As Transformações No SFI_vol 2

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Vários estudiosos analisam as transformações recentes do sistema financeiro internacional

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  • As Transformaesno Sistema Financeiro

    InternacionalVolume 2

    OrganizadoresMarcos Antonio Macedo Cintra

    Keiti da Rocha Gomes

    Misso do IpeaProduzir, articular e disseminar conhecimento paraaperfeioar as polticas pblicas e contribuir para oplanejamento do desenvolvimento brasileiro.

    Volume

    2

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  • Para serem socialmente teis, os sistemas financeiros deve-riam contribuir para a alocao eficiente de recursos na economia e para a promoo do investimento produtivo e da inovao tcnica. O contexto recente, ainda sob os efeitos da crise financeira inter-nacional eclodida em 2008, trouxe uma significativa oportunidade de discusso acerca da violenta instabilidade e dos riscos intrnsecos ao funcionamento de mercados financeiros desregulamentados, li-beralizados e com precrios mecanismos de controles internos das prprias instituies.

    Escravos da lgica da acumulao especulativa, tendo-se tornado disfuncionais para a alocao eficiente de capitais, os sistemas financeiros podem causar grandes e graves danos s sociedades. urgente aprofundar a reflexo sobre a rerregulamentao desses mercados cada vez mais complexos e sofisticados, e sobre o risco sistmico potencial decorrente da atuao imprudente de gigantescos bancos universais. imperioso repensar a componente pblica da governana dos sistemas financeiros nacionais e global. Nos pases em desenvolvimento, em especial o Brasil, o contexto reforou os benefcios de se terem reguladores fortes (Banco Central do Brasil e Comisso de Valores Mobilirios) e de se conciliarem bancos pblicos e privados na oferta de crdito anticclico. Por seu turno, o momento enseja a oportunidade e a urgncia de se promover uma agenda de desenvolvimento financeiro pblico e privado hgido e adequadamente supervisionado.

    Aproximarem-se os mercados de capitais e os sistemas de cr-dito do papel de induo do investimento produtivo, superando o curto-prazismo e a inclinao s operaes especulativas, embora parea algo intuitivo, implica lidar com uma complexidade de as-pectos fortemente relacionados, e em um ambiente de profundas transformaes. Tais aspectos passam por questionar o papel das ins-tituies reguladoras, dos bancos centrais, das organizaes finan-ceiras multilaterais, das grandes instituies bancrias internacionais e dos bancos de desenvolvimento regionais, e os resultantes dese-quilbrios de balanos de pagamentos internacionais.

    Os desafios nessa direo so muitos. E este livro pode ser um importante ponto de partida neste debate crucial.

    Luciano CoutinhoPresidente do BNDES

  • As Transformaesno Sistema Financeiro

    InternacionalVolume 2

    OrganizadoresMarcos Antonio Macedo Cintra

    Keiti da Rocha Gomes

  • Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Wellington Moreira Franco

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    Presidenta InterinaVanessa Petrelli Corra

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalGeov Parente Farias

    Diretora de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisLuciana Acioly da Silva

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaAlexandre de vila Gomide

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicas, SubstitutoClaudio Roberto Amitrano

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisFrancisco de Assis Costa

    Diretor de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaCarlos Eduardo Fernandez da Silveira

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisJorge Abraho de Castro

    Chefe de GabineteFabio de S e Silva

    Assessor-chefe de Imprensa e Comunicao, SubstitutoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

  • As Transformaesno Sistema Financeiro

    InternacionalVolume 2

    OrganizadoresMarcos Antonio Macedo Cintra

    Keiti da Rocha Gomes Braslia, 2012

  • Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2012

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    As transformaes no sistema financeiro internacional / organizadores: Marcos Antonio Macedo Cintra, Keiti da Rocha Gomes.- Braslia : Ipea, 2012. 2 v. : grfs., tabs..

    Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7811-147-2

    1. Sistema Financeiro Internacional. 2. Mercado Financeiro Internacional. 3. Finanas Internacionais. I.Cintra, Marcos Antonio Macedo. II. Gomes, Keiti daRocha. III. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 332.042

  • SUMRIO

    APRESENTAO......................................................................................... VIIPREFCIO.................................................................................................... IX

    VOLUME.1

    CAPTULO.1O G20 E A REFORMA DO SISTEMA FINANCEIRO: POSSIBILIDADES E LIMITAESFernando J. Cardim de Carvalho

    CAPTULO.2REGULAO FINANCEIRA DOS ESTADOS UNIDOS: A LEI DODD-FRANK DE REFORMA DE WALL STREET E PROTEO AO CONSUMIDOR NA PERSPECTIVA ATUAL E HISTRICAJan Kregel

    CAPTULO.3O SISTEMA FINANCEIRO DA UNIO EUROPEIA PS-LEHMAN: RESPOSTAS POLTICAS E REGULATRIASElisabetta MontanaroMario Tonveronachi

    CAPTULO.4OS DILEMAS DA POLTICA ECONMICA NO PS-CRISEMaryse Farhi

    CAPTULO.5O GNIO FORA DA GARRAFA: A EVOLUO DA POLTICA TOO BIG TO FAIL E A ESTRATGIA BANCRIA DOS ESTADOS UNIDOSGary Arthur Dymski

    CAPTULO.6O FINANCIAMENTO HABITACIONAL NO REGIME FINANCE-LED: ESPECIFICIDADES INSTITUCIONAIS DOS EUA E DA FRANARafael Fagundes Cagnin

    CAPTULO.7COMO SERIA UM SISTEMA FINANCEIRO SISTEMICAMENTE RESILIENTE?Avinash D. Persaud

    CAPTULO.8HEDGE FUNDS E AS IMPLICAES PARA O BRASILKeiti da Rocha GomesMarcos Antonio Macedo Cintra

  • CAPTULO.9A REGULAO DO SISTEMA FINANCEIRO APS A CRISESimone Silva de Deos

    VOLUME.2

    CAPTULO.10O BANCO EUROPEU DE INVESTIMENTO E SEU PAPEL NA INTEGRAO E NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL ................................................................. 411Stephany Griffith-JonesJudith Tyson

    CAPTULO.11REGULAO BANCRIA E ARRANJO INSTITUCIONAL PS-CRISE: ATUAO DO CONSELHO DE ESTABILIDADE FINANCEIRA E BASILEIA III ............ 441Ana Rosa Ribeiro de Mendona

    CAPTULO.12DE BASILEIA II PARA BASILEIA III: OS MESMOS DESAFIOS? ................................. 479Jean Toledo de Freitas

    CAPTULO.13INSTABILIDADE ESTRUTURAL E EVOLUO DOS FLUXOS INTERNACIONAIS DE CAPITAIS PRIVADOS LQUIDOS PARA A PERIFERIA (1990-2009) ......................................................................... 501Giuliano Contento de Oliveira

    CAPTULO.14O DESEQUILBRIO MONETRIO INTERNACIONAL NOS ANOS 2000 ..................... 547Luiz Afonso Simoens da Silva

    CAPTULO.15OS DIREITOS ESPECIAIS DE SAQUE E A REFORMA DO SISTEMA MONETRIO INTERNACIONAL ....................................................... 573Jos Antonio Ocampo

    CAPTULO.16REFORMANDO AS INSTITUIES FINANCEIRAS MULTILATERAIS (PASSADO E PRESENTE): BANCO MUNDIAL E FUNDO MONETRIO INTERNACIONAL ........................................................................... 605Jaime Cesar Coelho

    CAPTULO.17CRISE SISTMICA E ERA DA INDETERMINAO NO INCIO DO SCULO XXI: EVOLUO MACROECONMICA E DA RIQUEZA FINANCEIRA A PARTIR DA CRISE DO PERODO 2007-2009 ................................................................................... 649Jos Carlos Braga

  • APRESENTAO

    Passados pouco mais de trs anos da quebra do banco Lehman Brothers, esto-pim da mais profunda crise financeira internacional do segundo ps-Guerra, poucas vezes na histria recente as perspectivas para a economia mundial se apresentaram to incertas. A maior economia do planeta, os Estados Unidos, epicentro do colapso das hipotecas subprime a partir do qual a crise se espraiou, exibe atividade econmica anmica e nveis elevados de desemprego. A Europa, do mesmo modo, se prepara para um ano de estagnao no nvel de atividade, quando no propriamente de recesso, em meio s taxas de desemprego mais altas verificadas em dcadas e desconfiana generalizada nos mercados finan-ceiros em relao s dvidas soberanas de vrios pases, que ameaam a continui-dade do financiamento de suas economias e da regio como um todo. Mesmo as economias emergentes, muitas das quais foram as primeiras a se recuperar do impacto sofrido com a ecloso da crise em 2008, passaram a mostrar sinais de desaquecimento do ritmo de atividade econmica.

    A magnitude da extenso e dos desdobramentos desse episdio no mundo, inicialmente restrito esfera financeira, desencadeou a proliferao de inmeros espaos de debates e de reflexo acerca do potencial risco sistmico da arquitetura dos mercados financeiros globais e das fragilidades dos principais mecanismos re-gulatrios em assegurar a liquidez e a estabilidade. Em meio s tenses recentes, a defesa em prol de uma superviso mais direta e permanente do sistema financeiro ganhou importncia nos fruns internacionais e tem-se mostrado cada vez mais urgente. Algumas iniciativas nesta direo surgem nas recomendaes do G20 financeiro, nas propostas prudenciais do Comit de Superviso Bancria de Basi-leia, na lei Dodd-Frank de reforma financeira nos Estados Unidos e no projeto de regulamentao da Unio Europeia, entre outras.

    Paralelamente a algumas crticas quanto real eficcia dessas iniciativas, emerge uma reflexo ainda mais profunda, com subsdios certamente relevan-tes, apoiada em como conceber um sistema financeiro que colabore de forma eficaz para o desenvolvimento econmico e social. Visando contribuir para esta reflexo, o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) convidou professo-res e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, reconhecidos por estudos na rea de mercados financeiros, a enfrentarem o desafio de pensar as transformaes no sistema financeiro internacional e as possveis implicaes para o alcance de um sistema mais resiliente e em linha com o objetivo de desenvolvimento econmico e social global.

    O resultado desse trabalho, reunido neste livro, mostrou que tal questo passa por pensar uma complexa interao de temas diversos, entre os quais: o papel das instituies financeiras multilaterais, como o Fundo Monetrio

  • VIII As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    Internacional (FMI) e o Banco Mundial; a importncia dos bancos de de-senvolvimento, nacionais e regionais; as implicaes de uma arquitetura de mercado orientada por grandes instituies financeiras internacionais as chamadas financial holding companies; a conciliao de um mercado financei-ro estvel com a presena de atividades especulativas; e os efeitos adversos de tais atividades sobre a estabilidade dos fluxos internacionais de capitais, alm dos resultantes desequilbrios monetrios internacionais.

    As contribuies dos vrios autores sobre essas questes, nesta publicao, oferecem ao leitor brasileiro uma rica oportunidade de entender, questionar e repensar a estrutura do sistema financeiro internacional, algo significativamente importante para o pas.

    Vanessa Petrelli CorraPresidenta Interina do Ipea

  • PREFCIO

    As premissas que amparavam a concepo de estruturas de mercados autorregu-lados foram colocadas em xeque com a ecloso da crise financeira internacional de 2008. A predominncia deste arcabouo conceitual, sobretudo nas ltimas dcadas, fortaleceu os argumentos em defesa da maior liberdade nos ambientes financeiros, desencadeando um processo generalizado, principalmente nos Esta-dos Unidos, de desmantelamento das estruturas regulatrias. Como legado deste domnio, o mundo presencia os desdobramentos da pior crise financeira global desde a quebra da bolsa de valores norte-americana de 1929, manifesta na estag-nao da atividade econmica de pases desenvolvidos centrais no globo Esta-dos Unidos, Japo e pases da Unio Europeia.

    Se, por um lado, a crise de 2008 contesta as premissas ento vigentes, por outro, a sua profundidade e implicaes sistmicas so nicas desde a Segunda Guerra Mun-dial, e colocam um desafio conceitual para o entendimento das mutaes em curso no sistema financeiro internacional e das intensas conexes com a dinmica econmica, poltica e social dos pases. Inicialmente, a opacidade que caracterizou a gestao das rupturas no mercado de hipotecas subprime surpreendeu o mundo e fortaleceu os argu-mentos em defesa de uma superviso mais direta dos mercados. Vrias iniciativas neste sentido tm sido colocadas em prtica por governos dos Estados Unidos e da Unio Europeia, somadas aos acordos no mbito do G20 financeiro e do Comit da Basileia.

    No entanto, passada a perplexidade inicial, proliferam crticas quanto real eficcia dessas iniciativas. Entre os pessimistas prevalece a viso de que as medidas adotadas so caracterizadas pela superficialidade e no enfrentam questes-chave no funcionamento dos mercados financeiros. Nesta situao, a volta norma-lidade no expe um ganho para a sociedade, mas sim a manuteno de uma estrutura financeira potencialmente arriscada e fadada gestao de novas crises.

    Com base nessa viso, torna-se extremamente oportuno ampliar a compre-enso das transformaes no sistema financeiro internacional, buscando alvitrar mecanismos que o aproximem da funo de promover o desenvolvimento econ-mico e social. Para tanto, este livro rene as reflexes de importantes pesquisado-res sobre o assunto, e segue organizado em 17 captulos. O primeiro deles, O G20 e a reforma do sistema financeiro: possibilidades e limitaes, escrito por Fernando J. Cardim de Carvalho, traz uma avaliao da atuao do G20 financeiro, visando discutir as perspectivas do grupo diante dos desafios que enfrenta, tendo em vista suas limitaes. Assim, o autor analisa a atuao do G20 na primeira dcada, entre 1999, quando foi criado, e 2008, quando teve o seu papel drasticamente alterado. Discute as principais iniciativas do frum na rea de reforma financeira no perodo posterior ecloso da crise financeira nos Estados Unidos e examina as perspectivas para o futuro do grupo nesta rea.

  • X As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    No captulo 2, Regulao financeira dos Estados Unidos: a Lei Dodd-Frank de Reforma de Wall Street e Proteo ao Consumidor na perspectiva atual e histrica, Jan Kregel, baseado na estrutura analtica da fragilidade financeira proposta por Hyman Minsky, analisa as principais mudanas na regulamentao financeira nos Estados Unidos consubstanciadas na lei Dodd-Frank de 2010, que visam impe-dir um colapso no sistema financeiro semelhante crise de 2007-2008. O autor discute se a lei Dodd-Frank poder realmente impedir que outra crise acontea.

    No captulo 3, O sistema financeiro da Unio Europeia ps-Lehman: respostas polticas e regulatrias, Elisabetta Montanaro e Mario Tonveronachi observam a importncia de analisar as reformas no setor financeiro europeu como parte da reformulao de todo o projeto da Unio Europeia. Para compreender as res-postas europeias crise, os autores descrevem as caractersticas mais marcantes do sistema financeiro europeu e as etapas recentes do processo de harmonizao regulatria, com nfase na gesto e resoluo das crises transfronteirias. Alm disso, o texto traz uma descrio da evoluo da crise na regio desde a primeira fase crise financeira at o seu desdobramento na crise da dvida soberana, analisando as respostas polticas e regulatrias. Ressalta tambm os perigos de uma abordagem para a questo da regulamentao que parece incapaz de reduzir significativamente as fragilidades sistmicas.

    No quarto captulo, Os dilemas da poltica econmica no ps-crise, Maryse Farhi discute o conturbado perodo ps-crise, os diagnsticos diferenciados e as distintas medidas de poltica econmica adotadas pelas principais economias de-senvolvidas. Inicialmente, o texto aborda a convergncia das polticas macroecon-micas anticclicas adotadas no auge da crise e suas bases tericas. Em um segundo momento, examinam-se as profundas divergncias nestas polticas surgidas no des-dobramento da crise, particularmente entre a Unio Europeia e os Estados Unidos.

    No captulo 5, O gnio fora da garrafa: a evoluo da poltica too big to fail e a estratgia bancria dos Estados Unidos, Gary A. Dymski examina criticamente a poltica bancria too big to fail nos Estados Unidos. Na viso do autor, esta poltica evoluiu de ferramenta utilizada pelas autoridades governamentais a fim de se manter a estabilidade dos mercados, para uma restrio sobre as polticas financeiras e regulatrias imposta por um complexo megabancrio. Se, por um lado, ela previne a ocorrncia de corridas bancrias, por outro, estabelece um pr-compromisso de preservar algumas empresas financeiras independentemente do dano econmico que as suas assunes ao risco possam ter causado. Para Dymski, um nmero crescente de economistas, incluindo aqueles que um dia acolheram a desregulamentao como uma porta para os ganhos de eficincia, esto con-cordando com a imposio de limites para prevenir que instituies financeiras assumam riscos sistmicos. A questo como colocar o gnio de volta na garrafa.

  • XIPrefcio

    No captulo 6, O financiamento habitacional no regime finance-led: especifici-dades institucionais dos EUA e da Frana, Rafael Fagundes Cagnin analisa o regime de crescimento financed-led nos Estados Unidos e na Frana durante o contexto da valorizao imobiliria intensificada no incio dos anos 2000. Segundo o autor, a despeito de apresentarem o mesmo regime de crescimento, perduram diferenas nacionais importantes entre os Estados Unidos e a Frana, estando as famlias americanas em posio mais favorvel que as francesas no que concerne mobili-zao da sua riqueza cristalizada sob a forma de imvel residencial. De qualquer modo, na ausncia de recuperao dos mercados imobilirios e na permanncia de mercados financeiros deprimidos, o efeito pobreza tem substitudo o efeito riqueza verificado nos anos de 1990 e 2000.

    No captulo 7, Como seria um sistema financeiro sistemicamente resiliente?, Avinash D. Persaud prope uma reflexo a respeito dos diferentes tipos de risco financeiro e da segurana dos mercados. A regulao financeira, segundo o autor, deveria ter como foco organizar os riscos nos sistemas financeiros de modo a limitar as suas propagaes sistmicas. O cerne desta organizao deveria consi-derar dois conceitos: i) existem diferentes tipos de riscos, cada um com distintas maneiras de cobertura; e ii) existe uma diversidade de participantes no mercado com capacidades diferentes para absorver riscos. Trabalhar com esta diversidade essencial para a criao de um sistema financeiro resiliente.

    No captulo 8, Hedge funds e as implicaes para o Brasil, Keiti da Rocha Gomes e Marcos Antonio M. Cintra analisam a evoluo do segmento de hedge funds no contexto das transformaes no sistema financeiro norte-ame-ricano, com especial ateno para o movimento recente de avano de investi-dores ao mercado latino-americano, sobretudo para o Brasil. Dois episdios, envolvendo a quebra do LTCM em 1997 e a dos hedge funds geridos pelo Bear Stearns em 2007, ressaltaram para o mundo o poder de rupturas sistmicas destas entidades e justificaram as preocupaes em relao a estes movimentos. Os autores discutem a importncia de se desenhar um marco regulatrio para o segmento e mostram como a regulao brasileira pode ser um exemplo no plano internacional.

    No captulo 9, A regulao do sistema financeiro aps a crise, Simone Silva de Deos discute, a partir da perspectiva terica de Hyman Minsky, as novas propos-tas de regulao do sistema financeiro, em especial do segmento bancrio, que vm sendo debatidas e introduzidas no sistema financeiro dos Estados Unidos e da Unio Europeia. Para isso, a autora analisa as caractersticas principais da regulao bancria vigente quando da crise e avalia o novo formato de regulao, a ser aplicado em mbito internacional, que resulta das discusses no mbito do G20 e do Financial Stability Board.

  • XII As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    No captulo 10, O Banco Europeu de Investimento e seu papel no desenvolvi-mento e na integrao regional, Stephany Griffith-Jones e Judith Tyson mostram as principais caractersticas, as funes e a evoluo do Banco Europeu de Investi-mentos, de longe o maior banco de desenvolvimento do mundo. O texto discute o papel da instituio no processo de integrao econmica europeia e analisa as possveis lies para os bancos de desenvolvimento latino-americanos, incluindo especificamente os do Brasil. As autoras propem ainda uma reflexo acerca da criao de um banco de desenvolvimento regional para a Amrica Latina e o Ca-ribe, de propriedade dos pases da regio.

    No captulo 11, Regulao bancria e arranjo institucional ps-crise: atuao do Conselho de Estabilidade Financeira e Basileia III, Ana Rosa Ribeiro de Men-dona discute as mudanas propostas no regime regulatrio de Basileia II, conhe-cido como Basileia III, a partir da perspectiva de interao entre as instituies G20, Financial Stability Board e Comit de Basileia para a Superviso Bancria. Centrada na regulao dos bancos aps a crise de 2008, a discusso da autora sobre Basileia III, centro da agenda de reforma regulatria, aponta que o novo regime no se despiu da lgica que parece ter contribudo para a gestao da crise, mas sim a manteve, apesar de procurar minimiz-la.

    No captulo 12, De Basileia II para Basileia III: os mesmos desafios?, Jean Toledo de Freitas avalia o Acordo de Basileia III, destacando as principais mudanas em relao ao formato de Basileia II, e o examina em face dos desafios da regulao no contexto da atual arquitetura financeira internacional. A partir da observao do papel dos bancos na evoluo dos ciclos econmicos, associado ao modo como as ex-pectativas so formadas em um contexto de incerteza, o autor discute a importncia de Basileia III no permanecer restrita s caractersticas microprudenciais, com foco apenas nas condies de solvncia dos bancos de modo individual. Torna-se impor-tante a incorporao de estruturas de superviso macroprudencias e abrangentes, de modo a reduzir as lacunas regulatrias em um ambiente de constante inovao.

    No captulo 13, Instabilidade estrutural e evoluo dos fluxos internacionais de capitais privados lquidos para a periferia (1990-2009), Giuliano Contento de Oliveira discute o comportamento dos fluxos internacionais de capitais privados lquidos para as economias em desenvolvimento a partir dos anos de 1990, con-templando o momento de retomada destes fluxos para as economias perifricas e a crise global. O autor procura sustentar que, embora a constituio de blinda-gem externa no tenha evitado o efeito-contgio entre as economias por no atacar a causa da instabilidade dos fluxos internacionais de capitais privados, de natureza estrutural , a estratgia se revelou muito importante para que boa parte dos pases pudesse acomodar ativamente, de forma no subordinada, os impactos adversos causados pela abrupta reverso destes fluxos.

  • XIIIPrefcio

    No captulo 14, O desequilbrio monetrio internacional nos anos 2000, Luiz Afonso Simoens da Silva analisa as caractersticas do sistema monetrio interna-cional dlar-flexvel, com nfase na instabilidade das taxas de cmbio medidas por suas tendncias de valorizao ou desvalorizao. Neste cenrio, algumas mo-edas pensadas como substitutas do dlar o euro, o yuan e os direitos especiais de saque so discutidas. O autor analisa ainda as implicaes dos desequilbrios cambiais para a economia brasileira.

    No captulo 15, Os direitos especiais de saque e a reforma do sistema monetrio internacional, Jos Antonio Ocampo discute os problemas do sistema monetrio internacional contemporneo e prope uma reforma que coloque os direitos es-peciais de saque no centro do sistema. O captulo tem como foco duas propostas de reforma formuladas em maro de 2009 pelo dirigente do Banco do Povo Chi-ns (o banco central da China) e pela Comisso de Especialistas sobre a Reforma do Sistema Monetrio e Financeiro Internacional, convocada pelo presidente da Assembleia Geral das Naes Unidas e liderada pelo professor Joseph E. Stiglitz. Ambas sugeriram mudanas profundas no sistema monetrio internacional dire-cionadas a corrigir as suas assimetrias, problemas de gerao de liquidez e poten-ciais de instabilidade.

    No captulo 16, Reformando as instituies multilaterais (passado e presente): Banco Mundial e Fundo Monetrio Internacional, Jaime Cesar Coelho procura responder em que medida as transformaes em curso na arquitetura financeira internacional so meras acomodaes conjunturais ou representam mudanas, mesmo que incrementais, que apontam para transformaes de longa durao, ou seja, de carter estrutural. O captulo trilha o caminho de uma anlise institucio-nal crtica, na literatura de economia poltica internacional, que aceita supostos racionalistas, mas avana em uma perspectiva reflexiva.

    Por fim, no captulo 17, Crise sistmica e era da indeterminao no incio do sculo XXI: evoluo macroeconmica e da riqueza financeira a partir da crise do per-odo 2007-2009, Jos Carlos Braga, amparado por uma realista e consistente teoria da dinmica capitalista, defende que a crise sistmica global iniciada em 2007 a partir dos Estados Unidos deve ser compreendida como uma novidade histrica. Na viso do autor, trata-se de um evento especfico entre a longa lista de crises, incluindo as que ocorreram aps 1971-1973, momento do colapso da regulao sob os acordos de Bretton Woods.

    Boa leitura!

    Keiti da Rocha GomesMarcos Antonio Macedo Cintra

  • CAPTULO 10

    O.BANCO.EUROPEU.DE.INVESTIMENTO.E.SEU.PAPEL.NA.INTEGRAO.E.NO.DESENVOLVIMENTO.REGIONAL* .

    Stephany Griffith-Jones**Judith Tyson***

    1..O.PAPEL.DO.BANCO.EUROPEU.DE.INVESTIMENTO.NA.INTEGRAO..E.NO.DESENVOLVIMENTO.REGIONAL.

    Desde seus primrdios, a integrao europeia foi acompanhada pela criao de importantes mecanismos financeiros. Tais mecanismos, emprstimos e transfern-cias resultantes, foram vistos como uma condio econmica e poltica para tornar a integrao econmica eficaz e equitativa. Este captulo concentra-se no veculo para estes mecanismos financeiros, o Banco Europeu de Investimento BEI (em ingls, European Investment Bank EIB), que de longe o maior banco de desen-volvimento no mundo. Sero analisadas suas principais caractersticas, funes e evoluo, e consideradas as possveis lies para os bancos de desenvolvimento latino-americanos, incluindo especificamente o Brasil, alm de propor reflexes sobre a criao de um banco de desenvolvimento regional para a Amrica Latina e o Caribe de propriedade dos pases da regio. Esta discusso apresentada em um contexto mais amplo de uma nova viso para uma estratgia de desenvolvimento para a Amrica Latina.

    Em termos da lgica econmica e poltica, a criao do BEI foi uma resposta anlise econmica amplamente aceita que mostra que a liberao do comrcio e a integrao econmica, tal como ocorreu na Unio Europeia (UE), contribuem para um crescimento geral mais rpido atravs das economias de escala e outros mecanismos, mas, devido s assimetrias inerentes, tambm leva a um crescimento relativamente menos rpido (ou at a um declnio) das reas mais pobres (GRI-FFITH-JONES, STEINHERR e LIMA, 2006). Ademais, a anlise econmica e a experincia mostraram que os mercados financeiros privados eram e so incom-pletos. De fato, uma das mais crticas falhas de mercado est no financiamento de projetos de infraestrutura de grande escala. Tipicamente, estes projetos levam

    * Texto elaborado com informaes disponveis at abril de 2011.

    ** Diretora de Mercado Financeiro da Iniciativa para o Dilogo Poltico na Universidade de Columbia, Estados Unidos.

    *** Estudante de PhD na School of Oriental and African Studies (SOAS) da Universidade de Londres.

  • 412 As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    um longo tempo para gerar receitas e se tornarem lucrativos, e estes perodos so frequentemente mais longos do que os prazos que os bancos ou os mercados de capitais desejam se comprometer, dado que eles percebem o risco aumentar com o tempo. Alm disso, a natureza dos projetos de infraestrutura implica em riscos polticos amplamente definidos, tais como mudanas nos regimes de preos ou regulatrio. Por conseguinte, o conforto proporcionado pelo cofinanciamento pblico importante para incentivar o investimento privado em infraestrutura. Onde os investimentos privados forem completamente inexistentes, os bancos pblicos ou o governo precisam investir ou emprestar para projetos de infraes-trutura desejveis em termos de desenvolvimento. Estas questes fornecem um claro argumento, tanto terico como poltico, para lidar com estas imperfeies de mercado por meio da criao de um banco pblico de grande porte. Como veremos, este argumento to forte, ou at mais, para a Amrica Latina hoje.

    Na experincia europeia, o emprstimo do BEI tinha originalmente dois objetivos principais. Em primeiro lugar, a convergncia, o que implica reduzir, se no eliminar totalmente, as diferenas de renda no interior da Comunidade Europeia mais tarde Unio Europeia (UE) , entre os pases e regies, parti-cularmente aquelas decorrentes da liberalizao comercial. Em segundo lugar, a alocao de grandes recursos financeiros para facilitar o funcionamento de um mercado cada vez mais integrado, por exemplo, ao financiar a interconexo de redes nacionais de transportes e telecomunicaes, foi igualmente importante. Esta necessidade prosseguiu, tanto quando a Comunidade Econmica Europeia (CEE) foi criada como quando os novos pases se uniram, uma vez que muita da infraestrutura existente era adequada para atender s necessidades nacionais, mas o processo de integrao comercial levava a novas e maiores exigncias alm das fronteiras locais. O BEI foi criado a fim de contribuir para que estes objetivos fossem cumpridos. Enquanto outros objetivos foram posteriormente acrescenta-dos, os objetivos de convergncia e de financiamento da infraestrutura alm das fronteiras permaneceram centrais.

    Tambm importante salientar que recursos de grande monta, e em geral crescentes, tm sido consistentemente alocados na Europa desde a dcada de 1950 para os objetivos de convergncia e infraestrutura pan-europeia. Esta di-nmica foi impulsionada pelos pases relativamente mais pobres, para os quais a adeso Comunidade tinha a pr-condio de criar ou aumentar acentu-adamente as subvenes e os emprstimos. O primeiro destes casos ocorreu quando, em meados dos anos 1950, a Itlia, antes de se unir CEE, pressionou a criao do BEI, em grande parte para ajudar a financiar a infraestrutura nas regies mais pobres do sul do pas. medida que a Comunidade Europeia se ex-pandia dos 6 pases originais para os atuais 27, o papel do BEI crescia significati-vamente para ajudar a integrar os novos pases no mercado comum e a fomentar

  • 413O.Banco.Europeu.de.Investimento.e.seu.Papel.no.Desenvolvimento...

    a convergncia econmica. Isso ocorreu, por exemplo, quando Grcia, Portugal, Irlanda e Espanha aderiram CEE. Outro grande impulso para os emprstimos do BEI foi dado pela transio para o mercado nos pases da Europa Central e Oriental e o posterior acesso de muitos deles UE. Em muitos destes casos, os emprstimos do BEI foram geralmente combinados com subvenes dadas pela Comisso Europeia, na forma de fundos estruturais. Existe uma diferena im-portante aqui em relao maior parte dos pases da Amrica Latina, onde no existem os mecanismos regionais ou outros mecanismos baseados em subvenes, embora os subsdios financiados a partir dos oramentos domsticos possam ser usados em mbito nacional. Ademais, para o investimento verde, deveria haver algumas subvenes de fundos globais, especialmente para pases de renda mais baixa, para mitigar e adaptar os efeitos das alteraes climticas.

    Assim como o BEI enquanto instituio concessora de emprstimos, os me-canismos europeus criados para apoiar o processo de integrao incluam tanto subvenes por meio de fundos estruturais como garantias para catalisar os em-prstimos do setor privado. Instituies fortes como a Comisso Europeia e o BEI tambm contriburam para a dinmica sustentada de transferncias financeiras, o que uma lio importante para outros processos de integrao. A existncia de grandes transferncias financeiras na Europa facilita a concesso de subsdios para certas atividades, mesmo que os emprstimos do BEI sejam baseados em princpios comerciais. interessante notar que, para um projeto ser financiado pelo BEI, este tem de ser tanto financeira como economicamente slido, mas tambm deve ter um retorno social elevado. Este ltimo leva em considerao as externalidades, como a criao de empregos ou o impacto ambiental. Na reali-dade, o BEI tanto deve manter sua credibilidade para garantir a sua classificao AAA e, assim, oferecer facilidade de financiamento com menores custos para seus tomadores, como tambm deve atuar como banco de desenvolvimento, com uma atribuio alinhada aos objetivos europeus mais amplos, entre eles, a preveno contra a mudana climtica e a gerao de empregos.

    Mais recentemente, novos objetivos foram acrescentados ao BEI e, de forma geral, aos bancos pblicos regionais de desenvolvimento. Em primeiro lugar, luz da crise financeira global, este assumiu um claro e crucial papel contracclico, tal como outros bancos pblicos de desenvolvimento que desempenham um papel na proviso de emprstimo oficial quando o crdito privado entra em colapso. A crise financeira global implicou num reconhecimento bem maior mesmo en-tre os economistas do mainstream e os polticos conservadores da importncia e do valor dos grandes bancos pblicos na oferta de financiamento de longo prazo em uma escala significativa, em funo de sua capacidade de expandir os em-prstimos de forma considervel em tempos de crise. Isto contrasta com perodos anteriores recentes, quando os economistas ortodoxos e polticos conservadores

  • 414 As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    apoiaram, incorretamente, um papel decrescente para bancos pblicos nacionais e regionais de desenvolvimento. Nesse sentido, o BEI foi uma exceo, j que con-tinuou crescendo em ritmo forte desde meados dos anos 1950. Da mesma forma, no Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) resistiu onda de neoliberalismo e permaneceu forte, o que foi muito valioso de forma geral, mas, em particular, durante a crise (OCAMPO et al., 2010).

    Em segundo lugar, no despertar da crise financeira global, os ministros da fazenda europeus definiram trs reas como prioritrias para o BEI nos prxi-mos anos: convergncia, preveno contra mudanas climticas e financiamen-to para as pequenas e mdias empresas (PMEs). Novas necessidades que tm surgido incluem o financiamento s PMEs, dadas as falhas do mercado ou os mercados incompletos para financiar estas atividades e a sua importncia na gerao de empregos e na mitigao e adaptao s alteraes no clima. Esta ltima tem externalidades importantes uma vez que os emprestadores privados e os investidores no canalizam recursos suficientes para as atividades com alta prioridade sob a perspectiva ambiental. Ademais, muitas das aes necessrias para combater ou se adaptar mudana climtica podem ser mais bem empre-endidas em nvel regional, onde um banco regional de desenvolvimento pode desempenhar um papel valioso.

    importante salientar que a economia mundial mudou significativamente, sobretudo na ltima dcada. Isto tem implicaes importantes para a criao de bancos de desenvolvimento integralmente pertencentes a pases em desenvolvi-mento. No passado, uma vantagem em incluir pases desenvolvidos na sociedade dos bancos regionais de desenvolvimento estava na sua capacidade de contribuir com recursos substanciais que ajudassem a capitalizar estes bancos, dando-lhes acesso aos mercados globais de capitais. Atualmente, os pases desenvolvidos tm recursos mais limitados, especialmente aps a crise financeira global. Por seu tur-no, os pases em desenvolvimento tm agora recursos bastante significativos (em termos de poupana domstica, mas tambm, em particular, em termos de reservas cambiais) para estabelecer bancos regionais de desenvolvimento puramente con-trolados por eles ou para expandir significativamente os j existentes. Claro, isto particularmente verdade para a sia, mas tambm cada vez mais o caso para a Amrica Latina. Nesta ltima, existem diversos bancos de desenvolvimento sub-regional, sendo o mais bem sucedido a Corporao Andina de Fomento (CAF). Entretanto, por exemplo, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) no possui seu prprio banco de desenvolvimento regional, apesar de isso ser altamente desejvel.

    Deve ser salientado que o BEI empresta principalmente dentro da UE. Atualmente, entretanto, em torno de 10% de seus emprstimos esto fora das fronteiras da UE. Isto inclui principalmente os pases vizinhos (tanto aqueles

  • 415O.Banco.Europeu.de.Investimento.e.seu.Papel.no.Desenvolvimento...

    em situao de pr-adeso UE, como os pases mediterrneos, especialmente no norte da frica) e emprstimos a projetos de pases mais pobres da frica, do Caribe e do Pacfico. Tambm h emprstimos para os pases asiticos e latino-americanos, que so, em geral, pases de renda mdia. Em um estudo recente para o Parlamento Europeu sobre o BEI, Griffith-Jones e Tyson (2010) argumentaram que os emprstimos do BEI aos pases em desenvolvimento deveriam ser amplia-dos, sobretudo para a sia e Amrica Latina, onde o papel do BEI em proporo ao produto interno bruto (PIB) menor, e que este deveria trabalhar mais estrei-tamente com os bancos regionais e nacionais de desenvolvimento nestas regies.

    2.A.EXECUO.DO.MANDATO.DO.BEI:.QUESTES.ATUAIS.E.POLTICAS

    No perodo aps a fase aguda da crise financeira global, o Grupo BEI reviu sua estratgia operacional, conforme publicado na Estratgia Operacional 2010-2012 (EIB, 2010). Central agenda era assistir a UE na recuperao da crise. Alm disso, no papel de apoiar a agenda poltica da Comisso Europeia, foram identificadas reas-chave para financiamento. Estas incluam continuar contri-buindo para a convergncia regional; apoio s PMEs; ao desenvolvimento das redes transeuropeias (RTE)1; implementao da economia do conhecimen-to e do desenvolvimento ambiental e sustentvel.

    Nas prximas subsees, apresentam-se mais detalhadamente as abordagens do BEI para reas de relevncia para a Amrica Latina e o Caribe, inclusive res-postas contracclicas, convergncia regional, apoio PME e ao desenvolvimento ambiental e sustentvel. Alm disso, discutem-se resumidamente questes impor-tantes referentes gesto pragmtica do BEI e sua solidez operacional e solvncia dos crditos.

    2.1.Respostas.contracclicas.de.suporte.e.a.recuperao.econmica

    O mandato geral do BEI continua se concentrando em apoiar a poltica da Comis-so Europeia, inclusive a de criar um crescimento econmico estvel e positivo. Em 2008 e 2009, o BEI desempenhou um papel crtico na criao de uma resposta anticclica para a crise financeira global, ajudando a sustentar o cres-cimento e o emprego, por meio da expanso dos emprstimos de 57 bilhes em 2008, para 79 bilhes, em 2009, o que representou um aumento de 41%, conforme ilustrado na tabela 1. Isto foi possvel graas a um aumen-to do capital subscrito de 164 bilhes para 232 bilhes em 2009. Esta dinmica de aumento dos emprstimos comeou a se estabilizar em 2010, permanecendo, porm, em nveis elevados.

    1. Nota dos editores: Grandes redes de infraestrutura de transporte, enegia e telecomunicaes que fomentam o desenvolvimento e as metas de integrao da UE.

  • 416 As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    TABELA 1Financiamentos.do.BEI.(2007-2009.e.dados.selecionados.de.2010)

    (Em bilhes)

    Financiamentos 2007 2008 2009 2010 at junho1

    Saldo agregado das operaes de emprstimos 327,1 356,5 410,7 426,2

    Projetos aprovados 56,4 59,2 103,8 -

    Assinaturas 47,8 57,6 79,1 -

    Desembolsos 43,4 48,6 54,0 -

    Fonte: relatrios anuais do BEI (EIB, 2008; 2009; 2010). Nota: 1 Dados de 2010 para o primeiro semestre (at junho de 2010), os quais no foram auditados e somente so

    apresentados quando publicados.

    O aumento dos emprstimos foi direcionado aos pases mais impactados pela crise, como aqueles com dficits fiscais e problemas de dvida soberana. Isto inclui emprstimos Grcia, que aumentaram de 1,2 bilho, em 2008, para 1,6 bilho, em 2009, e para 2,0 bilhes, em 2010, e Irlanda, onde o crdito aumentou de 0,4 bilho em 2008, para 1,0 bilho, em 2009, embora nenhum tenha sido anunciado para 2010 ou 2011 (relatrios anuais do BEI para anos relevantes). Igualmente importante, o BEI sustentou a confiana do mercado em relao credibilidade destes pases na esfera privada.

    Um problema que de certa forma enfraqueceu o impacto da resposta con-tracclica do BEI foi que os desembolsos aumentaram bem menos do que os com-promissos, o que tambm ocorreu at certo ponto em outros bancos regionais de desenvolvimento, bem como no Banco Mundial (OCAMPO et al., 2010). No caso do BEI, a lentido nos desembolsos foi consequncia, principalmente, do fato de que quase todos os emprstimos esto relacionados a projetos. Isto diferente do que ocorre em outros bancos de desenvolvimento regional, que tm uma parte importante das suas operaes como emprstimo para programas ou setores que, uma vez aprovados, podem ser desembolsados mais rapidamente. Uma lio de poltica para a Amrica Latina pode ser a importncia de os bancos regionais e nacionais de desenvolvimento possurem mecanismos como o crdi-to para setores ou programas que podem ser utilizados em perodos de seca dos fluxos de capitais e declnios dos emprstimos privados domsticos.

    Ademais, em comum com o Banco Mundial e com os bancos regionais de desenvolvimento, o nvel de financiamento adicional do BEI pareceu menor do que era em razo da escala de retrao dos fluxos de capitais no mercado privado (OCAMPO et al., 2010). O BEI contrabalanceou isto, entretanto, direcionando o seu aumento de atividade para reas bem definidas onde a reduo do capital pri-vado foi mais aguda. Esta reduo foi to grave porque o setor bancrio procurou diminuir o risco e retrair os emprstimos de maior risco. Por exemplo, no setor de PME, o declnio nos emprstimos foi particularmente srio em toda a regio.

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    Um nmero significativo de bancos privados emprestadores para PMEs se en-controu incapaz de obter funding ou sujeito averso interna de risco, buscando ativamente a assistncia do BEI, muitos deles pela primeira vez.2 Atendendo a pedidos dos ministros da fazenda da UE, em outubro de 2008, o BEI aumentou significativamente seus emprstimos a PMEs para 30 bilhes no perodo de 2008-2011 e os colocou como parte do programa europeu de recuperao. Esta e outras discusses sobre o setor de PME so analisadas com mais detalhes poste-riormente neste captulo.

    Ao avaliar a resposta geral do BEI, uma lio chave a ser considerada por ou-tros rgos regionais e por bancos nacionais de desenvolvimento que a eficcia daquele foi propiciada por suas estreitas ligaes e capacidade de resposta elabo-rao de polticas, sua velocidade em aumentar os emprstimos e a capacidade dos pases membros de elevarem rapidamente seu capital subscrito, o que facilitou a ampliao do crdito acompanhada da manuteno de sua classificao AAA. Medidas preventivas para facilitar os aumentos de capital no caso de crise finan-ceira devem ser consideradas por outras instituies similares. De fato, para tais bancos pblicos, ter altos nveis de capital em tempos normais a melhor forma de permitir aumentos rpidos de emprstimos se a economia vier a se deteriorar. A existncia de instrumentos que facilitam os desembolsos rpidos, como emprs-timos para setores, programas ou outros mecanismos, importante para responder adequadamente durante os perodos de contrao acentuada dos crditos privados.

    2.2.Permitindo.a.convergncia.social.e.econmica.regional.

    Conforme j foi discutido, as origens e o papel histrico do BEI tm sido o de apoiar a convergncia social e econmica dentro da UE. interessante obser-var que, no perodo inicial (1959-1990), os emprstimos per capita pelo BEI, levando-se em conta os anos de filiao, foram maiores para a Irlanda, Portugal, Grcia e Espanha na poca, os pases mais pobres da UE (GRIFFITH-JONES, STEINHERR e LIMA, 2006) , e para algumas das regies mais pobres da Euro-pa. Nveis significativos destes recursos de convergncia foram e continuam sendo focados na infraestrutura. De fato, ao se examinar a distribuio dos emprstimos do BEI por setor, desde a sua criao, mais de 40% destes recursos foram para infraestrutura. Mais recentemente, adotou-se esta mesma poltica para os novos Estados membros e pases candidatos. Esta estratgia pode indicar lies inte-ressantes para os bancos de desenvolvimento latino-americanos relativas impor-tncia dos emprstimos em apoiar os pases e as regies mais pobres na busca de um desenvolvimento mais equilibrado e equitativo.

    2. Durante a preparao deste captulo os autores entrevistaram, entre maro e abril de 2011, funcionrios do BEI e do FEI (Fundo Europeu de Investimento) para discutir as questes desse estudo. Os nomes dos indivduos no podem ser fornecidos por questes de sigilo.Nota dos editores: o Fundo Europeu de Investimento foi criado em 1994 com o objetivo de prestar apoio s pequenas empresas. O BEI o acionista marjoritrio do FEI, juntamente com o qual forma o chamado Grupo BEI.

  • 418 As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    O BEI tambm adotou um forte componente de parceria para execuo nesta rea, com Iniciativas Conjuntas de Poltica de Coeso, cada uma delas com um foco poltico especfico. Os parceiros incluam a Comisso Europeia, o Banco Europeu para a Reconstruo e o Desenvolvimento (BERD),3 o Kredit-Kredit-anstalt fr Wiederaufbau (KfW),4 de acordo com o mandato correspondente. Estas iniciativas esto todas relacionadas a reas de poltica-chave discutidas na introduo desta seo.

    TABELA 2Emprstimos.de.convergncia.do.BEI..assinaturas.(2007-2009)

    (Em bilhes)

    20071 2008 2009 Exemplos de projetos

    Total 13,8 17,8 23,6 Meta..de.40%.do.total.de.emprstimos.do.BEI

    Polnia - 2,7 4,2 Construo de estrada; pesquisa cientfica pblica e universitria

    Espanha - 6,0 3,5Banda larga regional e hidroenergia; projeto de energia solar; construo; transporte

    Portugal - 2,1 3,1 gua e esgoto; construo de estrada

    Alemanha - 1,6 2,5 Desenvolvimento de carro limpo

    Itlia - 3,5 2,3 Desenvolvimento aeronutico

    Outros (

  • 419O.Banco.Europeu.de.Investimento.e.seu.Papel.no.Desenvolvimento...

    so decisivas uma vez que as imperfeies do mercado so mais relevantes quando os prazos so mais longos. Outra vantagem do BEI que ele impe condies limitadas ao projeto, em relao viabilidade e importncia deste, bem como exige uma coerncia geral com as polticas da UE, por exemplo, no que concerne s diretrizes ambientais. Isto contrasta com outras agncias, notadamente o Banco Mundial, que impe condicionalidades, em muitos casos bastante intrusivas, nos planos macroeconmico e setorial.

    2.3.Crescimento.do.financiamento.para.as.PMEs.e.do.microfinanciamento

    O setor das PMEs contribui de forma importante para o PIB e um provedor importante de oportunidades de emprego em toda a UE. Isto evidentemente similar e, na realidade, at mais verdadeiro, na Amrica Latina. Restries crticas que podem impactar o setor incluem o ambiente macroeconmico, o ambiente institucional, o custo do financiamento e seu acesso. Durante a crise financeira global na Europa, este ltimo em particular foi um problema. O acesso ao finan-ciamento foi restringido significativamente tanto pela reduo absoluta nos em-prstimos bancrios como pelo crowding out5 das grandes companhias. As PMEs impossibilitadas de acessar os mercados de capitais estrangeiros tomaram emprs-timos nacionais. O BEI colocou os emprstimos a PMEs no centro de sua poltica durante a crise, com 19% de todos os emprstimos destinados a estas empresas, em 2009. O BEI tambm executou uma forte expanso anticclica no crdito ao setor, conforme ilustrado na tabela 3, com um grande aumento nos emprstimos de 6,9 bilhes, em 2007, para 10,6 bilhes, em 2008, e 16,7 bilhes em 2009 (os nmeros de 2010 ainda no foram publicados). O apoio do BEI para as PMEs ocorreu via emprstimos concedidos pelo mecanismo de financiamento com partilha de riscos (Risk Sharing Finance Facility - RSFF) e por meio do Fun-do Europeu de Investimentos (FEI).

    TABELA 3Financiamento.do.BEI.para.PMEs,.por.instrumento.(2007-2009)(Em bilhes)

    Tipo de financiamento 2007 2008 2009

    Emprstimos do BEI a intermedirios 5,0 8,1 12,7

    Garantias do Fundo Europeu de Investimento (FEI) 1,4 2,1 2,3

    Capital de risco do FEI 0,5 0,4 0,7

    Crescimento do mecanismo de mezzanine 0,0 0,0 1,0

    Total 6,9 10,6 16,7

    Fonte: relatrios anuais do BEI (EIB, 2008; 2009; 2010).

    5. Nota dos editores: o termo crowding out se refere aqui substituio dos emprstimos concedidos a pequenas empresas por emprstimos s grandes.

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    O RSFF um mecanismo conjunto entre a Comisso Europeia e o BEI para financiar a pesquisa e o desenvolvimento tecnolgico, assim como projetos que promovam os investimentos e a inovao. O RSFF tem uma capacidade de emprstimo de 10 bilhes.6 O mecanismo destina-se a mltiplos grupos elegveis, incluindo as PMEs e as companhias que no so classificadas pelas agncias de risco, no esto cotadas na bolsa ou que possuem classificaes de crdito mais baixas do que o padro usual do BEI. O financiamento baseado em dvida inclui formas de emprstimo ou de garantia, inclusive mezzanine, e feito tanto diretamente, em conjunto com outros investidores, como por meio de garantias a intermedirios.

    O Fundo Europeu de Investimento (FEI) um fundo especializado dedica-do exclusivamente s PMEs, embora em sua fase inicial tambm tenha garantido grandes investimentos privados em infraestrutura. Possui uma estrutura acionis-ta tripartite compreendendo o BEI (64%), a UE atravs da Comisso Europeia (27%) e algumas instituies financeiras (9% no total). O FEI oferece financia-mento somente por meio de intermedirios. Os instrumentos se concentram nas garantias bem como no capital de risco (venture capital ), incluindo aes, mezza-nine e outros financiamentos de capital ou instrumentos equiparveis a capital.

    O BEI atua ainda na rea de microfinanas, tanto no financiamento das instituies de microfinanciamentos (IMFs) e de intermedirios, como na pro-viso de assistncia tcnica, por meio da orientao direta e do envolvimento em diversas organizaes em rede e programas de pesquisa. Diversos programas tambm financiam as microempresas. O Grupo BEI financiou 126 milhes em diversos projetos na sia, no Caribe e no Pacfico, e 29 milhes na regio do Mediterrneo bem como em projetos inter-UE.7

    Os seguintes fatores so fundamentais para o sucesso do enfoque do BEI para as PMEs e os programas de microfinanciamento. Em primeiro lugar, bus-cam oferecer financiamento de baixo custo e de maior prazo. Conforme j discu-tido, isto facilitado por sua condio de AAA, o que proporciona aos usurios finais custos de financiamento mais baixos e vantagens de prazo. Em segundo lugar, o BEI tem financiado as PMEs e o microfinanciamento em grande parte por intermedirios e com a utilizao de garantias. A condicionalidade a estes mecanismos imposta aos intermedirios financeiros inclui o seguro de crdito e se adiciona ao que teria ocorrido sem o apoio do BEI. Esta postura garante que as lacunas do mercado no financiamento para as PMEs sejam preenchidas e que o capital do setor privado ingresse nestas operaes. Alm disso, esta aborda-gem um mtodo prtico para desembolsar financiamento a diversos pequenos

    6. Disponvel em: .

    7. Disponvel em: .

  • 421O.Banco.Europeu.de.Investimento.e.seu.Papel.no.Desenvolvimento...

    usurios finais enquanto os intermedirios permanecem responsveis por ge-renciar o risco de crdito e a relao com os usurios finais. Em terceiro lugar, o BEI tambm realizou financiamentos com elevado grau de risco em reas selecionadas, mais precisamente em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de alta tecnologia. Conforme observado, estas operaes so amplamente realizadas com o auxlio de intermedirios financeiros, inclusive fundos de capital de risco (venture capital). O BEI buscou tambm fechar as lacunas de mercado nestas reas, mas neste caso, por meio do uso de outros instrumentos como ingresso no capital ou financiamento mezzanine para P&D e projetos similares de alto risco. Finalmente, a assistncia tcnica considerada uma parte essencial do programa do BEI que procura capacitar as PMEs a alcanarem taxas de sucesso maiores do que conseguiriam em outra circunstncia.

    Esta atitude demonstra que o BEI confia na solidez das instituies inter-medirias, inclusive em relao ao controle interno (por exemplo, para preveno de fraudes) e a gesto de risco. Como consequncia, a maioria dos parceiros que possuem relaes com o BEI so instituies com reputaes estabelecidas e com longa trajetria histrica.

    2.4.Criando.um.momentum.nas.questes.ambientais

    Como parte da Estratgia Operacional 2010-2012 do BEI (EIB, 2010b), os obje-tivos que apoiam o desenvolvimento ambiental e sustentvel foram estabelecidos como um dos trs pilares do banco. Isto segue a instruo estabelecida pelo Con-selho Europeu, que reflete em si a prioridade crescente que a UE confere a esta agenda. O BEI operacionalizou estes objetivos de duas formas. Primeiro, desen-volveu uma estrutura para o estabelecimento de normas e diretrizes amplas para todos os seus projetos. Segundo, estendeu de forma significativa o financiamento para projetos especficos relacionados mudana do clima. Ambos esto baseados no papel que o BEI possui na execuo da poltica europeia para esta rea in-cluindo, sobretudo, o EU Sixth Environment Action Program, as EU Urban and Public Health Strategies e o Treaty of European Union referente preservao do meio ambiente, proteo da sade humana, utilizao racional de recursos naturais e promoo de medidas em mbito internacional.

    A Declarao de Princpios e Normas Ambientais e Sociais do BEI foi publicada em 2009 (EIB,2009b) , aps extensas consultas pblicas e visa estabelecer as dire-trizes com relao a aspectos polticos importantes, incluindo mudanas climticas, biodiversidade e ecossistemas. Alm disso, tambm estipula normas e definies para questes sociais afins como as comunidades sustentveis, as comunidades indgenas e a construo de ambientes urbanos sustentveis. Segundo aquelas normas, estes so aspectos importantes do valor agregado no financeiro do BEI e so aplicveis a todas as suas operaes. O banco tambm estende os princpios para a avaliao de

  • 422 As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    projetos que tenham sido operacionalizados nas prticas internas de trabalho como parte do ciclo do projeto, conforme ser discutido posteriormente neste captulo. Em suas atividades de financiamento, o BEI procurou tambm tornar os projetos ambientais e sustentveis como uma parte central do crdito. Projetos ambientais, de comunidades sustentveis e de energia tornaram-se uma categoria substancial de financiamento no BEI, com crditos acumulados, entre 2005 e 2009, de 113 bilhes, representando 40% do total dos financiamentos. Em 2010, apenas para as aes climticas, o oramento do BEI foi de 20,5 bilhes, mais do que dobro registrado em 2008, de 9,8 bilhes. Este nmero de 2010 representa 29% do total de emprstimos do BEI e inclui 4,1 bilhes para P&D em ao climtica, 6,2 bilhes para energia renovvel, 2,3 bilhes para eficincia energtica e 7,9 bilhes em transporte sustentvel.8

    Ao examinar os projetos que compem este total, uma srie de temas re-levantes se tornam aparentes. Alguns dos projetos contemplam alta tecnologia e inovaes em novas tecnologias cruciais, especialmente no estabelecimento de uma economia avanada do ps-carbono. Estes incluem, por exemplo, projetos que estejam empenhados na pesquisa e no desenvolvimento de energia baseada no vento e na gua, ou tecnologia de veculos movidos a combustvel no deriva-do do petrleo. Na tabela 4 so apresentados alguns projetos notveis nestas reas, listados em 2009, e que ilustram as contribuies potencialmente significativas.

    TABELA 4Exemplo.de.projetos.de.ponta.financiados.pelo.BEI.(2009)

    Descrio do projeto Pas Parceiros do setor privadoValor

    ( milhes)

    Pesquisa e desenvolvimento de car-ros eltricos e eficientes em termos de energia e infraestrutura correlata

    Alemanha, Frana, Reino Unido, Espanha

    BMW, Daimler, Renault, Nissan 1.300

    Construo de instalaes para a produo de energia solar

    AlemanhaInfrastructure Trunow, Wacker-Chemir, Robert Bosch

    950

    Construo de parques operacionais de energia elica e plantas de energia solar

    Blgica, Espanha, Frana, Chipre SPV, Gemasolar 792

    P&D em turbinas elicas Dinamarca Vestas Wind Systems 250

    Fonte: relatrio anual do BEI (EIB, 2010).

    Entretanto, alguns projetos tm menos contedo de ponta e financiam tecnologias ou prticas j existentes. Por exemplo, alguns projetos consistem no financiamento da extenso ou desenvolvimento de redes de transporte pblico j estabelecidas ou, ainda, de sistemas de transporte convencional, como a infraestru-tura de transporte martimo. Em um dos maiores emprstimos realizados em 2009,

    8. Informao obtida por meio das entrevistas citadas na nota 2.

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    foi concedido o montante de 1,1 bilho para a Transport for London, do Reino Unido, dentro da poltica ambiental de construir uma ligao de trem eltrico na rea urbana de Londres. De modo similar, 1,8 bilho foi aplicado na Espanha em projetos para a expanso do metr e do trem (EIB, 2009a). Embora estes projetos paream ser empreendimentos louvveis de infraestrutura e estejam su-jeitos avaliao do BEI em seus ciclos de projetos, eles fundamentalmente no reformulam a pegada de carbono dos sistemas de transporte.

    Poderia se argumentar ainda que o BEI tambm financia certos projetos que so efetivamente contraditrios para suas metas ambientais e de sustentabilidade. Por exemplo, o BEI financia projetos relacionados ao desenvolvimento do setor de aviao, como a expanso de aeroportos, o que tem sido criticado, por exemplo, no Relatrio do Tyndall Centre (2006). Outras organizaes no governamentais (ONGs) ambientais tambm criticaram o BEI. Por exemplo, Bankwatch (2007) argumentou que uma proporo alta demais dos emprstimos do BEI est finan-ciando o desenvolvimento de combustveis fsseis. Ora, se os pases em desen-volvimento esto sendo solicitados a seguirem uma trajetria mais sustentvel, os pases desenvolvidos devem se empenhar mais nesta direo, uma vez que eles possuem nveis de emisso per capita de carbono atuais e passados muito mais ele-vados. Mais especificamente, os projetos financiados pelo BEI dentro da Europa deveriam ter normas ambientais mais rgidas do que aqueles operacionalizados no mundo em desenvolvimento. O BEI financia tanto projetos de grande como de pequena escala, e estes devem ser bem-vindos, uma vez que projetos de menor escala, em particular, tm sido incubadores para o desenvolvimento de ideias e prticas inovadoras na busca por solues ambientais, especialmente no que se refere s mudanas climticas. O BEI tem financiado projetos pblicos (como iniciativas locais em cidades e regies) assim como as PMEs envolvidas em em-preendimentos inovadores. Isso inclui uma srie de linhas de crdito dedicadas aos intermedirios financeiros destinadas a aes relativas ao clima, com foco em energia renovvel e eficincia energtica. Da mesma forma, o BEI oferece finan-ciamento ao investimento privado em energia renovvel por meio da criao de fundos de capital direcionados.

    De acordo com os relatrios do BEI, uma elevada proporo dos seus em-prstimos aos pases em desenvolvimento direcionada para projetos ambientais e sustentveis, totalizando, em 2010, 33% dos financiamentos realizados nestas reas. Assim como o financiamento direto, o BEI tambm atua prximo aos pases em desenvolvimento na proviso de assistncia tcnica e na transferncia de tecno-logia, adaptando aquelas desenvolvidas em seus projetos na Europa, considerando isso como parte importante do seu programa. Dessa forma, por exemplo, a tecno-logia de energia solar desenvolvida na Espanha foi transferida para o Marrocos.9

    9. Informao obtida por meio das entrevistas citadas na nota 2.

  • 424 As.Transformaes.no.Sistema.Financeiro.Internacional

    Alm dos emprstimos e financiamentos tradicionais, o BEI tem desenvol-vido instrumentos inovadores para levantar recursos, apoiar o aprofundamento do mercado e atrair o setor privado. A atrao inclui o levantamento direto de capital do setor privado e o envolvimento do BEI no apoio liquidez do merca-do e no estmulo confiana do investidor nos novos mercados e instrumentos. Por exemplo, o BEI emitiu 1,4 bilho incluindo 0,5 bilho em 2010 de Ttulos de Conscientizao do Clima (Climate Awarenes Bonds), que so fundos com finalidade especfica levantados para futuros emprstimos do BEI a projetos nas reas de energia renovvel e de eficincia energtica.10 Os ttulos so ligados a um ndice recm-construdo de responsabilidade corporativa em relao ao meio ambiente, dando, assim, confiana aos investidores socialmente responsveis. Estas inovaes, incluindo o suporte ao desenvolvimento de novos instrumentos, so mecanismos que poderiam ser explorados pelos bancos de desenvolvimento da Amrica Latina.

    Conforme observado, todos os projetos esto sujeitos a avaliaes de normas ambientais e de sustentabilidade no incio e no andamento do ciclo do projeto. Alm disso, o BEI exige que a tecnologia aplicada seja sempre a melhor disponvel do ponto de vista da ao climtica.

    A avaliao dos projetos inclui uma taxa exigida de retorno econmico re-presentativa do custo do carbono que, para 2020, atingir pelo menos 40 a tonelada, aumentando gradualmente a partir dos 26 a tonelada, registrados em 2006 (com uma possvel reviso para cima sendo estudada). Esta avaliao da taxa de retorno econmico feita em paralelo a uma taxa de puro retorno financeiro utilizando os preos de mercado. Ademais, o BEI desenvolveu recentemente uma avaliao bastante pioneira de todos os grandes projetos para estimar as emisses lquidas de carbono. A pegada de carbono absoluta de um projeto comparada com uma base de referncia que reflete as emisses de carbono na ausncia do projeto. Ento, o impacto lquido de carbono dos projetos calculado a partir de modelos avanados, inclusive aqueles especficos para cada indstria, por exem-plo, para estradas ou transporte martimo. Para a determinao da taxa de retorno econmico utiliza-se o trabalho de Little e Mirlees, que foi muito difundido na dcada de 1960 para avaliar projetos com preos virtuais que levam em conta as externalidades. Atualmente estes exerccios no so populares porquanto conso-mem tempo, sendo louvvel que o BEI utilize esta metodologia para a introduo de uma perspectiva climtica no contexto de promoo de um paradigma de desenvolvimento sustentvel. De acordo com entrevistas realizadas no BEI, este clculo da taxa de retorno econmico tem sido particularmente eficaz na promo-o de projetos em energia renovvel que, de outra forma, poderiam no ter sido

    10. Informao obtida por meio das entrevistas citadas na nota 2.

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    financiados pelo banco. Entretanto, parece que esta metodologia tem sido menos til no desincentivo de projetos que possuem elevados impactos de emisso de carbono. Apesar disso, o fato de que esta avaliao econmica incorporando o preo sombra (shadow price) do carbono seja realizada e que de forma mais ampla o BEI esteja comprometido com a minimizao das emisses de carbono dos seus projetos, tem impactado tanto as propostas externas que procuram financia-mento como as decises organizacionais internas em favor daqueles projetos com menor emisso de carbono. Esta abordagem poderia ser de interesse dos bancos de desenvolvimento da Amrica Latina e do Caribe.

    Uma questo, contudo, que a quantidade de pessoal do BEI comprometido com a avaliao ambiental e com as atividades sustentveis permanece limitada. Embora os projetos especficos alavanquem recursos por meio da utilizao do pes-soal de outras reas do banco (por exemplo, engenheiros) e consultores externos, o tamanho da equipe continua sendo uma restrio para a integrao da aborda-gem ambiental com os emprstimos da instituio.11 Os analistas externos tambm observaram isto. Por exemplo, a ONG Counterbalance (2011) argumenta que os projetos do BEI so avaliados quase que inteiramente por economistas, com um componente mnimo de desenvolvimento sustentvel que marginalizado na concepo e na avaliao do projeto. De maneira geral, os projetos financiados e a mobilizao de capital inovador promovidos pelo BEI devem ser elogiados, mas, ainda assim, resumindo, permanecem duas questes-chave. Em primeiro lugar, um maior patamar de investimento em tecnologias verdadeiramente novas e de ponta, incluindo tanto a P&D como a produo, adicionaria valor ao papel do BEI em relao a seu elevado envolvimento atual em projetos com menor impacto ambiental. Em segundo lugar, o BEI precisa refletir sobre a coerncia da sua poltica implantada na organizao. Por exemplo, fora seus projetos dedicados a fins ambientais, o banco continua financiando uma grande quantidade de empreendimentos que so inconsistentes com a melhoria do meio ambiente e, particularmente, com a reduo da emisso de carbono na Europa, tais como es-tradas convencionais e redes de aviao.

    Os bancos de desenvolvimento na Amrica Latina podem aprender a partir das prticas positivas e inovadoras de ao climtica do BEI, bem como usar me-canismos financeiros, por exemplo, as obrigaes ecolgicas (green bonds); porm, podem ainda ir alm. Na realidade, nas economias da Amrica Latina, que so mais dinmicas, sendo este dinamismo impulsionado mais por mudana estrutu-ral do que na Europa, pode haver mais espao para a busca de um modelo tecno-lgico que seja mais apropriado para a regio e com baixo consumo de energia. Isto est discutido com mais detalhes na seo 3 deste trabalho.

    11. Informao obtida por meio das entrevistas citadas na nota 2.

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    2.5.Gerenciando.e.mantendo.a.solidez.institucional

    Central para o papel do BEI no desenvolvimento a sua capacidade de preencher lacunas no mercado, incluindo a proviso de financiamento com baixo custo e de prazo mais longo. As reas nas quais isto tem sido crucial esto a capacidade de prover financiamento de longo prazo para o desenvolvimento de infraestrutura e fundos a baixo custo para as PMEs ou para a pesquisa e desenvolvimento de alta tecnologia. A capacidade de o BEI realizar isto depende da manuteno do seu rating de crdito AAA, da credibilidade de crdito decorrente desta avaliao e da solidez institucional. Sua classificao de crdito est fortemente relacionada com o suporte recebido dos governos da UE, tanto explicitamente por meio do comprometimen-to de capital como implicitamente pelas suas fortes ligaes polticas com a UE. O Grupo BEI tambm continua a manter uma forte base de recursos com pro-pores elevadas de capital, tendo aumentado em 2009 a parcela autorizada desse montante de 164 bilhes para 232 bilhes (EIB, 2010a). Alm disso, o BEI tem sido cuidadoso ao tentar garantir que seu risco de crdito e de mercado, alm de suas prticas internas, sejam compatveis com a sua condio de AAA, e tem procu-rado manter a autossuficincia financeira e a cobertura dos seus custos operacionais. Isto particularmente facilitado por uma base enxuta de custos, com um nmero limitado de pessoal, e um enfoque de parcerias com outras instituies de modo a compensar a experincia relativamente limitada e generalizada.

    Estes fatores foram particularmente importantes durante a crise, quando as lacunas de mercado no financiamento ao setor privado aumentaram enormemente medida que a averso ao risco cresceu. Todavia, o BEI conseguiu, com relativa tranquilidade, manter a liquidez e o acesso aos recursos de longo prazo por meio das operaes no mercado de capitais. Isto contrastou de forma marcante com as instituies financeiras privadas, inclusive os grandes bancos internacionais, para quem a liquidez colapsou durante a fase aguda da crise financeira, em 2008 e 2009, e com alguns mercados de capital privados onde a atividade estagnou. De fato, o BEI comenta que foi beneficiado pela fuga para a qualidade por parte dos investidores nos mercados de renda fixa (EIB, 2010a).

    O BEI tem procurado construir a solidez institucional, equilibrando cuida-dosamente o risco inerente a suas atividades com a sua incumbncia de assumir riscos que, em razo das deficincias do mercado, so mais elevados devido s restries de liquidez e de cobertura (hedging). Ao avaliar o risco de crdito, por exemplo, o banco concentra a maior parte de sua carteira de forma conservado-ra. Entretanto, tambm assume um risco maior em certas reas, como PMEs e venture capital.

    No obstante, o risco nestas reas cuidadosamente monitorado e permane-ce limitado. O BEI procura tambm executar as melhores prticas para as institui-es bancrias no gerenciamento dos riscos internos. Em 2009, entretanto, o lado negativo dessa exposio ao risco foi revelado com 103 milhes de prejuzo nos

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    investimentos de venture capital e 56 milhes de provises adicionais de garantias do FEI e securitizaes. A carteira de crdito do FEI tambm sofreu aumentos de t-tulos com perspectiva negativa (negative outlook). Contudo, as condies do mer-cado neste perodo foram (assim espera-se) anormais e estavam relacionadas com inadequaes nas melhores prticas dentro das instituies financeiras do setor pri-vado, especialmente em relao aos chamados eventos improvveis tais como uma crise financeira global, que foi indevidamente refletido na gesto interna de risco. O pensamento nico coletivo em excesso pode ser um fator limitante dentro de uma instituio, incluindo as instituies pblicas que podem imitar o compor-tamento das instituies privadas.

    3.LIES.POLTICAS.PARA.O.CONTEXTO.LATINO-AMERICANO

    Nesta seo, discute-se como aplicar e adaptar a experincia positiva do BEI para o contexto da Amrica Latina e do Caribe com relao s reas polticas especficas. Neste contexto, pode ser muito til para instituies como o BEI e a FEI organizarem ou serem convidadas para seminrios com bancos de desen-volvimento nacional na regio da Amrica Latina e do Caribe, com o objetivo de discutir suas vises sobre estas reas, os problemas que enfrentaram e como superaram tais entraves. Esta troca de experincias pode ser muito valiosa.

    3.1.A.importncia.de.uma.abordagem.de.poltica.contracclica

    Globalmente, a abertura comercial e financeira nas ltimas dcadas levou a uma maior exposio s crises financeiras, com as turbulncias de 2007-2009 impac-tando as economias em desenvolvimento no mundo inteiro. Neste episdio, os pases apresentaram variaes significativas tanto na capacidade de se manterem fora da crise quanto na de executarem respostas polticas contracclicas. Esta l-tima foi impactada por restries na balana de pagamento das economias, bem como por limitaes fiscais. Alm disso, a resistncia e a robustez do setor finan-ceiro foi um fator importante, determinado por questes como a composio estrutural dos passivos do setor privado, a dependncia de bancos domsticos em relao ao financiamento externo e o progresso no fortalecimento das estruturas regulatrias prudenciais e de superviso (OCAMPO et al., 2010).

    Ademais, em pases como o Brasil, onde existem grandes bancos nacio-nais pblicos de desenvolvimento e onde estas instituies respondem por uma grande proporo do crdito total, as respostas das polticas contracclicas foram bem mais eficazes na elevao do crdito total do que em pases onde o papel dos bancos pblicos de desenvolvimento foi reduzido. O fator desencadeador disto foi a capacidade de os bancos pblicos injetarem crdito no setor domstico. Este fato complementou a resposta fiscal contracclica. Um exemplo contrastante o Chile, onde a confiana no financiamento externo e a retrao no papel do setor bancrio pblico minaram a eficcia da poltica fiscal e monetria contracclica

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    (OCAMPO et al., 2010). Assim, uma lio aqui que uma razo importante pela qual a escala dos emprstimos pblicos ao desenvolvimento deve ser grande a de facilitar o maior impacto dos emprstimos contracclicos nas recesses e crises.

    Conforme discutido acima, o BEI foi uma das instituies na Europa que participou na proviso de uma resposta contracclica para a crise, e sua poltica nesta direo foi expressiva. aconselhvel que esta poltica continue sendo construda e possa ser replicada no contexto da Amrica Latina e do Caribe. Para ser capaz de cumprir bem este papel, um banco de desenvolvimento deve ser grande em relao ao mercado total de emprstimos de modo a ter um im-pacto significativo sobre a oferta de crdito, o crescimento e o emprego, alm de possuir capital suficiente para ser capaz de ampliar rapidamente o crdito sem a necessidade de obter aumentos de capital que, muitas vezes, possuem um processo lento de aprovao. Para facilitar isso, poderiam ser definidos colches de capital automticos no processo de aprovao, de forma a permitir a rpida expanso do crdito durante os perodos de crise sem a necessidade de se buscar novas aprovaes. Esse planejamento de crise pode ser uma parte importante de um enfoque poltico contracclico para os bancos de desenvol-vimento regional e nacional.

    Sugerem-se, ainda, perspectivas adicionais para a promoo de uma pol-tica anticclica que possa contrabalanar a reduo dos fluxos de capital privado em tempos difceis e aumentar a aderncia desses capitais aps ingressarem. Por exemplo, seria possvel incluir como requisito garantir um compromisso com o prazo de vencimento dos emprstimos ou uma limitao s condies de sada ou de reduo da carteira lquida por perodos de tempo fixos. Embora, devido ao seu carter restritivo, seja pouco provvel que estas medidas sejam preferidas pelos intermedirios financeiros, essa condio seria muito til para estabilizar os emprstimos. Isto especialmente verdadeiro no crdito para os setores altamente pr-cclicos, como as PMEs.

    Recomenda-se tambm maior flexibilidade em torno dos nveis de partici-pao do banco de desenvolvimento regional e do banco sub-regional de desen-volvimento no cofinanciamento, de tal forma que os bancos de desenvolvimento regional possam desempenhar um papel anticclico para preencher as eventuais lacunas de financiamento que ocorram nos momentos de declnio dos ciclos comerciais, elevando a parcela de financiamento de projetos na medida em que os fluxos privados tornam-se escassos. Na realidade, o Grupo BEI tem feito isso de forma impressionante na atual crise, incluindo o tratamento especial para projetos de ao sobre o clima.

    Durante a crise, a Amrica Latina sofreu, entre 2007 e 2009, um declnio de 6,9% no crescimento do PIB, porm foi mais resistente do que os pases desenvolvidos e alguns mercados emergentes especialmente na Europa Oriental, apresentan-do uma recuperao mais rpida liderada pelo Brasil (WORLD BANK, 2010).

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    Isto ocorreu, claro, em parte porque o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o CAF, bem como os bancos de desenvolvimento nacionais na Amrica Latina e no Caribe, aumentaram seus emprstimos duran-te a crise para neutralizar a queda nos emprstimos privados. Entretanto, uma considerao mais ativa dos mecanismos para uma resposta contracclica robusta por parte dos bancos de desenvolvimento garantir que o financiamento seja con-tracclico em escala suficiente quando o financiamento do mercado privado for escasso, e assegurar a estabilidade do crdito de longo prazo que serve de ponte entre situaes de escassez no curto prazo.

    3.2.Selecionando.a.poltica.setorial

    Conforme discutido, em toda a histria de apoio do BEI ao desenvolvimento, a seleo de setores para a concentrao do financiamento tem sido altamente estra-tgica. Os setores selecionados evoluram com o desenvolvimento da UE ao longo do tempo e com seus objetivos estratgicos. Inicialmente, o foco estava no finan-ciamento de infraestrutura e de outras reas relacionadas com o desenvolvimento do comrcio inter-regional e com o auxlio integrao social e econmica. Estes setores continuaram sendo importantes, mas a atividade tambm evoluiu para novas reas-chave, incluindo as PMEs e a mitigao da mudana climtica. Uma justificativa consistente para a seleo de setores especficos tem sido a racionali-dade econmica subjacente ao fechamento das lacunas de mercado e a ocupao dos espaos onde os mercados esto ausentes. Tambm foi acrescentado um papel contracclico quando os fluxos privados so limitados.

    Ao refletir sobre como aprender a partir da experincia do BEI, a Amrica Latina e o Caribe precisam considerar quais so os setores crticos para suas metas de poltica. Por exemplo, o apoio ao comrcio inter-regional e infraestrutura j um enfoque de poltica na Amrica Latina e no Caribe e apoiado pelo BNDES e pela CAF, que provm financiamento e suporte Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), um frum de coordenao dos projetos nesta rea. No entanto, possvel que, caso a nfase seja dada ao aprofun-damento da integrao comercial na Amrica Latina, seja necessrio um enfoque maior na infraestrutura regional de modo a apoi-la e incentiv-la.

    A contnua flexibilidade para mudar e adaptar seu enfoque de modo a conti-nuar relevante tanto para as metas de poltica estabelecidas de forma endgena como para os eventos e ambientes econmicos exgenos crucial. Um frum poltico para permitir que isto ocorra na hora certa e de forma apropriada no caso do BEI, a Comisso Europeia tambm importante. No caso dos bancos nacionais de desenvolvimento na Amrica Latina, estas prioridades poderiam ser definidas pelos governos nacionais. Entretanto, no plano regional, estas instituies so bastante fracas na Amrica Latina, por exemplo, no Mercosul.

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    Com relao aos setores que o BEI tem como foco, alguns so relevantes para a Amrica Latina. Assim como na Europa, o setor da PME na Amrica La-tina importante para o emprego e para a inovao. Uma abordagem semelhan-te para alavancar financiamento para o setor privado e fornecer venture capital destinado a P&D e s atividades inovadoras poderia ser adotado, uma vez que o financiamento uma barreira crtica em muitos pases da regio (IFC, 2009).

    Uma questo importante a ser considerada a abordagem do BEI no apoio s PMEs de alta tecnologia e ao desenvolvimento do setor de alta tecnologia por meio de parcerias privadas com universidades de grande interesse e investidores de capital de risco. Entretanto, em muitos pases da Amrica Latina e do Caribe existe uma lacuna entre a procura por esse crdito e a oferta de financiamento de capital de risco pelo setor privado, inclusive os vinculados a universidades. Uma abordagem de poltica para a inovao e a tecnologia por meio de polticas alternativas como o suporte pblico ao agrupamento (clustering), pesquisa tec-nolgica e comercializao, bem como a disseminao mais ampla da inovao pelas agncias governamentais em vez de agentes do setor privado, seria mais apropriada na Amrica Latina e no Caribe. Esta abordagem poderia assegurar um preenchimento desta lacuna no mercado e acelerar tanto a inovao tcnica como a transferncia de tecnologia. Ela poderia ser concebida como parte de uma abordagem mais ampla de poltica industrial que apoie a inovao tecnolgica em setores alvos por meio de uma srie de instrumentos de poltica, entre os quais destacam-se os emprstimos dos bancos de desenvolvimento.

    Alm disso, na Amrica Latina e no Caribe existe uma grande variedade de instituies de microfinanas, muitas das quais aumentaram a escala e o tama-nho das empresas atendidas, bem como a variedade de produtos. Hoje, muitas so instituies financeiras formais significativas no varejo e no setor de PME. Na Amrica Latina e no Caribe, um espectro completo de PME deve ser apoia-do, incluindo as instituies de microfinanas, e a replicao da abordagem de garantia do BEI e de parceria do banco com o setor privado. Este financiamento pode tambm ajudar a evitar os problemas que surgiram em outros pases, nota-damente na ndia, mas tambm na Nicargua e na Bolvia, onde as instituies de microfinanas procuraram elevar a escala de financiamentos por meio dos inves-tidores privados e presses resultantes levaram a patamares e prticas de emprs-timos inapropriados. As instituies de microfinanas devem ser cuidadosamente escolhidas de forma a inclurem organizaes maiores e bem estabelecidas, de preferncia nacionais e com um histrico de solidez institucional.

    Outro setor de importncia mtua para a Europa e a Amrica Latina e o Caribe o do meio ambiente e sustentabilidade. Na comunidade global a viso de uma economia de baixo carbono e, criticamente, a tecnologia para torn-la realidade esto emergindo rapidamente. O mais crtico para um banco de desenvolvimento a infraestrutura, incluindo as redes de transporte e gerao de

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    energia, o que consistente com os limites biofsicos dos pases na adequao aos rigorosos critrios de sustentabilidade. Ocampo (2011) e UNEP (2011) forne-cem uma boa definio de economia verde como sendo aquela que no apenas melhora o bem-estar humano e reduz a desigualdade, como tambm reduz os riscos ambientais e a escassez ecolgica (OCAMPO, 2011, p. 1). evidente o interesse das economias da Amrica Latina em promover este caminho mais sus-tentvel para o desenvolvimento, visto que a mudana climtica pode prejudicar o desenvolvimento futuro, e, alm disso, porque a tecnologia verde proporciona muitas novas oportunidades de investimento em setores altamente competitivos.

    Consistente com este tipo de viso, os bancos de desenvolvimento na Am-rica Latina e no Caribe j esto envolvidos na construo de uma economia ambientalmente sustentvel. O BNDES, por exemplo, estabeleceu princpios e diretrizes com relao responsabilidade ambiental e est envolvido em alguns projetos referentes tanto a ambientes naturais como urbanos. Exemplos espec-ficos de projeto incluem o Fundo para o Desenvolvimento Limpo, que investe em companhias com potencial de gerar redues de carbono; o Fundo da Ama-znia, um fundo de investimento baseado em doaes, gerenciado pelo BNDES, dedicado a combater o desmatamento e conservao da floresta amaznica; e a Iniciativa BNDES Mata Atlntica. Da mesma forma, a CAF possui diretrizes ambientais que so aplicadas aos projetos e tambm apoia uma srie de progra-mas e iniciativas. Isto inclui o financiamento de projetos de energia alternativa, como parte do Programa Latino-Americano de Carbono e Energias Limpas e Alternativas. Os autores incentivariam os bancos de desenvolvimento da Amrica Latina e do Caribe a darem continuidade e ampliarem seus programas e, quando for relevante, aprenderem as lies do BEI.

    Existe uma oportunidade para que a Amrica Latina e o Caribe saltem as tecnologias baseadas em elevada emisso de carbono e passem diretamente para as tecnologias de baixo carbono, evitando os custos de transio que sero incorridos pelas economias desenvolvidas. Assim como as vantagens regionais e nacionais, existe um enorme potencial de oportunidades comerciais para o desenvolvimento com sucesso das novas tecnologias e bases de conhecimento.

    Os bancos pblicos de desenvolvimento esto numa posio ideal para fi-nanciar o investimento em energia renovvel e outras atividades de ao sobre o clima, uma vez que, amide, essas atividades so comercialmente lucrativas ape-nas no longo prazo e, por conseguinte, requerem uma maturidade de longo prazo nos emprstimos, os quais, na maioria das vezes, inicialmente, s podem ser ofe-recidos por bancos pblicos de desenvolvimento, embora tambm possam ajudar a promover o alongamento do financiamento privado. Em outros casos, estas ati-vidades de ao sobre o clima apenas se tornam lucrativas se forem consideradas as externalidades positivas e, por conseguinte, so necessrios tanto o investimen-to pblico como os subsdios para o investimento privado. Neste ltimo caso, o

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    emprstimo dos bancos de desenvolvimento, combinado com algum elemento limitado de subsdio que poderia vir de algumas das transferncias internacionais para mitigao da mudana climtica nos pases em desenvolvimento ou dos or-amentos nacionais, parece ser o mais adequado. Mais uma vez, o enfoque do BEI no financiamento de projetos de mitigao das mudanas climticas, no gerencia-mento e na expanso da infraestrutura existente e das atividades econmicas, bem como na implementao de novas atividades de baixa emisso de carbono, pode oferecer lies valiosas para a Amrica Latina e o Caribe.

    Conforme observado, o Grupo BEI tambm inclui a orientao tcnica como componente essencial de muitos de seus programas, especialmente aqueles para o meio ambiente e sustentabilidade, PMEs e microfinanciamento. Isto deve ser replicado na Amrica Latina e no Caribe, incluindo o apoio tanto s PMEs como s instituies de microfinanas com o objetivo de aumentar as taxas de su-cesso das empresas comerciais e desenvolver a capacidade e a solidez institucional.

    3.3.Estabilidade.financeira.e.tcnicas.de.financiamento

    Conforme observado na subseo anterior, a Amrica Latina e o Caribe sofreram um impacto menos srio no PIB em razo da crise financeira global. Um dos fatores que contribuiu para tanto foi a robustez relativa dos sistemas financeiros da regio (CARUANA, 2010). Ao avaliar quais aspectos da abordagem do BEI adotar, deve-se dar uma ateno cuidadosa para se assegurar que a solidez institucional tanto das agncias de desenvolvimento como das instituies financeiras do setor privado sejam mantidas, e que possveis ameaas sistmicas no sejam criadas ou incentiva-das a ressurgir. Ambas as questes precisam ser consideradas no contexto tanto das condies normais do mercado como das potenciais situaes de crises futuras. Na Amrica Latina, as diferenas na estrutura dos mercados financeiros precisam ser consideradas. Duas questes relevantes na avaliao sobre quais abordagens deve-se adotar so a da profundidade dos mercados financeiros e at que ponto o ambiente regulatrio construiu robustez e estabilidade. Por exemplo, em alguns mercados da Amrica Latina e do Caribe, tais como o Brasil, tm havido restries regulamentares sobre os bancos nacionais participao em securitizaes e em transaes fora do balano (IMF, 2008).

    O BEI gerencia uma carteira de emprstimos e de atividades correlatas, abrangendo uma ampla variedade de tcnicas financeiras complexas e de aborda-gens para o envolvimento dos mercados financeiros privados e, ao examinar a sua experincia, torna-se fundamental a seleo cuidadosa das tcnicas apropriadas ao contexto latino-americano.

    Por exemplo, conforme discutido, uma grande proporo do apoio do Gru-po BEI para as PMEs so garantias oferecidas ao Fundo Europeu de Investimen-to (FEI). As garantias tm vantagens significativas em comparao com outros instrumentos, inclusive o risco e a alavancagem proporcionalmente menores, os

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    quais, quando combinados com duas caractersticas principais da abordagem do BEI o compartilhamento dos riscos e a exigncia de emprstimos adicionais permitem a atrao do setor privado. Uma vantagem que, apesar de criar pas-sivos contingentes, o instrumento relativamente simples para gerenciar risco e tipicamente exige expertise j disponvel nos bancos de desenvolvimento nacional. Entretanto, os passivos contingentes decorrentes das garantias so exatamente isso passivos e durante os perodos de estresse econmico podem resultar em perdas significativas numa base alavancada. Este especialmente o caso onde as garantias so do tipo primeira perda ou primeiro degrau (first loss or lower tier guarantees)