AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do...

15
AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO JORNAL FOLHA DO NORTE DO PARANÁ (1973) Gessica Aline Silva, (IC, CNPq), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] Frank Antonio Mezzomo, (OR), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] Cristina Satiê de O. Pátaro, (CO-OR), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] RESUMO: Esta pesquisa busca discutir a representação da mulher veiculada no Jornal Folha do Norte do Paraná, no ano de 1973. Para este fim, procura-se identificar diferentes valores, comportamentos e orientações que parecem naturalizar os papéis sociais e a função a ser desempenhada pelas mulheres. O desenvolvimento da pesquisa contou com a leitura e catalogação das edições do jornal buscando identificar, nos editoriais, notícias, imagens, anúncios, entre outros, as representações da mulher presentes no periódico. Tendo por base o contexto regional e nacional da década de 1970 e o vínculo mantido entre o Jornal e a Igreja Católica de Maringá, percebe-se que as representações da mulher enquanto mãe e esposa passam a dividir espaço com imagens da mulher moderna identificada como aquela que paulatinamente vai conquistando o espaço público. Palavras-chave: Mulher. Representação. Jornal. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho procurou investigar as representações da mulher no Jornal Folha do Norte do Paraná no ano de 1973. Ao analisar o jornal, que mantém vínculo com a Igreja Católica da diocese de Maringá, procurou-se problematizar os discursos que influenciaram a produção de significados relacionados à conduta e à moral feminina. Ademais, tais análises são realizadas tendo presente o cenário regional e nacional da década de 1970, no qual as representações da mulher são construídas e articuladas. A partir do objetivo de discutir as representações da mulher no Jornal Folha do Norte do Paraná, cabem algumas considerações sobre, primeiramente, o processo de revisão historiográfica impulsionada, em grande parte, pela terceira geração do movimento dos Annales, que permitiu a ampliação do arcabouço de fontes, temáticas e abordagens para a pesquisa histórica. Nesse contexto, insere-se o surgimento da História das Mulheres, enquanto campo de pesquisa, sendo fruto também das contribuições advindas do movimento feminista, principalmente em sua “segunda onda”, que surgiu após a Segunda Guerra Mundial, priorizando a luta pelo corpo, prazer e contra o patriarcado, tendo como palavra de ordem “o privado é político” (PEDRO, 2005). A construção de uma historiografia que contemplasse também as mulheres percorreu uma longa trajetória, desenvolvendo conceitos que passaram por redefinições ao longo dessas cinco décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem, procurando substituir a palavra sexo e reforçando a ideia de que as desigualdades e diferenças entre homens e mulheres não dependem do sexo, e sim da cultura

Transcript of AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do...

Page 1: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO JORNAL FOLHA DO NORTE

DO PARANÁ (1973)

Gessica Aline Silva, (IC, CNPq), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] Frank Antonio Mezzomo, (OR), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected] Cristina Satiê de O. Pátaro, (CO-OR), Unespar – Câmpus de Campo Mourão, [email protected]

RESUMO: Esta pesquisa busca discutir a representação da mulher veiculada no Jornal Folha do Norte do Paraná, no ano de 1973. Para este fim, procura-se identificar diferentes valores, comportamentos e orientações que parecem naturalizar os papéis sociais e a função a ser desempenhada pelas mulheres. O desenvolvimento da pesquisa contou com a leitura e catalogação das edições do jornal buscando identificar, nos editoriais, notícias, imagens, anúncios, entre outros, as representações da mulher presentes no periódico. Tendo por base o contexto regional e nacional da década de 1970 e o vínculo mantido entre o Jornal e a Igreja Católica de Maringá, percebe-se que as representações da mulher enquanto mãe e esposa passam a dividir espaço com imagens da mulher moderna identificada como aquela que paulatinamente vai conquistando o espaço público. Palavras-chave: Mulher. Representação. Jornal. 1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho procurou investigar as representações da mulher no Jornal Folha do Norte

do Paraná no ano de 1973. Ao analisar o jornal, que mantém vínculo com a Igreja Católica da diocese

de Maringá, procurou-se problematizar os discursos que influenciaram a produção de significados

relacionados à conduta e à moral feminina. Ademais, tais análises são realizadas tendo presente o

cenário regional e nacional da década de 1970, no qual as representações da mulher são construídas e

articuladas.

A partir do objetivo de discutir as representações da mulher no Jornal Folha do Norte do

Paraná, cabem algumas considerações sobre, primeiramente, o processo de revisão historiográfica

impulsionada, em grande parte, pela terceira geração do movimento dos Annales, que permitiu a

ampliação do arcabouço de fontes, temáticas e abordagens para a pesquisa histórica. Nesse contexto,

insere-se o surgimento da História das Mulheres, enquanto campo de pesquisa, sendo fruto também

das contribuições advindas do movimento feminista, principalmente em sua “segunda onda”, que

surgiu após a Segunda Guerra Mundial, priorizando a luta pelo corpo, prazer e contra o patriarcado,

tendo como palavra de ordem “o privado é político” (PEDRO, 2005).

A construção de uma historiografia que contemplasse também as mulheres percorreu uma

longa trajetória, desenvolvendo conceitos que passaram por redefinições ao longo dessas cinco

décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero,

derivado da própria linguagem, procurando substituir a palavra sexo e reforçando a ideia de que as

desigualdades e diferenças entre homens e mulheres não dependem do sexo, e sim da cultura

Page 2: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

(PEDRO, 2005). Dentro dessa perspectiva, Scott propõe o uso da categoria gênero para a legitimação

da História das Mulheres, uma vez que esse conceito carregaria uma carga menos de apelo político

que a categoria mulher. Dessa maneira, o gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as

“construções sociais”, ou seja, a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos

homens e às mulheres (SCOTT, 1990).

Na espreita das discussões historiográficas da segunda metade do século XX, é válido

mencionar a proposição do conceito de representação, entendido como classificação e divisão que

organiza o mundo social, permitindo assim sua percepção do real, sendo pensada, muitas vezes, como

determinada pelos grupos que a forjam. As representações podem ainda ser entendidas como uma

força reguladora da vida coletiva, e permite assim avaliar a visão de si mesmo no contexto de um

grupo social, ou seja, o ser percebido. Aponta-se, também, que é preciso considerar que as

representações não têm uma aceitação unívoca, podendo existir uma pluralidade de leituras

(CHARTIER, 1991).

No que se refere à utilização da imprensa como fonte histórica, vale o registro acerca da

compreensão de que a mesma deixa de ser encarada como um mero veículo de informações,

transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político social na qual se

insere, ou mesmo como apenas instrumento de dominação, manipulação de interesses e de intervenção

na vida social, utilizado pelas classes dominantes (DE LUCA, 2008). Nessa perspectiva, os

procedimentos teórico-metodológicos utilizados para a análise do jornal como fonte apontam para a

importância de se conhecer a equipe que produz o periódico, os seus patrocinadores, anunciantes e

assinantes a fim de mapear os interesses e relações de poder que permitem a produção e circulação do

periódico (SILVA; FRANCO, 2010).

O Jornal Folha do Norte do Paraná1, fonte utilizada nesta pesquisa, foi criado em 1962 e

alternou entre períodos de circulação diária e semanal, sendo entregue em mais de 90 cidades e

mantendo sucursais em capitais como Curitiba, São Paulo e Florianópolis. Entre os anos de 1964 e

1973, quando o jornal esteve sob a administração de Joaquim Dutra, passou a apresentar um formato

diferenciado, com várias colunas assinadas, utilizando frequentemente o recurso fotográfico,

aumentando a quantidade de anúncios e valorizando as notícias regionais. Além da presença do

discurso religioso cristão, muita das vezes, pela voz onipresente do bispo de Maringá, Dom Jaime

Coelho, idealizador do periódico, assim como de outros porta-vozes do sagrado, ou seja, padres e

lideranças religiosas vinculadas a setores eclesiásticos, congregações e dioceses de outras regiões do

Brasil (ROBLES, 2007, p. 214). Neste período, ainda, o jornal chegou a alcançar uma tiragem

1 Desde 2009 o grupo de pesquisa Cultura e Relações de Poder tem desenvolvido projetos de pesquisa voltados para a digitalização e catalogação do periódico, cujos arquivos eletrônicos estão sob sua guarda.

Page 3: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

significativa de 7 mil exemplares diários, contanto com cerca de 16 páginas diárias distribuídas em

dois cadernos (PAULA, 2011, p. 65). O jornal, símbolo na época de inovação tecnológica na mídia

impressa da região, findou sua circulação em 1979.

Ainda sobre o periódico, cabem algumas considerações referentes à sua caracterização.

Constituiu-se em um dos grandes investimentos da Igreja Católica da diocese de Maringá, afinado

com o ideário eclesiástico da boa imprensa, cujo pilar consistia na divulgação e reafirmação do

catolicismo como instituição legítima e estruturante da sociedade. A boa imprensa, composta por uma

série de publicações muitas vezes coordenadas por clérigos, deveria ser a estandarte do catolicismo

oficial, propagando as “corretas” formas de conduta diante dos avanços e mudanças propagadas pelo

desenvolvimento urbano e econômico do país (RIBAS, 2011).

A criação e expansão da Folha do Norte do Paraná, estão inseridas na fase da consolidação e

intensificação do Regime Militar brasileiro (1964-1985), assim como do aumento das mobilizações

sociais que lutavam pelo retorno da democracia. Ademais, somam-se as mudanças econômicas no

país, como o processo latente da industrialização, urbanização e dos investimentos intensos no

agronegócio, vivenciados durante período do chamado Milagre Econômico, quando grande parte das

mídias nacionais passa a enfatizar o discurso de modernização e integração nacional (PEREIRA;

SANTOS, 2010). O norte paranaense, por sua vez, impulsionado pelos discursos de promoção

nacional, passou a mecanizar sua produção agrícola e acelerar o crescimento urbano (TOMAZ, 2010;

DIAS; GONÇALVES, 1999).

Finalmente, a pesquisa foi desenvolvida tendo presente tais compreensões teórico-

metodológicas e trazendo em pauta as implicações dos condicionantes histórico-sociais. Por

conseguinte, em vista da diversidade das matérias encontradas nas edições do Jornal, optou-se por

discutir as referências à mulher em cinco eixos temáticos, considerando características como a

linguagem empregada, os assinantes das matérias, bem como sua localização no periódico e seu

público alvo. Os eixos de análise foram organizados e denominados da seguinte maneira: Folha

Religião, Coluna Feminina, Publicidade, Conflitos e Diversas. Além disso, vale ressaltar que a reunião

de tais eixos está relacionada com o objetivo da pesquisa, ou seja, a busca por compreender as

representações da mulher no Jornal Folha do Norte do Paraná.

2 ANÁLISE DOS DADOS

2.1 Folha religião

Coluna de periodicidade diária, a Folha Religião ocupa no periódico, em geral, a última

página, sendo composta de notícias sobre a diocese de Maringá e região, além de sermões e

comentários de padres e bispos. A Folha Religião conta, ainda, com a frequente coluna Reconstruir o

Page 4: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

Mundo. Esta coluna, em especial, está presente durante grande parte do período de circulação do

jornal e aborda diferentes temas, sendo a grande maioria relacionada à explicação da postura dos fiéis

diante das diferentes situações da vida moderna. Durante a leitura do material referente ao ano de

1973, foram identificadas 35 matérias que apresentam orientações e comentários sobre a família, o

matrimônio, a vocação religiosa, a relação entre homens e mulheres, além de levantar questões sobre a

modernidade e a mudança de alguns valores relacionados ao erotismo e à contracepção. A frequência

de notas e materiais sobre a mulher presentes na Folha Religião concentrou-se nos primeiros meses do

ano.

A matéria do dia 18 de janeiro, publicada na coluna Reconstruir o Mundo, salienta, por meio

de trechos de documentos contidos no Concílio Vaticano II, o papel e a importância da família cristã.

Propaga-se aqui o ideal da Igreja Familiar, sendo esta a célula para uma comunidade ordeira. Dessa

maneira, a matéria destaca:

Que a tarefa (deveres e encargos), dos esposos é múltipla (isto é, tem muitos aspetos), principalmente na família e sociedade humana. O matrimônio é, em sua essência, uma doação mútua no amor e na fidelidade. Pela procriação e educação cristã dos filhos fundam os esposos a célula vital da sociedade humana a família (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 8).

Como argumenta Ana Ribas (2011), em pesquisa sobre as concepções de boa imprensa e a

família veiculadas jornal católico “O Apóstolo”, o discurso religioso acaba por legitimar um modelo

de família calcado no exemplo segundo o qual as relações familiares baseavam-se na estrutura clerical

da Igreja, caracterizando a família como uma extensão da Igreja na sociedade (RIBAS, 2011, p. 98).

Na esteira desta compreensão, foram encontradas ainda nove matérias que se referiam exclusivamente

à família, considerada um espaço privilegiado para a propagação da fé católica. Assim, de acordo com

Aujôr Júnior (2006), os pais são colocados como colaboradores do Criador na função de transmitir a

vida e zelar pelo seu desenvolvimento harmonioso e integral (JÚNIOR, 2006, p. 64).

A proposição da lei do divórcio, aprovada no Brasil somente em 1977, já estimulava

discussões e debates em boa parte do território nacional, e o jornal, pelo número expressivo de

matérias sobre a família, faz ressoar algumas vozes sobre as posições tomadas. Em geral, os conteúdos

destacam as causas para a separação dos casais, apontam a importância da participação do movimento

familiar junto à comunidade, além de vincular o discurso de alguns padres em defesa da família, como

demonstram as chamadas das matérias apresentadas nas imagens 01 e 02.

Page 5: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

Imagens 01 e 02: Folha do Norte do Paraná (08/02/1973; 15/02/1973).

Dom Vicente Scherer, bispo da diocese de Porto Alegre, salienta, na reportagem da imagem

01, duas possíveis causas para a separação dos casais: o individualismo e o erotismo. Assim, diante do

contexto brasileiro entre as décadas de 1960 e 1980, onde passam a fazer parte do cotidiano nacional

um processo de urbanização e industrialização, bem como a ação de movimentos como o feminista e a

contracultura, abrem-se os caminhos para que as "verdades absolutas" passem a ser relativizadas.

Neste novo universo acontece um investimento da Igreja, como atesta a criação e fortalecimento de

movimentos de família – Movimento Familiar Cristão, Cursilho de Cristandade, etc. –, a publicação de

encíclicas papais, além de documentos e orientações que tratam da sexualidade (CARVALHO, 2001).

Ainda em relação à família, Dom Scherer, na matéria ilustrada pela imagem 02, defende que

os fracassos familiares não justificam mudanças na praxe religiosa, principalmente em relação ao

sacramento do matrimônio. Dessa maneira, continua o prelado, se na época da tecnologia,

da dessacralização das instituições e do crescente conforto da vida, se multiplicam as transgressões das normas dos Evangelhos, esse fato doloroso sucinta evidentemente tristeza e preocupação, mas não autoriza o abandono da lei e da doutrina que os próprios interesses temporais do homem justifiquem e exigem (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 8).

Nesse sentido, por meio da construção de discursos em resposta aos questionamentos

levantados pela modernidade às disposições doutrinárias, a Igreja Católica acaba por permitir certas

rupturas nas significações e representações, no entanto, algumas imagens insistem em permanecer.

Assim, a direção apontada pelos dizeres autorizados ainda é a sexualidade restrita ao matrimônio e à

procriação, a sacralidade do espaço familiar, dentre outros (RIBAS, 2011; CARVALHO, 2001).

Em relação à possibilidade do divórcio, encontramos a matéria publicada no dia 16 de janeiro,

na coluna Reconstruir o Mundo, cujo título é “Desquite: solução ou novo problema?”. O autor da

matéria argumenta que, entre as causas dos fracassos conjugais, aparece a falta de conhecimento sobre

o seu parceiro, a procura pela felicidade infinita, entre outras. Entretanto, ao final da matéria, conclui-

se que mesmo diante das dificuldades o desquite não é uma solução e sim um novo problema, tanto

para os filhos quanto para as mulheres, que ficariam marginalizadas socialmente. Destarte, a

autoridade do marido sobre a mulher, e as distâncias entre homens e mulheres mantêm-se, no contexto

brasileiro, mesmo que convivendo com as ideias da modernidade, da mudança (CUNHA, 2001).

Page 6: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

No que se refere às questões levantadas pelos novos padrões de comportamento construídos

sob a influência dos ideais de liberdade sexual, amor livre e o consumismo, entre outros, a Folha

Religião expõe matérias como “Amor Diferente”, publicada no dia 17 de fevereiro, que destaca a

opinião de jovens que acreditam na liberdade para amar. Perante esses comentários, o texto prossegue

reagindo de maneira contrária a esse erotismo, usando elementos fisiológicos para explicar o tipo de

união abençoada por Deus, ou seja, aquela baseada no matrimônio.

Na coluna Reconstruir o Mundo, destaca-se também alguns apontamentos diante das

mudanças no cenário social, como demonstra a matéria do dia 23 de janeiro, na qual se argumenta que

os homens estariam se tornando materialistas. Além disso, responsabiliza as mulheres que não

estariam dando conta da tarefa de fazer nascer amor de Deus no coração dos homens. Com base na

argumentação de Ana Ribas (2011) sobre o posicionamento da Igreja diante dos novos desafios

sociais, sobressai a figura da mulher enquanto ocupante de um local estratégico no discurso religioso

para a manutenção do poder do catolicismo, uma vez que as normas católicas poderiam ser

introduzidas no interior de cada família através da esposa/mãe, que educaria os filhos e influenciaria o

marido (RIBAS, 2011, p. 98).

2.2 Coluna Feminina

Com periodicidade diária e, em geral, sem identificação da autoria, a Coluna Feminina,

composta por notas, informes e matérias, localiza-se na terceira página do segundo caderno do jornal,

e ocupa uma pequena lateral da folha, ao lado de outros conteúdos como horóscopo e notícias sobre o

mundo das celebridades. Dentre os temas abordados nas 47 matérias encontradas na coluna,

sobressaem a indicação de receitas culinárias, dicas de moda e estética, orientações sobre o

comportamento e sobre a educação dos filhos. Entre os apontamentos presentes neste espaço consta a

matéria do dia 01 de junho, cujo título questiona “Ser dona de casa basta?”, e responde:

O trabalho com a casa, os filhos e o marido, por mais digno e necessário que seja, não traz realização a mulher moderna. Ela já não se satisfaz com o sucesso profissional obtido pelo marido. Realizar-se por tabela, não é a mesma coisa que sentir-se útil como indivíduo atuante na sociedade graças a seus valores próprios (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 3).

Prosseguindo, a matéria argumenta que o trabalho doméstico não é tarefa que ocupe o dia

todo, podendo a mulher se dedicar a outras atividades para se sentir útil. Assim, aponta que para a

mulher moderna o cuidado com a casa, o marido e os filhos já não bastam. Nessa mesma perspectiva,

o texto demonstra que, no tocante à educação dos filhos, era de grande importância o aprimoramento

da mulher, que poderia legitimamente desempenhar uma segunda jornada de trabalho: ao lado da

Page 7: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

função de ser dona e responsável pelo lar, desempenhar uma profissão a ser desenvolvida no espaço

público. Essa representação, como aponta Margareth Rago (2008), é frequente na imprensa do início

do século XX, quando as revistas femininas reafirmam “o papel da mãe como educadora, como

atividade mais importante da mulher, porém, de uma mãe racional, inteligente, moderna, atuante na

vida social, em oposição à figura instintiva, ignorante e conservadora do passado” (RAGO, 2008, p.

81).

A matéria “Boas maneiras da elegância”, veiculada no dia 13 de abril, aponta que a elegância

é uma conquista indispensável à mulher, e apresenta dicas de boas maneiras como dar licença às

pessoas mais apressadas, pensar no gosto do outro ao presentear, felicitar as pessoas nas ocasiões de

casamento e aniversário, a discrição ao vestir-se e ao conter-se em momentos de ira, além de ser

educada e instruída de modo a “estar a par dos acontecimentos gerais, a fim de poder participar de

qualquer conversação” (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 3).

É possível constatar, conforme já antecipado por Teixeira (2008) em outra pesquisa, que as

matérias veiculadas na Coluna Feminina adotam uma linguagem coloquial, utilizando gírias, bordões e

invocando a leitora de forma íntima e amiga. Mediante esta constatação, a Coluna Feminina corrobora

para a formação de um modelo de feminilidade, ao vincular em seus artigos assuntos como dicas de

moda, beleza, etiqueta e culinária.

Nas imagens abaixo, pode-se perceber alguns exemplos de matérias que orientam os cuidados

com bem-estar da casa e dos filhos. A imagem 03, por exemplo, orienta as mães a brincarem com seus

filhos em seu horário de folga. Já na imagem 04 as orientações são para o cuidado com a casa,

indicando a jardinagem como uma saída para manter a casa colorida e viva. Na imagem 05, apresenta

dicas de moda para agilizar e facilitar à mulher a escolher adequadamente suas roupas conforme as

diferentes ocasiões. Dessa forma, cuidar da casa, do marido e dos filhos figurava como um dos pré-

requisitos para o sucesso de uma vida conjugal, assim se entrelaçam como funções femininas os

cuidados de si, relacionados à sedução, e os cuidados com os outros, relacionados ao ambiente

doméstico (MIGUEL, 2012).

Imagens 03, 04, 05: Folha do Norte do Paraná (27/04/1973; 14/09/1973; 08/06/1973).

Os conteúdos apresentados na Coluna Feminina, portanto, acabam por destinar às mulheres

papéis femininos tradicionais, que ressaltam algumas características que podem ser englobadas no

Page 8: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

termo “feminilidades”, como pureza, doçura, resignação, instinto materno, etc. (CUNHA, 2001). No

entanto, com o discurso modernizador presente na sociedade brasileira, passa-se a valorizar uma

representação da mulher enquanto uma figura educada, polida e sempre atualizada. Ao que parece, a

Coluna Feminina poderia torna-se a melhor amiga das mulheres, na medida em que ensina a ter uma

dieta leve e saudável, apresenta dicas e truques de maquiagem e moda, o que permitiria as mulheres

maior liberdade para dedicar-se a outras funções, para além dos cuidados com os outros e para os

outros.

2.3 Publicidade

Neste eixo reúnem-se os anúncios que fazem alusão à mulher, seja como público alvo ou

como meio de propaganda dos produtos apresentados pelo jornal. Além de estar distribuída por todo o

jornal, a publicidade do periódico possui, em geral, alguma relação com as matérias e pautas da página

em que se encontram. Os materiais identificados foram relacionados levando em consideração os

produtos e serviços que ofertavam. Dessa maneira, conforme sugestão desenvolvida em pesquisa por

Raquel de B. P. Miguel (2012), optou-se em classificar os anúncios destinados à mulher em duas

categorias: os associados aos cuidados para si e aqueles direcionados aos cuidados para os outros.

As propagandas cujos produtos se relacionam com os cuidados para si, em geral, procuram

vender artigos de beleza e roupas às mulheres. Foram identificados um total de 6 anúncios nos quais

sobressaem a elegância e o charme, como podem ilustrar as imagens 06 e 07, ao veicularem imagens

de mulheres em poses e olhares que transmitem segurança e atitude.

Já na categoria cuidados para os outros, encontram-se as propagandas de artigos destinados ao

zelo com o lar. O tom coloquial das matérias parece estabelecer uma relação de amizade e confiança

entre as leitoras, o jornal e os anunciantes. A propaganda do dia 18 de fevereiro destaca o seguinte:

“Não vá em conversa fiada... Tem gente falando por aí que ‘faz milagres’”, indicando ao consumidor

que nesta loja se pode confiar, e ao final arremata dizendo que “tudo de bom para o seu lar”. Pode-se

citar, também, outras publicidades que procuram vender produtos para modernizar, embelezar e

harmonizar o lar, como a propaganda da imagem 08, que explora a praticidade de seus produtos e os

materiais inovadores empregados na sua composição.

Page 9: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

Imagens 06, 07 e 08: Folha do Norte do Paraná (10/06/1973; 06/09/1973; 05/09/1973).

No tocante ao uso da imagem da mulher para vender um produto, pode-se destacar,

principalmente, as propagandas de pneus, como as dos dias 3 e 26 de junho (imagens 09 e 10), que

procuram salientar as coisas boas da vida e a necessidade de segurança para apreciar esses momentos:

o consumidor deve confiar na marca de pneu anunciada. Já no caso da imagem 11, na qual o produto a

ser vendido é um carro, argumenta-se no sentido de que a comunhão de bens selada pelo casamento

não se restringe à casa, mas a outros bens, de modo que para evitar discussões em relação à divisão e

usufruto dos bens do casal, sugere-se que a ajuda se encontra na aquisição de mais um veículo,

beneficiando a mulher, aquela que “faz mil e uma coisas no lar”.

Imagens 09, 10 e 11: Folha do Norte do Paraná (03/06/1973; 26/06/1973; 15/09/1973).

O aumento do número de anúncios no jornal insere-se no contexto de modernização e

desenvolvimento do país e da região, impulsionado, em grande parte, pelo discurso midiático de

estímulo ao consumo e pela entrada de novos produtos no mercado (MELLO; NOVAIS, 2006). É

também neste contexto que a mulher passa a ser cada vez mais encarada como consumidora em

potencial, o que se pode notar no grande número de propagandas a ela destinadas.

Por fim, como sugerem as imagens da publicidade expostas anteriormente, a representação da

mulher veiculada pelo jornal faz a alusão à beleza, elegância, atitude, praticidade e modernidade,

enaltecendo a representação de um modelo de feminilidade pautado na modernidade, versatilidade e

elegância. Por conseguinte, essas novas representações veiculadas nos anúncios possuem como

Page 10: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

objetivo final “ligar a desejada identidade a um produto específico, de modo que a carência de uma

identidade se transforme na carência do produto.” (VESTERGAARD; SCHRODER, 2004, p. 109).

2.4 Conflitos

Foram incluídas na categoria Conflitos as matérias que mencionam o envolvimento das

mulheres em casos de violência, crime e prostituição, uma vez que esta última, tanto no contexto da

década 1970 quanto atualmente, ainda é um lócus de discussão, criminalização e embates. Grande

parte do conteúdo compreendido por este eixo localiza-se na Folha Policial, veiculada na quarta

página do primeiro caderno do jornal. Foram identificadas 17 matérias que retratam casos de violência

e crimes cometidos pelas e contra as mulheres, além de notas sobre o recolhimento de prostitutas pela

polícia.

Nos primeiros meses do ano localizaram-se as matérias que retratam a luta policial contra a

vadiagem (prostituição), travada por meio de apreensões e fichamentos das presas. As matérias

identificadas durante a leitura, em geral, traziam os nomes das presas e o local onde as mesmas foram

apreendidas. Essas matérias que retratam o embate entre as prostitutas, os policiais e autoridades

possuíam chamadas como:“Polícia caça as mulheres de vida fácil”; “Presas mais mulheres”;

“Moralização manda mulheres à cadeia”. A matéria do dia 06 de janeiro, cujo título é “‘Arrastão’ de

vadias”, além dos nomes das detidas e do local, cita também o horário em que elas circulam e

transformam o local “em um verdadeiro mercado de mulheres da vida”, por fim, salienta que a prisão

dessas mulheres é uma “providência policial é mais que oportuna, sobretudo porque a cidade volta a

ficar infestada de mulheres da vida” (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 4).

No espaço da Folha Policial também são encontradas matérias que abordam ocorrências de

violência contra a mulher, cometidas geralmente pelo marido, pai ou amasiado, e cujo principal

motivo é o ciúme, ou, como é afirmado, para impor e manter a autoridade. Esses casos de violência

retratados no jornal, comumente, acabam com a prisão do agressor. No entanto, é interessante observar

a preocupação em torno do aumento da violência mencionado em matérias como “Espancamentos e

esfaqueamentos” e “Outra vez, mulheres estranguladas”, que apontam para reincidências de crimes

cruéis que acabam com a morte das jovens esfaqueadas, estranguladas ou afogadas.

Os casos que acabam por ganhar mais espaço no periódico são aqueles que retratam a

violência ou o crime cometido pelas mulheres. Essas matérias, em sua maioria, se encontram na capa

do jornal, utilizando títulos e chamadas em letras grandes e chamativas. Dessa forma, são retratados

em matérias como “Helena em liberdade”, o caso de uma mulher presa por tráfico de entorpecentes, o

surto de violência de uma mulher acompanhada de seu marido, que após se envolver em um acidente

de carro desce do veículo e agride o outro envolvido com uma mangueira de borracha. Além destes

Page 11: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

dois exemplos, localiza-se também o caso de uma jovem francesa que sequestrou um avião com 120

passageiros em represália ao governo francês.

Destarte, mesmo diante dos avanços e da crescente modernização das camadas da sociedade,

alguns modelos de feminilidade tendem a permanecer. Nessa direção, portanto, as ocorrências de

crimes cometidos pelas mulheres transgridem as leis e as normas sociais, pois acabam por romper

“com a moralidade e assumindo características próprias dos homens como a força, a agressividade, os

instintos primitivos, a violência e o crime” (PRIORI, 2012, p. 26).

Ainda nesta perspectiva, aliado ao crescimento e desenvolvimento das áreas urbanas da região

do norte paranaense, práticas como a agressão, vadiagem e embriaguez são percebidas como ameaças

da ordem e da moral social. Dessa maneira, assim como ocorrido no oeste paranaense abordado por

Tânia Zimmermann, algumas medidas como fechamento de bares e apreensões constituíram-se em

saídas tomadas pelo poder público para “impedir a livre circulação de mulheres no bojo de uma

política que visava retirar das áreas centrais os inconvenientes que desabonavam a imagem de cidade

limpa e civilizada que pretendiam construir” (ZIMMERMANN, 2011, p. 63, grifos da autora).

Deste modo, estabelecendo um diálogo entre as fontes e as leituras bibliográficas, pode-se

apontar que as matérias que evidenciam casos de violência e crime envolvendo mulheres trazem

imagens femininas que transgridem as normas e se distanciam do modelo de mulher calcado no ideal

de passividade, discrição e sexo frágil.

2.5 Diversas

Ao considerar os conteúdos encontrados e ao sistematizá-los em eixos, que levavam em conta

características como localização e periodicidade, notou-se que diversas matérias, apesar de não

apresentarem aspectos comuns entre si, difundem conteúdos de valor para a análise das representações

da mulher presentes no Jornal Folha do Norte do Paraná. Essas matérias versam sobre assuntos como

divórcio, direitos da mulher, esporte feminino, crescimento populacional, entre outros, distribuídas em

espaços como a capa do jornal, a Folha Geral – localizada nas primeiras páginas do caderno um e

apresentando notícias relacionadas à política e o editorial do jornal – e a Folha Variedades, que, em

geral nas últimas páginas do periódico, apresenta matérias sobre assuntos diversos e curiosidades.

Algumas matérias noticiam a atuação profissional da mulher, como é o caso da nota “Mulher

quer ser ‘operário-patrão’”, sobre a inscrição de uma mulher no concurso para eleger o melhor

trabalhador da cidade de Maringá. Na nota salienta-se que tal operária é muito querida e dedicada à

sua função na fábrica de móveis. O jornal expressa ainda, na matéria intitulada “Secretária”, publicada

no dia 02 de outubro, uma preocupação referente à formação profissional das moças que, ao

Page 12: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

completarem a formação escolar, não conseguem ingressar no mundo do trabalho, uma vez que a

escola não atende às exigências do mercado, acrescentando que:

Nem toda moça tem um pai rico. Em maioria, elas precisam trabalhar. Mas esbarram com dois problemas: o primeiro é encontrar um emprego onde elas sejam devidamente respeitadas inclusive pelos patrões. O outro é a sua própria incapacitação para a vida profissional. (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 3).

A reportagem sugere a importância das jovens procurarem cursos complementares para se

tornarem aptas para o mundo do trabalho. Ainda sobre a atuação profissional da mulher, pode-se

apontar a matéria presente na capa do segundo caderno ocupando a página toda, publicada no dia 29

de abril. Apresentam-se algumas orientações práticas sobre as medidas a serem tomadas em

decorrência da aprovação da lei que garantia o acesso à previdência social para as empregadas

domésticas. Portanto, tendo em vista o processo de consolidação do capitalismo, cresce o estímulo e a

incorporação da mão de obra feminina, bem como da capacitação destas diante do mercado de

trabalho (MELLO, NOVAIS, 2006).

Sobressai também a matéria de capa do dia 7 de junho, a respeito do crescimento populacional

no Brasil, que ao apresentar os números e as estimativas sobre o aumento dos habitantes do país,

veicula a foto de uma enfermeira com um bebê no colo trazendo a seguinte legenda: “Nas

maternidades, o aumento da população” (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 1). Inserida,

portanto, no contexto de incentivo às medidas contraceptivas por parte da política internacional,

voltada para a redução da população, principalmente dos países pobres, encontra-se a experiência

contraceptiva no Brasil, como argumenta Joana Maria Pedro (2003). Nesse sentido, aumentam-se os

discursos tanto sobre as consequências do crescimento da população, como sobre os novos métodos

contraceptivos.

Ademais, outra preocupação identificada no periódico está relacionada ao divórcio, como já

anotado quando da análise do eixo Folha Religião. A matéria “Um drama” veicula um poema sobre a

perspectiva dos filhos diante da separação dos pais: sensação de desapontamento, medo e abandono,

como demonstra o seguinte trecho:

Papai e mamãe, que foi que separou vocês de nós? Que maldição desabou sobre nosso teto que jogou vocês, cada um para seu lado, e nós ficamos sem os dois? Nós compreendemos que vocês quiseram estar vem, ser felizes, cada um a seu modo e por isso desfizeram o lar em que nascemos. Mas a alegria morreu. Cavou-se um vazio em nossos corações, e o pior é que esse vazio se vão enchendo de fel. Começamos a viver descrendo do Amor! (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 3).

Page 13: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

Ainda sobre os problemas familiares podemos citar também o texto “A mulher do Bebum”,

presente no mesmo espaço da matéria apresentada anteriormente, ou seja, na página três do periódico,

figurando como editorial ou voz do jornal. O texto problematiza as causas dos homens se entregarem

ao vício e destaca a responsabilidade da mulher para com este cenário, mencionando assim:

Chega-se à conclusão de que a causa mais frequente de um homem tornar-se mau esposo e mau pai é uma esposa insuficiente generosa, assim como a causa principal de uma mulher fracassar no casamento é um esposo irresponsável e insensível. Um estraga o outro. Ambos são culpados do fracasso (FOLHA DO NORTE DO PARANÁ, 1973, p. 3).

No entanto, em relação à mulher, merece menção a matéria “A mulher e o lar”, que aborda as

crescentes conquistas femininas em relação à sua emancipação, como o acesso ao ensino superior, a

cargos nas câmeras legislativas, finalizando o texto dizendo que a mulher estava totalmente

emancipada sem, no entanto, deixar sua missão sublime e natural de ser esposa e mãe.

Por fim, pode-se argumentar que as matérias veiculadas neste eixo de análise expressam a

diversidade de representações que emergem no discurso do jornal. Neste sentido, cabem à mulher os

papéis tradicionais de esposa e mãe, responsável pela felicidade do casamento (CUNHA, 2001).

Entretanto, não somente a estes papéis a figura feminina está relacionada, já que os conteúdos

encontrados apontam para emancipação feminina, por meio do ganho do espaço público,

principalmente com seu avanço sobre o mercado do trabalho. Ademais, outras preocupações se fazem

presentes, como é o caso das discussões sobre o divórcio e a vida familiar.

3 Considerações finais

Com o objetivo de discutir as representações das mulheres veiculadas no Jornal Folha do

Norte do Paraná no ano de 1973, buscou-se problematizar alguns pontos como as relações de gênero

da época, bem como o recurso de utilização da mídia impressa como recurso da Igreja Católica para a

difusão de preceitos e valores, e a análise do jornal como produtor de sentidos e portador de

representações moralizantes acerca dos papéis sociais que deveriam ser desempenhados pelas

mulheres.

Ao problematizar certos aspectos do uso do jornal como fonte de pesquisa, insere-se no

contexto de intencionalidades e disputas de poder, levando em conta a historicidade e força junto ao

social. Ademais, somam-se questões como da inserção da mulher na historiografia, em meio ao

período de consolidação do capitalismo no Brasil, a revisão dos direitos trabalhistas das mulheres e a

disputa por postos de trabalhos, décadas antes destinados majoritariamente aos homens.

Page 14: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

Neste contexto, as posições oficiais da Igreja Católica passam por ressignificações, sobretudo

diante das transformações e questionamentos surgidos no mundo contemporâneo, apontando para

representações que associam a mulher como esposa e mãe devotada à vida religiosa a nova vivência

no mundo do trabalho. No entanto, no que se refere a questões como o erotismo e o divórcio, os

posicionamentos da Igreja permanecem apontando para a importância do sacramento do matrimônio,

da indissolubilidade do casal e da castidade.

A reunião dos conteúdos nos eixos de análise possibilitou, ainda, a percepção do movimento

das representações presentes no jornal. A partir desta perspectiva, a Folha Religião aponta para mulher

enquanto responsável por levar a fé e a religiosidade ao lar. A Coluna Feminina, assim como as

Propagandas, apresentam imagens de mulheres modernas, atualizadas e versáteis. As notas presente na

Folha Policial, por sua vez, elencam modelos de feminilidade que transgridem as normas e códigos

morais vigentes na sociedade do Norte do Paraná. Já a categoria Diversas veicula preocupações da

sociedade da época como a contracepção, o divórcio e a relação da mulher com o lar.

Finalmente, parece correto afirmar que no discurso Jornal Folha do Norte do Paraná

sobressaem várias representações da mulher, como apresentou a análise dos dados. No entanto, entre

as várias faces e facetas apresentadas as que mais se repetem são aquelas que vinculam a mulher à

figura da mãe, esposa galgando cada vez mais os espaços públicos.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Maristela Moreira. Sexualidade, controle e constituição de sujeitos: a voz da oficialidade da Igreja Católica (1960-1980). Revista Esboços, Florianópolis, v. 7, n. 9, p. 159-180, 2001.

CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 11, n. 5, p. 173-191, 1991.

CUNHA, Maria de Fátima da. Homens e Mulheres nos anos 1960/70: um modelo definido? Revista Questões e Debates, Curitiba, n. 34, p. 20-222, 2001.

DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2008, p. 113-153.

DIAS, Reginaldo Benedito; GONÇALVES, José Henrique Rollo (orgs.). Maringá e o norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá: Eduem, 1999.

JÚNIOR, Aujôr de Souza. A política demográfica da Igreja Católica e a medicalização da contracepção (1960-1980). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2006.

MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: SCHWARZ, Lilia Moritz (org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia da Letras, p. 559-658, 2006.

Page 15: AS VÁRIAS FACES DA MULHER REPRESENTADAS NO ......décadas de pesquisas. Destarte, é no cenário do início da década de 1980 que surge o conceito gênero, derivado da própria linguagem,

IX EPCT – Encontro de Produção Científica e Tecnológica Campo Mourão, 27 a 31 de Outubro de 2014

ISSN 1981-6480

MIGUEL, Raquel de Barros P. Os Cuidados de Si e os Cuidados do Outro: lugares de gênero na publicidade da revista Capricho (décadas de 1950-1960). Projeto História, São Paulo, n. 45, p. 219-242, 2012.

PAULA, Antonio Roberto de. O jornal do bispo: a história da Folha do Norte do Paraná. Disponível em: http://jornaldobispo.blogspot.com/2010/04/livro-o-jornal-do-bispo-historia-da.html. Acesso em: 25 jan. 2014.

PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 77-98, 2005.

PEDRO, Joana Maria. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, 2003.

PEREIRA, Juliana dos Santos; COELHO, Fabiano. Considerações Sobre o “Milagre Econômico” Brasileiro na Imprensa Douradense (1970-1973). Revista História em Reflexão, Dourados, v. 4, n. 8, p. 1-19, 2010.

PRIORI, Claudia. Mulheres Fora da lei e da norma: controle e cotidiano na Penitenciária Feminina do Paraná (1970-1995). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2012.

RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). 2 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

RIBAS, Ana Claudia. A Boa Imprensa, a política e a família: os discursos normatizantes no jornal O Apóstolo (1929-1959). Espaço Plural, Marechal Candido Rondon, n. 24, p. 96-106, 2011.

ROBLES, Orivaldo. A igreja que brotou da mata. Maringá: Ed. Dental Press, 2007, p. 174-223.

SCOTT, Joan. História das mulheres. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Edunesp, 1992, p. 63-95.

_______. Prefácio à Gender and Politics of History. Cadernos Pagu, Campinas, n. 3, p. 11-27, 1994.

TEIXEIRA, Nincia Ribas Borges. Valério, Maristela S. A “nova” mulher: o estereótipo feminino representado na revista Nova/Cosmopolitan. Disponível em: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/versoereverso/article/view/5758/5216. Acesso em: 10 de jun. 2014.

TOMAZ, Paulo César. A região norte do Paraná e a formação da cidade de Maringá. Revista Semina, Passo fundo, v. 8, n. 2, p. 1-19, 2010.

VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. Estratégias de comunicação: sexo e classe. In: A linguagem da propaganda. 4º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 105-107.

ZIMMERMANN, Tânia Regina. Violência de gênero em jornais e revistas do Oeste do Paraná (1960-

1980). OPSIS, Catalão, v. 11, n. 1, p. 57-76, 2011.