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1 Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR Aspectos visuais da publicidade marginal 1 Antonio Lemes Guerra Junior 2 Resumo: A sociedade constitui uma rede de relações na qual se percebem processos de marginalização que posicionam pessoas e lugares nos cenários urbanos. Nesse contexto, traços de marginalidade são constatados em variados produtos da ação do homem, incluindo a publicidade. Surge, assim, a Publicidade Marginal, caracterizada como um tipo de publicidade veiculada à margem do grande circuito publicitário, em ambientes predominantemente populares, de forma oral ou escrita, manifestada em suportes flexíveis de divulgação. Trata-se de um tipo de publicidade que, embora marginalizada, constitui-se a partir de todas as características da publicidade genericamente conceituada, essencialmente persuasiva, acrescidas de certas especificidades. Este trabalho explora o modo como sua essência argumentativa é perpassada pelos aspectos visuais que a compõem, tornando-a elemento integrante da paisagem urbana. Palavras-chave: Publicidade. Marginalização. Visualidades. Abstract: The society is a network of relationships in which we perceive processes of marginalization that position people and places in urban settings. In this context, traces of marginality are observed in varied products of human actions, including advertising. Thus, the Marginal Advertising arises, characterized as a type of advertising carried on the sidelines of the big advertising circuit in predominantly popular environments, in oral or written form, manifested in flexible media carriers. It is a type of advertising that, although marginalized, is constituted from all the features of the advertising generally conceptualized, essentially persuasive, plus certain specificities. This work explores how its argumentative essence is permeated by the visual aspects that compose its structure, making it an integral element of the urban landscape. Keywords: Advertising. Marginalization. Visualities. Introdução A publicidade se manifesta, na sociedade, em diferentes níveis de constituição argumentativa, circulação e recepção, transitando por quaisquer locais, dando forma a discursos que, com marcas específicas, acabam por segmentá-la em categorias, modalidades distintas. Diante disso, constatamos a existência daquela que denominamos Publicidade Marginal, uma vertente do universo publicitário, cuja gênese 1 Trabalho apresentado no GT 2- Códigos da Publicidade, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Graduado em Letras, Mestre e Doutorando em Estudos da Linguagem, pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) - [email protected]

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24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

Aspectos visuais da publicidade marginal1

Antonio Lemes Guerra Junior2

Resumo: A sociedade constitui uma rede de relações na qual se percebem processos de

marginalização que posicionam pessoas e lugares nos cenários urbanos. Nesse contexto,

traços de marginalidade são constatados em variados produtos da ação do homem,

incluindo a publicidade. Surge, assim, a Publicidade Marginal, caracterizada como um

tipo de publicidade veiculada à margem do grande circuito publicitário, em ambientes

predominantemente populares, de forma oral ou escrita, manifestada em suportes

flexíveis de divulgação. Trata-se de um tipo de publicidade que, embora marginalizada,

constitui-se a partir de todas as características da publicidade genericamente

conceituada, essencialmente persuasiva, acrescidas de certas especificidades. Este

trabalho explora o modo como sua essência argumentativa é perpassada pelos aspectos

visuais que a compõem, tornando-a elemento integrante da paisagem urbana.

Palavras-chave: Publicidade. Marginalização. Visualidades.

Abstract: The society is a network of relationships in which we perceive processes of

marginalization that position people and places in urban settings. In this context, traces

of marginality are observed in varied products of human actions, including advertising.

Thus, the Marginal Advertising arises, characterized as a type of advertising carried on

the sidelines of the big advertising circuit in predominantly popular environments, in

oral or written form, manifested in flexible media carriers. It is a type of advertising

that, although marginalized, is constituted from all the features of the advertising

generally conceptualized, essentially persuasive, plus certain specificities. This work

explores how its argumentative essence is permeated by the visual aspects that compose

its structure, making it an integral element of the urban landscape.

Keywords: Advertising. Marginalization. Visualities.

Introdução

A publicidade se manifesta, na sociedade, em diferentes níveis de

constituição argumentativa, circulação e recepção, transitando por quaisquer locais,

dando forma a discursos que, com marcas específicas, acabam por segmentá-la em

categorias, modalidades distintas. Diante disso, constatamos a existência daquela que

denominamos Publicidade Marginal, uma vertente do universo publicitário, cuja gênese

1 Trabalho apresentado no GT 2- Códigos da Publicidade, do Encontro Nacional de Pesquisa em

Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Graduado em Letras, Mestre e Doutorando em Estudos da Linguagem, pela Universidade Estadual de

Londrina (UEL) - [email protected]

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se distancia dos grandes e poderosos centros midiáticos, materializada em recursos que,

embora carentes de algumas marcas da publicidade moderna, como conhecimento

técnico ou suporte financeiro, cumprem igualmente a sua função persuasiva.

Esse tipo de publicidade, recoberto por seus variados traços de

marginalidade, espalha-se pela cidade, exibindo cores e formas, inclusive incolores e

disformes, no intuito de capturar consumidores, atraindo sua atenção, vendendo suas

ideias ou seus serviços, enfim, agindo por meio de sua essência publicitária, persuasiva.

Esses elementos, ao circularem ou fixarem-se pelas ruas, passam a compor a paisagem

urbana, inscrevendo nela visualidades que têm algo a dizer, que significam.

Neste trabalho3, nossas discussões convergem para reflexões que

exploram o impacto de certos gêneros publicitários marginais – especialmente, placas,

cartazes e pinturas em muros e paredes – na composição dos cenários urbanos, uma vez

que provocam sensíveis interferências nos ambientes em que são encontrados. Para isso,

no entanto, será preciso: (i) explorar, mesmo que brevemente, o conceito de “marginal”;

(ii) definir o conceito de “publicidade marginal”; (iii) refletir sobre as características dos

gêneros citados, com ênfase na sua constituição visual. Essa trajetória inicia-se a seguir.

O conceito de “marginal”

O conceito de “marginalização” e, em decorrência, o de “marginal”, são

discutidos em diversas áreas, o que lhes atribui um caráter polissêmico, multifacetado.

Segundo Fassin (1996a, 1996b), cada disciplina tende a conceber esses fenômenos sob

uma perspectiva diferente: por exemplo, na economia, são enfatizadas questões ligadas

ao trabalho e ao desenvolvimento; na sociologia, o enfoque recai nos impactos da

marginalização sobre toda a sociedade, relacionando-a ao impedimento ou à falta de

participação nos processos políticos e nas tomadas de decisão; na psicologia, por fim, as

observações ancoram-se nas mudanças de personalidade e na adaptação à vida urbana.

3 As discussões aqui empreendidas ancoram-se em um trabalho de maior amplitude, representado pela

tese de doutorado do autor, em fase de finalização, na qual a Publicidade Marginal é estudada em

profundidade.

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Uma série de estudos preocupa-se em delinear os significados que

recobrem o conceito. Alguns autores abordam a questão da exclusão, intimamente

ligada à noção de marginalidade. Para eles, a ocorrência da exclusão – e, portanto, da

marginalidade – estaria ligada a uma situação de aparente anormalidade social, isto é,

seria, de certa forma, o resultado de uma espécie de fragmentação de elementos da

sociedade. Para Demo (2002), por exemplo, a precariedade apresenta-se como um dos

fatores geradores da exclusão. Ao lado dela, estariam “a destruição de liames coesivos

na sociedade” e a “perda do senso de pertença” (p. 19). Segundo Belfiore-Wanderley

(2004, p. 17), à noção de exclusão liga-se “uma série de manifestações que aparecem

como fraturas e rupturas do vínculo social”. Em Martins (2003), também, é recorrente

essa ideia de fragmentariedade, pois, conforme o autor, a exclusão implicaria um

“tecido social rompido” (p. 40).

Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, a partir de uma reflexão

mais profunda, há uma série de mudanças, intimamente conectadas, trazendo grandes

desafios para a sociedade, resultado de uma suposta passagem da fase “sólida” da

modernidade para a fase “líquida”, em que tudo se dissolve muito rápido (BAUMAN,

2007a). Essa liquidez da modernidade é empregada por Bauman (2001) como uma

analogia para descrever a situação contemporaneamente percebida da sociedade como

um todo, que, como os líquidos, é altamente mutável e inconstante. Assim, partindo do

senso comum, o autor considera “fluidez” ou “liquidez” como metáforas perfeitas para a

natureza da sociedade moderna. Vivemos, em “tempos líquidos” (BAUMAN, 2007a),

uma “vida líquida” (BAUMAN, 2007b), baseada em laços humanos fragilizados, que

denotam um “amor líquido” (BAUMAN, 2004), sentimentos altamente fugazes.

O enfoque de Kowarick (1981) está pautado em discussões referentes à

ampla temática do desenvolvimento e subdesenvolvimento urbano. Nesse contexto, o

autor enfatiza o processo de marginalização nas zonas urbanas, salientando aspectos

como a inserção na divisão social do trabalho e, também, a acumulação do capital,

ancorando o fenômeno diretamente ao capitalismo. Em Perlman (1977), encontramos a

marginalidade assumida como um mito. A autora propõe um confronto entre o que se

pensa sobre os marginalizados (o mito) e o que os indivíduos são de fato (a realidade):

enquanto mito, a marginalidade serviria de fundamento para crenças pessoais e

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interesses sociais; enquanto descrição de uma realidade, estaria ligada a um conjunto de

problemas específicos.

A marginalidade também é tratada com relevo em estudos de Castel

(1994, 1996, 2003), para quem a marginalidade – ou, antes, a marginalização – constitui

[...] uma produção social que tem sua origem nas estruturas de base da

sociedade, na organização do trabalho e no sistema de valores dominantes a

partir dos quais são repartidos os lugares e fundadas as hierarquias,

atribuindo a cada um sua dignidade ou sua indignidade social (CASTEL,

1996, p. 38, tradução nossa).

Para Quijano (1978), o termo “marginalidade” aponta fundamentalmente

para um problema único, referido pelo autor na expressão “a falta de integração em”.

Porém, conforme o autor, essa suposta falta de integração, observada nas diversas

relações sociais, é um tanto imprecisa para dar conta de toda a complexidade do que é

ser marginal. A integração não será ausente, ou seja, não terá sua falta percebida, porque

os elementos sociais, mesmo marginais, de certa forma, integram o corpo social.

Ocorrem, na verdade, “problemas de integração em”, decorrentes de falhas no esquema

sociorrelacional.

Isso está em consonância com o fato de que a marginalidade, enquanto

um fenômeno social, consiste nas relações estabelecidas entre um ou mais elementos e o

conjunto da sociedade. São essas relações que determinarão a situação desses elementos

na estrutura global da sociedade. Diante disso, de acordo com Quijano (1978, p. 34),

devemos conceber o espaço social como um “campo de interações”, no qual diversos

setores “estão numa permanente relação recíproca de interdependência, conflitiva e

descontínua” e no qual são percebidos, portanto, os referidos problemas de integração.

Basicamente, a principal distinção a ser feita é entre “atuação social” e

“existência social”. Conforme já ressaltado, independente da função do elemento na

sociedade, de sua localização nos setores sociais, ele continua a existir, integrando-a de

alguma forma. Conforme Quijano (1978, p. 43), se considerássemos apenas os limites,

todos os elementos membros da sociedade seriam considerados marginais, “na medida

em que não é possível a participação em todos e em cada um dos elementos

institucionais da sociedade, nem em cada um dos planos e níveis de integração desses

elementos na estrutura global”.

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Nesse amplo contexto de relações, certamente não esgotado, encontra-se

o termo “marginal” designando vários elementos. Cada uma dessas ocorrências é

determinada por um tipo de reflexão, um conjunto de razões que justificam o fato de o

termo ter sido empregado, como uma simples localização periférica ou qualquer outro

agente condicionante, fazendo com que a manifestação da marginalidade seja a mais

heterogênea possível. Assim, considerando a publicidade também uma produção

humana, ela pode apresentar-se em uma face marginal, contrapondo-se a um centro que

detém o poder maior na mídia e age sobre a grande massa consumidora, como será

exposto a seguir.

A Publicidade Marginal

Em sua gênese, a Publicidade Marginal surge em oposição a uma espécie

de Publicidade Central, poderosa e dominadora. Basicamente, essa oposição pode ser

assim representada: a primeira seria um tipo de publicidade veiculada nos setores

midiáticos periféricos; a segunda, por sua vez, seria aquela veiculada nas grandes

mídias. Entre aproximações e distanciamentos, elas mantêm entre si uma relação de

equivalência – têm o objetivo de persuadir – e de diferença – suas condições de

produção e circulação são distintas. Isso decorre, em certa medida, de processos sociais

marginalizadores, os quais, como afirmamos, segmentam, posicionam.

Trata-se de uma publicidade cuja natureza é determinada por condições

técnicas (falta de conhecimento especializado ou de investimentos) ou contextuais

(espaço, produto e alvo). Embora marginalizada, ela é dotada de todas as características

da publicidade genericamente conceituada, essencialmente persuasiva, acrescidas de

certas especificidades, como, por exemplo, seus ambientes de circulação e suas formas

de manifestação, também marginais.

Ao ser elaborada, essa publicidade circula em locais bastante específicos

do tecido social, como regiões urbanas periféricas (e, também, não tão periféricas), ruas

de comércio popular, entorno de terminais rodoviários, praças, calçadas/calçadões,

viadutos, espaços marginalizados, sobretudo, devido ao seu nível de localização, aos

sujeitos frequentadores, aos tipos de atividades ali exercidas e à sua visibilidade. Nesses

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locais, manifesta-se de forma variada, por meio de locuções, em que predomina a

oralidade, além de cartazes, placas, pinturas e panfletos, com métodos diversificados de

emissão e de recepção, na maioria, informais, mas eficazes.

Evocando Baudrillard (2007, p. 88), “Toda publicidade carece de

sentido; só tem significações”, e segundo o autor, essas significações nunca são

pessoais; são, ao contrário, “diferenciais, marginais e combinatórias”, dependentes da

produção industrial das diferenças, a partir das quais é definido o sistema do consumo.

Que significações teria, então, a Publicidade Marginal? A conceituação básica, acima

apresentada, possibilita entrever uma série de elementos que convergem para a noção da

diferença. O sistema do consumo, tão forte na sociedade, ao ter como alvo todos os

indivíduos – marginais ou não –, utiliza recursos também diferenciados – igualmente

marginais ou não.

Não se trata, obviamente, de um modelo ineficiente de se fazer

publicidade, apenas de um campo diferenciado de atuação do discurso publicitário, que

deve sempre se adequar aos reveses do universo social, em suas diferentes

manifestações. Os tipos de textos que compõem cada modalidade – oral ou escrita –

podem ser explorados, como qualquer outro tipo de publicidade, com amplitude, a partir

do exame de suas marcas linguísticas; dos recursos persuasivos mais recorrentes; dos

aspectos ideológicos/culturais/sociais envolvidos em sua construção. Além disso, nas

manifestações publicitárias marginais, a fusão de linguagens também é considerada,

uma vez que, nelas, também tem espaço o não verbal, a imagem.

Diante disso, é possível que reflitamos sobre os aspectos visuais desse

tipo de publicidade, evidenciando o modo como ela integra e interage com a paisagem

urbana.

Visualidades da Publicidade Marginal

Nas cidades, pequenas ou grandes, ao longo do tempo, foram instauradas

diversas práticas ligadas ao fazer publicitário. Dentre elas, as pinturas e a exposição de

cartazes e placas tornaram-se elementos comuns, cotidianamente percebidos, o que os

elevou ao estatuto de eficazes meios de divulgação. Muitas transformações alteraram,

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no entanto, as relações entre esses elementos e a paisagem urbana. Em algumas cidades,

por exemplo, passaram a vigorar leis que regulamentam a exposição de mensagens

publicitárias em locais públicos, o que pode reduzir, em certa medida, essa frequência.

A título de ilustração, em Londrina, no Estado do Paraná, a lei municipal

nº 10.966, sancionada em 26 de julho de 2010, a chamada “Lei Cidade Limpa”, dispõe

sobre a ordenação dos anúncios que compõem a paisagem urbana do Município. É

válido ressaltar que, sob a perspectiva dessa lei, a Publicidade Marginal, em algumas de

suas manifestações, constituiria um tipo de publicidade irregular, uma vez que, de

acordo com o seu artigo 6º, fica proibida a fixação de anúncios, entre outros locais, em

postes, árvores, praças e logradouros públicos, muros e paredes de lotes públicos ou

privados, pontes, passarelas e viadutos. Essa irregularidade, no entanto, reforça nossa

atribuição de um caráter marginal a esse tipo de publicidade.

Mesmo que, em certa medida, irregular, ainda é possível nos depararmos

com esses verdadeiros “artefatos culturais”, transmissores de valores ideológicos que

remetem à constituição dos sujeitos que os elaboram. Por isso, devido à sua presença

disseminada na espacialidade urbana, compondo cenários, integrando a paisagem

múltipla das cidades, é relevante que se teçam considerações sobre alguns aspectos

visuais de três importantes manifestações da Publicidade Marginal, como já

mencionados: o cartaz; a pintura em muro ou parede; e a placa.

De acordo com Moles (1974, p. 15), o cartaz pode ser definido como um

“componente estético de nosso ambiente [...] talvez uma das aberturas próximas de uma

arte não-alienada, inserida na vida cotidiana, próxima e espontânea”. Presente na

sociedade como veículo de comunicação e acompanhante das mudanças propiciadas

pela tecnologia, o cartaz mantém sua essência, constituindo, ainda conforme o autor, um

dos elementos da civilização contemporânea, ou civilização da imagem.

O cartaz, por si só, a despeito de seu conteúdo, dá forma a uma imagem

que, imersa no cenário urbano, corre inúmeros riscos: perder-se, tornar-se anônima,

invisibilizar-se, enfim, passar despercebida diante dos olhos que deveria atrair. No

âmbito da Publicidade Marginal, esses riscos tornam-se maiores, uma vez que, partindo

de anunciantes também marginalizados, sem acesso a técnicas ou a recursos que

viabilizariam melhor qualidade de produção, e divulgando produtos que, em certa

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medida, também colaboram no processo de marginalização, os cartazes assumem

características específicas, como no exemplo a seguir.

Figura 1: Cartaz publicitário marginal

Fonte: Arquivo coletado pelo autor.

No cartaz publicitário marginal tomado como exemplo, ocorre a síntese

de vários elementos percebidos nesse tipo de manifestação publicitária: (i) a prevalência

de tonalidades monocromáticas; (ii) a escassez ou, nesse caso, a ausência de recursos

imagéticos; (iii) a composição gráfica simples, de baixo teor qualitativo; (iv) a ausência

de cuidado/valor estético em termos de diagramação; (v) a ocorrência de linguagem em

choque com a norma padrão. Essas especificidades, no entanto, não excluem seu valor

persuasivo, pois a argumentação é aparente, nesse caso, com a tentativa de seduzir o

consumidor a partir da oferta de um serviço “garantido” (algo materializado pela

afirmação contundente: “traz a pessoa amada”).

Ao lado de cartazes como esses, são frequentes, nas cidades de um modo

geral, anúncios publicitários inscritos em muros e paredes de residências ou de

estabelecimentos populares. Por serem repletos de irregularidades (em termos de forma

ou de localização), diversidade e ausência de discrição, a análise desses elementos

remete-nos ao universo dos “letreiramentos populares”, os quais podem ser

representados, conforme aponta Finizola (2010, p. 37), por “qualquer processo para se

desenhar e escrever letras”, cujo caráter “popular” é instaurado quando são produzidos

por cidadãos comuns, e não por especialistas, como designers gráficos.

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Uma marcante característica desses elementos é a sua construção a partir

do uso da “tipografia ou estética vernacular”. Segundo Finizola (2010, p. 30), “a

utilização do termo vernacular é empregada para definir artefatos autênticos da cultura

de determinado local, geralmente produzidos à margem do design oficial”. Assim, com

essas tipografias, tem-se uma profusão de letras e imagens nas quais as cidades estão

submersas, “numa disputa acirrada pelos espaços de comunicação” (FINIZOLA, 2010,

p. 54).

Nesse contexto, portanto, muitas reflexões podem ser empreendidas a

partir da observação dessas letras, formas e imagens, espalhadas sobre o concreto social.

Inclusive, são constatados alguns trabalhos dedicados a esse tema, como os de

Dohmann (2006), Dones (2004a, 2004b, 2008, 2012), Eller e Silva (2013) e Martins e

Vaz (2006). Entre eles, mais uma vez, encontramos a noção de cultura: nessa

onipresença das “letras” nas cidades, “o cenário urbano é repleto de paisagens

tipográficas” e, “[...] com todas suas cores e formas variadas, tem muito a nos dizer

sobre a cultura e hábitos locais de um povo” (ELLER; SILVA, 2013, p. 62).

E os aspectos visuais trazidos pelas pinturas publicitárias marginais, além

de remeterem a questões culturais, esboçam o caráter identitário das pinturas

tipográficas, o que é apontado por Dohmann (2006, p. 7): “Estas formas compõem o

que pode ser definido como uma perfeita amostra de identidade”. Isso se justifica por

traços de subjetividade, replicados pelos responsáveis pelas pinturas, os chamados

letristas, que imprimem em suas produções um estilo que pode lhes identificar.

Há de se ressaltar, contudo, que a noção de identidade é confrontada pela

ideia de “anonimato”, afinal “pretende-se que os objetos vernaculares são

essencialmente anônimos” (DONES, 2004a, p. 52). Embora, em algumas pinturas, seja

materializada a “identidade” do letrista, ele permanece no anonimato, como um “autor”

da pintura, mas um “não autor” do discurso, uma vez que reproduz a mensagem

definida pelo anunciante.

Algumas marcas dessa manifestação publicitária marginal são observadas

na imagem a seguir, em uma pintura perpassada por caracteres típicos, identificáveis em

outros exemplos dessa categoria: (i) o emprego de tonalidades cromáticas fortes e de

imagens/ilustrações contextualizadoras; (ii) a combinação de tipografias diversificadas

(formas e tamanhos variados); (iii) a oferta de brindes, premiações, facilidades,

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conveniências ao consumidor; (iv) a ocorrência de lacunas na configuração discursiva

(“cascata” de quê?); (v) a identificação do letrista responsável pela pintura.

Figura 2: Pintura publicitária marginal em muro.

Fonte: Arquivo coletado pelo autor.

A argumentação desses textos é, assim, construída a partir da associação

de diferentes recursos e linguagens. E isso é recorrentemente utilizado por diversos

anunciantes, sendo possível encontrar, pelas ruas das cidades, locais como o da imagem

a seguir, em que muitas pinturas publicitárias disputam a atenção de quem passa.

Imagem 3: Sequência de pinturas publicitárias em muro.

Fonte: Arquivo coletado pelo autor.

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Por fim, também frequentes, as placas são mais alguns desses elementos

que integram os cenários urbanos nos quais circulamos. Orientadas para diversas

finalidades, elas surgem em variados locais, materializadas em diferentes tamanhos e

formatos, com multifacetadas inscrições. No campo da publicidade, seu uso é

amplamente difundido, como os famosos outdoors, talvez os maiores e, em certa

medida, os mais frequentes.

Para Dones (2008, p. 8), as placas colaboram na criação de uma

paisagem verbal-visual que “[...] demonstra um processo complexo de apropriações e

circulação de estereótipos e de referências culturais”. Nesse contexto, ainda para a

autora, “a função destes meios é informar, esclarecer aos públicos sobre determinados

conteúdos, envolvendo o uso de diferentes linguagens e recursos gráficos”. Temos,

assim, nas placas, elementos que dialogam com as pinturas, já discutidas, por estarem

imbuídas desse caráter “tipográfico popular”. E o interessante é perceber que são suas

irregularidades que as tornam tão recorrentes na Publicidade Marginal, como mostram

as imagens a seguir.

Figura 4: Placa publicitária marginal em poste (1).

Fonte: Arquivo coletado pelo autor.

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Figura 5: Placa publicitária marginal em poste (2).

Fonte: Arquivo coletado pelo autor.

Figura 6: Placa publicitária marginal em poste (3).

Fonte: Arquivo coletado pelo autor.

As marcas visuais dessas manifestações publicitárias marginais

permitem-nos afirmar, mesmo a partir de breves considerações, que sua presença em

determinados espaços é capaz de alterar a paisagem urbana. Isso se justifica,

especialmente, pelo fato de serem introjetadas de forma quase intrusa, ocupando locais

nos quais, muitas vezes, não deveriam estar, o que marca a sua mensurável

irregularidade, ao passo que reforça a sua marginalidade.

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Considerações finais

Neste trabalho, apresentamos breves reflexões pautadas na observação da

Publicidade Marginal sob a perspectiva de suas visualidades, concebendo-a como

integrante e, em certa medida, modificadora da paisagem urbana. Assim, foi possível

percebermos que certos gêneros publicitários marginais – placas, cartazes e pinturas em

muros e paredes – são dotados de certas características que os tornam elementos de

relativo destaque nas ruas ou outros locais em que circulam. Formados por códigos

semióticos que deixam entrever, inclusive, traços de cultura(s), eles formam, em sua

completude, grandes signos visuais capazes de imprimir significações na realidade.

Ademais, chegamos ao fim dessa breve discussão com a percepção de

que, muito além de integrante visual da paisagem urbana, a Publicidade Marginal tem

sua existência sedimentada em sua natureza mercadológica, com vistas ao

convencimento e, mais que isso, ao consumo. Assim, os aspectos visuais desse tipo de

publicidade, ao convergirem para uma ação essencialmente persuasiva, recobrem-se de

traços que os tornam inquestionáveis recursos argumentativos: significam, atraem,

orientam.

Referências

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições

70, 2007.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2001.

______. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto

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2007a.

______. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

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BELFIORE-WANDERLEY, Mariangela. Refletindo sobre a noção de exclusão. In:

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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI

24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

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