Assembleia de Deus Origem Implantac3a7c3a3o e Militc3a2ncia 1911 1946 Por Gedeon Freire de Alencar...
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS DA RELIGIO
TODO PODER AOS PASTORES, TODO TRABALHO AO POVO,
TODO LOUVOR A DEUS.
Assemblia de Deus: origem, implantao e militncia (1911-1946)
por
Gedeon Freire de Alencar
Em cumprimento parcial s exigncias do Curso de Ps-Graduao em Cincias
da Religio para obteno do grau de Mestre em Cincias Sociais e Religio.
So Bernardo do Campo - SP
maro de 2000
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BANCA EXAMIDORA:
PROFA. DRA. MARIA JOS F. R. NUNES (UMESP - ORIENTADORA)
PROF. DR. ANTONIO CARLOS M. MAGALHES (UMESP)
PROF. DR. PAUL FRESTON (UNIVERSIDADE DE SO CARLOS)
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SINOPSE
ALENCAR, Gedeon FreireTodo poder aos pastores, todo trabalho ao povo, todo
louvor a Deus.Assemblia de Deus - origem, implantao e militncia nas quatro
primeiras dcadas - 1911-1946, So Bernardo do Campo - SP, Universidade
Metodista de So Paulo, 2000.
A Assemblia de Deus -AD, atualmente a maior igreja evanglica do Brasil,
nasceu em 1911, em Belm do Par. Fundada por dois suecos, Daniel Berg e
Gunnar Vingren, faz parte, juntamente com a Congregao Crist do Brasil -
CCB, do que se convencionou denominar pentecostalismo clssico. Nascida de
uma dissidncia batista, assumiu inicialmente o nome de Misso da FApostlica (mesma denominao do ramo pentecostal negro norte-americano), e
em 1918 foi registrada com o nome de Assemblia de Deus (o ramo branco
pentecostal norte-americano). Esta pesquisa tem trs pontos bsicos: 1. A origem:
a AD foi fundada por suecos que se mantiveram na liderana dessa igreja nas
primeiras dcadas. No entanto, esses suecos, mesmo tendo vindo dos EUA, tm
uma relao conflituosa com a AD americana; 2. Implantao - mesmo sem
nenhum organismo de fomento exterior ou qualquer outro de planejamento, em
vinte anos alcanou todo o pas. E, na medida em que cresce, comeam os
problemas de liderana desembocando no esfacelamento da mesma em
Ministrios; 3. Militncia - quem so e como se comportam os adeptos desta
igreja.
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SINOPSE
ALENCAR, Gedeon Freire All the power to the pastors, all work to the people
and all praise be to God. The Assembly of God Church origin, introduction and
militancy1911-1946, So Bernardo do CampoSP, Methodist University of So
Paulo, 2000.
The Assembly of GodAG, the largest evangelical church in Brazil, began its work
in 1911 in Belm of Par. Founded by two Swedish Daniel Berg and Gunnar
Vingren, it belongs together with the Chistian Congregation of Brazil CC towath has been agreed to call Classical Pentecostalism. Coming out of a Baptist
Church it took on the name of Mission of Apostolic Faith (the black -north-
American Pentecostal branch) but in 1918 was registered by the name of
Assembly of God (thewhite-north-American Pentecostal branch). This research
has three basic points: 1. The origin: the AG was founded by Swedish who kept
themselves in the leadership of this church during the first decades. However, even
though they had come from the USA, they had a conflicting relationship with the
American AG; 2. Plantation: even without any finantial help from a foreign country
or any planning, they reached the whole country in twenty years. Within its growth
many leadership problems starded leading to its division into the so called different
ministries; 3. Membership: who the members of this church are and how they
behave.
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Dedicatria
memria de
Jos Freire de Alencar e Francisca Rosalina de Lima Alencar,
como tributo,
mesmo tendo me deixado cedo,
ainda so responsveis por minhas conquistas.
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AGRADECIMENTOS
Aos amigos,que, ao perguntarem por meu trabalho,
sem saber, estavam sendo estmulo-cobrana;
AGeruza,foi de seu incentivo concretoque nasceu este curso;
A Odair Barreto,amigo na dor e na alegria;
A minha querida Igreja Betesda,que no negou incentivo moral e financeiro;
Aos amigos Dilson, Alexandre, Andr, Clia e Rogrio,que, em diferentes momentos, ajudaram muito;
Aospastoresque me deram entrevistas,mesmo discordando de suas opinies,
no lhes posso negar o mrito de construtores de tudo;
A CPAD,pela acolhida e presteza no fornecimento de material para pesquisa.
Aos professores,
Dr.Antnio Carlos M. Magalhes,foi de seu estmulo-desafio que nasceu este projeto;
Dra.Maria Jos F. R. Nunes,pela amizade que transcendeu a relao orientador-orientando, contemporizando
meus acidentes de doena, falta de material e prazos no cumpridos.Rigorosa no atacado, mas condescendente no varejo.
Aos meus alunos do ICEC,pois mais que alunos, amigos que se tornaram cmplices de minha vida.
Ao Capes que,mesmo por curto perodo, financiou esta pesquisa.
A minha mulher Diana.Minha maior incentivadora.
A Deus,razo e segurana.
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NDICE
INTRODU O 10METODOLOGIA 15Justificativa do perodo -1911-1946 15
Os marcos tericos existentes 16Pesquisa nas fontes primrias 18
As biografias 18 A historiografia oficial 19 Jornais 21
AS ENTREVISTAS 22AS ATAS 25
CAPTULO I: PENTECOSTALISMO: ORIGEM, TEORIAS E CRESCIMENTO 27
Introduo 271 - A ORIGEM (MARGINAL) DO PENTECOSTALIMO 29
a) Um filho de escravo perturba o mundo evanglico 29b) Babel ou Pentecostes, a mensagem se espalhou 30
2REFERNCIAIS TERICOS: 32a) Trs idias clssicas sobre religio: 32 Webero carisma e os adeptos 32 Niebuhra igreja dos deserdados renasce sempre? 34 Tillicho princpio protestante est perdido? 35b) Trs vises sobre o pentecostalismo brasileiro 36 Leonardum pentecostalismo sem leitura bblica no ter futuro 37
Beatriz de Souzao ajuste urbano38
Cartaxo Rolimalienao sacral 393. CRESCIMENTO 40
Estatsticas: alm da teoria, uma estimativa comprovadora 43
PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIROPRIMEIRA FASE
CAPTULO II: A IMPLANTA O DA SEITA PENTECOSTISTA 1911-1930 45
Introduo 451. OS SUECOS VISIONRIOS 50
a) Daniel Berg, o operrio 51b) Gunnar Vingren, o lder 53c) O estilo Vingren-Vingren 55
2. DISSIDNCIA E OFICIALIZA O 56a) O nome Assemblia de Deus 58b) A expanso aleatria 62c) A crise da borracha ajuda na expanso da AD 67
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3. JORNAIS: O PRINCPIO DA MODERNIDADE 67a) A experincia pioneira de 1917: A Voz da Verdade 70b) Som Alegre: uma dissidncia carioca? 71c) Uma palavra oficial: Boa Semente (1919-29) 72d) As nfases teolgicas do BD 75
e) As singularidades da mensagem pentecostal 764. IGREJAS CALVINISTAS CRESCEM MENOS QUE IGREJASARMINISTAS?
80
O PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO: SEGUNDA FASE
CAPTULO III: A INSTITUCIONALIZA O DA IGREJA1930-1946 83
Introduo 83l. ADUM PROJETO BRASILEIRO? 84
a) Qual a ligao da Ad no Brasil com a dos EUA? 84b) A Igreja Filadlfia de Estocolmo quem sustenta. E decide. 89c) Os missionrios vem da Sucia e nos dos EUA 91d) A ausncia de registro norte-americano sobre a AD no Brasil 92e) AD americana versus AD brasileira 94f) Projeto brasileiro? Qual projeto? 97
2. O ETHOS SUECO-NORDESTINO 99a) O ethos sueco nordestino: uma viso sociolgica 100b) O ethos sueco nordestino: uma viso teolgica 103
3. O MENSAGEIRO DA PAZ COMO CONSOLIDA O DA IGREJA 1044. AS CONVENES: 110
a) A Conveno de 1930: os suecos entregaram ou os brasileirostomaram? 112
b) A verso sueca das Igrejas-Livres e a construo da autonomiaBrasileira 115
c) Primeira (e nica) dissidncia teolgica? 1175. OS MINISTRIOS: 118
a) Paulo Macalo: o alijado que estabeleceu estilo 1206. A CHEGADA DE NOVAS IGREJAS 123
a) A dissidncia da cura: Cruzada nacional de Evangelizao 124b) O que a AD na dcada de 50? 125
CAPTULO IV: CARACTERSTICAS DO PENTECOSTALISMOASSEMBLEIANO BRASILEIRO 127
Introduo 127l. A sndrome de marginal 1292. O discurso de negao do mundo e o escatologismo 1303. A averso a mudanas ( ou No destruam nossos mitos) 1324. Liderana diversificada, doutrinao homogna 1345. Sistema eclesistico assembleiano: epscopalismo vitalcio 1356. Nada mais brasileiro que um assembleiano: omisso e feliz 138
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7. Uma igreja alm da normalidade 140
CONCLUS O 142
ANEXOS 144
Anexo 01: siglas usadas 144Anexo 02: Glossrio 145Anexo 03: Presena missionria estrangeira no Brasil 148Anexo 04: Convocao da Conveno de 1930 em Natal 150Anexo 05: Comparao entre as verses histricas assembleianas 151Anexo 06: Comparao ente a AD e CCB 152Anexo 07: Comparao entre a AD no Brasil e a AD nos EUA 153
BIBLIOGRAFIA SOBRE A ASSEMBLIA DE DEUS 154
BIBLIOGRAFIA 155
Indce de Tabelas
Tabela 01: Estimativas de crescimento do pentecostalismo 43Tabela 02: Verso assembleiana e batista da diviso 57Tabela 03: Expanso da AD em seus primeiros anos 64Tabela 04: Batismos na AD em Belm (1911-1914) 66Tabela 05: Articulistas e temas do Jornal Boa Semente - 1919-29 72Tabela 06: Tabulaes do Jornal Boa Semente1919-29 75Tabela 07: Igrejas Sedes e pastores em 1931 97Tabela 08: Relao AD e Brasil: desenvolvimento institucional 100Tabela 09: Grfico de Modelo Eclesistico Assembleiano 103Tabela 10: Articulistas e Temas do MP -1930-31 106Tabela 11: Produo Teolgica Homens x MulheresMP -1930-31 108Tabela 12: Produo Teolgica Estrangeiros x BrasileirosMP1930-31 108Tabela 13: MP: tiragem em relao aos membros 109Tabela 14: As nfases teolgicas dos textos 109Tabela 15: As Convenes da AD 111
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INTRODU O
Em 1910, a Igreja Catlica celebrava missas em latim, a Igreja Luterana,
cultos em alemo, a Igreja Anglicana em ingls e as demais igrejas protestantes
num teologs anglo-saxnico. At mesmo a nica igreja pentecostal da poca, a
Congregao Crist do Brasil, celebrava seus cultos em italiano. O espiritismo
ainda era caso de polcia e religies afro, como religio, nem sequer eram
nomeadas. Qual, ento, o espao para a expresso de religiosidade popular da
poca? Oficialmente, nenhum.De um lado, uma densa institucionalizao religiosa da Igreja Catlica e
demais denominaes protestantes, e de outro, uma religiosidade marginal no
aceita tanto dentro da prpria Igreja Catlica como nas expresses afro. H,
portanto, um imenso campo religioso entre estas duas realidades. neste
momento que a Assemblia de Deus surge no Brasil. H muito espao a ser
conquistado. Hoje, o surgimento de uma igreja pentecostal popular no causa
nenhuma alterao no mercado; perde-se no meio de tantas outras. Em 1911 por
ser a primeira, fez muita diferena. Inicia-se com vinte pessoas e, segundo Read
(1976:122), j em 1930 tem 14.000 membros e em 1950, 120.000 membros. Um
crescimento de aproximadamente 69.000% em 19 anos e 108.000% em 38 anos,
respectivamente. No total mais 600.000% de crescimento nas quatro primeiras
dcadas, algo em torno de 15.000% ao ano.
Este pentecostalismo, atualmente nominado de clssico, foi trazido por
imigrantes pobres, sendo, portanto, absolutamente marginal, por ser uma religio
de pobres e pretos. Aqui cresce entre imigrantes nordestinos e alcana todo o pas
sempre de forma perifrica.
Os suecos de tradio batista no estranham a perseguio religiosa, pois
j de muito so vitimados por ela. Na Sucia, pela Igreja Luterana, uma entidade
estatal, rica e aliada do governo, onde ser batista era um grave ato subversivo.
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Aqui so perseguidos pela Igreja Catlica e demais igrejas protestantes, mas,
ironicamente, protegidos pelo governo, por dispositivo constitucional da liberdade
religiosa. Tal realidade poltica fundamental para a postura desta igreja, sempre
elogiando o governo.
Tambm por causa da averso organizao, seu discurso negativo a
todo e qualquer modelo institucional e faz disso, pretensamente, seu estilo.
Portanto, no desenvolve nenhuma instncia burocrtica nacional e quando
cresce fica vulnervel ao personalismo de seus lderes, resultando disto, uma
igreja quantitativamente grande, mas fraca em sua representatividade. Nunca teve
um rgo nacional de estratgia, mas alcanou o pas em vinte anos; nunca teve
organizao, mas a maior igreja evanglica do pas; nunca teve telogos e/oueruditos mas foi a que mais cresceu; neste perodo, no havia nenhuma escola de
formao de obreiros, mas proliferou mais que qualquer outra; sempre foi
perifrica e marginal, mas alcanou os pobres e simples como nenhuma outra. Ela
incorpora como bno todas as crticas (alienao poltica, conservadorismo,
atraso, etc.) que lhe so dirigidas.
Este pentecostalismo est bem distante do moderno quando a nfase
riqueza, poder e sade - a trade da teologia da prosperidade1. No primeiro
momento as marcas do pentecostalismo eram glossolalia (falar em lnguas
estranhas como resultado do batismo com o Esprito Santo), cura divina e forte
escatologia. Com uma interpretao bblica fundamentalista e espao apenas para
uma moral individual puritana.
Este trabalho pretende entender o nascimento da AD no Brasil, sua
construo e seus membros. Como dois suecos solitrios iniciam acidentalmente
essa igreja que veio a ser a maior instituio evanglica do pas, e apesar disto,
que efeito causa na vida sociocultural deste pas? Como estes suecos se mantm
durante quatro dcadas no poder e depois so completamente substitudos por
1 Teologia da prosperidade, uma concepo teolgica vinda dos EUA, originada nosmovimentos de f, que incorpora diversos elementos tpicos de nossa poca, tais como sadeplena, progresso financeiro e poder poltico. Hoje, todo o chamado neo-pentecostalismo apontado como mentor e principal beneficiado por essa teologia, apesar de alguns grupos daterceira ondaa renegarem. Cf. Campos (1999b) e Mariano (1999)
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lideranas nacionais, no sem muitas tenses e contradies das mesmas.
Acrescente-se nesta disputa, a tentativa dos norte-americanos de tambm
influenciarem. Por fim, quem de fato faz esta igreja: quem a constri, leva-a nos
ombros e a mantm? Esta membresia annima que prega, sofre a perseguio,
abre os trabalhos, contribui, pe a mo na massa, mas passa ao largo das
disputas e do exerccio do poder, porque assim a Assemblia. Os pastores tm
todo o poder, a membresia todo o trabalho e Deus todo o louvor.
Um parntese pessoal
A discusso da imparcialidade cientfica antiga. Esta pretensa assepsia
cientfica, advogam alguns, algo da prpria essncia da cincia. Algo, alis que
no resolve e nem ajuda a cincia, pois, desta forma, se lhe daria uma categoriametafsica, e, ironicamente, foi contra a metafsica religiosa medieval que a cincia
mais lutou no seu processo de emancipao. Ontologicamente, a cincia precisa
ser feita em nome da exatido, da metodologia, da objetivao, excluindo-se, da,
toda a subjetividade, valores, crenas, etc. Ora, quem consegue isto? Talvez o
nazismo, o socialismo real ou o neoliberalismo... . Uma pesquisa cientfica sobre
religio situa-se sobre um limite muito tnue2. Por que um pesquisador escolhe
esse e no outro tema, por que, depois de escolhido, toma esse rumo e nooutro? Convenhamos, situar isto numa objetividade cientfica muita
subjetividade.
Esta pesquisa, como qualquer outra, tem problemas pela escassez de
dados, pela dificuldade de colet-los, pelo ineditismo do foco pesquisado.
Averiguando a produo da sociologia da religio no Brasil, esta deve ser a
primeira dissertao sobre a Assemblia de Deus escrita por um assembleiano.
Mas no aceito, a priori, o policiamento cientfico de que apenas um ateu e/ou
agnstico teria a iseno necessria para escrever sobre religio, pois, assim
sendo, mulher no poderia escrever sobre mulher, comunista sobre comunismo,
negro sobre negro, ateu sobre atesmo - o ser humano sobre a raa humana!
2Cf. Pedro Ribeiro de Oliveira (1998) Estudos da Religio no Brasil: um dilema entre academia einstituies religiosas, inSousa (1998) Sociologia da Religio no Brasil.
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Como assembleiano, admito, sou duplamente suspeito: na academia pelo
frisado anteriormente, mas creio ser possvel superar; j dentro da igreja, o caso
mais grave. Diversos pesquisadores que trabalharam no meio evanglico foram
alvo de afeio e proselitismo (Gouveia, 1986; Mariano,1999; Brando, 1986) e
os erros/m interpretao de seus trabalhos, se por acaso lidos pelos fi is, sero
desculpados pela falta de f, discernimento espiritual, etc.. Eu no terei esta
absolvio dos meus entrevistados e dos leitores da igreja - e, isto j deve servir
de indcio para os de fora, de como a igreja age. Tudo na igreja, de forma nica e
exclusiva, explicado espiritualmente. Isto pode ser to obtuso quanto uma
explicao puramente cientfica. neste terreno minado que tenho de seguir.
Interessante como duas reas opostas podem se encontrar em seus extremos...
Suspender provisoriamente as opinies pessoais do investigador acerca da existncia e
ao dos seres sobrenaturais, no deixando que tais opinies penetrem na investigao
cientfica com a funo de critrios,(...). De fato, deste modo que investiga e expe
qualquer bom historiador da Igreja, por mais crente e praticante que seja (Maduro, 1981:
46) .
No uma obra apologtica3mas tambm no um acerto de contas. As
publicaes produzidas pela prpria igreja, obviamente, todas so apologticas etriunfalistas (Monteiro, 1995:11), mas no universo protestante, alguns
pesquisadores aproveitaram seus trabalhos para, digamos, contarem outra
verso. Rubem Alves4justifica este acerto de contas da seguinte forma: Os
cientistas que se dedicaram a fazer uma anlise crtica do Protestantismo so
todos (na medida em que eu conheo), ex-pastores, ex-seminaristas, ex-lderes
leigos forados a deixar suas funes.(...) O protestantismo analisado como uma
3Quando ainda na pesquisa na CPAD- Casa Publicadora das Assemblias de Deus, em conversacom um dos diretores, ele se mostrou interessado na publicao de meu trabalho. Desconversei.Quando o contedo completo da pesquisa fosse conhecido, ele, evidentemente, entenderia que aCasa ( como a CPAD conhecida entre eles) no poderia public -la. O que no diferente denenhuma outra editora religiosa confessional.4Rubem Alves, autor de Protestantismo e Represso (SP, tica, 1978) e Dogmatismo e Tolerncia(SP, Paulinas, 1982), um bom exemplo deste ajuste de contas.
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ideologia repressora, totalitria, capitalista, que se encontra em casa num Estado
capitalista e totalitrio (1984:136-137)5.
Concordo com Otto Maduro quando diz que fazer sociologia da religio
ver e estudar as religies (todas da mesma maneira) como fenmenos sociais 6.
5 Na AD no houve nenhum expurgo ou algo similar por questes polticas - isto no melhoranem piora a AD, apenas indcio de sua postura poltica que iremos discutir no cap. IV.6Op.cit Maduro (1981:46)
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METODOLOGIA
Esta pesquisa pretende ser, como diria Berger, uma tentativa de
compreenso7 da fundao e construo da AD em suas primeiras quatro
dcadas. Iniciada em 1911, representante de um pentecostalismo brasileiro
nascente e monoltico at a dcada de 50, quando o movimento se ramifica e,
sobretudo, se diversifica. Apresentava-se bem diverso do pentecostalismo
moderno e pluralista de hoje.
Justificativa do perodo - 1911-1946
O pentecostalismo brasileiro, em seus primeiros 40 anos - primeira onda
(Freston, 1993), tem dois modelos: um italiano e outro sueco, ambos vindos dos
EUA. A verso italiana a CCB - Congregao Crist no Brasil. Nascida em 1910,
, em suas primeiras dcadas, uma igreja italiana. Cresce no meio da colnia
italiana no Sudeste e at 1947 seus hinrios e seus cultos so realizados nessa
lngua, quando comea a abrasileirar-se. No sofre nenhuma alterao
doutrinria, no tem nenhum cisma e continua, ainda hoje, uma igreja muito
prxima de suas origens8.
A verso sueca a Assemblia de Deus, que se mantm razoavelmente
unssona em seus primeiros anos, mas a partir da dcada de 50, alm da disputa
fratricida dos Ministrios e seu processo de institucionalizao irreversvel, ela
tem que disputar espao com os diversos grupos pentecostais (citando apenas as
grandes igrejas, temos a do Evangelho Quadrangular em 1951, Brasil para Cristo
7 Esta a funo da sociologia da religio: compreenso dos fenmenos religiosos enquantorealidades sociais. Ou na definio completa de Berger (19976:14) a sociologia no uma ao esim uma tentativa de compreenso. Cf. ainda Maduro (1981) Martelli (1995) ; Weber (1998)8Este um tpico movimento religioso baseado em tradio oral, j que no publica livros e/outratados para que, a partir dos mesmos, possa ser avaliada. Por causa disto, evidentemente, quetudo o que se diga a respeito da mesma interpretao de algum de fora. Sem entrar no mrito,as fontes para as informaes sobre a CCB so de Read (1967), Monteiro, (1997).
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em 1955 e Pentecostal Deus Amor em 1962), que surgem no cenrio. O mundo
pentecostal j no mais o mesmo.
O perodo escolhido vai, portanto, do nascimento, 1911, at o momento de
seu registro estatutrio em 1946 como uma Conveno Geral, de mbito nacional,
e com um rgo de imprensa e produo oficial de seu material, a CPAD Casa
Publicadora das Assemblias de Deus. Esse tambm o perodo da dominao
sueca, pois coma construo da CPAD, com dlares americanos, a AD no Brasil
sai da influncia sueca para a americana.
Como limite metodolgico, esta pesquisa no tratar de:
1.Analogia com a AD atual. A tentao enorme, mas metodologicamente
errado. A tendncia de comparao at natural, mas a AD das
primeiras dcadas, dentro do contexto social, poltico, econmico ereligioso, precisa de uma explicao especfica, bem diverso da atual;
2.Anlise teolgica. Este trabalho pretende ser uma anlise sociolgica,
dentro dos padres estabelecidos por esta cincia. As razes dos fiis
sero respeitadas, mas no validadas como explicao sociolgica.
Algumas correlaes entre a AD antiga e a atual sero realizadas
objetivando, meramente, o benefcio didtico para melhor percepo da poca
estudada; e informaes teolgicas sero pontuais, tambm visando ao melhor
entendimento, mas sobretudo como marco fundante da prpria construo desta
igreja. Afinal, por causa desta e no daquela posio teolgica que esta igreja -
como todas as demais -, o que .
Os marcos tericos j existentes
H muitos trabalhos na sociologia religiosa sobre pentecostalismo, porm
poucas pesquisas foram feitas sobre o perodo escolhido9. A grande maioria
privilegia o chamado neo-pentecostalismo. O primeiro trabalho cientfico sobre a
9Monteiro (1995:9); Jardilino (s/d)
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AD foi o de Beatriz Muniz de Souza,A experincia da Salvaopentecostais em
So Paulo10, em 1969 - quando a AD j tem 51 anos de existncia. Ou seja, a AD
passa 51 anos sem ser notada pela academia brasileira11, e isto j um indcio -
positivo ou negativosignificativo.
Como a pergunta deveria ser feita: - a academia no notoua AD ou a AD
no se deixou notar? Primeiro, indiscutvel a perspectiva de desimportncia que
a religio - no s a AD - tem para a viso positivista da academia. A sociologia da
religio chega tardiamente ao Brasil, pelo menos bem posteriormente a outras
pesquisas cientficas (Cesr,1973; Alves,1984). Mesmo que pesquisadores
estrangeiros j tivessem aventado alguma coisa, o que no deixa de ser
sintomtico tambm que apenas pesquisadores estrangeiros12tenham olhos para
isto, e os brasileiros no. Segundo, a AD sofre de uma sndrome de marginal,por escolha prpria. No ser vista e reconhecida pelo mundo no demrito, e
sim bno, faz parte de sua misso.
Apenas no Censo de 1980 que os pentecostais so configurados como
uma categoria religiosa distinta, ou seja, quando seu processo hegemnico13j se
encontra em plena ascenso. Quantitativamente em ascenso, no poderiam mais
permanecer invisveis, nem pelas pesquisas, nem pelas demais denominaes14,
nem por opo prpria.
Retornando AD, por que ela no chama a ateno dos pesquisadores?
Sua sndrome de marginal mais uma vez se manifesta quando, na dcada de 50,
10 O livro, apesar de ser um marco, limita-se a analisar a insero do pentecostalismo entre ooperariado paulista que adere AD. Esta a mesma limitao, por exemplo da obra de CartaxoRolim: sua pesquisa focaliza o pentecostalismo urbanizado e paulista/carioca.11Muito diferente, por exemplo da IURD - Igreja Universal do Reino de Deus, em duas dcadas deexistncia j h um considervel nmero de pesquisas sobre a ela. Sem entrar do mrito dasmesmas, elas indicam que, no mnimo, esta igreja chamou, ou chama, ateno. O grande risco que estas pesquisas, feitas temerariamente enquanto est se formando, percam sua validade to
rpido quanto as mudanas que esta igreja esteja sofrendo.12Lornad ( 1963) e Willems (1967), Read ( 1967) e, faa-se justia a Cndido Procpio, com seuCatlicos, Protestantes e Espiritas ( 1973 ).13Talvez a palavra traga uma conotao que no a pretendida aqui. Hegemnico est usado nosentido meramente quantitativo, at porque temos muitas dvidas de que algum grupo religiososeja hegemnico - ainda se tratando de protestantismo - no sentido pleno da palavra.14H diversos trabalhos, tanto sociolgicos quanto teolgicos, em que as outras denominaesevanglicas, as ditas tradicionais, so obrigadas a estudar o fenmeno pentecostal E atmesmo a Igreja Catlica, antes tranqila em sua hegemonia, estuda o fenmeno como ameaaOro, (1996)., Sanchis (1994); Guitierrez ( 1997), Cesr/Shaull (1997).
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o pentecostalismo pela primeira vez desperta o interesse da imprensa; um novo
pentecostalismo, a chamada segunda onda, mais interessante. Pelo vis do
jornalismo, claro que a Cruzada Nacional de Evangelizao, que posteriormente
vem a ser IEQ - Igreja do Evangelho Quadrangular, usando tendas, tocando rock
com guitarra eltrica - o top da modernidade na poca - , com proclamao de
curas, milagres e exorcismo, mais atrativa que uma Igreja perifrica, simples,
avessa publicidade, como a AD.
Freston (1993) diz que, entre outras coisas, a indiferena da pesquisa em
relao ao pentecostalismo se d por preconceito, algo reconhecido, de maneira
diversa por Campos (1995), Monteiro (1995), Novaes (1995;1998), Maris (1995) e
Bitencourt (1998). Se a ausncia de pesquisa no Brasil se d por preconceito,
desinformao etc., o que dizer, por exemplos de livros escritos por pentecostaissobre avivamentos e/ou histria do pentecostalismo, que omitem completamente a
maior igreja pentecostal do mundo no Brasil? Ou no mximo, informam que
existe uma igreja AD no Brasil e nada fala de seu pretenso crescimento fenomenal
e de seus pressupostos nmeros milionrios? A titulo de mera comparao, as
estimativas so de que a AD dos EUA tenha 2 milhes e a AD no Brasil, 9
milhes(?). At pela dimenso continental do Brasil, a AD brasileira a maior AD
do mundo, mas porque nenhum livro da AD nos pases da Amrica Latina se
reporta a isto?
Pesquisa nas fontes primrias
As biografias
H trs livros biogrficos fundamentais: Enviado por Deus (1973) e Dirio
de um pioneiro (1995), biografas de Gunnar Vingren e Daniel Berg, organizadas
por Ivan Vingren e David Berg, respectivamente filhos dos missionrios. O
primeiro compilao de 25 dirios (Vingren, 1973:92) escritos em vinte anos no
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Brasil, onde fica claro que muita histria foi expurgada. O segundo uma
celebrao15que o filho faz ao pai.
Um testemunho historiogrfico importante Despertamento Apostlico no
Brasil (Vingren, 1987), publicado em 193416na Sucia, e traduzido e publicado no
Brasil somente em 1987. uma srie de artigos/testemunhos dos suecos sobre
como se deu a evangelizao/construo da Igreja no Brasil, que, talvez seja uma
proto-histria asssembleiana que veio luz na dcada de 4017. Duas outras
biografias ajudam especialmente no entendimento da problemtica das relaes
entre suecos e norte-americanos (Brenda, 1984) e suecos e brasileiros e
surgimento dos Ministrios (Costa, 1984), biografia de J.P. Kolenda e Paulo
Macalo respectivamente.
A historiografia oficial
So trs os livros oficias de histria da AD no Brasil; oficias porque foram
lanados pela CPAD. Para efeitos didticos neste trabalho sero classificados de:
1a. histria: Histria da Assemblia de Deus no Brasil (1960). Foi escrito a
partir de uma deciso da Conveno de 1948, em Natal, tarefa destinada a Emlio
Conde18 (1960:8). Nela se desenvolve a teoria do movimento, o autor discute o
ecumenismo, a relao com outras igrejas evanglicas, e elabora muito do que
vem a ser a teologia assembleiana, enfim, estabelece o padro assembleiano que
seguido at hoje. Alis, o livro estabelece o padro historiogrfico
assembleiano, pois todos os demais livros repetem seu estilo: a histria dos
suecos, o nascimento da igreja em diferentes Estados e/ou cidades, perseguies,
15Leonildo Campos (1995) em Celebrando obras e carreiras: a funo do louvor ao passado eaos lderes na criao e manuteno de uma cultura organizacional em uma denominaoprotestante brasileira, analisa o papel dos historiadores religiosos enquanto celebradores das
instituies.16Ivar Vingren (1973:92) diz que este livro foi escrito em 1919, mas isto ou erro tipogrfico ou suacopidescao falhou, pois o contexto posterior a viagem (2 a.) de Gunnar Vingren Sucia, em1920 (Vingren, 1987:35).17 Fui informado desta histria da AD, publicada na dcada de 40 numa das entrevistas, masapenas uma pessoa sabia dela, nenhum outro entrevistado/a confirmou ou desmentiu. Outroentrevistado lembra que no incio da dcada de 70 conheceu um livro na Sucia que poderia sereste.18 o primeiro telogo pentecostal no Brasil, escreve junto com este uma histria dopentecostalismo mundial, Testemunho dos Sculos (1960).
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batismos, inauguraes de templos, etc. Apenas os fatos, nenhuma explicao
para os mesmos.
2a. histria: Tem o mesmo nome do anterior. Lanado em 1982, o livro
de Conde (1960) copidescado por uma equipe na CPAD liderada por Abrao de
Almeida, mas lamentavelmente o mesmo no melhorado, ao contrrio. Foram
acrescentadas apenas algumas informaes sobre os Estados, mas no principal
nada difere. O livro, inclusive, confunde datas e faz afirmaes no provadas.
3ahistria:As Assemblias de Deus no Brasil - sumrio histrico ilustrado,
escrito por Joanyr de Oliveira19, 1998. Foi lanado por ocasio do Congresso
Mundial das ADs, em So Paulo20. Avana muito em relao aos anteriores, ao
falar positivamente sobre educao teolgica, atividades dos jovens e at mesmo
citar trabalhos cientficos produzidos sobre a mesma21. Mas do ponto de vistahistoriogrfico, pior. Expe um amontoado de fotografias com legendas erradas
e no se justifica como livro de histria22.
Como diz Jlio Ferreira comentando a historiografia evanglica A
historiografia(...) fragmentria e cientificamente deixa muito a desejar23. No
diferente de outras denominaes evanglicas. Pretende-se, neste trabalho,
colocar os silncios sob suspeita24, alguns tpicos e/ou episdios so
19Joanyr de Oliveira um intelectual atpico na Assemblia de Deus. Poeta com diversos livrospublicados na imprensa secular, membro da Academia de Letras de Braslia e da AssociaoNacional de Escritores, organizador de uma antologia de poetas de Braslia.20 Congresso e livro, alis, segundo insinuaes dadas nas entrevistas, realizado comodemonstrao de fora do Ministrio de Belm, porque, at o momento, ningum explicou osurgimento e funo deste congresso.21S reproduz o que dito de positivo. As crticas, obviamente, so omitidas.22, como os demais livros, tpico assembleiano: grandiloqente, ufanista, cheio de fotografias queatestam a vitria, mas fica devendo no contedo. O autor teve menos de trs meses para realiz-lo, uma temeridade. Informaes incompletas e equivocadas, datas erradas e, na presso dotempo e economia editorial, lhe cortaram a bibliografia e as notas (informao me dada por Joanyr
de Oliveira). O texto final, copidescado pela CPAD, chega ao cmulo de tecer elogios ao prprioautor - como livro de histria um bom realese da CPAD.23 Cf. Ferreira, Jlio Andrade, Historiografia Evanglica Brasileira, Simpsio, ASTE, vol2.Novembro/68, SP, pg. 36.24Este conceito desenvolvido por Elizabeth S. Fiorenza (1986:86) a partir de seu instrumentalterico na teoria da hermenutica da suspeita. Teloga feminista, ela estuda a histria da igrejasob a perspectiva da mulher, mas esta histria foi escrita por homens e s eles so protagonistas,a ao feminina , para dizer o mnimo, no vista. Ento necessrio fazer uma leitura suspeitados fatos. Ver As origens crists a partir da mulher. Uma nova hermenutica (1992). Ver ainda,tambm Sanzana (1995) em seu trabalho Todas seriamos rainhas- Histria do pentecostalismo
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propositadamente (?) esquecidos nos livros de histria e biografias, e os
entrevistados evitam falar. Pelo menos trs assuntos so de capital importncia:a
mudana do nome de Misso da F Apostlica para a Assemblia de Deus, o que
de fato aconteceu na Conveno de 1930 e a relao entre suecos e americanos.
Jornais 25
Estas so as fontes rpimrias mais importantes, desde seu primeiro
documento em outubro de 1917, o jornal Voz da Verdade. Ressaltando-se as
ambigidades e papel ideolgico do mesmo estes textos, mais o do que se diz
sobre ela, o que ela diz sobre si mesma.
Tambm o jornal Boa Semente 1919-29, um exemplar da Voz
Pentecostal (fevereiro/30, de Recife), e o Mensageiro de Paz(iniciado em 1930 eat hoje existente). Jornais so, nas primeiras dcadas, as nicas produes
desta igreja, posteriormente surgem diversos livros teolgicos que fogem do
mbito desta pesquisa.
Foram lidos e tabulados 522 artigos, 349 do Boa Semente(1919-29) e 173
do Mensageiro de Paz (1930-31)26. Classificados por temtica e contabilizados
pelo nmero de articulistas (apenas quem escreve mais de dois artigos foi
considerado), anota-se tambm a nacionalidade e sexo dos autores. Os avisos,
testemunhos e notcias no foram considerados nesta tabulao, pois, apesar da
conotao teolgica e de militncia, so episdicos. Os artigos - a temtica e seus
autores - que fazem a doutrinao da igreja, ou pelo menos o pretendem. Eles
espelham como esta igreja est se formando; ou o que discutido e relevante
para ela.
chileno da perspectiva da mulher - 1909-1935, onde ela trabalhou com a histria oral e usando oreferencial terico da Fiorenza.25Os jornais encontram arquivados na CPAD, no Rio de Janeiro.26 A proposta original era ler e tabular os artigos do MP at 1950, mas uma srie de fatores ainviabilizaram.
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A tabulao dos artigos apresenta os seguintes problemas:
1. Uma arbi t rar iedade: a leitura determinou que esse artigo sobre este
assunto, usando como critrio a prpria leitura. Questionvel? Sim, at
porque diversos - muitos, mesmo - artigos poderiam ser enquadrados
noutra categoria, pois poucos deles so especficos sobre determinado
assunto. Portanto, o critrio foi arbitrrio. No entanto, a estatstica
resultante dele no altera muito, afinal um texto sobre compromissotem
o mesmo objetivo que outro sobre apologia pentecostal: incentivar a
militncia.
2. Uma surpresa: pela leitura do 1o. jornal de 1917, Voz da Verdade,
parece que toda a produo jornalstica assembleiana destina-se
exclusivamente defesa da f pentecostal. Ao se iniciar a leitura fica aimpresso de que todos os demais se prestaro apenas a isso, mas no
decorrer dos anos o jornal toma outros rumos e outros assuntos afloram
(descuido ou propsito?). O jornal termina sendo o canal - nico - de
ligao dessa igreja nascente neste pas continental.
3. A lgum as lim itaes: as colees esto incompletas27, alguns textos
ilegveis, um grande nmero de artigos sem indicao de autor e origem,
diversos trazem apenas as iniciais, ficando impossvel, portanto, saber
se foram produzidos por estrangeiros/mulheres e/ou brasileiros/homens.
Muitos textos traduzidos no contm identificao de origem, e em
nenhum deles consta a tiragem. Informao fundamental para se saber o
seu crescimento e potencial, e, evidentemente, da prpria igreja.
AS ENTREVISTAS
A proposta de entrevistar pastores com mais de 70 anos foi uma tentativa
de, entre outras, ouvir a verso daqueles que foram contemporneos dos
fundadores. Todos eles iniciaram seus ministrios h mais de cinqenta anos,
27A leitura foi feita das xerox j que os originais esto perdidos. E estas ainda esto incompletas.H um exemplar do Voz da Verdade e do Boa Semente tem 114 edies. Faltam os nmeros 2a 21, 31 a 43, 63 e 80 a 91.
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portanto, trabalharam com a primeira gerao de pastores assembleianos nas
quatro primeiras dcadas. Se eles fossem nossa nica fonte de pesquisa, seria
um malogro total, mas as entrevistas pretendiam apenas confirmar algumas
suspeitas, checar dados no contidos na historiografia oficial, enfim, como j foi
dito, ouvir a verso que podiam oferecer.
Foram contatados mais de vinte, mas sero consideradas apenas oito
entrevistas com pastores28. Por qu? Muitos se escusaram dizendo-se um mero
pastor que esteve na igreja estes anos todos mas sem poder de deciso, ausentes
do palco da autoridade e, portanto, no se consideravam capazes e autorizados
para dar entrevista sobre a origem e construo da igreja. E sugeria outro nome,
apontado como culto e importante, porquanto, este, sim, sabe das coisas e
esteve na liderana. Mas o culto e importante apontado anteriormente,invariavelmente era o pastor presidente do Ministrio, e a secretria e/ou pastor-
auxiliar impossibilitam o acesso a ele.
Outras entrevistas no passaram de uma conversa-monlogo e, assim,
no alcanaram o objetivo. O roteiro de perguntas muitas vezes no foi seguido.
Desde o cuidado que se precisa ter com a sade de algum com mais de 70 anos,
a presena de familiares sentindo-se parte da histria (muitas vezes ficou claro
que o pastor no queria falar sobre determinado assunto na frente da esposa e
filhos), a situaes constrangedoras de ser expulso da residncia por no ter em
mos uma Carta de Recomendao29. Entrevistar algum com essa idade,
algo excepcional, alis uma tentativa excepcional. Ele aproveita-se da pergunta
para responder outra; uma oportunidade de contar mais um causo, na sua
concepo bem mais importante do que as questes que o entrevistador pretende
investigar. E, evidentemente, sua verso a correta e ningum pode - nem deve -
questionar. Ou interromper sua fala.
28Duas entrevistas com mulheres sero tambm consideradas separadamente, apesar de termosconversado com diversas esposas de pastores. No possvel inclu-las na contagem porque elasno participaram das questes decisrias da igreja.29Em Recife, na casa de um pastor de 90 anos, no auge da conversa, a esposa nos interrompeupara saber se eu havia pedido autorizao do pastor-presidente para fazer-lhe aquela visita e mepedir a minha Carta de Recomendao . Na ausncia destas, fui convidado a sair em nome deJesus.
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Evidentemente, este universo muito pequeno para, a partir dele, se
chegar a concluir alguma coisa sobre a instituio, no entanto, algumas
concluses podem ser tiradas:
1. Classe social: todos os oito entrevistados, originalmente, vieram de
classe baixa (operrios, alfaiate, metalrgico) e de pequeno poder
aquisitivo (nada muito diferente da realidade hoje);
2. Escolaridade: dois tm 3grau, dois o 2e todos os demais so apenas
alfabetizados. No temos nenhuma estatstica antiga, nem atual, para
checar se estes dados podem estar prximos da mdia;
3. Entrada do ministrio: todos foram consagrados ao ministrio pastoral
bem jovens. Apenas um foi consagrado com 32 anos, todos os demais
abaixo de trinta e um com 16, e quando ainda solteiros (algo rejeitadopor vrias Igrejas AD hoje);
4. Religio anterior: dois so ex-presbiterianos, um ex-luterano e os
demais ex-catlicos. Um dado chamou ateno, apenas um se converteu
com 22 anos, os demais o fizeram na adolescncia;
5. Exerccio do Ministrio: todos iniciaram seus ministrios - pregao e
fundao de igreja - antes de receberem algum ttulo pastoral (os
obreiros leigos ainda hoje iniciam seu ministrio de pregao bem antes
da ordenao, mas hoje seria desnecessrio que uma moa solteira ou
uma famlia iniciasse uma igreja);
6. Por fim, todos saudosisticamente louvam seu perodo como o ideal,
verdadeiro, correto, santo, onde a igreja dependia do Esprito Santo
apenas, e reclamam da igreja atual que, segundo entendem, est
desviada, caindo na teologia da prosperidade, burocratizada, cheia de
disputa por cargos, preocupada em agradar o mundo, querendo parecer
com as igrejas tradicionais30
A tentativa de resgatar a histria oral foi uma etapa interessante, mas um
tanto complexa. Primeiro, a desconfiana: qual o interesse de uma universidade
metodista na historia da AD? Esta primeira etapa foi vencida com minha
30Todas estas afirmaes so palavras/frases dos entrevistados.
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identificao como dicono assembleiano, usando tambm o nome de meu pai31,
antigo pastor da AD no Cear, que alguns conheceram.
Segundo, porque queria entender algo to bvio: a construo/crescimento
da AD foi ao do Esprito Santo - e, eu, como assembleiano, deveria
conhecer, e no perder tempo com isto. Finalmente, a prpria resistncia em
falar com um menino (como fui chamado por um pastor de 82 anos) sobre
assuntos to srios. Ademais, tudo j passou e o mais importante que Deus
confirmou sua obra e a AD est a como a maior igreja do mundo!. Os seus
nomes, obviamente, sero omitidos (foi um compromisso assumido durante a
entrevista), at porque os exporamos, uma vez que uma das principais
caractersticas das entrevistas foi a contradio32.
AS ATAS
No incio da pesquisa, a principal pergunta era: onde esto as atas das
reunies convencionais e/ou de ministrios? Na CPAD no estavam e nas
diversas sedes de Ministrios tambm no. Nas entrevistas, foi frisado diversas
vezes que os suecos no faziam atas33, pois eles eram contra todo e qualquer
tipo de organizao. Emlio Conde (1960) e Lewis Pethrus (Vingren, 1973) falam
contra a possibilidade de a AD vir a se tornar uma denominao, ento,
escrevemos o texto desta dissertao dentro desta temtica. No entanto, em
fevereiro de 2000 encontrei as cpias de Atas em mos de pessoas particulares
(filhos de pastores da primeira gerao). Os suecos faziam atas, sim. Muito mais
31Jos Freire de Alencar (1915-1982), iniciou seu ministrio no em 193632 Contradio na histria oral no mentira nem falsidade do entrevistado, apenas suaconstruo de reminiscncias, com todas as ambigidades que isto venha ter na medida que, o
processo de recordar uma das principais formas de nos identificarmos(...)Ao narrar uma histria,identificamos o que pensamos que ramos no passado, quem pensamos que somos no presente eo que gostaramos de ser. Cf. Thomson, Alistar, tica e Histria Oral - Recompondo a Memria:questes sobre a relao entre histria oral e as memrias. Proj. Histria de So Paulo(15), PUCabril/9733Alguns explicaram que nem mesmo se fazia registro de membros porque pecado contar opovo de Deus. Algo que outras igrejas tambm crem a partir do episdio da condenao divina aDavi por realizar um recenseamento em II Samuel capitulo 24.
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que isto, publicavam um livreto de cada Conveno para os participantes. Os
suecos eram contra a organizao nacional da Igreja34 mas, no decorrer da
caminhada, a necessidade de institucionalizao os ultrapassou.
Uma anlise das atas, em seus mltiplos aspectos, ainda est por ser feita,
trabalho, alis, que renderia diversas teses. Os dirigentes das Convenes e as
indicaes dos mesmos; a estipulao dos horrios para Estudos Bblicos e
questes administrativas; os participantes, quem pode falar e votar; a presena
feminina (no incio seus nomes so citados, depois figuram apenas como pastor x
e esposa, mas tarde so proibidas de participar); os assuntos debatidos (aceita-
se batismo dos adventistas e presbiterianos?; pode um pastor da Assemblia
participar de um culto noutra igreja?, etc.); a interminvel discusso sobre as
Fbricas de Pastores (seminrios) e a conflituosa relao dos Ministrios entre sia partir da dcada de 40, pois em quase todas as sesses h um comisso para
resolver o caso de ..... ( assim mesmo, caso sem nenhuma explicao da
origem do problema e suas conseqncias)35.
As Atas precisam ser interpretadas, porque como so todas as Atas
meros registros e no explicao dos fatos. Serviram, para nossa pesquisa
particularmente, como indicao da problemtica relao dos suecos com os
norte-americanos. Algo, alis, completamente omitido na historiografia oficial
34Temtica a ser discutida no cap. III, ponto 4)35As Atas da Conveno de 38 j falam de dificuldades em vrias localidades (pg. 37),incompatibilidades entre obreiros (pg. 17) e invaso de campos (pg. 11).
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CAPTULO I
PENTECOSTAL ISMO: ORIGEM, TEORIAS E
CRESCIMENTO
Introduo
Repetindo o que virou senso comum, o pentecostalismo o mais
importante fenmeno religioso do sculo. E, senso comum, tambm se tornaram
alguns princpios sociolgicos que explicam o pentecostalismo, ou pelo menos se
tornaram padro metodolgico para enquadr-lo a partir dos anos sessenta,
quando ele comea a ser estudado no Brasil. Princpios1, que, resumidamente,
seriam: a religio institucional no conseguiu responder anomia (Durkheim)
provocada pela urbanizao e industrializao das cidades brasileiras, agravadas,
ainda mais, pelo seu carter opiceo, num amplo processo de alienao (Marx)
deste continente pobre que no aderiu e/ou no entendeu a racionalizao
modernizadora protestante (Weber) das denominaes histricas.
1Princpios, alis, atualmente questionados. Dentre os autores que levantam algumas questesmetodolgicas esto Peter Fry (1975:84) que diz que os mesmos se tornaram esteretipossociolgicos e Leonildo Campos (1995:36) num texto sobre as mudanas de paradigmas emcincias da religio chama ateno para hipteses-palpites que podem se tornar cincia. JWilson Gomes (1996:254) no polmico texto, Nem anjos nem demnios - interpretaessociolgicas do pentecostalismo, et alliAntoniazzi (1996), fala de Cinco teses equivocadas sobreas novas seitas populares . Conquanto pretenda trabalhar a problemtica das seitas modernas,algumas das questes debatidas (dinheiro, alienao social e relao com Igreja Catlica) dizemrespeito ao pentecostalismo tambm em sua origem.
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Mas a complexidade tanto do fenmeno pentecostal como do pensamento
destes autores bem maior. Portanto, dizer que o crescimento do
pentecostalismo deu-se como resultado da anomia produzida pela urbanizao a
partir da dcada de 50 poderia at ser uma explicao a partir dessa poca, mas
como e por que o pentecostalismo cresceu - e cresceu muito - nas dcadas
anteriores? Justificar a adeso ao pentecostalismo por absoluta alienao das
massas empobrecidas uma das respostas, mas por que parte da massa
alienada adere tambm a outras religies2 ou a nenhuma? E qual a explicao
para as alteraes sociais operadas concomitantemente a esta alienao? Situ-
lo, por fim, numa efervescncia carismtica, excluindo-lhe do mnimo de
racionalizao, negando-lhe, inclusive a nominao de igreja e/ou protestante3
pode ser apenas a mera indicao do problema e no sua explicao. Mas o quedizer do processo de institucionalizao das chamadas agncias de cura divina?
Repetindo, no d para enquadrar um fenmeno paradoxal (Andr Droogers,
1991) e a complexidade dos marcos tericos durkhamiano, marxista e weberiano
em poucas linhas4.
Ademais, algumas perguntas que os primeiros pesquisadores lanaram ou
se propuseram responder, por causa da renovao do fenmeno continuam
esperando respostas; as dadas, foram superadas e outras surgiram. E,
atualmente, as pesquisa tm um leque bem diversificado. H diferentes
perspectivas no estudo do pentecostalismo, tais como acomodao social (Sousa,
1967; DEpinay, 1967), superao da pobreza e machismo (Mariz, 1994,
Machado, 1994), alienao social (Rolim, 1985; Brando, 1980), formao da
cidadania (Novaes, 1985), atuao poltica (Freston, 1993) adesismo poltico
(Pierucci, 1996), relativizao tica (Mariano, 1999) at modelo administrativo de
marketing (Campos, 1999b). H, portanto, diferentes respostas e anlises dos
diversos pesquisadores em suas respectivas pocas. Nosso objetivo , a partir
das mesmas, tentar entender a pluricausalidade do crescimento do
2Fry (1975), por exemplo, analisa, nesse texto, a adeso ao pentecostalismo e a umbanda.3 Por razes diversas, e em contextos diferentes, alguns autores entendem que determinadosgrupos ditos pentecostais ou neo-pentecostais no podem ser chamados de protestantes e/ deigrejas evanglicas, cf. Mendona, 1998; Mariano, 1988, Jardilino, 1994.4Cf. Monteiro (1995), Campos (1995) e Mariz (1995) em temticas diferentes chamam a atenopara a possibilidade desta simplificao.
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pentecostalismo, e no trat-lo num s marco terico (Fernandes/ISER, 1998:134;
Campos, 1995). Para se entender bem os pentecostalismos5 presentes na
sociedade brasileira, preciso que seus analistas passem dos paradigmas da
simplicidade para o domnio dos paradigmas da complexidade (Campos,
1995:29, grifo no original). Diversos trabalhos escritos h alguns anos usaram uma
das antinomias basilares, como igreja-seita, pobre-rico, opressor oprimido,
racional-mstico. Mas, na atualidade, com a superao desses paradigmas, o
desafio , usando o que eles tm de vlido e ao mesmo tempo ultrapassando-os,
interpretar a realidade com uma viso mais ampla.
1AORIGEM(MARGINAL)DOPENTECOSTALISMO
a) Um filho de escravo perturba o mundo evanglico:
A rua Azuza, 312, em Los Angeles, no incio do sculo, considerada o
marco moderno do nascimento do pentecostalismo (Hollenweger, 1976; Dayton
1987) tendo como lder principal o apstolo negro (Forbers J. 1983:12), J. W.
Seymor. Este filho de ex-escravo havia sido aluno da Escola Bblica Betel, sob a
liderana de C. Parham, onde de fato comeou o movimento de lnguas
estranhas em 1901. Parham desafia os alunos a estudarem os livros dos Atos
dos Apstolos e, a partir desse estudo, o fenmeno da glossolalia acontece e se
espalha.
Apesar desse registro localizvel, h diversos relatos segundo os quais o
mesmo fenmeno acontecera simultaneamente em outros lugares, sem nenhuma
conexo uns com os outros. A referncia que se faz Rua Azuza, ganha destaque
muito mais porque remanescentes dali se espalharam pelo mundo6, ainda que
sem todos os princpios doutrinrios, porm munidos com o que pareceu mais
notvel, que foi a questo da glossolalia.
5Neste mesmo texto, Leonildo Campos diz que no h pentecostalismo no singular op. cit., 27 eRolim(1995:22) diz que o pentecostalismo no uma religio uniforme. Foi homognea apenasdurante seus primeiros anos6 W.G. Hoover, o missionrio metodista que inicia o pentecostalismo no Chile conhece omovimento atravs da mesma fonte que os missionrios suecos e italiano que vem para o Brasil,bem como diversos outros movimentos pentecostais no mundo. Cf. Wlaker (1990), Deiros, (1994),Conde (160), Dayton (1987)
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Em diversos momentos histricos da igreja podem-se encontrar fenmenos
parecidos com os da Rua Azuza: profecias, vises, lnguas. Alm destas
especificidades uma postura pentecostal pode ser identificada em outros
movimentos. Se considerarmos, mesmo que esteriotipadamente, como postura
pentecostal a nfase na espiritualidade e um pretenso retorno ideal aos Atos dos
Apstolos, d para apontar para o movimento de santidade do Metodismo, os
avivamentos do sculo XVIII, o pietismo, etc. Dada a fragmentao
denominacional (Niebuhr,1992) decorrente da Reforma protestante, h sempre
grupos insurgentes contra a frieza da liturgia, o desvio da igreja, a adeso ao
Estado, o abandono da espiritualidade, na procura de, segundo eles, resgatar
o que seria o verdadeiro cristianismo. Em diversos momentos da histria do
cristianismo as religies do Esprito se manifestam invariavelmente de formasubversiva, hertica7, enfim, marginal.
Este discurso de retorno s origens bem tpico do protestantismo, ou uma
variante do Igreja reformada sempre se reformando. Todas, alis, justificam
suas origens (quem sabe uma forma de encobrir o problemtico surgimento de
cada uma denominao, Niebuhr, 1992) como um retorno a verdade bblica, da
ser bem natural o retorno ao Atos dos Apstolos8 que o movimento pentecostal
(neste momento a AD, especificamente) tanto advoga.
b) Babel ou Pentecostes, a mensagem se espalhou
O que torna o movimento da rua Azuza um marco? Alm da propagao
internacional que ele causou, o fato de, a partir da, 1) ser um movimento urbano
e 2) ser um fenmeno inter-racial. Mesmo no significando que esses dois fatores
lhe sejam favorveis, indiscutivelmente, porm, foram marcantes.
Sendo um fenmeno moderno da cidade, evidentemente, este fato ajudou
em sua propagao com mais facilidade. Los Angeles recebia levas de imigrantes
7 A palavra usada no seu sentido etimolgico sem conotao teolgica. Heresia no grego,hairesis, , literalmente, escolha usado pelos clssicos e na Septuaginta como uma escolhade um grupo filosfico ou de uma pessoa. Posteriormente, toma uma conotao pejorativa de umerro doutrinrio. Cf. Novo Dicionrio da Bblia, So Paulo, Vida Nova, pg. 709. EnciclopdiaHistrico Teolgico da Igreja Crist, So Paulo, Vida Nova, 1990, pg. 248.8 no livro de Atos dos Apostlos (Cap. 2) que acontece o fenmemo do pentecoste na nascenteIgreja.
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europeus que se encarregaram de anunciar a novidade. Segundo Corten
(1995:58) o pentecostalismo um fenmeno transnacionalizado. O fato de que
diversos grupos, independentemente de seus rtulos denominacionais terem sido
atingidos pelo fenmeno, ajudou na propagao. E, entre disputas de espao e
entusiasmo com a novidade, o movimento espalhou-se rpido. Mas essa
possibilidade quantitativa lhe trouxe uma fragmentao irreversvel, a ponto de
no conseguir ter algum referencial doutrinrio nico. H algumas caractersticas
genricas que podem ser atribudas ao movimento, mas sua principal marca a
pluralidade, ou, para os no-pentecostais, a confuso doutrinria.
A questo teolgica da bno dupla ou bno tripla ( Hollenweger,
1976: Dayton, 1987: Horton, 1996) foi um tambm fator diviso dos diversos
grupos. Problema teolgico que nunca afetou o pentecostalismo brasileiro.Numa regio e poca em que as tenses e separaes entre as raas
ainda eram muito delimitadas, mesmo nas igrejas evanglicas (Niebuhr, 1992), um
grupo religioso que reunia num mesmo lugar negros e brancos, era, no mnimo,
inusitado. Talvez essa tenha sido a causa da perseguio jornalstica9 que,
ironicamente, termina por ajudar na sua divulgao. E por mais que o movimento,
no incio, tenha reunido diversos grupos e raas, esse mesmo movimento
separado tambm em grupos e raas o sectarismo protestante no pode ser
negado.
2REFERENCIAISTERICOS:
H algumas teorias sobre a religio, e mais especialmente, sobre o
pentecostalismo que, tanto pela originalidade quanto pela primazia do tempo se
tornaram referencias, precisam ser citadas.
9Os jornais em Los Angeles noticiaram os eventos da rua Azuza assim: Los Angeles Dayli Times:Santos esperneadores promovem orgias; O Los Angeles Times: Brancos e Negros se misturamnum frenesi religioso. (Campos, 1999b:179). Os jornais chilenos na poca do surgimento dopentecostalismo tm comportamento idntico ( DEpinay, 1970:49). No Brasil, sem a conotaoracista, as conseqncias foram menores at porque o mbito de alcance dos jornais de Belm doPar tambm era menor (Vingren, 1973:50;55).
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a) Trs idias clssicas sobre religio:
Levaremos em conta trs livros escritos no incio do sculo que analisaram
a religio; Economia e Sociedade (escrito em 1914), As origens sociais das
religies crists(escrito em 1929),A era protestante(escrito em 193710), por Max
Weber, H. Richard Niebuhr e Paul Tillich, respectivamente. Do ponto de vista
objetivamente especfico, nenhum deles falou do Pentecostalismo, mas tratam de
questes religiosas que transcendem suas pocas e so marcados pela
originalidade.
Weber - o carisma e os adeptos
Weber tem um conceito muito importante - os tipos de dominao11- que
fundamental para o presente estudo. Segundo definio do prprio, dominao
a probabilidade de encontrar obedincia a uma ordem de determinado contedo,
entre determinadas pessoas indicveis12. Dentro de sua classificao h trs
tipos de dominao: a racional, a tradicional e a carismtica. A que nos interessa,
mais precisamente, a carismtica.
A dominao carismtica baseada na venerao extracotidiana da
santidade, do poder herico ou do carter exemplar de uma pessoa e das ordens
por esta reveladas ou criadas13. Enquanto as anteriores, para funcionarem e
serem legitimadas, necessitam de um corpo burocrtico, ordens impessoais,
qualificao pessoal, prebendas, etc., esta se legitima a partir dos adeptos14.
Adeptos - isto algo de suma importncia para entendimento do fenmeno
pentecostal.
O carisma uma dotao pessoal extracotidiana, e como o prprio Weber
diz, impossvel avaliar isto objetivamente com critrios estticos, ticos, etc.,
10 Publicado em portugus em 1992, foi lanado originalmente em ingls em 1948 como umacoletnea de artigos escritos desde 1929 a 1945. Neste momento trataremos especificamente dotexto O fim da era protestante, escrito em 1937.11Cf. Weber (1991) cap. 3.12Op.cit, 3313Op.cit, 14114Op.cit, 159
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pois o portador dos carismas reconhecido por seus adeptos. O
pentecostalismo se realizou, cresceu e expandiu-se a partir do reconhecimento
endgeno dos carismas; lderes - homens e mulheres - na condio de enviados
por Deus que renem em torno de seus dons um grande grupo de adeptos, e
causaram a guinada. S que esse carisma, por mais fenomenal que seja, tende a
se rotinizar, da aparece um novo personagem extracotidiano (de preferncia
mais extracotidiano que os anteriores), com um novo carisma (ou o mesmo
carisma mas com uma nova roupagem), consegue novos adeptos, e d nova
guinada. Mesmo sem a intensidade original, porque por mais carismtica que a
igreja seja - ou pretenda ser - ela tende a se tradicionalizar (entrando, assim, na
segunda fase da dominao tradicional) e tambm porque, como Weber diz, no
existem tipos ideais puros. Nenhuma dominao exclusivamente carismticaou tradicional - mesmo que as igrejas insistam em afirmar o contrrio.
Ora, enquanto as demais instituies religiosas esto se legitimando a partir
do Credo X, Documento Y, Comisso A instituda pelo Conclio D, com um corpo
eclesistico formado e racionalizado, a carismtica no tem funcionrios
profissionais, porque no h seleo por critrios objetivos, mas pelas qualidades
carismticas (discpulos, homens de confiana, nomeao). No h
hierarquia, salrio, autoridade institucional, regulamento algum. H somente a
interveno do lder, a camaradagem do amor, juzos de Deus, revelaes e o
reconhecimento como dever. O carisma e os adeptos. Haver sempre espao
para os carismas se manifestarem e, muito mais espao legitimador para
realimentarem os mesmos.
Niebuhr - a igreja dos deserdados renasce sempre?
Em seu livro, Niebuhr pretende explicar o fracasso tico do cristianismo
por causa das divises, pois, as pretensas razes teolgicas das denominaes
so apenas disfarces para racismos, nacionalismos, etnocentrismos; a tica das
castas acaba com a tica da fraternidade15. Fazendo um levantamento histrico
15Op.cit., 21
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desde a Reforma16, o autor identifica vrios movimentos sociais - anabatistas,
metodistas, Exrcito da Salvao e seitas mais recentes17 que ele chama de
igreja dos deserdados, em contraposio igreja dos afortunados e cultos.
O presbiterianismo era intelectualista, aristocrtico e autoritrio18, e o
luteranismo aliado nobreza tornou-se religio estatal com os mesmos problemas
que o catolicismo tinha antes; portanto, a Reforma no conseguiu satisfazer as
necessidades religiosas dos camponeses e das demais classes no-privilegiadas.
E quais eram essas necessidades? Justia social, participao popular nos cultos,
fervor emocional, esperanas apocalpticas. A Igreja dos deserdados tem tudo
isso, alm de vises, revelaes, luz interior, atmosfera sobrenatural de milagres
- tudo o que mais tarde vai caracterizar o pentecostalismo. interessante que
Niebuhr, em 1929, no se reporta em nenhum momento ao pentecostalismo.Alis, para ele o metodismo19 foi o ltimo movimento dos deserdados no
cristianismo e no h, atualmente, movimento efetivo religioso entre os
deserdados e, como resultado, eles esto simplesmente fora do plio do
cristianismo organizado20. Niebuhr no acreditava, ou, por preconceito, no
conseguiu ver, que uma igreja de deserdados pudesse surgir sempre21.
Como os movimentos mendicantes, a Irmandade do Livre Esprito, os
anabatistas, o Pietismo e outros, o movimento pentecostal do sculo XX nasce
marginal, entre os pobres que no tinham espao e resposta s suas
necessidades dentro das instituies religiosas de classe mdia e alta. Se tem a
originalidade da igreja primitiva, o fervor dos morvios, a santidade dos
montanistas, outra questo, mas origens, ou, douta forma, as causas sociais so
paralelas ( Dayton, 1991)
16O livro, portanto, deveria se chamar As origens sociais das denominaes protestantes pois
deste universo que trata.17Op. cit. 2618Op.cit. 3419Originalmente, pois no momento em que ele escreve j o considera uma igreja de classe mdia,(50)20Op. cit. 5321 Uma possibilidade seria, ele como tantos outros, estar convicto de que a secularizaomodernizante, enfim, descartaria a religio como fenmeno social relevante. A religio, seria cadavez uma proposta privada, e nenhuma religio mais, nem mesmo a dos deserdados, conseguiriaalterar - positiva ou negativamente - a realidade social. Ver Leonildo S. Campos (1995) O estudodo pentecostalismo diante das mudanas de paradigmas em Cincias Sociais , Srie Ensaios dePs-Graduao/Cincias da Religio, Ano I, no. 1, novembro de 1995 (pg. 29-53)
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Tillich - o princpio protestante est perdido?
Em 1938, o telogo Tillich v o protestantismo rendido a outros interesses
que no o da fraternidade crist (ironicamente, na Alemanha ao nazismo, e, nos
EUA, ao capitalismo) e o sentido proftico da palavra transcendente, julgadora e
transformadora22 se perdendo, passando a religio a ser uma mera serva da
opinio pblica, e abandonando as massas populares.
O ser humano, vtima da explorao capitalista, perdeu o sentido de
existncia,e a resposta do protestantismo meramente intelectualista, pois no
consegue transcender ao secularismo desintegrador23. Na viso de Tillichi, h
trs grupos empenhados na reintegrao das massas naquele momento: ocomunismo, o fascismo e o catolicismo romano. Sem considerar as razes dos
dois anteriores, nos reportaremos apenas ao ltimo.
O catolicismo, com sua hierarquia autnoma24e seu poder simblico, seria
a nica fora religiosa com apelo significativo s massas desintegradas. Ou seja, o
protestantismo precisar: 1. resgatar uma nova compreenso dos smbolos, as
objetividades do sagrado; 2. Ultrapassar a barreira do sagrado e do profano e
resgatar a cultura; 3. Realizar o protesto proftico contra o Estado, a Igreja, o
partido ou lder - todas instncias que reivindicam carter divino, caso contrrio
ser o fim da era protestante25.
possvel que Weber, em 1914, na Alemanha, no conhecesse o
pentecostalismo moderno, mas ser que Niebuhr e Tillich nos EUA nas dcadas
de vinte e trinta no tenham ouvido falar ainda que mal - do pentecostalismo
para inclui-lo em suas anlises?26. Faz sentido, religio de pobres e pretos,
liderada por ex-escravos e mulheres (Hollenweger, 1972) no tinha chegado ao
conhecimento da academia.
22Op. cit. 20423Op. cit. 24324O contexto protestante europeu de igrejas estatais, onde, portanto, a hierarquia est atrelada edependente do Estado; j nos EUA o compromisso com grupos socais (245)25Op. cit. 24926Talvez um episdio que Leonildo Campos conta no artigo j citado, possa ser ilustrativo disto:num debate com Harvey Cox e Rubem Alves, em 1969 (note-se bem a data) ao ser perguntadosobre a pentecostalizao do protestantismo histrico, Alves disse textualmente: Esse tipo deproblema que no me interessa no momento
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No se pode afirmar que o pentecostalismo seria ou : o carisma que
atende aos deserdados num protesto proftico, no entanto, qual outro fenmeno
religioso neste sculo poderia aproximar-se disto?
Mendona (1997:109), inclusive, comentando este texto de Tillich, diz:
Tillich achava, na poca em que escreveu, que o catolicismo romano estava preenchendo
essa funo pelo seu poder reintegrador e simblico. Parece que seu raciocnio no vale
para o Terceiro Mundo, em que as religies de mais apelo simblico, como o
pentecostalismo, esto suplantando o protestantismo e o catolicismo.
b) Trs vises sobre o pentecostalismo brasileiro
H muitas anlises distintas sobre o pentecostalismo (j frisadas na
introduo), no entanto, poucas trabalham sua origem e o perodo especfico
escolhido. Usaremos, portanto, trs autores que, historicamente, esto prximos
at porque so os primeiros a escreverem sobre o assunto. O Protestantismo
Brasileiro - um estudo de eclesiologia e histria social (1963), A experincia da
salvao: pentecostais em So Paulo (1969) e Pentecostais: uma anlise scio
religiosa (1979), de Emile-G Lornad, Beatriz Muniz de Souza e Francisco Cartaxo
Rolim, respectivamente.
Lonard - um pentecostalismo sem leitura bblica no ter futuro.
Pelo ttulo do livro v-se que ele trata do Protestantismo, e no do
pentecostalismo especificamente27; no entanto, no final de seu livro ele faz rpidas
consideraes sobre as religies iluministas. Sua anlise sobre as igrejas
pentecostistas da poca se reporta AD e CCB. Sobre a Assemblia de Deus,ele afirma seu carter bblico, mas v a Congregao Crist no Brasil com
muitas reservas, inclusive, de esfacelamento do movimento porque no tem algum
tipo de estrutura bblica, ou estudo sistemtico da Bblia. O irnico que, 50 anos
27Tem lgica histrica porque seu livro, originalmente, foi publicado como artigos na Revista deHistoria da USP entre janeiro de 51 a dezembro de 52. Nesta poca o pentecostalismo ainda erauma religiosidade completamente ignorada.
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depois, aconteceu o inverso. A Congregao Crist continua coesa, sem
dissidncia, sem mudana na orientao poltica ou tica, e bblica28 com seu
sistema eclesiolgico intocvel tanto quanto no inicio do sculo. Se melhor ou pior
no nos cabe definir. Isto apenas uma contestao sociolgica.
No entanto a Assemblia, tambm com seu carter bblico (aqui vale o
mesmo que se afirmou para a Congregao), foi completamente alterada. outra
igreja, bem diversa da que foi analisada por Lornad.
Qual nossa percepo afinal: as realidades sociais so mais fortes e
capazes de alteraes mais significativas que o pretenso carter bblico ou no
bblico de uma igreja29. Isto, alis, j foi analisado por Niebuhr (1992), sobre as
estruturas eclesiolgicas que se alteram ou se conservam obedecendo s
demandas sociais. A Congregao conseguiu ser um grupo homogneo em seusprimeiros anos porque se inicia dentro de grupo tnico, razoavelmente coeso, de
forte tradio e com interesse de preserv-la. Desenvolveu uma estrutura de
poder leigo que ficou inume as disputas de poder ou tentaes financeiras.
Socialmente, nunca teve atuao e, parece, no sente necessidade disto; optou
por uma postura apenas sacral30 em sua religiosidade. Permaneceu sempre um
grupo fechado e com visibilidade reduzida e, conseqentemente, fcil de
administrar e se preservar31. J a AD se pluralizou, modificou e hoje, com
exceo da doutrina da contemporaneidade dos dons do Esprito Santo, no tem
quase nada que lembre a antiga igreja. Foi alterada, fundamentalmente, por
demandas sociais.
28Bblica no sentido que Lornard entende de bblicacorreta, no nos cabendo aqui definir secorreto ou errado. O que se quer dizer com isto: sua doutrinao (calvinista, congregacional, no
clerical, no proselitista) que ele entendia como correta no incio do sculo se mantm at hoje.29 Isto deve causar calafrios e ser visto como absoluta heresia pelos religiosos.
30 Em todos os seus trabalhos Rolim (1979, 1980, 1995) critica o pentecostalismo por sua aoalienada de postura sacral e no social.31No se tem documentos ou textos da igreja para alguma anlise, mas por conversas informaiscom membros se tem a impresso de que a igreja deixa o membro muito a vontade em suaconduta. Por exemplo, em suas reunies de confraternizao alguns ingerem bebidas alcolicas eoutros no. A Igreja no o proibe, mas tambm no incentiva. Isso problematiza ainda mais acaracterizao de seita em seu rigorismo moral individual dos membros. Eliana Gouveia (1986),em seu trabalho sobre a questo feminina, analisando as Igrejas Pentecostal Deus Amor eCongregao Crist, entende a primeira como igreja e a segunda como seita.
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Beatriz de Souza - o ajuste urbano
Uma tese funcionalista que entende o pentecostalismo como uma resposta
anomia social (Durkheim), fruto do processo de urbanizao e industrializao. E
fica dentro da questo que move os pesquisadores da dcada de 60, em relao
ao pentecostalismo, algo que DEpinay expressa claramente em seu trabalho
sobre o Chile: 1. O pentecostalismo uma expresso cultural do povo chileno ou
algo estrangeiro? 2. esta expresso religiosa contribui no processo de
transformao social? Para Beatriz de Souza, o pentecostalismo, mesmo tendo
origem estrangeira, se abrasileirou32, aculturando-se o suficiente para tornar-se
uma das expresses da religiosidade local. Apesar - ou por causa disto mesmo -,
de sua descontinuidade-continuidade (DEpinay, 1970) exerce exatamente estepapel nas camadas que atinge. A descontinuidade do rompimento com a
identidade anterior (catlica) e continuidade de permaneceralheio realidade.
Procpio Camargo, na mesma linha de pensamento, diz que, apesar disso
o pentecostalismo tambm tem a capacidade de reconstruo de relaes
fraternas, estabelecimento de reajustamentos na urbanizao desagregadora. A
seita fechada, reacionria e excludente tem tambm uma coeso e rigor moral
muito necessrio aos migrantes que se agarram a isso como fora agregadora e
normatizadora de suas vidas.
A tica puritana, contrapondo-se por sua rigidez lassido moral considerada pelos
protestantes como tpica do Catolicismo, veio acompanhar a vivncia da converso ao
novo credo religioso. Esta tica desenvolveu entre os fiis padres de conduta
caractersticos, sociologicamente importantes. Enfatizando estrita honestidade nos
negcios, conduta austera e recato do trajar, propugnavam, paralelamente, severas
restries de comportamento: no ter vcios, como os de fumar e beber; no freqentar
diverses profanas; no participar de jogos de azar; no ter relaes sexuaisextraconjugais Camargo (1973: 136-7)
32DEpinay(1970:17) tem a mesma preocupao: saber se o pentecostalismo um corpo estranho
ou se chilenou
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Cartaxo Rolim - alienao sacral
Para Rolim, a inexistncia de atuao poltica se d, primeiro, porque a
religio pentecostal que se implantou no Brasil um rebento daquela experincia
pentecostal dos americanos de cor branca e,segundo, as camadas pobres que
a ela aderiram, se traziam a experincia religiosa do devocional catlico, no
traziam a experincia poltica-social (Rolim, 1995:24,47-48). Os missionrios
trouxeram apenas a experincia religiosa e no de atuao na luta de libertao
dos pobres e marginalizados na sociedade (o vis pentecostal negro norte-
americano).
Ento, esta experincia religiosa estrangeira aqui encontra umareligiosidade nativa, acomodada e marginalizada pelas instituies religiosas, que
se alastra na periferia sem nenhuma alterao social. No fora exigido antes,
tambm no sente necessidade dela na sua implantao.
Rolim, em seus diversos textos, registra algumas experincias polticas dos
pentecostais, como as Ligas Camponesas (Pernambuco), um levante de
agricultores (Maranho) e um protesto de pescadores (Rio), como esperana de
que o pentecostalismo seja alterado. Mas, como ele mesmo admite, estes so
casos isolados. Esses casos de atuao poltica no meio pentecostal foram
acidentes de percurso. Ou seja, no foi uma determinao da igreja em
participar. Em nenhum um momento existiu uma orientao teolgica da
necessidade de presena na realidade, muito pelo contrrio, a igreja condenou
sempre esta participao. Alm de condenar, ignora completamente estes
episdios: no h um s registro nos jornais, histrias e livros da igreja33.
Conquanto as indicaes de Rolim possam estar corretas, ele no atentou
para duas outras causas dessa postura: l. a condio de estrangeiros num perodo
tenso da histria, que lhes prejudicaria qualquer postura poltica; e 2. A averso
que eles sentiam por qualquer instituio, pelo trauma da perseguio sofrida em
33Nos anos 90, a AD nem mesmo citava a Benedita da Silva em seus jornais, quando ela comeousua atuao nas favelas do Rio de Janeiro, se elegendo vereadora, deputada e depois senadorapelo PT Partido dos Trabalhadores. Agora, como vice-governadora (deixou de ser oposio epassou a ser governo), o Mensageiro da Paz publica fotos suas e elogios, mas no diz como eporque ela saiu da Assemblia e foi para a Presbiteriana.
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seu pas de origem, da a defesa sueca das chamadas igrejas-livres. No se
pode excluir a influncia da mentalidade sacral catlica, mas tambm no se
pode reduzir isto orientao racista dos brancos americanos. Os suecos no
compartilhavam deste racismo. Foram omissos politicamente, mas por outras
razes.
3CRESCIMENTO.
Inicialmente vejamos as razes que o pentecostalismo tinha para no
crescer:
l. A Igreja Catlica forte e hegemnica e h menos de 30 anos, com a
proclamao da Repblica, deixou de ser a religio oficial, mas continua plena eoficiosa. D conta de todas as instncias da vida nascimento, casamento e
funeral; e mantm ainda em sua influncia, de cartrios a cemitrios34. As
denominaes protestantes s so toleradas, porque, originalmente se
restringiram a grupos tnicos, depois as igrejas de misso, at ento, com um
crescimento insignificante.
2. As igrejas protestantes, at ento pequenas, mas todas com aspectos
modernizantes da cultura anglo-saxnica (Lornad, 1963, Mendona, 1989 e 90),
eram distintivas da cultura brasileira. Igrejas cultas, ricas, lideradas por
estrangeiros, financiadas por dlares, representantes da moderna pedagogia,
portanto, vistas com bons olhos pela elite republicana. Ademais, herdeiros do
destino manifesto (Mendona, 1989 e 90; Jardilino, s/d) estavam trazendo a
redeno no apenas espiritual mas econmica e scio-cultural para o Brasil.
Como, apesar disto, uma nova modalidade de religio protestante nasce e
cresce neste espao?
O pentecostalismo, como j foi frisado, um fenmeno urbano, mas sua
principal caracterstica a marginalidade na qual nasceu e proliferou. Seu aspecto
mais visvele folclrico a participao e lideranade negros e mulheres. E,
talvez, esta tenha sido a principal causa de sua estranheza no incio. Ser que se
34Cemitrios so uma das principais zonas de tenso entre os evanglicos e a Igreja Catlica.
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o pentecostalismo, mesmo com a glossolalia, mas liderado por homens, brancos,
ricos e cultos, teria sofrido as mesmas perseguies e preconceitos teolgicos? 35.
Disseminado pelo mundo por migrantes, chega at o Brasil, no norte e no
sudeste36, espalha-se, mas vitimado por preconceitos de todos os lados. No que
o pentecostalismo tambm no tivesse contribudo. Sem nenhum julgamento
teolgico, mas o exerccio do falar em lnguas estranhas, o permitir que qualquer
um (analfabeto, negro ou mulher) tivesse sua prpria Bblia e a ensinasse,
pregasse ou desse testemunho pblico, , no mnimo, algo inusitado para a
poca. Ademais, o pentecostalismo tem duas qualidades inicialmente graves: 1.
um proselitismo exacerbado em direo a todos os credos, inviabilizando uma
conduta pacfica, portanto; 2. Um discurso sectarista da verdade.
Pretensamente, nele e somente nele est a verdade completa da Bblia.Mas isto no resolve uma das questes centrais: por que cresce? Foi
exatamente esta mensagem libertria popular de receber todos indistintamente,
e da mesma forma lhes d a oportunidade de falar de sua experincia, que
encantou/converteu as pessoas. Todose todastm acesso a este poder (em
se tratando de pentecostalismo, esta palavra adquire uma conotao muito mais
abrangente, de contato com o divino), sem a mediao da classe produtora de
bens sagrados; e no um erudito/instituio quem/que delimita, instrui ou
permite sua experincia. Mas, no pentecostalismo acontece, exatamente, o
contrrio: sua experincia pessoal, intransfervel, com seu linguajar, sua
realidade sem ningum criticar ou mold-la que define a teologia/instituio.
muito significativo para quem nunca teve acesso ao sagrado, identidade autnoma
ou independncia pessoal.
H uma ruptura mesmo que depois volte tudo ao normal. Mas o
encontro com este tipo de religiosidade, ou esta acessibilidade ao sagrado, algo
que altera a conduta. Os deserdados encontram um espao para se expressarem
sem cerceamentos. As autoridades no esto ouvindo, os eruditos religiosos
condenando, os cultos debochando no faz diferena. A abertura/xtase,
35Algum poderia objetar que, homens brancos, cultos e ricos no se envolveriam com este tipo dedoutrina no que persiste o preconceito.36A colnia italiana, no Brs, em SP, no era nenhum padro de riqueza e cultura, at porque soimigrantes pobres tambm (Rolim, 1989)
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atravs do choro, lnguas, riso, realizada para Deus, e Deus - o crente tem
certeza -, est ouvindo. Compreende e se solidariza.
E se as instituies so incompatveis, as regras no se coadunam, isto
no importa porque a legitimao se d pela aceitao dos adeptos; como j foi
dito, a experincia que legitima a regra teolgica e no o contrrio. Portanto,
esta capacidade de renascer, se insurgir contra o status, questionar o estabelecido
e este inconformismo protestante encontra-se presente tambm aqui.
Estatsticas: alm da teoria, uma estimativa comprovadora
Estatstica um problema grave para a anlise de religio no Brasil. Mais
grave ainda, para nossa pesquisa o fato de que os pentecostais s so
computados oficialmente a partir do Censo de 8037. O que se tem so estimativas,
e elas sero citadas sem questionamento, pois no h como prov-las nem
desacredit-las. Possivelmente, elas no sejam os nmeros exatos, mas no
dispomos de outros. De qualquer forma elas acertam no fundamental. O
pentecostalismo surge no Brasil na dcada de dez e cresce o suficiente para se
tornar o maior contingente evanglico do pas.
Tabela 01: Estimativas do crescimento do pentecostalismo
Percentual 1900 1911 1930 1940 1950 1960Evanglicos no pas38 1,l% - 2% 3,4%Pentecostais 9,5% 60%
Assemblia de Deusmembros 20 14.000 80.000 120.000
37 O Censo de 1900 foi impugnado, refeito em 1906 o dado sobre religio foi excludo se mantendoat 1940 (Rolim, 1995:32)38Rolim (1989:32)39Souza, (1969:17)40Esta estimativa questionvel41Read (1967:121)
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A AD, que se inicia em 1911 com 20 membros, tem, segundo a estimativa
de Read (1976:122), em 1930, 14.000 membros, e, em 1950, 120.000 membros,
o que daria respectivamente 69,76% de crescimento em 19 anos, e 108.000% em
38 anos. No total, so mais de 600.000% de crescimento nas primeiras quatro
dcadas. uma taxa de crescimento anual de 15.000% ao ano.
O Censo Demogrfico do IBGE de 1991 apontou 8,98% de evanglicos da
populao brasileira, com a projeo de crescimento de 67,3%, ento em 1998
teramos 20 milhes de evanglicos no pas. E se no Censo de 80 os pentecostais
j eram 51%, h estimativas que hoje sejam mais de 80% da populao
evanglica. A pesquisa da Datafolha em 1994 indicou um percentual de 76% da
populao evanglica. indiscutvel que os pentecostais so maioria, no entanto,
a questo permanece: Quantos so? Qual a taxa de crescimento dos diferentesgrupos?
Fernandes (1998), na pesquisa Novo Nascimento, d algumas pistas sobre
crescimento e um dado chama ateno: a AD a igreja que mais perde membros,
mas tambm a igreja que mais ganha membros, tanto pela converso como por
adeso de membros de outras igrejas. Isto, por conseguinte, explicaria