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1 ASPECTOS DIDÁTICOS EM AVALIAÇÕES COM ITENS MULTIMODAIS Avanúzia Ferreira Matias Secretaria de Educação do Estado do Ceará Carla Poennia Gadelha Soares Secretaria de Educação do Estado do Ceará RESUMO A didática é uma das principais ferramentas à disposição do professor para o progresso do processo de ensino-aprendizagem. Está pautada na associação de conhecimentos científicos, que fornecem bases teóricas aos educadores, e históricos, que reúnem características da formação e desenvolvimento da sociedade a resultados obtidos na prática, tanto para ensinar quanto para avaliar. Baseando-nos nas práticas avaliativas observadas no contexto de uma escola pública de Fortaleza, nosso objetivo é refletir sobre itens avaliativos elaborados com uso de textos multimodais. Para a análise dos dados, apoiamo-nos, principalmente, em aspectos da avaliação (PERRENOUD, 1999), nas características dos gêneros textuais (BAKHTIN, 1997) e na relevância do letramento para a sociedade atual (ROJO, 2008). Essa investigação realizou-se por meio de uma pesquisa de campo qualitativa, validada pela análise de itens multimodais aplicados em avaliações e por respostas a itens multimodais respondidos por professores de Língua Portuguesa de diferentes instituições escolares. Em nossas análises, consideramos elementos observados no propósito dos professores avaliadores diante dos itens elaborados por eles e as respostas de professores que responderam a uma questão proposta. Nossas conclusões formam-se a partir das considerações entre o que os professores avaliaram e o que responderam frente a questões multimodais. Os resultados apontam que a concepção dos professores a respeito de elaboração de itens não é clara, e eles, muitas vezes, não compreendem o propósito de um texto multimodal, preocupando-se apenas com aspectos ilustrativos, esquecendo-se de que o propósito para o qual esses textos são criados e o contexto nos quais eles circulam têm uma carga ideológica repleta de críticas direcionadas a um modelo não aceito socialmente. Palavras-chave: Leitura. Itens Multimodais. Avaliação. INTRODUÇÃO A palavra didática (didáctica) vem do grego, com a representação gráfica Τεχνη´ διδακτικη´ (techné didaktiké), que pode ser traduzida como arte ou técnica de ensinar. Sabe-se que há muitas formas de se ensinar diferentes conteúdos e, considerando-se os propósitos do ensino nas instituições formais, deve-se constatar em que medida esses ensinamentos foram exitosos, isso se dá por meio de práticas avaliativas. Nesse contexto, a didática corresponde a diferentes formas de ensinar, orientar, acompanhar e avaliar o processo de ensino-aprendizagem. Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 01094

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ASPECTOS DIDÁTICOS EM AVALIAÇÕES COM ITENS MULTIMODAIS

Avanúzia Ferreira Matias – Secretaria de Educação do Estado do CearáCarla Poennia Gadelha Soares – Secretaria de Educação do Estado do Ceará

RESUMO

A didática é uma das principais ferramentas à disposição do professor para o progressodo processo de ensino-aprendizagem. Está pautada na associação de conhecimentoscientíficos, que fornecem bases teóricas aos educadores, e históricos, que reúnemcaracterísticas da formação e desenvolvimento da sociedade a resultados obtidos naprática, tanto para ensinar quanto para avaliar. Baseando-nos nas práticas avaliativasobservadas no contexto de uma escola pública de Fortaleza, nosso objetivo é refletirsobre itens avaliativos elaborados com uso de textos multimodais. Para a análise dosdados, apoiamo-nos, principalmente, em aspectos da avaliação (PERRENOUD, 1999),nas características dos gêneros textuais (BAKHTIN, 1997) e na relevância doletramento para a sociedade atual (ROJO, 2008). Essa investigação realizou-se por meiode uma pesquisa de campo qualitativa, validada pela análise de itens multimodaisaplicados em avaliações e por respostas a itens multimodais respondidos por professoresde Língua Portuguesa de diferentes instituições escolares. Em nossas análises,consideramos elementos observados no propósito dos professores avaliadores diante dositens elaborados por eles e as respostas de professores que responderam a uma questãoproposta. Nossas conclusões formam-se a partir das considerações entre o que osprofessores avaliaram e o que responderam frente a questões multimodais. Osresultados apontam que a concepção dos professores a respeito de elaboração de itensnão é clara, e eles, muitas vezes, não compreendem o propósito de um textomultimodal, preocupando-se apenas com aspectos ilustrativos, esquecendo-se de que opropósito para o qual esses textos são criados e o contexto nos quais eles circulam têmuma carga ideológica repleta de críticas direcionadas a um modelo não aceitosocialmente.

Palavras-chave: Leitura. Itens Multimodais. Avaliação.

INTRODUÇÃO

A palavra didática (didáctica) vem do grego, com a representação gráfica Τεχνη´

διδακτικη´ (techné didaktiké), que pode ser traduzida como arte ou técnica de ensinar.

Sabe-se que há muitas formas de se ensinar diferentes conteúdos e, considerando-se os

propósitos do ensino nas instituições formais, deve-se constatar em que medida esses

ensinamentos foram exitosos, isso se dá por meio de práticas avaliativas. Nesse

contexto, a didática corresponde a diferentes formas de ensinar, orientar, acompanhar e

avaliar o processo de ensino-aprendizagem.

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É imprescindível que o docente reflita sobre a importância da teoria para a sua

prática, porque, assim como em qualquer profissão, há sempre um embasamento teórico

que fortalece a prática. Nesse sentido, de acordo com Solé e Coll (1996), a teoria serve

para interpretar, analisar e intervir na realidade que, por meio desse aporte teórico,

tenta-se explicar. Portanto, as explicações teóricas fornecem subsídios que fortalecem a

didática e potencializam sua função.

Na prática, a didática passa por muitas etapas, nas quais se pode observar a

importância do momento de ensinar e do momento de avaliar. De acordo com as

orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais,

a formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição deconhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade para usar asdiferentes tecnologias relativas às áreas de atuação [...]. A nova sociedade,decorrente da revolução tecnológica e seus desdobramentos na produção e naárea da informação, apresenta características possíveis de assegurar àeducação uma autonomia ainda não alcançada. Isso ocorre na medida em queo desenvolvimento das competências cognitivas e culturais exigidas para opleno desenvolvimento humano passa a coincidir com o que se espera naesfera da produção (BRASIL, 1999, p. 11,14,25, 26).

Todo aluno precisa ser acompanhado por seu professor ao ponto de suas ações e

respostas às diferentes estratégias de ensino sejam consideradas um demonstrativo de

que houve aprendizagem. A todo instante o educador precisa estar atento e perceber

como seus educandos constroem conhecimento. Consequentemente, há de se considerar

a avaliação não apenas como procedimento educacional regulamentado, pois esta é uma

forma imprescindível de medir, durante todo o processo educativo, como a ação reflete

no aluno, por isso é fundamental que o professor se preocupe com formas eficazes de

avaliação.

A AVALIAÇÃO COMO PROCEDIMENTO DIDÁTICO

Um educador jamais deve limitar o uso da avaliação apenas a um instrumento

que permite atribuir nota. A avaliação deve subvencionar a prática docente no tocante à

necessidade de reformular procedimentos metodológicos e ajustá-los, para que o

processo de ensino-aprendizagem seja fortalecido. Por outro lado, serve para constatar

dificuldades em relação ao conteúdo estudado, mas também para que se saiba o que foi

assimilado; os resultados variam de acordo com o propósito de cada avaliação.

Nas últimas décadas, muitos pesquisadores da área de avaliação têm

intensificado seus estudos acerca do real papel da avaliação e sobre o uso que se tem

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feito dos resultados dela, sobre quais medidas devemos tomar, enquanto educadores, a

partir dos indícios apresentados nos resultados das diferentes formas de avaliar.

Sabe-se que, mesmo com tantos estudos e reflexões a respeito de práticas

avaliativas, ainda se mantém cristalizada, em muitas instituições, nas práticas de muitos

professores, a adoção da avaliação apenas na perspectiva de medir a aquisição de

conceitos e atribuir notas que representam a promoção do aluno para um novo estágio,

para uma nova etapa de seu processo de aprendizagem.

Essa “regra”, infelizmente, ainda tem muita força nas escolas de educação básica

do Brasil, onde não se vê uma perspectiva heurística no tratamento dos resultados de

avaliações. É evidente que os alunos também não estão esclarecidos do real papel da

avaliação, por isso o mais importante sempre acaba sendo a nota que se consegue obter

nestes instrumentais. Mesmo depois de terem acontecido reformas na educação, depois

da orientação dos Parâmetros Curriculares, da implementação da LDB, da proposta de

desenvolver uma educação menos tradicional, mais crítica e participativa, na qual o

conhecimento vai se construindo à medida que a formação vai se fortalecendo nas

experiências e nas reflexões, a avaliação ainda é um elemento de resistência, pois

continua sendo um instrumento basicamente de medida.

Uma interpretação dos resultados da avaliação, associada a uma apreciação do

ato educativo poderia resultar muito mais do que numa nota medida de forma isolada,

pois um estudo a respeito das práticas educativas poderia, sem dúvida, comprovar a

necessidade de mudanças na didática dos professores, nos métodos de avaliação. O

aluno precisa ter a oportunidade de reestruturar seus conteúdos. O professor precisa se

permitir refazer sua forma de intervir diante da dificuldade do aluno, mesmo que para

isso precise modificar sua forma de avaliar. É necessário que haja uma conscientização

de que os instrumentos de avaliacão são uma ferramenta fundamental para orientar o

rumo das práticas pedagógicas em sala de aula.

Um professor universitário consultado por nós durante a escrita desse artigo deu

a seguinte declaração sobre suas constatações sobre o uso que se faz da avaliação nas

instituições escolares, independente do nível de ensino: “o professor, muitas vezes,

elabora uma avaliação para provar que o aluno não sabe o conteúdo, é isso o que

parece, pois muitos itens são desenvolvidos de forma intencional, para que o aluno

erre”. Mas o que isso tem de relevante no contexto do processo avaliativo? O que esse

item “mal intencionado” consegue provar?

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Outro ponto que se pode questionar é a prática comum das instituições

educacionais de estipular datas para avaliar, isso apenas comprova o quanto se rejeitam

as inúmeras e valiosas possibilidades de avaliação do educando, e estas podem

acontecer a todo momento, enquanto o aluno demonstra, involuntariamente, seu

progresso cognitivo, seja por meio de gestos, de expressões, de atitudes, de estratégias

para resolver um problema, de interação com o grupo, do trabalho sistematizado etc.

De acordo com Perrenoud (1999), quando o professor atribui notas baseadas

apenas no resultado de avaliações com agendamento prévio, há problemas de equidade,

visto que, dessa forma, ele faz as mesmas questões para toda a turma responder no

mesmo momento e nas mesmas condições. Não é possível que a aprendizagem de todos

os alunos sejam “sincronizadas a ponto de, durante exatamente o mesmo número de

horas ou de semanas e estritamente em paralelo, os alunos aprendam a mesma coisa”.

(PERRENOUD, 1999, p. 73 e 74).

O conceito de avaliação ainda deve percorrer um longo caminho de

amadurecimento, para que o processo educacional não seja finalizado com o simples ato

de medir, mas que o ato de avaliar seja compreendido como algo mais amplo e

significativo, com o qual se possa trabalhar na tentativa de garantir um ensinar e

aprender mais eficaz. Sem a compreensão do papel da medida avaliativa e da sua

importância para a melhoria do processo educacional, essa ação não faz sentido, visto

que o sistema educacional não tem se modificado em consequência dos resultados da

avaliação interna, dentro da instituição, mas sim pelas necessidades impostas pelo

sistema, pelos novos formatos que a avaliação externa vem assumindo nos últimos dez

anos.

O PROPÓSITO DOS GÊNEROS MULTIMODAIS NA AVALIAÇÃO

Ao falarmos de gêneros multimodais, é importante esclarecer os propósitos de

um texto dessa natureza, já que nesses gêneros, a função informativa não se desvincula

da função sociocultural.

Bakhtin, além de defender que existe o caráter social dos fatos da linguagem,

defende também que há uma variedade de atos sociais produzidos por diferentes

gêneros, acarretando uma multiplicidade significativa das produções de linguagem.

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Ao falarmos em produções da linguagem, entendemos que a escolha de um

gênero é determinada em função da peculiaridade da troca. A esse respeito, Bakhtin

(1997, p. 302) afirma que:

Nós aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a falado outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe ogênero, adivinhar o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), aestrutura composicional dada, prever-lhe o fim, em outras palavras, desde oinício, somos sensíveis ao todo discursivo. [...] Se os gêneros de discurso nãoexistissem e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeiravez a cada processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossostextos, a comunicação verbal seria quase impossível.

Rojo (2008) salienta a importância dos letramentos multissemióticos na

formação leitora do aluno, afirma que os textos contemporâneos ampliam a noção de

letramento para o campo da imagem, música e outras variedades de signos que estão

para além da escrita alfabética. Atrelado ao letramento mutissemiótico, temos o

letramento visual, que, de acordo com Moita-Lopes e Rojo (2004, p. 38), “tem

transformado o letramento tradicional (da letra) em um tipo de letramento insuficiente

para dar conta daqueles necessários para agir na vida contemporânea”.

É urgente a orientação para o uso das novas tecnologias em sala de aula. A

urgência se constitui não apenas no sentido de preparar os sujeitos para usufruírem

desses aparatos tecnológicos, mas, em especial, deve-se buscar a formação leitora

crítica, tornando-os também escritores conscientes das mídias que servem de suporte a

essas tecnologias de informação. Urge a necessidade de se aprender a ler nas mais

diversas linguagens e suas representações, que são usadas nas mais diversas áreas da

revolução tecnológicas decodificadas como o computador, os programas multimídias de

computação etc. (LÉVY, 2000).

Os gêneros multissemióticos charge, cartum e tirinha se caracterizam por

apresentar marcadamente, além da linguagem verbal (escrita), a linguagem não-verbal.

A partir dessa peculiaridade percebe-se que a multissemiose constitui-se por meio dessa

variedade de signos e linguagens. A leitura dos referidos gêneros requer, portanto, um

novo letramento: o letramento multissemiótico/multimodal, que exige do leitor a

ativação do conhecimento prévio para a produção de inferências.

Sendo assim, podemos compreender que,

todos os recursos utilizados na construção dos gêneros textuais exercem umafunção retórica na construção de sentidos dos textos. [...] Representação eimagens não são meramente formas de expressão para divulgação de

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informações, ou representações naturais, mas são, acima de tudo, textosespecialmente construídos que revelam as nossas relações com a sociedade ecom o que a sociedade representa (DIONÍSIO, 2008, p. 132).

Há a possibilidade de exploração apenas de uma linguagem, seja ela verbal ou

visual; no entanto, ao se explorar individualmente cada um desses recursos não há uma

mesma construção de significado. Cada uma dessas linguagens pode ser melhor

utilizada para atingir determinado propósito comunicativo; quando combinadas, o

potencial funcional é maior, uma vez que a cognição humana estaria amparada na

multiperceptualidade (VIEIRA, 2012).

O PROPÓSITO DE ITENS AVALIATIVOS APOIADOS EM GÊNEROS

MULTIMODAIS

Nesta seção faremos algumas reflexões a respeito do propósito avaliativo de

questões multimodais e sobre a relação que essas questões podem ter com os conteúdos

abordados durante a formação do aluno. Para realizar essas reflexões, levamos em

consideração os critérios de elaboração de itens, as competências que se desejava

avaliar e, principalmente, a função da avaliação na escola.

O primeiro item avaliado, feito para uma turma de 7º ano do Ensino

Fundamental, (consultar figura 1 do anexo) convida-nos a fazer uma reflexão sobre a

idoneidade dos candidatos a cargos políticos no Brasil. É uma forma humorística de

criticar as pessoas que votam sem nenhuma convicção em relação às pessoas que se

propõem a trabalhar pelo povo.

O item avalia a habilidade do aluno de inferir, de interpretar a informação em

um texto que conjuga linguagem verbal e não verbal. O texto fornece informações para

avaliar essa habilidade, mas as alternativas não estão adequadas, vejamos: as opções A

B e C podem ser o gabarito, isso se fizermos uma análise aligeirada, mas se fizermos

uma análise mais criteriosa, só podemos dizer que a opinião do personagem é grosseira,

porque posso ter opinião grosseira, posso ter também opinião reflexiva (mesmo já

achando esquisito), mas não posso ter opinião impaciente nem intolerante. Estes dois

adjetivos não se relacionam com opinião e sim com um substantivo ativo, ou seja, o

personagem.

Percebe-se que a charge estimula o leitor a pensar criticamente sobre as diversas

características que tornam o pretenso candidato inapto para exercer o cargo. Essa é uma

forma de tentar conscientizar o leitor sobre a importância que tem o seu voto e fazê-lo

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perceber que em um processo eleitoral no qual faltem critérios éticos para eleger um

candidato, a consequência será a falta de seriedade por parte dos escolhidos enquanto

estiverem assumindo cargos públicos. A crítica está direcionada aos eleitores, pois estes

são parcialmente culpados por eleger políticos corruptos, já que, muitas vezes, o povo

não tem discernimento, talvez por não ter uma educação que forme sujeitos críticos e

capazes de interferirem em suas comunidades.

A questão não mede nenhum tipo de conhecimento prévio acerca do assunto,

sequer estimula o aluno a raciocinar sobre as informações apresentadas no contexto. A

única referência de que o aluno precisa para responder à pergunta são os elementos

multimodais do último balão. O enunciado da questão é pouco elucidativo e cobra um

conteúdo pouco significativo, que induziu o aluno a respondê-la de forma errada, e o

professor corretor também considerou correta uma resposta que não pode ser

comprovada no texto.

Analisando agora outro item, proposto para alunos de 8º ano do Ensino

Fundamental, (consultar figura 2 do anexo), espera-se, partindo do problema exposto

pelo texto, que a questão objetive verificar a competência do aluno para analisar,

interpretar e construir uma tese a respeito do problema exposto.

O item poderia, de alguma forma, avaliar a habilidade do aluno de inferir, de

interpretar a informação em um texto que utiliza linguagem não verbal, mas não se sabe

se, durante as aulas, houve práticas de ensino provocativas, que estimulassem os alunos

a perceberem e a refletirem sobre essa problemática. O que se pode comprovar, neste

caso, é que nenhum distrator é plausível, isto é, não podem ser inferidos a partir das

pistas contextuais deixados pelo seu produtor para que o leitor possa buscá-los, pois está

claro que a resposta esperada é pontual, se confirma antes mesmo do leitor ser induzido

a refletir sobre ela. Logo, pode-se concluir que o item não favorece nenhum tipo de

avaliação.

No caso discutido acima, um bom item poderia explorar as intenções do gênero

ao denunciar a poluição. Dessa forma, o aluno seria estimulado a fazer inferências a

respeito, por exemplo, do tipo de pessoa que polui o mar, ou das consequências que

essas atitudes podem ocasionar no futuro, ou ainda, das medidas que poderiam resolver

esse tipo de poluição.

Da forma como a questão está elaborada, não há elemento sobre os quais se

possa refletir, porque a imagem não nega a poluição. Somente um aluno desatento

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marcaria outro item que não fosse poluição. Em uma questão como essa não há ganho

para o aluno, pois o propósito avaliativo é falho, não o induz a hipotetizar, questionar ou

posicionar-se em relação ao assunto tratado. No item, percebe-se uma única intenção: a

de atribuir uma nota ao aluno.

A COMPREENSÃO DOS PROFESSORES ACERCA DE UMA DASPRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO CHARGE

Um dos critérios de uma avaliação que se deve levar em consideração,

principalmente em itens multimodais, é verificar se o texto trata, de alguma forma, dos

conteúdos estudados. Outro fator importante que se deve esclarecer para o aluno, antes

de submetê-lo a avaliações com esses gêneros textuais é o propósito a partir dos quais

eles são criados. Eles devem estar adequados e vinculados aos objetivos estabelecidos,

devem ser úteis, isto é, devem ser possíveis de ser aplicados e compreendidos. Isso é

relevante para a significação do conteúdo, ou seja, deve existir uma relação com o que o

aluno conhece ou já vivenciou, dessa forma esse se tornará significativo. Também é

importante salientar que o texto deverá estar adequado ao nível de desenvolvimento do

aluno e suas estruturas cognitivas, representando um desafio possível de ser refletido

naquele estágio de aprendizagem. Um último critério indispensável é a flexibilidade,

uma vez que o trabalho é realizado em reais condições com alunos que trazem interesses

e expectativas importantes para esse processo de construção.

Considerando-se que o sujeito avaliado agora é o professor, que faz uso desses

gêneros em algumas questões que elabora, deduz-se que ele tem clareza dos propósitos

de um dos textos multimodais mais utilizados em provas: a charge.

A charge, bastante utilizada em provas de diversas disciplinas, é um gênero

textual essencialmente crítico, utilizada para induzir o leitor a refletir a respeito de um

assunto contextualizado a partir de acontecimentos reais. Os propósitos da crítica nela

contida têm sempre uma carga ideológica, por isso apresentam-se como textos irônicos,

geralmente utilizados para apresentar um ponto de vista contrário a um modelo não

aceito socialmente.

Diante disso e valendo-nos do uso que os professores fazem desse gênero,

pedimos para que 25 professores que identificassem em que consistia a ironia presente

em duas charges que abordavam problemas vivenciados na sociedade brasileira

(consultar figuras 3 e 4 do anexo).

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Selecionamos algumas respostas para exemplificar algumas considerações que

fizemos a respeito das respostas dadas (consultar a tabela 1 do anexo). Em relação à

percepção da ironia, verificamos que esse é um elemento indefinível para a maioria dos

sujeitos, não é fácil para o leitor interpretar o texto e percebê-lo como um conjunto de

cores, formas e sons que, de alguma forma, servem para retratar e criticar

acontecimentos verídicos.

CONCLUSÕES

Em nossa pesquisa, obtivemos quatro constatações: 1ª – muitas vezes os

professores elaboram itens de forma equivocada, descontextualizados do conteúdo e do

elemento que se propunham a avaliar; 2ª – enganam-se ao achar que estão realizando

avaliações “diferentes”, menos tradicionais, mais críticas e mais reflexivas apenas

porque utilizam gêneros textuais diversificados; 3ª – muitos professores não esclarecem

para o aluno o que se pretende avaliar com tal item; 4ª – os professores também têm

dificuldade de perceber características essenciais desse gênero multimodal.

Com base nas quatro constatações citadas, podemos afirmar que a concepção

dos professores a respeito de elaboração de itens não é clara e eles, muitas vezes, não

compreendem o propósito de um texto multimodal, preocupando-se apenas com

aspectos ilustrativos, esquecendo-se de que o contexto nos quais esses textos são criados

tem uma carga ideológica, que visa criticar, de forma jocosa, situações rejeitadas pela

sociedade. É preciso muito zelo ao elaborar questões desse tipo, pois as avaliações

evidenciam aspectos didáticos ligados à prática diária do professor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIM, M. Estética da criação verbal. (Trad.) Maria Ermantina Galvão Gomes.São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível em:http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf. Acesso em 23 mar.2012.

DIONÍSIO, A. P. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, Acir Márioet al (organizadores). Gêneros textuais: reflexão e ensino. 3 ed. – Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2008.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2000.

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MOITA-LOPES, L. P.; ROJO, R. H. R. Linguagens, códigos e suas tecnologias. In:BRASIL. Ministério da Educação. Orientações Curriculares de Ensino Médio.Brasília, DF: MEC/SEB/DPEM, 2004.

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duaslógicas. Porto Alegre, Artmed, 1999.

ROJO, R.H.R. O letramento escolar e os textos de divulgação científica – a apropriaçãodos gêneros de discurso na escola. Revista Linguagem em (Dis)curso, Vol. 8, nº 3.Tubarão: UNISUL, 2008. Disponível em:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0803/08.htm. Acesso em 09 out.2010.

SOLÉ. I.; COLL, C. Os professores e a concepção construtivista. In COLL, C. (Org.), Oconstrutivismo na sala de aula (pp. 9-28). São Paulo: Ática, 1996.

VIEIRA, M. S de P. A leitura de textos multissemióticos: novos desafios para velhosproblemas. ANAIS DO SIELP. Volume 2, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2012.

ANEXOS

Figura 1

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Tabela 1

Respostas dos professores sobre a ironia presente nas charges

Participante Ironia visualizada nas charges

CHARGE 1 CHARGE 2

P1 SEM RESPOSTA A “pequena” pedra de corrupção nocaminho dos brasileiros.

P2 Muitas notícias boas e uma notíciaentristecedora para um aposentado:o reajuste de salário de apenas 7%,um absurdo.

A corrupção é a grande causadora de todoo mal existente no Brasil.

P3 SEM RESPOSTA A grande pedra que simboliza o grandeproblema do Brasil.

P4 O tom jocoso e empolgado doidoso.

A pedra da corrupção.

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P5 A queda de preços e daaposentadoria.

A comparação entre pedra no caminho ecorrupção.

P6 Texto verbal O bloco de pedra

P7 Vida ativa (sexual) x Condiçõessalariais

A pedra sólida

P8 SEM RESPOSTA As pessoas e a marreta pequena.

P9 A alegria do personagem que setransforma em tristeza.

A representação da corrupção do nossopaís (a pedra) e a frase do personagem.

P10 O texto escrito A pedra enorme

P11 A palavra brochei SEM RESPOSTA

P12 A palavra aposentados A palavra corrupção

P13 O texto A pedra no caminho

P14 A palavra “brochei” O tamanho das imagens,(desproporcionais)

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