as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

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AS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM SITUAÇÃO DE CONTATO DIALETAL Sandra Maria Oliveira Marques Faculdade de Letras – UFRJ 2006

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AS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM SITUAÇÃO

DE CONTATO DIALETAL

Sandra Maria Oliveira Marques

Faculdade de Letras – UFRJ

2006

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AS VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM SITUAÇÃO

DE CONTATO DIALETAL

por

Sandra Maria Oliveira Marques

Tese de doutorado apresentada à Coordenação de

Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Faculdade

de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Orientadora: Dinah Maria Isensse Callou

Co-orientador: Dermeval da Hora Oliveira (UFPB)

Faculdade de Letras – UFRJ

2006

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DEFESA DE TESE

MARQUES, Sandra Maria Oliveira. As vogais médias pretônicas em

situação de contato dialetal. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras,

2006. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________________

Professora Doutora Dinah Maria Isensse Callou – UFRJ / Vernáculas (orientadora)

_________________________________________________________________________

Professor Doutor Dermeval da Hora Oliveira – UFPB / Vernáculas (co-orientador)

_________________________________________________________________________

Professora Doutora Stella Maris Bortoni-Ricardo – UNB/ Educação

_________________________________________________________________________

Professora Doutora Yonne de Freitas Leite – UFRJ / Museu Nacional

_________________________________________________________________________

Professora Doutora Christina Gomes de Abreu – UFRJ / Linguística

_________________________________________________________________________

Professora Doutora Cecília Mollica – UFRJ / Lingüística

_________________________________________________________________________

Professora Doutora Jacyra Andrade Mota – UFBA / Vernáculas / UFBA (suplente)

_________________________________________________________________________

Professora Doutora Sílvia Brandão – UFRJ / Vernáculas (suplente)

Examinada a teseConceito:Em: 09/03/2006

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Aos meus pais, Gilvan e Lourdes, por serem os

pilares mestres da minha vida.

Ao meu irmão, Arthur, e ao meu amigo/irmão,

Nilton, pelo apoio e incentivo que me deram

durante toda essa trajetória.

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“Se não respiras, não há ar.

Se não caminhas, não há terra.

Se não falas, não há mundo.”

(Provérbio dos índios navajos)

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AGRADECIMENTOS

Aos órgãos brasileiros de fomento à pesquisa, CNPq e CAPES, por custearem os meus

estudos e por terem, por esse motivo, possibilitado a realização de sonhos e das maiores

conquistas da minha vida, até este momento.

À minha orientadora, Dinah Callou, pela paciência e por ter depositado seu tempo, seus

esforços e seus conhecimentos em prol do meu engrandecimento intelectual.

Ao meu co-orientador, Dermeval da Hora, pela amizade, incentivo e por fazer parte de

mais essa vitória.

À minha co-orientadora no exterior, Celeste Rodrigues (Centro de Lingüística da

Universidade de Lisboa), por ter feito todo o possível, mesmo em momentos difíceis de sua

vida, para me ajudar. Agradeço profundamente, e com saudades, os bons momentos que

compartilhamos.

Aos meus amigos, Pedro Andrade, Jerônimo Vieira, Rogério Azevedo e Antônio Felipe,

por me ajudarem em uma das partes mais difíceis deste trabalho: a constituição dos

corpora.

Aos informantes que fizeram parte deste trabalho, agradeço pela educação e pela

disponibilidade em contribuir para a ciência.

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Aos professores Conceição Paiva, Maria Eugênia Duarte, Maria Luiza Braga, Anthony

Naro, Yonne Leite, mais uma vez a Dinah Callou, e tantos outros, por terem aberto, com

carinho e amizade, as portas da UFRJ e, alguns, de suas casas para mim. Vocês são

inesquecíveis, por terem me proporcionado a oportunidade de viver em um novo espaço de

trabalho e em um novo contexto sócio-cultural, fazendo, assim, com que meus horizontes

fossem ampliados.

Agradeço, em nome das professoras Celeste Rodrigues, Maria Antónia Mota e Amália

Andrade, aos professores do Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, pelo apoio

prestado a mim e ao meu trabalho.

Às minhas irmãs, Gilvana e Aninha, pelo incentivo indispensável.

A vocês, “minhas amigas de fé, minhas irmãs camaradas, amigas de tantos caminhos, de

tantas jornadas”, Josane e Carol, por serem “as amigas mais certas das horas (in)certas”.

Não preciso nem dizer o quanto vocês são grandes amigas.

A Luiza, ao Sr. Nilton e a todos os seus parentes, por terem sido a minha família nesta

imensa cidade, que é o Rio de Janeiro. Onde quer que eu vá, em meu coração, vou levar

vocês.

E, finalmente, agradeço a todos aqueles que contribuíram, direta e indiretamente, para a

realização deste trabalho e a todos aqueles que me ajudaram a chegar até aqui em perfeita

sanidade mental.

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SINOPSE

Análise quantitativa da variação lingüística resultante

do contato entre paraibanos e cariocas no Rio de

Janeiro e de brasileiros e portugueses na cidade de

Lisboa, com base na observação das vogais médias

pretônicas, à luz da Sociolingüística Quantitativa e dos

estudos sobre Dialetos em Contato.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS 11

INTRODUÇÃO 15

1 A PROPÓSITO DO TEMA

17

1.1 Paraibanos no Rio de Janeiro

20

1.2 Brasileiros em Lisboa 27

2 REVISÃO DA LITERATURA 33

2.1 As vogais médias pretônicas 33

2.1.1 As pretônicas na variedade oral do PB 35

2.1.2 As pretônicas na variedade oral do PE 41

2.2 O contato entre dialetos: revisitando o tema 45

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA 49

3.1 A teoria da variação 50

3.2 A acomodação dialetal 58

3.3 Os corpora 62

3.4 Caracterização dos informantes 64

3.5 Procedimentos e passos da análise 68

3.5.1 Variáveis lingüísticas 71

3.5.2 Variáveis sociais 78

4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS 81

4.1 Comportamento lingüístico geral dos migrantes paraibanos

81

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4.2 Comportamento lingüístico dos migrantes paraibanos no que se refere

ao padrão silábico CV 87

4.2.1 A pretônica não-recuada 91

4.2.1.1 Realização de [] 91

4.2.1.2 Realização de [i] 101

4.2.2 A pretônica recuada 110

4.2.2.1 Realização de [] 110

4.2.2.2 Realização de [u] 119

4.3 Comportamento sociolingüístico dos brasileiros em Lisboa 139

CONCLUSÕES 144

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 148

RESUMO 156

ABSTRACT 157

RÉSUMÉ 158

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LISTA DE FIGURAS, QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS

FIGURAS

Figura 1: Comunidades do ORKUT sobre porteiros 26

Figura 2: Mapa político do Brasil 30

Figura 3: Mapa das Mesorregiões da Paraíba 66

QUADROS

Quadro 1: Informantes por grau de escolaridade 31

Quadro 2: Informantes por profissão 31

Quadro 3: Vogais orais ao longo da história 34

Quadro 4: Distribuição das vogais do PB 35

Quadro 5: Vogais pretônicas no PB 36

Quadro 6: Distribuição dos migrantes paraibanos 65

Quadro 7: Distribuição dos imigrantes brasileiros

TABELAS

Tabela 1: Distribuição geral dos dados 81

Tabela 2: Distribuição dos dados pelas variantes 82

Tabela 3: Distribuição geral dos dados conforme o padrão silábico 82

Tabela 4: Distribuição percentual de /R/ e /S/ como coda do tipo silábico CVC 85

Tabela 5: Percentual de cada variante em sílaba CV 87

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Tabela 6: Comparação de resultados das comunidades em questão 88

Tabela 7: Comparação dos resultados 90

Tabela 8: Contexto vocálico subseqüente (realização de []) 93

Tabela 9: Vogal da sílaba subseqüente e tonicidade da vogal subseqüente

(realização de []) 94

Tabela 10: Contexto fonológico precedente (realização de []) 95

Tabela 11: Contexto fonológico subseqüente (realização de []) 97

Tabela 12: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de []) 98

Tabela 13: Anos de Escolarização (realização de []) 99

Tabela 14: Cruzamento entre faixa etária e anos de escolarização (realização de []) 100

Tabela 15: Faixa etária (realização de []) 101

Tabela 16: Contexto vocálico subseqüente (realização de [i]) 103

Tabela 17: Vogal da sílaba subseqüente e tonicidade da vogal subseqüente

(realização de [i]) 103

Tabela 18: Contexto fonológico subseqüente (realização de [i]) 104

Tabela 19: Contexto fonológico precedente (realização de [i]) 105

Tabela 20: Anos de Escolarização (realização de [i]) 107

Tabela 21: Faixa etária (realização de [i]) 109

Tabela 22: Contexto vocálico subseqüente (realização de []) 112

Tabela 23: Contexto fonológico subseqüente (realização de []) 113

Tabela 24: Contexto fonológico precedente (realização de []) 113

Tabela 25: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de []) 114

Tabela 26: Faixa etária (realização de []) 116

Tabela 27: Cruzamento entre a faixa etária e o tempo de residência

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no Rio de Janeiro (realização de []) 117

Tabela 28: Anos de Escolarização (realização de []) 117

Tabela 29: Contexto vocálico subseqüente (realização de [u]) 120

Tabela 30: Vogal da sílaba subseqüente e tonicidade da vogal subseqüente

(realização de [u]) 121

Tabela 31: Contexto fonológico subseqüente (realização de [u]) 122

Tabela 32: Contexto fonológico precedente (realização de [u]) 123

Tabela 33: Tempo de residência no Rio de Janeiro 124

Tabela 34: Cruzamento entre ‘Faixa etária’ e ‘Tempo de moradia no

Rio de Janeiro’ (realizações de [u]) 126

Tabela 35: Comportamento individual (realização de /e/) 129

Tabela 36: Comportamento individual (realização de /o/) 129

Tabela 37: Distribuição geral dos dados dos brasileiros 139

Tabela 38: Distribuição dos dados dos brasileiros pelas variantes 139

Tabela 39: Realização da pretônica /e/ na fala dos migrantes brasileiros 142

Tabela 40: Realização da pretônica /o/ na fala dos migrantes brasileiros 142

GRÁFICOS

Gráfico 1: Comportamento lingüístico do migrante (percentuais da

variante não-recuada) 89

Gráfico 2: Comportamento lingüístico do migrante (percentuais da variante recuada) 89

Gráfico 3: Aplicação de [i] pelos anos de escolarização (com base nos pesos relativos) 108

Gráfico 4: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de []) 114

Gráfico 5: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de []) 115

Gráfico 6: Faixa etária (realização de []) 116

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Gráfico 7: Faixa etária (realização de []) 116

Gráfico 8: Aplicação de [] segundo os anos de escolarização 118

Gráfico 9: Aplicação de [] segundo os anos de escolarização 118

Gráfico 10: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de [u]) 124

Gráfico 11: Faixa etária (realização de [i]) 125

Gráfico 12: Faixa etária (realização de [u]) 125

Gráfico 13: Distribuição percentual de [] entre os migrantes paraibanos 130

Gráfico 14: Distribuição percentual de [i] entre os migrantes paraibanos 130

Gráfico 15: Distribuição percentual de [] entre os migrantes paraibanos 131

Gráfico 16: Distribuição percentual de [u] entre os migrantes paraibanos 131

Gráfico 17: Percentual de aplicação de [u] em Lisboa e no Brasil. 141

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretende contribuir para um conhecimento mais pormenorizado de

certas características lingüísticas sujeitas a variação, em dois tipos de contato, no que se

refere à língua portuguesa falada: o dialeto do paraibano com o dialeto do carioca e o

dialeto do brasileiro com o do português, a partir de material recolhido no município do

Rio de Janeiro e na cidade de Lisboa.

O aspecto lingüístico observado na fala dos migrantes paraibanos e dos imigrantes

brasileiros são as vogais médias pretônicas /e/ e /o/, que se apresentam como um dos

maiores pontos de divergência entre esses dialetos, o que facilita a observação do processo

de acomodação lingüística do informante a uma nova realidade sócio-cultural.

Os alicerces teóricos deste trabalho são os estudos traçados por Trudgill (1986),

sobre os dialetos em contato, baseados na Teoria da Acomodação de Howard Giles (1973),

e a Teoria Sociolingüística Quantitativa Laboviana, por proporcionar uma análise empírica,

sustentada por dados quantitativos que possibilitam a sistematização das variações/

mudanças lingüísticas.

O interesse central do estudo é verificar que estratégias são utilizadas pelo

(i)migrante para melhor acomodar-se ao dialeto acolhedor. Grupos de fatores são

observados para verificar os artifícios utilizados por esses falantes, como grupo social

minoritário, em busca do seu maior bem-estar sociolingüístico quando em contato com o

dialeto da maioria.

No primeiro capítulo, A propósito do tema, são apresentados os processos de

migração dos paraíbanos para a cidade do Rio de Janeiro e de imigração dos brasileiros

para a cidade de Lisboa.

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No segundo capítulo, Revisão da literatura, faz-se uma revisão bibliográfica do

tema em estudo, as vogais pretônicas, tanto no português brasileiro como no português

europeu. São recenseados também trabalhos sobre dialetos em contato.

O terceiro capítulo, Fundamentação teórico-metodológica, apresenta a Teoria da

Variação e a Teoria da Acomodação, que fundamentam esta tese, bem como a

caracterização dos corpora e dos procedimentos da análise dos dados.

No quarto e último capítulo, Descrição e análise dos dados, são apresentados os

resultados e a interpretação dos dados, tanto dos paraibanos no Rio de Janeiro como dos

brasileiros em Lisboa, analisados sociolingüisticamente.

Nas Conclusões, o tema da tese é brevemente retomado e são enumerados os

resultados gerais da pesquisa realizada. Também aí são colocadas questões futuras ainda a

serem desenvolvidas sobre o assunto.

Uma parte do trabalho foi realizada, com bolsa PDEE – CAPES, no exterior, mais

especificamente na Universidade de Lisboa, em Lisboa – Portugal, para a pesquisa de

campo dos brasileiros imigrantes. O estágio em Lisboa foi feito sob a co-orientação da

Porfessora Maria Celeste Matias Rodrigues, que em muito ajudou no andamento deste

estudo.

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1 A PROPÓSITO DO TEMA

A mobilidade humana é um fenômeno amplo e complexo. Abrange numerosos

atores sociais pertencentes a uma pluralidade de classes, etnias, culturas e religiões. As

causas e as motivações que levam aos deslocamentos são variadas, tendo conseqüências

diversificadas, dependendo dos diferentes contextos sócio-culturais e da singularidade de

cada pessoa.

O estudo em questão visa a descrever o comportamento de indivíduos fora de seu

contexto geo-social original, objetivando verificar as mudanças lingüísticas provenientes

de uma situação de contato dialetal, pois, segundo Trudgill (1986, p.12), o comportamento

lingüístico de um indivíduo dentro de sua comunidade de fala envolve processos diferentes

daqueles que são ativados quando se encontra fora dela.

O lingüista Fernando Tarallo (1993) admite que no português brasileiro existam

“sotaques sintáticos”, mas as diferenças que chamam de imediato a atenção de qualquer

usuário de uma língua são as de pronúncia. Sendo assim, o aspecto linguístico que serve de

base para a observação das questões relativas ao comportamento do (i)migrante são as

realizações das vogais pretônicas /e/ e /o/.

Muitos estudos sobre esse tema foram realizados no Brasil, como os de Mota

(1979), sobre as vogais antes do acento em Ribeirópoles; de Bisol (1981), sobre a regra de

harmonia vocálica no falar gaúcho; de Callou & Leite (1986), sobre a ação da regra de

harmonia vocálica na norma culta do Rio de Janeiro; de Maia (1986), sobre o

comportamento das vogais pretônicas médias na fala de Natal; de Viegas (1987), sobre o

alçamento das vogais médias pretônicas; de Silva (1989), sobre as vogais pretônicas na

variedade culta de Salvador; de Castro (1990), sobre as pretônicas na variedade culta de

Juiz de Fora; de Bortoni (1992), sobre os condicionamentos das regras de elevação e

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abaixamento no dialeto de Brasília; de Yacovenco (1993), sobre as médias pretônicas no

falar culto carioca; de Battisti (1993), sobre a elevação das médias pretônicas em sílaba

inicial de vocábulo na fala gaúcha; de Vianna da Silva (1995), sobre as pretônicas

fluminenses; de Pereira (1997), sobre as médias pretônicas na fala do pessoense urbano;

Bohn (2004), sobre um estudo da harmonia vocálica em tempo real, dentre outros.

Entre os estudos realizados em Portugal, que abordam a questão das vogais

pretônicas, embora sejam em menor número do que os realizados no Brasil, incluem-se os

de Mateus & Martins (1982), sobre as vogais átonas [] e [u] no português europeu; de

Andrade (1987), sobre um estudo das vogais anteriores e recuadas em português; de

Miguel (1989), sobre a alternância da vogal fria com a vogal zero em núcleos pretônicos;

de Barros (1994), sobre as vogais /e/ e // no português de Lisboa, com base em uma

abordagem sociolingüística; de Mascarenhas (1996), sobre o estudo da variação dialetal

entre Lisboa e Porto das vogais átonas [-rec] e [+arred] em contexto inicial; e de Rodrigues

(2003), sobre as vogais em Lisboa e Braga.

Em geral, esses estudos reforçam, no Brasil, a idéia geral de que esses fonemas

recebem uma pronúncia predominantemente fechada (média) nas regiões Sul-Sudeste,

enquanto que no Norte-Nordeste prevalece uma realização mais aberta (baixa), além de

esse aspecto lingüístico ser também um dos fatores de diferenciação entre as variedades

lingüísticas brasileira e portuguesa.

Sabe-se que duas regras podem atuar sobre a realização das vogais médias

pretônicas no Brasil, a saber: a regra de abaixamento, que transforma em [] e [] as vogais

médias anteriores ao acento tônico da palavra; e a de alteamento, a qual caracteriza as

realizações [i] e [u] das vogais estudadas. Em Portugal, com as pretônicas, o que ocorre é a

regra de centralização, que transforma [e] em [] e a de elevação, que faz com que o [o]

passe a [u].

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Sendo assim, o leque de variações admissíveis nas posições átonas em português

mostra-se, por isso mesmo, um campo fecundo de testes, sob os mais variados prismas

teóricos. Neste estudo, por exemplo, as vogais médias pretônicas são observadas pela ótica

do contato dialetal.

Os estudos sobre o contato dialetal foram primeiramente investigados por Peter

Trudgill (1986) – cujo trabalho foi baseado na Teoria da Acomodação, de Howard Giles

(1973) –, que observou que o contato entre variedades de uma única língua também pode

ocasionar transferência de determinados traços de uma variedade para outra. Procurou,

então, verificar por que os falantes se acomodam a outros, a extensão com que eles fazem

isso e por que alguma situações e alguns indivíduos produzem mais – ou diferentes tipos

de – acomodação do que outros.

Ao longo desta pesquisa, busca-se, então, responder às seguintes questões:

a) Como os falantes submetidos ao contato dialetal modificam, se é que

modificam, sua gramática no que diz respeito às regras fonológicas?

b) O contato dialetal, levando em consideração a língua portuguesa, resulta

indistinto quando se processa entre variedades inter-regional ou

intercontinental?

Os estudos sobre a acomodação dialetal de Trudgill (1986) e a sociolingüística

quantitativa (LABOV, 1972) são acionados em busca de melhores respostas a esses

questionamentos.

Para entender melhor os impactos sociolingüísticos causados pelos processos de

deslocamentos geo-sociais, é necessário conhecer melhor a dinâmica das comunidades que

estão em pauta, o que é feito a partir da próxima secção.

1.1 Paraibanos no Rio de Janeiro

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As migrações escondem aspectos negativos ou conflitivos: o afastamento do lugar

de residência, o desenraizamento cultural, a desestruturação identitária e religiosa, a

exclusão social, a rejeição e a dificuldade de inserção no lugar de chegada. Representam

também um fenômeno basicamente positivo, pois colocam em prática o exercício do

direito humano de ir e vir, além de terem também funções sociais e econômicas, como a

relativa melhoria das condições de vida, devido à fuga de situações de opressão ou de

catástrofes ecológicas, à abertura a novas oportunidades de vida e ao enriquecimento

cultural decorrente do encontro entre diferentes povos, culturas e religiões.

No Brasil, o nordestino é o povo que mais goza desse custo/benefício de vida

proveniente da migração. Os dados do primeiro censo demográfico (1872) relatam que o

Nordeste era a região mais populosa do Brasil, com cerca de cinco milhões de habitantes

(quase metade da população do país). No censo seguinte, em 1890, tal percentual já havia

sido superado pelo Sudeste, devido ao intenso fluxo migratório.

Fatos históricos, com profundas raízes políticas, além das catástrofes climáticas,

determinaram o ritmo da marcha do nordestino rumo a outras regiões do país. Com a Lei

de Terras, de 1850, que tornou a via da posse de terras ilegal, as aquisições públicas só

poderiam ocorrer através da compra, ou seja, as terras só poderiam ser adquiridas por

aqueles que tivessem condições de pagar por elas. Um de seus objetivos era exatamente

impedir que os imigrantes e os trabalhadores brancos pobres, negros libertos e mestiços

tivessem acesso à terra. Seu efeito prático foi dificultar a formação de pequenos

proprietários e liberar a mão-de-obra para os grandes fazendeiros. Dessa maneira, foi

barrado o acesso à terra para a grande maioria do povo brasileiro.

Essa situação atravessou o século e nenhum governo conseguiu implementar uma

reforma agrária que freasse os conflitos pela terra, a má condição de homens, mulheres e

crianças no campo e a constante migração desses trabalhadores para os grandes centros

Page 21: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

urbanos em busca de sobrevivência. Essa lei ajuda a entender por que o Brasil possui uma

extrema concentração de terra, latifúndios improdutivos e uma grande massa de excluídos:

os trabalhadores sem terra.

Entretanto o fenômeno de migração interna ganhou visibilidade, caracterizando-se

como um problema nacional com a grande seca de 1877-1878 no Nordeste, momento em

que os flagelados invadiram as cidades litorâneas, provocando medo e impondo-se como

um problema a ser resolvido pelas elites locais. Tal fato culminou com o ciclo da borracha

na Amazônia, no Norte do país, que também foi um fator que impulsionou o declínio

populacional na região Nordeste. Mais tarde, a construção de Brasília foi um dos fatores de

intensificação da migração nordestina rumo ao Centro-Sul do país.

O final do século XIX e o início do século XX marcaram um período de

transformações mundiais. Guerras e revoluções resultavam em desemprego e fome na

Europa. Populações inteiras rumavam para longe de suas terras, buscando refúgio às

perseguições étnicas, políticas e religiosas. As informações da existência de uma terra nova

e cheia de oportunidades chegavam em além-mar. O braço nacional foi, portanto, preterido

em favor do braço estrangeiro, que era mais lucrativo para os fazendeiros do café e pela

indústria fabril, por ser subsidiado pelo governo, que incentivava a imigração.

Segundo Cavalcanti & Guillen (2002)1, em meados da primeira metade do século

XX, o fenômeno da migração de trabalhadores nordestinos para o Centro-Sul supera a

mão-de-obra estrangeira. Contribuíram para a absorção do trabalhador nordestino no

mercado de trabalho o Decreto-Lei, na década de 30, que limitava a 1/3 o percentual de

estrangeiros por empresa. A elite brasileira, diante da necessidade de reativar o mercado de

trabalho, dispondo de vasta oferta de mão-de-obra nacional e tendo em vista a necessidade

de obter maior controle social da classe trabalhadora, passa, então a reconstruir a imagem

1 CAVALCANTI, Helenilda & GUILLEN, Isabel. Atravessando fronteiras: movimentos migratórios na história do Brasil, 2002. Disponível em: http://www.imaginario.com.br/artigo/a0061_a0090/a0086-01.shml (pesquisa feita em 14/01/2006).

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do trabalhador nacional tão fortemente espoliada pelo vírus da escravatura. Tal

reconstrução imaginária é alimentada pela representação de que esse contingente da

população se encontra menos contaminado por idéias contestatórias, e que, à diferença do

braço estrangeiro, pode trabalhar por baixos salários, aceitando qualquer tarefa sem

reclamos e sem o risco de paralisações coletivas.

Ao se inserir no mercado de trabalho fabril e ao provocar mudanças na

composição da classe operária, imputou-se ao trabalhador nacional a responsabilidade pelo

decréscimo da “consciência de classe”, sinalizada pelo enfraquecimento do sindicalismo e

pelo fortalecimento político do populismo. Ainda segundo as autoras,

Todos esses entremeios, que resultaram numa representação determinada e homogênea do migrante, rotulados como paraibanos [“paraíbas”] e baianos, contribuem para que possamos compreender melhor, historicamente, o protótipo do migrante que se justapõe à imagem do trabalhador nordestino – errante, pau-de-arara, mão-de-obra barata, preguiçoso, indolente, construtor de cidades, dentre outros.

Na atualidade, um trabalho realizado por pesquisadores da Fundação Getúlio

Vargas e da Universidade de São Paulo (SANTOS JÚNIOR; MENEZES FILHO &

FERREIRA, 2003, p. 02)2, com base em microdados da PNAD de 1999, sobre a

desigualdade de renda no Brasil, desmistifica um pouco dessa visão que se tem do

migrante nordestino, por exemplo, pois chega à seguinte conclusão:

Os anos de escolarização, a estrutura etária da população, as variáveis geográficas (clima, investimentos públicos em infra-estrutura…), entre outros, têm sido usados para explicar a desigualdade de renda entre os estados brasileiros (Azzoni, Menezes-Filho, Menezes & Silveira Neto, 1999; Ferreira & Diniz, 1995; e Zini, 1998). Entretanto, como no Brasil a migração se dá, na média, de estados com menor renda per capita para os que possuem maior renda per capita, há um fenômeno que, se verificado, deve ajudar na explicação dessa desigualdade de renda: a seleção positiva dos migrantes no Brasil, isto é, o fato dos migrantes (aqueles brasileiros que moram em estados diferentes do que nasceram) serem em média mais aptos, ambiciosos,

2 SANTOS JR. E. da R. dos; MENEZES-FILHO, N. & FERREIRA, P. C. Migração, seleção e diferenças regionais de renda no Brasil. No 484 (ISSN 0104-8910), junho de 2003. Disponível em: http://epge.fgv.br/portal/arquivo/1336.pdf (pesquisa feita em 12/01/2006).

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agressivos, motivados e empreendedores do que os não-migrantes (os brasileiros que moram no mesmo estado em que nasceram). Nesse caso, os estados mais ricos teriam alcançado tal condição também por estarem concentrando, via fluxos migratórios, pessoas mais capazes, hábeis e, portanto, mais produtivas.

A narrativa3 a seguir foi produzida por Natália Engler Prudêncio, aluna do 3° ano

do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

(ECA/USP), com base em relatos da vida real da filha de um migrante piauiense. Essa

narrativa pode ilustrar um pouco a chegada do migrante nordestino a uma grande cidade:

“O pai de Deusani foi para São Paulo em um caminhão pau-de-arara. Para driblar o calor, os viajantes ficavam do lado de fora da lona, e o motorista buzinava para avisá-los que deveriam se esconder quando fossem passar pela polícia. Às vezes buzinava só para fazer graça, para se divertir vendo todos se esgueirarem desesperados para dentro da lona. Chegando em São Paulo, arrumou um trabalho como servente de pedreiro, e logo foi melhorando de função, pois, enquanto trabalhava, observava todos os outros trabalhos que eram realizados na obra para aprender como fazê-los. (…) Depois de seis meses, conseguiu juntar dinheiro para buscar a família e alugar dois cômodos em Campo Limpo. Quando voltou para buscá-los, levou uma blusa de frio para cada filho, que seria tudo que os protegeria do frio na chegada a São Paulo, em pleno mês de julho de 1971. Só tinha dinheiro para sua passagem e a da mulher, que estava grávida do quarto filho, Eliezer, que nasceria em São Paulo (teria mais uma filha, Maria Luiza, mas apenas em 1983); as crianças iam no corredor, passando muito desconforto durante os três dias de viagem. (…) O ônibus parava em cidades na hora do almoço e do jantar, mas eles não almoçavam e nem jantavam em restaurantes, só comiam o “frito”. (…) Quando fizeram uma parada no Rio de Janeiro, todo mundo levantou-se e olhavam pela janela, dizendo “Olha o mar, olha o mar! Meu Deus, a água se mexe!” E ela, lá em baixo deles, esmagada, não conseguia ver nada”.

Essas histórias se repetem à chegada a duas grandes cidades brasileiras, Rio de

Janeiro e São Paulo, como demonstra o relato de um paraibano que serviu de informante

para esta tese. Este senhor de 60 anos, sem escolaridade, que chegou ao Rio de Janeiro há

28 anos, descreve sua primeira impressão:

Lá no Norte [Nordeste], a gente tinha uma vida muito sofrida, né, e uma vez um colega me deu uma idéia, que ele já tinha vindo aqui no Rio, e me convidou para vir aqui ao Rio. Eu digo assim: “Ah, eu vou pensar”. Até que um dia chegou a oportunidade de eu vir. Vim, fiquei sete meses, ai teve um problema que surgiu comigo aqui, ai fiquei meio desgostoso, voltei. Voltei, ai fiquei quatro anos lá. Ai, esses quatro anos que eu passei lá foram muito difíceis, né, o que eu levei durante os sete meses que eu arrumei aqui, fiquei quatro anos lá, gastei tudo e não consegui nada. Ai, cismei assim e disse: “Oxe, vou embora de novo!” (…) Ai, vim e fiquei quatro anos. (…) Voltei e fiquei até oitenta e um. Oitenta e um foi que eu voltei lá de novo. Só a passeio. Quando cheguei lá, não gostei. Tudo difícil. Ai, estou até agora aqui e nunca mais voltei lá. Porque a vida do 3 Disponível em: http://www.textovivo-narrativasdavidareal.htm. O site informa que “Esta matéria faz parte de um projeto narrativo maior, que visa a aplicação de recursos do Jornalismo Literário (JL)”. (pesquisa feita em 16/01/2006)

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nordestino é sofrida. E aqui, o pouco mesmo, o pouco difícil que a gente consegue é mais fácil do que lá. A vida é mais fácil. Então é onde que eu estou por aqui. (…) Naquela época não tinha nem rodoviária. A rodoviária era em São Cristóvão, né. Ai, cheguei em São Cristóvão, a primeira coisa, cheguei num dia de domingo, primeira coisa que eu cheguei que achei foi um bocado de colega. (…) Fiquei muito satisfeito, né, cara, fiquei alegre em ver o movimento, que a gente não via. Lá na roça nós não tinha isso, movimento que tinha aqui, né. (...) É cidade grande. Ainda mais naquela feira, na época daquela feira de São Cristóvão, que é falada, né. Então, fiquei muito orgulhoso em ver aquele movimento. Ai, isso aí. Ai eu comecei a trabalhar, o colega me incentivando, a gente fica meio triste, sente a família, né, uns dias, mas depois acostuma.

Segundo os resultados do Censo 2000, do IBGE, a região Nordeste continua

campeã em fluxo migratório: foram 1.457.360 saídas entre 1995 e 2000 – um aumento de

7,6% em relação ao período de 1986/1991. O principal destino dos migrantes é a região

Sudeste, que recebe 70,9% dos migrantes nordestinos.

Exemplo dessa intensa migração nordestina para o eixo Centro-Sul é o estado do

Ceará, pois em 1940, eram 205.621 cearenses vivendo fora de seu estado. Em 1991, esse

número subiu para 1.364.013 e, em 2000, para 1.592.756, sendo 34% vivendo em São

Paulo e 13%, no Rio de Janeiro.

A Paraíba, no entanto, é o estado que, percentualmente, mais forneceu migrantes

para os outros estados brasileiros, chegando a ter 27% de sua população residindo fora de

seus limites geográficos. Dados do IBGE mostram que, somente no Rio de Janeiro, em

1991, viviam 51.947 paraibanos. No ano de 2000, esse número subiu para 83.157.

Segundo depoimento do deputado Marcondes Gadelha (PTB) ao Corecon-PB

(Conselho Regional de Economia da Paraíba)4, a região do Semi-árido é uma grande fonte

de mão-de-obra barata, porque os agricultores que moram nessas regiões preferem se

submeter a todo tipo de trabalho fora a ficar na terra natal e ver o gado morrer pela falta de

pasto e as culturas não vingarem.

Segue o depoimento do informante Sr. FAM, ex-agricultor, 61 anos de idade,

analfabeto e há 28 anos no Rio de Janeiro, sobre as dificuldades de sobrevivência na

Paraíba:4 Disponível em: http://corecon-pb.cofecon.org.br (pesquisa feita em 14/01/2006).

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E: Encontrou o que tava procurando?I: Ah, encontrei. Encontrei. Eu vim para conseguir alguma coisa e consegui, né? Apesar de que eu voltei para lá e acabei de novo, mas consegui. (…) Naquele tempo era cento e oitenta mil réis. Era mil réis. Eu fiz coisa para caramba. Gastei, comprei um animal, comprei muita semente de milho, de feijão, fava para plantar na roça. Ai, o sol veio e acabou, tornei a comprar de novo, gastei tudo. Só sei que eu fiquei quatro anos para gastar esses cento e oitenta mil réis. Mesmo assim, levando castigo do tempo, sol, chuva. Quando não era o sol, era a chuva que acabava. Ai, eu vi que não dava mais jeito, ai eu digo: “Vou embora para o Rio”. Até eu joguei uma conversa meio desagradável que eu paguei, quando eu cheguei aqui no Rio, eu falei assim: “Nem que eu chegue no Rio com uma casca de banana, mas aqui no Norte eu não vou viver mais”.

A pesquisa Padrão de Vida, feita pelo IBGE, em 1996, aponta que, entre os

nordestinos que chegam ao Sudeste, 48,6% exercem trabalhos manuais não qualificados,

18,5% são trabalhadores manuais qualificados, enquanto 13,5%, embora não sejam

trabalhadores manuais, encontram-se em áreas que não exigem formação profissional. O

mesmo estudo indica que esses migrantes possuem, em média, condições de vida e nível

educacional acima de seus conterrâneos e abaixo dos cidadãos estáveis do Sudeste.

É impossível deixar de perceber que muitos trabalhadores nordestinos do sexo

masculino, quando possuem escolarização, que chega, no máximo, ao ensino médio

incompleto, são absorvidos pelo mercado de trabalho na profissão de porteiro de prédios,

residenciais ou não. Sua diferente forma de falar chama muita atenção e, muitas vezes,

impede a compreensão. Exemplo da reação do ouvinte pode ser vista no quadro abaixo,

que foi extraído do site ORKUT5 e diz respeito a duas comunidades6 criadas para

adicionarem membros que sentem dificuldades de entender o que os porteiros de seus

prédios, geralmente nordestinos, falam.

Figura 1: Comunidades do ORKUT sobre porteiros

Porteiros não falam português 131 membros Se você não entende nada que o seu porteiro fala...acredita seriamente que ele fala outra língua, acha que poucas coisas são piores do que quando ele te interfona falando que o "Goimeopdjante" está subindo... ou você ri com a

5 O ORKUT é uma comunidade virtual afiliada ao Google, criada em 22 de janeiro de 2004 com o objetivo de ajudar seus membros a criar novas amizades e manter relacionamentos. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükkokten, engenheiro do Google. Sistemas como o adotado pelo projetista também são chamados de rede social.6 Os criadores são de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Page 26: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

pronuncia do nome do seu conhecido ou se preocupa em tentar advinhar quem está subindo. Ou tem enorme dificuldade de entender um recado e acaba concordando soh pra não ter que perguntar 49 vezes o que foi mesmo que ele falou... Seja Bem Vindo !!!!

PQ os porteiros falam javanês? 2 membros Se o porteiro interfona pra sua casa, e não entende nada o que ele fala.Se vc passa na portaria, e ele tenta dar um recado, e vc friza a testa,coça a cabeça, faz sinal de positivo,mas não sabe do que se trata. Seu porteiro fala javanês!!Especialistas ainda não conseguiram decifrar essa língua milenar entre os guardiões de residências. Mas se sabe que alteração de humor são muito comuns e que se provocados, podem usar as palavras indecifráveis como arma, pois vc não sabe o que ele está falando mesmo.Mas vc não está sozinho, se seu porteiro tb ala javanês, junte

Neste trabalho, muitos informantes são porteiros. Em sua grande maioria, são ex-

trabalhadores de roça, ex-agricultores paraibanos, mas não são analisados separadamente

dos outros infomantes que não são porteiros, pois visa-se ter uma idéia geral do

comportamento do migrante paraibano.

No que diz respeito à consciência lingüística do falante, os aspectos linguísticos

salientes são os que são mais facilmente imitados por um falante não nativo, segundo

Trudgill (1986, p.12), a imitação é um bom recurso para detectar a saliência. No que diz

respeito as vogais pretônicas, os migrantes paraibanos, quando perguntados sobre aspectos

da fala dos cariocas, não identificam as pré-acentuadas como um ponto de divergência. O

traço que mais salta aos ouvidos deles é a palatalização das oclusivas /t/ e /d/ diante de /i/ e

do /S/ pós-vocálico, que chamam de “chiado”. Apenas dois informantes fizeram

observações sobre as vogais:

E: Você acha que adquiriu o sotaque carioca?(PAG): Eu acho que sim. E: Por quê?(PAG): Primeiro por lidar com o público diariamente, né? Doze horas por dia, quase. Dez horas por dia. Meus “es” são mais fechados do que eram antes.

(PAG, ex-estudante. Atualmente é dentista, tem 35 anos de idade e 9 anos de residência no Rio de Janeiro)

E: você acha que adquiriu o sotaque carioca? Você acha que hoje conseguiu adquirir esse sotaque?(AMA): Não. Adquirir o sotaque carioca eu acho que não. Acho que porque o meu é uma mistura dos dois. Eu acho que eu não consigo falar igual ao carioca. O carioca tem

Page 27: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

algumas mudanças. Ele fala algumas palavras com as vogais mais abertas, ele chia mais do que eu chio. Eu comecei a chiar um pouco depois que eu vim para cá, mas eles falam... tem uma diferença sim de, de, acho que principalmente nas vogais, a gente percebe (...) que é bem típico dele e eu acho que eu não consigo falar da mesma forma.

(AMA, ex-estudante. Atualmente é bailarino formado, tem 27 anos de idade e 7 anos de residência no Rio de Janeiro)

Quando a situação é contrária, ou seja, quando o carioca imita o nordestino, os

traços vocálicos ficam bem acentuados, demonstrando, por isso, ser uma marca forte e

estigmatizada, portanto, sujeita a modificações.

1.2 Brasileiros em Lisboa

Durante séculos, milhões de portugueses imigraram para o Brasil e, no momento

atual, em percurso inverso, muitos brasileiros vão para Portugal. Em 2004, esses

imigrantes constituíam já a maior comunidade do país e o seu número não pára de

aumentar. Segundo dados de um site7 de Portugal, lá vivem mais de 100 mil brasileiros

(51,5 mil legais).

Os números da imigração em Portugal começaram a crescer a partir da década de

60 do século XX. Desse período até a atualidade, as necessidades, as motivações e o tipo

de capacitação profissional dos imigrantes variaram, apresentando quadros

comportamentais que podem ser distribuídos em duas fases: antes e depois de 1998. Um

estudo feito pela Casa do Brasil, em Lisboa, sobre esse segundo período, denomina-o de

“2a vaga” de imigração.

Os primeiros imigrantes brasileiros que descobriram Portugal como uma boa

possibilidade de vida, nas décadas de 60, eram, sobretudo, empresários, jogadores de

futebol e artistas que nesse país se radicaram. Na década de 70, nos anos de ditadura

política no Brasil, foi a vez dos exilados políticos e também de muitos outros profissionais

7 www.lusotopia.no.sapo.pt (acesso em 09/02/2006).

Page 28: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

altamente qualificados (jornalistas, publicitários, dentistas, profissionais da área de

informática e outros) imigrarem. Neste período, a comunidade brasileira desfrutou de uma

fase de importante estatuto social em Portugal.

No final da década de 80, começaram a aparecer os primeiros problemas

relacionados à entrada desse tipo de imigrante em Portugal, que foi a célebre polêmica

sobre o exercício de atividade dos dentistas brasileiros que, devido ao elevado número de

imigrantes capacitados nessa área, foram vistos como uma ameaça aos dentistas

portugueses, o que exigiu a elaboração de um acordo entre Portugal e o Brasil.

Nas décadas finais do século XX, o Brasil viveu um fenômeno inédito em seus

quinhentos anos de história. Um grande número de jovens brasileiros de classe média,

universitários e profissionais liberais, decidiu trocar o diploma pelos trabalhos de baixo

status social no Primeiro Mundo (Europa, Estados Unidos, Japão etc.) em busca de salários

que valessem o esforço de seu trabalho, seja ele qual fosse.

Correspondendo a um crescente fluxo emigratório, no inicio dos anos 90, surgiu a

primeira associação de imigrantes brasileiros, a Casa do Brasil (1992), em Lisboa, uma

entidade que auxilia os imigrantes brasileiros em Portugal e ainda promove eventos em que

a cultura brasileira é protagonista.

O fluxo de imigrantes brasileiros, que veio sempre a crescer de forma regular e

sustentada desde os anos 60, começa a dar sinais de um brusco aumento no anos finais do

século XX. Pela porta da clandestinidade entram muitos dos brasileiros que estão em

Portugal, que procuram os bairros degradados e sem as mínimas condições de salubridade

para viver e trabalham em setores da construção civil e em restaurantes.

Os números da permanência ilegal no país atingiu proporções tais que motivaram

os governos português e brasileiro a firmarem um acordo (11 de julho de 2003) que

regularizasse a permanência de 30 mil imigrantes que não estavam documentados. Em 7 de

Page 29: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

setembro de 2004, em Brasília, o chefe do governo português prometeu facilitar a

legalização de 14 mil novos imigrantes brasileiros, mas os números não páram de

aumentar.

As razões que levam o imigrante brasileiro a escolher Portugal são: a facilidade

da língua e cultura comuns; a existência de acordos bilaterais e organizações comuns como

a CPLP8; o incremento dos investimentos do Brasil em Portugal e vice-versa; os

importantes "nichos" de emprego para especialistas brasileiros em muitas áreas onde

Portugal é carente de quadros; a idéia de que Portugal é uma espécie de porta de entrada

para a Europa ou até de passagem para os Estados Unidos; a possibilidade de obtenção da

nacionalidade por via do parentesco e o retorno de famílias de emigrantes portugueses no

Brasil.

Um estudo promovido pela Casa do Brasil em Lisboa (2003)9 reúne 400

imigrantes brasileiros residentes nos distritos de Lisboa e Setúbal. O universo do estudo é

constituído pela população brasileira imigrante em Portugal, maior de 15 anos, que chegou

na chamada segunda vaga de imigração, iniciada em 1998/1999, onde se incluem aqueles

que obtiveram a sua autorização de permanência no período compreendido entre janeiro de

2001 e agosto de 2002.

Em junho de 2003, o número de indivíduos que preenchem as condições referidas

é de 24.26010. Destes, 19.066 (78,6%) se encontram no distrito de Lisboa e 5.194 (21,4%)

no distrito de Setúbal. Por sexo, a distribuição é a seguinte: 63,9% do sexo masculino e

36,1% do sexo feminino.

8 Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.9 http://www.casadobrasil.pt (pesquisa ao site feita em 09/02/2006).10 Segundo a pesquisa, esse número de imigrantes brasileiros, registrados pelos organismos oficiais (IDICT/IGT), está aquém do número real de imigrantes brasileiros que integram o universo do estudo porque existe um número (não quantificado) de imigrantes sem qualquer pedido de documentação para permanência.

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Dos 400 informantes brasileiros inquiridos, 31% são provenientes de Minas

Gerais, 14% do Espírito Santo, 13% de São Paulo, 12% do Paraná e 10% Goiás. Os outros

estados, juntos, perfazem um total de 20%.

A Figura 1, abaixo, exibe o mapa do Brasil para uma visualização dos estados e

para evidenciar a localização dos estados da Paraíba e do Rio de Janeiro, este na região

Sudeste e aquele na região Nordeste do país:

Figura 2: Mapa político do Brasil

Levando em consideração a faixa etária dos informantes, o maior número de

pessoas encontra-se na faixa de 25 a 34 anos (50%). A seguir, vêm as faixas de 14 a 24

anos (27%) e 34 a 64 anos de idade (23%). Quanto ao nível de instrução, a pesquisa

apresenta o seguinte quadro:

Quadro 1: Informantes por grau de escolaridade

Grau de escolaridade Frequências Percentagem

Sem escolaridade 1 0,31º Grau incompleto 69 17,31º Grau completo 54 13,52º Grau incompleto 36 9,0

Page 31: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

2º Grau completo 181 45,3Superior incompleto 30 7,5Superior completo 29 7,3

Total 400 100,0

Pode-se ver que a grande maioria dos entrevistados, representantes do contexto

geral da imigração brasileira, possui o ensino médio completo. A segunda maior parcela se

distribui entre os informantes com escolaridade abaixo dessa e, ao contrário dos imigrantes

da 1a vaga, a menor parcela tem o ensino superior (in)completo.

Quanto à atuação no mercado de trabalho, segundo a pesquisa, os inquiridos se

distribuem da seguinte forma (quadro adaptado dos quadros 9 e 10 da pesquisa):

Quadro 2: Informantes por profissão

Ocupação Profissional Trabalho realizado em Portugal Trabalho realizado quandoMorava no Brasil

Freqüência Percentual Freqüência PercentualOp.Construção-especializado 75 18,8 40 10,0Op.Const.-não especializado 36 9,0 8 2,0Op.Industrial - especializado 12 3,0 29 7,3Op.Indust.- não especializado 5 1,3 9 2,3Trabalho Doméstico /Limpeza 22 5,5 13 3,3

Trabalhador do Comércio 87 21,8 88 22,0Trabalhador de Restauração 83 20,8 13 3,3Trabalhador Administrativo 8 2,0 47 11,8

Empresário 5 1,3 14 3,5Professor 2 ,5 13 3,3

Quadro técnico 2 ,5 12 3,0Desempregado 32 8,0 3 ,8

Estudante 2 ,5 30 7,5Outra ocupação 29 7,3 81 20,3

Total 400 100,0 400 100,0A maior parte dos imigrantes entrevistados são ex-trabalhadores do setor

comercial e de outras atividades profissionais. Em Portugal, o setor que mais absorve mão-

de-obra brasileira é o da contrução civil, alimentação e comércio. Os trabalhadores

brasileiros que realizavam tarefas no setor administrativo eram estudantes ou faziam outras

atividades profissionais, além das observadas pela pesquisa. Estes são os que mais realizam

trabalhos fora de seus campos profissionais.

Page 32: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

A pesquisa informa, também, que a grande maioria dos entrevistados vive em

piores condições de moradia do que vivia no Brasil, mas, monetariamente, recebe muito

mais pelo seu trabalho, embora em uma profissão diferente daquelas, geralmente de menor

status, que exerciam no Brasil. E os baixos salários brasileiros é o fator que mais motiva a

migração.

2 REVISÃO DA LITERATURA

Neste capítulo, algumas questões que envolvem os processos lingüísticos que

atingem as vogais médias pretônicas, sincrônica e diacronicamente, são revisitadas, assim

como trabalhos realizados sob a ótica do contato dialetal, para se ter uma idéia de como

esses temas já foram abordados.

Page 33: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

2.1 As vogais médias pretônicas

Muitos são os processos que atingem as pretônicas. Conforme Leite et al (1994), o

processo de alteamento, por exemplo, é bem antigo e, segundo Révah (1958), já estaria

completo em Portugal no século XV, opinião contestada por Herculano de Carvalho

(1969), ao afirmar que, até o século XVIII, ainda ocorreriam, em posição pretônica, as

alternâncias i:e e o:u.

Teyssier (2001, p. 68), que o sistema pretônico do português é resultado da

eliminação dos vários encontros vocálicos do galego-português, que, por sua vez, tornou-se

exatamente igual ao tônico por volta de 1500. O autor acrescenta ainda que, por volta de

1800, as vogais realizadas como [e] e [o] em posição átona se realizavam, respectivamente,

como [] e [u], como se pode ver no quadro a seguir.

Quadro 3: Vogais orais ao longo da história

Galego-português (de 1200 a aproximadamente 1350)

Por volta de 1500 Século XIX até os dias atuais

Sistema tônico Sistema tônico Sistema tônico/i/ /u/ /i/ /u/ /i/ /u/

/e/ /o/ /e/ /o/ /e/ /o/

// //// // // // // //

/a/ /a/ /a/Sistema pretônico Sistema pretônico Sistema pretônico

/i/ /u/ /i/ /u/ /i/ /u/

Page 34: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

///e/ /o/ /e/ /o/ /o/

// //// // // //

/a/ /a/ /a/Sistema postônico final Sistema postônico final Sistema postônico final

(/i/) (/i/) /u///

/e/ /o/ /e/ /o///

/a/ /a/

Tal transformação, que não alcançou o nível ortográfico e que, segundo o autor,

vigora na contemporaneidade do PE, é chamada de ‘redução’. Faz, também, uma

observação sobre o /o/, afirmando que é resultante da monotongação do antigo ditongo ou.

Comenta ainda que a ‘redução’ de e e o pretônicos aconteceu no decorrer do século XVIII,

ou, mais precisamente, na segunda metade desse século. Sobre isso, afirma que:

a ‘reducão’ atingiu um ponto tal que a sua [do []] própria existência corre perigo. Ouve-se hoje p`ssoa (pessoa), diss` (disse), pass` (passe), fort`s (fortes), pess`gu (pêssego), etc. Uma transformação do sistema fonológico está, pois, ocorrendo, e entre as suas conseqüências ressalta-se a de distanciar o PB do PE falado (1987, p. 66).

Câmara Jr. (1977) observa, de um ponto de vista estruturalista, que, no português

falado no Brasil, é no contexto pretônico que se observam os processos de “neutralização”

das médias e de “harmonia vocálica”, uma regra de assimilação regressiva que atinge tais

vogais em função de uma vogal subseqüente. Segundo Schwindt (2002, p. 162), esse

processo pode elevar (medida ~ midida) ou abrir/abaixar as vogais (novela ~ nvεla), de

acordo com a altura da vogal propulsora do processo.

Segundo Câmara Jr. (op. cit.), devido ao processo de neutralização, que é a perda

do traço que distingue dois fonemas (/e → / e /o → /), o sistema de sete vogais tônicas

do PB (/i, u, e, , o, , a/) fica reduzido a cinco (/i, u, e, o, a/), apresentando, portanto, o

seguinte quadro:

Page 35: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Quadro 4: Distribuição das vogais do PB

Pretônica Tônica

/i/ /u/ /i/ /u//e/ /o/ /e/ /o/

// ///a/ /a/

No Brasil, o quadro das pretônicas não é fixo quando se trata das vogais médias,

pois, a depender da região geográfica em que essas vogais vão ser observadas, a

neutralização pode se dar em direção às médias abertas, como acontece na região Nordeste,

por exemplo.

2.1.1 As pretônicas na variedade oral do PB

Cardoso (1999), para reforçar a idéia de que existem diferenças regionais no que

diz respeito às pretônicas brasileiras, faz uma compilação de um grande número de

trabalhos que abordam esse assunto, de forma variável, nas mais diversas localidades do

Brasil (Amazonas, Pará, Acre, Ceará, Natal, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Minas

Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul). Ao

fim, apresenta um quadro simplificado da tendência geral da realização das vogais

pretônicas /e/ e /o/ no PB, que permite visualizá-la como a/uma linha demarcatória entre

grupos de regiões.

Quadro 5: Vogais pretônicas no PB

Região Estados Vogais Baixas

Vogais Médias

Page 36: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

NORTEAMAZONAS •

PARÁ • *ACRE •

NORDESTE

CEARÁ •R. G. DO NORTE •

PARAÍBA •PERNAMBUCO •

ALAGOAS •SERGIPE •BAHIA •

SUDESTEMINAS GERAIS • *

RIO DE JANEIRO *SÃO PAULO *

SUL PARANÁ *R. G. DO SUL *

CENTRO-OESTE M. G. DO SUL *

Em uma descrição acústica do sistema pretônico de cinco capitais brasileiras,

Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Porto Alegre, Moraes et al (1996) mostram

que, em relação aos traços anterioridade/posterioridade (eixo horizontal), a capital que

apresenta variações significativas é o Rio de Janeiro, cujas vogais altas anterior e posterior

estão mais distantes uma da outra. Além disso, as maiores diferenças entre os cinco

dialetos foram percebidas na análise do traço de altura (eixo vertical): São Paulo e

Salvador apresentam um sistema mais polarizado, com uma distância acústica maior entre

[i], [a] e [u], em oposição a Porto Alegre e Recife, com menor polarização, e ao Rio de

Janeiro, numa posição intermediária.

Por esse trabalho, portanto, confirma-se que esses traços não são responsáveis por

marcar as diferenças entre regiões, no que diz respeito às vogais. Vê-se pelos resultados da

análise acústica que os pares São Paulo (Sudeste) e Salvador (Nordeste), Porto Alegre

(Sul) e Recife (Nordeste) apresentam comportamentos semelhantes, o que contraria o

agrupamento por regiões do ponto de vista fonético.

Sobre as diferenças que se estabelecem entre /i/ e /u/, Bisol (1981) afirma que a

vogal não-recuada é mais alta que a recuada por possuir um espaço maior na cavidade

bucal destinado à sua emissão. Por causa disso, é natural que a recuada não exerça força

Page 37: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

atrativa sobre /e/, pois convertê-la em /i/ seria provocar uma articulação mais alta do que a

sua própria.

Leite et al (1994), com base nos estudos feitos por Moraes et al (1996) sobre o

sistema vocálico do português do Brasil, afirmam que [i] e [u] apresentam praticamente os

mesmos valores para o primeiro formante (F1): [i] = 353Hz e [u] = 358Hz, uma diferença,

portanto, não significativa, fato que prejudica a argumentação de Bisol. Ainda segundo

Leite et al (op. cit.) o alteamento de /e/, no Rio de Janeiro, é condicionado, quase que

indistintamente, por /i/ (.76) e por /u/ (.71).

Conforme Leite et al (1994), tendo em vista os dialetos do Rio Grande do Sul

(BISOL, 1981, 1989), Rio de Janeiro (CALLOU et al, 1991, 1995, 1998; YACOVENCO,

1993), Bahia (SILVA, 1989) e Minas Gerais (VIEGAS, 1987; CASTRO, 1990), a

harmonização vocálica é uma regra de baixa produtividade no Brasil e de comportamento

assimétrico entre as tônicas /i/ e /u/ como propulsoras do processo.

Segundo Callou et al (1995), as pesquisas sistemáticas sobre as pretônicas no

Brasil tiveram início em 1979, com Jacyra Mota11, passando então de uma pauta fixa de

idealização para o estudo da variabilidade.

Nesses novos estudos, várias questões têm sido retomadas, tais como:

a especificação mais precisa dos ambientes de aplicação da regra com seu índice probabilístico, sua difusão através do léxico e de outros dialetos, estágio em que se encontra o processo de redução vocálica e sua expansão nas diferentes faixas etárias, classes sociais etc… (CALLOU et al, 1995, p.61)

Trata-se, então, não só de identificar os contrastes, neutralizações e processos

ocorrentes mas também de mensurar o percentual e a probabilidade de variação e de

especificar os fatores que favorecem ou desfavorecem a aplicação da regra, já que existem

variações em um mesmo dialeto e em uma mesma palavra (ex.: melhor/milhor/mlhor).11 MOTA, Jacyra. Vogais antes do acento em Ribeirópolis – SE. 2v. Salvador: UFBA, 1979 (Dissertação de Mestrado).

Page 38: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

O processo de alteamento, ou alçamento, no Brasil, é caracterizado pela

modificação do traço [-alto] para o [+alto] das vogais médias /e/ e /o/, que se realizam

como vogais altas [i] e [u] (coruja ~ c[u]ruja; bebida ~ b[i]bida) de forma variável,

corresponde ao processo de harmonia vocálica. Muitos trabalhos têm discutido esse

fenômeno. A discussão, no entanto, tem se restringido à ocorrência do alçamento vocálico

na sílaba pretônica. Segundo Van der Hulst & Van der Wijer (1985), três questões têm

merecido a atenção dos estudiosos: o domínio de aplicação da regra de harmonização, a

natureza dos traços que participam do processo e o fato de o processo poder envolver

segmentos não adjacentes.

Há uma grande polêmica que cerca o processo de harmonia vocálica no PB e

reside na tentativa de estabelecer se há motivação de cunho estrutural e social na

implementação da mudança sonora ou se ela é implementada lexicalmente. Assim, duas

propostas teóricas postulam explicações para a implementação da mudança sonora: o

Modelo Neogramático e o Modelo da Difusão Lexical. Segundo os defensores do Modelo

Neogramático, toda mudança sonora é foneticamente gradual e lexicalmente abrupta. Os

defensores do Modelo da Difusão Lexical defendem que toda mudança sonora é

foneticamente abrupta e lexicalmente gradual.

Os trabalhos a respeito do alçamento das vogais médias pretônicas têm se

inspirado tanto na proposta neogramática quanto na proposta da Difusão Lexical. Bisol

(1981) estudou o fenômeno do alçamento vocálico em quatro dialetos do Rio Grande do

Sul. Seu trabalho apresenta justificativas estruturais para a ocorrência da mudança sonora,

engajando-se, portanto, dentro da perspectiva neogramática. Em suas conclusões, postula

que a elevação das vogais é influenciada por múltiplos fatores dentre os quais se destaca a

harmonização vocálica em que a vogal média pretônica assimilaria a altura da vogal alta

presente na sílaba tônica (ex.: m[i]nino, p[u]lícia, b[u]tina).

Page 39: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Viegas (1987), observando o fenômeno das pretônicas em duas regiões de Belo

Horizonte, e Bortoni et al (1992), investigando o dialeto emergente de Brasília,

apresentam, em suas conclusões, interpretações do ponto de vista neogramático, pois

verificam que [e] e [o] sofrem influência da vogal alta e tônica da sílaba subseqüente,

resultando no seu alçamento devido à regra de Harmonia Vocálica. No entanto, apesar de

grande parte dos exemplos favorecer a interpretação da mudança sonora sob a ótica

neogramática do condicionamento fonético e da sua implementação, nem todos os casos

apontados pelas autoras puderam ser justificados sob tal perspectiva. Assumem, então, que

o processo seria de difusão lexical, isto é, a regra não atingiria cegamente todos os

vocábulos, mas sim alguns itens lexicais.

Viegas apresenta ainda, como argumento, oposições do tipo p[o]rção e p[u]rção,

que corresponderiam a duas entradas no léxico, com sentidos diversos: a entrada com /o/

corresponderia a “parte do todo” e com /u/ “grande quantidade”.

Com base nos dados de Viegas (1987), Oliveira (1992), à luz da Difusão Lexical,

apresenta evidências de que o contexto fonético não seria a melhor explicação para a

aplicação das variantes altas ou não, como pretendido pelos neogramáticos. O autor lista

palavras que, mesmo tendo sido configurado o ambiente fonético propício à aplicação da

regra de alteamento, não foram atingidas. Assim, evidenciou-se que a mudança sonora é

lexicalmente gradual, conforme postulado pelos difusionistas. Oliveira (1992) postula,

então, que, no seu estágio inicial, todas as mudanças sonoras são de caráter difusionista. A

regularidade neogramática viria nos estágios seguintes da mudança.

De acordo com Pereira (1997), no dialeto pessoense, a classificação morfológica

não pode ser usada como parâmetro para generalizações, pois a hipótese inicial, no que se

refere à interferência do aspecto morfológico no condicionamento das médias (através do

modelo da Difusão Lexical), não obteve aplicabilidade.

Page 40: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Leite et al (1994), com base em vários outros trabalhos, afirmam que, em todas as

análises, as consoantes adjacentes são também condicionadoras do processo de elevação.

Segundo Callou et al (1995), os processos de mudança relativos às pretônicas parecem

obedecer a duas regras distintas: uma de harmonização vocálica, processo de natureza

fonológica, principalmente em se tratando das variantes não-recuadas, e outra de

assimilação, de natureza fonético-articulatória, determinada pelas consoantes adjacentes,

que atinge as variantes recuadas. Sendo assim, mais um aspecto fonológico viria a ampliar

a observação do argumento em favor da regularidade neogramática.

Segundo Kerswill (2002, p.195), as mudanças lexicalmente condicionadas têm

recursos informacionais em mais de um nível lingüístico (particularmente morfológico,

mas também classes de palavras, além do ambiente fonológico), ou seja, é gramaticalmente

condicionada. Ainda segundo esse autor, as mudanças que resultam do contato dialetal

estão relacionadas à difusão lexical e as mudanças podem deixar de ser neogramáticas,

regulares, para serem lexicalmente condicionadas (lexicalmente graduais), ao contrário,

portanto, do que foi postulado por Oliveira (1992).

Um processo fonológico que atinge as vogais pretônicas na Paraíba, segundo

Pereira (1997), é o da harmonia vocálica, que pode explicar a variação em um grande

número de dados. Espera-se, desse modo, que, no contato entre paraibanos e cariocas, as

possibilidades de realização das pretônicas, que são sistematizadas com base nesse

princípio, sejam afetadas por outros condicionadores sociolingüísticos para que se faça

sentir o processo de acomodação.

2.1.2 As pretônicas na variedade oral do PE

Page 41: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Segundo Mateus (1982, p. 32), as vogais átonas do PE sofrem processos de

elevação e de centralização que culminam numa representação do tipo:

V - alt < + alt > α rec → - bx α arr + rec - ac

Para as vogais não-altas, o resultado dessa regra é:

a) as não-recuadas elevam-se e centralizam-se, neutralizando-se em []12;

b) as arredondadas elevam-se, neutralizando-se na forma [u];

c) a central eleva-se, mas sem se tornar alta, [].

Como produto do processo fonológico de elevação e centralização de /e, / em

posição átona (neutralização), segundo Mateus & d’Andrade (2000), o [] surge no sistema

do PE e sofre efeitos do processo de apagamento vocálico, dando origem a seqüências

consonânticas extensas (ex.: despregar [dp’ga], a partir de ~ [dp’ga]). Embora

freqüentemente eliminado em posição átona, o [] pode ser produzido em contextos

segmentalmente vazios no domínio fonológico, como preenchedor de uma posição métrica

vazia (ex.: anel [’n] ~ [’nl]), ou como projeção de um núcleo silábico vazio (ex.:

pneu [‘pnew] ~ [pnew]).

Miguel (1993) afirma que a vogal [], por ela designada ‘vogal fria’ (de acordo

com a teoria da “regência e do charme”13), ocupa um papel de destaque na fonologia 12 Nos estudos atuais sobre o vocalismo do português europeu, o símbolo [], conhecido como ‘schwa’, tem sido substituído por outro símbolo, pois esse corresponde, em outras línguas, ao segmento que tem características muito próximas às de um [] do PE. A adoção de um outro símbolo (o []) justifica-se em virtude de, no português europeu, as duas vogais contrastarem foneticamente (por exemplo, nos vocábulos ‘de’ e ‘da’). Em termos de traços, esta vogal é considerada alta e recuada, contrariamente à vogal [], que é [-alt] e [+rec], ou seja, é uma vogal tipicamente central. Por esse motivo, a partir de agora, será utilizado o símbolo [] para explicar o processo de centralização do PE.13 Teoria proposta por Kaye & Lowenstamm (1982) e, posteriormente, por Kaye, Lewenstamm & Vergnaud (1985 e 1987).

Page 42: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

portuguesa e não deriva exclusivamente de vogais não-recuadas, como tinham proposto,

por exemplo, Mateus & d’Andrade (2000). Diz que [] é resultado também da redução de

[i], de [u] e de um núcleo vazio (ex.: definir ~ dfnir, futuro ~ ftúru, abstrato ~ ab

stratu), não contrasta com outra vogal na posição tônica e possui capacidade de ser

foneticamente zero.

De acordo com Delgado-Martins (1988, p. 131), no português de Portugal existe

uma diferença do número de vogais pretônicas a depender de sua posição na palavra, pois

em posição pré-pretônica, o quadro de oito vogais tônicas se reduz a quatro (/i, u, , /) e,

em posição pretônica, a seis (/i, u, , o, , a/).

Delgado-Martins (1988, p. 125) afirma que:

Em português, a mudança de lugar de acento é acompanhada por uma mudança do timbre da vogal. (…) temos em posição tônica as vogais [a] de fábrica, [i] de fabrica e [o] de fabricou. No entanto, quando o [a] deixa de ser tónico a vogal [a] passa a [ɐ] (…).As vogais quando passam de tônicas para átonas têm um timbre mais fechado, elevam-se e centralizam. Este processo é chamado de redução vocálica. No entanto, é um processo restrito ao português europeu, não se produzindo em outras variedades como no português do Brasil.

Para a autora, as vogais abertas são exceções à regra de redução (ex.: [prgar] [dir

tor] [adpção]). Segundo Rodrigues (2003, p. 31), no português europeu, as vogais átonas

sofrem processos de enfraquecimento, tais como elevação e centralização, desvozeamento

e queda, diferentemente de outras variedades do português, nomeadamente o falado no

Brasil.

Para o dialeto de Braga, Rodrigues (2004, p. 170) afirma que o

(…) [] aparece apenas em formas prefixadas (autocarro), em sílabas com coda lateral (voltar) e num conjunto reduzido de formas em que não houve neutralização (por exemplo, estrangeirismos com bobines, voleibol).

Page 43: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Conforme Rodrigues (2004, p. 168), no dialeto de Lisboa, as ocorrências da

pretônica

(…) [] dizem respeito a palavras em que a vogal faz parte de um prefixo acentuado, de uma sílaba com coda sonante, ou de uma palavra composta, que preserva a qualidade aberta da vogal acentuada na palavra de que deriva (propriamente, sozinha, laboviana).

Com relação à média aberta não-recuada, a autora afirma que há palavras que

costumam ser produzidas unicamente com [] (mulherzinha, beldade), mas que essa

realização é muito mais recorrente em Lisboa do que em Braga, em palavras que podem ter

/e/ átono como []. Afirma ainda que esse

(...) grupo de palavras, que é muito mais numeroso, contém /e/ e // realizados ora como [], ora como [i], ora como [] e, muitas outras vezes, sem vogal. Exemplos disso são as seguintes produções extraídas do corpus: [prti’u] ~ [prti’u] (pertinho), [pkini’nu] ~ [pikini’nu] ~ [pkni’nu] (pequenino) e [pso’] ~ [pso’] (pessoa).

No português europeu, se a vogal fonológica é média, foneticamente eleva-se e

centraliza-se simplesmente por ser átona. A harmonia vocálica no português europeu

atinge particularmente vogais acentuadas, marcando, assim, a diferença em relação à

harmonia de que se fala no português brasileiro. Casos de harmonia vocálica ocorrem, por

exemplo, na última vogal do radical verbal: movo como vogal foneticamente média

(fonologicamente é aberta, como se vê pela forma moves, que a preserva) porque a vogal

temática também é média. Outro caso que exemplifica o mesmo fenômeno é o de sirvo (vs.

serves), forma com vogal alta por influência da vogal temática alta (serv + i + r), que é

elidida. Segundo Andrade (1992), nesses exemplos dá-se a queda da vogal temática cujo

grau de abertura, no entanto, é projetado na vogal do radical.

Page 44: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Outros casos em que se pode falar da atuação do princípio de harmonia vocálica

no português europeu são os de metafonia (influência de uma vogal final átona sobre a

vogal tônica precedente), como, por exemplo, em gulosa e gulosas e gulosos, com vogal

aberta, e guloso, com vogal média, que mostram que a vogal fonológica é a aberta e que há

metafonia da vogal do radical, por influência da vogal final na forma do masculino

singular.

2.2 O contato entre dialetos: revisitando o tema

O homem sempre foi alimentado pela curiosidade de desvendar os segredos que

envolvem a linguagem. Em cada tempo, sob diferentes pontos de vista e atendendo a

interesses múltiplos, muitos estudos foram instaurados a fim de investigar os mistérios da

comunicação verbal, no afã de responder a indagações tais como o que é a língua, qual a

sua origem, como funciona e como se dá a sua transformação.

Muitos trabalhos foram desenvolvidos para tentar explicar os caminhos

percorridos pelas mudanças na linguagem. A Sociolingüística, a Dialectologia e a

Lingüística Histórica são preciosos aliados na incessante tarefa de resgatar e perenizar as

várias transformações lingüísticas ocorridas ao longo do tempo.

A variação, que é o escopo da muitos dos estudos linguísticos desde meados do

século XX, segundo Labov (1972), é sistemática e pode estar relacionada a divisões sociais

dentro de uma comunidade, tais como, por exemplo, classe e gênero. As mudanças podem

ser originadas de um grupo social particular baseado nessas divisões. Entretanto há

estudiosos que argumentam que a mudança lingüística se encontra no indivíduo

(MILROY, 1992; CROFT, 2000), pois, se uma inovação não passar de um falante para o

outro, não há mudança.

Page 45: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Segundo Câmara Jr. (1979, p. 11), uma diferenciação dialetal explica-se, sempre,

por um lado, pela história cultural e política e pelos movimentos populares e, por outro

lado, pelas próprias forças centrífugas da linguagem, que tendem a cristalizar as variações

e a criar a dialetação em qualquer território relativamente amplo e na medida do maior ou

menor isolamento das áreas regionais em referência ao centro irradiador.

Conforme Adant (1989, p. 181), o deslocamento geográfico possibilita o

desenvolvimento de dois grandes fenômenos lingüísticos: o primeiro refere-se a mudanças

de pronúncias regionais focalizadas para uma pronúncia difusa; o segundo ocasiona uma

divergência lingüística, por meio da qual um grupo de falantes se distingue dos demais

apresentando características de pronúncia regional.

Segundo Le Page (1980), a difusão dialetal é o resultado da mobilidade física e

social dos falantes e é encontrada em área de contato dialetal. A focalização, por sua vez,

ocorre em comunidades estabelecidas ao longo do tempo, cujos membros reconhecem em

sua forma de falar um sistema com características próprias.

Os estudos sobre o contato dialetal foram levados a cabo primeiramente na

Inglaterra, pois a mobilidade foi um fator determinante na demografia inglesa,

principalmente no que se refere à área rural, que sofreu um maciço movimento

populacional nos séculos XVII e XVIII.

Segundo Kerswill (2002, p. 196), o surgimento de uma dialectologia

sociolingüística remonta aos anos 60, com o estudo de Trudgill sobre Norwich, publicado

em 1974, que assinalou o movimento do rural para o urbano, com a convicção de que os

dados da fala, tanto os coletados quanto os interpretados, teriam de ser acompanhados de

informações sociais. A esse estudo seguiram os feitos em Glasgow (MACAULAY, 1977),

Edinburg (REID, 1978; ROMAINE, 1978) e Belfast (MILROY, 1977).

Page 46: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Sobre o inglês falado em Norwich, Trudgill (1974), analisando a sua própria fala

durante um entrevista sociolingüística, aponta evidências de que ele, como entrevistador,

acomodou mais ao informante, subconscientemente, que o contrário e afirma, pois, que

isso aconteceu porque pretendeu reduzir, o quanto foi possível, os efeitos do ‘paradoxo do

observador’ (LABOV, 1972).

Na Noruega, outro estudo que comprova essa questão é o de Jahr (apud Trudgill,

1986), que analisou seu uso de um certa quantidade de variáveis sintáticas em uma

investigação sobre a língua falada em Oslo e concluiu, portanto, que sua sintaxe foi, de

uma certa forma, influenciada pelo sexo e pela sintaxe do informante. Fato verificado

também por Shopen (apud TRUDGILL, 1986, p. 08), que encontrou que, no inglês falado

na Austrália, homens e mulheres utilizam uma pronúncia do mais alto status quando estão

falando com mulheres.

Em meados da década de 80, um importante trabalho sobre esse tema foi realizado

por Bortoni (1985), no Brasil. Seu objeto de estudo eram os migrantes originários da zona

rural da região do Alto Paranaíba, em Minas Gerais, e radicados em Brazlândia, cidade

satélite de Brasília. Nesse trabalho, foi verificada a aplicação da análise das redes sociais

ao estudo de variação e mudança lingüística, procurando demonstrar sua utilidade no caso

de comunidades jovens, em que há um intenso e variado contato dialetal. Em seguida,

observou-se o processo de difusão dialetal no repertório lingüístico dos informantes à luz

das características de suas redes sociais e observou que o processo de ajustamento

lingüístico e cultural do migrante à vida urbana é lento e que as variáveis lingüísticas de

seu dialeto seguem cursos evolutivos diferenciados.

Seguindo os passos de Bortoni (1985), Adant (1989) observou a fala de alagoanos

adultos residentes em Brasília há, pelo menos, dez anos e concluiu que os falantes que

convivem em redes sociais densas e homogêneas sofrem menos alterações que os falantes

Page 47: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

adultos com as mesmas características sócio-demográficas, mas cujas redes de

comunicação são esparsas. Afirma ainda que as análises revelaram mudanças fonológicas

importantes, mas também a conservação do dialeto nordestino em grau significante.

No fim dos anos 80, consoante Kerswill (op. cit.), uma nova abordagem começou

a surgir dentro dessa tradição. O alvo passou a ser a variação urbana em um amplo

contexto geográfico, em vez de uma focalização limitada no contexto social de um único

centro ou cidade. Vários projetos foram implementados e o objeto de estudo passou a ser

migrantes ou a comparação entre centros urbanos. Muitos desses artigos apontam o

nivelamento dialetal como o principal motor por trás das mudanças no inglês britânico.

No início do século XX, questões relativas ao nivelamento foram arroladas pelos

dialectólogos Wred & Frings (1919), que atribuíram a esse processo lingüístico e à mistura

dialetal a destruição da regularidade e da não excepcionalidade das leis fonéticas dos

neogramáticos.

Segundo Milroy (2002), o nivelamento dialetal envolve a erradicação de variantes

sociais e localmente marcadas em condições de mobilidade geográfica ou social e é

resultante do contato dialetal.

Thomas (1997) descreve o nivelamento no Texas, que é uma parte dos Estados

Unidos que tem um clima quente e, por isso, têm recebido um grande fluxo de migrantes

internos na atualidade. Ele informa que os falantes rurais detêm dois traços estereotipados

do dialeto do Texas (variantes monotongadas em contexto particular de /ai/ como em dye e

a variante /e/ abaixada como em day), enquanto os falantes jovens dos centros

metropolitanos não têm essa variante localmente distintiva. Em geral, o nivelamento dá

lugar a uma maior homogeneidade lingüística (nesse sentido o dialeto distintivo

desaparece) e a tendência para as normas localizadas, apoiadas por uma estruturada rede

social, torna-se obliterada.

Page 48: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

Para que a pesquisa em questão pudesse ser realizada, foi necessária a construção

de dois corpora (um dos paraibanos residentes no Rio de Janeiro e o outro de brasileiros

vivendo em Lisboa), de onde foram extraídos os dados submetidos à análise. Após

passarem por um tratamento estatístico, com auxílio do pacote de programas VARBRUL

(1988), os dados produziram resultados percentuais e probabilísticos que diagnosticam o

panorama variocionista estabelecido.

A construção e a análise dos dados produzidos pelos corpora foram orientadas

pelos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística Quantitativa (ou laboviana) e

pelos estudos sobre os dialetos em contato de Trudgill (1986, p. 4), pois, juntos, permitem

a realização de um estudo mais detalhado sobre os processos envolvidos na acomodação.

No estudo do contato dialetal, a quantificação pode ajudar da seguinte forma:

a) verificando exata, e não impressionisticamente, o grau de acomodação

lingüística;

b) examinando os traços lingüísticos que estão ou não mudando durante a

acomodação;

c) observando se a acomodação é um processo uniforme, ou se tipos

lingüisticamente diferentes de acomodação ocorrem em casos de falantes diferentes,

situações ou relacionamentos diversos;

d) estudando quais os limites da acomodação, quais as restrições lingüísticas

(opostas às sociais e psicológicas) na acomodação e se é possível acomodar-se totalmente a

uma nova variedade.

Segundo Guy e Bisol (1991, p. 126):

Page 49: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Muitas vezes o componente explanatório de um artigo variacionista invoca um construto teórico importado de outras áreas de investigação lingüística. Isso está certo, pois, para a solução de um problema, buscam-se tantos recursos quantos forem necessários.

3.1 A teoria da variação

O fenômeno de mudança lingüística perpassa pelas mais variadas escalas

temporais, sendo uma discussão há muito iniciada. Diversas foram as explicações para sua

ocorrência, valendo ressaltar as inovações propostas pela sociolingüística variacionista

que, com eficiência, tem possibilitado o estudo sistemático da diversidade lingüística,

correlacionando aspectos sociais e estruturais a um determinado objeto de estudo.

Weinreich, Labov & Herzog (1968, p. 101-2), que construíram os pilares dessa

teoria com o texto Empirical foundations for a theory of language change (escrito entre

1966 e 1968), afirmam que, para estudar a mudança, é preciso saber quais são os fatores

que a condicionam; como e por quais caminhos a língua muda (transição) e por que; como

ela se encaixa no sistema circundante de relações sociais e lingüísticas; como os membros

de uma determinada comunidade lingüística avaliam a mudança; e quando e onde

determinada mudança foi implementada. Ou seja, deve-se dar conta de cinco questões que

norteiam este tipo de estudo, que são: o problema das restrições (the constraint problem),

o problema da transição (the transition problem), o problema do encaixamento (the

embedding problem), o problema da avaliação (the evaluation problem) e o problema da

implementação (the actuation problem).

O problema das restrições: investigam-se o conjunto e as condições de

possíveis mudanças que podem acontecer numa estrutura de um determinado tipo, pois o

processo de mudança lingüística raramente é um movimento de um sistema inteiro para

Page 50: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

outro, e sim o movimento de um conjunto limitado de variáveis sociolingüísticas de um

sistema que altera gradualmente seus valores modais de um pólo a outro.

O problema da transição: deve-se observar a mudança lingüística como fazendo

parte de um continuum. O recurso utilizado por Labov (1972) para superar a idéia de que

só a homogeneidade é estruturada foi o de procurar entrever a mudança em progresso na

variação observada na língua num determinado momento, o que ele definiu como o estudo

da mudança no tempo aparente. Assim, o estudo da mudança na análise sincrônica abre os

caminhos para a definitiva superação da dicotomia saussureana entre sincronia e diacronia.

Desta forma, a mudança era estudada como fazendo parte de um continuum.

O problema do encaixamento: os variacionistas reconheceram que uma análise

estritamente lingüística é insuficiente para dar conta da mudança, sendo necessária a

interação desse sistema com a estrutura social da comunidade de fala. Dividiram, deste

modo, o problema do encaixamento em dois ramos complementares: o encaixamento na

estrutura lingüística e o encaixamento na estrutura social. Com base na comunidade de

fala, a partir da qual se pode observar o processo das mudanças lingüísticas. Conforme

Labov (1989, p. 02),

A comunidade de fala tem sido definida como um grupo de falantes que compartilham um conjunto de normas para a interpretação da língua refletida no seu tratamento de variáveis lingüisticas: modelos de estratificação social, mudança estilística e avaliações subjetivas14.

Cada comunidade de fala possui um perfil particular, mas, através da comparação

dos estudos feitos em uma comunidade com os de outra comunidade, pode-se ter uma idéia

dos universais da variação, ou seja, o(s) elemento(s) ou fator(es) que rege(m) determinado

fenômeno variável.

14The speech community has been definied as an aggregate of speakers who share a set of norms for the interpretation of language, as reflected in their treatment of linguistic variables: patterns of social stratification, style shifting, and subjective evaluations.

Page 51: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

O problema da avaliação: propõe-se que os estágios iniciais da mudança estão

abaixo do nível de consciência social e os falantes não os percebem. Em estágios

posteriores, conforme Labov (1982, p. 80), desvios estilísticos começam a aparecer, bem

como a estratificação social. Sendo assim, o falante avalia positivamente as formas com as

quais se identifica dentro do grupo social a que pertence, ou as de um grupo que, para ele,

é de prestígio, mas podendo, inconscientemente, produzir formas que julga ter uma

avaliação social negativa.

O problema da implementação: centra-se na dificuldade que estudos anteriores

encontraram em determinar a direção que a mudança toma na estrutura social. Durante

muito tempo,

pensou-se que a mudança se desenvolveria de baixo para cima na escala social (lei do menor esforço e teoria dos substratos). Por outro lado, a idéia de que a mudança poderia se propagar através da imitação15 conduz a uma posição diametralmente oposta: a mudança partiria das classes mais altas de maior prestígio social em direção às classes mais baixas. (LUCCHESI, 1998, p. 205)

Labov (1972), por meio de estudos empíricos, descobriu que o padrão da mudança

em progresso, encontrado em estudos nos centros urbanos, era que o grupo mais inovador

nos processos de mudança provinha dos grupos sociais intermediários e que, ao contrário

das correntes anteriores, que atribuíam ao movimento da mudança uma direção de cima

para baixo, ou vice-versa (gráfico retilíneo), a direção da implementação da mudança

diagnosticada por Labov delineava um gráfico curvilíneo.

O fato de a língua ser intrinsecamente um elemento que se modifica, que se

transforma e é transformada por uma sociedade, faz com que a resposta a um

questionamento levantado pelo problema da implementação possa ser respondido: Por

15 Bloomfield apud Lucchesi, 1988:205.

Page 52: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

que uma dada mudança ocorreu em um momento e em um lugar determinados e não em

outro momento e/ou em outro lugar?

Ao formularem os fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística,

Weinreich, Labov & Herzog (1968) combateram a abordagem do indivíduo como agente

da mudança, quando dedicaram um espaço considerável à proposta de substituir o dialeto

do indivíduo (idioleto) pelo do grupo social como locus para o estudo da linguagem.

A questão do idioleto foi, anteriormente a Weinreich, Labov & Herzog (op. cit.),

defendida pelo neogramático Hermann Paul (1880). Segundo Paul, o verdadeiro objeto do

lingüista é a amplitude das manifestações da atividade de fala em todos os indivíduos em

sua interação mútua, devendo-se distinguir tantas línguas quantos indivíduos houver.

Isolou o indivíduo, objetivando fazer com que a lingüística interagisse com a psicologia.

Contudo o preço de tal isolamento foi a criação de uma oposição irreconciliável entre

indivíduo e sociedade, pois o autor considera que as línguas variam de acordo com o

indivíduo (idioleto) e não em conformidade com um grupo de falantes.

Weinreich, Labov & Herzog (1968, p. 188), ao contrário de Paul, propõem que a

mudança lingüística deve ir além dos limites do indivíduo, pois deve lidar com nada menos

que a maneira pela qual a estrutura lingüística de uma comunidade complexa se transforma

no decorrer do tempo. Advogam ainda que as gramáticas nas quais a mudança lingüística

ocorre são gramáticas da comunidade de fala.

Segundo Severo (2004), o indivíduo tem importância nessa teoria, mas exerce um

papel secundário em relação à comunidade de fala. Para Labov (2000, p. 34), o indivíduo

“pode apenas ser entendido como produto de uma história social singular e como a

interseção dos padrões lingüísticos de todos os grupos sociais e categorias que definem

aquele indivíduo”. E, uma vez que os atos de comunicação não se sustentam em

Page 53: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

realizações individuais, ele considera que “o indivíduo não existe como objeto lingüístico”.

Segundo Severo (2004, p. 59),

O indivíduo que a teoria trata é aquele que pode ser caracterizado mediante escolaridade, idade, gênero, profissão… e cuja fala retrata duas realidades interdependentes: a social e a lingüística, essa última no que diz respeito ao processo de mudança. A fala do indivíduo é a fala do grupo, da comunidade a que pertence. (…) os indivíduos podem assumir um papel importante à medida que, dependendo do seu lugar de prestígio na sociedade, lideram a mudança.

Guy (2001, p. 8), sobre a comunidade de fala, levanta algumas questões: a) quais

seriam os limites internos de uma comunidade? b) até que ponto uma comunidade de fala

seria caracterizada pelo seu uso lingüístico? Por meio da observação de aspectos

quantitativos e qualitativos, chega à conclusão de que

em assuntos de variação, diferenças entre comunidades de fala correspondem a diferenças gramaticais, ou seja, diferenças em efeitos contextuais. Ao mesmo tempo, diferenças entre indivíduos dentro da mesma comunidade de fala devem ser de natureza não-gramatical, ou seja, diferenças no nível geral de uso ou não de um fenômeno variável.

Estudos sociolingüísticos labovianos do tipo painel permitem verificar o papel do

indivíduo na mudança ou estabilidade do sistema lingüístico. Esse tipo de estudo tem como

objetivo buscar evidências para eventuais mudanças lingüísticas em tempo real. Segundo

Oliveira e Silva (1996, p.357), “evidente sob perspectiva diacrônica, o conceito de

mudança torna-se difuso ao tentarmos capturá-lo num recorte sincrônico”.

Aliado ao estudo do tipo painel, há os do tipo tendência. O primeiro consiste em

avaliar a trajetória do indivíduo através do tempo, enquanto um estudo do tipo tendência

permite avaliar a trajetória da comunidade. Segundo Labov (1994, p. 63), “a combinação

de evidências no tempo aparente e no tempo real é o método básico para o estudo da

Page 54: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

mudança em progresso”. Segundo Paiva & Duarte (2003), diversos aspectos e algumas

questões centrais com relação à mudança lingüística só podem ser tratados através da

comparação do comportamento de um fenômeno variável em diversos pontos do tempo.

Consoante Severo (2004, p. 59),

nos estudos do tipo painel, salienta-se a importância de entrevistas com os mesmo indivíduos; no caso da variável estilística, questiona-se em que extensão as variações nas falas dos indivíduos podem acarretar mudança; em relação à avaliação lingüística, fica claro o lugar do indivíduo, no que diz respeito às atitudes que compartilha frente à língua, especialmente frente às variantes identificadas como estereótipos e marcadores.

Labov (1972) notou que, em muitas comunidades de fala, algumas variáveis

lingüísticas estão sujeitas tanto a variações de classe social quanto estilísticas. A tais

variáveis ele chamou de ‘marcadores’ (markers). Outras, porém, estão sujeitas

simplesmente a variações de classe social; a essas rotulou de ‘indicadores’ (indicators).

Observou que os ‘marcadores’, que são chamados de estereótipos, são mais facilmente

acionados na consciência do falante do que os ‘indicadores’. O alto grau de consciência

associado aos ‘marcadores’ leva os falantes a modificarem sua pronúncia em situação de

fala monitorada.

No estudo sobre a ilha de Martha’s Vineyard, Labov (1966, p. 9) observou as

diferenças na altura do primeiro elemento dos ditongos /ay/ e /aw/. Em vez do padrão

comum do sudeste de New England [aI] e [aU], ouve-se, freqüentemente, na ilha, [I] e [

U], ou então [I] e [U]. Este traço de ditongos centralizados é saliente para o lingüista,

mas não para muitos falantes, como os nativos vineyardenses, que, por não terem

consciência desse traço, são aparentemente imunes a distorções conscientes. O estudo

demonstrou, portanto, que a variante conservadora, não-padrão e estigmatizada é a forma

lingüística mais forte dentro dessa comunidade. As atitudes lingüísticas foram as armas

Page 55: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

usadas pelos residentes contra a exploração econômica decorrente d a invasão dos

veranistas e para demarcar seu espaço, sua identidade cultural, seu perfil de comunidade,

de grupo social separado.

Quarenta anos mais tarde, Blake e Josey (2003) resgataram o trabalho de Labov

com um novo conjunto de dados e fizeram uma análise sociolingüística apenas do ditongo

/ay/, por ocorrer abundantemente na fala, por ser saliente para o lingüista e por estar abaixo

do nível de consciência do falante, o que evitaria distorções. Os resultados sugerem uma

mudança no padrão lingüístico observado por Labov que os autores argumentam estar

ligada a uma reestruturação sócio-econômica e de mudanças ideológicas que tomaram

lugar na ilha. A centralização do /ay/, nesse novo estudo, portanto, não aparece como um

contraste social.

Bell (1997) questiona se realmente é a atenção dada à própria produção oral que faz

com que o falante alterne seu estilo, e, por causa disso, possa usar, conscientemente, a

forma lingüística não padrão. Propõe, então, que observar o tipo de ouvinte para quem este

estaria destinando a sua mensagem seria uma melhor opção de verificar a alternância do

estilo de um falante. Bell observou a fala de locutores em duas estações de rádio da Nova

Zelândia. Os mesmos locutores trabalhavam simultaneamente nas duas estações e,

concomitantemente, num mesmo ambiente de trabalho: rádio YA (status social mais alto) e

rádio ZB (rádio da comunidade local). Percebeu que um único locutor alterna seu estilo

quando muda de estação. O que justificaria essa alternância de estilo seria a audiência

pretendida para cada estação, já que as condições de trabalho são inalteráveis para as duas

estações.

Na conversação comum, ainda segundo Bell (op. cit.), o empenho para conseguir a

audiência de alguém é similar ao dispensado pelos meios de comunicação, embora em

Page 56: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

menor grau. Esse tipo de observação foi desenvolvido para dar conta tanto da comunicação

face a face quanto da comunicação em massa.

A noção de comunidade de fala e de indivíduo, segundo Severo (2004, p. 60), não

são cristalizadas e têm sofrido várias críticas no que diz respeito à dificuldade de definição,

especialmente de comunidade de fala. Segundo Figueroa (1994 apud SEVERO, 2004,

p.60), “a comunidade de fala não é uma entidade fácil de definir de uma forma não trivial”.

Nos anos 60, os trabalhos iniciais de Labov, sobre a comunidade de fala em

Martha’s Vineyard e na cidade de New York, resultaram em um impressionante avanço

teórico para o entendimento da variação e da mudança, embora, atualmente, soem como

trabalhos restritos, pois não levam em conta os efeitos do contato. A noção de comunidade

de fala, concebida como uma abordagem que não atende ao contato entre comunidades ou

ao cruzamento de influências acarretadas pela mobilidade e acesso ao conhecimento da

prática lingüística local de outros, tem recebido várias críticas.

Mendonza-Denton (1999), observando falantes latinos nos Estados Unidos, tem

criticado a tendência dos estudos baseados em comunidades de fala como entidades

autônomas de tratar grupos minoritários como se eles fossem isolados do contato com

outros grupos.

Considerando o conjunto de pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Wolfram &

Schilling-Estes (1998, p. 169), perceberam que as publicações sobre o inglês afro-

americano são cinco vezes maiores do que de outros grupos étnicos ou regionais (cf.

DANNENBERG & WOLFRAM, 1998; RICKFORD, 1999; WOLFRAM & BECKETT,

2000). Apesar de constantes estudos, segundo Milroy (2002), ainda há lacunas nessa

grande literatura, pois, quando consideram as comunidades afro-americanas como grupos

separados, os pesquisadores têm tendido a focalizar-se na distintividade do dialeto e não

Page 57: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

observam os resultados do contato, apesar da diáspora e da constante migração na história

da população afro-americana.

A abordagem de dialetos em contato, portanto, iniciada por Trudgill (1973),

descreve situações lingüísticas envolvendo mobilidade social e espacial de um modo que a

perspectiva laboviana não tem sido capaz de explicar.

3.2 A acomodação dialetal

A teoria da acomodação, desenvolvida por Howard Giles (1973) e outros como ele,

psicólogos sociais, buscam determinar como os falantes se acomodam lingüisticamente ao

interlocutor e por que algumas situações e alguns indivíduos produzem mais ou tipos

diferentes de acomodação do que outros. Ou seja, volta-se para a investigação das atitudes

e motivações que estão subjacentes ao uso da língua e das estratégias lingüísticas usadas

pelos falantes com o objetivo de atingir e garantir integração social e preservar a

identidade de grupo.

Essa teoria tem base na fala e discute e tenta explicar por que os falantes modificam

sua língua na presença de outros, ou seja, encara o falante como agente da mudança. Ela

também examina os efeitos e os custos desse tipo de modificação. A partir de situações

conversacionais, Giles conclui que, se o emissor em uma situação dialógica quer ter a

aprovação do receptor, ele terá que adaptar seu padrão de fala ao da outra pessoa,

procurando reduzir as dessemelhanças. A esse processo ele dá o nome de “convergência de

sotaque” e ao processo reverso, de “divergência de sotaque”, que pode ocorrer caso os

falantes queiram estabelecer uma desassociação entre eles, mostrando a não aprovação de

um em relação à fala do outro.

Page 58: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tais processos de convergência e divergência podem ocorrer claramente não só em

nível lexical mas também em nível gramatical e fazem parte, segundo Coupland (1984), de

um padrão mais amplo de modificação de comportamento sob a influência de um e em

resposta ao outro. O trabalho de Giles (1973) dispensa considerável importância aos

aspectos da convergência e divergência em contatos de curta duração (short-term) e do

ajustamento do falante na escala de valores sociais (de alto para baixo prestígio

lingüístico). Ele e seus colaboradores têm a atenção voltada para explorar que fatores estão

envolvidos na determinação de quem domina quem; por que os falantes fazem isso; em que

extensão eles o fazem; e como isso é percebido por outros.

Sob a perspectiva do lingüista, contudo, a acomodação pode ocorrer também entre

sotaques que diferem regional mais do que socialmente e pode ocorrer tanto em nível de

longa duração (long-term) como em nível de curta duração (short-term). Nos contatos de

longa duração, quem se acomoda a quem é menos problemático, visto que, na maioria dos

casos onde esse fenômeno está ocorrendo, lida-se com contato entre falantes de diferentes

variedades regionais e com indivíduos regionalmente móveis ou grupos de minorias que se

acomodam, no long-term, a uma maioria não móvel. O problema então é determinar como

os falantes se acomodam, a extensão e por que algumas situações e alguns indivíduos

produzem mais, ou tipos diferentes de acomodação do que outros. Sendo assim, a

acomodação de longa duração é de considerável interesse para o lingüista.

Pesquisas que investigam a variação e mudança lingüística sob os efeitos da

migração nas comunidades contemporâneas têm adquirido cada vez mais espaço na

paisagem sociolingüística. Em meados dos anos 80, o estudo dos Dialetos em contato,

iniciado por Trudgill (1986), com base nas idéias de Giles, abriu caminho para inúmeros

trabalhos, com bases similares, sobre a koineização, a mudança por contato induzido e a

Page 59: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

formação de novos dialetos de uma forma independente em muitos lugares ao redor do

mundo.

Trudgill (1986), com base nos seus estudos, percebe que há traços que são

alterados durante o processo e outros que não mudam; comportam-se, enfim, de formas

diferentes. Observa, então, com base nos estudos de Labov (1972), que, em muitas

comunidades de fala, algumas variáveis lingüísticas são sujeitas concomitantemente a

variações de classe social e estilo: são os marcadores (markers). Outras variáveis são

sujeitas simplesmente à variação de classe social: são os indicadores (indicators).

Auer et al (1998) afirmam que a saliência é um bom prognóstico da perda e

aquisição de traços de um dado dialeto por falantes de um outro dialeto. Percebem, pois,

que o que é percebido por um falante como ‘saliente’ em uma variedade é substituído mais

facilmente e mais rápido por outra do que o que é percebido como ‘não-saliente’. Afirmam

ainda que traços ‘mais salientes’ da variedade do falante podem ser perdidos mais

rapidamente do que os que são ‘menos salientes’.

Como as variáveis fonológicas, por exemplo, são percebidas como mais salientes?

Segundo Trudgill, durante a acomodação, de fato, traços salientes da variedade alvo são

ajustados a um número de fatores combinados que retardam ou aceleram a acomodação.

Esses fatores produzem, no contato entre dois dialetos, uma hierarquia de traços e levam a

acomodação em long-term a seguir rotas fixas. Faz um levantamento de uma série de

fenômenos fonológicos e chega a determinar uma hierarquia (do mais para o menos

saliente) de acordo com as características de cada um desses fenômenos:

a) as variáveis têm ao menos uma variante que é abertamente estigmatizada;

b) a variável tem uma variante de alto status refletida na ortografia;

c) a variável está passando por mudança lingüística;

d) as variantes são foneticamente diferentes;

Page 60: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

e) as variantes estão envolvidas na manutenção do contraste fonológico na

acomodação da variedade do falante.

Conforme Trudgill (1986, p. 24), se a acomodação segue uma rota fixa e se este

tipo de regularidade pode ser observado em outras situações de acomodação, isto abre a

possibilidade não só de que será possível fazer sensíveis generalizações sobre o processo

de acomodação como um todo mas também que deve ser possível, dada uma comparação

entre duas variedades, prever que forma de acomodação entre elas acontecerá. Se for

assim, então deve ser possível prever e explicar que traços sobreviverão, ou não, no

contato dialetal e nas situações de mistura dialetal também.

A difusão de formas lingüísticas de uma área geográfica para outra é resultante da

acomodação. Trudgill (1986, p. 40) afirma que a interação face a face é necessária antes de

a difusão se estabelecer, precisamente porque é apenas durante essa interação que a

acomodação ocorre. Observa que a difusão toma lugar, presumivelmente, em uma primeira

ocasião, quando um falante emprega um novo traço na ausência de falantes da variedade

que originalmente contém esse traço.

Se a difusão resulta da acomodação, então espera-se (TRUDGILL, 1986, p. 43)

que traços salientes sejam mais difundidos, e mais rapidamente do que os não-salientes. A

velocidade vai depender do grau de saliência e do número e força dos fatores de inibição

e/ou aceleração que são relevantes em cada caso.

A acomodação, segundo Trudgill (1986, p. 62), pode ser incompleta. Nesse caso,

ela se apresenta de três diferentes formas. Falantes podem reduzir as pronúncias

dissimilares às de outros falantes:

a) alternando sua própria variante com as dos outros falantes;

b) por usar a variante de outro falante em algumas palavras e não em outras;

c) usando pronúncias intermediárias entre as duas que estão em contato.

Page 61: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Trudgill (op. cit.) afirma que as três possibilidades podem ocorrer em conjunção

umas com as outras, podendo resultar em um número complexo de conseqüências

lingüísticas, incluindo o desenvolvimento de formas interdialetais, tais como formas

intemediárias, hipercorreções e hiperdialetalismo16, que estão envolvidos na formação de

novos dialetos derivados do contato.

3.3 Os corpora

O estudo em questão visa a descrever o comportamento de indivíduos fora do seu

contexto original, objetivando verificar as mudanças lingüísticas provenientes de uma

situação de contato dialetal. O fato de não existirem conjuntos de dados disponíveis

motivou a criação de dois arquivos sonoros que pudessem fundamentar este trabalho.

As entrevistas foram realizadas com informantes aleatoriamente selecionados,

buscando extrair o máximo possível da espontaneidade do seu discurso. Têm entre 30 e 40

minutos de conversa informal. Não houve um local específico para as suas realizações,

tendo sido aproveitado, portanto, qualquer tempo disponível do entrevistado, onde quer

que ele estivesse.

As perguntas versaram sobre as experiências dos entrevistados em seu novo lugar

de moradia e trabalho, sobre os contatos interpessoais estabelecidos, sobre a sua vida na

cidade natal e empregos e sobre seus planos e sonhos para o futuro.

Um dos corpora é constituído pela fala de informantes paraibanos residentes no

Rio de Janeiro há mais de um ano ininterrupto. O outro é formado pela fala de brasileiros

que vivem em Lisboa, também há mais de um ano. Todos os informantes migraram depois 16 Hiperdialetalismo é uma forma de hiperadaptação, a mais conhecida forma de hipercorreção. Hipercorreções consistem em adotar a variedade de maior pretígio, exageradamente, levando à produção de formas que não ocorrem na variedade alvo (TRUDGILL, 1986:66).

Page 62: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

dos quinze anos de idade. Todos são homens de profissões diversas, idades diversas, anos

de escolarização diversos e tempo de moradia no local para onde migraram e atividade

ocupacional antes da migração também diversos.

O corpus formado por paraibanos (colhido de 08/2003 a 12/2004) é composto

pelo vernáculo produzido por vinte e um informantes. O dos brasileiros (colhido de 01 a

07/2005) é composto por dez informantes. Todos esses informantes foram selecionados de

forma aleatória e no seio da comunidade em que residiam no momento da entrevista (Rio

de Janeiro ou Lisboa). Procurou-se evitar os guetos, dando preferência, portanto, àqueles

cidadãos que estavam, de uma certa forma, integrados, misturados na comunidade onde se

propuseram a viver.

Segundo Bell (1997), com o estudo sobre o interlocutor como motivador da

mudança de estilo do falante, o falante projeta seu estilo primeiramente para ou em

resposta ao seu interlocutor. Isso é visível quando um falante alterna seu estilo para ser

mais parecido com a pessoa com quem está falando – isto é chamado ‘convergência’ nos

termos da Teoria da Acomodação da Comunicação/ Fala desenvolvida por Giles (1973) e

associados.

Sendo assim, os entrevistadores, para o caso dos paraibanos, eram nordestinos e,

para o caso dos brasileiros, o entrevistador era brasileiro. Desta forma, o informante ficaria

mais à vontade, mais natural, sem pressões sociais e, assim, evitava-se o máximo possível

a variação artificial da fala do entrevistado, pois o objetivo desta tese é capturar as

mudanças reais, involuntárias, da produção oral desses migrantes, as que já estão

implementadas, acomodadas no seu arcabouço lingüístico.

3.4 Caracterização dos informantes

Page 63: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Os informantes paraibanos que participaram deste estudo são todos do sexo

masculino e chegaram ao Rio de Janeiro depois dos 15 anos de idade. A metade do grupo

dos informantes é proveniente da região da Mata Paraibana e a outra metade, da região do

Semi-árido. Muitos deles, antes de migrar, trabalhavam na zona rural (na roça). Os outros

informantes eram de estudantes a negociantes. Todos trabalham e moram na região

metropolitana do Rio de Janeiro, em sua grande maioria na Zona Sul. Todos eles são

classificados conforme sua faixa etária, anos de escolarização e tempo de moradia no lugar

para onde migraram, da seguinte forma:

• Segundo a Faixa Etária:

a) de 15 a 25 anos (8 informantes);

b) de 26 a 49 anos (10 informantes);

c) de 50 anos em diante (3 informantes).

• Segundo os Anos de Escolarização:

a) de 0 a 4 anos (8 informantes);

b) de 5 a 8 anos (4 informantes);

c) de 8 a 11 anos (4 informantes);

d) de 11 anos em diante (5 informantes).

• Segundo o Tempo de Residência no Rio de Janeiro:

a) de 1 a 4 anos (5 informantes);

b) de 5 a 10 anos (10 informantes);

c) mais de 10 anos (6 informantes).

Page 64: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

A seguir, apresenta-se ver a distribuição dos informantes segundo cada um desses

fatores:

Quadro 6: Distribuição dos migrantes paraibanos

Nome Faixa Etária

Anos de Escolariza-

ção

Tempo de Residência no Rio de Janeiro

Município da Paraíba

de onde emigrou

Zona de onde

emigrou

Profissão anterior à migração

Profissão atual

AQS (a) (a) (a) Cajá Mata Negociante PorteiroLMS (a) (a) (a) Areial Semi-árido Negociante PorteiroTJS (a) (b) (a) Cabaceiras Semi-árido Agricultor ZeladorMPS (a) (b) (b) Areial Semi-árido Empreiteiro Porteiro

JR (a) (b) (b) Junco do Seridó Semi-árido Padeiro Porteiro

SZ (a) (b) (b) Pedra de Fogo Mata Agricultor Balconista

JLS (a) (c) (a) Aroeiras Semi-árido Estudante CaixaGVO (a) (c) (b) Bayeux Mata Recreador Segurança

SS (b) (a) (b) Itapororoca Mata Agricultor Porteiro

JES (b) (a) (b) Santa Rita MataAuxiliar de

serviços gerais

Porteiro

AGF (b) (a) (c) Fagundes Semi-árido Agricultor AtendenteVB (b) (a) (c) Fagundes Semi-árido Agricultor PorteiroIM (b) (a) (c) Queimadas Semi-árido Agricultor Porteiro

FTS (b) (c) (b)Cruz do Espírito Santo

Mata Agricultor Porteiro

JV (b) (d) (a) João Pessoa Mata Professor ProfessorPAG (b) (d) (b) João Pessoa Mata Estudante Dentista

FRG (b) (d) (b) Cacimba de Dentro Semi-árido Estudante Dentista

AMA (b) (d) (b) João Pessoa Mata Estudante Bailarino

FAM (c) (a) (c) Campina Grande Semi-árido Agricultor Vigia

STS (c) (c) (c) Mari Mata Estudante Frentista

HN (c) (d) (c) Conceição do Piancó Semi-árido Agricultor Garçon

Como se pode perceber, os informantes são provenientes de variados pontos do

Estado da Paraíba, que é composto por 223 municípios divididos em 23 microrregiões e,

segundo Melo e Rodriguez (2003, p. 07), em quatro Mesorregiões17:

17 O IBGE define Mesorregião “como sendo uma área individualizada em uma Unidade da Federação, que apresenta formas de organização do espaço definidas pelas seguintes dimensões: o processo social como determinante, o quadro natural como condicionante e a rede de comunicações e de lugares como elemento da articulação espacial”.

Page 65: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

• Mata Paraibana: parte leste do Estado, constituindo 9,3% do território

paraibano. Tem o predomínio de pesca, monocultura canavieira e produção

de abacaxi, coco, inhame (cará) e tem, em João Pessoa, a maior

concentração de serviços do estado. Sua densidade demográfica é de 228,15

hab/km2.

• Agreste Paraibano: constitui 23,1% do território e tem 88,35 hab/km2.

Vive da policultura alimentícia e da pecuária extensiva de corte.

• Borborema: com 27,5% do território, possui a menor densidade

demográfica do estado: 17,88 hab/km2. Nessa mesorregião, está localizado o

Cariri paraibano, uma das regiões mais secas do Brasil. Fragilizada

ambiental e socialmente, apresenta um alto índice de emigração. O clima

semi-árido, predominante na região, determina a ocorrência de rios

temporários, cuja deficiência hídrica se deve às elevadas temperaturas e à

escassez e irregularidade das chuvas.

• Sertão Paraibano: parte mais oeste do estado, ocupa a maior área da

Paraíba, com 40,1% do território, possui uma densidade demográfica de

36,22 hab/km2. Predominam aí a pecuária bovina de corte bem como a

agricultura (sobretudo a cotonicultura), que é irrigada pelos açudes.

Figura 3: Mapa das Mesorregiões da Paraíba

Da esquerda para a direita: Sertão, Borborema, Agreste e Zona da Mata.

Page 66: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Metade dos informantes é proveniente da Zona da Mata paraibana e a outra metade

da região do Semi-árido, que se estende por cerca de 4/5 da superfície do território,

abrangendo as regiões do Sertão, Cariri e Seridó (microrregiões de Borborema) e

Curimataú (microrregião do Agreste), fazendo parte, portanto, do Polígono das Secas.

Os informantes brasileiros, residentes em Lisboa (Portugal) há mais de um ano

ininterrupto, são classificados, também, conforme a faixa etária, a escolaridade e o tempo

de residência em Lisboa, da mesma forma que os paraibanos. Apenas a faixa etária foi

observada de uma forma diferente, de forma a distribuir melhor os informantes:

Faixa etária:

a) de 15 a 30 anos (3 informantes);

b) de 31 a 49 anos (6 informantes);

c) de 50 anos em diante (1 informantes).

Quadro 7: Distribuição dos imigrantes brasileiros

Nome Faixa Etária

Anos de Escola-rização

Tempo de Moradia

em Lisboa

Estado Brasileiro

Região Brasileira

Profissão Anterior

Profissão Atual

MAR (a) (c) (a) Paraná Sul Balconista Empreiteiro

RAF (a) (c) (a) Espírito Santo Sudeste Estudante Empreiteiro

AGN (a) (c) (a) Goiás Centro-Oeste Comerciante Comerciante

WAL (b) (c) (a) Espírito Santo Sudeste Designer de

camisetas Garçon

VLA (b) (c) (a) Espírito Santo Sudeste Produtor

artístico Cozinheiro

FEL (b) (c) (c) São Paulo SudesteFuncionário

de uma empresa

Segurança

CRH (b) (d) (b) São Paulo Sudeste Estudante Professor de música

FAU (b) (d) (b) São Paulo Sudeste Ator RecreadorLAU (b) (d) (c) Paraná Sul Ator Cabeleireiro

DUD (c) (d) (c) Pernambu-co Nordeste Jornalista Jornalista

Page 67: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

3.5 Procedimentos e passos da análise

A sociolingüística variacionista utiliza técnicas de análises quantitativas que

demonstram a importância dos contextos social e lingüístico na variação. Segundo Labov

(1994, p.25), a “teoria da probabilidade para os dados permite-nos extrair a mais alta ordem

de regularidade que governa a variação em uma comunidade”18.

O modelo teórico-metodológico da sociolingüística extrai as regularidades e

tendência dos dados e resolve muitas das dificuldades analíticas associadas aos julgamentos

intuitivos usados em outros paradigmas. Desta forma, um modelo em que a língua seja

vista como uma estrutura heterogênea ordenada elimina a busca dos falantes ideais e torna

as comunidades lingüísticas acessíveis àqueles que se interessam pelo estudo da língua.

Segundo Moreno (1994, p.95), o método variacionista calcula a probabilidade de

um dado traço lingüístico ocorrer em situações lingüísticas, sociais e contextuais

específicas. Com base nessa freqüência de dados, reunidos de um grupo de falantes, um

modelo teórico é criado para observar as probabilidades com que um certo fenômeno se

manifesta quando um conjunto de circunstâncias converge. A estatística marca a extensão

em que as probabilidades calculadas melhor explicam o fato lingüístico.

O primeiro modelo probabilístico aplicado às análises lingüísticas é baseado em um

modelo aditivo lógico-multiplicativo:

p = po x pi x pj x…

1-p 1-po 1-pi 1-pj

Segundo Carrera-Sabaré (2002), os avanços matemáticos da sociolingüística

foram complementados para poderem ser aplicados em computadores que calculariam o

18 “probability theory to the data allow us to extract higher-order regularities that govern variation in the community”.

Page 68: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

desempenho estatístico dos dados. Dois programas que seguem essa linha de pesquisa são:

VARBRUL, para PC e Vax, e GOLDVARB, para Windows e Macintosh.

Para este trabalho, uma vez codificados, os dados foram submetidos ao pacote de

programas VARBRUL (PINTZUK, 1988)19, que são programas que trabalham com o

modelo logístico descritivo. Segundo Scherre (1994, p.130),

o pacote VARBRUL20 é constituído por um conjunto de 10 programas feitos nas linguagens PASCAL e FORTRAN. (...) Produzem como produto final resultados numéricos associados aos diversos fatores dos grupos de fatores ou variáveis independentes, que medem o peso relativo de cada fator no fenômeno variável sob análise. Juntamente com os pesos relativos, os programas apresentam também valores percentuais e medidas estatísticas diversas que indicam se os grupos de fatores considerados pelo pesquisador são significativos do ponto de vista estatístico. É conveniente salientar novamente que os resultados em si obtidos pelos programas só têm valor estatístico. O seu valor lingüístico é atribuído e interpretado pelo lingüista. (...) Nunca é demais repetir que a estatística é apenas um instrumento valioso que pode nos auxiliar a entender um pouco mais o comportamento de fenômenos lingüísticos variáveis.

Segundo Guy (1988, p.31), na análise quantitativa, cada fator recebe um “peso”

(“valor do fator” ou “probabilidade”) – um número entre zero e um que caracteriza o efeito

deste sobre a regra variável em questão. Em uma rodada binária, o peso de .50 é o valor

que indica neutralidade do fator observado, ao passo que índices superiores a esse valor

demonstram maior probabilidade de aplicação da regra e os inferiores indicam que o fator

não é favorável à aplicação de tal regra.

Tendo em vista o fenômeno variável em questão, foi realizado um recorte nas

entrevistas, em que foi extraído todo o material existente nos corpora necessário para essa

19 Copyright 1986, 1987, 1988 por Susan Pintzuk. Baseado nos algoritmos e programas escritos por David Sankoff e Pascale Rousseau.20 Há uma versão para Windows, mais nova, que é o GOLDVARB.

Page 69: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

pesquisa, ou seja, todas as ocorrências vogais pretônicas /e/ e /o/, em contextos do tipo CV,

CCV, CVC, CCVC, para proceder, posteriormente, à sua análise.

Primeiramente, foram retiradas palavras derivadas terminadas em -inho(a) e

-mente, cuja vogal observada, que é casualmente pretônica, não sofreu alteração com

relação à vogal fonológica tônica da palavra primitiva (ex.: pertinho, negocinho, motinha,

rocinha, senhorinha, terrinha, rosinha, novamente, sozinho, amarelinha e somente). Todas

as vogais sublinhadas foram realizadas como [] ou [], como na palavra primitiva). O

mesmo aconteceu com as palavras derivadas de uma primitiva com vogal fechada (ex:

bondinho, todinho, globinho, foguinho, trechinho, cervejinha, garotinha, fresquinha,

sanfoninha), todas realizadas como [e] ou [o]. Em palavras como queijozinho,

churrascozinho, correntezinha, todas as vogais foram realizadas como altas, devido à

neutralização que atinge a postônica final da palavra primitiva. As outras vogais pretônicas

(/e/ e /o/) dessas palavras foram observadas, pois são propícias à variação (ex.: s[e]nhorinha

→ s[i]nhorinha).

Foram também desconsideradas as ocorrências de hiato e ditongos na sílaba

pretônica, pois, além de se querer verificar se a qualidade da consoante vizinha à pretônica

é preponderante para bloquear a regra de harmonia vocálica, os dados ainda foram muito

poucos e tendiam à elevação (ex.: teatro e moinho ~ t[i]atro e m[u]inho).

Do arquivo geral dos dados produzidos pelos migrantes paraibanos, com

auxílio de um dos programas do pacote VARBRUL, o TSORT, esse arquivo foi

dividido em dois: um contendo todas as ocorrências de /e/ e o outro contendo todas as

ocorrências de /o/.

O TSORT, mais uma vez, dividiu cada um desses dois arquivos em arquivos

menores, conforme o padrão silábico contendo a pretônica enfocada (CV, CVC, CCV,

CVCC, CCVC). Os tipos silábicos CVCC e CCVC foram amalgamados em um único

Page 70: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

arquivo (um para cada variável) devido à pouca produção de dados. As divisões, então,

foram feitas da seguinte forma:

CVCV/N/

CVC CV/S//e/ CV/R/

CV/L/CCV C/R/V

C/L/V

GeralCV

CV/N/CVC CV/S/

/o/ CV/R/CV/L/

CCV C/R/VC/L/V

Foram computadas as percentagens de uso das variantes nesses contextos, mas

os principais resultados desta pesquisa são relativos ao padrão silábico CV, pois tal

contexto constitui o padrão silábico básico.

No que diz respeito aos brasileiros, de acordo com o comportamento

lingüístico, os informantes foram divididos em grupos de regiões, pois, diante de um

universo tão lingüisticamente complexo como é o Brasil, não se poderia camuflar esse

fato.

3.5.1 Variáveis lingüísticas

Para determinar que tipos de vocábulos e morfemas apresentam variação das vogais

pretônicas orais e nasais /e/ e /o/ e assim chegar a uma sistematização, efetuou-se um

levantamento nas entrevistas e chegou-se aos grupos de fatores lingüísticos a seguir:

Page 71: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Vogal da sílaba subseqüente

A relevância desse grupo de fatores para o estudo em questão é que as vogais

pretônicas podem sofrer a influência de segmentos consonantais a ela adjacentes, como o

tipo de consoante da sílaba subseqüente e precedente.

A regra de elevação das pretônicas ocorre pelo menos desde o século XV e seu

índice é até hoje baixo nos dialetos já estudados do português do Brasil. Bisol (1989)

descreve a harmonia vocálica como sendo um processo de assimilação ordenado no ciclo

derivacional que se efetiva pelo espraiamento de um único traço de nó terminal [aberto 2].

Em alguns dialetos, esse processo fonológico não se restringe às vogais altas,

estendendo-se também às vogais baixas. Em Brasília, Bortoni (1992), por exemplo,

também considerou as variantes fechadas e abertas e constatou a influência das altas orais e

nasais na elevação das pretônicas. As variantes abertas, que são as menos freqüentes no

dialeto de Brasília, têm uma ocorrência expressiva determinada pela presença de vogais da

mesma altura na sílaba subseqüente: [], [] e /a/. Pereira (1997), por sua vez, afirma,

sobre o dialeto pessoense, que, de modo geral, os números correspondentes à não-recuada

/e/, e à recuada /o/ não apresentam grandes diferenças entre si.

Partindo da premissa de que a vogal da sílaba subseqüente seria o contexto mais

condicionador do uso da variante alta das pretônicas /e/ e /o/, foi controlado o efeito de

cada uma das vogais isoladamente, fossem elas nasais ou não.

• ( i ): bonita

• ( ĩ ): seguinte

• ( u ): seguro

• ( ũ ): segundo

• ( e ): beleza

• ( ẽ ): bebendo

• ( o ): gostoso

• ( õ ): Colombo

• ( é ): depressa

• ( ó ): coloca

• ( a ): metade

• ( ã ): chegando

• ditongos: bebeu, tomei, fogão

Page 72: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tonicidade da sílaba pretônica subseqüente

Segundo Silva (1989), a vogal acentuada já havia sido apontada como contexto

para a elevação de pretônicas por autores renomados, como, por exemplo, Silveira

(1921:24 apud SILVA, 1989), que afirma que “(…) o exame de um bom número de

vocábulos me leva a crer que o timbre da vogal tônica influi muitas vezes nos das vogais

antetônicas”.

No dialeto de Salvador, Silva (1989, p. 92) conclui que “a altura da pretônica é

determinada não só pela vogal acentuada, mas também pela inacentuada, ambas da sílaba

subseqüente”, ou seja, observou que o fato de a vogal subseqüente ser ou não acentuada

não é relevante para o processo.

No dialeto pessoense, Pereira (1997) diz que a contigüidade da sílaba tônica

apresentou valores probabilísticos que estiveram sempre beirando a neutralidade, ou seja,

não demonstraram ter influência significativa no comportamento variável das médias

pretônicas. Apesar de sua baixa relevância, os mais altos índices de contigüidade para as

variáveis /e/ e /o/ são representados pela aplicação das variantes altas [i] e [u]. Quando a

sílaba contígua é átona, há uma maior probabilidade de ocorrência das variantes abertas []

e []. Yacovenco (1993) confirma que a vogal tônica influencia o comportamento da vogal

oral anterior em posição pretônica no dialeto culto do Rio de Janeiro. Segundo essa autora

(p. 82),

(…) a regra de manutenção apresenta os maiores índices percentuais quando a vogal tônica é, respectivamente, um ditongo (81%), uma vogal média (80,1%) ou uma vogal baixa (76,5%). Já para a regra de alteamento, os maiores índices percentuais relacionam-se à vogal alta homorgânica (40,9%) e à alta não homorgânica (38,5%). Os ditongos parecem ser os segmentos que menos favorecem a elevação (12,4%).Quanto à regra de abaixamento, não parece existir uma relação estreita entre o tipo de vogal tônica e a regra variável (…).

Page 73: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Na cidade do Rio de Janeiro, Lemle (1974) postulou uma regra morfofonológica

responsável pelas alternâncias e : i, o : u do registro coloquial do dialeto carioca e as

condições que regem a sua aplicabilidade. Ou seja, a elevação das vogais /e/ e /o/ é

condicionada pela presença de uma vogal alta, /i/ ou /u/, na sílaba tônica. Callou & Leite

(1986) ampliam o contexto vocálico seguinte observado e incluem na análise as vogais com

ponto de realização médio (fechado) e baixo (aberto): ê : ô : é : ó. Acrescentam ainda que

a influência na elevação da pretônica por uma vogal alta na sílaba subseqüente independe

do caráter tônico ou átono dessa sílaba.

Rodrigues (2001), para o dialeto de Lisboa, afirma que há menos queda de [] nas

palavras “levaremos” e “representativo”, do que em palavras do tipo “levantaremos”.

Afirma que seus resultados estão de acordo com a idéia de d’Andrade & Laks (1991 e

1996), de que as sílabas em posição par à esquerda do acento têm uma proeminência

relativa maior do que as que se encontram em posição ímpar.

No português do Brasil, a questão da tonicidade da sílaba contígua, pelos resultados

dos outros trabalhos, parece ser, nesse caso, o elemento favorecedor do alteamento de /e/ e

/o/. Sendo assim, para observar o comportamento dos migrantes, foram estabelecidos os

seguintes parâmetros de observação:

• Contígua à sílaba tônica: menina

• Contígua à sílaba átona: recebendo

Natureza da pretônica

Esse grupo de fatores morfofonológico foi considerado para analisar a realização

das pretônicas durante o processo derivacional. Sobre esse grupo de fatores, Bisol (1981)

constatou que as pretônicas que permanecem sempre átonas durante toda a derivação

paradigmática estão mais sujeitas à elevação do que as átonas anteriormente acentuadas.

Page 74: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Isto ocorre porque a lembrança do acento subjacente de uma sílaba leva o falante a ouvi-la

como forte, ainda que não sustente acento primário.

A propósito disso, em sua gramática normativa, Rocha Lima (1996, p.38) afirma,

no capítulo intitulado “Pronúncia Normal do Brasil”, que

a simples passagem da posição tônica para a átona determina, mecanicamente, o fechamento das vogais é e ó; assim, por exemplo:

reta (é) - retângulo (ê)leve (é) - leveza (ê)reza (é) - rezar (ê)encéfalo (é) - encefalite (ê)roda (ó) - rodar (ô)pobre (ó) - pobreza (ô)sólido (ó) - solidez (ô)voto (ó) - votação (ô)

Nesses casos apontados pelo gramático, as médias abertas tornam-se sempre

médias. No dialeto pessoense, tal regra ficaria comprometida devido à atuação de

contextos como ‘vogal da sílaba subseqüente’. Por exemplo, em palavras cuja vogal

subseqüente à pretônica é baixa, a realização dessa pretônica será aberta ([] e []). As

palavras “leveza” e “pobreza”, por possuírem a vogal subseqüente média [e], seriam

pronunciadas com as variantes médias fechadas. Pereira (1997), a respeito do dialeto

pessoense, ao comparar os seus resultados com os de Silva (1989), sobre o dialeto

soteropolitano, afirma que

(…) no que diz respeito às conclusões obtidas, os resultados são extremamente parecidos. Silva afirma que a alternância u :: ó :: ô e i :: é :: ê só se configura diante de vogais altas orais e nasais (i, u, ĩ, ũ). Nos outros casos, ocorre uma relação de complementaridade entre as vogais médias, que não ocorrem antes de vogais de mesma altura; e as baixas que ocorrem nos outros contextos restantes.

Sendo assim, a fim de verificar até que ponto a natureza da atonicidade da vogal

interferiria na sua realização, foram observados os seguintes fatores:

Page 75: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

• Átona casual: aquela que pode adquirir tonicidade (ex.: sofrimento/sofro,

corrida/corre, beber/bebo, perder/perco).

• Átona permanente: mantém-se sempre átona por todo o paradigma. (ex.: boneca,

vermelho, legume).

Contextos fonológicos precedente e subseqüente

De acordo com Katamba (1996, p. 80), freqüentemente, um fonema tem alofones

que são dependentes, numa posição particular, de outros sons que são adjacentes a ele. A

noção de direcionalidade é muito importante, pois se pode dizer se um fonema tem mais

afinidade com o som que o precede ou que o sucede.

Van der Hulst & Van der Weijer (1995, p. 526) observam que pode haver três

casos de interferência da consoante no processo de harmonia vocálica: a) casos nos quais

as consoantes com articulação secundária têm um efeito na harmonia da vogal; b) casos

nos quais as vogais têm efeito sobre a consoante (um efeito na direção oposta); e c) casos

nos quais as consoantes que não têm articulação secundária parecem influir na harmonia.

Sobre o segundo caso, Poppe (apud VAN DER HULST & VAN DER WEIJER,

1995), sobre o dialeto turco original, afirma, por exemplo, que só há consoantes /g k/,

apenas em palavras com vogais anteriores: /büläk/ “presente” (gift), /igən/ “colheita”

(crops). As consoantes /G q/ ocorrem apenas em palavras nativas que contenham vogais

posteriores: /ayaq/ “pé” (foot), /GwaGa/ “barulho” (noise).

Ainda segundo Van der Hulst & Van der Weijer (1995), sobre o terceiro caso, há

muitos exemplos em que as consoantes não-aproximantes interferem na harmonia vocálica,

seja impondo seus valores às vogais vizinhas, seja bloqueando a interferência entre vogais.

Afirmam que a interação entre consoantes e vogais é uma área mal entendida: “Casos em

Page 76: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

que tais interações ocorrem têm sido usados para explicar que traços de representação em

consoantes e vogais que harmonizam com consoantes não está claro” (p. 530)21.

No Rio de Janeiro e em João Pessoa, com base nos estudos de Leite et al (1994) e

de Pereira (1997), a vogal alta da sílaba subseqüente, quer tônica, quer átona, só é fator

preponderente para o alteamento de /e/. Para o /o/, o ponto de articulação do segmento

adjacente, labial ou velar, é o maior propulsor do processo. Com tais resultados, Leite et al

(1994) apontam em direção à seguinte questão: a elevação da pretônica corresponde a um

único processo (a harmonia vocálica) ou a dois (a harmonia vocálica e a configuração dos

segmentos consonantais adjacentes)?

Acreditando que as consoantes que precedem as vogais têm influência sobre o

comportamento das pretônicas, foi utilizada a seguinte classificação:

• alveolar: [t, d, n, l, s, z]

Precedente: tomando, delegacia, nervosa, loteria, sossego, zeloso

Subseqüente: rotina, produzir, pronunciar, colega, possuir, desafio

• labial: [p, b, f, v, m]

Precedente: político, boneca, fogões, vegetais, mesada

Subseqüente: propaganda, bobagem, fofoqueira, deveremos, remorso

• velar: [k, g, r]

Precedente: colégio, governo, regular

Subseqüente: recordação, legumes, serviço

• palatal: [, , , ]

Precedente: chocante, jogar, conhecido

Subseqüente: mexer, nojento, colher, nenhum

21“Cases when such interaction takes place have been used to argue that features for representing place in consonants and vowels harmonize with consonants is not clear”.

Page 77: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

3.5.2 Variáveis sociais

Anos de escolarização

Labov (1966) observou que os falantes menos escolarizados, freqüentemente,

usavam mais as formas não-padrão, enquanto que as formas padrão eram mais utilizadas

pelos mais escolarizados. Esta é uma tendência encontrada em muitos trabalhos

lingüísticos quantitativos. De acordo com Oliveira e Silva (1996, p. 350), seja direta ou

indiretamente, a participação da escola acaba sendo decisiva na configuração lingüística da

comunidade.

Conforme Oliveira e Silva (1996, p. 344), mesmo alguns daqueles fenômenos que

não são diretamente focalizados na programação escolar, como este, por exemplo,

mostram-se quantitativamente tão condicionados pelo grau de escolarização quanto os que

são objeto de ensino escolar e/ou são alvos de correção por parte dos professores.

Segundo Kemp (1981), o nível de escolarização se revela um poderoso

condicionante na escolha de variantes lingüísticas. Há uma grande tendência a que falantes

de nível universitário apliquem mais as formas padrão do que os falantes de outros níveis

escolares, e muitos trabalhos sociolingüísticos confirmam essa tendência. A hipótese

levantada é a de que os informantes com baixa escolaridade liderem o processo inovador,

corroborando, assim, a maioria dos trabalhos sociolingüísticos.

Faixa etária

É datado de 1905 o primeiro estudo que detectou diferenças entre o

comportamento lingüístico das pessoas conforme a faixa etária. O estudo de Gauchat

(1905), numa aldeia suíça, sobre a lateral palatal /λ/, demonstrou que os mais jovens

Page 78: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

estavam preferindo a pronúncia /y/, ficando o /λ/ (mais conservador) para os mais velhos, e

que a classe intermediária utilizava ambas as realizações.

Estudos feitos por Labov sobre a pronúncia retroflexa do /r/ pós-vocálico em Nova

Iorque (1966) e em Martha’s Vineyard, Massachussets (EUA), sobre a centralização dos

ditongos /ay/ e /aw/ (1963), por exemplo, corroboraram as descobertas de Gauchat. Seus

resultados também evidenciaram a tendência dos mais jovens a privilegiar as pronúncias

mais inovadoras, enquanto que os mais velhos utilizavam mais as formas conservadoras

(padrão). É isso também o que se esperava que ocorresse neste trabalho, que os

informantes mais jovens produzissem menos a regra de abaixamento em detrimento da

manutenção das médias pretônicas.

O estado em que se encontra uma variável numa comunidade pode ser

depreendido através desse fator. O comportamento da variável sob análise, dentro de cada

faixa etária, pode indicar se o fenômeno é estável ou está em processo de mudança. A

comparação da linguagem de pessoas de diferentes idades pode revelar diferentes estágios

de uma língua (estudo em tempo aparente), como diz Labov (1972).

Fazendo um recorte transversal da amostra sincrônica em função da faixa etária

dos informantes, ou seja, uma análise em tempo aparente, pode-se saber se o processo em

análise está apenas sofrendo variação (variantes lutando por sua subsistência ou

coexistência), ou se há uma situação de mudança em progresso (morte de uma das

variantes).

Tempo de residência

Segundo Trudgill (1986, p. 39), em uma situação de interação entre indivíduos

de diferentes dialetos, mecanismos sócio-psicológicos são ativados em direção a uma

acomodação lingüística entre o falante e o interlocutor. Se essa interação acontece

Page 79: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

freqüentemente, atos individuais desse contato de curta-duração (short-term), com o

tempo, tornam-se permanentes no repertório lingüístico do falante, em uma acomodação

de longa-duração (long-term).

Trudgill (1986, p. 15) observou a pronúncia do /r/ pós-vocálico, que é um traço

do inglês americano, na fala dos ingleses residentes nos Estados Unidos e percebeu que

esses falantes não adquirem esse traço sem que estejam na América por um período

considerável (de dez anos em diante).

Acredita-se que a variação estudada nesta pesquisa seja sensível ao tempo de

exposição do indivíduo a uma nova realidade sócio-cultural. O tempo de residência no

Rio de Janeiro e em Lisboa parece ser de vital importância para determinar o grau de

acomodação dos falantes.

Page 80: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo, é descrito, com base em índices percentuais e em pesos relativos, o

comportamento lingüístico dos migrantes paraibanos residentes no Rio de Janeiro, assim

como o dos imigrantes brasileiros residentes em Lisboa, ambos expostos ao contato com o

dialeto nativo, em sua grande maioria, do lugar onde se propuseram a viver durante, no

mínimo, um ano ininterrupto.

4.1 Comportamento lingüístico geral dos migrantes paraibanos

No cômputo geral, foram recolhidos 5313 dados do corpus dos migrantes

paraibanos, distribuídos segundo o tipo de vogal pretônica, conforme a Tabela 1.

Tabela 1: Distribuição geral dos dados

Tipo de pretônica No de dadosNão-recuada 2854

Recuada 2454TOTAL 5313

Na fala dos migrantes paraibanos residentes no Rio de Janeiro, três são as

possibilidades de produção de cada uma das pretônicas enfocadas:

• Para as não-recuadas: [E], [e] e [i]

• Para as recuadas: [�], [o] e [u]

A distribuição dos dados da Tabela 1 por cada uma dessas possibilidades,

independente de sua realização oral ou nasal, pode ser vista na Tabela 2, a seguir:

Page 81: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tabela 2: Distribuição dos dados pelas variantes

Pretônicas Realizações No de dados TOTAL

Não-recuadas[E] 1129[e] 1219[i] 506

2854

Recuadas[�] 812[o] 1035[u] 607

2459

TOTAL 5313

Com relação aos diferentes contextos silábicos observados, os dados estão

distribuídos da seguinte forma:

Tabela 3: Distribuição geral dos dados conforme o padrão silábico

Tipo de sílaba Não-recuadas[E] [e] [i]

Total/e/

Recuadas[�] [o] [u]

Total/o/

Outras 1 21 0 22 0 11 0 12

CCV C+L+V 1 2 0 3 2 5 0 7C+R+V 108 77 35 220 104 93 10 207

CVC

CV+/L/ 0 1 0 1 34 32 0 66CV+/N/ 0 141 38 179 0 406 12 418CV+/S/ 87 48 38 173 67 20 37 124CV+/R/ 167 132 11 310 187 87 100 374

CV 765 797 384 1946 418 386 448 1252Total 1129 1219 506 2854 812 1040 607 2459

Observando a Tabela 3, pode-se verificar que os dados recolhidos para os tipos de

sílabas que estão sendo chamados de “outras” apresentaram-se categóricos quanto à

manutenção da média pretônica, com exceção da palavra “prestava → pr[E]stava” em que

há possibilidade de variação. Outros exemplos são:

(CCVC): apr[e]nder, apr[e]ndendo, apr[e]ndi, apr[e]ndeu, fr[e]scura, pr[e]stou,

pr[o]stituta, amedr[o]ntada;

(CVCC): p[e]rspectiva, c[o]nstrução, c[o]nstruí, c[o]nstrangimento, c[o]nstrangido.

Page 82: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Em sílabas cuja vogal é precedida por um grupo consonantal (CCV), há uma

exigüidade de dados, muito mais de /l/ precedendo a pretônica do que de /r/. Os exemplos

das ocorrências de /l/ são:

(C/L/V): compl[E]tar, compl[e]tei; afl[�]rando, Fl[�]rianópolis, gl[o]bal, expl[o]dir.

No que diz respeito ao /R/ precedendo a pretônica no padrão silábico CCV, há

uma tendência à aplicação das variantes abertas [] e []:

(C/R/V): apr[E]senta, apr[E]sentação, cr[E]scendo, cr[E]scente, desempr[E]gado, despr[E]zar, empr[E]gado, entr[E]gador, fr[E]qüentar, pr[E]cário, pr[E]cavido, pr[E]concebido, pr[E]conceito, pr[E]gado, pr[E]judicada, pr[E]para, pr[E]parado, pr[E]parava, pr[E]paro, pr[E]sente, pr[E]tende, pr[E]tendo, repr[E]sentante, secr[E]taria, secr[E]tário, tr[E]zentos, pr[E]cisa, pr[E]cisam, pr[E]cisando, pr[E]cisar, pr[E]cisa-se, pr[E]cisei, pr[E]ciso, acr[E]ditam, acr[E]dito, entr[E]vista, entr[E]vistador, pr[E]firo, pr[E]ferencia, pr[E]visão, sobr[E]viver; gr[�]selha, micr[�]fone, apr[�]xima, apr[�]ximadamente, apr[�]ximou, impr[�]viso, pr[�]blema, pr[�]blemas, pr[�]blemazinho, pr[�]cura, pr[�]curar, pr[�]curava, pr[�]curei, pr[�]curo, pr[�]curou, pr[�]duzindo, pr[�]fissão, pr[�]fissonais, pr[�]grama, pr[�]gramar, pr[�]gramas, pr[�]jeto, pr[�]jetos, pr[�]núncia, pr[�]nunciada, pr[�]nunciadas, pr[�]nunciado, pr[�]nunciando, pr[�]paganda, pr[�]posta, pr[�]tege, pr[�]testo, pr[�]vocar, compr[�]vado, contr[�]lado, contr[�]lar, dr[�]gado, tr[�]cado, tr[�]car.

Alguns exemplos fogem a essa tendência e sofrem alteamento: acr[i]ditava,

acr[i]dito, engr[i]dientes, pr[i]cisa, pr[i]cisão, pr[i]cisar, pr[i]cisei, pr[i]ferido,

pr[i]firo, pr[i]guiça, pr[i]juízo, pr[i]sidente, pr[i]venido, sobr[i]mesa, sobr[i]vivência,

sobr[i]viver; apr[u]veitei, apr[u]veitar, quatr[u]centos.

Em se tratando das sílabas com ataque simples e com coda (CVC), para as sílabas

travadas com /l/, não levando em consideração o processo de vocalização que essa

consoante sofre nos dialetos brasileiros, pela Tabela 3, percebe-se que só houve um dado

para a variável não-recuada. Já para a recuada, além de a quantidade de dados para [�] e

[o] ser ínfima, não houve produção da vogal alta [u]. Exemplos desse contexto podem ser:

v[o]ltar, v[o]ltava, v[o]ltado, v[o]ltei, v[o]ltaram, v[o]ltam, v[o]ltada, env[o]lver,

Page 83: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

res[o]lveram, res[o]lvi, s[o]lteiro, s[o]lteira, f[o]lclórica; v[�]ltar, v[�]ltava, v[�]ltado,

v[�]ltaria, env[�]lvido, s[�]ltar, f[�]lgado e razoav[e]lmente.

Nesses casos, é natural que não haja a aplicação de alteamento, porque senão não

haveria contraste nos elementos do núcleo. Em obediência ao OCP, os segmentos

adjacentes têm que ser diferentes, por isso, se houvesse nuclearização de /l/, a vogal nunca

poderia ser realizada como [u], porque ela sofreria uma fusão.

Com relação às sílabas com vogal nasal, como era previsível e como se pode ver

pela Tabela 3, não houve ocorrência de vogal [+ baixa] nasal. A vogal nasal na coda

silábica é um elemento inibidor do processo de abertura e favorece muito pouco o de

alteamento. Tal ambiente é mais propício à manutenção das vogais médias.

No contexto nasal, o alteamento de /e/ é favorecido:

a) por uma sibilante na posição que o precede, como se pode ver em: s[i]ntia,

s[i]ntimento, s[i]nti, enc[i]ntivando, des[i]nvolvi, des[i]nvolvimento, des[i]nvolve,

des[i]mpenho, des[i]mprego, des[i]mpregado, des[i]ncantado;

b) e por uma vogal alta na posição subseqüente, como nos exemplos: ent[i]ndia,

ent[i]ndimento, p[i]ndurada, m[i]ndigo, m[i]ntira.

Já para o alteamento de /o/, o ambiente mais propício, semelhante aos exemplos

mostrados em (14), é quando seu contexto precedente é uma velar, nomeadamente o /k/:

ac[u]nteceu, ac[u]mpanhar, c[u]ncentração, c[u]nsiguir, c[u]ntigo, c[u]nversando,

c[u]nversar, c[u]nversa.

As sílabas travadas com as consoantes /R/ e /S/ foram os contextos com maior

produção de dados nas sílabas do tipo CVC. A distribuição de seus valores pelas variantes

ocorreu da seguinte forma:

Tabela 4: Distribuição percentual de /R/ e /S/ como coda do tipo silábico CVC

Page 84: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Coda do tipoSilábico CVC

Não-recuada Recuada[E] [e] [i] [�] [o] [u]

/R/ 54% 42% 4% 50% 23% 27%/S/ 50% 28% 22% 52% 23% 25%

Ambos os tipos de coda propiciam a aplicação da variante pretônica aberta ([E] e

[�]). Observando o comportamento das não-recuadas, nota-se uma pequena diferença, pois

o /R/ propicia mais a aplicação de [e] do que o /S/, ao passo que o /S/ favorece mais o

alteamento ([i]). Já para as recuadas, o comportamento é bastante semelhante para os dois

tipos de codas: ac[E]rtar, ac[E]rtasse, aniv[E]rsariando, ap[E]rtado, cons[E]rtar,

conv[E]rsando, conv[E]rsar, int[E]rmédio, ixac[E]rbada, lib[E]rdade, m[E]rcado,

obs[E]rvar, obs[E]rvatório, p[E]rcebe, p[E]rdendo, p[E]rguntar, p[E]rguntava,

p[E]rnambuco, res[E]rvado, s[E]rtaneja, s[E]rtão, s[E]rvente, sup[E]rmercado,

v[E]rdade, v[E]rsatilidade, v[E]rdura, t[E]rminações, t[E]rminado, det[E]rminadas,

et[E]rnidade, n[�]rtista, n[�]rdestina, s[E]rgipe, s[E]rviço, c[E]rtificado, com[E]rcial,

p[E]rdi, p[E]rfeita, p[E]rcebi, p[E]rfeitamente, p[E]rsonalidade, op[�]rtunidade, p[�]

rtuguês, esp[�]rtivo, div[E]rsidade, v[E]rgonha, univ[E]rsidade; ac[�]rdar, ac[�]rdar,

ac[�]rdava, ac[�]rdava, c[�]rtadas, c[�]rtando, comp[�]rtamento, conf[�]rmar, f[�]

rçando, f[�]rmação, f[�]rmada, f[�]rmalidade, f[�]rmar, F[�]rtaleza, imp[�]rtante, inf[�]

rmações, inf[�]rmado, inf[�]rmado, inf[�]rmar, inf[�]rmática, inf[�]rmatizado, j[�]rnal,

j[�]rnalismo, j[�]rnalístico, m[�]rdendo, m[�]rtadela, n[�]rdeste, n[�]rmal, n[�]

rmalmente, p[�]rtaria, rep[�]rtagem, t[�]rcendo, transf[�]rmação, transt[�]rnado.

Como se pode perceber, sílabas travadas com /R/ favorece à abertura da

pretônica, exceto em palavras como div[i]rtimento, s[i]rviço, div[i]rtir, p[i]rmite,

Page 85: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

p[i]rcebo, p[i]rcebi; d[u]rmindo, f[u]rmiga, t[u]rcia, op[u]rtunidade, d[u]rmir,

p[u]rtuguês, p[u]rque, p[u]rtanto.

Para a observação do que ocorre com as pretônicas quando estão em sílabas

travadas por /S/, partiu-se para a investigação, então, dos seguintes exemplos:

corr[E]spondência, m[E]strado, m[E]strandos, p[E]scado, p[E]scadores, p[E]scando,

p[E]scar, p[E]scaria, p[E]scava, qu[E]stão, sug[E]stão, r[E]stante, r[E]sponde,

r[E]sponsa.

Os exemplos a seguir demonstram que a vogal da sílaba subseqüente, quando esta

tem uma vogal baixa, média nasal ou ditongo nasal, favorece a aplicação da pretônica

aberta [E] diante de /S/. Os exemplos que não correspondem a tal assimilação regressiva

são an[E]stesia, nord[E]stina e r[E]staurante, todos com uma consoante alveolar ou velar

no contexto fonológico precedente.

Os próximos exemplos demonstram que a grande maioria das pretônicas alteadas

residem no contexto com des- (prefixo ou não) em início de palavras: d[i]scancar,

d[i]scansando, d[i]scanso, d[i]scartei, d[i]scarto, d[i]sconforto, d[i]scontração,

d[i]scontrair, d[i]screver, d[i]sculpa, d[i]sdobrando, d[i]sgoste, d[i]sgostoso,

d[i]slanchar, d[i]smanchando, d[i]smoronando, d[i]sprezar, d[i]sprovida, d[i]sperta,

d[i]spertei, d[i]staca, d[i]stacando, d[i]staco, d[i]stino, d[i]struida, env[i]stir,

env[i]stiria, v[i]stia, v[i]stir, des[i]spero.

No Rio de Janeiro, Yacovenco (1993) observou esse contexto e verificou que, em

32 ocorrências, quatro foram de d[e]s- e 28 foram de d[i]s-, o que demonstra, portanto, o

seu forte condicionamento à regra de alteamento.

4.2 Comportamento lingüístico dos migrantes paraibanos no que se refere ao padrão

silábico CV

Page 86: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Na descrição da fala dos migrantes pessoenses no Rio de Janeiro, maior destaque

foi dado ao padrão silábico canônico CV, que concentra o maior número de dados (60% do

total) e pelos outros tipos de sílaba já possuírem estruturas que condicionam a ocorrência

ou não de determinada realização. Os valores totais para esse contexto podem ser vistos na

Tabela 5:

Tabela 5: Percentual de cada variante em sílaba CV

Realizações Ocorrências % TOTAL[] 765 39[e] 797 41[i] 384 20

1946

[] 418 33[o] 386 31[u] 448 36

1252

TOTAL 3198

Comparando os resultados das variantes orais com os resultados obtidos em

trabalhos realizados no Rio de Janeiro e em João Pessoa, capital da Paraíba, obtêm-se os

valores que podem ser vistos na Tabela 6:

Tabela 6: Comparação de resultados das comunidades em questão

[] / [] [e] / [o] [i] / [u]Yacovenco (1993) sobre o falar culto

carioca224% / 4% 64% / 66% 32% / 30%

Pereira (1997) sobre o dialeto

pessoense44% / 42% 21% / 22% 34% / 35%

Paraibanos residentes no Rio

de Janeiro39% / 33% 41% / 31% 20% / 36%

22 Valores arredondados.

Page 87: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Vale salientar que os informantes que fizeram parte do trabalho de Yacovenco

possuem o nível superior de instrução. Tanto no trabalho de Pereira (1997) quanto neste

trabalho, os dados analisados foram produzidos por informantes de todos os níveis de

escolaridade e até mesmo sem escolaridade alguma. Esse fato não invalida a comparação, a

julgar pelos resultados de Vianna da Silva (1995), que, em seu estudo sobre as pretônicas

nos dialetos populares fluminenses, verificou que os percentuais são quase os mesmos dos

da fala culta do Rio de Janeiro ([] / [] – 4% / 7,5%; [e] / [o] – 61% / 62%; [i] / [u] – 35%

/ 31%)23.

Os Gráficos 1 e 2 apresentam a distribuição das realizações das pretônicas (não-)

recuada na fala dos migrantes paraibanos, com base nos resultados expostos na Tabela 6:

Gráfico 1: Comportamento lingüístico do migrante (percentuais da vogal não-recuada)

4

44 39

64

21

4132 34

20

0

20

40

60

80

Dialeto carioca Dialeto pessoense Dialeto migrante

[é] [e ] [i]

Gráfico 2: Comportamento lingüístico do migrante (percentuais da vogal recuada)

23 Há um pequeno aumento da freqüência da realização aberta da vogal entre os infomantes de baixa escolarização.

Page 88: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

4

4233

223130 35 36

66

0

20

40

60

80

Dialeto Carioca Dialeto pessoense Dialeto do migrante

[ó] [o] [u]

Nos dialetos do Centro-Sul do Brasil, o movimento de [e/o] → [/] é

improdutivo e o processo de neutralização das médias em direção à manutenção é quase de

100%. Nesses dialetos, a variação mais significativa é [e/o] ~ [i/u]. Quando se trata de

dialetos nordestinos, a variação é ternária, mas com maior proeminência para o processo de

abaixamento da média.

Em Salvador, segundo Silva (1989), o processo de neutralização em direção à

realização aberta da pretônica atinge o percentual de 60% ([]) e 58% ([]), enquanto que

em João Pessoa, segundo Pereira (1997), é de 44% ([]) e 42% ([]) e em Alagoas,

segundo Adant (1989), o abaixamento de /e/ atinge 66% e de /o/ 49%.

Quando se trata dos dialetos deslocados de seu cenário original, os percentuais de

abaixamento tendem a cair em detrimento do aumento da manutenção, como uma resposta

convergente ao dialeto acolhedor, como pode ser visto nos gráficos 1 e 2. A tabela 7 dá

uma visão ampliada do que já está sendo mostrado nesses gráficos.

Tabela 7: Comparação dos resultados

Não-recuadas

João Pessoa (Pereira,

1997)

Dialeto do migrante paribano

RecuadasJoão Pessoa

(Pereira, 1997)

Dialeto do migrante paraibano

[][e]

44%21%

39%41%

[][o]

42%22%

35%31%

[i] 34% 20% [u] 35% 36%

Page 89: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

O que se pode perceber é que os percentuais de abaixamento sofrem redução e a

manutenção das médias pretônicas aumentam seus valores de aplicação. Observando os

valores de alteamento, percebe-se que [i] e [u] apresentam comportamento diferente no

dialeto do migrante. Tal fato indica que o falante aciona mecanismos para elevar os

percentuais de manutenção de /e/ (diminui a aplicação de abaixamento e alteamento)

diferentes dos de /o/ (diminui apenas o abaixamento), que possui um menor percentual de

manutenção.

O percentual da vogal não-recuada dos migrantes alagoanos residentes em

Brasília também é reduzido, em comparação ao seu dialeto original (de 66% passa a 46%),

segundo Adant (1989). Para a vogal recuada, o percentual de 49% sobe para 54%, um

processo inverso, portanto, apresentando, também, um comportamento diferenciado. A

autora levanta a hipótese de que esse aumento seja motivado pelos alagoanos de origem

rural. Faz um controle, então, da zona de proveniência dos informantes e verifica que os

informantes urbanos aplicam mais o abaixamento do que os rurais. Adant (op. cit.) conclui,

então, que “o rebaixamento das vogais pretônicas é de fato, em Alagoas, um traço urbano”,

o que não justifica, pois, o diferente comportamento entre as duas vogais.

Pelos gráficos 1 e 2, percebe-se que o processo de acomodação está ocorrendo,

mas o que se pode ver é que a acomodação ainda é incompleta, pois não se deu a passagem

inteira de um sistema para o outro, e que as vogais seguem, também, cursos diferentes.

Pela observação dos contextos sociolingüísticos, pode ser possível verificar o que

de fato está ocorrendo na fala dos migrantes sob análise, que mecanismos intra- e

extralingüísticos estão condicionando as modificações na fala desses paraibanos

deslocados de seu dialeto original.

4.2.1 A pretônica não-recuada:

Page 90: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

4.2.1.1 Realização de []

Para a verificação da regra de abaixamento de /e/ nesta pesquisa, foram

recolhidos 765 dados. O input geral da rodada com valor de aplicação foi igual a .40. Os

fatores selecionados como favoráveis à aplicação de [] foram:

a) Vogal da sílaba subseqüente;

b) Tonicidade da vogal subseqüente;

c) Tempo de moradia no Rio de Janeiro;

d) Contexto fonológico precedente;

e) Contexto fonológico subseqüente;

f) Anos de Escolarização;

g) Faixa etária.

A partir de agora, serão analisados os grupos de fatores linguísticos selecionados,

em seguida, os sociais.

Análise das variáveis lingüísticas:

Como se pode observar pelos grupos de fatores listados, no dialeto do migrante

paraibano, o movimento entre []←[e]→ [i] e entre []← [o]→[u] é condicionado pelo

grupo de fatores ‘Vogal da sílaba subseqüente’, que foi selecionado como o maior

promovedor do abaixamento. Dessa forma, os resultados corroboram os vários trabalhos

sobre o tema em questão, realizados no Brasil, que admitem que as vogais da sílaba

subseqüente têm papel preponderante no jogo de altura das pretônicas.

Page 91: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Sobre esse contexto, em João Pessoa, Pereira (1997, p.115) chega às seguintes

conclusões sobre o condicionamento das vogais subseqüentes:

As vogais médias abertas ocorrem predominantemente diante de vogais de mesma altura e das não altas nasais (ã, ẽ, õ), além disso, ocorrem casos significativos de abertura diante de /u/, e especificamente para /o/, também diante de [ũ]: c[ó]luna, pr[ó]funda .

Page 92: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Já no que se refere ao abaixamento de /e/, no falar culto do Rio de Janeiro,

Yacovenco (1993) nota que “as vogais altas são as que menos influenciam o abaixamento

da vogal média oral anterior – 2,5% para a alta não-homorgânica e 0,3%, para a alta

homorgânica”.

Ainda sobre o abaixamento de /e/ na fala culta do Rio de Janeiro, Callou et al

(1995:66-7) observam que esse processo sobrepujou os ambientes esperados para a sua

aplicação, que eram as palavras derivadas, em cuja base ocorresse uma vogal baixa

acentuada. Explicitam ainda que

Do total de 137 ocorrências em nossos dados, apenas 40 encontram-se neste contexto [palavras derivadas]. Mesmo assim, comparativamente, continua sendo este o fator mais inibidor para o seu alteamento. Verificamos, no entanto, ocorrências em outros contextos, tais como em colares, brochar, derrubar, reserva, oboé, ressalva, populares, negócio, orquestra, quebrar, relações, verão, cobrado, tomava, Helena etc. Embora não se tenha feito uma codificação específica, exemplos como entr[]samento, r[]lação podem ser explicados, talvez, pela presença de uma vogal baixa contígua e outros como d[]méstico, t[]rminava, r[]lógio, n[]gócio pela presença de vogal baixa na sílaba acentuada. Outros como d[]rrubam, fev[]reiro, v[]rsão, H[]lena, v[]rão, p[]rcebeu talvez se expliquem pela presença de uma líquida adjacente.

Com base na fala dos migrantes paraibanos, os resultados encontrados para o

abaixamento da média pretônica não-recuada estão apresentados na Tabelas 7, a seguir:

Tabela 8: Contexto vocálico subseqüente (realização de [])Vogais

subsequentes Ocorrências % Peso relativo TOTAL

[ã] 33 77 .94 43[a] 233 69 .89 337[ẽ] 154 79 .92 196[] 63 46 .70 136[õ] 9 82 .78 11

Page 93: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

[o] 61 30 .34 201[e] 64 32 .25 203[i] 84 21 .19 408[u] 7 14 .16 49

Ditongo 9 5 .14 195

A aplicação da variante [] é condicionada pelas vogais da sílaba subseqüente,

principalmente se essa vogal for sua homorgânica, pois em 100% dos casos isso ocorre.

Por outro lado, as vogais altas nasais ([ĩ] e [ũ]), as médias [e] [o] e os ditongos orais não se

mostraram favoráveis à aplicação da regra de abaixamento na fala dos migrantes

paraibanos. Exemplos de abaixamento diante de vogais baixas podem ser: r[]cebe, dez[]

ssete, tel[]férico, s[]vero, m[]rece, s[]qüestro, s[]qüela, of[]rece.

Sobre a tonicidade da vogal subseqüente, Callou et al (1995, p.69), sobre o

dialeto culto carioca, observam que

(…) não há abaixamento quando a vogal tônica é uma vogal alta. Seu índice geral de aplicação é baixo: .049. Poder-se-ia pensar que o abaixamento é um processo em sua fase inicial que complementa e generaliza a harmonização vocálica: vogais médias podem se realizar como altas no ambiente de vogais altas tônicas e como baixas no ambiente de vogais baixas.

A partir do cruzamento dos grupos ‘Tonicidade da sílaba subseqüente’ e ‘Vogal

da sílaba subseqüente’ obteve-se os resultados que podem se vistos na tabela 8 a seguir:

Tabela 9: Vogal da sílaba subseqüente e Tonicidade da vogal subseqüente (realização de [])

Vogal da sílaba Subsequente

Vogal subseqüente tônica Vogal subseqüente átonaOcorr./total % PR Ocorr./total % PR

Baixas 273/446 61 .85 72/86 84 .94Médias nasais 129/156 83 .90 34/51 67 .76Médias orais 14/387 4 .08 120/232 52 .72

Altas 16/312 5 .08 75/198 38 .54

Os valores da tabela 8 indicam, como já havia sido observado por Callou et al

(1995, p. 69), que as vogal média e alta na sílaba subseqüente não se apresentam como

Page 94: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

favoráveis à aplicação do abaixamento de /e/. As vogais baixas e nasais, exceto as altas

nasais, propiciam a aplicação de [] quando são tônicas ou átonas.

Os exemplos de vocábulos em que a vogal média não-recuada pretônica sofre

abaixamento e não possui uma vogal baixa na sílaba subseqüente são motivados por outros

fatores. Os dados que podem exemplificar essas ocorrências podem ser r[]tomar, r[]

forçando, r[]cuperando, r[]fogado, r[]presentante, r[]portagem, r[]ferência, r[]

sidência, r[]volução, r[]ligião, r[]gião, r[]cebendo, r[]servista, r[]curso, r[]

conhecer, r[]vista, r[]baixa, r[]ferência, r[]vendia, r[]portagem, r[]lação, r[]

lembra, r[]zar, r[]clamar, r[]formar, r[]pórter, r[]lativo.

Nesses exemplos arrolados, é importante perceber que todos possuem uma

vibrante velar como consoante precedente, em uma sílaba início de palavra, seja essa um

prefixo ou não. Esse contexto é muito favorável à aplicação de abaixamento. As chamadas

consoantes vibrantes, contíguas à vogal pretônica, são as que mais condicionam o

abaixamento da média pretônica /e/, tanto em João Pessoa (PEREIRA, 1997) quanto na

fala culta do Rio de Janeiro (YACOVENCO, 1993), sendo, portanto, o ponto de

intersecção entre esses dialetos e o dialeto do migrante. Os resultados encontrados na fala

dos migrantes pessoenses estão expostos na tabela 10 a seguir.

Tabela 10: Contexto fonológico precedente (realização de [E])

Contexto fonológico precedente Ocorr./ Total % PRVelares 114/230 50 .60Labiais 282/672 42 .55

Alveolares 304/814 37 .50Palatais 65/230 28 .28

Os números da tabela 10 indicam, realmente, a importância da consoante velar

precedente como condicionadora do abaixamento da não-recuada. Há exemplos, porém,

Page 95: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

que são passíveis de abaixamento, mas que são motivados por outros contextos. Lemle

(1974), por exemplo, utilizou critérios morfológicos para explicar a ocorrência de

alteamento em determinadas palavras. Tratando da questão no português do Brasil, observa

que há um conjunto de sufixos com vogal alta (-inho, -íssimo, -ivo, -ino, -iz, -io, -il, -iço,

-ício, -ista, -úvel, -udo, -ível, -ífico) que não acarretam a elevação da vogal da raiz, ao lado

daqueles que acarretam a assimilação com a altura da vogal da raiz (-ia, -ice, -ínio, -ura,

-iço, -icida, -ina, -ismo, -izar e as terminações verbais –ia e –ido). Afirma ainda que os

sufixos que acarretam a assimilação são os que formam nomes e verbos, e os que não

fazem subir a vogal da raiz a que se ligam são os que derivam adjetivos. Essas são, pois, as

condições que restringiriam a aplicação da regra de elevação das vogais inacentuadas

diante de vogal alta acentuada, segundo a autora.

Leite (1974), por sua vez, observando os sufixos -inho, -íssimo, -zinho, -mente,

verificou que, apesar de possuírem uma vogal alta e tônica, não conseguem elevar a vogal

do radical que está imediatamente anterior ao limite de morfema, o que faz com que a

palavra permaneça invariavelmente com a vogal [+ baixa] de sua forma primitiva (ex.:

caf[E]zinho), o que exclui da regra palavras como: fértil ~ f[E]rtilíssimo ou f[e]rtilíssimo,

por possuir material interveniente entre a vogal tônica do sufixo e a vogal pretônica

observada. Van der Huslt e Van der Wijer (1995, p. 496), para reforçar a importância do

critério morfológico, afirmam que “todas as vogais são sujeitas à harmonia. Em princípio

isso é verdade para prefixos e sufixos”24.

Observando os dados, as palavras em que a altura da vogal é modificada em

decorrência do sufixo são: p[]ssoal (p[e]ssoa), t[]rrível (t[e]rror). Palavras como f[]

liz, inf[]lizmente; esp[]cial, esp[]cialidade, esp[]cífica; d[]rrubar, d[]rrubou, d[]

rrubando são passíveis de abaixamento independente da qualidade de seu sufixo ou 24 “all vowels are subject to harmony. In principle, this is true for prefixes as well as suffixes” (VAN DER HULST & VAN DER WIJER, 1995: 496).

Page 96: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

desinência verbal. No contexto consonantal circunvizinho à vogal observada pode estar

melhores respostas a essa questão. Nos exemplos int[]r[]ssante, int[]riores, t[]rrível,

t[]l[]visão, t[]l[]fone, cat[]cismo, int[]ligente, d[]putado, d[]t[]rminado, d[]

dicada, d[]liciosa, lavand[]ria, d[]missões, d[]senho, in[]vitável, n[]c[]ssidade,

s[]cretário, s[]ticentos, as pretônicas realizadas como [] são precedidas por uma

consoante alveolar.

Nos exemplos g[]neral, f[]deral, esp[]cial, esp[]cialidade, esp[]cífica, p[

]ssoal, inf[]rior, inf[]riorizado, sup[]rior, exp[]riência, p[]rigosa, f[]liz, inf[]

lizmente há uma consoante labial precedendo a vogal pretônica, mas uma consoante

alveolar no ataque da sílaba subseqüente à vogal pretônica não-recuada. Na tabela a

seguir, pode-se verificar o comportamento da consoante subseqüente na fala dos migrantes

paraibanos.

Tabela 11: Contexto fonológico subseqüente (realização de [E])Contexto fonológico subseqüente Ocorr./ Total % PR

Alveolares 610/1037 59 .54Velares 138/400 34 .51Labiais 154/339 45 .49Palatais 46/170 27 .29

Quanto ao contexto fonológico subseqüente, Pereira (1997), em João Pessoa,

aponta-se que é a consoante vibrante subseqüente a que mais favorece o abaixamento de /e/

e Yacovenco (1993), no Rio de Janeiro, por sua vez, mostra que são as vibrantes e as

alveolares que condicionam essa regra.

Os resultados da Tabela 11 corroboram o que foi encontrado por Yacovenco

(1993) na fala culta do Rio de Janeiro, o que demonstra o forte condicionamento das

vibrantes (velares e alveolares) para a aplicação da regra de abaixamento das não-recuadas.

Como se pode perceber, o critério fonológico é o mais apropriado para sistematizar a

Page 97: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

ocorrência de abaixamento, exceto em contextos como os observados por Leite (1974),

como já foi mencionado.

Análise das variáveis sociais

O ‘Tempo de moradia do informante no Rio de Janeiro’ foi fator selecionado em

terceiro lugar para a variante []. Os resultados indicam que a probabilidade de aplicação

da variante baixa [] vai diminuindo à medida que o informante soma anos de residência

no Rio de Janeiro e, conseqüentemente, tem mais tempo de contato com os falantes locais.

Nos primeiros cinco anos em que está no Rio, os informantes produzem mais o

abaixamento de /e/ do que aqueles que já estão a mais tempo. A partir dos cinco anos de

contato, esse valor diminui paulatinamente, como indício de acomodação ao dialeto

acolhedor.

Tabela 12: Tempo de residência no Rio de Janeiro

(realização de [])Tempo de residência no

Rio de Janeiro Ocorr./total % PR

1 a 4 anos 274/527 52 .785 a 10 anos 311/928 34 .41

Mais de 10 anos 180/491 37 .35

Shockey (apud TRUDGILL, 1986, p. 22), por exemplo, fez um levantamento dos

dados de sua própria fala para verificar modificações na passagem do seu flap

intervocálico do inglês americano para [t], em palavras como latter, e para [d], em palavras

como ladder, quando residia na Inglaterra. Percebeu que, nos primeiros seis meses de

experiência, não houve modificações em sua fala, mas, depois de três anos, seus valores,

para ambas as variantes, foram maiores do que os de seus informantes americanos. Sugere,

então, que isso é um resultado de acomodação lingüística à fala de ingleses e que a

Page 98: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

acomodação pode ser um lento e contínuo processo que não se completa por um número de

anos.

Em se tratando dos outros ambientes sociais, a regra de abaixamento entre os

informantes paraibanos que não são migrantes não tem qualquer valor estigmatizante, visto

ser a pronúncia padrão da comunidade. Em João Pessoa, Pereira (1997) chega à conclusão

de que os anos de escolarização e a faixa etária não exercem quaisquer condicionamentos

sobre a regra de abertura, a forma padrão do local. Já entre os migrantes, essa regra tem um

valor social negativo, pelo fato de pertencer a um grupo minoritário e por ser proveniente

de uma região economicamente menos desenvolvida do Brasil: a região Nordeste.

Os resultados indicam que os informantes que possuem até, no máximo, a segunda

fase do ensino fundamental, são aqueles que mais aplicam a regra de abaixamento da vogal

anterior, como se pode ver na tabela a seguir.

Tabela 13: Anos de escolarização (realização de [])Anos de Escolarização Ocorr. / total % PR

de 0 a 4 anos 355 / 745 48 .58de 5 a 8 anos 144 / 366 39 .72de 9 a 11 anos 127 / 416 31 .43

Mais de 11 anos 139 / 419 33 .24

Os resultados apontam que a variante [] vai, paulatinamente, perdendo sua força

à medida que o informante aumenta seu grau de formação escolar. Nos dois últimos anos

de escolarização observados, os índices são bem mais baixos e não favoráveis à aplicação

dessa variante.

Com relação à faixa etária, os informantes mais novos (.28) não aplicam essa

variante como o fazem os informantes das faixas etárias intermediária (.68) e os mais

velhos (.63). Pelo cruzamento desses dois fatores, pode-se ter um melhor panorama do que

ocorre socialmente com relação ao abaixamento de /e/:

Page 99: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tabela 14: Cruzamento entre faixa etária e anos de escolarização (realização de [])0 a 4 anos

de escolarização5 a 8 anos

de escolarização

9 a 11 anos de

escolarização

+ de 11 anos de

escolarização15 a 25 anos de

idade140/245 57%

.68144/366 39%

.5047/201 3%

.32 -

26 a 49 anos de idade

185/400 46% .57 - 48/117 41%

.52122/354 34%

.45+ de 50 anos de

idade30/100 30%

.40 - 32/98 33%.43

17/65 26%.36

Observando a tabela de uma forma horizontal, os informantes de 26 a 49 anos só

diminuem a produção da variante aberta ([]) quando têm o ensino superior (.57 → .52 →

.45). Os informantes de 15 a 25 anos tendem a diminuir a aplicação da regra de

abaixamento à medida que aumentam os anos de escolarização (.68 → .50 → .32).

Segundo Kemp (1981), o efeito do fator escolarização está relacionado ao fator idade.

Assim, as diferenças de escolarização parecem mais significativas entre falantes mais

velhos do que entre falantes mais jovens. Tal afirmação parece não estar sendo cumprida

aqui, pois se verifica que informantes com 50 anos ou mais de idade não aplicam mais a

regra em função do nível de escolaridade (.41 → .43 → .38).

Os falantes paraibanos abrem mais a vogal quando estão na primeira fase do

ensino fundamental (0 a 4 anos de escolarização) e têm até 25 anos de idade. Tais

resultados justificam o que foi encontrado isoladamente em cada um desses grupos.

Segundo Yacovenco (1993, p.66), para o dialeto carioca,

A regra de abaixamento [...] não apresenta um padrão definido, como ocorre com as outras duas [variantes]. Idosos (4,2%) e jovens (3,7%) usam mais esta regra que o grupo intermediário (1,8%). Supõe-se que este grupo utilize menos a regra de abaixamanto por esta regra se relacionar ao falar dos nordestinos. Sabe-se que a região nordeste apresenta uma situação sócio-econômica precária, fato que acarreta um valor pejorativo para a fala daquela região do país.

Page 100: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Vê-se, portanto, que, na fase intermediária do grupo ‘Faixa etária’, cariocas e

paraibanos, por exemplo, dentro do município do Rio de Janeiro, ocupam dois pólos

lingüísticos opostos. Nessa faixa etária, que é a mais ativa no mercado de trabalho, os

migrantes paraibanos só concorrem com os cariocas quando têm o nível superior de

escolaridade, e esse fato é também expresso lingüisticamente, pois é quando utilizam

menos a variante aberta ([]). Migrantes paraibanos apenas com o nível médio de

escolaridade, na maioria das vezes, realizam trabalhos com um status social mais baixo

(porteiros, faxineiros, balconistas etc.) e que têm difícil ascensão social. Os resultados

obtidos são os expostos na tabela a seguir.

Tabela 15: Faixa etária (realização de [])Faixa etária Ocorr. / total % PR15 a 25 anos 331 / 812 41 .2826 a 49 anos 355 / 871 41 .67

Mais de 50 anos 79 / 263 30 .63

4.2.1.2 Realização de [i]

Para a verificação da regra de alteamento da variável /e/, foram recolhidos 384

dados. O input geral da rodada para a variante [i] foi igual a .20, o mais baixo dentre as

variantes não-recuadas. Sobre essa fato, Leite et al (2002), tendo em vista os dialetos do

Rio Grande do Sul (BISOL, 1981 e 1989), do Rio de Janeiro (CALLOU et al, 1991, 1995 e

1998; YACOVENCO, 1993), da Bahia (SILVA, 1989) e de Minas Gerais (VIEGAS, 1987;

CASTRO, 1990), já haviam percebido que a harmonização vocálica é uma regra de baixa

produtividade no Brasil e de comportamento assimétrico entre as tônicas /i/ e /u/ como

propulsoras do processo.

Page 101: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Os fatores selecionados como favorecedores da aplicação da regra de alteamento de

/e/, na fala dos migrantes paraibanos estão relacionados a seguir:

a) Vogal da sílaba subseqüente;

b) Anos de Escolarização;

Page 102: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

c) Tonicidade da vogal subseqüente;

d) Contexto fonológico subseqüente;

e) Contexto fonológico precedente;

f) Faixa etária.

Análise das variáveis lingüísticas

Quanto ao alteamento da média pretônica, Pereira (1997), em João Pessoa,

encontrou que as variantes altas [i] e [u] ocorrem categoricamente diante de [ĩ], como em:

m[i]nina, d[u]mingo; e, predominantemente, diante de /i/: p[i]dia, p[u]lítica.

Segundo Yacovenco (1993), para a regra de alteamento de /e/, os maiores índices

percentuais relacionam-se à vogal alta homorgânica e à alta não-homorgânica.

Os resultados obtidos na amostra dos migrantes paraibanos apresentaram os

valores que podem ser vistos na Tabela 16:

Tabela 16: Contexto vocálico subseqüente (realização de [i])Vogal da sílaba

subseqüente Ocorrências % Peso relativo TOTAL

[i] 166 38 .85 432[ũ] 26 73 .86 37[u] 23 46 .72 50[e] 44 21 .70 209[o] 23 10 .52 221[] 37 26 .51 145

Ditongo 22 11 .40 201[ẽ] 15 7 .36 203[a] 6 2 .09 353

Page 103: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

O tipo de vogal que está na sílaba subseqüente à vogal pretônica enfocada, no caso

/e/, é fator de grande relevância para a aplicação da variante [i], principalmente se essa

vogal subseqüente for um [ĩ] (17 casos), pois 100% de suas ocorrências foram da variante

[i]. Diante de [ã, , õ], dentre o conjunto de dados, não houve elevação de /e/ e diante de [ẽ]

e [a] não houve números favoráveis à aplicação da regra de alteamento.

O grupo ‘Tonicidade da vogal da sílaba subseqüente’ apresenta resultados que

indicam que a sílaba contígua a /e/, quando tônica, apresenta um peso relativo de .56 de

aplicação da regra, ao passo que, quando a sílaba contígua é átona, os índices não se

apresentam favoráveis à aplicação da variante [i] (.36).

Tabela 17: Vogal da sílaba subseqüente e tonicidade da vogal subseqüente (realização de [i])Vogal da sílaba

SubsequenteVogal subseqüente tônica Vogal subseqüente átonaOcorr./total % PR Ocorr./total % PR

Altas 183/312 59 .93 41/198 21 .72Médias orais 55/367 15 .62 32/232 14 .58

Baixas 35/446 8 .12 4/86 5 .52Médias nasais 5/156 3 .09 10/51 20 .47

Pela Tabela 17, percebe-se que o alteamento de /e/ só não obtêm probabilidade

favorável à sua aplicação quando está diante de vogais baixas tônicas e de médias nasais. A

maior probabilidade de ocorrência do processo é encontrada diante de vogais altas,

principalmente tônicas, na sílaba subseqüente, corroborando os trabalhos citados sobre o

assunto.

Além da ocorrência de alteamento nos contextos de vogais altas na sílaba

subseqüente, esse processo também pode ser observado diante de vogais baixas na sílaba

subseqüente, como se pode ver em: m[i]lhor, fut[i]bol, s[i]nhora, d[i]sabado, d[i]sastre,

d[i]vagar, d[i]mais, d[i]baixo. Sendo assim, outros contextos linguísticos devem ser

acionados para verificar o que de fato pode sistematizar essas ocorrências. Por ora, serão

observados os contextos consonatais circunvizinhos da vogal em pauta.

Page 104: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Para o alteamento, Pereira (1997) aponta as alveolares (sibilantes) e as palatais

subseqüentes como condicionadoras da aplicação de [i]. Yacovenco (1993) aponta as

velares favorecendo a aplicação do alteamento das médias pretônicas no Rio de Janeiro.

Com relação ao contexto subseqüente, os resultados para o alteamento podem ser

vistos na Tabela 18:

Page 105: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tabela 18: Contexto fonológico subseqüente (realização de [i])Contexto fonológico subseqüente Ocorr./ Total % P. R.

Palatais 55/161 32 .68Velares 103/370 26 .67

Alveolares 189/307 18 .47Labiais 37/327 11 .31

Os resultados confirmam o que já foi encontrado em João Pessoa (PEREIRA,

1997) e no Rio de Janeiro (YACOVENCO, 1993). O alteamento diante de consoante

palatal adjacente é perfeitamente explicado pela geometria dos traços de Clements &

Hume (1995), em que há um espraiamento do nó terminal de abertura dominado pelo nó

vocálico da consoante palatal, interpretada como uma consoante com articulação

secundária, regra, assim, idêntica à da tradicional harmonia vocálica (cf. BISOL, 1989;

VAN DER HULST & VAN DER WEIJER, 1995). Como em m[i]lhor(es). Os exemplos

de alteamento de /e/ diante de velar foram apenas em casos como: p[i]quena, n[i]gociar,

n[i]gociante, n[i]gociava.

Quanto ao contexto consonantal precedente, segundo Pereira (1997), os contextos

fonológicos precedentes que não foram favoráveis ao alteamento da pretônica não-recuada,

em João Pessoa, foram os de vibrantes e de palatais. Todas as outras favorecem a aplicação

do processo, embora as velares sejam as mais atuantes. Segundo Yacovenco (1993), no Rio

de Janeiro, o contexto precedente que mais favorece a aplicação de [i] são as consoantes

velares.

Na fala dos migrantes pessoenses, as consoantes alveolares e velares se mostram

como as mais favoráveis à aplicação de alteamento, pois foram as que obtiveram um índice

probabilístico acima do ponto neutro. Os resultados podem ser observados na Tabela 19 a

seguir:

Tabela 19: Contexto fonológico precedente (realização de [i])

Contexto fonológico precedente Ocorr./ Total % PRAlveolares 215/814 26 .61

Page 106: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Velares 42/230 18 .50Labiais 109/672 16 .45Palatais 18/230 8 .29

As consoantes alveolares precendentes são as que mais favorecem a aplicação do

alteamento de /e/, como se pode ver nos exemplos já mencionados (fut[i]bol, prat[i]leira,

c[i]bola, s[i]nhora, adol[i]scência, d[i]sabado, d[i]sastre, d[i]vagar, d[i]mais, d[i]baixo,

d[i]sespero, d[i]sesti, d[i]primido). Exemplos de consoantes velares favorecendo o

alteamento de /i/ podem ser vistos em: r[i]cebi, r[i]petia.

Quanto à possibilidade de variação ternária da mesma palavra, segundo Pereira

(1997), os maiores favorecedores da realização da não-recuada nos três níveis

(abaixamento, manutenção e alteamento) são as vogais altas na sílaba subseqüente (f[e/

/i]liz, r[e//i]curso). Silva (1989) constatou que o mesmo fenômeno ocorre no dialeto de

Salvador.

É importante levar em consideração as ocorrências dos seguintes vocábulos:

acont[i]cer, amadur[i]cer, apar[i]cer, conh[i]cer, esqu[i]cer, fal[i]ceram. Todos eles são

verbos da segunda conjugação, com mais de um núcleo vocálico no radical e com uma

vogal média pretônica imediata à vogal temática -e-, que é tônica. Nesse ambiente, tal

vogal média pretônica pode sofrer o processo de alteamento. Quando a esse radical é

acrescido uma desinência de gerúndio (-endo), há a possibilidade de aplicação das três

possibilidades de realização da vogal média pretônica (acont[e//i]cendo, amadur[e/

/i]cendo, apar[e//i]cendo, conh[e//i]cendo, esqu[e//i]cendo, fal[e//i]cendo). É

importante, também, perceber a presença da sibilante alveolar como a última consoante do

radical verbal.

Além de verbos no gerúndio, cuja vogal tônica é produzida com um som nasal, os

substantivos e adjetivos que são formados com sufixos com a vogal tônica [ẽ] também

Page 107: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

apresentam possibilidade ternária de realização da pretônica, como se pode ver em:

adol[E/e/i]scência, int[E/e/i]gência, adol[/e/i]cente, int[E/e/i]gente. A palavra

s[E/e/i]mente, que não tem sufixo em sua formação, é uma extensão desse quadro.

Tendo em vista o que foi apresentado, o alteamento é condicionado,

principalmente, pela ocorrência de vogais altas na sílaba subseqüente. O alteamento da

pretônica /e/ além desse contexto é motivado pela consoante subseqüente e/ou precedente.

Afora esses fatores fonológicos, a presença de determinados sufixos determinam a

possibilidade de outro tipo de realização, como o abaixamento, que é um processo

incompatível com o alteamento, mas alguns elementos morfológicos permitem que eles co-

ocorram.

Análise das variáveis sociais

O grupo de fatores “tempo de residência no Rio de Janeiro” não foi selecionado

como um dos condicionadores do processo de alteamento de /e/. Esse processo não

destigue os dialetos carioca e paraibano, por isso, a quantidade de tempo que o informante

fica exposto ao contato não determina o aumento ou a diminuição de seus percentuais.

A acomodação do migrante paraibano ao dialeto carioca não é verificada com

base no alteamento de /e/. Os indícios de convergência dialetal é o aumento da manutenção

de /e/ em detrimento do declínio da produção de abaixamento, não de alteamento. A

diminuição do percentual de alteamento é uma estratégia do falante para fazer aumentar os

percentuais de manutenção, que é típico do dialeto carioca, sem perder a sua identidade,

caracterizada pelo abaixamento de /e/. Sendo assim, outros fatores sociais podem descrever

o comportamento desse processo.

Page 108: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Quanto à aplicação de [i], as variáveis sociais selecionadas foram ‘Anos de

escolarização’ e a ‘Faixa etária’ do informante. Pela tabela abaixo, pode-se ter uma idéia

geral de como os informantes se comportam conforme o seu grau de instrução.

Tabela 20: Anos de escolarização (realização de [i])Anos de Escolarização Ocorr. / total % PR

0 a 4 anos 200 / 745 27 .655 a 8 anos 47 / 366 13 .399 a 11 anos 69 / 416 17 .41

+ de 11 anos 68 / 419 16 .42

O gráfico a seguir ilustra bem os resultados probabilísticos obtidos e permite uma

melhor visualização do processo na fala dos migrantes paraibanos.

Gráfico 3: Aplicação de [i] pelos anos de escolarização (com base nos pesos relativos)

65

39 42 41

0

20

40

60

80

0 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos mais de 11 anos

Anos de Escolarização

Pelo gráfico, pode-se visualizar que a produção da variante [i] é típica de

informantes com o mais baixo nível escolar observado, mas vai perdendo seu poder de

aplicação à medida que os informantes aumentam seu grau de instrução. Verifica-se que, já

na segunda fase do ensino fundamental, o valor de aplicação da variante já é abaixo do

ponto neutro, que é .50. A variante [], por sua vez, só vai perdendo as forças quando o

informante passa para o ensino médio.

Page 109: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Em João Pessoa, Pereira (1997) constatou que, ao mesmo tempo em que

favorecem mais as variantes [e] e [o], os universitários são os que apresentam os índices

mais baixos para a elevação das médias. Assim, são os falantes com menos anos de

escolarização os que apresentam os maiores índices desse processo, como acontece com os

migrantes.

Sobre o grupo de fatores ‘Faixa etária’ do informante, Callou et al (1995, p.68)

afirmam que

Embora as variáveis sociais não se tenham mostrado significativas, o uso nas faixas etárias e em homens e mulheres assinala uma curva descendente: homens e velhos usando mais a regra e jovens e mulheres menos. Portanto, não há qualquer indício de progressão da regra, mas antes de possível perda de produtividade.

Os valores probabilísticos demonstram que, nas duas primeiras faixas observadas, o

comportamento lingüístico do migrante continua o mesmo. Só há alteração entre os mais

velhos, que são aqueles que mais produzem a realização alta da pretônica não-recuada,

corroborando, portanto, o trabalho de Yacovenco (1993), de Callou et al (1995) e de

Pereira (1997). Dentro de uma visão geral, o comportamento dos grupos sociais de

migrantes não é diferente daquele dos paraibanos que não são migrantes. Os resultados

obtidos para esse grupo de fatores podem ser vistos na tabela a seguir.

Tabela 21: Faixa etária (realização de [i])

Faixa etária Ocorr. / total % PR

15 a 25 anos 138 / 812 17 .48

26 a 49 anos 166 / 871 19 .48

50 ou mais anos 80 / 263 30 .62

Page 110: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Nos trabalhos realizados no Rio Grande do Sul, a variável ‘Faixa etária’ teve

pequeno efeito na aplicação da regra de elevação. Bisol (1981, p. 86) observou que os mais

jovens tendem a elevar menos as vogais /e/ e /o/ pretônicas, o que implicaria, segundo a

autora, que a alteração dessas vogais, no dialeto gaúcho, fosse uma regra em vias de um

processo de regressão.

O comportamento dos informantes de 15 a 49 anos, com relação ao alteamento de

/e/, é o mesmo e que os informantes com 50 anos ou mais apresentam uma maior

probabilidade de aplicação de alteamento de /e/. Não significa, porém, que esse processo

está em vias de regressão. Neste caso, os informantes mais velhos, que migraram em outra

época, sob pressões sociais diferentes das que hoje são exercidas no processo de

(e)migração apresentam essa característica na sua produção oral.

O comportamento lingüístico dos informantes que chegaram ao Rio de Janeiro

entre 1993/94 e 2003/04 (0 – 4 anos e 5 – 10 anos), portanto, é diferente do

comportamento dos informantes que chegaram em anos anteriores. Conforme os dados, os

primeiros têm uma necessidade maior de acomodação do que estes. Talvez devido ao fato

de o mercado de trabalho nos anos mais recentes ser mais exigente quanto à aparência,

postura, linguagem, escolarização das pessoas para qualquer tipo de trabalho, do que em

outras épocas, exigindo, portanto, maior acomodação do informante ao dialeto carioca.

“Naquela época era mais fácil. Podia trabalhar sem documento, até com dezessete anos. Sem precisar nem de reservista. Hoje em dia, está mais complicado. Só trabalha mais através de concurso, essas coisas. (...) Eu cheguei (...) fui logo arrumando emprego. Agora, têm muitos que não conseguem. Não têm estudo, não têm conhecimento. Porque hoje em dia é através do conhecimento.”

(Depoimento de um informante com mais de 10 anos de residência no Rio de Janeiro. Ex-agricultor. Atualmente trabalha como porteiro e tem de 0 a 4 anos de escolarização)

Page 111: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

No caso das médias pretônicas não-recuadas, os informantes mais jovens são os

que os que mais facilmente se adaptam a dinâmica lingüística carioca, pois são os que

produzem as mais baixas probabilidades de abaixamento e de alteamento.

4.2.2 A pretônica recuada:

4.2.2.1 Realização de []

Para a verificação da regra de abaixamento ([]) nesta pesquisa, foram colhidos

418 dados. O input geral da rodada com valor de aplicação foi igual a .34. Os fatores

selecionados como favoráveis à aplicação de [] foram:

a) Vogal da sílaba subseqüente;

b) Contexto fonológico subseqüente;

c) Tempo de residência no Rio de Janeiro;

d) Faixa etária;

e) Anos de escolarização;

f) Contexto fonológico precedente.

Análise das variáveis lingüísticas:

Para a aplicação de [], no falar culto carioca, segundo Yacovenco (1993, p.98),

nota-se que as vogais baixas subseqüentes são as que mais atuam sobre as pretônicas orais

posteriores, caracterizando uma regra de harmonia vocálica. Já em João Pessoa, segundo

Pereira (1997), o abaixamento de [] ocorre diante de vogal de mesma altura, de médias e

Page 112: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

baixa nasais, além de ocorrerem casos significativos da aplicação da regra também diante

de [u] na sílaba subseqüente.

Os resultados obtidos pela análise da fala dos migrantes paraibanos podem ser

observados na tabela a seguir:

Tabela 22: Contexto vocálico subseqüente (realização de [])Vogais

subseqüentes Ocorrências % Peso relativo TOTAL

[] 55 56 .97 98[ẽ] 57 68 .96 84[a] 189 72 .88 263[ã] 19 56 .83 34[u] 28 58 .53 48[õ] 22 61 .45 36[i] 26 8 .20 346

Ditongo 4 6 .17 62[e] 12 5 .08 250

A aplicação da variante [] é condicionada pelas vogais da sílaba subseqüente,

principalmente se essa vogal for sua homorgânica, pois em 100% dos casos isso ocorre.

Por outro lado, as vogais altas nasais [ĩ] e [ũ], as médias [e] e [o] e os ditongos orais não se

mostraram favoráveis à aplicação da regra de abaixamento na fala dos migrantes

paraibanos. Exemplos de abaixamento diante de vogais baixas podem ser: c[]loca, c[]

locam, c[]loco.

No que se refere ao /u/ subseqüente, nasal ou oral, essa vogal não aparece mais

como favorável ao abaixamento de /e/, como era em João Pessoa (PEREIRA, 1997),

embora ocorra em alguns casos, ao passo que favorece ao abaixamento de /o/, como

também já havia sido detectado por Pereira (op. cit.).

Page 113: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Quanto ao contexto fonológico subseqüente, Pereira (1997) encontrou que, para o

abaixamento de /o/, as sibilantes se apresentam como o contexto mais favorável. Já no Rio

de Janeiro, segundo Yacovenco (1993), o abaixamento de /o/ é condicionado pelas

vibrantes. Na fala dos migrantes paraibanos, os resultados podem ser vistos na Tabela 21:

Tabela 23: Contexto fonológico subseqüente (realização de [�])Contexto fonológico subseqüente Ocorr./ Total % PR

Velares 44/73 60 .68Alveolares 266/584 46 .68

Labiais 102/486 21 .36Palatais 6/109 6 .10

O abaixamento da médias pretônica /o/ é condicionado pela consoantes velares e

alveolares na sílaba subseqüente, como pode ser visto na tabela 23, exemplos que ilustrem

essa informação podem ser: d[]cumento, c[]rrupção; ev[]luíndo, s[]lução, c[]ração.

No que diz respeito ao contexto fonológico precedente à vogal observada,

Segundo Yacovenco (1993), as vibrantes são as consoantes que influenciam de modo

destacado o abaixamento da posterior oral. Os resultados obtidos pela amostra dos

migrantes pessoenses podem ser observados na Tabela 24, a seguir:

Tabela 24: Contexto fonológico precedente (realização de [�])Contexto fonológico precedente Ocorr./ Total % PR

Palatais 36/64 56 .58Alveolares 115/290 40 .57

Labiais 167/404 41 .56Velares 100/494 20 .40

Para o abaixamento de /o/, as velares são as únicas não favoráveis, embora os

outros valores não sejam significativos, o que demonstra a pouca força de

Page 114: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

condicionamento das consoantes precedentes para a regra de abaixamento de /o/. Exemplos

da aplicação de abaixamento podem ser encontrados em: p[]pular, p[]pulação, p[]

pularidade, v[]mitar, s[]breviver, s[]frimento, ch[]colate.

Análise das variáveis sociais

Com relação ao grupo de fatores ‘Tempo de residência no Rio de Janeiro’, os

resultados indicam que os informantes da fase de um a cinco anos no Rio de Janeiro são os

que mais aplicam a variante [], mas os valores da aplicação vão diminuindo conforme vai

aumentando o número de anos de contato com os cariocas. Como se pode ver na tabela …

Tabela 25: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realizações de [])

Tempo de Residência no Rio de Janeiro Ocorr. / Total % PR

1 a 4 anos 131 / 308 43 .745 a 10 anos 190 / 619 31 .50

Mais de 10 anos 97 / 325 30 .28

Os gráficos a seguir ilustram os resultados encontrados para o abaixamento de /e/

e de /o/.

Gráfico 4: Tempo de residência no Rio de Janeiro

(realização de [])

41 35

78

0

20

4060

80

100

0 a 4 anos deres idência

5 a 10 anos deres idência

+ de 10 anos deres idência

Anos de residência no Rio de Janeiro

Page 115: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Gráfico 5: Tempo de moradia no Rio de Janeiro (realização de [])

50

28

74

0

20

406080

100

0 a 4 anos deres idência

5 a 10 anos deres idência

+ de 10 anos deres idência

Anos de residência no Rio de Janeiro

Como se pode ver, a vogal não-recuada é mais sensível ao tempo, pois suas

probabilidades de ocorrência só são superiores ao ponto neutro (.50) nos cinco primeiros

anos de contato. Já para a vogal recuada, a diminuição da probabilidade de aplicação de

abaixamento só ocorre depois dos dez anos.

Com relação à ‘Faixa etária’, em João Pessoa, Pereira (1997) observa o seguinte:

Os informantes que compreendem a faixa etária de 26 a 49 anos são os que mais fecham [mantêm] as vogais, mas quando atingem uma idade mais avançada (49 em diante) apresentam uma queda na aplicação da regra. Isso se justificaria, em parte, por se tratar da faixa etária que menos sofre as influências do mercado ocupacional. Sankoff, Kemp & Cedergren (1978) constataram a relevância do mercado lingüístico para o uso da forma padrão: falantes com maior cotação nesse mercado tendem a empregar mais freqüentemente a variante padrão do que a variante de menos prestígio.

No Rio de Janeiro, segundo Yacovenco (1993), para todas as idades, a

manutenção é a maior tendência e são os jovens os que apresentam maior percentual de

uso. Tanto o alteamento quanto o abaixamento da pretônica recuada ocorrem em

informantes mais velhos. O abaixamento apresenta índices mais baixos entre os

Page 116: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

informantes da faixa etária intermediária. Os resultados da aplicação de abaixamento pelos

migrantes paraibanos podem ser vistos na tabela a seguir.

Tabela 26: Faixa etária (realização de [])Faixa etária Ocorr. / Total % PR15 a 25 anos 161 / 485 33 .3026 a 49 anos 208 / 605 34 .62

50 anos ou mais 49 / 162 30 .67

Com base nos gráficos a seguir, pode-se estabelecer um paralelo entre a vogal

não-recuada e a vogal recuada no que diz respeito à faixa etária dos migrantes.

Gráfico 6: Faixa etária (realização de [])

63

28

67

0

20

40

60

80

15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos em diante

[é]

Gráfico 7: Faixa etária (realização de [])

67

30

62

0

20

40

60

80

15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos em diante

[ó]

Page 117: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

A observação desses gráficos permitem concluir que são os mais novos que são os

mais suscetíveis ao processo de acomodação. Para a vogal recuada, os mais velhos aplicam

mais [] do que os da faixa intermediária. O contrário ocorre para a não-recuada, mas,

ainda assim, ambas as faixas etária, para as duas vogais, possuem comportamento muito

semelhante.

Com base no cruzamento dos grupos de fatores ‘Tempo de residência no Rio de

Janeiro’ e ‘Faixa etária’ do informante, pode-se entender melhor os resultados expostos no

na tabela 27.

Tabela 27: Cruzamento entre ‘Faixa etária’ e ‘Tempo de residência no Rio de Janeiro’(realizações de [])

[]1 a 4

anos de residência5 a 10

anos de residênciaMais de 10 anos de

residência

15 a 25 anos 103/249 41% .59

28/59 47% .65 -

26 a 49 anos 58/236 25% .40

132/383 34% .52 -

50 ou mais anos - 48/163 29% .46

49/162 30% .47

Observando a tabela no eixo horizontal, percebe-se que são os informantes mais

jovens os que mais aplicam a variante aberta ([]) e, sob o ponto de vista vertical, seus

índices probabilísticos caem à medida que vão ficando mais velhos.

No que diz respeito aos anos de escolarização, o abaixamento de [] ocorre mais

entre os informantes do ensino fundamental, como se pode ver na tabela 28 a seguir.

Tabela 28: Anos de escolarização (realização de [])Anos de escolarização Ocorr. / Total % PR

0 a 4 anos 184 / 497 37 .545 a 8 anos 67 / 219 31 .659 a 11 anos 80 / 259 31 .46

Mais de 11 anos 87 / 277 31 .35

Page 118: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Comparando esses resultados, com base nos gráficos a seguir, com os obtidos pela

vogal não-recuada, pode-se visualizar como os migrantes se comportam com base no

processo de abaixamento da média pretônica.

Gráfico 8: Aplicação de [] segundo os anos de escolarização

72

23

4159

0

20

40

60

80

0 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos + de 11 anos

Anos de escolarização

Gráfico 9: Aplicação de [] segundo os anos de escolarização

65

354654

0

20

40

60

80

0 a 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos + de 11 anos

Anos de escolarização

O comportamento do informante com relação aos anos de escolarização é

semelhante para ambas as vogais. As duas primeiras fases são as que mais produzem o

abaixamento, sendo que a segunda apresenta maiores probabilidades de aplicação.

Segundo Oliveira e Silva (1996, p.346-7),

fenômenos não tão precocemente enfatizados na escola são de aquisição mais tardia [como esse, por exemplo]. (...) Nesses fenômenos, as probabilidades de uso dos falantes de ginásio [5 a 8 anos de escolarização] são iguais ou mais

Page 119: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

próximas das probabilidades do primário [1 a 4 anos] do que das do 2º grau [9 a 11 anos]. O maior contato com a língua literária, incentivado pela escola no fim do ginásio, contato esse que aumenta no 2º grau, deve concorrer para tal incremento.

Os informantes das duas últimas fases escolares observadas aplicam menos [] do

que [], e nas duas primeiras ocorre o contrário, o que faz crer que o abaixamento de /e/ é

mais estigmatizado do que o de /o/.

4.2.2.2 Realização de [u]

Para a verificação da regra de alteamento da variável /o/, foram colhidos 448

dados. O input geral da rodada para a variante [u] foi igual a .36. Os grupos selecionados

como favoráveis a aplicação de [u] foram:

a) Vogal da sílaba subseqüente;

b) Contexto fonológico subseqüente;

c) Tonicidade da sílaba subseqüente;

d) Contexto fonológico precedente;

e) Faixa etária;

f) Tempo de residência no Rio de Janeiro.

Análise das variáveis lingüísticas

Para o alteamento de /o/, segundo Yacovenco (1993), a vogal alta não-

homorgânica, ou seja, a alta anterior, é a que mais age sobre a vogal posterior. Os

resultados que foram produzidos pela fala dos migrantes podem ser vistos na tabela abaixo:

Tabela 29: Contexto vocálico subseqüente (realização de [u])Vogal Ocorrências % Peso relativo TOTAL

Page 120: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

subseqüente[ĩ] 23 92 .97 25[i] 244 71 .82 346[e] 98 39 .66 250[ã] 8 24 .42 34

Ditongo 15 24 .30 62[a] 36 14 .30 263[] 14 14 .19 98[u] 1 2 .04 48

Para a aplicação de [u], a vogal alta não-homorgânica ([i]) é a que mais age sobre

a oral posterior. Isso se deve, segundo a autora, ao fato de a vogal /i/ apresentar F1 de 300

Hz, sendo, então, o segmento mais alto da língua. A vogal média apresenta um índice

superior ao da alta homorgânica – 35% contra 24% – para o alteamento, corroborando,

portanto, os resultados encontrados em Pereira (1997) e Yacovenco (1993).

Bisol (1981) já registrara que a alta não-homorgânica /u/ tem influência menor na

elevação das médias e encontra critérios articulatórios para inferir que a alta não-recuada

influencia de maneira mais efusiva os segmentos pretônicos do que a alta recuada. Afirma

que a vogal não-recuada é mais alta do que a recuada por possuir um espaço na cavidade

bucal destinado à sua emissão maior do que o desta. Por causa disso, é natural que a

recuada não exerça força atrativa sobre /e/, pois convertê-la em /i/ seria provocar uma

aticulação mais alta que a própria.

Leite et al (2002), com base nos estudo feitos por Moraes et al (1996) sobre os

sistemas vocálicos do português do Brasil, afirma que [i] e [u] apresentam praticamente os

mesmos valores para o primeiro formante (F1): [i] = 353Hz e [u] = 358Hz, uma diferença,

portanto, não significativa. Esse fato prejudica a argumentação de Bisol. Ainda segundo

Leite et al (2002), o alteamento de /e/, no Rio de Janeiro, é condicionado, quase que

indistintamente, por /i/ (.76) e por /u/ (.71). Já para o alteamento de /o/, o comportamento

Page 121: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

não é o mesmo, pois o /i/ tem uma maior força assimilatória (.73) do que o /u/ (.44), sendo,

portanto, segundo os autores, mais fácil elevar s[u]vina do que c[u]luna.

Como se pode ver pela Tabela 29, as vogais posteriores não favorecem ao

alteamento de /o/. Algumas foram eliminadas ([o], [] e [ũ]), por apresentarem

comportamento categórico (não permitirem o alteamento), e a vogal [u] não conseguiu

atingir índices favoráveis à aplicação do processo (.04). As vogais anteriores, exceto a

aberta ([]), propiciam o alteamento do /o/, principalmente a alta, nasal ou não. Segundo

Guy & Bisol (1991, p.130), “a vogal subseqüente /i/ mostra-se efetivamente mais forte que

a vogal posterior /u/, pois /i/ levanta prodigamente vogais frontais e posteriores, enquanto

/u/ tende a restringir sua ação à vogal posterior”. Vê-se, portanto, que a homorganicidade é

um fator irrelevante para explicar o alteamento da média recuada, não só na fala dos

migrantes paraibanos.

No que se refere à tonicidade da vogal subseqüente, para [u], o contexto

subseqüente tônico (.58) condiciona o alteamento de /o/ e já o átono não exerce influência

(.32). Pelo cruzamento dos grupos ‘Tonicidade da vogal subseqüente’ e ‘Vogal da sílaba

subseqüente’, cujos resultados estão expostos na Tabela 30, pode-se ter uma melhor visão

do comportamento de [u] na fala dos migrantes paraibanos:

Tabela 30: ‘Vogal da sílaba subseqüente’ e ‘tonicidade da vogal subseqüente’ (realização de [u])Vogal da sílaba

subseqüenteVogal subseqüente tônica Vogal subseqüente átonaOcorr./total % PR Ocorr./total % PR

Vogais altas 246/296 83 .91 22/124 18 .38Vogais médias 55/160 34 .45 58/188 31 .63

Baixas + médias nasais 63/425 15 .19 4/59 7 .18

Pela Tabela 30, pode-se ver que os únicos contextos que codicionam a aplicação

de [u], no que se refere às vogais da sílaba subseqüente, são as altas anteriores tônicas,

orais e nasais, e as médias orais, quando átonas. Ou seja, poucos são os contextos vocálicos

Page 122: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

que condicionam a sua ocorrência, o que faz com que essa variante fique exposta à ação de

outros contextos sociolingüísticos.

Quanto ao contexto fonológico subseqüente, os resultados obtidos da fala dos

migrantes paraibanos podem ser vistos na Tabela 31, a seguir:

Tabela 31: Contexto fonológico subseqüente (realização de [u])Contexto fonológico subseqüente Ocorr./ Total % PR

Labiais 233/486 48 .68Velares 18/73 25 .65

Alveolares 166/584 28 .50Palatais 31/109 28 .49

Pela tabela, nota-se que todas as consoantes, exceto as palatais, favorecem a

aplicação de [u], principalmente as labiais e as velares. Os vocábulos com consoante

palatal subseqüente que sofreram alteamento da média pretônica foram: odontol[u]gia,

esc[u]lh (–er, -endo), conh[i]c (-er, -ido, -endo, -(i)mento, -i).

As ocorrências de consoantas velares subseqüentes à vogal pretônica observada

resumem-se a: f[u]gueira, f[u]gão, b[u]cado. As com consoante alveolares foram:

n[u]tícia, r[u]tina, in[u]c (-ente, -ência), s[u]ssegadas, neg[u]c (-iante, iava, -ia). Como

se pode notar, o contexto vocálico subseqüente não sistematiza as realizações de

alteamento de /u/, pois não apenas as vogais altas podem elevar as pretônicas. As

consoantes velares favorecem o alteamento das médias pretônicas no contexto

subseqüente. Além das velares, as labiais favorecem o alteamento de /o/, como em:

carb[u]reto, disp[u]sição, ap[u]sentou, b[u]nito, m[u]tivo, n[u]tícia, r[u]tina, b[u]t (-ar,

-ava, -ou, -ei), p[u]ssível, in[u]c (-ente, -ência), alm[u]çando, s[u]ssegadas, neg[u]c

(-iante, iava, -ia).

No que diz respeito ao contexto fonológico precedente, os resultados foram os

apresentados na tabela a seguir.

Page 123: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tabela 32: Contexto fonológico precedente (realização de [u])Contexto fonológico precedente Ocorr./ Total % PR

Labiais 150/404 37 .62Velares 206/494 42 .58

Alveolares 86/290 30 .31Palatais 6/64 9 .18

Pela Tabela 32, pode-se ver que as velares favorecem a aplicação do alteamento

das médias pretônicas, como foi encontrado por Yacovenco (1993). Além desse fator, o

alteamento de /o/ é condicionado pelas consoantes labiais, como foi encontrado por Pereira

(1997) e Yacovenco (1993).

Recorrendo ao arquivo de dados, percebe-se que há exemplos que podem atingir a

pretônica de três possibilidades, como pode ser visto em s[�/o/u]rridente, s[�/o/u]frimento,

neg[�/o/u]ciante, in[�/o/u]cente; Nesses exemplos, há a presença dos prefixos -a/ente/o,

que favorecem a possibilidade de variação ternária, como já foi visto para as não-recuadas.

Em b[�/o/u]tar, t[�/o/u]mava, m[�/o/u]dificar, v[�/o/u]mitar há a presença de palavras que

têm na sílaba tônica uma vogal baixa e vogal temática de verbos da primeira conjugação. A

palavra t[�/o/u]mate é uma extensão da regra.

Análises das variáveis sociais

Para o grupo de fatores ‘Tempo de residência no Rio de Janeiro’, com relação ao

alteamento de /o/, os resultados indicam que são os informantes que estão há mais tempo

no Rio de Janeiro os que mais produzem a variante [u]. Essa variante, porém, não obteve

números favoráveis para as outras duas primeiras fases e nem aumento significativo de

uma fase para outra, o que indica que essa é uma variante típica das pessoas que chegaram

aqui em outra década, sujeita também à variável idade, que pesa sobre esses resultados.

Através da tabela a seguir, pode-se ter uma visão panorâmica dos resultados.

Page 124: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tabela 33: Tempo de residência no Rio de Janeiro (realização de [u])

Tempo de residência no Rio de Janeiro Ocorr. / Total % PR

1 a 4 anos 85 / 308 28 .405 a 10 anos 222 / 619 36 .48

Mais de 10 anos 141 / 325 43 .64

Gráfico 10: Tempo de residência no Rio de Janeiro(realização de [u])

50

28

74

0

20

40

60

80

0 a 4 anos deres idência

5 a 10 anos deres idência

+ de 10 anos deres idência

Anos de residência no Rio de Janeiro

O Gráfico 10 indica que a regra de abaixamento vai diminuindo à medida que o

informante aumenta os seus anos de residência no Rio de Janeiro, pois seus índices vão

paulatinamente diminuindo com o passar do tempo. O aumento do tempo de moradia é

diretamente proporcional à aplicação da regra de alteamento, embora na primeira década

os informantes se comportem de forma semelhante. Com relação à ‘Faixa etária’, em João

Pessoa, Pereira (1997) observa o seguinte:

Os informantes que compreendem a faixa etária de 26 a 49 anos são os que mais fecham [mantêm] as vogais, mas quando atingem uma idade mais avançada (49 em diante) apresentam uma queda na aplicação da regra. Isso se justificaria, em parte, por se tratar da faixa etária que menos sofre as influências do mercado ocupacional. Sankoff, Kemp & Cedergren (1978) constataram a relevância do mercado lingüístico para o uso da forma padrão: falantes com maior cotação nesse mercado tendem a empregar mais freqüentemente a variante padrão do que a variante de menos prestígio.

Page 125: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Ainda segundo Pereira (1997), os informantes mais velhos são os que mais

aplicam a variante alta ([u]). O abaixamento é uniforme entre as faixas etárias. No Rio de

Janeiro, segundo Yacovenco (1993), para todas as idades, a manutenção é a maior

tendência e são os jovens os que apresentam maior percentual de uso. Tanto o alteamento

quanto o abaixamento da pretônica recuada ocorrem em informantes mais velhos. Os

índices percentuais da regra de alteamento na fala culta do carioca elevam-se à mesma

medida que aumenta a faixa etária. O abaixamento apresenta índices mais baixos entre os

informantes da faixa etária intermediária. Os resultados podem ser vistos no Gráfico 11, a

seguir:

Gráfico 11: Faixas etárias (realização de [i])

6248

48

0

20

40

60

80

15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos ou mais

[i]

Gráfico 12: Faixa etária (realização de [u])

36

4657

0

20

40

60

80

15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos em diante

[u]

O que se pode verificar pelos gráficos é que o alto índice de aplicação da

realização [i] é causada pela produção oral dos informantes mais velhos. Os informantes

que têm de um a dez anos de residência no Rio de Janeiro possuem um comportamento

Page 126: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

semelhante. Para a aplicação de [u], não são os mais velhos que mais produzem o

alteamento de /o/ e sim os informantes de 26 a 49 anos de idade.

Com base no cruzamento dos grupos de fatores ‘Tempo de residência no Rio de

Janeiro’ e ‘Faixa etária’ do informante, pode-se entender melhor os resultados expostos no

Gráfico 10, gerado a partir da Tabela 24:

Tabela 34: Cruzamento entre ‘Faixa etária’ e ‘Tempo de residência no Rio de Janeiro’(realizações de [u])

[u]1 a 4

anos de residência5 a 10

anos de residênciaMais de 10 anos de

residência

15 a 25 anos 80/249 32% .47

5/59 8% .15 -

26 a 49 anos 78/236 33% .48

144/383 38% .53 -

50 ou mais anos - 88/163 54% .69

53/162 33% .48

Observando a tabela 33, pode-se perceber que os informantes que tem de um a

quatro anos de residência no Rio de Janeiro são indiferentes com relação ao grupo de

fatores idade. Dentre os informantes que têm de cinco a dez anos de residência no Rio de

Janeiro aplicam mais o alteamento de /u/ quando são mais velhos, fazendo, assim, um

movimento inverso ao da aplicação da regra de abaixamento da pretônica recuada.

Pode-se diagramar o movimento dessas variantes na fala dos migrantes paraibanos

da seguinte forma:

[e/o]

Page 127: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Setas tracejadas = movimento restritoSetas contínuas = movimento pleno

[E/�] [i/u]

O diagrama pode ser

interpretado da seguinte forma: todos

os ambientes atingidos pelo

abaixamento e pelo alteamento da média pretônica não-recuada podem ser ocupados pela

variante [e], mas o movimento contrário é restrito a alguns contextos. As palvras b[e]leza,

bilh[e]teiro, c[e]noura, com[e]cei, d[e]sejo, dir[e]tor, torc[e]dor, end[e]reço não

autorizam a aplicação de [E] ou [i], demonstrando, pois, que o processo de neutralização,

como também já foi mencionado, atinge um baixo percentual. Em todos esses contextos há

uma vogal média ou um ditongo oral.

Em João Pessoa (PEREIRA, 1997), o movimento de [e] ↔ [i] é possível só diante

de vogais altas na sílaba subseqüente, ao passo que, na fala dos migrantes, as vogais

médias também facilitam o movimento recíproco (ex.: amadur[i]cer, m[i]lhorou, p[i]ssoa,

c[i]bola, p[i]quena), embora a livre passagem de [i] → [e] seja bloqueada por alguns

contextos, como foi exemplificado acima.

O que se pode perceber, então, é que o contexto vocálico subseqüente, para a

vogal recuada, não está delimitando o seu espaço de ocorrência, o que é mais visível

quando se trata da vogal não-recuada, fato já detectado em outros trabalhos sobre as

pretônicas. Callou et al (1995), sobre o falar culto carioca, e Viegas (1987), sobre a fala de

Belo Horizonte, concordam com a idéia de que a harmonização vocálica, como proposta

por Bisol (1981), aplica-se mais ao /e/; sobre o /o/, atuam mais as consoantes adjacentes.

Page 128: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Viu-se, pelos exemplos expostos, que a ação das consoantes também é restrita a

consoantes palatais (alteamento), vibrantes (abaixamento) e labiais subseqüentes

(alteamento de /o/).

O espraiamento dos traços de [E] e de [e] deu-se em direção aos ambientes

próprios ao alteamento, o que faz com que o processo de harmonia vocálica perca sua força

e propicie a diminuição da aplicação da variante alta em contextos específicos ao processo

(ver Gráfico 1), o que faz com que o alteamento seja mais suscetível a outros

condicionamentos sociolingüísticos.

Quanto às pretônicas recuadas, também, todos os ambientes que são atingidos

pelo abaixamento e pelo alteamento da média pretônica recuada podem ser ocupados pela

variante [o]. O movimento de [E] ↔ [i] é restrito, pois depende do contexto fonológico

precedente, do contexto consonantal adjacente palatal e de ambientes morfológicos. O

movimento de [�] ↔ [u] é muito menos restrito e não é determinado pelo contexto

vocálico subseqüente e pela consoante labial adjacente, no caso do alteamento.

Vê-se, portanto, que é isso que ocorre nos dados dos migrantes paraibanos. A

variação existente no ambiente pretônico, que antes poderia ser sistematizada com base no

princípio da harmonia vocálica e em condicionamentos consonantais adjacentes, no dialeto

do paraibano migrante, aciona, às vezes, outros contextos, além dos fonológicos, para dar

conta da variação existente.

Comportamento individual dos informantes

A observação individualizada do migrante apresenta uma distribuição que pode

ser vista na tabela e no gráfico de dispersão a seguir, que descreve o comportamento do

migrante com relação à aplicação de abaixamento ([] e []) e de alteamento ([i] e [u]).

Page 129: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tabela 35: Comportamento individual (realização de /e/)

InformanteAbaixamento de /e/ Alteamento de /e/

Ocorr. / Total % Ocorr. / Total %

AQS 98 / 153 64 31 / 153 20

LMS 42 / 92 46 31 / 92 34

TJS 41 / 74 55 13 / 74 18

JV 64 / 124 52 11 / 124 9

JR 45 / 113 40 7 / 113 6

MPS 34 / 95 36 9 / 95 9

SZ 24 /84 29 18 / 84 21

GVO 18 / 117 15 14 / 117 12

SS 45 / 101 45 26 / 101 26

JES 39 / 71 55 13 / 71 18

FTS 48 / 117 41 21 / 117 18

PAG 20 / 89 22 18 / 89 20

AMA 17 / 96 18 14 / 96 15

FRG 21 / 45 47 5 / 45 11

AGF 43 / 79 54 16 / 79 2

0

IM 36 / 75 48 21 / 75 28

VB 22 / 74 30 21 / 74 28

FAM 30 / 100 30 41 / 100 41

JLS 29 / 84 35 15 / 84 18

STS 32 / 98 33 19 / 98 19

HN 17 / 65 26 20 / 65 31

Tabela 36: Comportamento individual (realização de /o/)

InformanteAbaixamento de /o/ Alteamento de /o/

Ocorr. / Total % Ocorr. / Total %

AQS 43 / 115 37 47 / 115 41

LMS 19 / 40 47 9 / 40 22

TJS 25 / 49 51 13 / 49 27

JV 28 / 59 47 5 / 59 8

JR 0 / 39 0 21 /39 39

MPS 22 /70 31 21 / 70 30

SZ 20 / 61 33 28 / 61 4

Page 130: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

6

GVO 16 / 66 24 8 / 66 12

SS 39 / 69 57 21 / 69 30

JES 15 / 48 31 26 / 48 54

FTS 36 /93 39 29 / 93 31

PAG 12 / 69 17 37 / 69 54

AMA 12 / 55 22 17 / 55 31

FRG 18 / 49 37 14 / 49 29

AGF 19 / 44 43 15 / 44 34

IM 13 / 46 28 26 / 46 57

VB 16 / 73 22 47 / 73 64

FAM 20 / 62 32 30 / 62 48

JLS 16 / 45 36 11 / 45 24

STS 12 / 55 22 14 / 55 25

HN 17 / 45 38 9 / 45 20

Page 131: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Gráfico 13: Distribuição percentual de [é] entre os migrantes paraibanos

0

20

40

60

80

AQSLM

STJS JV JR MPS

SZGVO SS JE

SFTS

PAGAMA

FRGAGF IM VB

FAM JLS

STS HN

[é] Linear ([é])

Gráfico 14: Distribuição percentual de [i] entre os migrantes paraibanos

0

20

40

60

80

AQSLM

STJS JV JR MPS

SZGVO SS JE

SFTS

PAGAMA

FRGAGF IM VB

FAM JLS

STS HN

[i] Linear ([i])

Page 132: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Gráfico 15: Distribuição percentual de [ó] entre os migrantes paraibanos

0

20

40

60

80

AQSLM

STJS JV JR MPS

SZGVO SS JE

SFTS

PAGAMA

FRGAGF IM VB

FAM JLS

STS HN

[ó] Linear ([ó])

Gráfico 16: Distribuição percentual de [u] entre os migrantes paraibanos

0

20

40

60

80

AQSLM

STJS JV JR MPS

SZGVO SS JE

SFTS

PAGAMA

FRGAGF IM VB

FAM JLS

STS HN

[u] Linear ([u])

Page 133: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

É importante relembrar que esses informantes são os primeiros de uma geração,

ou seja, alguns já têm filhos e netos que nasceram no Rio de Janeiro, mas eles chegaram ao

Rio de Janeiro com, no mínimo, quinze anos de idade. Trudgill (1986), a respeito do

processo de coineização (koineization), que resulta em uma coiné (Koine)25 , identifica três

estágios de formação de um novo dialeto, em sua opinião, correspondendo as três

primeiras gerações de falantes.

No primeiro estágio, por exemplo, que é composto por migrantes adultos, há uma

grande variabilidade entre os indivíduos e no próprio indivíduo. No gráfico 13, pode-se ver

que há informantes que aplicam mais e outros menos o abaixamento apresentando, pois,

um quadro heterogêneo.

Nota-se, também, que alguns informantes tiveram um comportamento

diferenciado, ou seja, aplicaram mais de 44% por cento de abaixamento de /e/, que foi a

média encontrada na comunidade pessoense, que serviu de base comparativa neste trabalho

(ver gráfico 13): AQS (64%), TJS (55%), JES (55%) e AGF (54%). Aqueles que

obtiveram os menores valores de aplicação da regra de abaixamento de /e/ foram GVO

(15%), PAG (22%) e AMA (18%).

O que os primeiros informantes têm em comum é a baixa escolaridade, o que

reforça os resultados encontrados na análise por grupo, mas diferem quanto ao tempo de

residência e a faixa etária. AGF e JES tem de 26 a 49 anos, mas o primeiro já está no Rio

há mais de dez anos e o outro se encontra no períodos de 5 a 10 anos de moradia, fato esse

que explica a pequena diferença de percentual entre os dois. AQS e TJS fazem parte da

primeira faixa etária (15 a 25 anos) e do primeiro período de residência (1 a 5 anos).

Ambos têm baixa escolaridade, mas AQS tem de 0 a 4 anos de escolarização e TJS tem de

5 a 8 anos, ou seja, um pouco mais de escolaridade fez com que TJS incorporasse com

25 Tipicamente, ela ocorre em novos assentamentos para os quais pessoas, por uma razão ou outra, migram de diferentes partes de uma única área lingüística.

Page 134: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

menos dificuldade as novas dinâmicas lingüísticas do que AQS, mas com maior

dificuldade do que os outros informantes que têm a mesma escolaridade e a mesma faixa

etária que ele. Manifesta sempre o desejo de voltar para a Paraíba.

E: você está feliz com a vida que ta levando aqui?(TJS): Eu sou mais feliz lá. La a gente tem mais ânimo, sabe? Lá eu estudo. Agora mesmo, quando eu for para lá, a primeira coisa que eu vou no colégio, me matricular, é porque lá, a irmã da minha mãe é professora, tem os parentes já todo mundo montado nos estudos, ai, a gente chega lá e tem mais incentivo, sabe? Aqui, ninguém quer saber de ninguém, aí a gente fica até meio...E: Você não quer retomar seus estudos?(TJS): Assim que chegar lá, se Deus quiser. E: Só quando acontecer isso? E se você demorar dez anos aqui?(TJS): Não. Eu não vou demorar não. Com certeza.

AQS admite que fica no Rio por oferecer mais oportunidades e uma melhor

condição financeira, mas é resistente com relação a modificação de suas características

originais. A seguir, descreve, por exemplo, os seus hábitos alimentares.

E: Você não come sobremesa nunca, aqui?(AQS): Não. O refrigerante que a gente compra aqui, coca-cola, eu não tomo coca-cola. No meu almoço, é um copo com água, porque é um hábito que eu aprendi, me acostumei com água. Ela [a esposa] toma coca-cola, eu não tomo. Doce, não como. Pudim, eu, eu, quando eu vou para a casa dos outros, eu como pudim para não sentir aquela tristeza daquela pessoa, né. Sei não o que é, não, mas eu como, mas não passo bem. Um bolo, bolo é difícil de eu comer. É difícil comer bolo. E minha comida é uma comida simples, porque eu não tive oportunidade de ter aquela vida de comer tudo isso. Ai, eu continuo a minha tarefa de, eu puxo a minha tarefa de lá para cá. É uma tarefa só. Agora, esse negócio de carne, eu como aqui, porque na Paraíba eu não comia, aí a gente já tem oportunidade de comer essas carne, comprar uma coisa mais adequada, compro para aliviar.

Sobre sua linguagem, AQS discorre:

E: Você já passou por uma situação chata ou engraçada por causa de sua maneira de falar?(AQS): Não. Porque tem muitos caras que... que eu não tenho muita preocupação sobre o meu falar, sobre o meu sotaque de voz em relação ao carioca, porque não adianta a gente querer acompanhar ele, como eu tava falando, que não acompanha. E a gente tem que aceitar a nossa linguagem de lá. Não tem que querer acompanhar o carioca, em relação a falar explicado e a gente não. A gente tem que, eles entendem que a gente, assim, tem

Page 135: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

muitos caras que falam... Paraíba, não sei o que, não a gente tem que ficar quieto, porque a gente somos paraíba mesmo. Para quê dizer que não? A gente tem duas maneiras de ele reconhecer, tanto como tem gente que conhece pelo visual do paraibano e pela fala do paraibano que é conhecida(…).

Os outros três informantes têm em comum um maior tempo de exposição às

normas escolares, embora GOV, que apresenta o mais alto nível de acomodação às normas

locais, não tenha ensino superior como os outros (PAG e AMA).

Segundo Kerswill (2002, p. 680), alguns traços adquiridos em um contexto

conversacional (short-term) podem tornar-se um traço permanente no arcabouço

lingüístico do falante por meio de alguns mecanismos: traços da nova variedade são

adquiridos por adultos e crianças migrantes em atos individuais de acomodação a outros

falantes que já fazem uso de tais traços, o que tem sido chamado de “frequência modal

comportamental” (behavioral-frequency modal)26 e, por exemplo, quando a acomodação

pode não ser em resposta a um interlocutor particular, mas a imagens, ou esteriótipos do

grupo ao qual o interlocutor pertence, ou de um grupo socialmente atrativo não

representado no contexto imediato, o que pode ser chamado de “modelo de projeção da

identidade” (identity projetion model)27.

O informante GVO é vigia em uma estação de metrô no Rio de Janeiro, mas essa

é uma atividade que exerce apenas para obter o seu sustento financeiro. Seu objetivo, no

Rio de Janeiro, é trabalhar na área artística e faz o que pode para isso. À princípio, trabalha

com recreação infantil. A seguir, GVO comenta quais foram suas motivações para migrar.

E: Que motivos levaram você a vir para o Rio de Janeiro?

(GVO): Bom. Tinha muita vontade de conhecer, até pelo movimento dos parentes vindo

para cá e indo lá nas férias, e também porque eu sei que aqui há espaço para a arte

26 (Auer, 1998, Hinskens e Auer (no prelo) apud Kerswill, 2002: 680)27 (Auer, 1998 apud Kerswill, 2002: 681)

Page 136: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

mesmo. Aqui as coisas acontecem, lá é muito mais difícil. Aqui é o contato direto com a

TV. A cultura daqui funciona bem melhor.

O informante AMA também é artista e também possui a mesma opinião que

GVO, como se pode ver a seguir.

E: É melhor morar aqui do que morar na Paraíba?(AMA): Eu acho que... é uma pergunta difícil, porque tem as suas... tem os dois lados da moeda. Por exemplo, eu acho que eu deixei em João Pessoa a minha família, as minhas raízes são todas lá. Assim, eu tenho muita ligação, principalmente emotiva com a Paraíba. Não vou dizer assim que, é..., que eu zerei completamente toda a minha vida de João Pessoa. Mas eu acho que morar no Rio de Janeiro, para mim, com a pessoa que eu sou hoje, tem as suas vantagens. Por exemplo, eu sou uma pessoa que eu sou artista, eu trabalho com dança, então, trabalhar com dança em João Pessoa ainda é muito complicado, não tenho campo de trabaho. Eu tenho, realmente, que trilhar um caminho muito pessoal, lá. No estado em que eu estou hoje, eu quero estudar muito, eu ainda quero me graduar, quero tentar um mestrado uma pós-graduação, quer dizer, eu quero tentar percorrer todo o meu caminho ainda como... ter uma vida acadêmica. Ser um pesquisador de dança. E isso em João Pessoa, ainda é impossível. Eu gosto de morar aqui, no Rio de janeiro, porque ele possibilita essas, essas facilidades, né. É, assim, aqui eu tenho acesso a espetáculos de dança, aqui eu tenho acesso a milhões de informações, muito mais rápido do que em João pessoa. Até pela facilidade, nós temos muito mais, aqui no Rio de Janeiro, nós temos muito mais teatros, é... toda essa questão do, da vida artística, ela respira mais forte aqui no Rio de Janeiro do que em João Pessoa.

Esses dois informantes têm, pelo fato de estarem ou desejarem ingressar no

cenário artístico, uma preocupação maior com sua pronúncia, pois o sotaque carioca “abre

as portas” para as oportunidades de trabalho nesse ramo desde 1937, quando o “Primeiro

congresso da Língua Nacional Cantada” resolveu considerar a pronúncia carioca a mais

perfeita do país e propô-la como a língua-padrão a ser usada no teatro, na declamação e no

canto eruditos do Brasil. Tal declaração movimentou o país inteiro, inclusive o ensino de

base, em direção ao aperfeiçoamento da língua-padrão.

Em todos os meios de comunicação de grande veiculação ou nacional, o sotaque

carioca é dominante. Atualmente, nas telenovelas, já se consegue ouvir sotaques de outras

regiões ou Estados brasileiros, embora o sotaque carioca seja predominante. A região

Norte-Nordeste é a mais preterida em detrimento das outras (principalmente Sul-Sudeste).

Page 137: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Sendo assim, os informantes GVO e AMA fazem do modo de vida e fala cariocas um

“modelo de projeção de identidade”.

O informante PAG, que não está ligado ao meio artístico, pois é dentista, preferia

estar em João Pessoa, lugar onde nasceu e passou grande parte de sua vida, mas gosta

muito de morar no Rio e tem consciência das normas sociais e lingüísticas do local.

Quando perguntado sobre a sua forma de falar, respondeu da seguinte forma:

E: Você acha que adquiriu o sotaque carioca?(PAG): Eu acho que sim. E: Por quê?(PAG): Primeiro por lidar com o público diariamente, né? Doze horas por dia, quase. Dez horas por dia. Meus “es” são mais fechados do que eram antes. Depois ela [esposa] fica muito fechada dentro de casa, ela não tem, não tem muito contato, né? Mas eu acho que ela mudou, também, um pouco. Eu vim um pouco antes que ela, mas eu tenho contato direto, acho que... não sei.

Segundo o informante, o contato diário com cariocas foi fator determinante para

as modificações em sua pronúncia. Pelos resultados expostos, os informantes AQS, TJS,

JES e AGF apresentam um comportamento lingüístico divergente do dialeto local, já os

informantes GOV, PAG e AMA são os que mais se adaptam, acomodam-se à dinâmica do

dialeto carioca, pois são os que apresentam mais baixos valores de [].

Com base no trabalho de Pereira (1997), sobre a comunidade pessoense, que

serviu de parâmetro comparativo para observar as alterações na fala do migrante

paraibano, as médias percentuais, como se pode ver no gráfico 1, de abaixamento (44%),

manutenção (21%) e alteamento (34%) são representantes do dialeto original do migrante.

Sendo assim, aqueles que informantes que diminuírem o percentual de abaixamento,

apresentam comportamento divergente se diminuírem os percentuais de alteamento

também, pois significa que apenas os valores de manutenção vão aumentar.

Os informantes, PAG, GVO e AMA, realmente, são os que melhor se adaptaram

às normas lingüísticas cariocas. O informante FAM diminuiu os seus percentuais de

Page 138: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

abaixamento, aumentou um pouco os de manutenção, mas não diminuiu os de alteamento.

HN, por sua vez, teve comportamento semelhante, embora tenha diminuído muito pouco o

alteamento de /e/. Os migrantes FAM e HN têm mais de 50 anos de idade, o que justifica,

pois, seus altos índices de alteamento, embora STS, que também é da faixa etária desses

informantes, apresente comportamento extremamente diversificado. O que os difere, além

da escolarização, que parece não interferir em nada aqui, pois FAM é semi-analfabeto e

HN tem o ensino superior, é o tipo de vida que levavam na Paraíba. Esses dois tiveram

uma vida bem parecida: ambos são ex-trabalhadores do campo e migraram sem os estudos

completos ou sem nenhuma escolaridade. STS já estudou em boas escolas na capital da

Paraíba e veio de um quadro familiar de classe média, embora tenha migrado em

consequência da perda da qualidade de vida decorrente de problemas financeiros e, no Rio

de Janeiro, não exerça uma atividade de prestígio social.

O Gráfico 14 mostra um comportamento mais uniforme entre os informantes.

Apenas dois merecem destaque por terem aplicado mais o alteamento de /e/ do que os

outros: LMS e FAM. O primeiro informante é da primeira faixa etária e o segundo da

terceira, mas ambos possuem a mais baixa escolaridade observada.

No que se refere ao abaixamento de /o/, o Gráfico 15 mostra um nivelamento

comportamental entre os informantes. Apenas dois merecem destaque: JR, por ter aplicado

menos a regra, e SS, por ter aplicado mais. O que há em comum entre eles é o tempo de

moradia no Rio de Janeiro, pois ambos pertencem ao segundo período observado, ou seja,

ambos têm de 5 a 10 anos de residência no Rio de Janeiro.

O Gráfico 15 é o que demonstra uma maior falta de uniformidade entre os

informates. Merecem destaque por aplicarem menos a regra de alteamento de /o/ os

informantes JV e GVO e, por aplicarem mais, JR, JES, PAG, IM e VB. Os primeiros

informantes, aparentemente, não possuem características sociais comuns. O ramo de

Page 139: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

atividade que eles exercem é o que pode vir a justificar o comportamento similar entre eles.

JV é professor do ensino fundamental e médio de uma escola pública no município do Rio

de Janeiro e, quando surge uma oportunidade, trabalha na área das artes, como ator. GVO,

por sua vez, é vigia em uma estação de metrô no Rio de Janeiro, mas essa é uma atividade

que exerce apenas para obter o seu sustento financeiro. Seu objetivo, no Rio de Janeiro, é

trabalhar na área artística e faz o que pode para isso. A princípio, trabalha com recreação

infantil. Pode-se dizer que ambos possuem um comportamento bastante integrado às

normas locais. Segundo Bortoni (1989, p. 176), quanto mais ajustado o migrante ao seu

novo ambiente social, mais ampla a sua rede de relações tende a ser e, conseqüentemente,

mais alto será o seu índice de integração.

Em se tratando dos informantes JR, JES, PAG, IM e VB, há pontos de intersecção

entre eles. A característica que têm em comum é o fato de estarem no Rio de Janeiro há

mais de 5 anos.

Page 140: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

4.4. Comportamento sociolingüístico dos brasileiros em Lisboa

Investiga-se, nesta seção, o contato dialetal entre duas variedades da língua

portuguesa: a língua portuguesa falada no Brasil e a língua portuguesa falada em Lisboa

(Portugal). No cômputo geral, foram recolhidos 1888 dados do corpus dos imigrantes

brasileiros residentes em Lisboa, distribuídos segundo o tipo de vogal pretônica, conforme

a Tabela 35:

Tabela 37: Distribuição geral dos dados dos brasileirosTipo de pretônica No de dados

Não-recuada 1039Recuada 849TOTAL 1888

Na fala dos imigrantes brasileiros residentes em Lisboa, as possibilidades de

produção de cada uma das pretônicas enfocadas são:

• Para as não-recuadas: [], [e], [i], [] e []

• Para as recuadas: [�], [o], [u]

Tabela 38: Distribuição dos dados dos brasileiros pelas variantesPretônicas Realizações No de dados % TOTAL

Não-recuadas

[] 191 18[e] 638 61[i] 199 19

[] ou [] 11 1

1039

Recuadas[] 150 18[o] 540 64[u] 159 19

849

TOTAL 1888Como se pode ver pela Tabela 38, a manutenção constitui a maior tendência na

fala dos imigrantes brasileiros.

Page 141: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Pela Tabela 38, percebe-se que o percentual de apagamento ou centralização de

/e/ é de apenas 1%. Além disso, está restrito a alguns vocábulos, o que justifica um

tratamento apenas qualitativo. Os vocábulos que sofreram esse processo foram:

a) p’ssoas (4 ocorrências);

b) exp’rimentar (2 ocorrências);

c) p[]rdendo (2 ocorrências);

d) d’pois (2 ocorrências);

e) p[]rcebe (1 ocorrência).

Segundo Rodrigues (2003), a vogal /e/ medial é realizada como [] mais

freqüentemente em sílabas de ataque complexo do que em sílabas de ataque simples. Em

sílabas sem coda e de ataque simples, a percentagem de não realização da vogal é superior

à da realização como [].

O percentual total de aplicação de [] em Lisboa, segundo Rodrigues (2003, p.15)

é de 56% e de [] é de 43%. O alteamento ([i] = 0,1%) e o abaixamento ([] = 0,4%) da

média /e/ atingiram valores insignificantes nessa localidade. Em se tratando da distribuição

desses valores por padrão silábico, percebe-se que a centralização é um pouco mais atuante

em sílabas com coda (CVC = 66%) do que em sílabas de ataque simples sem coda (CV =

48%). O contrário ocorre com o apagamento (CVC = 32% e CV = 51%), isso quer dizer

que esses processos são sensíveis ao peso silábico.

Olhando para as ocorrências, percebe-se que as vogais pretônicas mais propensas

à aplicação dos processos de centralização ou apagamento são aquelas que em sua

adjacência têm uma consoante labial /p/. O grupo de exemplos p[i]rcebi, p[u]rque,

p[u]rtanto, p[i]rcebo demonstra que o brasileiro, no Brasil, tem a facilidade para quase

centralizar a pretônica quando é precedida por uma consoante /p/.

Page 142: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

No que diz respeito à vogal recuada, espera-se que haja um aumento dos

percentuais de aplicação de [u] na fala dos imigrantes brasileiros.

A ocorrência de [o], em Lisboa, segundo Rodrigues (2003), inclui essencialmente

ocorrências de /oU/, de núcleos em sílaba com coda sonante ou, alternativamente,

ocorrências da vogal em prefixos. Seu total de aplicação na fala do lisboeta é de 2,6%.

A aplicação de [], que diz respeito a palavras em que a vogal faz parte de um

prefixo acentuado, de uma sílaba com coda sonante, ou de uma palavra composta, que

preserva a qualidade aberta da vogal acentuada na palavra de que deriva, atinge um

percentual de 8,2% em Lisboa.

A aplicação do [u], portanto, é a mais produtiva. Seus percentuais, em Lisboa,

atingem 64% de ocorrências.

64

19

0

20

40

60

80

Lisboa Brasil

Gráfico 17: Percentual de aplicação de [u] em Lisboa e no Brasil

[u]

Pode-se perceber, pelo Gráfico 17, que o percentual atingido pelos imigrantes

brasileiros foi muito menor em relação ao que ocorreu em Lisboa, mostrando, assim, que o

processo de acomodação não se fez presente.

Tendo em vista o alto grau de variação existente no Brasil, a depender da

localização geográfica, no que diz respeito às pretônicas, é necessário verificar o

comportamento do imigrante brasileiro levando em conta a sua naturalidade. Nas tabelas

abaixo, 38 e 39, podem-se observar os resultados obtidos:

Page 143: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Tabela 39: Realização da pretônica /e/ na fala dos migrantes brasileiros

Informantes [] [i] [] ou CHR 2% 13% -FEL 4% 23% 1%FAU 6% 21% -MAR 6% 16% 1%LAU 11% 19% 2%WAL 22% 23% -VLA 33% 24% -RAF 33% 15% -AGN 24% 32% -DUD 58% 11% 2%

Tabela 40: Realização da pretônica /o/ na fala dos migrantes brasileiros

Informantes [] [u]CHR 1% 15%FEL 5% 25%FAU 3% 25%MAR 11% 13%LAU 10% 21%WAL 31% 6%VLA 22% 22%RAF 30% 21%AGN 19% 23%DUD 51% 18%

Pela Tabela 39 e 40, percebe-se que, quanto ao alteamento de /e/ e de /o/, os

informantes possuem um comportamento equilibrado. Quanto ao abaixamento, percebe-se

a formação de dois grupos lingüísticos: um que aplica menos e outro que aplica mais a

variante aberta.

O primeiro grupo, cujos resultados podem ser lidos acima da linha dupla que corta

horizontalmente as Tabelas, é formado por informantes provenientes de São Paulo e do

Paraná. Os resultados abaixo dessa linha pertencem ao segundo grupo, que é formado por

informantes provenientes do Espírito Santo, Goiás e Pernambuco.

Page 144: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Os grupos foram formados a partir da verificação dos resultados. O objetivo era

verificar o percentual de alteamento e, como se pôde constatar pelas tabelas,

independentemente de suas procedências, a regra de alteamento mostrou-se uniforme.

Com relação ao processo de centralização, o que se pode verificar é que, no

primeiro grupo, essa variante ocorre mais do que no segundo. O informante do segundo

grupo que mais aplica essa variante é o que mais aplica, também, o abaixamento de /e/ e de

/o/. O fato curioso é que esse informante (DUD) é pernambucano e está há cerca de 30

anos em Lisboa, o que comprova que o tempo de exposição dos brasileiros aos padrões

sociolingüísticos de Portugal, especialmente de Lisboa, deve ser mais prolongado do que

para um paraibano que vive no Rio de Janeiro, para quem, em uma década de contato, os

efeitos da acomodação já se fazem sentir.

CONCLUSÕES

Page 145: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

O estudo em questão verificou como se processou a acomodação dialetal na fala

de migrantes paraibanos que residem no Rio de Janeiro há, no mínimo, um ano, assim

como de imigrantes brasileiros que vivem em Lisboa.

O objeto de análise lingüística foi a variação das vogais médias pretônicas /e/ e

/o/, que se constitui como um dos pontos de divergência entre os dois dialetos brasileiros e

entre o português falado no Brasil e em Portugal.

As análises foram feitas com base nas sílabas do tipo CV (ataque simples sem

coda), o padrão silábico canônico, por nelas incidir o maior número de dados (60% do total

observado) e pelos outros tipos de sílaba já possuírem estruturas que condicionam a

ocorrência ou não de determinada realização.

Os resultados indicam que ambas as vogais, embora de uma forma diferente,

experimentam um processo de acomodação, no que diz respeito à fala dos migrantes

paraibanos. É possível concluir também que o contato dialetal não se processa da mesma

forma quando se trata de variedades inter-regional e intercontinental.

Pode-se observar que o intervalo de dez anos é suficiente para se perceber uma

considerável acomodação do dialeto do migrante paraibano em direção ao dialeto

acolhedor. No que diz respeito aos brasileiros residentes em Lisboa, esse período é muito

curto para uma visível incorporação de traços do português europeu, pelo menos no que

diz respeito às pretônicas. Pode-se argumentar que as pressões sociais enfrentadas pelos

migrantes paraibanos no território brasileiro são maiores do que as enfrentadas pelos

imigrantes brasileiros em outro país.

É importante salientar que o dialeto do migrante paraibano possui um caráter

estigmatizado, por ser proveniente da região Nordeste, uma das menos desenvolvidas do

país, e por razões históricas que foram sendo solidificadas nas sociedades do Sul-Sudeste

Page 146: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

do Brasil, ao longo da história. Esse fato pode ser um acelerador da acomodação dos

paraibanos ao dialeto carioca.

O indício de acomodação na fala dos migrantes paraibanos é o aumento da

manutenção das médias em detrimento do declínio das outras duas realizações ([/] e

[i/u]). Em ambas as vogais o aumento da manutenção ([e/o]) é significativo, mas as

motivações são diferentes: para a vogal não-recuada (/e/), o aumento da manutenção deve-

se a um sensível declínio da produção de abaixamento e a uma brusca diminuição da

produção da variante alta. Para a vogal recuada (/o/), o aumento da manutenção e motivado

pelo declínio da produção de [], pois os índices de alteamento praticamente não sofreram

modificações. É importante ainda verificar que os índices de manutenção de /e/ superam os

de abaixamento, enquanto que os de /o/ não, mas as três realizações apresentam-se quase

niveladas, com valores percentuais muito próximos. Apesar de haver esse re-arranjo das

três realizações, o falante ainda preserva as suas marcas típicas originais.

Com base nas análises, pode-se responder às perguntas que foram formuladas no

Capítulo 1 e demonstrar que essa acomodação está condicionada, prioritariamente, a

fatores extra-lingüísticos.

No que diz respeito aos migrantes paraibanos no Rio de Janeiro, a variável

‘Tempo de moradia no Rio de Janeiro’foi importante para explicar o processo de

abaixamento. Para a variante [], é nos primeiros cinco anos de residência que o alante

mais produz o abaixamento de /e/, que é a variante típica de seu dialeto original. A partir

dos cinco anos de residência, o contato com o carioca ocasiona uma perda vertiginosa de

seus valores de aplicação. A variante [] perde aplicação paulatinamente, com o passar do

tempo.

A verificação da variável ‘Anos de escolarização’ é indica que as realizações

abertas ([] e []) ocorre mais na fala de pessoas com, no máximo, o ensino fundamental.

Page 147: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

Os falantes com mais tempo de exposição às normas escolares são mais sensíveis ao

processo de acomodação. Com relação ao alteamento, a aplicação de [i] é mais frequente

na fala dos informantes menos escolarizados e de [u] independe desse fator.

O grupo de fatores ‘Faixa etária’ evidenciou que são os mais jovens que

apresentam os menores pesos relativos de [], o que comprova que são os mais suscetíveis

ao processo de acomodação. Os valores correspondentes à aplicação de [] caem à medida

que os falantes que têm de 5 a 10 anos de residência no Rio de Janeiro, à medida que ficam

mais velhos, aumentam a probabilidade de aplicação de [u].

A observação individual dos falantes permitiu constatar que, no geral, que aqueles

que fazem do modo de vida e fala cariocas um “modelo de projeção de identidade”, são os

que mais facilmente se acomodam, aumentam seus índices de manutenção.

No que diz respeito aos brasileiros residentes em Lisboa, a aplicação da variante

centralizada ([]) e do alteamento de /o/ são indícios de acomodação ao dialeto lisboeta. A

ocorrência de centralização não passou dos 2% e a de [u] não chegou nem à metade do

valor das ocorrências dessa variante em Portugal. Pode-se concluir que a acomodação

ainda está em estágio embrionário. Isso pode ser comprovado na fala de um imigrante que

tem cerca de 30 anos de residência em Lisboa e ainda mantém suas marcas dialetais

originais, no caso de abertura, por ser proveniente de Pernambuco.

Muito pouco se sabe sobre as modificações lingüísticas provenientes do contato

dialetal, do ponto de vista sincrôncico, dentro da língua portuguesa, que é marcada por

intensos fluxos migratórios inter-regionais (de partida e de retorno em relação ao seu lugar

original).

Este trabalho não esgota o tema analisado, muito ainda há a ser feito para

melhorar o processo de adaptação sociolinguística do migrante a um novo cenário sócio-

cultural.

Page 148: as vogais médias pretônicas em situação de contato dialetal

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dialetal. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Tese de Doutorado.

RESUMO

Esta pesquisa descreve o comportamento lingüístico de indivíduos, resultante do

contato entre diferentes grupos sociais, tomando por base a fala de paraibanos e cariocas

dentro da cidade do Rio de Janeiro, e a fala de brasileiros e portugueses, a partir do

pressuposto de que o comportamento lingüístico de um indivíduo dentro de sua

comunidade de fala envolve processos diferentes daqueles que são ativados quando se

encontra fora dela. O aspecto lingüístico observado na fala dos migrantes paraibanos e dos

imigrantes brasileiros são as vogais médias pretônicas /e/ e /o/, que se apresentam como

um dos maiores pontos de divergência entre esses dialetos, o que facilita a observação do

processo de acomodação lingüística do informante a uma nova realidade sócio-cultural. Os

alicerces teóricos deste trabalho são os estudos traçados por Trudgill (1986), sobre os

dialetos em contato, baseados na Teoria da Acomodação de Giles (1973), e a Teoria

Sociolingüística Quantitativa (LABOV, 1972), por proporcionar uma análise empírica,

sustentada por dados quantitativos que possibilitam a sistematização das

variações/mudanças lingüísticas decorrentes desse contato. Com base nesses estudos, é

possível dizer que os migrantes paraibanos experimentam, em cerca de duas décadas de

contato, uma acomodação incompleta, pois não perderam as marcas que caracterizam seu

dialeto, mas as nivelaram, em função das características da comunidade local, carioca. Os

brasileiros que moram em Lisboa, por outro lado, não apresentam, a não ser

excepcionalmente, ecos do dialeto português. O interesse central do estudo foi verificar

que estratégias são utilizadas pelo migrante para melhor acomodar-se ao dialeto acolhedor.

Grupos de fatores são observados para verificar as estratégias utilizadas por esses falantes,

grupo social minoritário, em busca de uma inserção sociolingüística mais ampla.

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MARQUES, Sandra Maria Oliveira. As vogais médias pretônicas em situção de contato

dialetal. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Tese de Doutorado.

ABSTRACT

This research aims at describing and analysing the linguistic behavior of two

groups of Brazilian speakes as a consequence of their (i)migration movements. This is,

then, an accommodation study, based on the idea that speakers kept apart from their native

linguistic community display different linguistic processes/strategies from speakers living

in the native all their lives. Two groups are involved: the first one includes male speakers

from different regions of Brazil living in Lisbon (Portugal). Our research focus on the pre-

stressed vowels /e/ and /o/, described as medial vowels in the phonological system of

Portuguese. These vowels are subject to rising and opening processes, due to different

conditioning factors, in several varieties of Portuguese (mainly in Brazilian Portuguese).

This then deploys the desired environment to study of linguistic accommodation of the

speakrs when they are inside a new linguistic community. The research is based on work

from Trudgill (1986), on dialectal contact, from Giles (1973) on Accommodation Theory

and, on Quantitative Sociolinguistics, from Labov (1972). This theoretical background

allows us to deal with empirical data in such a way that we can achieve a quantitative data

description and, then, show that variation and change patterns emerge from the linguistic

contact. From the linguistic literature mentioned above and the empirical data we have

observed, we can say that speakers from Paraiba living in Rio de Janeiro for around two

decades long suffered an incomplete accommodation process. This means that some

markers of their native dialect are still present, although they also include in their current

way of using language some phenomena characteristic of the carioca dialect. Brazilian

speakers living in Lisbon, nevertheless, rarely use linguistic phenomena specific of

European Portuguese in the interviews analysed. Our main goal is then to identify the

linguistic strategies the speaker uses to accommodate his dialect to the one of the

community he has moved into. Several groups of factors are observed to test how the

minoritary group approaches total integration in the new linguistic community.

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MARQUES, Sandra Maria Oliveira. As vogais médias pretônicas em situção de contato

dialetal. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2006. Tese de Doutorado.

RÉSUMÉ

Dans cette thèse, nous décrivons le comportement linguistique des individus en

contact avec des différents groupes sociaux, c’est-à-dire, la langue des “paraibanos” et des

“cariocas” dans la ville de Rio de Janeiro, et, pour faire une comparaison, la langue des

brésiliens et des portugais, à partir de l’idée selon laquelle le comportement linguistique

d’une personne dans sa communauté linguistique concerne des processus différents de

ceux qui sont activés quand elle se trouve en dehors de son ambiance. L’aspect inguistique

considéré dans la langue des migrants “paraibanos” et des imigrants brésiliens sont les

voyelles moyennes prétoniques /e/ et /o/, qui se présentent comme une des plus grandes

divergences entre ces dialects, ce qui permet l’observation du processus d’accommodation

linguistique du locuteur à une nouvelle réalité socioculturelle. Le cadre théorique de ce

travail sont les études de Trudgill (1986), à propos des dialects en contact, fondés dans la

Théorie de l’Accommodation de Giles (1973), et la Théorie Sociolinguistique Quantitative

(LABOV, 1972), pour possibiliter une analyse empirique, à travers des données

quantitatives qui permettent la sistematisation des variations/changements linguistiques nés

de ce contact. A partir de ces études, nous pouvons dire que les migrants “paraibanos”

réalisent, après environ vingt ans de contact, une accommodation incomplète, puisqu’ils ne

perdent pas les traits qui caractérisent son dialect, mais ils les neutralisent, en fonction des

caractéristiques de la communauté locale, “carioca”. Les brésiliens qui habitent Lisbonne,

par contre, ne présentent pas, sauf exceptionnellement, des échos du dialect portugais.

L’intérêt central de cette étude est de vérifier quelles sont les stratégies utilisées par le

migrant pour mieux s’adapter au dialect d’arrivée. Nous considérons des groupes de

facteurs pour identifier les stratégies utilisées par ces locuteurs, qui constituent un groupe

social minoritaire et qui cherchent une insertion sociolinguistique plus large.