Aspectos Jurídicos - Saneamento Básico - Florianópolis - Santa Catarina - CASAN - 2014-2020,...
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COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA – CESUSC
FACULDADE CESUSC
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
GABRIEL CARVALHO QUARESMA
SANEAMENTO BÁSICO: ASPECTOS JURÍDICOS, COMPETÊNCIAS E
EFICIÊNCIA DA CASAN EM FLORIANÓPOLIS ENTRE 2014-2020
FLORIANÓPOLIS/SC
NOVEMBRO, 2020
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COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA – CESUSC
FACULDADE CESUSC
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
GABRIEL CARVALHO QUARESMA
Saneamento Básico: Aspectos Jurídicos, Competências e Eficiência da Casan
em Florianópolis entre 2014-2020
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade CESUSC como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Dr. Samuel Martins Dos Santos
Florianópolis/SC
Novembro, 2020
-
Gabriel Carvalho Quaresma
Saneamento Básico: Aspectos Jurídicos, Competências e Eficiência da CASAN em
Florianópolis entre 2014-2020
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da
Faculdade CESUSC como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em
Direito, sendo submetido à Banca Examinadora e considerado aprovado em
__/__/___
_______________________________________
Prof. Dr. Samuel Martins Dos Santos
_______________________________________
Membro da Banca Examinadora
_______________________________________
Membro da Banca Examinadora
-
À minha família e meus amigos
-
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço pela oportunidade conferida a mim de
estudar, em um país tão desigual como o Brasil. Em seguida, notadamente aos meus
pais e irmão, que sempre me proporcionaram momentos de reflexão e assuntos
importantes, atuais e verdadeiros.
Aos meus familiares em geral, que através de seus bons exemplos, me
fizeram perceber os laços familiares valiosos que possuo.
Aos meus amigos que me acompanharam durante os cinco anos da
Graduação, debates em salas de aula e momentos divertidos no processo da
aprendizagem.
Aos meus professores da Graduação de forma geral, pessoas
capacitadíssimas em exercer suas funções.
Ao meu professor orientador, Dr. Samuel Martins, excelentíssimo docente,
que me ajudou com informações pertinentes e acompanhamento deste trabalho.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 SANEAMENTO BÁSICO E O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE – EVOLUÇÃO
HISTÓRICA ............................................................................................................... 11
2.1 Saneamento básico: Conceito ............................................................................. 11
2.2 Recorte histórico brasileiro .................................................................................. 15
2.3 Direito fundamental à saúde e saneamento básico ............................................. 16
2.4 Saneamento básico na Constituição de 1988 ..................................................... 20
3 COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS E NÃO-LEGISLATIVAS DOS ENTES
FEDERATIVOS EM SANEAMENTO BÁSICO ......................................................... 22
3.1 União ................................................................................................................... 22
3.2 União, Estados e Municípios: Legislação Concorrente e Comum ....................... 23
3.3 Estado, Região Metropolitana e Município .......................................................... 24
3.4 Serviço de saneamento básico: privado x público ............................................... 30
4 SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E A CASAN............................................... 35
4.1 Recorte histórico: saneamento básico catarinense ............................................. 37
4.1.1 A partir da criação da CASAN ....................................................................... 37
4.2 Santa Catarina: desempenho da CASAN ............................................................ 39
4.2.1 Recorte cronológico: 2010 até 2019 ............................................................. 39
4.3 Florianópolis: titularidade e desempenho ............................................................ 42
4.3.1 Recorte cronológico: 2014 até 2020 ............................................................. 44
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 48
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 51
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7
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma análise jurídica sobre o saneamento básico,
desde as competências dos entes federativos até a titularidade da prestação do
serviço de saneamento, como também apresenta aspectos jurídicos da prestação na
cidade de Florianópolis, eficiência da Companhia Catarinense de Águas e Esgoto –
CASAN (2014-2020), se se está ocorrendo crescimento exponencial em atendimento
de tratamento e coleta de esgoto, abastecimento de água e busca de um ambiente
saudável e livre de doenças. Diante disso, busca-se responder às seguintes
indagações: a atuação conjunta dos entes federativos amplia o acesso ao
saneamento básico? Como o saneamento básico afeta a saúde pública? A
fiscalização do Poder Público e ampliação de estações de tratamento de esgoto
contribuem para o saneamento básico de Florianópolis? O Estado está pronto para
saná-lo? Destarte, demonstra-se a relação intrínseca entre saneamento e saúde, sua
importância para um ambiente saudável que resulta em um bem estar público, longe
de enfermidades, evidenciando o caráter constitucional de saúde e saneamento
básico. Constata-se que a articulação interfederativa estabelece a divisão
equacionada de atos administrativos e legislativos, promovendo a essencial
participação dos entes federativos, à luz da Carta Magna e legislação
infraconstitucional. Outrossim, Florianópolis encontra-se em situação regular em
abastecimento de água, o que não se reflete no atendimento de esgoto, como
observar-se-á no presente estudo.
Palavras-chave: Saneamento básico. Direito fundamental à saúde. Competências e
titularidade. CASAN. Eficiência.
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1 INTRODUÇÃO
O saneamento básico é um serviço essencial para a manutenção da saúde
pública, visto que possui por natureza a obtenção da plena qualidade de vida, a
erradicação da proliferação de doenças, atendendo a população com abastecimento
de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos,
drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Trata-se de um conjunto de ações e
medidas prestadas pela Administração Pública ou por ente privado, através dos
contratos de concessões.
A estrutura do saneamento básico é temporal, isto é, modifica-se com o
passar dos anos, aperfeiçoando-se conforme a modernização de infraestruturas, boa
técnica legislativa, estudos jurídicos, técnicos e experiências empíricas na área. O
grande marco legal, à época, foi a Lei nº 11.445/07, de sorte que finalmente
proporcionou as diretrizes, embora imperfeitas, sobre saneamento básico. Ocorre que
havia uma série de críticas a serem feitas sobre o determinado regramento legal.
As decisões judiciais, juntamente com estudiosos do meio, serviram para
solucionar lides como, por falta de arcabouço jurídico: titularidade de prestação do
serviço de saneamento básico. Desta maneira, após inúmeras articulações nas duas
Casas Legislativas da Federação, as discussões sobre uma reforma na Lei nº
11.445/07 entraram na pauta, o que verdadeiramente aconteceu, adentrando no
ordenamento jurídico pátrio a Lei nº 14.026/20, que apresentou mudanças
significativas nas lacunas legislativas herdadas pelo anterior dispositivo jurídico.
O Estado de Santa Catarina é atendido pela Companhia Catarinense de
Águas e Saneamento – CASAN, sendo que dos 295 municípios 195 possuem
prestação do serviço de saneamento básico pela companhia estadual,
aproximadamente 66% da população catarinense, o que abrange 2,8 milhões de
usuários. O contrato firmado estabelece os tipos de serviços a serem prestados, ou
seja, serviços públicos municipais de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Com o intuito de prover o direito à saúde, inerente ao saneamento básico,
a Companhia Catarinense fornece, a partir de relatórios oficiais, obras de
infraestruturas e melhoramentos a todo território estadual. No entanto, apesar das
obras saírem do papel; são lentas e tímidas, o que faz com que se tornem
desproporcionais porquanto, há um crescente número de habitantes. Após estudos
desenvolvidos pela própria Prefeitura Municipal de Florianópolis – PMF, e pelo
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9
Instituto Trata Brasil – ITB, percebe-se que os níveis de atendimento ao esgoto,
embora crescentes, são excessivamente lentos, o que atinge, além de moradores
locais, a fauna e a flora do Município.
Assim, o escopo do presente trabalho é estabelecer o paralelo entre
saneamento básico e saúde, expor as competências legislativas e administrativas,
bem como a importância da participação de todos os entes políticos, e analisar a
eficiência do desempenho do serviço de saneamento básico prestado pela empresa
estadual catarinense, em Florianópolis.
Nesta toada, a prestação de serviços de saneamento básico em
Florianópolis está atendendo a população de forma favorável? Qual a relação entre o
direito constitucional à saúde e saneamento? Para tanto, utiliza-se o método de
abordagem hipotético-dedutivo, partindo-se de um problema, e o estabelecimento de
hipóteses para a confirmação ou não da indagação.
Os procedimentos de pesquisa utilizados foram a bibliográfica e a
documental, por meio de trabalhos acadêmicos, doutrina, legislação e textos on-line
em sites da internet, disponível em material físico e em mídia digital, consultas ao site
do Instituto Trata Brasil, Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, Prefeitura
de Florianópolis, World Health Organization, Câmara dos Deputados e Planalto do
Governo Federal e outros, com intenção de obter informações relevantes ao presente
trabalho.
De plano, com objetivo de contextualizar o leitor e proporcionar um melhor
entendimento do trabalho, o primeiro capítulo aborda questões como: retrospectiva
histórica brasileira, conceito de saneamento básico, o direito ao saneamento básico
como um direito fundamental e, por fim, seu tratamento na Constituição da República
de 1988.
Com enfoque nas competências constitucionais de saneamento básico,
titularidade da prestação, o segundo capítulo abrange as competências legislativas e
administrativas dos entes federados: União, Estados-membros, Distrito Federal e
Municípios, legislação concorrente (art. 24, CF/88), competência comum (art. 23,
CF/88) e competência privativa da União (art. 22, CF/88). Além disso, observa-se o
dilema de ser um serviço público ou privado, passível ou não de ser “privatizado”.
Por derradeiro, o terceiro capítulo realiza um breve parâmetro no que diz
respeito aos aspectos históricos do saneamento básico catarinense, a partir do
advento da Lei nº 4.547/70, ensejadora da Companhia Catarinense de Águas e
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10
Saneamento, assim como aspectos jurídicos. Posteriormente, analisa-se o
desempenho da empresa em todo o território estadual, entre os anos de 2010 e 2019,
bem como a titularidade e eficiência do serviço de saneamento básico na cidade de
Florianópolis, entre os anos de 2014 e 2020.
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2 SANEAMENTO BÁSICO E O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE –
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
2.1 Saneamento básico: Conceito
Preliminarmente, é necessário uma breve explanação acerca do conceito
de saneamento básico. Usar-se-á como base o Dicionário Aurélio, que configura
saneamento em:
Saneamento
[De sanear +-mento.] Substantivo masculino. 1.Ato ou efeito de sanear(-se). 2.Urb. Conjunto de medidas que visam a assegurar as condições
sanitárias necessárias à qualidade de vida de uma população, sobretudo por meio da canalização e do tratamento dos esgotos urbanos e industriais. Saneamento Básico. 1. Urb. Saneamento (2) essencial para o bem-
estar de uma população, realizado, sobretudo, por meio da canalização dos esgotos urbanos. Sanear
[De san(i)- + -ear2.] Verbo transitivo direto. 1.Tornar são, habitável ou respirável: O governo pretende sanear pântanos. 2.Curar, sarar, sanar:
sanear enfermos. 1
Para o dicionário Aurélio, saneamento conduz à ideia de limpeza, meio
ambiente saudável, além de qualidade de vida para a população. No mesmo sentido,
Delpupo (2015, p. 33), dita que o saneamento visa o “controle e a prevenção de
doenças, melhoria da qualidade de vida e da produtividade do indivíduo.”
O Instituto Trata Brasil - ITB é uma organização da sociedade civil de
interesse público e desde 2007 colabora com informações e pesquisas sobre o
saneamento básico nacional. Tem por objetivo a universalização do serviço de
saneamento básico e conscientização, melhoria da saúde pública através da água
1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI. Rio de Janeiro: Editora Positivo, 2010.
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tratada, coleta e tratamento de esgoto, dentre outras atividades. Da mesma ótica,
conduz a definição como:
Saneamento é o conjunto de medidas que visa preservar ou modificar as condições do meio ambiente com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde, melhorar a qualidade de vida da população e à produtividade do indivíduo e facilitar a atividade econômica. No Brasil, o saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei nº. 11.445/2007 como o conjunto dos serviços, infraestrutura e Instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. TRATA BRASIL, INSTITUTO. O que é Saneamento? Disponível em: . Acesso em: 13, setembro de 2019.
A Instituição refere-se saneamento básico em sentido amplo, como um
conjunto de ações que tem por objeto a satisfação da população.
Por outro lado, Milaré (2011, p. 1640), define saneamento básico como
única e exclusivamente referente às ligações de água (abastecimento) e ao
atendimento e tratamento de esgoto, sendo dispensadas outras formas de sanear o
ambiente previstas na Lei nº 11.445 de 2007. A referida Lei é a chamada Lei das
Diretrizes Nacionais do Saneamento Básico, e prevê, além do que fora delimitado pelo
Édis Milaré, como serviços de saneamento básico, a limpeza urbana e manejo de
resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, conforme
exposição a seguir.
O legislador infraconstitucional definiu saneamento básico com o advento
no ordenamento jurídico a Lei 11.445 de 2007, que passou por uma recente alteração
legislativa no Congresso Nacional, por meio da Lei 14.026 de julho de 2020,
atualizando o marco legal do saneamento básico, portanto, uma modernização da
legislação. A atual redação do dispositivo, em seu art. 3º, conceitua saneamento
básico como:
I - conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020) a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e seus instrumentos de medição; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020) b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias à coleta, ao transporte, ao tratamento e à disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até sua destinação final para produção de água de reúso ou seu lançamento de forma adequada no meio ambiente; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020) c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: constituídos pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação
http://www.tratabrasil.org.br/lei-do-saneamentohttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7
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urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana; e (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020) d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: constituídos pelas atividades, pela infraestrutura e pelas instalações operacionais de drenagem de águas pluviais, transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas, contempladas a limpeza e a fiscalização preventiva das redes; (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020).
Cumpre observar, que o legislador frisou em 4 áreas: abastecimento de
água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e drenagem das águas pluviais. Além
de definir expressamente saneamento básico como um conjunto de serviços públicos.
Embora se referindo antes da recente alteração legislativa, Milaré (2011, p.
798), descreve a Lei 11.445/07 como um marco importante para o saneamento básico,
tendo em vista que a referida disposição legal foi a primeira a oferecer certa
regulamentação das diretrizes nacionais do saneamento básico, mesmo possuindo
lacunas legislativas.
Ademais, a Lei nº 10.257 de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade,
inclui saneamento básico como uma das funções sociais da cidade, que colabora para
seu desenvolvimento, através de políticas públicas, gerando um sentido amplo:
Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
No tocante à legislação do Estado de Santa Catarina, a Lei nº 13.517 de
04 de outubro de 2005, proposta pelo então Governador Luiz Henrique da Silveira (in
memoriam) e aprovada naquela Casa Legislativa, dispõe sobre a Política Estadual de
Saneamento e estabelece outras providências. Nos ditames do art. 2º, define o
saneamento:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - Saneamento ou Saneamento Ambiental: o conjunto de ações com o objetivo de alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental, compreendendo o abastecimento de água; a coleta, o tratamento e a disposição dos esgotos e dos resíduos sólidos e gasosos e os demais serviços de limpeza; o manejo das águas; o controle ambiental de vetores e reservatórios de doenças e a disciplina da ocupação e uso do solo, nas condições que maximizem a promoção e a melhoria de vida nos meios urbanos e rural;
O referido dispositivo legislativo estadual incluiu a palavra “saneamento
ambiental”, proporcionando um sentido amplo para saneamento e prevê, basicamente
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7
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o que o Diploma Federal passou a definir. Contudo, vale observar que a lei estadual
é anterior ao Diploma Federal.
A Organização Mundial da Saúde – OMS é uma instituição com sede em
Genebra, Suíça, que coordena internacionalmente programas na área da saúde.
Possui por escopo erradicar as malévolas sanitárias, bem como a prevenção de
doenças, com fulcro em dispositivos de sua constituição2.
Conforme descreveu o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor-Geral
da World Health Organization (Organização Mundial da Saúde), em “Guidelines On
Sanitation And Health”, publicado em 2018, o direito à água tratada é fundamental
para o desenvolvimento e o saneamento é primordial para a dignidade da sociedade,
haja vista que a ausência acarreta em inúmeras doenças gravíssimas, que por sua
vez, gera menos qualidade de vida para a população:
O saneamento evita doenças e promove a dignidade e o bem-estar humanos, tornando-a a expressão perfeita da definição de saúde da OMS, expressa em sua constituição, como “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. O direito à água e ao saneamento básico é fundamental para vários objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Após décadas de negligência, a importância do acesso ao saneamento seguro para todos, em todos os lugares, agora é corretamente reconhecida como um componente essencial da cobertura universal de saúde. Mas um banheiro por si só não é suficiente para alcançar os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável); sistemas
seguros, sustentáveis e bem gerenciados são necessários (tradução nossa).3
Desta forma, depreende-se que saneamento básico é imprescindível à
qualidade de vida e ao bem estar, composto pelos serviços de canalização e
tratamento de esgoto, abastecimento de água, limpeza urbana, manejo de resíduos
sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais, bem como incorre na redução de
doenças e melhora substancial na saúde pública, sendo considerada uma temática
que é pertinente à humanidade em geral.
2 https://www.who.int/about/who-we-are/constitution 3 Sanitation prevents disease and promotes human dignity and well-being, making it the perfect expression of WHO’s definition of health, as expressed in its constitution, as “A state of complete physical, mental, and social well-being, and not merely the absence of disease or infirmity”. The right to water and sanitation is foundational to several Sustainable Development Goals. After decades of neglect, the importance of access to safe sanitation for everyone, everywhere, is now rightly recognized as an essential component of universal health coverage. But a toilet on its own is not sufficient to achieve the SDGs; safe, sustainable and well-managed systems are required (GUIDELINES ON SANITATION AND HEALTH, World Health Organization, 2018, pag. 7)
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2.2 Recorte histórico brasileiro
O Brasil foi descoberto em meados de 1500, por meio da Carta de Pero
Vaz de Caminha. Após a descoberta até a chegada da Corte de Portugal ao Rio de
Janeiro, em 1808, a colônia portuguesa atendia aos interesses econômicos externos,
Portugal, portanto, não havia um objetivo de melhorias nas condições básicas
(DELPULPO, 2015, p. 30).
Em decorrência da fuga de Dom Pedro VI às terras brasileiras, afirma
Gomes (2007, p. 166), que a família monárquica trouxe consigo alguns de seus
costumes do Reino de Portugal e Algarves, como arte, arquitetura, inclusive
saneamento básico. Entretanto, privilegiava apenas pessoas da elite econômica.
Consequentemente, a população do Rio de Janeiro presenciou um boom
habitacional, principalmente de escravos, que resultou em um expressivo aumento de
exportações-importações. Os navios que transportavam a população escrava (navios
negreiros) entravam e saíam dos portos, havendo uma proliferação generalizadas de
doenças como: varíola, tuberculose e sarampo, e em razão disso, grande parte dos
escravos adoecia (GOMES, 2007, 163-165).
Como forma de combate, e também pelo fato da chegada da Corte em
solos brasileiros, “verifica-se então a existência de um conjunto de leis que
fiscalizavam os portos e evitavam a entrada de navios com imigrantes doentes”
(DELPULPO, 2016, p. 31), e redes para escoamento das águas das chuvas, contudo,
novamente, apenas em locais próximos onde a família real residia.
O Brasil-Império (1822-1889) também passou por um intenso crescimento
populacional, necessitando ainda mais de estruturas para suportar esta demanda. Em
função disso, São Paulo desenvolveu seu sistema de abastecimento de água, dando
ensejo ao primeiro Sistema Cantareira para captação e tratamento da água, entre os
anos de 1857 e 1877 (ROCHA, 2016, p. 43).
Poucos anos depois da proclamação da República (15 de novembro de
1889), no governo do 5º Presidente da República, Rodrigues Alves (1902-1906)
ocorreu a polêmica Revolta da Vacina, na capital federal à época - Rio de Janeiro, que
viria a ser liderada pelo Dr. Oswaldo Cruz e o engenheiro Pereira Passos
(DELPULPO, 2015, p. 31).
A Lei nº 1.261 de 31 de outubro de 1904, de autoria do Senador Manuel
José Duarte (in memoriam), foi aprovada naquela Casa Legislativa, e definia em sua
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ementa a obrigação da vacinação contra varíola em todo território nacional. É o que
diz o art.1º:
“Art. 1º A vaccinação e revaccinação contra a variola são obrigatorias em toda a Republica.”
Considerando o aumento populacional, na visão de Carvalho (2010, p.
110), o século XX passou por importantes acontecimentos e o setor de saneamento
básico passou por um processo de consolidação e autonomia. A partir de 1950, as
obras de saneamento começam a ser mais desenvolvidas, como a criação do Serviço
Autônomo de Água e Esgoto - SAAE, em 1966, e o Plano Nacional de Saneamento
Básico - PLANASA, na década de 1970, em decorrência do aumento populacional e
a necessidade de estabelecer com abrangência nacional, preceitos estabelecidos pela
União, havendo maior intervenção estatal (DELPULPO, 2015, p. 32; CARVALHO,
2010, p. 110).
Nas palavras de Vinicius Carvalho:
A predominância de soluções domiciliares, as poucas captações, a deficiência operacional, a defasagem tecnológica, o não atendimento de parcelas significativas da população e, principalmente, o processo de urbanização desenfreado incentivaram a busca de soluções que extravasassem o âmbito municipal. Foi nesse contexto que União começou a interferir de forma mais ativa, mas nem por isso menos açodada. Depois de algumas tentativas, chegou-se ao desenho do PLANASA – instrumento que articulou, do modo mais completo até hoje no Brasil, as ações dos diversos atores públicos e privados numa estratégia de expansão dos serviços de saneamento básico como um objetivo nacional (CARVALHO, 2010, p. 110).
Como pode-se observar, a temática saneamento básico sempre foi um
desafio mundial, sobretudo brasileiro, e é um interesse público, que agrega a toda
população, interligado à saúde pública, ao direito fundamental da saúde. É o que será
analisado no item a seguir.
2.3 Direito fundamental à saúde e saneamento básico
O Direito à saúde é, constitucionalmente garantido no ordenamento jurídico
nacional. É como estabelecem os artigos 6º e 196 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, [...] na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015). Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos/509f2321d97cd2d203256b280052245a?OpenDocument&Highlight=1,constitui%C3%A7%C3%A3o&AutoFramedhttps://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos/509f2321d97cd2d203256b280052245a?OpenDocument&Highlight=1,constitui%C3%A7%C3%A3o&AutoFramedhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc90.htm
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17
Extrai-se a partir da leitura do art. 196 da Carta Federal que, no tocante aos
assuntos pertinentes à qualidade de vida, o direito fundamental à saúde é intrínseco
e está em total harmonia com saneamento do meio4, tendo toda a sociedade brasileira
o direito de usufruir uma vida digna, que possibilite bem-estar, prosperidade e acesso
universal à saúde e ao saneamento básico.
Como anteriormente visto no item 2.1, saneamento básico é sinônimo de
limpeza, higiene, controle e prevenção de doenças, esgotamento sanitário, destinação
final adequada de resíduos sólidos, o que corrobora, inevitavelmente à proteção
corporal e psíquica do ser humano, relacionando-se à saúde, que é positivado na
Carta da República como um direito universal, sendo uma garantia estatal. Abrange
diversos fatores possuindo como objetivo principal a satisfação e o bem comum
(MARQUES; DELDUQUE, 2010, p. 217).
Ademais, a ligação entre saneamento e saúde apresenta a importância de
um meio ambiente equilibrado, com as devidas medidas sanitárias preventivas, como
tratamento e coleta de esgoto. É fundamental a conscientização da população no
tocante à higiene pessoal e à quantidade de resíduos sólidos que cada ser humano
produz.
Nesse entendimento, Anésio Carvalho e María de Oliveira:
Trata-se de serviços de fundamental importância para a comunidade, tendo em vista os seguintes dados: cada pessoa produz, em média, 1kg de lixo doméstico por dia; diariamente cada pessoa utiliza, em média, 150 a 200 litros de água em alimentação e higiene (esses valores referem-se a cerca de 50% da população que tem acesso aos serviços de abastecimento de água; cada pessoa produz em termos de esgotos (dejetos, águas servidas, com detergentes e outros poluentes) o equivalente a seu consumo diário de água (CARVALHO; De OLIVEIRA, 2010, p. 20)
O direito ao saneamento básico deverá sempre ser observado a partir do
ponto de vista da coletividade, que visa o desenvolvimento, erradicação da miséria,
redução de doenças e enfermidades, através de medidas que façam concretizar
efetivamente o direito à saúde, aliado ao saneamento.
Nas palavras de Silvia Marques e Maria Delduque
As questões ligadas ao saneamento básico constituem os principais fatores ambientais da saúde, embora se reconheça que outros fatores afetem a saúde humana [...]. Inúmeros estudos demonstram que as ações de
4 Saneamento do meio é uma das formas de contribuir para a manutenção do equilíbrio da natureza, e, portanto, para a própria sobrevivência do ser humano e de todos os recursos e elementos indispensáveis à vida humana (CARVALHO, Anésio Rodrigues de; Oliveira, Mariá Vendramini Castrignano de. Princípios básicos do saneamento do meio. 8. ed. São Paulo: Senac, 2010, p. 19)
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saneamento básico têm impacto direto na redução de doenças e taxas de mortalidade (MARQUES; DELDUQUE, 2010, p. 217).
O abastecimento de água potável, a facilidade do acesso à água bem
tratada, limpeza das vias públicas, manejo de resíduos sólidos, esgotamento sanitário
e a drenagem das águas pluviais, contribuem positivamente à qualidade de vida e ao
bem comum, e as medidas públicas de saneamento básico colaboram para a redução
de desigualdades, sobretudo visam estabelecer um bem coletivo (MARQUES;
DELDUQUE, 2010, p. 217-218).
Nesse diapasão Cintia da Silva e Luca Mandarino:
Da mesma forma, o direito a saúde é também promovido pelo serviço de saneamento na medida em que as necessidades básicas referentes a saúde e que são providas pelo saneamento são as mesmas que a vida, assim sendo aquelas relacionadas a manutenção das funções vitais (SILVA; MANDARINO, 2017, p. 35).
Os direitos fundamentais de 1ª dimensão (séc. XVIII) advêm de um
contexto liberal, em que são valorizados os direitos civis e políticos, com o
afastamento do Estado, o que gerou mais liberdades individuais. Os direitos de 2ª
dimensão (séc. XIX) são tido como direitos sociais, uma vez que a industrialização
provocou um Estado de bem-estar social, que visa promover a igualdade social e a
coletividade. Os direitos de 3ª geração são representados pelo princípio de
fraternidade, que se destina a todo gênero humano (SARLET, MARINONI,
MITIDIERO, 2017, p. 341-343).
Na visão de Norberto Bobbio:
[...] direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual [...] as liberdades civis, da luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados [...] a assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos. Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração (BOBBIO, 1992, 2004, p.9).
Para o autor, os direitos fundamentais foram construídos a partir de
matrizes históricas, que foram conquistados de maneira gradativa na sociedade.
Com grande domínio em suas palavras Ingo Wolfgang Sarlet:
Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês) do pensamento liberal-burguês do século XVIII, caracterizados por um cunho fortemente individualista, concebidos como direitos do indivíduo perante o Estado, mais especificamente, como direitos de defesa, demarcando uma zona de não
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intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. [...] O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. [...] Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (povo, nação), caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade transindividual (coletiva ou difusa). (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2017, p. 341-343).
Os direitos sociais assim como os direitos fundamentais são positivados na
ordem jurídica brasileira como constitucionais e relacionam-se entre si. O direito à
saúde in latu sensu abrange saneamento básico, que é tratado constitucionalmente
como inerente aos direitos fundamentais elencados no art. 5º da Constituição Federal,
e como os direitos sociais previstos no art. 6º buscam promover a dignidade da pessoa
humana - sob a ótica do direito constitucional positivado brasileiro – também são
direitos fundamentais (DELPULPO, 2017, p. 65).
Em total sincronia Marques e Delduque:
O registro constitucional do direito à saúde – o qual compreende o saneamento básico – como direito fundamental, irradia-se por todo o texto constitucional, condicionando a interpretação da Magna Carta e de todo o ordenamento jurídico pátrio a esse primado. Em face dessa ideologia adotada na Constituição da República, é possível afirmar que o conteúdo normativo do direito à saúde permeia todas as normas do arcabouço jurídico nacional. Essa é uma característica finalística da Constituição que deve ser perseguida e preservada por toda a Federação. (MARQUES & DELDUQUE, 2010, p. 222).
Portanto, a Constituição de 1988 contemplou saúde como um direito
fundamental para a evolução da coletividade, um direito social e que promove o
desenvolvimento do saneamento básico, combate às doenças e garante acesso a
todos os indivíduos, relevante para a população e para o bem estar da sociedade, que
reduz as doenças, erradica a pobreza. Ademais, cabe à sociedade brasileira,
juntamente com os Municípios, Estados e União à proteção e preservação do meio
ambiente.
A evidência da Magna Carta ao incluir em seu texto dispositivo de afloração
do direito à saúde, expressa no capítulo de direitos fundamentais, demonstra a
responsabilidade do Estado em garantir proteção à saúde. Consoante Sarlet e
Figueiredo (2008, p. 2), após o advento da Constituição de 1988 no ordenamento
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pátrio a saúde passou a possuir caráter constitucional, constituindo-se em avanço
institucional, tendo em vista que a saúde anteriormente apenas possuía tratamento
infraconstitucional.
Isto posto, a Constituição de 1988 atribui a saúde como direito fundamental
e social, que engloba os serviços públicos de saneamento básico, que é o tema do
próximo item.
2.4 Saneamento básico na Constituição de 1988
A Carta Constitucional outorgou competências aos entes da federação para
que se pudesse haver uma coordenação de medidas legislativas e políticas públicas,
no que se refere ao saneamento. A Lei Maior consagrou saneamento básico como um
serviço público5 , em função de relevante interesse público. Para tanto, requer a
participação de todos os entes federativos, o que remete à forma federativa do Estado
brasileiro.
Nas palavras de Luiz Adolfo e Sonia Carvalho:
Considera-se o saneamento básico um direito fundamental do indivíduo e da coletividade, além de serviço público essencial e, portanto a provisão dever do Estado. O saneamento básico atua entre a garantia do mínimo existencial social (moradia adequada, à saúde e a melhoria de todos os aspectos de higiene), e a proteção ambiental. A população, sem acesso as condições existenciais básicas assinala um conjunto de desigualdades sociais, econômicas e ambientais (ADOLFO; CARVALHO, 2012, p. 6).
O Brasil adotou a forma federativa (art. 1, CF/88), que é constituída pela
União, Estados, Distrito Federal e municípios, e sob a perspectiva de Barroso (2018,
p. 112), a União possui o intitulado “poder federal” – um ente político central, que
impõe diretrizes sobre normas gerais e medidas de execução. Estados e municípios,
por sua vez, têm competência concorrente e supletiva, suas normas e políticas
públicas devem estar em total consonância com os dispositivos impostos pela União
Federal.
Com efeito, a autonomia de Estados e municípios conserva-se a partir da
observância de princípios do Estado Federado, dado que o descumprimento da
autonomia aos entes federativos outorgado pela Carta Federal, ensejaria em
5 Nos ensinamentos do nobre Hely Lopes Meirelles: "Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado." (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 418)
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violações ao texto constitucional. A União possui algumas competências privativas,
entretanto, nas questões internas os Estados e municípios possuem autonomia, em
sintonia com a diversidade de cada ente estatal e de suas peculiaridades (SILVA,
2005, p. 99-102).
Complementa Gilmar Mendes:
A autonomia importa, necessariamente, descentralização do poder. Essa descentralização é não apenas administrativa, como, também, política. Os Estados-membros não apenas podem, por suas próprias autoridades, executar leis, como também é-lhes reconhecido elaborá-las. Isso resulta em que se perceba no Estado Federal uma dúplice esfera de poder normativo sobre um mesmo território e sobre as pessoas que nele se encontram, há a incidência de duas ordens legais: a da União e a do Estado-membro (MENDES, 2017, p. 729).
O regime federalista possui origem norte-americana e tem por objetivo a
intercolaboração de entes federados autônomos, que são constitucionalmente
protegidos. A característica predominante em um país dotado do federalismo é a
atuação político-administrativa de seus entes (SILVA, 2005, p. 99).
Tendo em vista o modelo federativo adotado pela ordem constitucional
brasileira, o constituinte estabeleceu o saneamento básico como um modelo de
cooperação participação entre os entes federados, em que todas as esferas de Estado
deverão exercer certa contribuição para a melhoria do saneamento básico, objeto do
próximo capítulo.
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3 COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS E NÃO-LEGISLATIVAS DOS ENTES
FEDERATIVOS EM SANEAMENTO BÁSICO
A Constituição da República consagrou as competências e atribuições dos
entes federados, prevendo responsabilidades legislativas e administrativas. Desta
feita, Almeida (2013, p. 67), explica que a Carta Federal estabeleceu dois tipos de
competências na sua área de atuação, a competência administrativa - não legislativa,
e a competência legislativa. Competências administrativas incluem-se competências
materiais, gerais ou de execução, ou seja, “cada entidade federativa recebe da
Constituição, além da competência legislativa, outras competências que as
credenciam ao desempenho de diferentes tarefas e serviços” (ALMEIDA, 2013, p. 67).
3.1 União
A União 6 é aquela pessoa jurídica de direito interno público que é
representada por todos os Estados-membros da federação. É integrada pelos três
poderes constitucionais: Poder Executivo, chefiado pelo Presidente da República,
Judiciário, exercido pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, e
Legislativo, Senado Federal e Câmara dos Deputados. Elucida Mendes (2017, p. 733),
“a União é o fruto da junção dos Estados entre si, é a aliança indissolúvel destes. É
quem age em nome da Federação”.
Neste tocante, Oliveira (2012, p. 80-81), clarifica a competência privativa
da União em estabelecer diretrizes de saneamento, com fulcro na redação do art. 21,
XX, CF/887. Além do mais, conforme Carvalho (2010, p. 65), o referido dispositivo
constitucional, “oferece, inclusive, suporte para que a União exerça sua função
executiva de contribuir para a melhoria das condições de saneamento básico”.
Deste modo, compete à União instituir as diretrizes e planejamento do
saneamento básico, de forma que os demais entes serão submetidos ao cumprimento
do estabelecido em âmbito federal. A legislação em vigor que dispõe sobre as
6 A União é entidade federativa autônoma em relação aos Estados-membros e municípios, constituindo pessoa jurídica de Direito Público Interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado brasileiro. (MORAES, Alexandre de, Direito constitucional / Alexandre de Moraes. - 34. ed. - São Paulo: Atlas, 2018, p. 411) 7 Art. 21. Compete à União: instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (Brasil, 1988)
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diretrizes do saneamento básico estão concretizadas na Lei Federal nº 11.445/2007,
que dita os princípios fundamentais dos serviços de saneamento (art. 2º), definição de
saneamento (art. 3º), titularidade do serviço (art. 8º), planejamento (art. 19), política
federal de saneamento básico (art. 48).
Assim, a atribuição da União como ente central é tão-somente a instituição
de diretrizes, ou seja, a elaboração de normas gerais e parâmetros para os outros
entes da federação, além de instituir programas de melhorias no que concerne ao
saneamento básico, afastando a titularidade de exercer a prestação do serviço de
saneamento. Em suma, a União legisla, promove diretrizes e programas de melhorias
habitacionais de saneamento básico, não sendo o ente legítimo para exercer a
titularidade da prestação do serviço de saneamento básico (JUNIOR, 2008, p. 69).
3.2 União, Estados e Municípios: Legislação Concorrente e Comum
No que diz respeito à competência legislativa concorrente do Estado e da
União, nota-se que a Constituição Federal de 1988 outorgou poderes legislativos
simultâneos, de modo que potencializou seu protagonismo, fundamenta o art. 24:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.
Para Ferreira Filho (2012, p. 339-440), ao tratar das competências
constitucionais, elucida acertadamente que o art. 24, §1º delimita que a União é o ente
político legítimo para instituir as normas gerais, enquanto aos Estados cabe
complementar as normas gerais, atentando-se as suas especificidades (art. 24, §2º).
Além disso, a omissão da União em editar normas gerais configura a legitimidade
legislativa plena dos Estados (art. 24, §3º). Entretanto, por força do art. 24, §4º - caso
venha a surgir lei federal os dispositivos em contrário serão revogados.
Sob esse aspecto, a Constituição conferiu a possibilidade dos Estados-
membros legislarem de forma concorrente com a União para que essas entidades
federativas tenham a possibilidade de legislar sobre uma mesma matéria em diversas
esferas políticas. Por conseguinte, o constituinte elencou a possibilidade de União,
Estados e Distrito Federal legislarem concorrentemente acerca de meio-ambiente,
pauta intrínseca do saneamento básico.
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Ao discorrer da competência comum entre os entes públicos, Barroso
(2002, p. 260), ressalta a intercolaboração federativa elencadas no artigo 23 da Carta
Magna, temas que o constituinte considerou muitíssimo relevante a participação,
cooperação e protagonismos entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Insta
esclarecer, que a redação do texto constitucional é no sentido de execução de
políticas públicas e ações que tenham por objeto a substancial ascensão no que se
refere ao saneamento básico, in verbis:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.
Deste modo, é evidente a competência material elencada no dispositivo
supracitado – ou seja, a competência para promoção de medidas públicas que
favoreçam a moradia e saneamento básico. Trata-se de competência comum dos
entes da federação na execução de medidas públicas que possibilitem uma condição
sanitária melhor para os cidadãos.
Nas palavras de Fernanda Menezes:
Além de partilhar entre os diversos entes federativos certas competências exclusivas, que cada um exerce sem participação dos demais, o constituinte demarcou uma área de competências exercitáveis conjuntamente, em parceria, pelos integrantes da Federação, segundo regras preestabelecidas. (ALMEIDA, 2013, p. 133).
Há que se concluir, portanto, que a intenção do constituinte da redação do
artigo 23 é que sejam executadas medidas públicas com vistas ao desenvolvimento
de sistemas de saneamento básico e cooperação de todos os entes políticos, de
maneira que possua uniformidade na política das esferas federativas. Ainda neste
sentido, é importante frisar que há descentralização de grandes responsabilidades,
uma vez que é delegada competência comum para os governos locais, regionais e de
nível federal.
3.3 Estado, Região Metropolitana e Município
A estrutura organizacional dos estados assemelha-se com a da União,
porém, com suas particularidades. Assim sendo, nas lições de Mendes (2017, p.
1129), os Estados da Federação possuem “governo e bens próprios, desempenhando
as funções dos três poderes estatais – Executivo, Legislativo e Judiciário.”
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Para o autor, os Estados são dotados de autonomia, com estruturas
próprias, e possuem os três poderes constitucionais.
Em total consonância, Alexandre de Moraes:
A autonomia dos Estados-membros caracteriza-se pela denominada tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e autoadministração. (MORAES, 2018, p. 412)
Os Estados estão autorizados a instituir as regiões metropolitanas,
conforme leitura do art. 258 , §3º da Constituição Brasileira, com o propósito do
interesse comum de municípios que integram uma certa área estratégica e de
proximidade. Consequentemente gerar-se-á certa complexidade e articulação
delicada entre os municípios, um verdadeiro desafio que visa o interesse comum
metropolitano.
Com grande percuciência no tema Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
As regiões metropolitanas são entidades administrativas, superpostas aos Municípios de uma área constituinte de comunidade socioeconômica, com o objetivo de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum a todas as unidades componentes. [...] O surgimento dessas regiões metropolitanas decorre da impossibilidade de se resolverem certos problemas próprios às metrópoles, no âmbito restrito e exclusivo de um dos Municípios que a conurbação recobre. É, por exemplo, o que se dá com o abastecimento de água, o tratamento de esgotos, o combate à poluição, transportes e vias de comunicação etc (FERREIRA FILHO, 2012, p. 422-422).
Segundo Meirelles (2003, p. 81-84), a instituição de zonas metropolitanas
acaba por tornar-se necessária em centros urbanos próximos, com vistas à
uniformização da administração, cooperação entre os governos municipais e
integralização de custos, tendo em vista insuficiência de recursos financeiros para
subsidiar investimentos públicos, além de planejamento harmônico e um interesse da
região e não tão-somente locais. Pode-se extrair da Constituição Federal: em havendo
uma relevância que extrapole o de única e exclusivamente municipal, está autorizada
a criação, sem prejuízo de rito ordinário legislativo de lei complementar estadual, de
regiões que englobam mais de um município ou estado da federação.
8 Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. § 3º Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (Brasil, 1988)
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Além de ter previsão constitucional, ressalva-se sua redação (embora
idêntica) disposta no artigo 3º, caput, da Lei nº 13.089 de 2015, o Estatuto da
Metrópole:
Art. 3º Os Estados, mediante lei complementar, poderão instituir regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, constituídas por agrupamento de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
As regiões metropolitanas não são entes políticos, apenas cumprir-se-ão
as obrigações que ensejaram sua concepção, afastando-se o caráter de um novo ente
federativo, sendo fundada com o objetivo exclusivo de coordenação e gerenciamento
– no presente caso, de saneamento básico. Cumpre salientar, que a administração
das regiões metropolitanas podem ser realizadas tanto por autarquias9 quanto por
empresas públicas10.
A instituição de Regiões Metropolitanas propriamente dita – união dos
municípios - não desvincula a autonomia constitucional garantida ao município (item
2.5). Ainda que o saneamento seja considerado naquela região um interesse comum
entre os municípios aglomerados, o ente municipal jamais cederá sua autonomia
sobre assuntos predominantemente locais, posto que as regiões metropolitanas
apenas afetarão o que lhes fora motivo ensejadores de suas confecções (MOREIRA;
GUIMARÃES, 2015).
A titularidade da prestação do serviço de saneamento básico, de modo
geral, sobretudo em regiões metropolitanas, possuía uma série de omissões
legislativas. Devido a isso, tanto a doutrina quanto as decisões proferidas em sede
judicial buscavam obter soluções adequadas com a legislação vigente para que fosse
estabelecido tratamento sobre a titularidade.
A recente alteração legislativa da Lei nº 11.445 de 2007, ocasionada pela
Lei nº 14.026, de 2020, trouxe expressamente as titularidades dos entes políticos do
serviço público de saneamento básico (art. 8º ao 13).
Por oportuno, definiu expressamente que exercem a titularidade dos
serviços públicos de saneamento básico, municípios e Distrito Federal: em caso de
interesse local será o município, na forma do art. 8, I. Já para o caso de interesse
9 Sinteticamente, mas com precisão, as autarquias podem ser definidas como "pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa" (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. – 32. ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2015, p. 164) 10Deve-se entender que empresa pública federal é a pessoa jurídica criada por força de autorização legal como instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado (idem, p. 191)
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art6http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art6
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comum, em que há no Estado a união de municípios, que compartilhem instalações
operacionais (região metropolitana, aglomerações urbanas) a titularidade será do
Estado em conjunto com os municípios, desde que respeitado o trâmite legislativo de
lei complementar estadual, sob fundamento do art. 8, II.
Conforme Édis Milaré e Lucas Milaré, em recentíssimo artigo publicado em
setembro de 2020, com título “o Marco Regulatório do Saneamento Ambiental”, sobre
as alterações legislativas provocadas pela Lei 14.026/2020:
Para o art. 8º da Lei 11.445/2007 – agora com a nova redação do ano de 2020 –, exercem a titularidade dos serviços públicos de saneamento: (i) os Municípios ou o Distrito Federal, quando se tratar de serviço de interesse local (definido como funções públicas e serviços em que as infraestruturas e instalações operacionais atendam a um único município); e (ii) o Estado, em conjunto com os Municípios, quando se tratar de serviço de interesse comum (aquele em que ocorre o efetivo compartilhamento de instalações operacionais). Por óbvio, a divisão estabelecida pela norma se atém ao paradigma constitucional de definição de competências, tendo em vista o critério da predominância de interesses (MILARÉ; Édis; MILARÉ, Lucas, 2020).
Neste ponto, vale observar que a nova legislação ofereceu de forma
objetiva tratamento acerca da titularidade do serviço de saneamento básico.
Importante salientar ainda que o art. 3, XIV, XV, prevê a definição de interesse local e
interesse comum, respectivamente:
XV - serviços públicos de saneamento básico de interesse local: funções públicas e serviços cujas infraestruturas e instalações operacionais atendam a um único Município; XIV - serviços públicos de saneamento básico de interesse comum: serviços de saneamento básico prestados em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões instituídas por lei complementar estadual, em que se verifique o compartilhamento de instalações operacionais de infraestrutura de abastecimento de água e/ou de esgotamento sanitário entre 2 (dois) ou mais Municípios, denotando a necessidade de organizá-los, planejá-los, executá-los e operá-los de forma conjunta e integrada pelo Estado e pelos Munícipios que compartilham, no todo ou em parte, as referidas instalações operacionais.
Considerando a redação do dispositivo legal supracitado, interesse local
diz respeito aos serviços públicos de saneamento básico que possuam como destino
final apenas um ente municipal, enquanto que interesse comum engloba mais de um
município, equacionando, assim, a obscuridade da titularidade.
Sob a inteligência de Édis Milaré e Lucas Milaré:
A redação do art. 8º da Lei 11.445/2007 é de boa técnica e se coaduna com o ordinariamente praticado no país. Neste ponto, o legislador acerta, trazendo segurança e clareza aos operadores, tratando o assunto de maneira objetiva. (MILARÉ; MILARÉ, 2020).
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Outro ponto que merece ser destacado é no tocante à modalidade
contratual, que poderá ser realizada pela associação voluntária entre os entes
federados, art. 8, II, §1º da Lei nº 11.445/07 na figura da gestão associada. Conforme
redação do dispositivo citado:
Art. 8, II, § 1º O exercício da titularidade dos serviços de saneamento poderá ser realizado também por gestão associada, mediante consórcio público ou convênio de cooperação [..]: (Incluído pela Lei nº 14.026, de 2020).
Nas palavras de Laone Lago:
Trata-se de via consensual, tendo por objetivo viabilizar a associação entre os entes federados para o desenvolvimento de competências próprias atreladas ao planejamento, a regulação, a fiscalização e a prestação de serviços públicos (LAGO, 2017, p. 115).
Dentro desse panorama, o consórcio público faz a união dos entes
federativos, ensejando a uma “nova pessoa jurídica de direito público detentoras de
capacidade política, que ajustam entre si a prestação de atividades de interesse
comum” (LAHOZ, 2015, p. 150), sendo uma autarquia integrante da Administração
Pública Indireta de todos os entes consorciados. O consórcio público, ensina Monteiro
(2010, p. 157), assume o papel de titular do serviço de saneamento básico - com a
junção dos entes federados, que poderá transferir para terceiro interessado a
prestação do serviço de saneamento.
O convênio de cooperação, por sua vez, possibilita que o entes da
federação transfiram ou deleguem suas competências e serviços entre entes não
consorciados.
Nas palavras de Vera Monteiro:
Por meio do convênio de cooperação, o Estado (ou outro Município) poderá assumir algumas competências locais relativamente à organização e prestação do serviço de saneamento (competências de planejamento, fiscalização e regulação, inclusive tarifária), e por meio do contrato de programa, a empresa estadual (ou municipal controlada por outro Município) poderá assumir a prestação do serviço propriamente dita (MONTEIRO, 2010, p. 151).
Portanto, a gestão associada de serviços públicos é possível através da
elaboração de convênio de cooperação ou pela criação de consórcio público. Com
efeito, as duas modalidades de união de entes federados possuem o mesmo objeto,
no presente caso, a prestação dos serviços de saneamento básico, em que haja a
colaboração de mais de um ente da federação.
A novel legislação destacou a importância na prestação regionalizada, visto
que incluiu nos princípios fundamentais do serviço de saneamento básico (art. 2, XIV),
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7
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com intuito de ampliar a entrega da prestação, entre outros. Tendo por base o próprio
texto da lei, em seu art. 3, VI, prestação regionalizada é aquela oferecida quando o
município integra região metropolitana.
Nesta lógica, art. 2, XIV, alínea a e art. 3, VI:
Art. 2º Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais: XIV - prestação regionalizada dos serviços, com vistas à geração de ganhos de escala e à garantia da universalização e da viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços; (Incluído pela Lei nº 14.026, de 2020). Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020) VI - prestação regionalizada: modalidade de prestação integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico em determinada região cujo território abranja mais de um Município, podendo ser estruturada em: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020) a) região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião: unidade instituída pelos Estados mediante lei complementar, de acordo com o § 3º do art. 25 da Constituição Federal, composta de agrupamento de Municípios limítrofes e instituída nos termos da Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole); (Incluído pela Lei nº 14.026, de 2020).
Já a competência do Município, a Constituição estabelece que, em
havendo interesse local, a titularidade do serviço público passa a ser municipal,
conforme art. 30, V, CF/88:
Art. 30. Compete aos Municípios: V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.
Desta feita, comanda o texto constitucional que o termo “interesse local”
está relacionado, embora indiretamente, aos serviços de saneamento básico. Assim
sendo, Barroso (2002, p. 260-262), refere-se à competência municipal de fornecer o
serviço público de saneamento básico quando for demandando interesse local, de
apenas um munícipio, tema superado pela novel legislação.
Nesta esteira, como visto acima, após a entrada em vigor da Lei
14.026/2020, que alterou a Lei 11.445/2007, a titularidade de prestação do serviço de
saneamento básico será do Município, em caso de interesse local, conforme art. 8, I
da Lei 11.445/2007:
Art. 8º Exercem a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020) I – os Municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse local; (Incluído pela Lei nº 14.026, de 2020).
O cerne da questão é basicamente se o “interesse local” diz respeito aos
serviços prestados exclusivamente em um único município, ou, se apenas de caráter
predominante.
Hely Lopes Meirelles conceitua interesse local:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art25§3http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art25§3http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13089.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7
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O interesse local se caracteriza pela predominância (e não pela exclusividade) do interesse para o Município em relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau, e não de substância. (MEIRELLES, 2003, p. 134-135).
Para o emérito professor, serviços de “interesse local” são aqueles
predominantes para o município. Contudo, o caráter da exclusividade cai por terra,
posto que em certa escala, os assuntos tratados nos municípios possuem efeito
extraterritorial.
Deste modo, o ente titular para prestação do serviço de saneamento básico
será do Município, em caso de interesse local. Cumpre observar, porém, como referido
acima, quando o município compartilhar com outro instalações operacionais
integrantes de regiões metropolitanas, a competência será do Estado-membro e dos
Municípios (art. 8, II), e que sua prestação poderá ser delegada para outros agentes,
da própria Administração Pública ou para iniciativa privada, o que leva à compreensão
do tópico seguinte.
3.4 Serviço de saneamento básico: privado x público
O serviço de saneamento possui duas matrizes: a primeira, que é
delimitado como serviço econômico, visto que sua realização exige tarifas, além da
possibilidade de ser outorgado à iniciativa privada. Por outro lado, a segunda visualiza
como um serviço social, que visa ao atendimento universal, contínuo, principalmente
para as pessoas de baixa renda (CARVALHO, 2010, p. 362).
Contudo, para Alves (1998, p. 21), o serviço é público pois visa cumprir
objetivos sociais, coletivos e é regulado pelo Estado, diferenciando-se da atividade
econômica, que tem por base o livre mercado e objetiva lucro. Ademais, o titular do
serviço público é o Poder Público, sob esse prisma, passa a ser normatizado com
finalidades do interesse público, a supremacia do interesse público.
Aliás, como mencionado acima, por serem normatizados pela entidade
estatal, os serviços públicos estão condicionados ao regime jurídico de direito público,
e não pelas “forças do mercado, condicionados inteiramente pelo valor de troca, isto
é, caracterizados dentro das possibilidades dos que podem pagá-los, segundo a
lógica do capital e do mercado” (ALVES, 1998, p. 19), como é no caso das atividades
econômicas.
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Nas palavras de Allaôr Caffé Alves:
No que respeita à distinção entre atividade econômica e serviço público, a linha que os discrimina põe-se no paralelo entre os arts. 173 e 175 da Constituição Federal. No art. 173 e seus parágrafos, divisamos o regime da atividade econômica, privativo (não exclusivo) da livre iniciativa por determinação da Constituição, conforme o art.170, parágrafo único, e que somente pode ser objeto de exploração pelo Estado em caso de monopólio estatal, definido constitucionalmente, ou quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (ALVES, 1998, p. 22).
Com base no acima exposto, para que o Estado exerça atividade
econômica, é necessário que o objeto a ser executado seja de grande relevância
pública, bem como que seja necessário à segurança nacional. Já para que o Estado
ofereça o serviço público indiretamente, o art. 175 da Constituição prevê a
obrigatoriedade de licitação.
Tanto Caffé (1998, p. 108) como Alochio (2007, p. 46), apontam que o
serviço de saneamento poderá ser prestado pelo próprio ente (prestação direta
centralizada); por autarquias, sociedades de economia mista [como o caso da
CASAN, que será visto no capítulo seguinte], empresas públicas (prestação direta
descentralizada); iniciativa privada (prestação indireta, mediante licitação) e a
denominada gestão associada, pelos contratos de programa.
No que toca à prestação pela iniciativa privada, sob o comando do art. 175
da Constituição:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
A prestação de serviços públicos realizada por meio de particular é viável
no ordenamento jurídico interno, porém, caberá a pessoa jurídica de direito público
interessada a promoção de licitação. O art. 10 da Lei 11.445/07, complementa
perfeitamente o dispositivo anterior:
Art. 10. A prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação, nos termos do art. 175 da Constituição Federal [...] (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020).
A concessão ou contrato de concessão de serviço público é aquele que tem
o propósito de delegar a prestação da atividade pelo ente governamental ao agente
particular, com intuito de ser remunerado pela cobrança de tarifas, enquanto as
normas de fiscalização e controle sob a responsabilidade do Estado (MEIRELLES,
2016, p. 294).
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art175http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art175http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14026.htm#art7
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Nas palavras de Marçal Justen Filho:
A concessão comum de serviço público é um contrato plurilateral de natureza organizacional e associativa, por meio do qual a prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante remuneração extraída do empreendimento (JUSTEN FILHO, 2014, p. 759).
Portanto, a empresa privada que deseje exercer a gestão do saneamento
básico deverá participar de processo regular de licitação11 . Com efeito, cumpre
destacar os encargos mantidos pela Administração Pública, com base no art. 29 da
Lei nº 8987/95:
Art. 29. Incumbe ao poder concedente: I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuais III - intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei IV - extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato.
O Poder Público deverá prestar a regulamentação e fiscalização da
prestação. Além disso, caso haja inadimplência contratual aplicar-se-ão as devidas
penalidades, e, de último caso poderá haver a rescisão unilateral12 da Administração
Pública (LAHOZ, 2016, p. 162-163), e o próprio ente público prestará o serviço13.
No que diz respeito às Parcerias Públicos-Privada (Lei nº 11.079/04), nos
ensinamentos de Fernanda Meirelles (2010, p. 135), “conferem maior flexibilidade e
maior confiança nas relações entre Estado e iniciativa privada”, o que resulta em maior
liberdade ao agente privado. O Estado, que é o poder concedente, assegura a
execução de suas obrigações compactuadas, e de outra banda, há maior flexibilidade
em eventuais adaptações contratuais (MEIRELLES, 2010, p. 136).
11 A concessionária de um serviço público será escolhida por meio de licitação na modalidade concorrência, podendo ser observado diversos critérios de julgamento. Os principais são: a) menor valor da tarifa do serviço público que será prestado; b) maior oferta pelo pagamento da concessão; c) melhor proposta técnica; e d) melhor oferta de pagamento após a qualificação das propostas técnicas. (LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. Serviços Públicos de Saneamento Básico e Saúde Pública no Brasil. – São Paulo: Almedina, 2016, p. 161) 12 A extinção da concessão representa a retomada do serviço concedido pelo Poder Público e pode ocorrer por diversos motivos e formas. O primeiro é o término do prazo da concessão, também conhecido como reversão, porque representa o retorno do serviço ao poder concedente; o segundo motivo é o interesse público superveniente à concessão, denominado de encampação ou resgate; a inadimplência do concessionário pode conduzir à rescisão unilateral do contrato por parte do poder concedente, designada por caducidade (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 2016, p. 498) 13 É preciso notar que, ao se mencionar o Poder Público, aqui, não se quer apontar apenas para a Administração centralizada, concentrada no Estado [...] o Estado, mediante lei, pode criar ente público, como a autarquia, por exemplo, e passar-lhe a titularidade do serviço público (ALVES, Alaôr Caffé, Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos, Bauru, SP: Edipro, 1998, p. 23 1ª edição)
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Como foi acima exposto, o serviço de saneamento básico poderá ser
oferecido à iniciativa privada, entretanto, nada retira os princípios do serviço de
saneamento básico que é eminentemente público. Em consonância, Bandeira de
Mello (2014, p. 694-703), reforça que seu intuito persiste na universalidade,
continuidade, eficiência, impessoalidade, publicidade (transparência das ações),
elencadas no art. 37 vigente na ordem constitucional e além disso, está submetido
aos ditames do direito público.
Com grande colaboração Marçal Justen Filho:
Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, insuscetíveis de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob regime de direito público (JUSTEN FILHO, 2014, p. 727).
Em conformidade, acrescenta Alves (1998, p. 19), o serviço público de
saneamento básico, assim como os outros serviços públicos, possui natureza extra
mercantil: não detém objetivo de auferir lucro, dado que o serviço público visa atender
à toda população, principalmente os menos afortunados, com base na justiça
distributiva.
Sob esse prisma, a possibilidade de privatização plena do serviço de
saneamento básico ainda não é uma realidade14, posto que a titularidade continua
sendo do ente concedente, que delega a prestação à terceiros, “não podendo este
[ente estatal] afastar-se dela sob pena de ter-se como inconstitucional a medida que
assim preceder”, (ALVES, 1998, p. 22).
O ente governamental realiza a concessão ou permissão por alguns
motivos, porém, o que mais aparece é por causa de déficit orçamentário e fiscal, por
ausência de recursos financeiros suficientes para arcar com as despesas. Desta
maneira, outorga-se o direito de executar o serviço público de saneamento básico à
iniciativa privada, de modo que se possa trazer mais eficiência e custando menos aos
cofres públicos, assegurando o bem estar da coletividade (LAHOZ, 2016, p. 159).
14 Os serviços de saneamento básico (ou ambiental) são considerados serviços públicos privativos do Estado, devendo ser, quando prestados pela iniciativa privada, outorgados mediante concessão ou permissão, nos termos da Constituição Federal (art. 175) e das Leis Federais nºs. 8987, de 13.2.95, e 9.074 (art. 2), de 7.7.95. Esta posição encontra também respaldo no art. 23, IX, da Constituição Federal, onde se prescreve a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a “melhoria das condições do saneamento básico público” (ALVES, Alaôr Caffé, Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos, Bauru, SP: Edipro, 1998, p. 22, 1ª edição)
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Conveniente ressaltar que a realização através do particular deverá
obedecer os comandos estabelecidos pelos seguintes dispositivos legais: Lei nº
8.987/1995 (Concessões), Lei nº 8.666/1993 (Licitações) e Lei 11.445/2007 (Diretrizes
do Saneamento Básico).
As finalidades do ente concessionário (diversas em comparação ao serviço
público) são de auferir lucro, por meio da cobrança de tarifas, raciocínio lógico do livre
mercado. Todavia, o fator da lucratividade nada interfere na prestação do serviço
público (ALVES, 1998).
Neste toar, embora a execução seja realizada por agentes privados,
havendo a cobrança de tarifas, o saneamento básico tem por escopo a satisfação da
população, princípio da universalização do acesso ao saneamento básico, o que
evidencia sua natureza pública, de interesse público, entre outros direitos
fundamentais, eficiência (ALOCHIO, 2007, p. 5-10).
Nas palavras de Allaôr Alves Caffé:
Assim, não se pode falar em “privatização” do serviço de saneamento básico, visto que, como serviço público privativo do Estado que é, está vinculado a certos critérios constitucionais e legais indisponíveis, e, dessa forma, não pode, terminantemente, ser caracterizado como atividade econômica. Neste sentido, não é possível passar a titularidade do serviço de saneamento básico para o setor privado. Isto significa que sua disciplina, controle e fiscalização ficam sempre sob a responsabilidade do Poder Público competente. O que este pode fazer é outorgar a terceiros, entes governamentais ou privados, mediante procedimentos específicos legalmente definidos – como por exemplo, o contrato de concessão ou delegação de poder (mediante lei) – o exercício das atividades executivas correspondentes à prestação dos serviços de saneamento básico. (ALVES, 1998, p. 23).
Logo, infere-se, que a “privatização” do serviço de saneamento básico não
encontra respaldo jurídico, uma vez que são serviços privativos do Estado,
indisponíveis e descaracterizados de atividade econômica, podendo ocorrer a
“terceirização” da gestão e execução da prestação do serviço público, cabendo à
Administração Pública normatizar e fiscalizar sua operação, isto é, atribuir à terceiros
encargos de gestão.
Como foi visto ao longo do presente trabalho, o ente governamental poderá
prestar o serviço de forma descentralizada, isto é, por meio de empresa pública,
autarquia ou sociedade de economia mista. Em Santa Catarina, o serviço público de
saneamento é realizado pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento –
CASAN, empresa de sociedade de economia mista, é o que será analisado no próximo
capítulo.
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4 SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E A CASAN
A definição de sociedade de economia mista é delimitada pela Lei nº 13.303
de 2016, art. 4º:
Art. 4º Sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta.
No entendimento de Maria Sylvia Di Pietro:
A sociedade de economia mista é pessoa jurídica de direito privado, em que há conjugação de capital público e privado, participação do Poder Público na gestão e organização sob forma de sociedade anônima, com as derrogações estabelecidas pelo direito público e pela própria lei das S.A. (Lei n o 6.404, de 15-12-76); executa atividades econômicas, algumas delas próprias da iniciativa privada (com sujeição ao art. 173 da Constituição) e outras assumidas pelo Estado como serviços públicos (com sujeição ao art. 175 da Constituição); (PIETRO, 2018, p. 588).
À vista disso, a sociedade de economia mista, como o nome sugere, requer
um regime misto, em que há a participação de capital privado, não obstante, pertence
ao ente federativo instituidor a maioria de suas ações. Ademais, acrescenta Bandeira
de Mello (2014, p. 195-196), a sociedade de economia mista executa atividades
econômicas, submete-se à personalidade jurídica de direito privado, sendo criada
mediante autorização legislativa.
A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN - foi criada a
partir da lei estadual nº 4.547 de 1970, que dispõe sobre a Reforma Administrativa do
Estado de Santa Catarina, descentralizando vários órgãos. A referida legislação
ensejou o surgimento da CASAN, pertencente à Secretaria de Serviços Públicos:
Art. 42 - Ficam instituídas como órgãos descentralizados da administração indireta, as seguintes entidades: [...] VII - com vinculação à Secretaria dos Serviços Públicos: a) Sociedade de economia mista: [..] - Companhia Catarinense de Águas e Saneamento.
O Governo de Santa Catarina, representado pelo Colombo Machado
Salles, em 1971, deu início ao plano de ampliar o atendimento de necessidades
referentes ao saneamento básico.
Nas palavras de Átila Ramos:
Ao assumir o Governo de Santa Catarina em 1971, o eng.º. Colombo Machado Salles começaria a colocar em prática o seu Projeto Catarinense
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.303-2016?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.303-2016?OpenDocument
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de Desenvolvimento, dando ênfase especial ao saneamento básico respaldado pelas próprias iniciativas do Governo Federal, ensejando a criação da Casan [...] iniciava-se, assim, uma nova era na engenharia sanitária catarinense, no campo da saúde e também no meio ambiente. (RAMOS, 1991, p. 68).
Assim sendo, o Governo do Colombo Machado Salles é que realizou as
primeiras tratativas no que concerne ao saneamento básico estadual, em conjunto
com o Plano Nacional do Saneamento Básico – PLANASA.
O Decreto nº SSP 30-4-71/58 estabelece regras procedimentais no que se
refere à constituição da CASAN, que é uma empresa de sociedade de economia
mista, espécie descentralizada do Governo do Estado de Santa Catarina, integrante
da Administração Indireta. Consta o art. 1º do Decreto:
Art. 1º A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - "CASAN", criada pela lei nº 4.547, de 31 de dezembro de 1970, que dispôs sobre a Reforma Administrativa do Estado, deverá ser contida sob a forma de sociedade de economia mista, por ações, destinada a coordenar o planejamento e executar, operar e explorar serviços públicos de esgôtos e abastecimento de água potável, bem como a realizar obras de saneamento básico, em convênio com municípios do Estado, respeitadas as disposições legais em vigor. Parágrafo único. A Sociedade, que se regerá por seus Estatutos, terá sede e foro na Capital do Estado e funcionará por prazo indeterminado.
A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento tem por objetivo
oferecer abastecimento de água, tratamento e coleta de esgoto sanitários. Além disso,
é o instrumento empresarial do Governo do Estado para planejar, executar serviços
públicos de saneamento básico, assim como realizar obras pertinentes ao setor de
águas e esgotos (CASAN, 2019, p. 7).
Para tanto, verifica-se a necessidade de instrumento contratual, que no
presente caso o município será o poder concedente, e de outro ângulo, a empresa
estadual será a prestadora de serviço público de saneamento básico. Neste sentido,
o instrumento jurídico que vem sendo adotado é o contrato de programa, “que vem
substituindo os nossos convênios e contratos de concessão junto aos municípios”,
(CASAN, 2019, p. 15).
Entretanto, em que pese tenha permitido gerar bons frutos e solidez às
relações jurídicas de saneamento básico, o contrato de programa (o qual foi adotado
pela Lei nº 11.445/07) foi vedado pela alteração legislativa da Lei nº 11.445/07, que
somente permite a figura do contrato de concessões para entidade não integrante da
administração do titular (MILARÉ; MILARÉ, 2020).
Art. 10. A prestação dos serviços públicos de saneamento básico por ent