As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

download As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

of 26

Transcript of As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    1/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea: umensaio sobre o mesmo tornado normal e osprocessos de sujeio em tempos de gozo

    disciplinar

    Murilo Duarte Costa Corra

    ndice

    1 Introduo 3

    2 Do que define o espao total: o estado de exceo 4

    3 Mquina letal: O que flui entre as engrenagens 8

    4 A totalizao da normalidade do mesmo e a sujeio Biopoltica 11

    5 Sair do campo como haveremos de... 21

    6 Referncias 24

    Resumo

    O presente ensaio visa a elucidar as relaes, por vezes tnues e impercep-tveis, que fazem enodar sujeito e direito; e, contemporaneamente, busca en-

    tender essas tramas como uma relao com o irrelato. Isto , o direito contem-porneo, no estado de exceo, e na topografia do campo, promove a perdado sujeito. Os modos operativos e os mecanismos de sujeio contempor-neos so, precisamente, o que constitui nosso objeto: buscar identificar as for-mas pelas quais os limites so sempre deslocados, fazendo a legalidade perder

    Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Fundao de Estudos Sociais do Paran eadvogado. Mestre em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paran.

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    2/26

    2 Murilo Duarte Costa Corra

    o sentido, e o sujeito, fabricado como sujeitado, ser entregue a seu prprioabandono. Procedemos, ainda, a uma releitura da categoria de vida nua, deAgamben, buscando identificar, a partir disso, o estatuto de objeto a que ossujeitos acedem pelo gozo. Ainda, traamos a continuidade entre um mode-lo orgistico-policialesco foucaultiano, modelo de incluso, a um modelo deincluso-exclusiva: o estado de exceo agambeniano, que no prescinde donormal e do disciplinar, mas reduz o homem a seu suporte animal, biolgi-co, prescrevendo-lhe, pela acesso ao gozo, que assume formas disciplinarese normalizadoras, a virtual impossibilidade de cuidar de suas parcelas subje-tivveis, de sua potncia de ser sujeito. Por fim, analisando o jogo estudioso

    de Agamben, buscamos, ali, uma proposta profanadora, subjetiva, pelo pensa-mento: uma forma de sair do campo, de encontrar a potncia criativa para onovo no direito.

    Palavras-chave: Sujeito; Contemporaneidade; Vida nua; Mesmo; Norma;Disciplina; Gozo; Ssujeio; Norma-total; Restos subjetivveis; Jogo estu-dioso. &

    Resum

    Cet essai a lintention dlucider les relations, parfois tnues et imperceptibles,qui lient le sujet et le droit, et, contemporainement, envisage de comprendre cesliens comme une relation avec lirrapportable. Cest--dire, le droit actuel, dansltat dexception, et dans la topographie du camp, favorise la perte du sujet.Les modes de fonctionnement et les mcanismes da-sujetion contemporainessont, prcisment, ces qui constituent le ntre objet : chercher identifier lesmoyens par lesquels les limites sont toujours dplacs, en faisant la lgalit deperdre le sens, et le sujet, fabriqu comme a-sujet, tre livr son propre aban-don. En suite, une relecture de la catgorie de la vie nue selon Agamben a etfaite, en essayant d y identifier le statut du objet que les sujets accdent par lajouissance. Encore, on trace la continuit entre un modle orgiastique-policierFoucaultian, modle dinclusion, jusqu un modle dinclusion-exclusive :ltat dexception agambenian, qui ne se passe pas du normal et du discipli-naire, mais rduit lhomme ses soutiens animaux, biologiques, en lui faisantla prescription pour ladhsion la jouissance, disciplinaire et normalisatrice,de mme faon que la virtuelle impossibilit de souci de leurs puissances dtresujet. Enfin, en analysant le jeu tudieuse selon Agamben, nous attendons,l, une proposition profanatrice, subjectife, par lintermise de la pense : unmoyen de sortir du camp, de rencontrer la puissance cratrice pour le nouveau

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    3/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 3

    dans le droit.

    Mots-cl : Le sujet ; Le contemporain ; La nue vie ; Le mme ; La norme ;La discipline ; La jouissance ; La sujetion ; La norme-total ; Les puissancesdtre sujet ; Le jeu tudieuse. &

    No cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas.(Gilles Deleuze, In: Post-scriptum sobre as sociedades de controle).

    1 IntroduoEm um tempo em que no h espaos para alm do mesmo que nos ocupa defora a dentro, pensar nunca foi to anti-arendtiano. Sustentar-se no vazio j noconstitui possibilidade em um mundo em que todo o possvel obturou-se nosdesgnios totalitrios do mesmo, que se reproduz e mascara de modo cada diamais avassalador e letal. Se ainda existe um lugar no qual possvel capturara sombra do humano, esse lugar o espao que devemos abrir ao pensamento,e devemos faz-lo desde a subjetividade.

    O direito, em uma apreenso contempornea, e a partir de Giorgio Agam-ben, constitui um lugar paradoxal, que se relaciona com o sujeito apenas namedida em que o entrega a seu prprio bando; promove sua perda por interm-dio de sua reduo a um corpo biolgico que, porque vive como mero factum,pode ser, paradoxalmente, assassinado ou obrigado a viver, disciplinado e sub-metido ao gozo. De um direito baseado em normas disciplinadoras, e em suavigncia sem significado, ou de um direito fundado em decises que nada maisconstituem seno, soberanamente, o poder de vida e morte a desabar com o cuvazio que nos encima, o sujeito foi reduzido massa do mesmo, e vaga imersonum magma de informaes, comunicaes, tutelas, censuras, cdigos e gozosdisciplinadores que lhe so autorizados pelo mesmo direito que lhe usurpa edestitui.

    O mecanismo do estado de exceo, descrito por Agamben, adere per-

    feitamente a isso que tentaremos designar por mecnica de normalizao domesmo;1 com isso, queremos significar no apenas o mesmo tornado norma,

    1 Normalizao do mesmo, ou o mesmo tornado normal, possui uma referncia quilo quese torna regra. Nesse sentido, a definio de Michel Foucault nos aproveita para, desde logo,fixarmos seu conceito: (...) a norma no se define absolutamente como uma lei natural, maspelo papel de exigncia e de coero que ela capaz de exercer em relao aos domnios aosquais se aplica. Por conseguinte, a norma portadora de uma pretenso ao poder. A norma no simplesmente um princpio, no nem mesmo um princpio de inteligibilidade; um elementoa partir do qual certo exerccio do poltico se acha fundado e legitimado. [...]. (...) a norma traz

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    4/26

    4 Murilo Duarte Costa Corra

    mas a norma do mesmo tornada total. Ao toque da mquina letal agambeni-ana, em que vem transformar-se o Estado, dito de direito, conjugado gener-alizada apatia social, o mesmo normalizado e tornado total funciona no comoum dente da engrenagem, mas dela participa como o fludo que faz operar amecnica abjeta de sua dentio.

    Antes de passarmos a falar sobre o que consideramos mesmo, devemosafirmar que a mquina letal agambeniana no trabalha por si, solitria: persisteum substrato sobre o qual funciona e se instala. Essa afirmao torna impre-scindvel que descrevamos os modos pelos quais o mesmo tornado norma-totalazeita, lubrifica e faz funcionar as engrenagens do estado de exceo agam-

    beniano. Trata-se, pois, de buscar oferecer uma resposta questo como odireito enoda-se no sujeito?, e de que maneira o Estado torna-se, pelo dire-ito contemporneo, e para alm dele, uma mquina de produzir cadveres emortos-viventes total e totalitariamente sujeitados?. Acima de tudo, trata-sede responder onde haver potncia, em um mundo em que as virtualidades2

    que constituem a vida humana foram achatadas pelo totalitarismo do atual?.De todo modo, convm iniciarmos pelo problema que primeiro se-nos apre-senta: o estado de exceo.

    2 Do que define o espao total: o estado de exceo

    Toda poltica que conhecemos, no Ocidente, afirma Agamben, resta por de-

    consigo ao mesmo tempo um princpio de desqualificao e um princpio de correo. A normano tem por funo excluir, rejeitar. Ao contrrio, ela est sempre ligada a uma tcnica positivade interveno e de transformao, a uma espcie de poder normativo. FOUCAULT, Michel.Os anormais. Curso dado no Collge de France (1974-1975). Traduo de Eduardo Brando.So Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 62.

    2 Falaremos de um virtual achatado pela pura atualidade segundo a qual tomada a vidanua no espao do campo. Para evitarmos impropriedades conceituais e confuses com umcerto uso vulgar, inexpressivo e, infelizmente, corrente da palavra virtual, termos presente oseguinte: sabemos que, para Deleuze, o virtual real, porquanto carregue, ou refira-se, no planode imanncia, a uma certa quantidade virtual. Aqui encontramos o princpio de sua pregnn-cia. Mesmo etimologicamente, virtual deriva de virtu, que no por acaso, significa fora,

    potncia. Por isso, tambm, a potncia (de no) encontrar-se-ia no lugar do virtual. EscreveDeleuze que o virtual, como virtual, possui uma plena realidade; isso significa que o virtualdetermina-se como um ser completo, mas no inteiro, sendo uma espcie de consistncia darealidade. Nesse sentido, o virtual no se ope ao real, mas ao atual, no qual ir traduzir-se, se-gundo linhas divergentes, por meio de um processo de atualizao. Sobre o virtual, recomenda-se consultar DELEUZE, Gilles. Diferena e repetio, p. 294-311; tambm, DELEUZE, Gilles;PARNET, Claire. Dilogos. Traduo de Elosa Arajo Ribeiro. So Paulo: Escuta, 1998, p.171-179. Sobre a potncia (de no), em Agamben, o belo AGAMBEN, Giorgio. La potenza delpensiero. In: La potenza del pensiero. Saggi e conferenze, p. 274-287.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    5/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 5

    saguar em biopoltica; desde o momento em que os gregos, ao fundarem apolis, incluem na ordem jurdica a vida nua, mas unicamente sob a forma desua excluso, passa, a vida, a ser alvo de uma exceptio. A vida nua, zoe, foi, porAristteles,3 conceitualmente separada da vida humana: bios politikos. Assim,os fundadores da primeira cidade ocidental excluam dela a vida nua, animal,para atingirem, por meio da poltica, a boa vida, a vida humana no mera-mente a vida, mas a vida humanamente predicada: trata-se de uma forma devida cujo humano recortado sobre o fundo da vida animal que lhe sustentabiologicamente; essa parcela da vida, diz Agamben, era includa na polticaunicamente sob a forma de sua excluso, e isso o que designa a exceptio,

    a relao de exceo, de algo que se encontra includo mediante sua prpriaexcluso.

    A partir da leitura entrecruzada de Walter Benjamin e Aristteles, Agam-ben consegue identificar naquela excluso-inclusiva da vida nua no apenasa constituio biolgica de toda a tradio poltica trao em que Agambenprocede a uma releitura das teses de Michel Foucault ,4 mas consegue enx-ergar na topografia da excluso-inclusiva dois elementos fundamentais suafilosofia poltica: o paradoxo da soberania e a viso de uma figura jurdicaromana simtrica do soberano a figura do homo sacer.

    Desde a leitura de Carl Schmitt, resta claro para Agamben que o soberano aquele que decide sobre o estado de exceo; vale dizer: pessoa que se pe

    acima da lei comum dos homens para instaurar o regime em que a lei, emboravigente, no possui aplicao aplica-se em consonncia com seu prpriobando: aplica-se desaplicando-se; em outras palavras: soberano aquele quedecide sobre o estado de exceo, consistente na suspenso da ordem jurdica.5

    Agamben adverte, ademais, que no se trata de invalidar a lei, mas deaplic-la desaplicando-a, de suspender sua aplicao conservando-a vigente.Assim, a posio topolgica do soberano crivada por um paradoxo: ao dec-retar o estado de exceo, o soberano estaria aqum ou alm da lei? Agambenresponde afirmando que o estado de exceo no permite distinguir dentro e

    3 AGAMBEN, Giorgio. LAperto: luomo e lanimale. Torino: Bollati Boringhieri, 2002,p. 21.

    4 Principalmente, embora no cite textualmente, de FOUCAULT, Michel. Em defesa dasociedade. Curso dado no Collge de France (1975-1976) e dos seminrios e textos que seseguiram.

    5 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 23. A exceono implica, como veremos adiante, uma invalidao pura e simples do direito, mas conduz aperceber que a ordem jurdica suspensa, como um vu, para que o soberano aja em pura fora;Agamben afirmar, pois, a mecnica do estado de exceo por intermdio de duas relaes entredireito e vida: a pura fora-de-lei (leia-se: sem-lei) e a lei que vige sem se aplicar, sem foraalguma mera pea ornamental.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    6/26

    6 Murilo Duarte Costa Corra

    fora, aqum e alm da lei, pois direito e vida, lei e fato, restam por confundir-seem uma zona de total indiscernibilidade.6

    O homo sacer, por sua vez, seria aquele que, por haver sido banido da co-munho de vida com os demais homens, no poderia ser sacrificado segundoas formas sancionadas do rito,7 mas poderia ser morto por qualquer membroda comunidade sem que isso significasse o homicdio. Eis a figura do homemsagrado, marcado por uma relao de abandono morte violenta, pois con-stitua unicamente vida nua. Dito de outro modo, a vida nua do homo sacerencontra-se, a exemplo dele, includa no ordenamento unicamente sob a formade sua impunvel matabilidade, sob a forma de sua excluso: eis o que Agam-

    ben conceitua como relao de exceo.8Note-se que tanto a figura do soberano que decide sobre o estado de

    exceo como a do homo sacer includo no ordenamento unicamente soba forma de sua excluso , restam por reconduzir o problema s relaes entredireito e vida, de um direito que, no estado de exceo, encontra seu ponto defuso e indistino em relao vida.

    No impossvel notar que o homo sacer e o soberano so figuras queguardam, entre si, assustadora simetria: o soberano, que decidindo sobre o es-tado de exceo, decide sobre a vida e morte dos demais, age, para com todosos outros, como se todos fossem homines sacri vidas nuas, cuja matabilidadeno constitui homicdio; homo sacer, por sua vez, aquele perante cuja vida

    todo homem age como soberano, isto , decidindo sobre sua vida e morte. H,aqui, a primeira delimitao do espao poltico em sentido prprio; a sacral-idade, para Agamben, corresponde forma originria de implicao da vidanua na ordem poltico-jurdica, e o sintagma homo sacernomeia algo como arelao poltica originria, ou seja, a vida enquanto, na excluso-inclusiva,serve como referente deciso soberana.9

    A deciso possibilita que a abertura essencial do direito seja entrevista: asoberania, como deciso entre vida e morte, ordem jurdica e exceo, exerce-se sob a forma de uma deciso no por coincidncia ou acaso, mas porqueconserva, em sua estrutura, a relao poltica originria entre direito e vida,entre a norma e a singularidade do que pertence aos domnios do fctico.

    O estado de exceo constitui, pois, uma zona topogrfica em que direitoe vida, em ntima relao, tornaram-se impassveis de distino;10 espao emque essa relao posta a nu, e possibilitada pela suspenso da aplicao da

    6 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 34.7 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 79.8 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 26.9 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 92.

    10 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 43.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    7/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 7

    ordem jurdica, que, no obstante isso, continua a viger.Isso apresenta duas passagens por intermdio das quais o estado de exceo

    concretiza-se como paradigma de governo segundo o qual a exceo, desde aleitura agambeniana de Benjamin,11 torna-se, vez por todas, regra: pura fora-de-lei que Agamben escreve com sobretachado, pois pura fora-de-lei-sem-lei, j que a ordem jurdica foi suspensa pela deciso soberana e a puraforma de lei vige sem significar, sem ter aplicao, sem enforceability,12 poissua aplicao foi suspensa pela deciso soberana.

    Desse modo, o estado de exceo pode ser caracterizado por uma zona deindistino entre direito e vida, em que o que vige no se aplica despido de

    fora e o que se aplica no vige pura fora da qual toda lei foi banida.No estado de exceo, persiste uma topografia singular: a do campo de

    concentrao espao que permanece estvel para alm de qualquer relaopara com o direito: o lugar em que toda vida nua e matvel, porque inu-mana.13 Evidencia-se, pois, a ambivalncia do campo como espao de ex-ceo: poro de territrio posta para fora, mas que no exatamente externa includa na medida de sua prpria excluso, no sentido derivado do timoex-capere, ou capturado fora.

    Agamben afirma que o campo inaugura um novo paradigma jurdico-poltico,e o faz a partir da indiscernibilidade da exceo; indiscernveis, igualmente, asquestes de fato e as de direito. O campo esse hbrido de direito e fato in-

    discernveis, para Agamben, que faz perder o sentido da legalidade. Com seushabitantes despojados de direitos e reduzidos vida nua, o campo o espaoprivilegiado da biopoltica, fazendo-nos confundir homo sacere cidado.

    No impossvel perceber que a deciso contm o espao do j-aberto quecaracteriza o estado de exceo, ou a porta da lei kafkiana que, como escreveAgamben, justamente por estar j-aberta que imobiliza: momento em que alei nada prescreve.14

    Eis a explicao que a leitura de Agamben pode fornecer sobre o dire-ito contemporneo: o decisionismo brasileiro implanta a exceo como regra,transforma a ordem jurdica em pura forma de lei, que vige sem significar, semnada prescrever, e converte a deciso naquilo que, no sendo lei, tem fora-de-

    lei. Consolida-se, pelo modelo em que o direito confundido com a singulari-dade da deciso, um direito ps-democrtico em que a enunciao legiferante

    11 BENJAMIN, Walter. uvres. Tome III. Traduo de Maurice de Gandillac et al. Paris:Folio Essais, 2000, p. 433.

    12 DERRIDA, Jacques. Fora de lei. O fundamento mstico da autoridade, p. 07.13 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 175.14 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 59.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    8/26

    8 Murilo Duarte Costa Corra

    no passa de funo vazia,15 e em que o campo de concentrao deve estar jem todos os lugares e nos envolver a todos.

    Como escreve Agamben: Se hoje no existe mais uma figura predeter-minvel do homem sacro, , talvez, porque somos todos virtualmente hominessacri.16 A condio biopoltica contempornea a de que nos tornamos vir-tualmente matveis; vagamos pelo campo de concentrao, que , j, todo oespao possvel, uma vez que o estado de exceo implantado funciona comoo dispositivo que torna eficaz a fictcia relao entre direito e vida.

    3 Mquina letal: O que flui entre as engrenagensEsclarecido o funcionamento do estado de exceo que Agamben v, tornadoregra, transformar-se em mquina letal,17 encontramo-nos preparados para re-sponder pergunta o que flui entre as engrenagens, o que unta as peas e lhesatribui funcionamento?. Agamben demonstra que a exceo tornada regra fazcom que o sujeito converta-se em homo sacer, em corpo vivo marcado por suamatabilidade e insacrificabilidade. H, pois, uma dimenso da subjetividadeque participa do projeto de exceo, e goza do espao do campo. impos-svel pensar o funcionamento dessa mquina letal sem pensar que espcie devida se oferece a ela. Certamente, subsiste um ponto de referncia humanana vida nua descrita por Agamben ainda que nua, no pode ser meramenteanimal, pois a mquina no , pura e simplesmente, satisfeita com a entrega deuma vida apenas animal, mas, o que a faz operar uma estratgia de extinodo humano a partir do animal.

    Isso nos conduz a pensar que por homo sacer no podemos entender umavida vazia de todo o humano, de todo sujeito, mas um modo subjetivo segundoo qual a vida humana reduzida e mensurada fazendo deslocar o referencial dohumano e da subjetividade para a nuda vita; em outras palavras, a vida humana constituda apenas ao preo de ser separada da animalidade que arrima toda a

    15 LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Ensaio para uma psicanaltica do social.Traduo de Sandra Regina Filgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004, p. 77. Se-

    gundo Lebrun, o nazismo surgiu a partir da justificao do racismo pela objetividade e validadedo discurso cientfico; e Hitler teria aproveitado, justamente, o vazio aberto pela cincia entreenunciado e enunciao. Assim, evidencia-se o vnculo entre o campo de concentrao e aseparao entre enunciado e enunciao, que, ademais, faz do lugar da enunciao uma funovazia.

    16 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 121.17 (...) quando o estado de exceo, a que eles se ligam e indeterminam torna-se a regra,

    ento o sistema jurdico-poltico transforma-se em uma mquina letal. AGAMBEN, Giorgio.Estado de exceo. (Homo sacer II, 1), p. 131.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    9/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 9

    possibilidade do humano, na tentativa de fazer restar ao humano,18 entendidocomo virtualidade que se move entre o atual, apenas a sua prpria atualidade.Assim, o estado de exceo, ao alimentar-se dessa atualidade orgnica queoferece suporte ao ser, disciplina o sujeito que faz restar no espao do campo,prescrevendo a impossibilidade de todo recorte do humano sobre o fundo desua existncia animal (que no pode ser seno atual, por definio) seu serque, na virtualidade, no pode no ser mesmo, e na atualidade no pode seroutro.

    Para alm das teses de Foucault, segundo as quais possvel distinguirmuito rigorosamente os conceitos de disciplina, que aplicada aos corpos e

    fabrica indivduos dceis e teis, e de norma que regulamenta, desde o Es-tado, o vivente o que vemos, contemporaneamente, e que justifica uma uti-lizao entrecruzada das categorias de disciplina e de norma, e, ademais, pos-sibilita explicarmos o porqu de falarmos em um mesmo que se torna normalao toque de uma espcie de gozo disciplinar, justamente a indistino queGiorgio Agamben verifica entre direito e vida.19 Isso no quer, em absoluto,dizer que no persista norma, nem que mecanismos e aparatos disciplinares

    18 AGAMBEN, Giorgio. Laperto: luomo e lanimale, p. 23-24 , ainda, Idem, p. 42-43.19 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I, p. 34. Ade-

    mais, Agamben parece perceber esse entrecruzamento ao escrever: (...) para Foucault, osdois poderes que, no corpo do ditador parecem confundir-se por um instante, continuam sendo

    essencialmente heterogneos, e a sua distino traduz-se em uma srie de oposies conceituais(corpo individual / populao, disciplina / mecanismos de regulao, homem-corpo / homem-espcie) que, no incio da modernidade, definem a passagem de um sistema a outro. Claro queFoucault se d perfeitamente conta de que os dois poderes e as suas tcnicas podem, em deter-minados casos, integrarem-se mutuamente; mas eles, no entanto, continuam sendo conceitual-mente diferentes. AGAMBEN, Giorgio. O que resta de auschwitz. O arquivo e a testemunha.(Homo sacer III), p. 89. A propsito, Foucault notar em Segurana, Territrio, Populao quetanto o sistema legal quanto o moderno, disciplinar, apresentam j algumas notas do que viria aser o sistema de segurana contemporneo. O primeiro, quando pune pequenos furtos doms-ticos com a morte, o faz com relao a um elemento probalstico de tal furto. Na mecnicadisciplinar, quando se corrige um criminoso, apenas se-o faz a fim de evitar sua periculosidade,a possibilidade de sua reincidncia. Tais exemplos demonstram a antigidade dos mecanis-mos de segurana. Ademais, diz Foucault que se tomarmos os mecanismos de segurana taiscomo se tenta desenvolv-los na poca contempornea, absolutamente evidente que isso no

    constitui de maneira nenhuma uma colocao entre parnteses ou uma anulao das estruturasjurdico-legais ou dos mecanismos disciplinares. FOUCAULT, Michel. Segurana, territrio,populao. Curso dado no Collge de France (1977-1978). Traduo de Eduardo Brando.So Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 10. Tal uma das passagens da obra foucaultiana em queo entrecruzamento entre o poder disciplinar e o biopoder d-se de forma quase transparente.O biopoder no proscreve o disciplinar ou o normal, mas pode significar uma transformao euma reativao de suas tcnicas, possibilitando entrever no biopoder elementos que remontamao disciplinar, e no disciplinar, elementos que antecipam historicamente a constituio de umpoder que faz vivere deixa morrer.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    10/26

    10 Murilo Duarte Costa Corra

    hajam desaparecido, mas deve indicar uma nova forma operativa dos poderes;isso porque parece claro que, em suas relaes com a vida, nunca a norma, onormal, foi to eficaz, to maquinal.

    O tempo presente nos devota uma configurao de poder ou de biopoder,como gostariam Foucault e Agamben que atinge, em nosso entender, seuponto de dissoluo e saturao, mas apenas depois de ter logrado aplicar-sesobre os corpos, como disciplina, e sobre o homem, como espcie, na condiode norma que consegue, como Foucault bem explicita, tocar aquilo que a disci-plina, como arte das distribuies, deixara intocado: o detalhe.20 No desen-volvimento de todo esse exerccio normal de abjeta sutileza, o poder consegue,

    por baixo, e cotidianamente, fabricar no mais apenas o indivduo, dcil e til,nem, tampouco, a populao como corpo biolgico da nao, mas, propria-mente, o sujeitado: til em sua docilidade fabricada, normal sua espcie,que a mesma de todos ns: o inumano, exposto morte desde a sua parcelaanimal, capturado e inacessvel o seu resto subjetivvel, que a potncia daforma-de-vida agambeniana no animal-homem.21 Precisamente da indistinotecida entre disciplina e normalizao, surgem, como estratgias globais que seaplicam sobre os sujeitos do campo, os processos contemporneos de sujeio:estratgias positivas, fabris, que modalizam os sujeitados como exrcitos demortos-viventes, de sobreviventes a que Agamben, a propsito de Auschwitz,referira como participantes do paradoxo do intestemunhvel.22

    De todo modo, mesmo Foucault reconhece que, em um certo momentoda histria, disciplina e regulao entrecruzam-se; mesmo porque, por poderaplicar-se ao corpo e populao indistintamente, a norma que circula entre oregulamento e a disciplina.23 O tempo em que se torna eficaz esse entrecruza-mento, segundo Foucault, precisamente o do surgimento do biopoder, queregula o como da vida de um povo; um poder que, regulando as formas devida, faz viver e deixa morrer.24 Assim, o atingimento do ponto de fuso e desaturao entre disciplina e norma caracterstico do mesmo tornado normalcotidiano; afeta os aspectos mais interiores da subjetividade e forja o sujeito

    20 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso dado no Collge de France. (1975-1976), p. 298.

    21 AGAMBEN, Giorgio. Mezzi senza fine. Note sulla politica. Torino: Bollati Boringhieri,1996, p. 18.

    22 AGAMBEN, Giorgio. O que resta de auschwitz. O arquivo e a testemunha. (Homo sacerIII).

    23 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso dado no Collge de France. (1975-1976), p. 302.

    24 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso dado no Collge de France. (1975-1976), p. 295-296. A isso, Agamben, a propsito da biopoltica, afirmou ser o dar forma vida de um povo.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    11/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 11

    do campo.25 Trata-se, pois, de normalizar os sujeitos para disciplinar suasparcelas subjetivveis.

    Porm, qual o standard do sujeitado que vive sobre e sobre-vive a oespao do campo, embora a todo momento lhe paire o fio da lmina sobre anuca? Isso o que permite responder com mais preciso em que medida pos-svel falar em disciplina dentro do estado de exceo, de um estado de exceoque no apenas suspende a lei, mas institui, a partir dessa suspenso, novas, emais sutis, formas de normalizao dos sujeitos. Agamben no anuncia isso demaneira expressa, mas, evidentemente, admite uma tal possibilidade ao referir-se ao novo direito de Foucault: anti-disciplinar e livre de toda relao com a

    soberania, escreve Agamben.26A exceo, em Agamben, articula-se e sustenta-se sobre um duplo disposi-

    tivo que a torna mvel, maquinal: a pura fora-de-lei, que constitui a violnciasoberana, e a lei que vige sem significar, sem fora para prescrever qualquercoisa, a fora-de-lei. Nesse sentido, a disciplina de que falamos pode sustentar-se nessa dupla mecnica da exceo descrita por Agamben, e pode prescrevercom fora total, suficiente para sujeitar o humano e obturar toda potncia.

    Contemporaneamente, entretanto, a exceo produz mecanismos normal-izadores cada vez mais sutis para servir produo normal domesmo sujeitado. a esses mecanismos que devemos passar em revista, pois embora, na maiorparte dos casos, no liquidem a vida animal que sustenta a possibilidade do

    humano, liquidam o humano como possibilidade de ser mais que a pura atual-idade em que a exceo o traduz.

    4 A totalizao da normalidade do mesmo e a sujeioBiopoltica

    No basta afirmar vivemos sob o estado de exceo; torna-se cada vez mais

    25 Ademais, a respeito das anlises de Foucault sobre a disciplina e a sociedade de normal-izao, recomenda-se a consulta a FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da priso.29. ed. Petrpolis: Vozes, 2004, p. 117-192; bem assim, a FOUCAULT, Michel. Em defesa da

    sociedade. Curso dado no Collge de France (1975-1976) .26 E creio que nos encontramos em um ponto de estrangulamento: no recorrendo soberania contra a disciplina que poderemos limitar os prprios efeitos do poder disciplinar.De fato, soberania e disciplina, legislao, direito da soberania e mecnicas disciplinares soduas peas absolutamente constitutivas dos mecanismos gerais de poder em nossa sociedade.No na direo do antigo direito de soberania que se deveria ir; seria antes na direo de umdireito novo, que seria antidisciplinar, mas que estaria ao mesmo tempo liberto do princpio dasoberania. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso dado no Collge de France(1975-1976), p. 47.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    12/26

    12 Murilo Duarte Costa Corra

    premente dizer que modelo de sujeitado esse paradigma de governo e de con-duo da vida produz. A pergunta que devemos nos colocar nesse ponto, eque deve constituir o sentido da busca por uma tentativa dessa descrio demonstrado que no campo subsiste no um sujeito, mas um modo subjetivodisciplinado para reduzir o homem ao referencial de sua pura atualidade quais dispositivos de sujeio operam no campo? e, tambm, quais seusmodos operativos?.

    Contemporaneamente, seguem-se leituras, que, a exemplo de Charles Mel-man, tentam traar as linhas gerais de um cmbio de paradigma social: teramos,como afirma o psicanalista, sido inseridos em uma Nova Economia Psquica,

    na qual o gozo prepondera sobre toda possibilidade de Lei e de prazer, e conduza sociedade em direo a um paradigma perverso, abrindo uma bscula paraa psicose social.27 J no existiria espao para o interdito, para a linguagem,que importa perda, ou para as trocas entre sujeitos.

    Sua crtica, partindo de uma anlise lacaniana do social, no postula avolta do patriarcalismo e do cajado, nem a celebrao de um mundo em queo referencial do possvel-impossvel cada vez mais arrastado e tragado pelaprescrio da desmesura do gozo; o que Melman procura interpretar comodecai o Pai e o interdito nas sociedades contemporneas, e em que sentido essadecadncia da funo do Pai produz sujeitos que, por poderem tudo, perdem oregistro do Real e podem um cada vez menos mais e mais coincidente com

    o nada-poder.No nos interessa entrar na metdica psicanaltica pela qual isso se opera,

    mas as descries clnicas de Melman so substanciais, e nos aproveitam parapensar como o sujeito dessa radical impotncia-inconsciente que Melman ver-ifica, como Arendt j verificara outrora,28 produzido no campo que o estadode exceo lhe faz habitar. Suas verificaes clnicas auxiliam-nos a entender,para alm das explicaes psicanalticas que vinculam um paradigma da per-verso a uma Nova Economia Psquica, como se d aquilo a que denominamospor produo de sujeitados no campo que espcie de processo de sujeio esse,29 e de que modo opera como redutor das possibilidades subjetivas dos

    27 MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preo. Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun. Traduo de Sandra Regina Filgueiras. Rio de Janeiro: Companhia eFreud, 2003.

    28 Cf. a descrio de Eichmann em ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalm: um relatosobre a banalidade do mal. So Paulo: Diagrama & Texto, 1983.

    29 Por sujeio podem-se entender dois processos que, a nosso ver, encontram-se articulados:de um lado, a produo normal de um esvaziamento da potncia subjetiva que postula a reduodas possibilidades de formas de vida forma de vida atual; de outro, os modos disciplinarespelos quais isso ocorre. Se nos permitida alguma remisso psicanlise a partir de Melman,o perverso o que se utiliza da Lei para gozar, mas no a reconhece subjetivamente. O que

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    13/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 13

    homens.O campo no existe sem sujeitos que, reduzidos sua mais pura atualidade

    orgnica e subjetiva, alimentem e lubrifiquem as engrenagens do estado deexceo. Mquina letal designa no uma mera forma ou produto final de seufuncionamento, mas um modo operativo: ou seja, enuncia que a letalidade damquina no se confunde com para que ela serve, mas indica o substrato apartir de que ela posta a funcionar, e sobre o qual opera. E a mquina letal deAgamben dessa natureza: funciona devorando o animal que h no humano,e disciplinando o recorte do possvel humano sobre todo o suporte animal. Huma coextenso, que Agamben bem percebe, entre mquina letal e macchina

    antopologica.O que Melman denomina por paradigma do perverso, cuja descrio de-

    monstra-se, em seus efeitos, muito atual, parece no tratar apenas do sujeitoque deixa de ter, em si, inscrita a Lei, mas atinge, a nosso ver, o que chamamospor sujeitado: o indivduo no perde, pura e simplesmente, a dimenso da Lei,cuja inscrio lhe fora subtrada, mas dessubjetivado ao sujeitar-se ao artefatodo normal, do disciplinar que agora se faz habitar pelo gozo.30 Isso nos faz ver

    dizemos que, contemporaneamente, no mbito do sujeito, a Lei perde lugar para uma novaespcie de norma disciplinar, que tornada total, que institui e prescreve o gozo.

    30 Segundo Melman, acerca do sentido de gozo: a palavra pode ser utilizada para designaro prprio funcionamento do sujeito enquanto aquele que repete infatigavelmente tal ou qual

    comportamento sem de modo nenhum saber o que o obriga a assim permanecer como um rio no leito desse gozo. MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preo.Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun, p. 204. O que especificaria o humano, para a psicanliselacaiana, que serve de quadro terico a Melman, seria o desejar baseado em uma falta intro-duzida com as leis da linguagem, as quais franqueiam acesso ao registro do Real. O gozo seriaesse momento em que o sujeito no mais deseja. O gozo prescreve uma imobilidade do ser da a repetio a que Melman se refere: permanecer como um rio no leito desse gozo: fruir edeixar fluir. Ao mesmo tempo, e para alm da psicanlise, gozo, aqui, designa estratgiasprprias do campo capazes de produzir certos traos do funcionamento do sujeitado: a imobil-idade faz no desejar; se no desejo, o sujeito que sou permanece idntico a si mesmo, comoobjeto de uma repetio nua, que no se move de si. O gozo , ainda, uma figura do atual tor-nado total que obtura as virtualidades da vida, e que tende a introduzir no real o impossvel, pormeio da proscrio do virtual, da potncia de no agambeniana; essa radical atualizao que in-cide sobre o sujeitado no constitui uma pura imanncia, mas tende a fabricar um sujeito como

    mera atualidade. Sem potncia, no h desejar apenas conservao e imobilidade despoten-ciada. Assim, aqui, o gozo ou o desejo devem ser postos em relao com certas estratgiasque operam forjando o gro do sujeito, colocando-se, pois, a nosso ver, em um domnio rig-orosamente reservado da psicanlise. Muito da metdica psicanaltica, em nosso entendimento,impossibilita notarmos de que modo o gozo colocado como estratgia disciplinar das parcelassubjetivveis. Quem mais se aproxima de uma descrio como essa, embora calcado em umaleitura filosfica da psicanlise, Dufour, ao mencionar a dessimbolizao como estratgia dedominao contempornea; por isso, nossa remisso a seu interessante texto. Isso, contudo, nopode ser identificado com o que chamamos por gozo disciplinar, nem por totalizao do mesmo

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    14/26

    14 Murilo Duarte Costa Corra

    surgir, no gozo, muito mais que um efeito ou resultado perverso que decorre daassuno da Nova Economia Psquica descrita por Melman, mas, sim, a maisnova forma, sutil e devoradora, de disciplina contempornea que se exercesobre os sujeitos que habitam o campo e untam as engrenagens da mquinaletal agambeniana.

    Tenhamos presente que a desinscrio da Lei no sujeito e o esvaziamentoda funo do Pai, segundo Melman, desaguaria, junto totalizao do capital-ismo no mundo, naquilo que o psicanalista denominara por Nova EconomiaPsquica, qual, em ltima anlise, estaramos todos submetidos. O que ten-cionamos, para descrever os processos de sujeio e os produtos desses proces-

    sos os sujeitados , utilizar as descries clnicas de Charles Melman, nomais para entrev-las como um efeito dessa nova economia, mas para deslocaro gozo perverso do efeito para a causa da dessubjetivao. Em outras palavras,no nos parece que o gozo perverso surge como um efeito da desinscrio daLei nos sujeitos, mas adquire a feio de uma estratgia de dessubjetivao;isto , a satisfao do gozo como uma forma de disciplina do subjetivvel que permite, de um lado, a reduo do homem forma de sua vida atual esatisfeita uma certa forma de produzir no sujeito um estatuto de objeto ,e, de outro, prescreve, no espao total do campo, sua atual inacessibilidade parcela subjetivvel que poderia restar ao sujeito. Diante disso, procederemos,mais adiante, a uma releitura da categoria de vida nua, de Agamben, buscando

    demonstrar como opera esse gozo, como ele assume uma forma disciplinar.31J podemos adiantar que constituem formas de disciplina pelo gozo: o di-

    reito contemporneo, que passa a funcionar como um mecanismo de respostaincontida e necessria a toda demanda; o pharmacon, com o qual o sujeitobusca o bem-estar pela via de seu embotamento; as festas, nas quais Melman

    tornado normal, mas aponta, a partir da psicanlise, para um territrio ainda por ser explorado.Cf., a respeito, DUFOUR, Dany-Robert. A arte de reduzir as cabeas. Sobre a nova servidona sociedade ultraliberal. Traduo de Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhiade Freud, 2005.

    31 Agamben reconhecer, a propsito do masoquista, uma possibilidade de que a punio,a disciplina, coloque-se para o sujeito como fonte de prazer, e no como um princpio de cor-reo. Na vergonha, ele ver um sujeito que se torna incapaz de reconhecer-se como causa desua prpria dessubjetivao um desenvolvimento ulterior do que antecipara em Limmanenzaassoluta. Sobre o tema, AGAMBEN, Giorgio. O que resta de auschwitz. O arquivo e a teste-munha. (Homo sacer III), p. 113. Confira-se, ainda, AGAMBEN, Giorgio. Limmanenzaassoluta. In: La potenza del pensiero. Saggi e conferenze. Vicenza: Neri Pozza Editore, 2005,p. 402-404. Permitimo-nos, nesse particular, ainda fiis proposio de Agamben, reconhecerna indeterminao entre disciplina e norma o apagamento das intensidades que permitem difer-enciar dor e prazer. Essa , tambm, uma das determinaes do que chamamos por gozo disci-plinar, ou de disciplinar o gro dos sujeitos pela implantao do gozo como modo privilegiadode funcionamento dos sujeitados.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    15/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 15

    verifica uma celebrao coletiva da morte; o amor como completude; a adiopor drogas muitas vezes prescritas por mdicos, outras vezes no, mas sem-pre tendentes a satisfazer o indivduo, a isol-lo do exterior e confin-lo nainterioridade imvel do mesmo ; o sexo digital e a hiper-sexualidade quenos demonstra ser aprazvel aos sujeitados toda forma de gozo decepcionante; etc.

    H um momento na histria em que o bem-estar que outrora constituiuum projeto poltico e uma poltica de Estado cooptado pela disciplina, enos permite gozar o bem-estar da imobilidade, da insensibilidade, e de todaimpossibilidade de dor e de prazer. a assuno subjetiva de um gozo disci-

    plinar que serve para liquidar as possibildiades de subjetivo. Portanto, nonos parece ser a Lei que, uma vez desinscrita, cede lugar ao gozo, como umefeito mecnico de um paradigma da perverso; o gozo disciplinar postadocomo estratgia de dessubjetivao que expulsa o que h de subjetivvel e,com ele, toda Lei e suas escrituras possveis. O fato de no conseguirmos,atualmente, distinguir com clareza os espaos de onde provm a prescriodo mais-gozar, apenas reitera que o gozo disciplinar passa a ocupar todos osespaos e converte-se em normal tornado total. O que Melman chama de ten-tativa de equalizar os gozos passa, a nosso ver, por um projeto do gozo comoforma de disciplina dos sujeitos.32

    Se, com Deleuze, nos for autorizado aproximarmo-nos mais dessa questo,

    devemos perceber que o filsofo francs j descrevia, partir de Foucault, a pas-sagem de uma sociedade baseada na disciplina, cuja principal tcnica consistiano confinamento, a um modelo social baseado num regime de controle, emque o que antes nos confinava j no nos fecha; pelo contrrio, Num regime decontrole nunca se termina nada,33 afirma Deleuze. Certamente, a, podemosver um pouco do que Agamben denominara por j-aberto.34

    Observarmos que aos poucos o que nos confinava j no nos confina, cer-tamente no representa o fim da disciplina, mas deve indicar um outro estatutode seu exerccio. Isso, que tentamos definir como a disciplina do sujeito pelogozo, pode ser interpretado como uma espcie de controle que j pode pre-scindir dos espaos de confinamento caractersticos dos sculos XVIII, XIX e

    XX: a famlia, a escola, a fbrica, a priso, o hospital. Demarca-se, contudo,32 MELMAN, Charles. O homem sem gravidade. Gozar a qualquer preo. Entrevistas por

    Jean-Pierre Lebrun, p. 111-112.33 DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: Conversaes

    (1972-1990). Traduo de Peter Pl Pelbart. So Paulo: Editora 34, 1992, p. 220.34 E Agamben, a partir de Derrida e Cacciari, e de suas leituras de Kafka, lembra-nos de que

    o j-aberto imobiliza. AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I,p. 57.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    16/26

    16 Murilo Duarte Costa Corra

    no o fim da disciplina, mas um exerccio mais sutil e mais privado dela: apossibilidade de, a nosso ver, disciplinar pelo gozo, significa confinar as vir-tualidades do sujeito na atualidade inescapvel do sujeitado, desde o aspectonunca findo do gozo que se prolonga e prescreve mais e mais do mesmo.35

    35 Michel Foucault deixa entrever, em Os anormais, ao comparar os modos de exerccio dedisciplina nos leprosrios, que ficavam fora das cidades, e nas quarentenas, que pretendiam con-trolar as pestes intra-muros nas cidades, um deslocamento do confinamento em espaos fecha-dos, e do controle segundo uma lgica de excluso, para a disciplina como um confinamentoem espaos abertos, ou do controle segundo uma lgica de incluso; ou seja, tendo por refer-encial as cidades, seriam modelos de excluso os leprosrios, e de incluso, os pestferos. Suadescrio assustadoramente parecida com a de Giorgio Agamben sobre o estado de exceo.

    Sobre a peste, discorre Foucault: Vocs sabem que existe toda uma literatura sobre a peste, que bastante interessante, na qual a peste passa por ser esse momento de grande confuso pnicaem que os indivduos, ameaados pela morte que transita entre eles, abandonam sua identidade,tiram a mscara, esquecem seu estatuto e entregam-se grande depravao das pessoas quesabem que vo morrer. H uma literatura da peste que uma literatura da decomposio daindividualidade; toda uma espcie de sonho orgistico da peste, em que a peste o momentoem que as individualidades se desfazem, em que a lei esquecida. O momento em que a pestese desencadeia o momento em que, na cidade, toda regularidade suspensa. A peste passapor cima da lei, assim como passa por cima dos corpos. esse, pelo menos, o sonho literrio dapeste. Mas vocs esto vendo que houve outro sonho da peste: um sonho poltico da peste, emque esta , ao contrrio, o momento maravilhoso em que o poder poltico se exerce plenamente.A peste o momento em que o policiamento de uma populao se faz at seu ponto extremo,em que nada das comunicaes perigosas, das comunidades confusas, dos contatos proibidos

    pode mais se produzir. O momento da peste o momento do policiamento exaustivo de umapopulao por um poder poltico, cujas ramificaes capilares atingem sem cessar o prpriogro dos indivduos, seu tempo, seu hbitat, seu corpo. A peste traz consigo, talvez, o sonholiterrio ou teatral do grande momento orgistico; a peste traz consigo tambm o sonho polticode um poder exaustivo, de um poder sem obstculos, de um poder inteiramente transparente aseu objeto, e um poder que se exerce plenamente. [...]. A peste substituiu a lepra como modelode controle poltico, e essa uma das grandes invenes do sculo XVIII, ou em todo casoda Idade Clssica e da monarquia administrativa. FOUCAULT, Michel. Os anormais. Cursodado no Collge de France (1974-1975), p. 58-59. O que podemos notar, com isso, e para almde Foucault, mas a partir dele, que o gozo disciplinar capaz de atingir uma interioridadeainda mais particular: no a inclusividade da cidade, mas, radicalmente, a interioridade do su-jeito. O gozo disciplinar encontra-se, porm, marcado por notas da peste descrita por Foucault:suspendendo toda regularidade, empurra ao orgistico como signo da realizao da imobilidadede todo gozo que dessubjetiva, mas, tambm, permite uma espcie de disciplina-total que, em

    Foucault, era a da populao circunscrita aos muros da cidade, e que, para ns, contemporanea-mente, o policiamento subjetivo desde a interioridade dos sujeitos. Assim, essa nova forma dedisciplina pelo gozo, cujas primeiras linhas buscamos descrever, parte do modelo do empestea-mento, cujo surgimento consagra, ao contrrio da lgica excludente dos leprosrios, a invenode tcnicas positivas de poder, segundo Foucault. FOUCAULT, Michel. Os anormais. Cursodado no Collge de France (1974-1975), p. 59. Essas tcnicas positivas de poder podem serdescritas como dispositivos do estado de exceo, indutores e produtores dos processos de su-jeio contemporneos. Assim, pode-se pensar o modelo poltico da peste como um elementoque realiza a passagem entre o modelo dos leprosrios (de excluso), e o do estado de exceo

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    17/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 17

    Assim, Deleuze nos fornece uma chave para compreender as sociedadescontemporneas: a disciplina pelo gozo uma forma par excellence de con-trole dos sujeitos; se podem ser controlados desde dentro, de suas interiori-dades, os espaos exteriores j no precisam, realmente, confin-los. Eis aarmadilha do gozo como o mais novo signo da grande liberdade contem-pornea liberdade de habitar o isolamento do interior dos lugares em quenos perdemos de nossas possibilidades de subjetivao para alm do mesmo.Assim, ao nos referirmos ao gozo disciplinar e disciplina por meio do gozo,no nos reportamos apenas ao gozo como tcnica de disciplina, mas, tambm,ao controle que se efetua a cu aberto, que possibilitado, precisamente, por

    seu uso disciplinar.36Diante disso, o que define a sujeio contempornea no apenas a for-

    cluso (Verwerfung) subjetiva da Lei, mas, sobretudo, sua substituio por umainscrio disciplinar que no mais se d no corpo do sujeito, mas, agora, no su-jeito do corpo, e que capaz de produzir o sujeitado: o gozo tornado norma, anormalizao do mesmo como uma espcie de controle poltico sobre a peste,como descrito por Michel Foucault.37 A aproximao entre os modos de cont-role aplicveis peste de Foucault e ao estado de exceo de Agamben ntida:o estado de exceo conserva, da peste, a ameaa de morte que transita entre osindivduos, que reduz suas possibilidades de vida; ao mesmo tempo, descreveum ponto de confluncia entre o campo agambeniano e o modelo poltico da

    peste, que possibilita o controle absoluto daqueles que o habitam. Ainda, areflexo que permite aproximar peste e estado de exceo lana luzes sobreo sujeitado que habita o campo, e os modos de sua constituio: possibilitaentrever um novo momento, em que o orgistico cooptado pelo disciplinar,em que o gozo vai servir no transgresso de qualquer lei, mas implantaode uma forma disciplinar que prescreve que os sujeitos acedam ao estatuto de

    descrito por Agamben (de excluso-inclusiva). Nesse sentido que podemos entrever, desdeseu efeito sobre os sujeitos, como o estado de exceo, e sua excluso-inclusiva, surge, nocomo uma ruptura significante, ou como um cmbio paradigmtico, mas como uma verdadeiracontinuidade, sob novas formas, evidentemente, da incluso procedida pelo modelo polticoda peste, e desde sua ambigidade orgia-controle disciplinar a que Foucault chama sonho

    literrio / sonho poltico da peste. Em suma, os processos contemporneos de sujeio operamuma excluso-inclusiva, como a descrita por Agamben, a propsito do sujeito. Ao aceder aogozo disciplinar, o sujeito includo unicamente por meio de sua excluso, assumindo um es-tatuto de objeto; eis o que nos parece apto a sustentar que o contemporneo, a que se nomeoups-modernidade, no rompe com a modernidade; , antes, uma forma de sua continuidade,mas sob fantasias menos tradicionais.

    36 Cf., a respeito, DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In:Conversaes (1972-1990), p. 219-226.

    37 Cf. FOUCAULT, Michel. Os anormais. Curso dado no Collge de France (1974-1975) ,p. 59.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    18/26

    18 Murilo Duarte Costa Corra

    objetos pelo gozo o que implica tornar inacessvel, aos sujeitos, no espaodo campo, todo virtual que constitui sua parcela subjetivvel.

    Concluamos, pois, que o gozo disciplinar, como estatuto do mesmo quese torna normal, e como figura de pura atualidade de uma forma de vida quetende a achatar o virtual das potncias da vida, institui uma forma normativado mesmo. O mesmo designa esse totalitarismo do campo ao qual o disciplina-mento e o controle, no do gozo, mas por meio de estratgias de subjetivao edessubjetivao que enfeixamos sob a denominao de gozo, lanam o sujeito,agora despido de possibilidades de vida, reduzido a um animal despotenciadoque deve se satisfazer com os objetos que encontra sua volta 38 goza com

    qualquer coisa que esteja mo, e no se importa com mais nada que no sejao continuum do mesmo que esse gozo faz encarnar.

    Relembrando Melman, se no paradigma do neurtico assistamos a umaespcie de disciplina dos prazeres a partir da dor e da perda que marcava a pos-sibilidade do prazer no corpo do sujeito, hoje, aparentemente, nada se perdeou falta, porque o gozo tudo supre ao surgir como a mais nova funo sub-jetiva do sujeitado na topologia do campo. O atual status gera um sujeito,como afirma Jean-Pierre Lebrun, absolutamente acfalo,39 ou, como predis-sera Nietzsche, um homem de rebanho, que participa de um mundo em que(...) tudo desce, descende, torna-se mais ralo, mais plcido, mais prudente,manso, indiferente, medocre (...).40

    O gozo convertido em dispositivo normalizador, isso a que chamamosde gozo disciplinar, constitui o que prescreve o novo padro de normalidade

    38 MELMAN, Charles. O homem sem gravidade. Gozar a qualquer preo. Entrevistas porJean-Pierre Lebrun, p. 31. Escreve Melman: A grande filosofia moral dos dias de hoje quecada ser humano deveria encontrar em seu meio com o que se satisfazer, plenamente. Assim,quando algum expressa uma reivindicao qualquer, est legitimamente no direito e, nafalta, a legislao rapidamente modificada de ver sua reivindicao satisfeita. Ver, ademais,a anlise de Agamben sobre a doutrina das necessidades como fonte primordial do direito emSanti Romano, Maurice Hauriou e Mortati. AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceo. (Homosacer II, 1), p. 37-39.

    39 LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Ensaio para uma psicanaltica do social,p. 53. Lebrun, ademais, lembra-nos de que a acefalia inicia-se no discurso cientfico que,

    pretendendo constituir uma novilngua na qual nada pode ser ambguo, aparta, desde Descartes,o enunciado de qualquer possibilidade de implicar o enunciador. Assim, estaramos votadosa repetir como acfalos os enunciados, sejam quais forem, sem que isso significasse qualquerresponsabilidade nossa por eles.

    40 Escreve Nietzsche: (...) esta viso cansa... Hoje nada vemos que queria tornar-se maior,pressentimos que tudo desce, descende, torna-se mais ralo, mas plcido, mais prudente, manso,indiferente, medocre, chins, cristo no h dvida de que o homem se torna cada vez mel-hor... NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da moral. Uma polmica. Traduo dePaulo Csar de Souza. So Paulo : Companhia das Letras, 1998, p. 35.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    19/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 19

    do sujeito produzido como sujeitado: perdido o sentido da dor, coloniza-setoda possibilidade de prazer que faa contraste ao totalitarismo do mesmo quese institui no gozo; ao mesmo tempo, subtrai-se do humano toda possibili-dade de ser homem, mulher, criana, idoso, hetero ou homossexual, normalou desviante: toda possibilidade, at mesmo de desvio, codificada nas so-ciedades de controle mesmo que seja sob a forma paradoxal de uma excluso-inclusiva; nesses quadros, o sujeitado inespecfico e, como inespecfico que ,compe a massa arregimentada pela nica censura eficazmente, e inconscien-temente, admissvel a do espetculo, aquela que Guy Dbord dizia consistirem fazer da nica possibilidade do verdadeiro um momento do falso.41 Nessa

    espetacular inverso, para a qual Guy Dbord aponta, consentimos em trocaros olhos pela televiso, os ouvidos pelos alto-falantes, e constituir toda pos-sibilidade de percepo segundo um cdigo-total, uma tela-total que j nonos permite pens-la, mas ela que nos pensa maquinalmente, como escreveraJean Baudrillard.42

    Esse mesmo normativo o que, intervindo no sujeito, produzindo-o emodalizando-o, prescreve uma manifestao total do mesmo: o mesmo subje-tivo isso a que convencionamos chamar de sujeio, como modo de produodos sujeitados que compem a massa.

    Se, como afirmara Agamben, a exceo um estado kenomatico, um vaziode direito43 preenchido pelo paradoxo soberano pela violncia da fora-

    de-lei, ou pela disciplina da norma expressa na lei que prescreve sem nadasignificar , o sujeito que habita o campo observa o paradoxo e constitui-seum vazio pleno e um pleno vazio: vazio de possibilidades de existncia, maspovoado, em cada poro, pelo mesmo tornado norma-total.

    H, pois, um influxo da exceptio sobre o sujeito, que faz produzir, nocampo, um modo especfico de dessubjetivao e um produto desse processo:o sujeitado, disciplinado pelo gozo e apartado das possibilidades da prpriavida. Trata-se do modo pelo qual a mquina letal constitui o sujeito como flu-ido que lhe atravessa e faz movimentar. O momento contemporneo no o doparadigma do perverso, meramente, mas um tempo em que o gozo da imobil-idade encarna uma estratgia de dessubjetivao que disciplinou os prazeres,

    obturou as potncias e promoveu o apagamento das intensidades. O direitoque emerge de uma tal configurao certamente escapa quilo que Foucaultbuscava e que Agamben procura retrilhar: um novo direito que prescinda de

    41 Dans le monde rellement renvers, le vrai est un moment du faux. Cf. DEBORD, Guy.La socit du spectacle. Paris: Gallimard, 1996, n. 9.

    42 Cf. BAUDRILLARD, Jean. Tela total. Mito-ironias da era do virtual e da imagem. 4.ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.

    43 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceo. (Homo sacer II, 1), p. 17.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    20/26

    20 Murilo Duarte Costa Corra

    toda disciplina e de toda relao com a soberania. O direito que no conseguefugir soberania e disciplina constitui a fora e a forma de nosso direito atual forja, tambm ele, o sujeito, que se torna fluido e matria-prima da mquinaletal; que habita e arregimenta o espao que constitui como seu: o campo.

    E o campo, segundo Agamben, no se reduz ao espao que prescreve quetudo se tornou possvel; mais que isso, e diferentemente, o campo o espaoem que a potncia, que para Agamben potncia de no, irrelacionvel com oato, foi liquidada com toda a virtualidade que lhe suportava. Segundo Agam-ben, A impossibilidade, como negao da possibilidade [no (poder ser)], e anecessidade, como negao da contingncia [no (poder no ser)], so os op-

    eradores da dessubjetivao, da destruio e da destituio do sujeito, ou seja,dos processos que nele estabelecem a diviso entre potncia e impotncia, pos-svel e impossvel.44 na liquidao da virtualidade, do que pode no ser, quetoda a possibilidade de ser, no atual, algo mais que o mesmo obturada; parapoder ser outro no atual, para haver possibilidade, fundamental poder noser mesmo no virtual, como potncia de no. Contudo, Agamben entende queo sujeito seria um campo de foras sempre j atravessado pelas correntes in-candescentes e historicamente determinadas da potncia e da impotncia, dopoder no ser e do no poder no ser.45 Sua definio faz com que os modaissubjetivos escapem ao domnio e escolha do sujeito.

    Agamben afirma que Auschwitz no foi o momento em que tudo se tornou

    possvel, mas o momento em que o impossvel foi introduzido fora no real,46impondo-se como atualidade em que todo virtual e, portanto, toda potncia de no parece ter sido proscrito. Por isso, a topografia do campo no pode serlida sob a prescrio de que tudo possvel, mas, sim, como a proscrio detoda possibilidade, de todo poder ser atual, na medida em que a necessidaderebate toda contingncia, e prescreve, totalitariamente, o no poder no ser(sujeitado). Eis que as possibilidades de ser, no campo, exaurem-se, aparente-mente, no modelo subjetivo do sujeitado, no mesmo normal tornado total queestende a exceptio aos sujeitos do campo, baseado em uma potncia apenasconservadora, inerte; esgotada, e satisfeita, na existncia mesma de sua atual-izao destituidora da vida, precisamente na medida em que tenta destruir suas

    virtualidades.44 AGAMBEN, Giorgio. O que resta de auschwitz. O arquivo e a testemunha. (Homo sacer

    III), p. 148.45 AGAMBEN, Giorgio. O que resta de auschwitz. O arquivo e a testemunha. (Homo sacer

    III), p. 148-149.46 AGAMBEN, Giorgio. O que resta de auschwitz. O arquivo e a testemunha. (Homo sacer

    III), p. 149.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    21/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 21

    5 Sair do campo como haveremos de...

    Do gozo que disciplina os prazeres, traamos o sujeito que habita o campo.No campo, identificamos o oikos do sujeitado; mas, afinal, como haveremosde escapar disciplina? H um lugar por onde escorre a subjetividade dohomem que, normalizado segundo tal disciplina-total, tem suas possibilidadesde vida reduzidas ao atual?

    Devemos, aqui, retomar o conceito de vida nua, de Agamben, e a leituraque lhe devotamos demarca, mais que o carter animal da vida nua, a sua sub-trao quilo que humano; mais que a simples atualizao total do sujeitado,

    a tentativa de proceder a essa efetuao redutora apenas na medida em que eficaz a subtrao do ser virtualidade, sua potncia de no. A vida nuaagambeniana marcada, pois, pela ambigidade de sua sujeio: afirma-se oatual como real apenas na medida em que se capaz de banir as virtualidadesda vida.

    Agamben, embora no proponha qualquer sada do campo, retoma o novodireito de Foucault, longnquo a toda disciplina e avesso s relaes com asoberania que instaura sua realidade paradoxal, e afirma a possibilidade dajustia a partir da desativao e no da anulao do direito:

    O importante aqui que o direito no mais praticado, mas estudado no a justia, mas s a porta que leva a ela. O que abre uma passagem para a

    justia no a anulao, mas a desativao e a inatividade do direito ou seja,um novo uso dele. Precisamente o que a fora-de-lei que mantm o direitoem funcionamento alm de sua suspenso formal pretende impedir.47

    Portanto, a possibilidade de sada do campo encontra-se, em primeiro lu-gar, a partir de uma leitura de Agamben, na desativao do direito, e damquina letal que sobre ele se sustenta 48 potencialidade que Agamben recon-hece nos advogados novos, no-praticantes. queles que no praticam resta,pois, um espao para uma potncia que pode ser divisada do ato; para Agam-ben, a ao humana que escapa ao direito esse puro meio benjaminiano quesignifica agir politicamente.49 Diz ele que a encontramos aberta a porta deentrada para a justia, mas no a justia mesma. Para a justia em si, Agamben

    reserva o novo direito de Michel Foucault oriundo de uma profanao: desse47 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceo. (Homo sacer II, 1), p. 98.48 E di fronte a questa estrema figura dellumano e dellinumano, no si tratta tanto di

    chiedersi quale delle due macchine (o delle due varianti della stessa macchina) sai migliorio pi efficace o, piuttosto, meno sanguinosa e letale quanto di comprendere il loro fun-zionamento per poterle, eventualmente, arrestare. AGAMBEN, Giorgio. Laperto: luomo elanimale, p. 43.

    49 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceo. (Homo sacer II, 1), p. 12. Tambm, AGAM-BEN, Giorgio. Mezzi senza fine. Note sulla politica, p. 51-52.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    22/26

    22 Murilo Duarte Costa Corra

    ato que capaz de devolver ao uso comum dos homens aquilo que lhes foisubtrado, e para um novo uso.50 Escreve Agamben:

    Um dia a humanidade brincar com o direito, como as crianas brincamcom os objetos fora de uso, no para devolv-los ao seu uso cannico e, sim,para libert-los definitivamente dele. O que se encontra depois do direito no um valor de uso mais prprio e original e que precederia o direito, mas umnovo uso, que s nasce depois dele. Tambm o uso, que se contaminou como direito, deve ser libertado de seu prprio valor. Essa libertao tarefa doestudo ou do jogo. E esse jogo estudioso a passagem que permite ter acessoquela justia que um fragmento pstumo de Benjamin define como um estado

    do mundo em que este aparece como um bem absolutamente no passvel deser apropriado ou submetido ordem jurdica.51

    Ao propor, a respeito do direito, um novo uso que tem por linha de fugaa desativao do jurdico como o conhecemos isto , um jogo estudioso ,Agamben parece prescrever nossa responsabilidade de, a exemplo de HannahArendt, no escolhermos o mal menor, mas, sim, escolhermos mal nenhum;52

    essa a tarefa do estudo dos novos advogados que no praticam o direito, masque se limitam a conhecer as peas que compem a mquina letal sem, por isso,oferecer aos dentes da engrenagem a prpria carne. A um s tempo, o jogoconstitui a possibilidade de brincar com o direito, no sentido de autorizar-seo ato profanador. Tanto a desativao quanto o novo direito, extrado de Fou-

    cault, originrios da potncia concebida nos braos do jogo estudioso agambe-niano, partem de um ncleo comum que no nos defeso entrever o sujeitosem relao com o direito; sujeito incapturvel pelo jurdico na medida emque opera no pensamento, na criao. Por isso, propusemos a retomada dacategoria de vida nua no como um simples vazio de sujeito, mas como umaatualidade subjetiva plenificada pela disciplina do gozo, pleno do mesmo tor-nado normal.

    O processo que, no campo, constitui a vida nua deixa-nos entrever umapossibilidade que, apenas agora, podemos extrair da aparente vagueza dasproposies de Giorgio Agamben: os dispositivos de sujeio da exceo for-jam um sujeito preenchendo-o com mesmo, a fim de obturar suas possibili-

    dades de vida e de diferena. Uma ruptura, como imagem do pensamentodevotado a essa radical criao, surge do estudo que desativa o direito sober-

    50 Profanar significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligncia, que ignoraa separao [entre o humano e o divino], ou melhor, fazer dela um uso particular. AGAMBEN,Giorgio. Profanaes. Traduo de Selvino J. Assmann. So Paulo: Boitempo, 2007, p. 66.

    51 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceo. (Homo sacer II, 1), p. 121.52 ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. Traduo de Rosaura Eichenberg.

    So Paulo: Companhia das letras, 2004, p. 98-100.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    23/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 23

    ano e violento, ou vazio que vige sem nada prescrever , e do jogo quepe para funcionar as potncias profanadoras que constituem a possibilidadede pensar o novo no direito. Essa ruptura do jogo estudioso agambeniano cri-ada ativamente.53 Incapturvel pelo direito, no pertence ao campo, exceoe ao espectro do j-aberto, que imobiliza, mas restabelece as virtualidades, apotncia de no ser do sujeito, a partir das parcelas subjetivveis que restam,e que constituem, precisamente, o que difere a vida do homo sacer da vidameramente animal, e permite perscrutarmos, mesmo nos horizontes da nudavita, um resto de potncia de no, um virtual e uma possibilidade que vai serrebatida no atual.54 A ruptura aberta desde o sujeito por essa profanao que

    implica um novo uso do direito, precisamente da ordem de uma criao e,como tal, produz o espao em que o direito j no subjetiva a vida, pois comela no possui relao, e dela j no pode fazer-se um correlato.

    De todo modo, para Giorgio Agamben, tanto o estudo que desativa quantoa brincadeira que potencia o profanar tm sumidouro na criao porque no que virtualmente subjetivvel que falta, mas que, paradoxalmente, aindaresta na nuda vita que possvel o estudo desativador e a profanao pelojogo.55 Os sujeitos, assim criados, a partir de um virtual, fugiro em direo aum outro mundo nunca alm desse, contra o qual se debatem, e nem aqum,mas outro, e que lhes possibilita o novo contra o mesmo. Isso o que fazabrir um furo essencial para romper o continuum disciplinar do gozo o que

    restitui o sujeito possibilidade de uma vida outra, de um direito outro, depr novamente o humano em questo, a partir da subjetivao potenciada nosubjetivvel que resta, como a virtualidade que a atualidade do campo insisteem lhe obstar.

    Trata-se de conceber uma forma pregnante de retomar aquilo de que fomosdispensados ao entrarmos nos esquemas do campo: o pensamento, a criao,

    53 A propsito, diz Agamben, Pensar uma potncia em ato enquanto potncia (...) equivale ainscrever na possibilidade uma ciso que a divide em uma possibilidade e uma impossibilidadede, em uma potncia e uma impotncia, e, nessa ciso, situar um sujeito. AGAMBEN, Giorgio.O que resta de auschwitz. O arquivo e a testemunha. (Homo sacer III) , p. 146.

    54 Nesse sentido, conferir o sentido de potncia como hexis e como stersis em Aristteles,

    na leitura de AGAMBEN, Giorgio. La potenza del pensiero. In: La potenza del pensiero.Saggi e conferenze, p. 274-287. Segundo Agamben, para quem toda potncia sustenta-se sobreuma impotncia, (...) sar veramente potente solo chi, al momento del passagio allatto, nonannuller semplicimente la propria potenza di non, n la lascer indietro rispetto allatto, masla far passare integralmente in esso como tale, potr, cio, non-non-passare allatto. Op. cit.,p. 285.

    55 Nesse sentido, Agamben no deixa de ser um pouco deleuziano. Sua profanao parecedizer, com Deleuze: No cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas. DELEUZE, Gilles.Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: Conversaes (1972-1990) , p. 220.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    24/26

    24 Murilo Duarte Costa Corra

    que, rompendo dolorosamente a topografia do campo, expulsam o mesmo dogozo, demarcando novamente a dor e o prazer; a ruptura ativamente criadaque, servindo de espao para a subjetivao e o subjetivvel, desfaz a fictciarelao entre direito e vida, e lhe devolve, para subjetivar, o livre uso de suavida, separada e normalizada no campo em virtude da operatividade do gozodisciplinar.

    O trabalho da criao do novo, que profana, e do estudo, que desativa, umtrabalho que pertine tambm ao campo do sujeito, que, como humano, podeapenas ser na medida em que constitui essa virtualidade que se move entreo atual ao qual resiste e contra o qual se debate. A disciplina do direito lhe

    escapa, j que no o pratica; no o praticando, reconhece que o campo nopode estar em todos os lugares, e que todos os lugares no podem reduzir-seao campo. Aberta a topografia do campo, e uma vez cindido seu territrio,torna-se possvel romper com o mesmo que passou a habitar as possibilidadesde seu consigo eis o modo pelo qual a ruptura sustenta a potncia de um novoque, criado ativamente, permite ao sujeito tornar-se um outro a partir do qualno lhe ser defeso retomar o sentido da criao, as intensidades dos prazerese a estetizao de seus territrios existenciais.

    6 Referncias

    AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceo. (Homo sacer II, 1). Traduo deIraci D. Poleti. So Paulo: Boitempo, 2004.

    _________________. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I. Traduode Henrique Burigo. Belo Horizonte: Humanitas, 2007.

    _________________. LAperto: luomo e lanimale. Torino: Bollati Bor-inghieri, 2002.

    _________________. Limmanenza assoluta. In: La potenza del pensiero.Saggi e conferenze. Vicenza: Neri Pozza Editore, 2005, p. 377-404.

    _________________. Mezzi senza fine. Notte sulla politica. Torino: BollatiBoringhieri, 1996.

    _________________. O que resta de auschwitz: o arquivo e a testemunha.(Homo sacer III). Traduo de Selvino J. Assman. So Paulo: Boitempo,2008.

    _________________. Profanaes. Traduo de Selvino J. Assman. SoPaulo: Boitempo, 2007.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    25/26

    As Teias da Subjetividade Contempornea 25

    ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalm: um relato sobre a banalidadedo mal. So Paulo: Diagrama & Texto, 1983.

    _______________. Responsabilidade e julgamento. Traduo de RosauraEichenberg. So Paulo: Companhia das letras, 2004.

    BAUDRILLARD, Jean. Tela total. Mito-ironias da era do virtual e da im-agem. 4. ed. Porto Alegre : Sulina, 2005.

    BENJAMIN, Walter. vres. Tome III. Traduo de Maurice de Gandillac etal. Paris: Folio Essais, 2000.

    DEBORD, Guy. La socit du spectacle. Paris: Gallimard, 1996.

    DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dilogos. Traduo de Elosa ArajoRibeiro. So Paulo: Escuta, 1998.

    _______________. Diferena e repetio. Traduo de Luiz Orlandi e RobertoMachado. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

    __________________. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In:Conversaes (1972-1990). Traduo de Peter Pl Pelbart. So Paulo:Editora 34, 1992, pp. 219-226.

    DERRIDA, Jacques. Fora de lei. O fundamento mstico da autoridade.Traduo de Leyla Perrone-Moiss. So Paulo: Martins Fontes, 2007.

    DUFOUR, Dany-Robert. A arte de reduzir as cabeas. Sobre a nova servidona sociedade ultraliberal. Traduo de Sandra Regina Felgueiras. Rio deJaneiro: Companhia de Freud, 2005.

    FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso no Collge de France(1975-1976). Traduo de Maria Ermantina Galvo. So Paulo: MartinsFontes, 2002.

    __________________. Os anormais. Curso no Collge de France (1974-1975). Traduo de Eduardo Brando. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

    __________________. Segurana, territrio, populao. Curso dado no Col-lge de France (1977-1978). Traduo: Eduardo Brando. So Paulo:Martins Fontes, 2008.

    __________________. Vigiar e punir. Nascimento da priso. 29. ed. Petrpo-lis: Vozes, 2004.

    www.bocc.ubi.pt

  • 8/8/2019 As Teias Da Subjetividade Contemporanea CORREA, M. D. C. (BOCC - Universidade Da Beira Interior)

    26/26

    26 Murilo Duarte Costa Corra

    LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Ensaio para uma psicanalticado social. Traduo de Sandra Regina Filgueiras. Rio de Janeiro: Com-panhia de Freud, 2004.

    MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preo. En-trevistas por Jean-Pierre Lebrun. Traduo de Sandra Regina Filgueiras.Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003.

    NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da moral. Uma polmica. Tra-duo de Paulo Csar de Souza. So Paulo: Companhia das Letras, 1998.

    www.bocc.ubi.pt