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ASPECTOS DIDÁTICOS EM AVALIAÇÕES COM ITENS MULTIMODAIS
Avanúzia Ferreira Matias – Secretaria de Educação do Estado do CearáCarla Poennia Gadelha Soares – Secretaria de Educação do Estado do Ceará
RESUMO
A didática é uma das principais ferramentas à disposição do professor para o progressodo processo de ensino-aprendizagem. Está pautada na associação de conhecimentoscientíficos, que fornecem bases teóricas aos educadores, e históricos, que reúnemcaracterísticas da formação e desenvolvimento da sociedade a resultados obtidos naprática, tanto para ensinar quanto para avaliar. Baseando-nos nas práticas avaliativasobservadas no contexto de uma escola pública de Fortaleza, nosso objetivo é refletirsobre itens avaliativos elaborados com uso de textos multimodais. Para a análise dosdados, apoiamo-nos, principalmente, em aspectos da avaliação (PERRENOUD, 1999),nas características dos gêneros textuais (BAKHTIN, 1997) e na relevância doletramento para a sociedade atual (ROJO, 2008). Essa investigação realizou-se por meiode uma pesquisa de campo qualitativa, validada pela análise de itens multimodaisaplicados em avaliações e por respostas a itens multimodais respondidos por professoresde Língua Portuguesa de diferentes instituições escolares. Em nossas análises,consideramos elementos observados no propósito dos professores avaliadores diante dositens elaborados por eles e as respostas de professores que responderam a uma questãoproposta. Nossas conclusões formam-se a partir das considerações entre o que osprofessores avaliaram e o que responderam frente a questões multimodais. Osresultados apontam que a concepção dos professores a respeito de elaboração de itensnão é clara, e eles, muitas vezes, não compreendem o propósito de um textomultimodal, preocupando-se apenas com aspectos ilustrativos, esquecendo-se de que opropósito para o qual esses textos são criados e o contexto nos quais eles circulam têmuma carga ideológica repleta de críticas direcionadas a um modelo não aceitosocialmente.
Palavras-chave: Leitura. Itens Multimodais. Avaliação.
INTRODUÇÃO
A palavra didática (didáctica) vem do grego, com a representação gráfica Τεχνη´
διδακτικη´ (techné didaktiké), que pode ser traduzida como arte ou técnica de ensinar.
Sabe-se que há muitas formas de se ensinar diferentes conteúdos e, considerando-se os
propósitos do ensino nas instituições formais, deve-se constatar em que medida esses
ensinamentos foram exitosos, isso se dá por meio de práticas avaliativas. Nesse
contexto, a didática corresponde a diferentes formas de ensinar, orientar, acompanhar e
avaliar o processo de ensino-aprendizagem.
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É imprescindível que o docente reflita sobre a importância da teoria para a sua
prática, porque, assim como em qualquer profissão, há sempre um embasamento teórico
que fortalece a prática. Nesse sentido, de acordo com Solé e Coll (1996), a teoria serve
para interpretar, analisar e intervir na realidade que, por meio desse aporte teórico,
tenta-se explicar. Portanto, as explicações teóricas fornecem subsídios que fortalecem a
didática e potencializam sua função.
Na prática, a didática passa por muitas etapas, nas quais se pode observar a
importância do momento de ensinar e do momento de avaliar. De acordo com as
orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
a formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição deconhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade para usar asdiferentes tecnologias relativas às áreas de atuação [...]. A nova sociedade,decorrente da revolução tecnológica e seus desdobramentos na produção e naárea da informação, apresenta características possíveis de assegurar àeducação uma autonomia ainda não alcançada. Isso ocorre na medida em queo desenvolvimento das competências cognitivas e culturais exigidas para opleno desenvolvimento humano passa a coincidir com o que se espera naesfera da produção (BRASIL, 1999, p. 11,14,25, 26).
Todo aluno precisa ser acompanhado por seu professor ao ponto de suas ações e
respostas às diferentes estratégias de ensino sejam consideradas um demonstrativo de
que houve aprendizagem. A todo instante o educador precisa estar atento e perceber
como seus educandos constroem conhecimento. Consequentemente, há de se considerar
a avaliação não apenas como procedimento educacional regulamentado, pois esta é uma
forma imprescindível de medir, durante todo o processo educativo, como a ação reflete
no aluno, por isso é fundamental que o professor se preocupe com formas eficazes de
avaliação.
A AVALIAÇÃO COMO PROCEDIMENTO DIDÁTICO
Um educador jamais deve limitar o uso da avaliação apenas a um instrumento
que permite atribuir nota. A avaliação deve subvencionar a prática docente no tocante à
necessidade de reformular procedimentos metodológicos e ajustá-los, para que o
processo de ensino-aprendizagem seja fortalecido. Por outro lado, serve para constatar
dificuldades em relação ao conteúdo estudado, mas também para que se saiba o que foi
assimilado; os resultados variam de acordo com o propósito de cada avaliação.
Nas últimas décadas, muitos pesquisadores da área de avaliação têm
intensificado seus estudos acerca do real papel da avaliação e sobre o uso que se tem
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feito dos resultados dela, sobre quais medidas devemos tomar, enquanto educadores, a
partir dos indícios apresentados nos resultados das diferentes formas de avaliar.
Sabe-se que, mesmo com tantos estudos e reflexões a respeito de práticas
avaliativas, ainda se mantém cristalizada, em muitas instituições, nas práticas de muitos
professores, a adoção da avaliação apenas na perspectiva de medir a aquisição de
conceitos e atribuir notas que representam a promoção do aluno para um novo estágio,
para uma nova etapa de seu processo de aprendizagem.
Essa “regra”, infelizmente, ainda tem muita força nas escolas de educação básica
do Brasil, onde não se vê uma perspectiva heurística no tratamento dos resultados de
avaliações. É evidente que os alunos também não estão esclarecidos do real papel da
avaliação, por isso o mais importante sempre acaba sendo a nota que se consegue obter
nestes instrumentais. Mesmo depois de terem acontecido reformas na educação, depois
da orientação dos Parâmetros Curriculares, da implementação da LDB, da proposta de
desenvolver uma educação menos tradicional, mais crítica e participativa, na qual o
conhecimento vai se construindo à medida que a formação vai se fortalecendo nas
experiências e nas reflexões, a avaliação ainda é um elemento de resistência, pois
continua sendo um instrumento basicamente de medida.
Uma interpretação dos resultados da avaliação, associada a uma apreciação do
ato educativo poderia resultar muito mais do que numa nota medida de forma isolada,
pois um estudo a respeito das práticas educativas poderia, sem dúvida, comprovar a
necessidade de mudanças na didática dos professores, nos métodos de avaliação. O
aluno precisa ter a oportunidade de reestruturar seus conteúdos. O professor precisa se
permitir refazer sua forma de intervir diante da dificuldade do aluno, mesmo que para
isso precise modificar sua forma de avaliar. É necessário que haja uma conscientização
de que os instrumentos de avaliacão são uma ferramenta fundamental para orientar o
rumo das práticas pedagógicas em sala de aula.
Um professor universitário consultado por nós durante a escrita desse artigo deu
a seguinte declaração sobre suas constatações sobre o uso que se faz da avaliação nas
instituições escolares, independente do nível de ensino: “o professor, muitas vezes,
elabora uma avaliação para provar que o aluno não sabe o conteúdo, é isso o que
parece, pois muitos itens são desenvolvidos de forma intencional, para que o aluno
erre”. Mas o que isso tem de relevante no contexto do processo avaliativo? O que esse
item “mal intencionado” consegue provar?
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Outro ponto que se pode questionar é a prática comum das instituições
educacionais de estipular datas para avaliar, isso apenas comprova o quanto se rejeitam
as inúmeras e valiosas possibilidades de avaliação do educando, e estas podem
acontecer a todo momento, enquanto o aluno demonstra, involuntariamente, seu
progresso cognitivo, seja por meio de gestos, de expressões, de atitudes, de estratégias
para resolver um problema, de interação com o grupo, do trabalho sistematizado etc.
De acordo com Perrenoud (1999), quando o professor atribui notas baseadas
apenas no resultado de avaliações com agendamento prévio, há problemas de equidade,
visto que, dessa forma, ele faz as mesmas questões para toda a turma responder no
mesmo momento e nas mesmas condições. Não é possível que a aprendizagem de todos
os alunos sejam “sincronizadas a ponto de, durante exatamente o mesmo número de
horas ou de semanas e estritamente em paralelo, os alunos aprendam a mesma coisa”.
(PERRENOUD, 1999, p. 73 e 74).
O conceito de avaliação ainda deve percorrer um longo caminho de
amadurecimento, para que o processo educacional não seja finalizado com o simples ato
de medir, mas que o ato de avaliar seja compreendido como algo mais amplo e
significativo, com o qual se possa trabalhar na tentativa de garantir um ensinar e
aprender mais eficaz. Sem a compreensão do papel da medida avaliativa e da sua
importância para a melhoria do processo educacional, essa ação não faz sentido, visto
que o sistema educacional não tem se modificado em consequência dos resultados da
avaliação interna, dentro da instituição, mas sim pelas necessidades impostas pelo
sistema, pelos novos formatos que a avaliação externa vem assumindo nos últimos dez
anos.
O PROPÓSITO DOS GÊNEROS MULTIMODAIS NA AVALIAÇÃO
Ao falarmos de gêneros multimodais, é importante esclarecer os propósitos de
um texto dessa natureza, já que nesses gêneros, a função informativa não se desvincula
da função sociocultural.
Bakhtin, além de defender que existe o caráter social dos fatos da linguagem,
defende também que há uma variedade de atos sociais produzidos por diferentes
gêneros, acarretando uma multiplicidade significativa das produções de linguagem.
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Ao falarmos em produções da linguagem, entendemos que a escolha de um
gênero é determinada em função da peculiaridade da troca. A esse respeito, Bakhtin
(1997, p. 302) afirma que:
Nós aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a falado outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe ogênero, adivinhar o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), aestrutura composicional dada, prever-lhe o fim, em outras palavras, desde oinício, somos sensíveis ao todo discursivo. [...] Se os gêneros de discurso nãoexistissem e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeiravez a cada processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossostextos, a comunicação verbal seria quase impossível.
Rojo (2008) salienta a importância dos letramentos multissemióticos na
formação leitora do aluno, afirma que os textos contemporâneos ampliam a noção de
letramento para o campo da imagem, música e outras variedades de signos que estão
para além da escrita alfabética. Atrelado ao letramento mutissemiótico, temos o
letramento visual, que, de acordo com Moita-Lopes e Rojo (2004, p. 38), “tem
transformado o letramento tradicional (da letra) em um tipo de letramento insuficiente
para dar conta daqueles necessários para agir na vida contemporânea”.
É urgente a orientação para o uso das novas tecnologias em sala de aula. A
urgência se constitui não apenas no sentido de preparar os sujeitos para usufruírem
desses aparatos tecnológicos, mas, em especial, deve-se buscar a formação leitora
crítica, tornando-os também escritores conscientes das mídias que servem de suporte a
essas tecnologias de informação. Urge a necessidade de se aprender a ler nas mais
diversas linguagens e suas representações, que são usadas nas mais diversas áreas da
revolução tecnológicas decodificadas como o computador, os programas multimídias de
computação etc. (LÉVY, 2000).
Os gêneros multissemióticos charge, cartum e tirinha se caracterizam por
apresentar marcadamente, além da linguagem verbal (escrita), a linguagem não-verbal.
A partir dessa peculiaridade percebe-se que a multissemiose constitui-se por meio dessa
variedade de signos e linguagens. A leitura dos referidos gêneros requer, portanto, um
novo letramento: o letramento multissemiótico/multimodal, que exige do leitor a
ativação do conhecimento prévio para a produção de inferências.
Sendo assim, podemos compreender que,
todos os recursos utilizados na construção dos gêneros textuais exercem umafunção retórica na construção de sentidos dos textos. [...] Representação eimagens não são meramente formas de expressão para divulgação de
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informações, ou representações naturais, mas são, acima de tudo, textosespecialmente construídos que revelam as nossas relações com a sociedade ecom o que a sociedade representa (DIONÍSIO, 2008, p. 132).
Há a possibilidade de exploração apenas de uma linguagem, seja ela verbal ou
visual; no entanto, ao se explorar individualmente cada um desses recursos não há uma
mesma construção de significado. Cada uma dessas linguagens pode ser melhor
utilizada para atingir determinado propósito comunicativo; quando combinadas, o
potencial funcional é maior, uma vez que a cognição humana estaria amparada na
multiperceptualidade (VIEIRA, 2012).
O PROPÓSITO DE ITENS AVALIATIVOS APOIADOS EM GÊNEROS
MULTIMODAIS
Nesta seção faremos algumas reflexões a respeito do propósito avaliativo de
questões multimodais e sobre a relação que essas questões podem ter com os conteúdos
abordados durante a formação do aluno. Para realizar essas reflexões, levamos em
consideração os critérios de elaboração de itens, as competências que se desejava
avaliar e, principalmente, a função da avaliação na escola.
O primeiro item avaliado, feito para uma turma de 7º ano do Ensino
Fundamental, (consultar figura 1 do anexo) convida-nos a fazer uma reflexão sobre a
idoneidade dos candidatos a cargos políticos no Brasil. É uma forma humorística de
criticar as pessoas que votam sem nenhuma convicção em relação às pessoas que se
propõem a trabalhar pelo povo.
O item avalia a habilidade do aluno de inferir, de interpretar a informação em
um texto que conjuga linguagem verbal e não verbal. O texto fornece informações para
avaliar essa habilidade, mas as alternativas não estão adequadas, vejamos: as opções A
B e C podem ser o gabarito, isso se fizermos uma análise aligeirada, mas se fizermos
uma análise mais criteriosa, só podemos dizer que a opinião do personagem é grosseira,
porque posso ter opinião grosseira, posso ter também opinião reflexiva (mesmo já
achando esquisito), mas não posso ter opinião impaciente nem intolerante. Estes dois
adjetivos não se relacionam com opinião e sim com um substantivo ativo, ou seja, o
personagem.
Percebe-se que a charge estimula o leitor a pensar criticamente sobre as diversas
características que tornam o pretenso candidato inapto para exercer o cargo. Essa é uma
forma de tentar conscientizar o leitor sobre a importância que tem o seu voto e fazê-lo
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perceber que em um processo eleitoral no qual faltem critérios éticos para eleger um
candidato, a consequência será a falta de seriedade por parte dos escolhidos enquanto
estiverem assumindo cargos públicos. A crítica está direcionada aos eleitores, pois estes
são parcialmente culpados por eleger políticos corruptos, já que, muitas vezes, o povo
não tem discernimento, talvez por não ter uma educação que forme sujeitos críticos e
capazes de interferirem em suas comunidades.
A questão não mede nenhum tipo de conhecimento prévio acerca do assunto,
sequer estimula o aluno a raciocinar sobre as informações apresentadas no contexto. A
única referência de que o aluno precisa para responder à pergunta são os elementos
multimodais do último balão. O enunciado da questão é pouco elucidativo e cobra um
conteúdo pouco significativo, que induziu o aluno a respondê-la de forma errada, e o
professor corretor também considerou correta uma resposta que não pode ser
comprovada no texto.
Analisando agora outro item, proposto para alunos de 8º ano do Ensino
Fundamental, (consultar figura 2 do anexo), espera-se, partindo do problema exposto
pelo texto, que a questão objetive verificar a competência do aluno para analisar,
interpretar e construir uma tese a respeito do problema exposto.
O item poderia, de alguma forma, avaliar a habilidade do aluno de inferir, de
interpretar a informação em um texto que utiliza linguagem não verbal, mas não se sabe
se, durante as aulas, houve práticas de ensino provocativas, que estimulassem os alunos
a perceberem e a refletirem sobre essa problemática. O que se pode comprovar, neste
caso, é que nenhum distrator é plausível, isto é, não podem ser inferidos a partir das
pistas contextuais deixados pelo seu produtor para que o leitor possa buscá-los, pois está
claro que a resposta esperada é pontual, se confirma antes mesmo do leitor ser induzido
a refletir sobre ela. Logo, pode-se concluir que o item não favorece nenhum tipo de
avaliação.
No caso discutido acima, um bom item poderia explorar as intenções do gênero
ao denunciar a poluição. Dessa forma, o aluno seria estimulado a fazer inferências a
respeito, por exemplo, do tipo de pessoa que polui o mar, ou das consequências que
essas atitudes podem ocasionar no futuro, ou ainda, das medidas que poderiam resolver
esse tipo de poluição.
Da forma como a questão está elaborada, não há elemento sobre os quais se
possa refletir, porque a imagem não nega a poluição. Somente um aluno desatento
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marcaria outro item que não fosse poluição. Em uma questão como essa não há ganho
para o aluno, pois o propósito avaliativo é falho, não o induz a hipotetizar, questionar ou
posicionar-se em relação ao assunto tratado. No item, percebe-se uma única intenção: a
de atribuir uma nota ao aluno.
A COMPREENSÃO DOS PROFESSORES ACERCA DE UMA DASPRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO CHARGE
Um dos critérios de uma avaliação que se deve levar em consideração,
principalmente em itens multimodais, é verificar se o texto trata, de alguma forma, dos
conteúdos estudados. Outro fator importante que se deve esclarecer para o aluno, antes
de submetê-lo a avaliações com esses gêneros textuais é o propósito a partir dos quais
eles são criados. Eles devem estar adequados e vinculados aos objetivos estabelecidos,
devem ser úteis, isto é, devem ser possíveis de ser aplicados e compreendidos. Isso é
relevante para a significação do conteúdo, ou seja, deve existir uma relação com o que o
aluno conhece ou já vivenciou, dessa forma esse se tornará significativo. Também é
importante salientar que o texto deverá estar adequado ao nível de desenvolvimento do
aluno e suas estruturas cognitivas, representando um desafio possível de ser refletido
naquele estágio de aprendizagem. Um último critério indispensável é a flexibilidade,
uma vez que o trabalho é realizado em reais condições com alunos que trazem interesses
e expectativas importantes para esse processo de construção.
Considerando-se que o sujeito avaliado agora é o professor, que faz uso desses
gêneros em algumas questões que elabora, deduz-se que ele tem clareza dos propósitos
de um dos textos multimodais mais utilizados em provas: a charge.
A charge, bastante utilizada em provas de diversas disciplinas, é um gênero
textual essencialmente crítico, utilizada para induzir o leitor a refletir a respeito de um
assunto contextualizado a partir de acontecimentos reais. Os propósitos da crítica nela
contida têm sempre uma carga ideológica, por isso apresentam-se como textos irônicos,
geralmente utilizados para apresentar um ponto de vista contrário a um modelo não
aceito socialmente.
Diante disso e valendo-nos do uso que os professores fazem desse gênero,
pedimos para que 25 professores que identificassem em que consistia a ironia presente
em duas charges que abordavam problemas vivenciados na sociedade brasileira
(consultar figuras 3 e 4 do anexo).
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Selecionamos algumas respostas para exemplificar algumas considerações que
fizemos a respeito das respostas dadas (consultar a tabela 1 do anexo). Em relação à
percepção da ironia, verificamos que esse é um elemento indefinível para a maioria dos
sujeitos, não é fácil para o leitor interpretar o texto e percebê-lo como um conjunto de
cores, formas e sons que, de alguma forma, servem para retratar e criticar
acontecimentos verídicos.
CONCLUSÕES
Em nossa pesquisa, obtivemos quatro constatações: 1ª – muitas vezes os
professores elaboram itens de forma equivocada, descontextualizados do conteúdo e do
elemento que se propunham a avaliar; 2ª – enganam-se ao achar que estão realizando
avaliações “diferentes”, menos tradicionais, mais críticas e mais reflexivas apenas
porque utilizam gêneros textuais diversificados; 3ª – muitos professores não esclarecem
para o aluno o que se pretende avaliar com tal item; 4ª – os professores também têm
dificuldade de perceber características essenciais desse gênero multimodal.
Com base nas quatro constatações citadas, podemos afirmar que a concepção
dos professores a respeito de elaboração de itens não é clara e eles, muitas vezes, não
compreendem o propósito de um texto multimodal, preocupando-se apenas com
aspectos ilustrativos, esquecendo-se de que o contexto nos quais esses textos são criados
tem uma carga ideológica, que visa criticar, de forma jocosa, situações rejeitadas pela
sociedade. É preciso muito zelo ao elaborar questões desse tipo, pois as avaliações
evidenciam aspectos didáticos ligados à prática diária do professor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIM, M. Estética da criação verbal. (Trad.) Maria Ermantina Galvão Gomes.São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível em:http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf. Acesso em 23 mar.2012.
DIONÍSIO, A. P. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, Acir Márioet al (organizadores). Gêneros textuais: reflexão e ensino. 3 ed. – Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2008.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2000.
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MOITA-LOPES, L. P.; ROJO, R. H. R. Linguagens, códigos e suas tecnologias. In:BRASIL. Ministério da Educação. Orientações Curriculares de Ensino Médio.Brasília, DF: MEC/SEB/DPEM, 2004.
PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duaslógicas. Porto Alegre, Artmed, 1999.
ROJO, R.H.R. O letramento escolar e os textos de divulgação científica – a apropriaçãodos gêneros de discurso na escola. Revista Linguagem em (Dis)curso, Vol. 8, nº 3.Tubarão: UNISUL, 2008. Disponível em:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0803/08.htm. Acesso em 09 out.2010.
SOLÉ. I.; COLL, C. Os professores e a concepção construtivista. In COLL, C. (Org.), Oconstrutivismo na sala de aula (pp. 9-28). São Paulo: Ática, 1996.
VIEIRA, M. S de P. A leitura de textos multissemióticos: novos desafios para velhosproblemas. ANAIS DO SIELP. Volume 2, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2012.
ANEXOS
Figura 1
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Figura 2
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Figura 2
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Figura 2
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Tabela 1
Respostas dos professores sobre a ironia presente nas charges
Participante Ironia visualizada nas charges
CHARGE 1 CHARGE 2
P1 SEM RESPOSTA A “pequena” pedra de corrupção nocaminho dos brasileiros.
P2 Muitas notícias boas e uma notíciaentristecedora para um aposentado:o reajuste de salário de apenas 7%,um absurdo.
A corrupção é a grande causadora de todoo mal existente no Brasil.
P3 SEM RESPOSTA A grande pedra que simboliza o grandeproblema do Brasil.
P4 O tom jocoso e empolgado doidoso.
A pedra da corrupção.
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P5 A queda de preços e daaposentadoria.
A comparação entre pedra no caminho ecorrupção.
P6 Texto verbal O bloco de pedra
P7 Vida ativa (sexual) x Condiçõessalariais
A pedra sólida
P8 SEM RESPOSTA As pessoas e a marreta pequena.
P9 A alegria do personagem que setransforma em tristeza.
A representação da corrupção do nossopaís (a pedra) e a frase do personagem.
P10 O texto escrito A pedra enorme
P11 A palavra brochei SEM RESPOSTA
P12 A palavra aposentados A palavra corrupção
P13 O texto A pedra no caminho
P14 A palavra “brochei” O tamanho das imagens,(desproporcionais)
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