de

reformas pequeno-burguesas, mas não possuía uma base social.

Entre outras interpretações, desta-ca-se também a de José Murilo de Car-valho (1985), que, apoiando-se na teo-ria das “instituições totais”, de Goffman, aponta para a autonomia das forças ar-madas diante dos demais órgãos do Es-tado e, consequentemente, da autono-mia do próprio movimento tenentista, que expressava um processo de institu-cionalização do Exército na República Velha. Além disso,

[...] o tenentismo seria um fe-

nômeno de transição, dentro de

um processo político mais amplo,

de constituição do intervencionis-

mo militar. As bases desse processo

teriam surgido durante a Primeira

República, auge da intervenção con-

testatória e da gestão da intervenção

controladora. O tenentismo seria

um tipo de intervenção contesta-

tória, com fundamentos institucio-

nais, que teria contribuído para o

desenvolvimento de um outro tipo

de intervenção, a controladora. Esta

última explicaria a ação dos militares

em 1930, 1937, 1945 e 1964, quando,

ao ugar da política no Exército, ins-

titui-se a política do Exército. (LAN-

NA JÚNIOR, 2013, p. 343).

Edmundo Campos Coelho (1985), dialogando com Carvalho, aponta o movimento tenentista numa outra tran-sição, aquela que, diante da crise do Esta-do, alinhou o Exército aos interesses de frações das elites civis. As crises militares eram manifestações das crises do Estado.

Nas reflexões de José Maria Bello, na década de 1940, e com Maria Cecília Spi-na Forjaz, surgiram interpretações mais

mediadas, havia uma diferenciação de interesses entre os militares e civis, que se uniram no movimento tenentista. Os militares moveram-se muito mais pelas suas condições militares do que sociais, mas assumiram um papel de represen-tantes dos setores médios urbanos.

“[...] o tenentismo é liberal-de-

mocrata, mas manifesta tendências

autoritárias; busca apoio popular,

mas é incapaz de organizar o povo:

pretende ampliar a representativi-

dade do Estado, mas mantém uma

perspectiva elitista; representa os

interesses imediatos das acamadas

médias urbanas, mas se vê como re-

presentante gerais da nacionalidade

brasileira. (FORJAZ Apud LANNA

JÙNIOR, 2013, pp. 344-345).

Para Anita Prestes: “Os militares refletem em seu comportamento – ain-da que de forma peculiar e modificada, pelo fato de pertencerem à corporação armada – os conflitos e problemas que se desenvolveram na vida social e políti-ca da Nação.” (PRESTES Apud LANNA JÚNIOR, 2013, p. 345). Nesse sentido, os militares, considerados como uma camada social, expressavam interesses de uma camada urbana que não encon-trava no aparato político partidário for-mas de expressão próprias.

João Quartim de Morais compre-endia que os tenentes “eram militares de esquerda, convencidos de que só pela força podiam livrar o país das gar-ras da oligarquia, de seus políticos e de seus ‘coronéis’” (MORAIS, 2005, p. 214), criticando aquelas interpretações que concebiam o movimento como elitista. Quartim de Morais apontou o recruta-mento de voluntários em São Paulo du-

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rante as batalhas de 1924 como exem-plo dos equívocos dessa interpretação. Além disso, cita a manifestação de mi-litares anarquistas, no Jornal A Plebe: “não podemos, sem transgredir com nossos princípios, deixar de olhar o movimento revolucionário triunfante com a devida simpatia porque, vigoran-do os fins que o determinaram, muito aproveitamos na propaganda de nossos ideais de emancipação humana”. (Apud MORAIS, 2005, p. 220).

O autor também reconhecia os li-mites do movimento, como foi, depois de uma polêmica interna entre as lide-ranças, a recusa em armar a população durante o levante paulista. “Radical quanto às suas formas de luta, burguês quanto o seu horizonte ideológico, o ‘te-nentismo’ foi, sobretudo, extremamente consequente em seu combate antioligar-quico.” (MORAIS, 2005, p. 224).

Com todas as ambiguidades do mo-vimento tenentista, não há dúvida de sua relevância histórica. Com a Coluna Prestes adquiriu uma relativa expressão popular, ao mesmo tempo, expressava um sentimento de reforma moral típi-co dos setores médios, almejando cons-cientizar a população brasileira, mas, foi por ela conscientizada, conforme depoimento de Luiz Carlos Prestes (O Velho, Dir. Toni Venturi, 1997).

Wladimir Pomar, em Os Latifun-diários (2009), afirma que a oligarquia

dominante da República Velha admi-nistrou o Brasil como se fosse sua fa-zenda, não percebendo que o avanço mercantil e industrial alterava política e socialmente as estruturas da socieda-de brasileira, ainda tratando de maneira autoritária, como no escravismo, as ma-nifestações sociais.

Assim, quando o proletariado e

as camadas médias, que começaram

a desenvolver-se com maior intensi-

dade ainda no período da República

Velha, passaram a reivindicar direi-

tos econômicos, sociais e políticos, a

resposta das oligarquias dominan-

tes foi tipicamente a dos senhores

de engenho. Tratou-os como antes

tratavam aos escravos. A placidez

dos campos lhes dava tranquilida-

de e força. Apesar de Canudos e do

Contestado, a maior parte dos agre-

gados dos latifúndios ainda estavam

convencidos de viver pelo favor de

Deus e do senhor das terras em que

trabalhavam. E pouco ou nada fa-

ziam para mudar essa situação. Des-

se modo, as populações urbanas em

revolta viram-se quase sozinhas na

luta contra o domínio dos proprie-

tários territoriais. E quando, com a

Coluna Prestes, serpentearam pelas

áreas rurais, foram incapazes de in-

corporar seus moradores à luta e en-

grossar o movimento nacional por

mudanças. (POMAR, 2009, p. 72).

Se na República Velha as lutas po-pulares foram tratadas como caso de polícia e os setores médios e proletários não tiveram força diante da oligarquia rural dominante, a crise econômica do capitalismo, em 1929, potencializou a crise política e social existente no Brasil. As oligarquias se dividiram, e a Aliança Liberal se constituiu como um novo campo de dominação política, que pro-moveria alterações profundas no desen-volvimento econômico brasileiro, mas, mantendo suas estruturas políticas e sociais profundamente autoritárias, ou seja, a denominada “modernização con-servadora”.

LEANDRO ELIEL P. MORAES é historiador e militante do PT Campinas

REFERÊNCIAS:

LANNA JÚNIOR, M. C. M. Tenentismo e crises políticas na Primeira República. In: DELGADO, L. A. N. E FERREIRA, J. (org). O Brasil republicano: o tempo do libe-ralismo excludente – da Proclamação da República à Revolução de 1930. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

MORAIS, J. Q. A esquerda militar no Brasil. 2ª ed. rev. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

O VELHO: a história de Luiz Carlos Pres-tes. Direção: Toni Venturi. Produção: Renato Bulcão e Toni Venturi. Roteiro: Di Moretti. Rio de Janeiro: Riofilmes, 1997.

Pomar. W. Os latifundiários. São Paulo: Página 13, 2009.

BICENTENÁRIOESPECIAL

As oligarquias se dividiram, e a Aliança Liberal se constituiu como um novo campo de dominação política, que promoveria alterações profundas no desenvolvimento econômico brasileiro, mas, mantendo suas estruturas políticas e sociais profundamente autoritárias, ou seja, a denominada “modernização conservadora”