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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Aspectos visuais da publicidade marginal1
Antonio Lemes Guerra Junior2
Resumo: A sociedade constitui uma rede de relações na qual se percebem processos de
marginalização que posicionam pessoas e lugares nos cenários urbanos. Nesse contexto,
traços de marginalidade são constatados em variados produtos da ação do homem,
incluindo a publicidade. Surge, assim, a Publicidade Marginal, caracterizada como um
tipo de publicidade veiculada à margem do grande circuito publicitário, em ambientes
predominantemente populares, de forma oral ou escrita, manifestada em suportes
flexíveis de divulgação. Trata-se de um tipo de publicidade que, embora marginalizada,
constitui-se a partir de todas as características da publicidade genericamente
conceituada, essencialmente persuasiva, acrescidas de certas especificidades. Este
trabalho explora o modo como sua essência argumentativa é perpassada pelos aspectos
visuais que a compõem, tornando-a elemento integrante da paisagem urbana.
Palavras-chave: Publicidade. Marginalização. Visualidades.
Abstract: The society is a network of relationships in which we perceive processes of
marginalization that position people and places in urban settings. In this context, traces
of marginality are observed in varied products of human actions, including advertising.
Thus, the Marginal Advertising arises, characterized as a type of advertising carried on
the sidelines of the big advertising circuit in predominantly popular environments, in
oral or written form, manifested in flexible media carriers. It is a type of advertising
that, although marginalized, is constituted from all the features of the advertising
generally conceptualized, essentially persuasive, plus certain specificities. This work
explores how its argumentative essence is permeated by the visual aspects that compose
its structure, making it an integral element of the urban landscape.
Keywords: Advertising. Marginalization. Visualities.
Introdução
A publicidade se manifesta, na sociedade, em diferentes níveis de
constituição argumentativa, circulação e recepção, transitando por quaisquer locais,
dando forma a discursos que, com marcas específicas, acabam por segmentá-la em
categorias, modalidades distintas. Diante disso, constatamos a existência daquela que
denominamos Publicidade Marginal, uma vertente do universo publicitário, cuja gênese
1 Trabalho apresentado no GT 2- Códigos da Publicidade, do Encontro Nacional de Pesquisa em
Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Graduado em Letras, Mestre e Doutorando em Estudos da Linguagem, pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL) - [email protected]
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se distancia dos grandes e poderosos centros midiáticos, materializada em recursos que,
embora carentes de algumas marcas da publicidade moderna, como conhecimento
técnico ou suporte financeiro, cumprem igualmente a sua função persuasiva.
Esse tipo de publicidade, recoberto por seus variados traços de
marginalidade, espalha-se pela cidade, exibindo cores e formas, inclusive incolores e
disformes, no intuito de capturar consumidores, atraindo sua atenção, vendendo suas
ideias ou seus serviços, enfim, agindo por meio de sua essência publicitária, persuasiva.
Esses elementos, ao circularem ou fixarem-se pelas ruas, passam a compor a paisagem
urbana, inscrevendo nela visualidades que têm algo a dizer, que significam.
Neste trabalho3, nossas discussões convergem para reflexões que
exploram o impacto de certos gêneros publicitários marginais – especialmente, placas,
cartazes e pinturas em muros e paredes – na composição dos cenários urbanos, uma vez
que provocam sensíveis interferências nos ambientes em que são encontrados. Para isso,
no entanto, será preciso: (i) explorar, mesmo que brevemente, o conceito de “marginal”;
(ii) definir o conceito de “publicidade marginal”; (iii) refletir sobre as características dos
gêneros citados, com ênfase na sua constituição visual. Essa trajetória inicia-se a seguir.
O conceito de “marginal”
O conceito de “marginalização” e, em decorrência, o de “marginal”, são
discutidos em diversas áreas, o que lhes atribui um caráter polissêmico, multifacetado.
Segundo Fassin (1996a, 1996b), cada disciplina tende a conceber esses fenômenos sob
uma perspectiva diferente: por exemplo, na economia, são enfatizadas questões ligadas
ao trabalho e ao desenvolvimento; na sociologia, o enfoque recai nos impactos da
marginalização sobre toda a sociedade, relacionando-a ao impedimento ou à falta de
participação nos processos políticos e nas tomadas de decisão; na psicologia, por fim, as
observações ancoram-se nas mudanças de personalidade e na adaptação à vida urbana.
3 As discussões aqui empreendidas ancoram-se em um trabalho de maior amplitude, representado pela
tese de doutorado do autor, em fase de finalização, na qual a Publicidade Marginal é estudada em
profundidade.
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Uma série de estudos preocupa-se em delinear os significados que
recobrem o conceito. Alguns autores abordam a questão da exclusão, intimamente
ligada à noção de marginalidade. Para eles, a ocorrência da exclusão – e, portanto, da
marginalidade – estaria ligada a uma situação de aparente anormalidade social, isto é,
seria, de certa forma, o resultado de uma espécie de fragmentação de elementos da
sociedade. Para Demo (2002), por exemplo, a precariedade apresenta-se como um dos
fatores geradores da exclusão. Ao lado dela, estariam “a destruição de liames coesivos
na sociedade” e a “perda do senso de pertença” (p. 19). Segundo Belfiore-Wanderley
(2004, p. 17), à noção de exclusão liga-se “uma série de manifestações que aparecem
como fraturas e rupturas do vínculo social”. Em Martins (2003), também, é recorrente
essa ideia de fragmentariedade, pois, conforme o autor, a exclusão implicaria um
“tecido social rompido” (p. 40).
Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, a partir de uma reflexão
mais profunda, há uma série de mudanças, intimamente conectadas, trazendo grandes
desafios para a sociedade, resultado de uma suposta passagem da fase “sólida” da
modernidade para a fase “líquida”, em que tudo se dissolve muito rápido (BAUMAN,
2007a). Essa liquidez da modernidade é empregada por Bauman (2001) como uma
analogia para descrever a situação contemporaneamente percebida da sociedade como
um todo, que, como os líquidos, é altamente mutável e inconstante. Assim, partindo do
senso comum, o autor considera “fluidez” ou “liquidez” como metáforas perfeitas para a
natureza da sociedade moderna. Vivemos, em “tempos líquidos” (BAUMAN, 2007a),
uma “vida líquida” (BAUMAN, 2007b), baseada em laços humanos fragilizados, que
denotam um “amor líquido” (BAUMAN, 2004), sentimentos altamente fugazes.
O enfoque de Kowarick (1981) está pautado em discussões referentes à
ampla temática do desenvolvimento e subdesenvolvimento urbano. Nesse contexto, o
autor enfatiza o processo de marginalização nas zonas urbanas, salientando aspectos
como a inserção na divisão social do trabalho e, também, a acumulação do capital,
ancorando o fenômeno diretamente ao capitalismo. Em Perlman (1977), encontramos a
marginalidade assumida como um mito. A autora propõe um confronto entre o que se
pensa sobre os marginalizados (o mito) e o que os indivíduos são de fato (a realidade):
enquanto mito, a marginalidade serviria de fundamento para crenças pessoais e
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interesses sociais; enquanto descrição de uma realidade, estaria ligada a um conjunto de
problemas específicos.
A marginalidade também é tratada com relevo em estudos de Castel
(1994, 1996, 2003), para quem a marginalidade – ou, antes, a marginalização – constitui
[...] uma produção social que tem sua origem nas estruturas de base da
sociedade, na organização do trabalho e no sistema de valores dominantes a
partir dos quais são repartidos os lugares e fundadas as hierarquias,
atribuindo a cada um sua dignidade ou sua indignidade social (CASTEL,
1996, p. 38, tradução nossa).
Para Quijano (1978), o termo “marginalidade” aponta fundamentalmente
para um problema único, referido pelo autor na expressão “a falta de integração em”.
Porém, conforme o autor, essa suposta falta de integração, observada nas diversas
relações sociais, é um tanto imprecisa para dar conta de toda a complexidade do que é
ser marginal. A integração não será ausente, ou seja, não terá sua falta percebida, porque
os elementos sociais, mesmo marginais, de certa forma, integram o corpo social.
Ocorrem, na verdade, “problemas de integração em”, decorrentes de falhas no esquema
sociorrelacional.
Isso está em consonância com o fato de que a marginalidade, enquanto
um fenômeno social, consiste nas relações estabelecidas entre um ou mais elementos e o
conjunto da sociedade. São essas relações que determinarão a situação desses elementos
na estrutura global da sociedade. Diante disso, de acordo com Quijano (1978, p. 34),
devemos conceber o espaço social como um “campo de interações”, no qual diversos
setores “estão numa permanente relação recíproca de interdependência, conflitiva e
descontínua” e no qual são percebidos, portanto, os referidos problemas de integração.
Basicamente, a principal distinção a ser feita é entre “atuação social” e
“existência social”. Conforme já ressaltado, independente da função do elemento na
sociedade, de sua localização nos setores sociais, ele continua a existir, integrando-a de
alguma forma. Conforme Quijano (1978, p. 43), se considerássemos apenas os limites,
todos os elementos membros da sociedade seriam considerados marginais, “na medida
em que não é possível a participação em todos e em cada um dos elementos
institucionais da sociedade, nem em cada um dos planos e níveis de integração desses
elementos na estrutura global”.
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Nesse amplo contexto de relações, certamente não esgotado, encontra-se
o termo “marginal” designando vários elementos. Cada uma dessas ocorrências é
determinada por um tipo de reflexão, um conjunto de razões que justificam o fato de o
termo ter sido empregado, como uma simples localização periférica ou qualquer outro
agente condicionante, fazendo com que a manifestação da marginalidade seja a mais
heterogênea possível. Assim, considerando a publicidade também uma produção
humana, ela pode apresentar-se em uma face marginal, contrapondo-se a um centro que
detém o poder maior na mídia e age sobre a grande massa consumidora, como será
exposto a seguir.
A Publicidade Marginal
Em sua gênese, a Publicidade Marginal surge em oposição a uma espécie
de Publicidade Central, poderosa e dominadora. Basicamente, essa oposição pode ser
assim representada: a primeira seria um tipo de publicidade veiculada nos setores
midiáticos periféricos; a segunda, por sua vez, seria aquela veiculada nas grandes
mídias. Entre aproximações e distanciamentos, elas mantêm entre si uma relação de
equivalência – têm o objetivo de persuadir – e de diferença – suas condições de
produção e circulação são distintas. Isso decorre, em certa medida, de processos sociais
marginalizadores, os quais, como afirmamos, segmentam, posicionam.
Trata-se de uma publicidade cuja natureza é determinada por condições
técnicas (falta de conhecimento especializado ou de investimentos) ou contextuais
(espaço, produto e alvo). Embora marginalizada, ela é dotada de todas as características
da publicidade genericamente conceituada, essencialmente persuasiva, acrescidas de
certas especificidades, como, por exemplo, seus ambientes de circulação e suas formas
de manifestação, também marginais.
Ao ser elaborada, essa publicidade circula em locais bastante específicos
do tecido social, como regiões urbanas periféricas (e, também, não tão periféricas), ruas
de comércio popular, entorno de terminais rodoviários, praças, calçadas/calçadões,
viadutos, espaços marginalizados, sobretudo, devido ao seu nível de localização, aos
sujeitos frequentadores, aos tipos de atividades ali exercidas e à sua visibilidade. Nesses
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locais, manifesta-se de forma variada, por meio de locuções, em que predomina a
oralidade, além de cartazes, placas, pinturas e panfletos, com métodos diversificados de
emissão e de recepção, na maioria, informais, mas eficazes.
Evocando Baudrillard (2007, p. 88), “Toda publicidade carece de
sentido; só tem significações”, e segundo o autor, essas significações nunca são
pessoais; são, ao contrário, “diferenciais, marginais e combinatórias”, dependentes da
produção industrial das diferenças, a partir das quais é definido o sistema do consumo.
Que significações teria, então, a Publicidade Marginal? A conceituação básica, acima
apresentada, possibilita entrever uma série de elementos que convergem para a noção da
diferença. O sistema do consumo, tão forte na sociedade, ao ter como alvo todos os
indivíduos – marginais ou não –, utiliza recursos também diferenciados – igualmente
marginais ou não.
Não se trata, obviamente, de um modelo ineficiente de se fazer
publicidade, apenas de um campo diferenciado de atuação do discurso publicitário, que
deve sempre se adequar aos reveses do universo social, em suas diferentes
manifestações. Os tipos de textos que compõem cada modalidade – oral ou escrita –
podem ser explorados, como qualquer outro tipo de publicidade, com amplitude, a partir
do exame de suas marcas linguísticas; dos recursos persuasivos mais recorrentes; dos
aspectos ideológicos/culturais/sociais envolvidos em sua construção. Além disso, nas
manifestações publicitárias marginais, a fusão de linguagens também é considerada,
uma vez que, nelas, também tem espaço o não verbal, a imagem.
Diante disso, é possível que reflitamos sobre os aspectos visuais desse
tipo de publicidade, evidenciando o modo como ela integra e interage com a paisagem
urbana.
Visualidades da Publicidade Marginal
Nas cidades, pequenas ou grandes, ao longo do tempo, foram instauradas
diversas práticas ligadas ao fazer publicitário. Dentre elas, as pinturas e a exposição de
cartazes e placas tornaram-se elementos comuns, cotidianamente percebidos, o que os
elevou ao estatuto de eficazes meios de divulgação. Muitas transformações alteraram,
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no entanto, as relações entre esses elementos e a paisagem urbana. Em algumas cidades,
por exemplo, passaram a vigorar leis que regulamentam a exposição de mensagens
publicitárias em locais públicos, o que pode reduzir, em certa medida, essa frequência.
A título de ilustração, em Londrina, no Estado do Paraná, a lei municipal
nº 10.966, sancionada em 26 de julho de 2010, a chamada “Lei Cidade Limpa”, dispõe
sobre a ordenação dos anúncios que compõem a paisagem urbana do Município. É
válido ressaltar que, sob a perspectiva dessa lei, a Publicidade Marginal, em algumas de
suas manifestações, constituiria um tipo de publicidade irregular, uma vez que, de
acordo com o seu artigo 6º, fica proibida a fixação de anúncios, entre outros locais, em
postes, árvores, praças e logradouros públicos, muros e paredes de lotes públicos ou
privados, pontes, passarelas e viadutos. Essa irregularidade, no entanto, reforça nossa
atribuição de um caráter marginal a esse tipo de publicidade.
Mesmo que, em certa medida, irregular, ainda é possível nos depararmos
com esses verdadeiros “artefatos culturais”, transmissores de valores ideológicos que
remetem à constituição dos sujeitos que os elaboram. Por isso, devido à sua presença
disseminada na espacialidade urbana, compondo cenários, integrando a paisagem
múltipla das cidades, é relevante que se teçam considerações sobre alguns aspectos
visuais de três importantes manifestações da Publicidade Marginal, como já
mencionados: o cartaz; a pintura em muro ou parede; e a placa.
De acordo com Moles (1974, p. 15), o cartaz pode ser definido como um
“componente estético de nosso ambiente [...] talvez uma das aberturas próximas de uma
arte não-alienada, inserida na vida cotidiana, próxima e espontânea”. Presente na
sociedade como veículo de comunicação e acompanhante das mudanças propiciadas
pela tecnologia, o cartaz mantém sua essência, constituindo, ainda conforme o autor, um
dos elementos da civilização contemporânea, ou civilização da imagem.
O cartaz, por si só, a despeito de seu conteúdo, dá forma a uma imagem
que, imersa no cenário urbano, corre inúmeros riscos: perder-se, tornar-se anônima,
invisibilizar-se, enfim, passar despercebida diante dos olhos que deveria atrair. No
âmbito da Publicidade Marginal, esses riscos tornam-se maiores, uma vez que, partindo
de anunciantes também marginalizados, sem acesso a técnicas ou a recursos que
viabilizariam melhor qualidade de produção, e divulgando produtos que, em certa
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medida, também colaboram no processo de marginalização, os cartazes assumem
características específicas, como no exemplo a seguir.
Figura 1: Cartaz publicitário marginal
Fonte: Arquivo coletado pelo autor.
No cartaz publicitário marginal tomado como exemplo, ocorre a síntese
de vários elementos percebidos nesse tipo de manifestação publicitária: (i) a prevalência
de tonalidades monocromáticas; (ii) a escassez ou, nesse caso, a ausência de recursos
imagéticos; (iii) a composição gráfica simples, de baixo teor qualitativo; (iv) a ausência
de cuidado/valor estético em termos de diagramação; (v) a ocorrência de linguagem em
choque com a norma padrão. Essas especificidades, no entanto, não excluem seu valor
persuasivo, pois a argumentação é aparente, nesse caso, com a tentativa de seduzir o
consumidor a partir da oferta de um serviço “garantido” (algo materializado pela
afirmação contundente: “traz a pessoa amada”).
Ao lado de cartazes como esses, são frequentes, nas cidades de um modo
geral, anúncios publicitários inscritos em muros e paredes de residências ou de
estabelecimentos populares. Por serem repletos de irregularidades (em termos de forma
ou de localização), diversidade e ausência de discrição, a análise desses elementos
remete-nos ao universo dos “letreiramentos populares”, os quais podem ser
representados, conforme aponta Finizola (2010, p. 37), por “qualquer processo para se
desenhar e escrever letras”, cujo caráter “popular” é instaurado quando são produzidos
por cidadãos comuns, e não por especialistas, como designers gráficos.
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Uma marcante característica desses elementos é a sua construção a partir
do uso da “tipografia ou estética vernacular”. Segundo Finizola (2010, p. 30), “a
utilização do termo vernacular é empregada para definir artefatos autênticos da cultura
de determinado local, geralmente produzidos à margem do design oficial”. Assim, com
essas tipografias, tem-se uma profusão de letras e imagens nas quais as cidades estão
submersas, “numa disputa acirrada pelos espaços de comunicação” (FINIZOLA, 2010,
p. 54).
Nesse contexto, portanto, muitas reflexões podem ser empreendidas a
partir da observação dessas letras, formas e imagens, espalhadas sobre o concreto social.
Inclusive, são constatados alguns trabalhos dedicados a esse tema, como os de
Dohmann (2006), Dones (2004a, 2004b, 2008, 2012), Eller e Silva (2013) e Martins e
Vaz (2006). Entre eles, mais uma vez, encontramos a noção de cultura: nessa
onipresença das “letras” nas cidades, “o cenário urbano é repleto de paisagens
tipográficas” e, “[...] com todas suas cores e formas variadas, tem muito a nos dizer
sobre a cultura e hábitos locais de um povo” (ELLER; SILVA, 2013, p. 62).
E os aspectos visuais trazidos pelas pinturas publicitárias marginais, além
de remeterem a questões culturais, esboçam o caráter identitário das pinturas
tipográficas, o que é apontado por Dohmann (2006, p. 7): “Estas formas compõem o
que pode ser definido como uma perfeita amostra de identidade”. Isso se justifica por
traços de subjetividade, replicados pelos responsáveis pelas pinturas, os chamados
letristas, que imprimem em suas produções um estilo que pode lhes identificar.
Há de se ressaltar, contudo, que a noção de identidade é confrontada pela
ideia de “anonimato”, afinal “pretende-se que os objetos vernaculares são
essencialmente anônimos” (DONES, 2004a, p. 52). Embora, em algumas pinturas, seja
materializada a “identidade” do letrista, ele permanece no anonimato, como um “autor”
da pintura, mas um “não autor” do discurso, uma vez que reproduz a mensagem
definida pelo anunciante.
Algumas marcas dessa manifestação publicitária marginal são observadas
na imagem a seguir, em uma pintura perpassada por caracteres típicos, identificáveis em
outros exemplos dessa categoria: (i) o emprego de tonalidades cromáticas fortes e de
imagens/ilustrações contextualizadoras; (ii) a combinação de tipografias diversificadas
(formas e tamanhos variados); (iii) a oferta de brindes, premiações, facilidades,
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conveniências ao consumidor; (iv) a ocorrência de lacunas na configuração discursiva
(“cascata” de quê?); (v) a identificação do letrista responsável pela pintura.
Figura 2: Pintura publicitária marginal em muro.
Fonte: Arquivo coletado pelo autor.
A argumentação desses textos é, assim, construída a partir da associação
de diferentes recursos e linguagens. E isso é recorrentemente utilizado por diversos
anunciantes, sendo possível encontrar, pelas ruas das cidades, locais como o da imagem
a seguir, em que muitas pinturas publicitárias disputam a atenção de quem passa.
Imagem 3: Sequência de pinturas publicitárias em muro.
Fonte: Arquivo coletado pelo autor.
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Por fim, também frequentes, as placas são mais alguns desses elementos
que integram os cenários urbanos nos quais circulamos. Orientadas para diversas
finalidades, elas surgem em variados locais, materializadas em diferentes tamanhos e
formatos, com multifacetadas inscrições. No campo da publicidade, seu uso é
amplamente difundido, como os famosos outdoors, talvez os maiores e, em certa
medida, os mais frequentes.
Para Dones (2008, p. 8), as placas colaboram na criação de uma
paisagem verbal-visual que “[...] demonstra um processo complexo de apropriações e
circulação de estereótipos e de referências culturais”. Nesse contexto, ainda para a
autora, “a função destes meios é informar, esclarecer aos públicos sobre determinados
conteúdos, envolvendo o uso de diferentes linguagens e recursos gráficos”. Temos,
assim, nas placas, elementos que dialogam com as pinturas, já discutidas, por estarem
imbuídas desse caráter “tipográfico popular”. E o interessante é perceber que são suas
irregularidades que as tornam tão recorrentes na Publicidade Marginal, como mostram
as imagens a seguir.
Figura 4: Placa publicitária marginal em poste (1).
Fonte: Arquivo coletado pelo autor.
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Figura 5: Placa publicitária marginal em poste (2).
Fonte: Arquivo coletado pelo autor.
Figura 6: Placa publicitária marginal em poste (3).
Fonte: Arquivo coletado pelo autor.
As marcas visuais dessas manifestações publicitárias marginais
permitem-nos afirmar, mesmo a partir de breves considerações, que sua presença em
determinados espaços é capaz de alterar a paisagem urbana. Isso se justifica,
especialmente, pelo fato de serem introjetadas de forma quase intrusa, ocupando locais
nos quais, muitas vezes, não deveriam estar, o que marca a sua mensurável
irregularidade, ao passo que reforça a sua marginalidade.
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Considerações finais
Neste trabalho, apresentamos breves reflexões pautadas na observação da
Publicidade Marginal sob a perspectiva de suas visualidades, concebendo-a como
integrante e, em certa medida, modificadora da paisagem urbana. Assim, foi possível
percebermos que certos gêneros publicitários marginais – placas, cartazes e pinturas em
muros e paredes – são dotados de certas características que os tornam elementos de
relativo destaque nas ruas ou outros locais em que circulam. Formados por códigos
semióticos que deixam entrever, inclusive, traços de cultura(s), eles formam, em sua
completude, grandes signos visuais capazes de imprimir significações na realidade.
Ademais, chegamos ao fim dessa breve discussão com a percepção de
que, muito além de integrante visual da paisagem urbana, a Publicidade Marginal tem
sua existência sedimentada em sua natureza mercadológica, com vistas ao
convencimento e, mais que isso, ao consumo. Assim, os aspectos visuais desse tipo de
publicidade, ao convergirem para uma ação essencialmente persuasiva, recobrem-se de
traços que os tornam inquestionáveis recursos argumentativos: significam, atraem,
orientam.
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