Aspectos Biopsicossociais Do Cotidiando de Pessoas Soropositivas Ao HIVAIDS Na Maturidade e Na...
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Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
ASPECTOS BIOPSICOSSOCIAIS DO COTIDIANDO DE PESSOAS
SOROPOSITIVAS AO HIV/AIDS NA MATURIDADE E NA VELHICE
Josevânia da Silva; Ana Alayde Werba Saldanha
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa – PB, Brasil.
Introdução: A vivência da AIDS na maturidade e na velhice caracteriza-se por
vicissitudes que, se por um lado gera ganhos secundários em algumas dimensões da
vida, também gera preconceitos e impactos negativos na vida afetivo-sexual, bem
como demanda esforço contínuo para a manutenção do tratamento. Objetivo:
Apreender os discursos acerca da convivência com a AIDS de pessoas soropositivas
ao HIV/AIDS na maturidade e na velhice. Método: Participaram 10 pessoas, sendo 6
homens e 4 mulheres, com idades variando de 51 a 72 anos, atendidas em um
hospital de referência no tratamento dessa patologia na cidade de João Pessoa-PB,
Brasil. O tempo de diagnóstico variou de 1 a 14 anos. Como instrumento, utilizou-se
um Questionário biodemográfico e clínico e Entrevista. Com os dados do questionário
realizou-se uma análise descritiva, já para a análise dos dados das entrevistas,
utilizou-se a Análise de Discurso. Resultados: A partir da análise dos discursos dos
participantes, emergiu a classe temática Cotidiano com AIDS composta por 13
categorias, e 21 sub-categorias. As Categorias foram: Contágio, Diagnóstico,
Percepção da AIDS, Relacionamento Afetivo-Sexual, Enfrentamento, AIDS na
Velhice, Suporte, Preconceito, Trabalho e Perspectivas. Conclusão: A AIDS está
vinculada com distintos tipos de vulnerabilidades quando se considera as questões de
gênero, de renda, de níveis educacionais, de oportunidades de trabalho, de acesso aos
bens materiais e simbólicos, entre outras. Ademais, verificou-se a dimensão
ontológica da sexualidade, enquanto característica humana, não se limitando ao tempo
e à idade, construindo-se no decorrer da trajetória existencial dessas pessoas e
perpassada pela dimensão sociocultural.
Palavras-chave: HIV/AIDS; Maturidade; Velhice; Cotidiano; Discurso.
Nos últimos anos, os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde do
Brasil têm demonstrado o continuado aumento dos casos de AIDS – Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida – em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos. Se
por um lado estes dados apontam para um público, até então, negligenciado nas
campanhas de prevenção contra às doenças sexualmente transmissíveis (DST’s), por
outro, demonstra que, com o avançar da idade, as pessoas continuam vivenciando sua
sexualidade e, consequentemente, são vulneráveis ao risco de contrair DST’s, o que
contradiz os mitos acerca da sexualidade na velhice. Nesse contexto, Ayres, França Jr
e Calazans (1997) definiram a vulnerabilidade como sendo graus e naturezas de
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
susceptibilidade de indivíduos e coletividades à infecção, adoecimento e morte pela
infecção por HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), segundo particularidades
formadas pelo conjunto dos aspectos sociais, programáticos e individuais que os põem
em relação com o problema e com os recursos para seu enfrentamento.
Quando se considera o plano social e individual, a vulnerabilidade dos idoso à
AIDS pode está relacionada à forma como se concebe o exercício da sexualidade na
maturidade e velhice, uma vez que a atividade sexual não se restringe aos aspectos
biológicos e físicos, possuindo, também, características psicológicas e biográficas do
indivíduo, bem como do contexto sociocultural onde se insere o idoso. Sobre este
aspecto, as propostas de ação, sugeridas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas
HIV/AIDS (UNAIDS, 2002), para diminuir o impacto do HIV/AIDS na população
idosa compreendem aspectos como: a mudança do “estigma” acerca da sexualidade na
velhice, a inclusão de serviços que abordem a questão do HIV, a criação de programas
educativos específicos para essas pessoas e a inclusão de idosos em pesquisas sobre
prevenção e assistência
Na velhice, A AIDS, mais que patologia, emerge como questão social,
causando impacto nas concepções existentes acerca da sexualidade, bem como
apresenta características específicas por tratar-se de indivíduo com outras patologias
associadas, consideradas como “próprias” da velhice, que mascaram o sintoma da
doença, ocasionando, em alguns casos, segundo Saldanha e Araújo (2006),
diagnóstico incerto ou inconclusivo.
A vivência cotidiana da AIDS neste grupo etário gera preconceitos e impactos
negativos na vida afetivo-sexual, bem como demanda esforço contínuo para a
manutenção do tratamento. Nesse sentido, este trabalho teve por objetivo apreender os
discursos acerca da convivência com a AIDS de pessoas soropositivas ao HIV/AIDS
na maturidade e na velhice. Para tanto, participaram 10 pessoas, sendo 6 homens e 4
mulheres, com idades variando de 51 a 72 anos, atendidas em um hospital de
referência no tratamento dessa patologia na cidade de João Pessoa-PB, Brasil.
Como instrumento, utilizou-se um Questionário biodemográfico e clínico e
Entrevista. Com os dados do questionário realizou-se uma análise descritiva, já para a
análise dos dados das entrevistas, utilizou-se a Análise Categorial Temática.
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
A partir dos resultados, verificou-se que o perfil dos participantes é
característico da pauperização da epidemia, uma vez que os participantes possuem,
em sua maioria, renda familiar de um salário mínimo e escolaridade correspondente
ao, no máximo, ensino fundamental incompleto. Todos os participantes eram
aposentados e estão fora do mercado de trabalho, com exceção de um participante que
recebe auxílio doença e ainda permanece no seu trabalho, mas com carga horária
reduzida. Embora a maioria dos participantes morasse acompanhados com familiares,
5 pessoas afirmaram não possuir cuidador quando necessitados de acompanhamento à
consultas ou internações, o que decorre do fato da família não saber do diagnóstico ou
por morarem sozinhos.
No momento da pesquisa, todos os participantes estavam fazendo uso da
terapia antirretroviral e o tempo de diagnóstico variou de 1 a 14 anos. Assim, diante
deste perfil, se por um lado os dados apontam para a eficácia da terapia antirretroviral
na sobrevida dessas pessoas, por outro demonstra a dificuldade dos mesmos em
permanecerem exercendo suas atividades ocupacionais, fato apresentado pelos
participantes como motivo de angústia e sofrimento, acompanhada da sensação de
improdutividade.
Dos participantes, 07 já entraram na maturidade e velhice com a
soropositividade ao HIV, 02 contraíram a doença após os 50 anos e 01 após os 60
anos. Além disso, a maioria dos participantes contraiu a doença através de relações
sexuais, demonstrando a importância da vivência da sexualidade nessa fase da vida e,
ao mesmo tempo, apresentando-se como a principal via de contágio. No caso das
mulheres, todas eram casadas e contraíram a doença do parceiro, tendo, apenas, uma
continuado o relacionamento com o parceiro após o diagnóstico. Todas as mulheres
justificaram o não uso da camisinha em decorrência da confiança no parceiro e por se
considerarem a “mulher de casa” e não a “mulher de fora”, fato também encontrado
nos discursos de mulheres HIV+ entrevistadas no estudo de Saldanha (2003). Para
esta autora, tais comportamentos são fundamentados nas crenças existentes entre as
mulheres sobre o mito do amor romântico, as quais são construídas ao longo da
história de vida dessas mulheres.
A partir da análise dos discursos dos participantes, emergiu a classe temática
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
COTIDIANO COM AIDS composta pelas seguintes categorias: (1) Contágio, (2)
Diagnóstico, (3) Percepção da AIDS, (4) Relacionamento Afetivo-Sexual, (5)
Enfrentamento, (6) AIDS na Velhice, (7) Suporte, (8) Preconceito, (9) Trabalho e (10)
Perspectivas.
Na categoria Contágio, mais que apontar a maneira pela qual os participantes
contraíram o HIV/AIDS, demonstrou indicadores de vulnerabilidade, a qual está
relacionada aos aspectos coletivos e contextuais, não apenas individuais, da historia
de vida dessas pessoas. A confiança no parceiro está presente nos discursos das
mulheres como justificativa para a não prevenção. Além disso, a atribuição de culpa
ao parceiro (a), acompanhada do sentimento de revolta, apresenta-se como
característica dos discursos das pessoas que contraíram o HIV por meio da relação
sexual.
A categoria Diagnóstico demonstrou que uma das características do
diagnóstico de soropositividade ao HIV em pessoas acima de 50 anos é sua revelação
tardia. A passagem por vários profissionais, a realização de vários exames, bem como
diagnósticos incertos foram relatados nos discursos, por exemplo: “... cada médico
que fizesse um tipo de exame. (...) Ninguém pediu teste pra saber dessas coisas de
HIV”. Tal discurso aponta para a AIDS enquanto fenômeno social perpassado por
questões morais e, no caso de pessoas acima de 50 anos, tais questões estão
relacionadas, principalmente, à sexualidade.
Já na categoria Percepção da AIDS, foram citadas às dificuldades de se
conviver com uma doença que não tem cura, bem como ao impacto negativo dos
discursos de campanhas de prevenção, tendo como referência a percepção do
portador.
“...agora que era o bom de viver aí aparece essa doença
que é um tormento. Um pesadelo na vida, tem que ter o
remédio certo na hora certa, não pode passar da hora,
qualquer coisa eu fico maluco...” [72 anos]
Na categoria AIDS na velhice, ao relatar sobre as suas vivências, os
participantes discorrem sobre atributos positivos que os tornam distintos e com
ganhos em relação aos mais jovens.
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
“...é claro que eu vou envelhecer, mas penso em fazer
muita coisa boa, eu não tenho muito trauma em relação a
idade. (...) Não tenho mais a vitalidade de um jovem, seja
por conta da idade, seja devido a doença. Mas eu levo
uma vida normal.” [56 anos]
A partir dos discursos, verifica-se que a AIDS na velhice apresenta-se como
uma vantagem em relação aos jovens quando se considera o tempo de vida já
decorrido, bem como o fato de já terem construído um futuro. No entanto, há que se
considerar a presença, nestes discursos, da crença de que, depois de certa idade, não
há muito que se viver. No entanto, ao longo dos anos, a expectativa de vida da
população tem aumentado (Neri, 2001).
Outro aspecto mencionado nos discursos dos participantes está presente na
categoria Relacionamentos afetivo-sexuais que discorreu sobre o medo da
descoberta do diagnóstico pelo parceiro ou de contaminá-lo.
“Daí quando eu penso no relacionamento, eu mesmo já
desvio e caio fora porque vai chegar a um ponto, que eu
não tenho o que dizer, eu vou ter que dizer a verdade, não
tem como enganar, e caso ela pergunte eu vou ter que
responder e falar do meu diagnóstico. Eu vivo sozinho...”
[58 anos]
Após o momento em que se descobrem soropositivas para o HIV, as pessoas
demonstram a necessidade de re-organizar a vida em seus vários aspectos. A partir
dos discursos dos participantes, na categoria Enfrentamento, verifica-se que a nova
condição foi incorporada de maneira diferenciada para essas pessoas, através de
estratégias igualmente distintas, seja através da naturalização da doença, seja por meio
da negação da doença. Já na categoria Suporte emergiram discursos sobre a ausência
de apoio no enfrentamento da doença, seja de familiares ou mesmo de profissionais de
saúde.
Além da ausência de suporte social, na categoria Preconceito foi observado
que a AIDS, mais que uma doença com impacto na saúde física e psicológica, é
acompanhada por estigmas socialmente construídos, os quais estão relacionados com
as crenças sociais sobre a doença (Ferreira & Figueiredo, 2006). Tais crenças
equivocadas emergem nos discursos dos participantes como um dos fatores que
contribuem para a discriminação sofrida. Verifica-se que no discurso “muitas pessoas
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
não sabem, acham que só basta pegar na mão que já é contagioso...” estão presentes
as crenças elaboradas na sociedade, no inicio da epidemia, sobre as formas de
contágio e que, ainda hoje, refletem no cotidiano dessas pessoas
Para as pessoas entrevistadas, o Trabalho emergiu como um fator importante
na manutenção da saúde. No entanto, a idade e o diagnóstico de AIDS apresentaram-
se como dificuldades para o exercício de atividades ocupacionais, seja em
decorrência da saúde debilitada, seja por ausência de oportunidades no mercado de
trabalho.
“Mas já é outro problema, quem vai dar ocupação pra
um portador? Se for mais velho então, aí ta perdido. Mas
trabalhar também ajuda na saúde.” [56 anos]
Por último, na categoria Perspectiva, a associação entre soropositividade ao
HIV e vivência do diagnóstico depois dos 50 anos, nos discursos dos participantes,
apresentou-se como fator potencializador de incertezas frente ao futuro, à morte e em
relação à própria saúde. Verificou-se que estas pessoas necessitam, constantemente,
reorganizar-se com relação aos seus sentimentos de esperança, aos seus papéis sociais
e identidades, às suas relações interpessoais e à sua Qualidade de Vida.
Verifica-se nos discursos destas pessoas que a vivência da AIDS na velhice,
mesmo considerando o aumento da sobrevida com o uso da terapia antirretroviral,
influencia na avaliação que elas fazem sobre seus planos para o futuro, bem como na
reavaliação dos aspectos considerados essenciais.
Conclui-se que a AIDS está vinculada com distintos tipos de vulnerabilidades
quando se considera as questões de gênero, de renda, de níveis educacionais, de
oportunidades de trabalho, de acesso aos bens materiais e simbólicos, entre outras.
Ademais, verificou-se a dimensão ontológica da sexualidade, enquanto característica
humana, não se limitando ao tempo e à idade, construindo-se no decorrer da trajetória
existencial dessas pessoas e perpassada pela dimensão sociocultural.
Referências
Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total
responsabilidade de seu(s) autor(es).
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Perspectiva dos Idosos, Cuidadores e Profissionais de saúde. VII Congresso
Virtual HIV/AIDS - O VIH/SIDA na Criança e no Idoso, 1(1), 14-19.
UNAIDS. (2002). Monitoring the Declaration of Commitment on HIV/AIDS:
Guidelines on Constructions of Core Indicators. Geneva: UNAIDS.
Josevânia da Silva – Psicóloga, Mestre em Psicologia Social/UFPB; Doutoranda em
Psicologia/UFPB. E-mail: [email protected]
Ana Alayde Werba Saldanha – Professora/Pesquisadora do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social da UFPB. Doutora em Psicologia pela FFCLRP-
USP. E-mail: [email protected]