AS TRANSFORMAÇÕES DA PAISAGEM NA ENVOLTÓRIA … · cidade de São Paulo e suas atuais...

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AS TRANSFORMAÇÕES DA PAISAGEM NA ENVOLTÓRIA DOS EDIFÍCIOS RELIGIOSOS DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DE SÃO PAULO: O CASO DO BAIRRO DA SÉ GONÇALVES, DANIELA LEITE (1); MORAES, SANDRA REGINA CASAGRANDE DE (2) 1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. Departam. de Construção Civil Rua Pedro Vicente, 625 - Canindé - São Paulo - SP - Brasil - CEP: 01109-010 [email protected] 2. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. Departam. de Construção Civil Rua Pedro Vicente, 625 - Canindé - São Paulo - SP - Brasil - CEP: 01109-010 [email protected] RESUMO A pesquisa trata de estudar os edifícios religiosos no bairro da Sé, localizado na região central da cidade de São Paulo e suas atuais situações dentro do contexto urbano. O surgimento do bairro da Sé data de 25 de janeiro de 1554, no Pátio do Colégio, local da primeira fortificação de São Paulo, visto como o ponto mais nobre da cidade por ser o centro da vida do novo burgo que aflorava. A história desse bairro vai de encontro com a história de São Paulo, de tal modo que não se pode introduzir uma sem confrontá-la com a outra, afinal, até 1800, as duas histórias se resumiam a uma única. A partir de 1870, eclode a riqueza cafeeira e a capital passa a vivenciar o maior fenômeno agrícola do século, o que transformou a vida paulistana e fez com que surgissem novas concepções urbanísticas. As transformações intensificam-se a partir da metade do século 19, quando foram realizadas diversas melhorias urbanas. É nessa época que o Largo da Sé, cuja tradição estava ligada às manifestações religiosas, depara-se com a necessidade de se adequar aos novos tempos através de sucessivas reformas. Com essa febre de urbanização foi se destruindo a memória da cidade. Os edifícios religiosos que sempre foram aspectos importantes dessa memória e, em sua maioria, mesmo que não destruídos, foram ofuscados e sufocados pelo crescimento desordenado, tendo sua essência e atenção desvalorizada. A partir do final dos anos de 1960 e durante os anos de 1970 coincidindo com uma época de intenso crescimento econômico e fortes investimentos públicos em infraestrutura (metro, marginais, viadutos e pontes), que gerou para a cidade de São Paulo o início do aparecimento de novas centralidades - onde foram localizados os investimentos imobiliários de edifícios de alto padrão destinados à escritórios e sedes de grandes empresas nacionais e estrangeiras - a região central enfrentou mudanças como a estagnação, depreciação e desvalorização. Seus edifícios inclusive os religiosos (estudados) passaram a não mais apresentar valor representativo para o seu entorno, ficando as sombras do novo contexto da cidade originado pelas intervenções urbanas de reabilitação, revalorização, revitalização e requalificação. Portanto, a proposta do resgate das informações dos edifícios religiosos juntamente com a análise espaço-temporal do crescimento urbano em torno dos mesmos se torna importante para concluir em que momento o papel da edificação religiosa do bairro da Sé, não se faz mais presente na história do crescimento do bairro. Palavras-chave: Edifícios Religiosos; Paisagem Urbana; Bairro de Sé.

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AS TRANSFORMAÇÕES DA PAISAGEM NA ENVOLTÓRIA DOS EDIFÍCIOS RELIGIOSOS DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DE SÃO

PAULO: O CASO DO BAIRRO DA SÉ

GONÇALVES, DANIELA LEITE (1); MORAES, SANDRA REGINA CASAGRANDE DE (2)

1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. Departam. de Construção Civil

Rua Pedro Vicente, 625 - Canindé - São Paulo - SP - Brasil - CEP: 01109-010 [email protected]

2. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. Departam. de Construção Civil

Rua Pedro Vicente, 625 - Canindé - São Paulo - SP - Brasil - CEP: 01109-010 [email protected]

RESUMO

A pesquisa trata de estudar os edifícios religiosos no bairro da Sé, localizado na região central da cidade de São Paulo e suas atuais situações dentro do contexto urbano. O surgimento do bairro da Sé data de 25 de janeiro de 1554, no Pátio do Colégio, local da primeira fortificação de São Paulo, visto como o ponto mais nobre da cidade por ser o centro da vida do novo burgo que aflorava. A história desse bairro vai de encontro com a história de São Paulo, de tal modo que não se pode introduzir uma sem confrontá-la com a outra, afinal, até 1800, as duas histórias se resumiam a uma única. A partir de 1870, eclode a riqueza cafeeira e a capital passa a vivenciar o maior fenômeno agrícola do século, o que transformou a vida paulistana e fez com que surgissem novas concepções urbanísticas. As transformações intensificam-se a partir da metade do século 19, quando foram realizadas diversas melhorias urbanas. É nessa época que o Largo da Sé, cuja tradição estava ligada às manifestações religiosas, depara-se com a necessidade de se adequar aos novos tempos através de sucessivas reformas. Com essa febre de urbanização foi se destruindo a memória da cidade. Os edifícios religiosos que sempre foram aspectos importantes dessa memória e, em sua maioria, mesmo que não destruídos, foram ofuscados e sufocados pelo crescimento desordenado, tendo sua essência e atenção desvalorizada. A partir do final dos anos de 1960 e durante os anos de 1970 coincidindo com uma época de intenso crescimento econômico e fortes investimentos públicos em infraestrutura (metro, marginais, viadutos e pontes), que gerou para a cidade de São Paulo o início do aparecimento de novas centralidades - onde foram localizados os investimentos imobiliários de edifícios de alto padrão destinados à escritórios e sedes de grandes empresas nacionais e estrangeiras - a região central enfrentou mudanças como a estagnação, depreciação e desvalorização. Seus edifícios inclusive os religiosos (estudados) passaram a não mais apresentar valor representativo para o seu entorno, ficando as sombras do novo contexto da cidade originado pelas intervenções urbanas de reabilitação, revalorização, revitalização e requalificação. Portanto, a proposta do resgate das informações dos edifícios religiosos juntamente com a análise espaço-temporal do crescimento urbano em torno dos mesmos se torna importante para concluir em que momento o papel da edificação religiosa do bairro da Sé, não se faz mais presente na história do crescimento do bairro.

Palavras-chave: Edifícios Religiosos; Paisagem Urbana; Bairro de Sé.

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Introdução

O surgimento do bairro da Sé data de 25 de janeiro de 1554, e segundo o historiador Afonso

d’Escragnole Taunay, foi no ano de 1807 que o engenheiro militar Rufino Felizardo e Costa

levantou uma planta da cidade de São Paulo, em cumprimento à ordem do sargento-mor

engenheiro João da Costa Ferreira. No entanto, o DPH – PMSP1 salienta que o primeiro

registro é atribuído à 1810 por ser, muito provavelmente, o ano de conclusão da peça gráfica,

ou, até mesmo, uma datação aproximada feita em época posterior (Figura 1).

Figura 1 - Planta da Região Central São Paulo – 1810. Fonte: Arquivo Histórico Municipal. Disponível

em: <www.arquiamigos.org.br>, acesso 12 fev.2016.

Na época em que foi levantada esta planta, a área urbanizada concentrava-se, na realidade,

no alto da colina histórica, conhecida sob o nome indígena de Inhapuambuçu2. A população

das freguesias da Sé e Santa Efigênia formavam o centro urbano, mesmo longe de atingir

10.000 habitantes (DPH - PMSP, 2008). As ruas existentes são identificadas como seriamente

estreitas e tortuosas.

Os reduzidos limites da área urbanizada da cidade: ao norte, se estendia pouco além do

Jardim Botânico (atual Jardim da Luz); ao sul, não ultrapassava muito abaixo do Cemitério dos

Aflitos; a leste, havia por limite o Rio Tamanduateí e sua várzea, e a oeste, quase não

chegava a alcançar o Largo do Arouche e a Igreja da Consolação.

1 Dados extraídos do Informativo do Arquivo Histórico Municipal do Departamento do Patrimônio Histórico da

Secretaria da Cultura de Prefeitura Municipal da Cidade de São Paulo. Ano 4, N.20. set/out de 2008.

2 Inhapuambuçu: lugar que se vê longe.

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O registro gráfico posterior datado de 1842, não revelou alterações, mas sim, algumas

atualizações, como a que ocorre no Largo da Sé, o prolongamento da Rua da Esperança até

esse logradouro, obra realizada em 1825, e no Pátio de São Francisco, o alargamento do

logradouro com a incorporação do quintal dos franciscanos, ocorrida em 1829.

Ademais, os limites abrangidos foram um pouco alargados: ao norte, estenderam-se para

além do Convento da Luz; ao sul, até o Córrego Lava-pés, que interceptava o caminho de

Santos; a leste, levados adiante da igreja do Brás e, a oeste, avançaram até o começo da

íngreme subida da estrada de Sorocaba, pouco antes do sítio onde mais tarde seria

construído o Cemitério Municipal (atual Cemitério da Consolação).

Segundo o DPH – PMSP, 2008, o mapa datado de 1855, destacou a execução do primeiro

anel perimetral da cidade. As primeiras ruas a serem abertas foram as Ruas Formosa (1855) e

Municipal (1849-1857) (atual General Carneiro), que pode, na verdade, ser considerada uma

via radial do futuro anel. Depois essa estrutura viária teve prosseguimento com o primeiro

trecho da Rua 25 de Março (1858), com o segundo trecho dessa via (1869) e com a Rua

Riachuelo (prolongamento da antiga Rua da Casa Santa até o Largo do Bexiga, datado de

1867-1868). Completou-se apenas no tempo do presidente João Teodoro, com as Ruas do

Hospício (1873) e do Conde d’Eu (1875). Ainda segundo o mesmo autor, o objetivo que se

desejava alcançar com esse anel viário era a interligação das várias saídas da cidade. Essa

solução melhoraria a circulação de mercadorias na Capital, pois, de ora em diante, os carros

de boi e as tropas de mulas não mais atravessariam as estreitas e tortuosas ruas centrais.

O documento cartográfico de 1868 é o primeiro a trazer o percurso da linha férrea inglesa,

inaugurada um ano antes e cujas consequências que se perpetuariam eram ainda

inimagináveis.

Apesar dos principais edifícios continuarem sendo igrejas e conventos, apareceu neste

momento assinalado também sedes de jornais, tipografias, boticas e colégios, o que

demonstra um processo de urbanização mais intenso.

Cresce o número de arruamentos abertos em chácaras situadas nas imediações da Capital,

indicando uma especulação fundiária que se tornaria visível a partir de meados de 1870

(planta datada de 1897). Na região da Luz, acrescentou-se a trama de várias ruas, entre elas,

a de João Teodoro, via que se encarregaria de estabelecer contato entre os bairros da Luz e

do Brás, até então localidades completamente isoladas uma da outra.

A nítida expansão física da capital é apontada como consequência da crise inflacionária que

despontou em 1875, uma vez que os empreendedores econômicos passaram a sentir-se

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motivados apenas em investimentos em bens de raiz. Portanto, em 1877 o patrimônio

edificado da cidade vinha sendo renovado, sobretudo em virtude da iniciativa privada.

Em planta de 1881, a aglomeração de edifícios continuava situada no alto da colina central,

onde havia o Triângulo – o atual “Centro Velho”, formado pelas Ruas 15 de Novembro, Direita

e São Bento, região considerada o centro comercial e financeiro da de um território

urbanizado em expansão contínua. As ruas localizadas nessa área ainda preservavam sua

tortuosidade e estreiteza, deficiências que só foram devidamente reparadas durante a gestão

dos primeiros prefeitos paulistanos, Antônio Prado e Raimundo Duprat (1899-1914), no início

do século XX.

O advento da ferrovia, entre 1867 e 1875, fez com que a expansão urbana se acelerasse de

forma brusca e desencadeasse posteriormente consideráveis efeitos, como a criação de

loteamentos de elite (Campos Elíseos, Avenida Paulista, Higienópolis) e de padrão médio,

que é o caso da Liberdade e Santa Cecília.

Entretanto, ao passo que a linha férrea se somava à presença das várzeas inundáveis do

Tamanduateí e do Tietê, contribuindo para uma desvalorização das direções Norte e Leste.

Isto fez com que se estabelece uma dicotomia, prevalecente até mesmo nos dias de hoje,

entre as faces valorizada (Oeste) e desprestigiadas (Norte, Leste, Sudeste) da área central.

Nesse momento, a cidade expande-se para o setor Noroeste na área que atualmente é

conhecida como Santa Efigênia, já bastante consolidada. É percebível no entanto, o início do

arruamento no setor Sudoeste, originando o bairro Bela Vista, e ainda a transposição do rio

Tamanduateí, pelas ruas do Brás e do Gasômetro, originando o arrumamento no bairro do

próprio Brás e do Pari. Na direção Oeste, destaca-se a Rua da Consolação já adensada,

assim como o bairro da República, e o desenvolvimento sucessivo no sentido do bairro de

Santa Cecília.

Mediante tal conjuntura, os bairros populares e/ou industriais, responsáveis por abrigar

cortiços e "vilas" especulativas, além de fábricas e armazéns, ocuparam espaços residuais ou

de várzea, que é o caso do Bexiga, Glicério, Cambuci, mas acompanharam notadamente o

cinturão ferroviário e industrial ao longo da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí: Lapa, Barra

Funda, Bom Retiro, Luz, Pari, Brás, Mooca.

Nesta época estava configurado o primeiro anel viário da cidade de São Paulo, gerado para

circunscrever o centro e interligar as diferentes estradas que partiam da capital: Rua Formosa

(1855), Rua do Seminário, Rua Alegre, Travessa dos Bondes, Rua do Senador Florêncio de

Abreu, Travessa 25 de Março, Rua 25 de Março (1858), Rua do Mercado (1869), Rua do

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Hospício (1873), Rua Conde d’Eu (1875), Rua Lavapés, Rua da Glória (estas duas últimas

vias eram trechos da antiga estrada de Santos), Travessa dos Estudantes, Largo da

Liberdade, Rua da Assembleia, Rua Riachuelo (prolongada entre 1867-1868), Largo do

Riachuelo e Largo da Memória. Grandes partes das precárias estradas permaneceram pouco

movimentadas até o advento do automóvel, devido ao fato que as mercadorias produzidas no

interior, ou trazidas do exterior, quando se finalizou a construção desse anel, já estavam

sendo constantemente transportadas pelas ferrovias recém-criadas.

Vale acrescentar que foi neste mesmo ano que, sendo Governador da Província, Florêncio de

Abreu demoliu a ala perpendicular do antigo conjunto do Colégio dos Jesuítas, e desta forma

originaram-se os jardins com aleias sombreadas. Foram instalados inclusive combustores de

gás para iluminação, sendo que oito deles perduraram até 1941, enfrentando a concorrência

da eletricidade.

Em mapa de 1890 existe um forte crescimento em direção ao setor Noroeste no bairro de

Campos Elíseos, além de que transpondo a Estrada de Ferro São Paulo Railway, situam-se

os bairros do Bom Retiro e da Luz, acompanhados do desenvolvimento crescente do bairro do

Brás e Pari, no sentido Leste. Há a intensificação do arruamento no sentido Sudoeste, em que

está localizado o bairro da Liberdade, bem como no setor Oeste o bairro de Santa Cecília

apresenta novo arruamento, acompanhando a Rua da Consolação.

Este momento da história foi marcado por uma atitude do poder público, que por sua vez

passou a fomentar uma alteração radical nos padrões de uso e ocupação da área sobre a

colina, que originalmente abrigava a cidade como um todo, visto que se urgia um núcleo

terciário capaz de comportar as funções institucionais, administrativas, comerciais e

financeiras do modelo agroexportador vigente. Para esse fim, as políticas sanitaristas e de

remodelação edilícia, intensificadas a partir do ano de 1890, buscavam primordialmente retirar

da área central usos e habitantes indesejáveis - fazendo-se referências deste modo aos

cortiços, casebres, operários e prostituição, em uma postura disciplinadora e segregadora em

relação às moradias populares, visando a atração de usos institucionais e comerciais

“nobres”.

Enquanto isso eram oferecidos incentivos fiscais a quem construísse nas ruas da região

central, como a Sé, seguindo os novos padrões arquitetônicos. Ao passo que o bairro antigo

se transformava, acredita-se que a cidade que surgiu entre os anos de 1890 e 1920 perdera o

contato com o passado.

Na opinião do urbanista Ulhoa Cinta a velha cidade, representa pelo bairro da

Sé, estava rigorosamente certa para o local e para o tempo. As ruas não

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precisavam ser mais largas porque diminuto e Iento era o tráfego. Os muares

entravam no centro. Por isso havia postura municipal tornando obrigatórias

argolas à altura de côvado, nas ruas, e entre elas principalmente a Direita,

para poderem ser amarrados os cavalos e burros de carga. (FERREIRA,

1971, p. 143).

A otimização do tráfego, em particular nas ruas do Triângulo e imediações, foi permitida ao

passo que gradualmente essas foram alargadas e tinham seu traçado modificado conforme os

edifícios eram substituídos.

A área central denominada Triângulo encontra-se nesse momento completamente dominada

pelo comércio e serviços, enquanto adensava-se e era tomada por nova tipologia

arquitetônica: construções de três pavimentos que começavam a se alastrar pelo Centro

desde os anos 1880 – sedes de instituições bancárias, prédios com lojas no térreo,

apartamentos residenciais ou salas de escritórios nos andares superiores.

Ao mesmo tempo, os loteamentos particulares iam tomando o lugar das antigas chácaras.

Com suas ruas ortogonalmente dispostas, esses empreendimentos imobiliários passaram a

ser a forma característica de criação do espaço urbano paulistano. Dentre os imponentes

edifícios públicos que contribuíram para formar o maior acervo arquitetônico da região,

inclui-se a Catedral da Sé (1922).

Procurou-se estabelecer certa coerência nas relações de escalas entre edifícios, elaborado

tratamento de fachadas e dimensionamento dos espaços públicos, a fim de consolidar a partir

disso o modelo de ocupação dominante até então na capital do café – proposta essa que se

depararia com alguns empecilhos adiante.

A pressão expansionista, exacerbada pelo crescimento urbano acelerado e

pela industrialização, logo levaria à superação desse modelo. O centro

construído ao longo da República Velha Tornava-se insuficiente. No momento,

em que se esboçava certa integridade urbanística, obtida a grande custo em

torno de pontos como o vale do Anhangabaú, a Avenida São João, as praças

da Sé e do Patriarca, esta seria atropelada por um novo patamar de

intervenção (CAMPOS, 2003, p. 7).

Portanto, o centro gradualmente tornava-se insuficiente, questão que se afirmou no primeiro

pós-guerra, em meados do século XX, exacerbando deste modo a tendência de travessia do

Vale do Anhangabaú rumo ao Morro do Chá ou Centro Novo. Para tanto, como ressaltado

pelo autor, havia a necessidade de substituição do antigo Viaduto do Chá por uma estrutura

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que comportasse maior capacidade (CAMPOS, 2003), sendo assim concretizada apenas

entre 1936 e 1938 com a construção do novo viaduto no eixo da Praça do Patriarca.

Tal como consequência da pressão expansionista, também o padrão de edificação teve que

se adequar ao momento, à vista de que os prédios então vigentes variando entre três e sete

andares, e altura máxima de vinte à trinta metros, passaram a ser considerados insuficientes

no que dizia respeito ao aproveitamento imobiliário. Como resultado da aprovação do Padrão

Municipal de 19203 pela Câmara, surgiram os primeiros “arranha-céus, como o Sampaio

Moreira (1924) e o Martinelli (1928-1931).

A solução para o problema viário surgiu a partir de uma reestruturação do espaço, com a

proposta de Perímetro de Irradiação, em que sairiam do centro vias em contraposição ao

traçado xadrez americano, a fim de descentralizar a vida comercial e distribuir a circulação

pelas ruas secundárias. O modelo foi proposto inicialmente por Ulhoa Cintra, em 1924, sendo

incorporado no Plano de Avenidas.

Em um momento de remodelação dos espaços centrais, ligado às obras do metrô nos anos de

1970 e 1980, foram realizadas intervenções como a pedestrianização e reforma de espaços

públicos, além da nova Praça da Sé (1978) e o Novo Anhangabaú (1985-1992).

Edificações Religiosas

I. Catedral Metropolitana de São Paulo (Catedral da Sé)

Considerada um dos cinco maiores templos neogóticos do mundo e situada bem à frente do

Marco Zero da cidade de São Paulo, a catedral da Sé como é hoje teve sua construção

iniciada no ano de 1913. O projeto foi elaborado pelo professor de Arquitetura da Escola

Politécnica, o alemão Maximilian Emil Hehl, e sua inauguração ocorreu em 25 de janeiro de

1954, na comemoração do 4º Centenário da Cidade de São Paulo, ainda sem as duas torres

principais.

A primeira versão da igreja data de 1591, quando o cacique Tibiriçá escolheu o terreno onde

desejava instalar o primeiro templo da cidade, sendo a taipa de pilão o material escolhido para

concretizar esta construção: paredes feitas de barro e palha socados e estruturados em toras.

Somente em 1745, a "velha Sé", como era chamada, foi elevada à categoria de catedral.

3 Estabelecido pela Lei Municipal nº 2.332, de 9 de novembro de 1920, o Padrão Municipal para as construções

particulares no município que, dentre outros pontos, vinculou a altura dos edifícios simplesmente à largura da rua.

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Portanto, iniciou-se neste mesmo ano a edificação da segunda matriz da Sé, no mesmo local

da anterior.

Levantou-se a Igreja de São Pedro da Pedra, ao seu lado, em meados do século XIII.

Contudo, os dois templos foram demolidos em 1911 para dar espaço à ampliação da Praça da

Sé e, por fim, à versão vigente da catedral.

O monumento também teve a sua importância na vida política do país. Durante o despotismo

militar, D. Agnelo Rossi (1964-1970) encarregou-se do arcebispado, inaugurando a fase da

teologia da libertação e da opção preferencial pelos pobres. A figura do cardeal arcebispo D.

Paulo Evaristo Arns passou a se destacar a partir de 1970, quando se dedicou fortemente ao

combate à ditadura militar, denunciando os crimes, as torturas e cedendo a catedral para as

manifestações políticas e ecumênicas pelos desaparecidos políticos e pela anistia.

O templo foi submetido à três anos de reformas e foi reaberto em 2002, voltando a oferecer

missas diárias e também visitas monitoradas durante toda a semana.

Análise dos efeitos da urbanização sobre a edificação

No detalhe do mapa (Figura 2), vê-se, em destaque, o núcleo original desenvolvido ao redor

da Igreja da Sé, que configurava o ponto central da malha urbana e histórica da cidade, para

onde se dirigiam os principais acessos, em contraste à atual conjuntura.

Figura 2 - À esquerda, mapa de 1868 da cidade de São Paulo, com destaque para a Igreja da Sé, em contraste aos dias atuais (à direita). Fonte: DPH / <www.google.com.br/maps>, acesso 12 mar. 2016.

Observando a trajetória do Largo da Sé, é possível afirmar que o seu desenvolvimento

culminou na praça que se instalou como o principal recinto religioso, e pôde se fortalecer

através da construção de várias edificações em seu entorno. A praça da Sé é um reflexo de

um projeto paisagístico liderado por José Eduardo de Assis Lefèvre, professor da Faculdade

de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). As obras do Metrô de São

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Paulo tiveram uma influência direta naquela região, pois houve a necessidade da demolição

de todo o quarteirão e a paisagística teve que ser repensada.

Inúmeras mudanças e transformações remodelaram o desenho da cidade, como novos

arruamentos que surgiram em torno da Praça da Sé, tais como a Rua Senador Feijó, Rua

Benjamin Constant, Rua Anita Garibaldi, Avenida Rangel Pestana (consequência do

Perímetro de Irradiação), também a Praça Doutor João Mendes e a importante Avenida Vinte

e Três de Maio, originalmente conhecida como Avenida Itororó e, depois, Avenida

Anhangabaú.

Em relação às edificações, o mapa de 1841 (anterior a construção da Igreja), apresenta

escassos loteamentos presentes no Largo da Sé, podendo-se constatar a drástica mudança

causada pelo acelerado processo de urbanização, que ocasionou um cenário de múltiplas

construções que hoje circundam a Catedral da Sé, com exceção da fachada frontal, voltada

para a praça.

II. Capela do Menino Jesus e Santa Luzia

A Capela é fruto de uma intenção de homenagem ao Menino Jesus e à Santa Luzia, e sua

localização corresponde à antiga chácara de propriedade da bisneta do Conde de Sarzedas,

Anna Maria de Almeida Lorena Machado, fundadora do edifício.

Consoante narrado por sua família, o naufrágio sofrido por Anna Maria durante uma viagem

de navio de retorno à Paris fez com que ela perdesse todos os seus pertences, incluindo uma

imagem do Menino Jesus de Praga, estimada por toda família. Ela sobreviveu e começou a

rezar veementemente pelo milagre de reaver a imagem. Ao amanhecer, enquanto aguardava

na praia, viu a imagem flutuando se aproximar. Neste momento, ela prometeu que ao

regressar ao Brasil construiria uma Capela em honra aos santos de sua devoção, o que de

fato foi concretizado em 13 de dezembro de 1901.

Deste modo, a Capela foi construída pelo Arquiteto Domingos Delpiano, e possui um enorme

valor em virtude de sua pintura mural estar totalmente preservada. Assim, a igreja possui um

estilo neogótico, típico das construções brasileiras erguidas no início do século XIX, onde há a

junção do estilo gótico medieval com estilos clássicos.

A Capela sempre foi mantida em íntegro estado de conservação por Anna Maria, que

patrocinava festas celebradas religiosamente nos dias 13 e 25 de dezembro. Contudo, após

sua morte, seus herdeiros começaram a enfrentar problemas financeiros, razão pela qual

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encarregaram à Cúria Metropolitana a tarefa de conservação da Capela. Essa situação

permaneceu até 1921, quando a incumbência passou a ser das religiosas Servas do

Santíssimo Sacramento e, posteriormente aos Padres Sacramentinos.

Efetivamente, assumiram as responsabilidades da Capela várias entidades, como os

Missionários de São Francisco de Salles, seguido pelo Colégio Pasteur. A Missão Católica

Espanhola instalou-se na Capela e ficou ali por seis anos, e depois disso ela ficou

praticamente abandonada.

Em 1970, a pedido de Dom Agnelo Rossi, assumiu a Capelania Dom Ernesto de Paula, que

conferiu uma nova vida à Capela: restaurou o salão paroquial; construiu a ante-sala da

sacristia; promoveu festas religiosas e a devoção do Menino Jesus e Santa Luzia, além de

recolher valiosas obras de arte e as encaminhar ao Museu de Arte Sacra.

Análise dos efeitos da urbanização sobre a edificação

É possível notar um considerável contraste entre o meio que abrange a edificação em questão

nas duas épocas comparadas (Figura 3) – anterior à construção e nos dias atuais –

devendo-se estas principalmente aos novos arruamentos, alargamentos de vias já existentes

e à inserção de copiosos edifícios comerciais e residenciais de grande porte a sua volta que,

por conseguinte, resultaram no ofuscamento do edifício de dimensões bastante inferiores.

Figura 3 - A esquerda, mapa de 1881 da região central em contraste com mapa dos dias atuais (direita). Fonte: PASSOS, 2009, p.29 /

<www.google.com.br/maps/place/Capela+do+Menino+Jesus+e+Santa+Luzia>, acesso 13 mar. 2016.

No mapa de 1881 constata-se que ao sul da Rua Tabatinguera a região ainda era brevemente

adensada e os arruamentos ainda não estabeleciam tantas conexões. Em contrapartida,

atualmente observa-se uma série de novas vias conectadas, a ligação da Rua Tabatinguera

com a movimentada Avenida do Estado, além dos diversos pontos de comércio e importantes

estabelecimentos como o banco, o sindicato e o tribunal que se consolidaram à sua volta.

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III. Igreja da Ordem Terceira do Carmo

Na segunda metade do século XVII, a Igreja da Ordem Terceira do Carmo foi fundada por um

grupo de leigos, em sua maioria bandeirantes, como uma capela adjacente à Igreja de Nossa

Senhora do Carmo, que foi inaugurada em 1592 e demolida em 1928.

A edificação atual também é conhecida como Capela dos Terceiros do Carmo e foi erguida

entre 1747 e 1758 em taipa de pilão. Entre os anos 1772 e 1802, passou por um processo de

ampliação da construção e ainda obteve uma nova fachada principal efetuada por Joaquim

Pinto de Oliveira, escravo do mestre-de-obras Bento de Oliveira Lima, responsável por outras

obras da arquitetura religiosa da São Paulo colonial. Apenas em 1929 o templo foi de fato

parcialmente reconstruído, passando por uma ampla reforma.

A instituição é responsável por conter um significativo conjunto da arte colonial paulista, do

qual são evidenciadas as pinturas dos tetos da capela-mor e do coro, de autoria do mestre

ituano Frei Jesuíno do Monte Carmelo, além do altar rococó e painéis do demolido

Recolhimento de Santa Teresa.

Análise dos efeitos da urbanização sobre a edificação

Pode-se inferir que entre os anos 1841 e 2016 (Figura 4) a conjuntura do meio que contorna a

edificação religiosa passou por diversas modificações quanto ao seu delineado. Destaca-se a

Avenida Rangel Pestana, onde está localizada a Igreja em questão, via essa consequência de

mudanças no traçado feitas no Plano de Avenidas e, posteriormente implantada.

Figura 1- Mapas da região central com destaque para a edificação analisada, 1841 e 2016. Fonte: DPH. Disponível em: <www.arquiamigos.org.br>, acesso 20 mar.2016 /

<www.google.com.br/maps/place/Igreja+Ordem+Terceira+do+Carmo>, acesso 21 mar.2016.

Contudo, dentre as demais edificações analisadas, pode-se induzir que a Igreja em questão

não foi totalmente sufocada pelo crescimento urbano no local, pois ela conserva à sua direita

uma parte da Praça Clóvis Beviláqua, que certamente com o passar do tempo se tornou mais

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povoada e consolidada, mas que reserva um espaço agradável e harmonioso em meio ao

ritmo acelerado que prevalece na região.

IV. Paróquia Nossa Senhora da Paz

A construção da Igreja Nossa Senhora da Paz despontou da proposição de estruturar na

capital paulista uma paróquia nacional e um centro de atividades que reunisse a grande e

diversificada comunidade italiana de São Paulo. Estiveram à frente deste projeto os padres da

Congregação dos Missionários de São Carlos (scalabrinianos), liderados na época pelo Padre

Francisco Milini. Através do apoio de um grupo de senhoras italianas, que formaram a

Associação Nossa Senhora da Paz, e igualmente com a participação dos moradores do

bairro, foi possível a formulação de um ambicioso projeto social e pastoral, aprovado pelo

Arcebispo de São Paulo em 1938.

Em 1940, concretizou-se o levantamento da Paróquia em uma localidade que concentrava

uma população operária de origem imigrante.

Atualmente, a Igreja é uma referência importante como arte sacra devido a sua arquitetura

arrojada por Pettini, os belíssimos afrescos de Fúlvio Pennacchi, e as esculturas de Galileo

Emendabili. Ademais, construiu-se também uma creche, posteriormente uma escola, além de

espaços para outros eventos.

Nas imediações da Igreja da Paz, o bairro conhecido hoje pelo nome de Glicério, conheceu

uma grande transformação, devido ao enorme fluxo migratório. Houve desde o início uma

participação expressiva da população local, de origem migrante, italianos, japoneses,

coreanos, portugueses e outras nacionalidades, além de uma presença crescente de

migrantes nacionais vindos de diferentes regiões do país. Ao passo em que a cidade de São

Paulo se desenvolvia de forma admirável, também recebia um enorme fluxo de migrantes

internos, que se instalavam nas suas periferias, mas também nos antigos bairros operários do

centro da capital.

Análise dos efeitos da urbanização sobre a edificação

A Figura 5 demonstra as intervenções ocorridas na malha urbana desde a fundação da

paróquia até os dias atuais, onde é possível perceber que a maior delas é a implantação do

viaduto Leste-Oeste realizada entre os anos de 1968 e 1971, e que provocou na região uma

visível degradação.

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Figura 5- Mapas da localização da Paróquia Nossa Senhora da Paz, 1842 e 2016. Fonte: Arquivo Histórico Municipal /

<www.google.com.br/maps/place/Paróquia+Nossa+Senhora+da+Paz>, acesso 23 abr.2016

V. Paróquia São Francisco de Assis

Em 1640, uma disputa entre colonos e religiosos ocasionou a expulsão dos jesuítas e, neste

mesmo ano, chegava a São Paulo uma caravana de sete religiosos franciscanos,

instalando-se numa casa em frente à Ermida de Santo Antônio, na atual Praça do Patriarca. O

início da construção do convento ocorreu dois anos depois, no dia 24 de dezembro 1642,

quando os frades receberam um terreno, doado pela Câmara.

Foi no dia da comemoração da festa das Chagas de São Francisco que o Convento de São

Francisco e de São Domingos (seu primeiro nome de batismo) foi inaugurado, em 17 de

setembro de 1647, e sendo considerado o maior já construído em São Paulo. Ocupava todo o

espaço que atualmente é da Faculdade de Direito. O terreno do Convento tinha três fontes de

água pura, mas sofria com as enchentes do ribeirão Anhangabaú.

Até meados do século XVII, o frontispício das igrejas da Província era construído em estilo

jesuítico, com torre baixa. Contudo, adotou-se o barroco. Em 1884, a fachada da Igreja foi

modificada e aberta à entrada central como hoje é utilizada.

Após declarar sua independência, o Brasil criou dois cursos jurídicos sendo que um deles foi

sediado no Convento São Francisco na cidade de São Paulo. Entretanto, com apenas três

meses de existência do curso de Direito, o seu diretor, José Arouche Toledo Rondon sugeriu

ao governo Imperial a requisição de todo o Convento, ocasionando uma disputa judicial entre

Faculdade e a Província Franciscana, na qual os religiosos venceram a causa em 1933.

A estrutura atual do Convento São Francisco, na parte dos fundos da secular igreja, foi

construída em 1941 pelo guardião Frei Damaso Venker.

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Análise dos efeitos da urbanização sobre a edificação

O Convento de São Francisco, posicionado adjacente à Igreja, fez parte do complexo até

1827, quando em sua posição foi erguida a Faculdade de Direito da Universidade de São

Paulo (Figura 6). Em 1930, o edifício foi demolido, tendo sido concluída sua nova construção

em 1934. As duas edificações não possuem qualquer recuo lateral entre si, ficando, deste

modo, as três fachadas – a da Faculdade e as das duas igrejas – vinculadas.

Além disso, notou-se uma intensificação no número de construções ao redor da edificação,

juntamente aos novos arruamentos que contribuíram para a composição do traçado urbano

observado atualmente. Em comparação ao mapa de 1847, destaca-se o surgimento da Rua

São Francisco, Rua Riachuelo e a movimentada Avenida Vinte e Três de Maio.

Figura 6 - Mapa da cidade de São Paulo em 1847, em destaque o Convento de São Francisco e mesma localidade nos dias atuais. Fonte: DPH. Disponível em:<www.arquiamigos.org.br>, acesso 26 abr.2016 /

<www.google.com.br/maps/place/Paróquia+São+Francisco+de+Assis>, acesso 26 abr.2016.

VI. Igreja Chagas do Seráfico Pai São Francisco

Trata-se de uma igreja colonial, inaugurada pela Venerável Ordem Terceira de São Francisco

da Penitência em 1787.

Entre 1642 e 1647, os frades franciscanos instalados na vila de São Paulo do Piratininga

construíram um convento e igreja. Em 1676, frei João de São Francisco, comissário dos

terceiros, iniciou a construção da capela da Ordem Terceira, que durou décadas, até ser

ampliada e se tornar uma igreja independente. Essa primeira capela foi terminada em 1736 e

era ligada à igreja conventual por um arco. A capela de planta octogonal foi transformada em

transepto da nova igreja, que passou a ter planta em forma de cruz com a fachada principal

alinhada com a da igreja conventual.

Optou-se pela taipa de pilão com embasamento de pedra como técnica construtiva. O seu

interior encontra-se bem conservado, com vários retábulos laterais em talhas de estilo rococó.

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A cúpula octogonal ostenta pinturas do final do século XVIII e, em outras dependências,

trabalhos do mesmo período.

Análise dos efeitos da urbanização sobre a edificação

Conforme analisado nas referências iconográficas, a Igreja do Seráfico Pai São Francisco

notadamente não apresenta qualquer recuo lateral às construções adjacentes a ela. À sua

esquerda, isso deve-se ao fato de que quando a edificação se encontrava na fase final de

obras, tomou-se a decisão que sua fachada seria um prolongamento da igreja conventual.

Entretanto, se observado em relação ao lado esquerdo, nota-se nitidamente os efeitos de um

crescimento acelerado e desordenado, uma vez que o prédio de funções residencial e

comercial está contíguo a ela, de modo a gerar uma situação desconfortável tanto para os

residentes quanto para o público religioso, já que as duas construções passam a impressão

de terem sido sufocadas. No limite posterior da Igreja com outras construções, do mesmo

modo percebe-se escassos espaços intermediando essa divisão.

A Figura 7 representa a implantação da igreja no mapa da cidade de 1810 e de 2016, sendo

que a principal intervenção viária em seu entorno foi a implantação da avenida Vinte e Três de

Maio.

Figura 7- Mapas da localização da Igreja Chagas do Seráfico Pai São Francisco, 1810 e 2016. Fonte: <www.google.com.br/maps/search/igreja+das+chagas+do+seráfico+pai+são+francisco>,

acesso 25 abr. 2016.

VII. Igreja Nossa Senhora da Boa Morte

Em 1810, foi construída em taipa de pilão e adobe (tijolos de terra batida). Devido ao seu teto

que ameaçava ruir, o madeiramento tomado por cupins, entre outros problemas, a Igreja que

estava bastante degradada teve de ser fechada em 2005.

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Sua restauração que se iniciou logo no ano seguinte foi marcada por uma obra cheia de

minúcias, que duraria três anos e envolveria 60 profissionais. Reaberta em julho de 2009, a

igreja – tombada pelos órgãos estadual e municipal de proteção ao patrimônio – foi assumida

pelos religiosos da Aliança da Misericórdia, associação com trabalhos sociais voltados à

população carente.

Em São Paulo, as construções dessa época não eram carregadas de luxo, como se

observava no deslumbrante barroco mineiro, principalmente pelo fato que a cidade estava

localizada longe das minas de ouro. Contudo, as igrejas paulistanas mesclavam diferentes

escolas arquitetônicas e não possuíam um único estilo.

De acordo com a tradição religiosa, era recomendável pedir a Nossa Senhora da Boa Morte,

como o próprio nome sugere uma “boa morte”. Portanto, acredita-se que ao longo do século

XIX, a Igreja tenha sido parada obrigatória de escravos condenados à forca, visto que a

execução costumava ocorrer próximo de onde hoje é a Praça da Liberdade, no centro.

O templo era igualmente conhecido como “Igreja das boas notícias”. Isto é devido a sua

localidade à entrada daqueles que vinham do Ipiranga em direção à cidade, cujos sinos

repicavam para anunciar novidades – bem como a chegada de forasteiros, uma vez que sua

posição geográfica privilegiada permitia avistar antes os que chegavam da Serra do Mar.

Análise dos efeitos da urbanização sobre a edificação

Conforme observado no mapa de 1847 (Figura 8), cujos lotes e construções estão delineados,

apenas quatro décadas depois da construção da edificação religiosa a mesma já se

encontrava adjacente à uma construção em sua lateral. Não se sabe ao certo qual das duas

construções teria sido a primeira a ser erigida, contudo pode-se afirmar que a falta de um

recuo lateral mostra-se como consequência de um crescimento vertiginoso escasso de

planejamento, bem como de leis que o exigissem efetivamente naquela época.

É possível reparar que os recuos em relação à rua também são praticamente nulos, uma vez

que a construção está situada na extremidade de um quarteirão de formato irregular.

Nota-se que com o passar do tempo houve um notório incremento de vias, bem como

algumas tiveram seus nomes modificados, e as regiões à leste, norte e sul que até 1847

permaneciam pouco consolidadas, progressivamente foram se solidificando.

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Figura 8- Imediações à Igreja Nossa Senhora da Boa Morte em 1847 e atualmente. Fonte: DPH. Disponível em: <www.arquiamigos.org.br>. Acesso em 25 abr.2016 /

<www.google.com.br/maps/place/Igreja+Nossa+Senhora+da+Boa+Morte>, acesso 25 abr. 2016

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises espaço-temporais tiveram por objetivo primordial expor as consequências do

crescimento desordenado da cidade de São Paulo, com/sem planejamento, que se

evidenciaram claramente a partir da década de 1940.

Com a febre de urbanização foi se destruindo a “memória” da cidade, e os edifícios religiosos

que sempre foram aspectos importantes dessa memória passaram a não mais apresentar

valor representativo para o seu entorno, ficando as “sombras” do novo contexto da cidade

originado pelas intervenções urbanas de ‘reabilitação’, ‘revalorização’, ‘revitalização’ e

‘requalificação’.

Referências

DPH. Informativo Histórico Municipal do Departamento do Patrimônio Histórico da

Secretaria da Cultura da Prefeitura Municipal da Cidade de São Paulo. Disponível em:

http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/index.html. Acesso em 06 de junho de 2016.

FERREIRA, B. O Antigo e nobre bairro da Sé. São Paulo: Prefeitura Municipal / Série

História dos bairros de São Paulo, volume X, 1971.

PASSOS, M.L.P.; EMÍDIO, T. Desenhando São Paulo: mapas e literatura: 1877-1954.

Editora Senac São Paulo: Imprensa Oficial, 2009.

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PMSP. Histórico Demográfico do Município de São Paulo: 1872-2010. Prefeitura

Municipal de são Paulo. Disponível em:

<http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico>. Acesso em 25 de mar. 2016.

SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA. Acervo Fotográfico do Arquivo Histórico de

São Paulo. Disponível em:

<http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ > Acesso em 03 de

jun. 2016.

www.google.com.br/maps/place/Igreja+Ordem+Terceira+do+Carmo+(Nossa+Senhora+do+

Carmo, acesso 12 abr. 2016.

www.google.com.br/maps/place/Capela+do+Menino+Jesus+e+Santa+Luzia/, acesso 09 mar.

2016.

www.google.com.br/maps/place/Catedral+Metropolitana+de+S%C3%A3o+Paulo/, acesso 12

mar. 2016.

www.google.com.br/maps/place/Par%C3%B3quia+S%C3%A3o+Francisco+de+Assis/,

acesso 27 fev. 2016.

www.google.com.br/maps/place/Igreja+Nossa+Senhora+da+Boa+Morte/, acesso 22 jan.

2016.

www.saopaulo.com.br/largo-sao-francisco, acesso 19 mai. 2016.