Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO BÁRBARA MIDORI NOMURA DAVID DA SILVA JUNIOR OTÁVIO AUGUSTO ANTUNES DA SILVA RAFAEL OLIVEIRA JORGE REGINEI DOMINGOS DE MORAIS Assembleia do Povo O QUE IMPORTA É O QUE A GENTE É! CAMPINAS 2009

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Resumo:O documentário apresenta em narrativa fragmentos de memórias de militantes da Assembleia doPovo, movimento social urbano campineiro, constituído sobretudo por favelados, que teve seu augede 1979 a 1982. O vídeo parte de relatos para contar a versão dos militantes sobre a história domovimento e trabalha momentos importantes, como os atos em frente à Prefeitura, e conquistas,como o direito à terra e à cidadania. Além do documentário, o DVD possui extras, como um vídeodo reencontro, por nós organizado, dos ex-militantes do movimento, um vídeo com trechos deentrevistas com os ex-assessores e um making-off. Este relatório de fundamentação teóricaapresenta um breve histórico da urbanização de Campinas e da Assembleia do Povo neste contexto,uma breve discussão teórica sobre a relação entre documentário e produção jornalística e o relatode como foi produzido este Projeto Experimental.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

BÁRBARA MIDORI NOMURA

DAVID DA SILVA JUNIOR

OTÁVIO AUGUSTO ANTUNES DA SILVA

RAFAEL OLIVEIRA JORGE

REGINEI DOMINGOS DE MORAIS

Assembleia do Povo

O QUE IMPORTA É O QUE A GENTE É!

CAMPINAS

2009

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BÁRBARA MIDORI NOMURA

DAVID DA SILVA JUNIOR

OTÁVIO AUGUSTO ANTUNES DA SILVA

RAFAEL OLIVEIRA JORGE

REGINEI DOMINGOS DE MORAIS

Assembleia do PovoO QUE IMPORTA É O QUE A GENTE É!

Relatório de Fundamentação Teórica elaborado como

exigência parcial para aprovação na disciplina Projeto

Experimental, da Faculdade de Jornalismo, do Centro

de Linguagem e Comunicação, da Pontifícia

Universidade Católica de Campinas, sob a orientação

do Profª. Drª. Ivete Cardoso do Carmo Roldão.

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Campinas, 2009

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Ficha catalográfica

Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação – SBI –

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

m301.242098161 Nomura, Bárbara Midori.N811a Assembléia do povo: o que importa é o que a gente é./Bárbara Midori Nomura; David da Silva Junior; Otávio Augusto Antunes da Silva; Rafael Oliveira Jorge; Reginei Domingos de Morais. - Campinas: PUC Campinas, 2009.

115 p. Modalidade: vídeo documentário Orientador (a): Ivete Cardoso do Carmo Roldão. Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo.

1. Movimentos sociais – Campinas (SP) 2. Campinas (SP) - História 3. Urbanização – Campinas (SP) 4. Narrativas pessoais I. Silva Junior, David da II.Silva, Otávio Augusto Antunes da III. IV. Jorge, Rafael Oliveira V. Morais, Reginei Domingos de VI. Roldão, Ivete Cardoso do Carmo. VII. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo VIII. Título.

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RESUMO

O documentário apresenta em narrativa fragmentos de memórias de militantes da Assembleia do

Povo, movimento social urbano campineiro, constituído sobretudo por favelados, que teve seu auge

de 1979 a 1982. O vídeo parte de relatos para contar a versão dos militantes sobre a história do

movimento e trabalha momentos importantes, como os atos em frente à Prefeitura, e conquistas,

como o direito à terra e à cidadania. Além do documentário, o DVD possui extras, como um vídeo

do reencontro, por nós organizado, dos ex-militantes do movimento, um vídeo com trechos de

entrevistas com os ex-assessores e um making-off. Este relatório de fundamentação teórica

apresenta um breve histórico da urbanização de Campinas e da Assembleia do Povo neste contexto,

uma breve discussão teórica sobre a relação entre documentário e produção jornalística e o relato

de como foi produzido este Projeto Experimental.

Palavras chave: Campinas. Assembleia do Povo. Documentário.

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SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................................. 7

1. A Representação Jornalística do Tema .......................................................................... 10

1.1. Campinas e a Assembleia do Povo .............................................................................. 10

1.1.1. Início da urbanização em Campinas ......................................................................... 10

1.1.2. Década de 1950: surgem as favelas .......................................................................... 12

1.1.3. Década de 1970: cresce a população favelada e a efervescência social ................... 14

1.1.4. Assembleia do Povo ................................................................................................. 19

1.1.4.1. A Lei da Terra ....................................................................................................... 24

1.1.4.2. Seminário Nacional de Favelas ............................................................................. 26

1.1.4.3. Eleições e posicionamento político ....................................................................... 27

1.1.4.4. Mutirões pela urbanização ..................................................................................... 28

1.1.4.5. A Prefeitura e a urbanização ................................................................................. 31

1.1.4.6. A luta esfria ........................................................................................................... 33

1.1.4.7. A herança ............................................................................................................... 35

1.2. Concebendo um documentário sobre a Assembleia do Povo ...................................... 37

1.2.1. Limites entre documentário e telejornalismo ........................................................... 37

1.2.1.1. Documentário: cinema X jornalismo .................................................................... 39

1.2.1.2. Cinema direto e cinema verdade ........................................................................... 40

1.2.2. A opção pelo documentário ...................................................................................... 43

1.2.3. Concepção do vídeo: proposta ................................................................................. 44

1.2.3.1. Dispositivo ............................................................................................................ 44

1.2.3.2. Questões éticas consideradas ................................................................................. 45

2. Procedimentos para a execução do Projeto Experimental .............................................. 48

2.1. Processo de Pesquisa ................................................................................................... 48

2.1.1. Localização das fontes .............................................................................................. 50

2.2. As etapas da Produção jornalística .............................................................................. 52

2.2.1. Seleção de fontes ...................................................................................................... 52

2.2.1.1. Lideranças entrevistadas ........................................................................................ 53

2.2.1.2. Assessores entrevistadas ....................................................................................... 55

2.2.2. Pautas ou pré-roteiro ................................................................................................ 56

2.2.3. Trabalho de campo ................................................................................................... 57

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2.2.4. Processo de edição ................................................................................................... 61

3. Apresentação do produto final ....................................................................................... 62

3.1. Justificativa .................................................................................................................. 62

3.2. Público alvo ................................................................................................................. 62

3.3. Custo/Gastos ................................................................................................................ 63

3.4. Viabilidade de divulgação ........................................................................................... 63

Considerações finais ........................................................................................................... 65

Referências ......................................................................................................................... 66

Anexos ................................................................................................................................ 71

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Introdução

Assembleia do Povo: O QUE IMPORTA É O QUE A GENTE É! é um vídeo

documentário sobre a Assembleia do Povo, movimento social urbano, de Campinas,

composto por favelados que lutaram para ganharem a posse definitiva da terra e melhorias

nos bairros onde moravam. Semanalmente cada favela fazia uma reunião para levarem as

reivindicações no Centro Pastoral Pio XII, a fim de discutirem com as demais favelas e

assessores técnicos. Com as propostas em mãos, os favelados se dirigiam ao saguão da

prefeitura, e em assembleia, discutiam as propostas e cobravam as promessas da

administração municipal.

Os favelados tiveram a assessoria de arquitetos urbanistas, advogados, religiosos

entre outros profissionais e estudantes. Todos juntos conseguiram fazer com que os antes

favelados, se transformassem em cidadãos campineiros.

O documentário apresenta, em narrativa, fragmentos de memórias de militantes da

Assembleia do Povo, que teve seu auge de 1979 a 1982. O vídeo parte de relatos para

contar a versão dos militantes sobre a história do movimento e trabalha momentos

importantes, como os atos em frente à Prefeitura, e conquistas, como o direito à terra e à

cidadania.

Para complementar o documentário, decidimos produzir extras que ajudassem a

contar a história da Assembleia do Povo e até da produção do documentário. No DVD

estão um vídeo do reencontro (para que todos, mesmo os que não entraram no

documentário, tivessem suas histórias documentadas), trechos das entrevistas dos

assessores (que ajudam a contar melhor a história do movimento) e o making-off (que

mostra a nossa alegria em documentar as memórias dos militantes).

A ideia de trabalhar este tema no projeto experimental de conclusão de curso foi

dada por dois integrantes do grupo, Reginei Domingos de Morais e Otávio Augusto

Antunes da Silva, que ao ouvirem relatos sobre a Assembleia do Povo durante a militância

do Movimento Eclesial (o primeiro) e Estudantil (o segundo), tiveram sempre a vontade de

se aprofundarem no tema. Os outros três integrantes, vindos de outras localidades, ao ouvir

os primeiros relatos tiveram interesse em conhecer a história do movimento, para a

produção de um registro das memórias dos protagonistas, aqueles moradores das favelas

que o lideraram .

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Muitos desses favelados não tiveram oportunidades de estudar, alguns são

analfabetos, outros tem pouca leitura e escrita, mas gostariam de ter registrado toda a luta.

Essa foi a motivação maior da escolha pelo documentário, já que o audiovisual não exige o

domínio da leitura. Assim, a opção pelo vídeo se deu pela possibilidade de fundir imagem

e som no local de moradia dos personagens, além de tornar o registro acessível a um dos

públicos alvo prioritários do trabalho: os próprios moradores das favelas.

Nosso objetivo, ao fazer o registro histórico do movimento Assembleia do Povo em

formato de documentário, é possibilitar que as experiências desse movimento possam ser

apropriadas pelas futuras gerações e suscitar o debate acerca de dilemas contemporâneos

das grandes metrópoles. E, assim, contribuir para os debates em torno dos movimentos

sociais urbanos, do direito à cidadania, da participação popular, da organização social e do

direito à terra, principais assuntos a permear o tema.

O trabalho tem importância como registro histórico e de memória para os

moradores dos bairros ou das favelas que ainda hoje lutam por condições mínimas de

saneamento e urbanização, além de outros movimentos por qualidade de vida, como saúde

e educação. As pesquisas já desenvolvidas sobre a Assembleia do Povo permanecem

dentro dos limites da academia, conforme será discriminado em outro momento deste

relatório, o que faz com que aos poucos uma parte da história seja perdida de vista pelos

moradores da periferia de Campinas. Desta forma, produzir um documentário a partir

dessas pesquisas já realizadas e dos depoimentos de quem viveu essa história se justifica

como uma opção desse grupo de futuros jornalistas, em atuar com e para um segmento da

sociedade, via de regra, excluído dos meios de comunicação.

Para a melhor compreensão desta história, no primeiro capítulo deste relatório

apresentamos uma cronologia com os principais aspectos da história da urbanização do

município. Passando rapidamente pelo início da urbanização, com ciclo do açúcar e do

café, seguindo pela contratação do engenheiro arquiteto Prestes Maia que elaborou o Plano

de Melhoramentos Urbanos de Campinas, o surgimento e o ápice das favelas, até

chegarmos ao que foi a Assembleia do Povo, suas lutas, conquistas e a herança deixada.

Na segunda parte do primeiro capítulo, nossa intenção foi demonstrar os limites

entre documentário e telejornalismo, nossa área de estudos. Procuramos apresentar a teoria

que dá bases de sustentação ao projeto e permite sua construção, estabelecimento de

linguagem e formato.

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No segundo capítulo, traçamos uma espécie de diário de bordo da equipe que

mostra como caminhamos com o projeto, desde a etapa de pesquisa bibliográfica,

documental e entrevistas passando pelas etapas da produção (seleção de fontes, gravação

etc.) até a finalização do vídeo. Nesse diário, abordamos a importância de utilizar métodos

funcionais de entrevista ao conversar com idosos e por isso apresentamos resumidamente

os resultados de nossa breve pesquisa sobre algo fundamental em nossa produção, a

entrevista. Mostramos também em que momentos e os porque tomamos determinadas

decisões, para a chegarmos ao resultado esperado.

No terceiro e último capítulo, apresentamos com maior detalhamento o nosso

público alvo e nossa justificativa da importância de apresentar o documentário para esse

público. Além disso, apresentamos nossos custos e traçamos estratégias e metas de

divulgação e distribuição, para que possamos cumprir nosso objetivo e contribuir para os

debates no espaço público.

Acreditamos assim que a fundamentação de nosso trabalho, por meio deste

relatório, poderá dar ao estudante e/ou pesquisador que buscá-la, uma contribuição ao

estudo da produção de documentários no meio universitário.

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1º Capítulo

A Representação Jornalística do Tema:

1.1. Campinas e a Assembleia do Povo

Para entender o movimento de favelados denominado Assembleia do Povo, é

necessário primeiro compreender as transformações ocorridas em Campinas durante todo o

período de urbanização do município.

1.1.1. Início da urbanização em Campinas

O desenvolvimento de Campinas, antes de sua industrialização e consequente

urbanização, se deu em dois períodos, o ciclo da cana e o ciclo do café. Não houve um

marco divisório entre eles. “Enquanto o café surgia paulatinamente, o açúcar ainda

prosperava” (PUPO, 1969 apud BAENINGER, 1992, p. 24). A cultura do café teve seu

auge por volta de 1870, momento em que surgiram as primeiras indústrias do município.

Para Badaró (1996), no período entre 1870 e 1888, quando crescia a instalação de

indústrias e o setor financeiro era estimulado, a população operária evitava as áreas

valorizadas, nas proximidades das industriais, seus locais de trabalho, buscando áreas

periféricas, próximas às saídas do município. Algumas indústrias, também se instalaram

longe do centro. “Santa Cruz, na saída para Mogi, se revigorou. Despontaram os bairros do

Fundão (Ponte Preta), saída para São Paulo e Valinhos, e Bonfim, saída para Rebouças,

Vila Americana e Limeira” (BADARÓ, 1996, p. 30).

Com a libertação dos escravos, a chegada de imigrantes europeus para suprir a

demanda de mão-de-obra e o inicio de uma industrialização ainda arcaica, o município

cresceu. “Em 1872 a população de Campinas era constituída por 33.000 habitantes, sendo

que destes, 14.202 estavam localizados na sede do município” (BADARÓ, 1996, p. 26). Já

em 1888, o município passou a ter 50 mil habitantes, 20 mil na área urbana e 30 mil na

área rural. Com três surtos de febre amarela, entre 1889 e 1897, o número total de

habitantes do município caiu para 5 mil.

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Para controlar novos surtos, a Intendência Municipal se viu obrigada a criar

medidas de infra-estrutura e higiene em Campinas. As medidas cumpriram os objetivos

pensados e em 1900, a população urbana já era de 19 mil habitantes. Baeninger (1992, p.

38) afirma que com a chegada de novas pequenas indústrias, a população cresceu,

atingindo, em 1934, uma população de 132.819 habitantes.

Campinas não tinha estrutura para suportar tamanha população. Segundo

Carpintero (1991), com o fluxo migratório da década de 1920, surgiram os cortiços e os

bairros periféricos. Para controlar o crescimento, implantar o saneamento necessário e

padronizar o ambiente urbano, satisfazendo a elite campineira, a administração municipal

contratou o engenheiro arquiteto Prestes Maia, que traçou em 1934 o Plano de

Melhoramentos Urbanos de Campinas, conhecido como “Plano Prestes Maia”.

As primeiras providências tomadas pela administração municipal ao contratar o

engenheiro, foi instalar a Seção de Arquitetura e Urbanismo, reestruturar o Serviço de

Cadastro e de Estatística, e criar a Comissão de Urbanismo para dar suporte aos estudos.

Ainda em 1934, também foi criado o Código de Construção, que determinava regras sobre

as dimensões das vias, calçadas, altura de prédios e recuos. Com o código:

Foi instituída a censura estética dos edifícios, criaram-se normas especiais para casas populares e operarias e os cortiços definitivamente proibidos. As construções coletivas, públicas, privadas e institucionais foram detalhadas. Permaneciam as quatro zonas concêntricas1 e estabelecia-se a hierarquia viária assumindo a articulação da rede (PAOLI, 2000, p. 71).

Em 1936 foi criada a Comissão de Melhoramentos Urbanos. Todas as propostas do

trabalho de Prestes Maia com a comissão foram instituídas pelo Ato Municipal nº 118 de

23 de abril de 1938 que aprovou o Plano de Melhoramentos, “[...] sem que fossem

estipulados prazos para início e conclusão das obras propostas. Nas condições preliminares

do Ato nº 118, esta estratégia é justificada pelo fato de não impor ao município grandes

despesas e demolições precipitadas” (BADARÓ, 1996, p. 89).

As propostas do Ato nº 118 baseavam-se em: melhorar o sistema viário, canalizar o

tráfego interurbano ou rural, vias centrais de trânsito rápido, alargamento de ruas,

prolongação de avenidas, criar amplos parques com vegetação abundante, entre outros. Em

relação às unidades residenciais, seriam instaladas unidades escolares perto das moradias, 1 A cidade tinha um zoneamento compreendido em centro comercial, área já edificada, novos loteamentos e área de expansão.

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locais para lazer e práticas esportivas, comércio e sistema de transporte. Entre 1937 e 1945

Campinas, ganhou uma extensão em áreas construídas. “Na condição de bairros industriais

e proletários, desenvolveram-se a Vila Nova, o São Bernardo e a Vila Teixeira, a Vila

Marieta, houve a expansão e adensamento da Ponte Preta e da Vila Industrial”

(CARPINTERO, 1991, p. 50).

No início da década de 1940, a prefeitura pretendia implantar uma Política

Habitacional dirigida à classe trabalhadora. Paoli (2000) conta que tal fato criou uma

segregação sócioespacial no município. A Lei nº 19 de 23 de junho de 1948, que dispõe

sobre a construção de habitação proletária em determinadas zonas, proposta pelo vereador,

engenheiro e arquiteto Eduardo Badaró, reviu o decreto de Lei nº 82 de 26 de dezembro de

1940, que dispunha da estabilização de normas para facilitar a formação de núcleos de

habitação tipo mínimo e construção de habitações econômicas. Para Badaró (1996), com

esta medida, o vereador trouxe de volta as condições para construção das moradias de tipo

mínimo e de tipo econômico, atribuindo à Prefeitura a responsabilidade de fornecer aos

interessados o projeto arquitetônico e de prestar assistência técnica à obra gratuitamente,

contanto que a área de construção pretendida não ultrapassasse a área de 60 m² e que o

proprietário não possuísse outro prédio residencial no município (BADARÓ, 1996, 113-

114). A construção dos cortiços continuou proibida e o município ganhou novas

habitações.

1.1.2. Década de 1950: surgem as favelas

A década de 1950 foi marcada pelo surgimento de favelas, verticalização do

Centro, aumento da segregação socioeconômica da população carente e projeção do

município como importante centro industrial. Segundo Baeninger (1992), até então, a

inexistência das favelas mostrava competência administrativa municipal.

O baixo custo dos lotes, ofertados em grande quantidade nos primeiros anos da década de 50, facilitou a construção de habitações operárias em terrenos próprios, com amparo técnico da Prefeitura Municipal, segundo a Lei nº 19 de 23/6 de 1948, registrando-se até 1965 nada menos que 18.790 habitações proletárias construídas por este processo (BADARÓ, 1996, p. 137).

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Não se pode afirmar ao certo a data e o local em que se instalou a primeira favela

em Campinas. As primeiras reportagens2 a tratarem do assunto são da década de 1960, mas

apontam a década anterior como sendo a do surgimento das favelas. As reportagens

traziam manifestações e pedidos para que a administração municipal tomasse providências

em relação ao novo problema que se alojava em Campinas.

Como exemplo, há a reportagem “Necessária a erradicação das favelas – Prefeitura

tem meios para impedir construções clandestinas”, publicada no jornal Diário do Povo em

17 de janeiro de 1963. Segundo a reportagem, “as favelas que se instalaram na Vila

Olímpia, Vila Georgina e outros pontos, não podem ter tido suas plantas aprovadas nem

fornecidas pela Prefeitura. Logo, são clandestinas”.

A reportagem “Estas são as soluções para o desfavelamento”, do jornal Diário do

Povo, em 10 de setembro de 1969, mostra que um levantamento da Secretaria do Bem

Estar, registrou cerca de 400 famílias em terrenos da Prefeitura. Para tirar estas pessoas de

suas casas, a administração municipal, deslocou os favelados para residências transitórias

onde ficariam por seis meses, prazo dado para que comprassem uma casa.

Segundo Lopes (1997), as favelas surgiram em Campinas no momento em que o

país moldava sua infra-estrutura à maciça industrialização (fim da década de 1950), onda

que também atingiu o município. Os investimentos da prefeitura na época eram revertidos

quase que exclusivamente para a reforma das bases urbana e industrial, o que manteve a

economia campineira entre as mais representativas do país e deixou a população de baixa

renda no total abandono. Campinas tinha potencial para aumentar sua planta industrial

cada vez mais, pois possuía imóveis e mão-de-obra mais baratos que as capitais.

A partir de 1960, o município tornou-se eixo da expansão industrial do Estado.

Segundo Baeninger (1992, p. 12), a relativa descentralização da atividade industrial a partir

da Região Metropolitana de São Paulo conduziu Campinas ao crescimento econômico e

populacional acelerado. Além disso, a integração do mercado de trabalho e subordinação

da agricultura à indústria contribuiu para que novos incentivos estatais beneficiassem a

região.

Para resolver o problema da moradia popular, em 1960 a Prefeitura passou a

planejar as casas populares e em 1961 prorrogou o prazo de regularização das construções

clandestinas. Para Paoli (2000), em 1965 a medida adotada foi a construção de casas

2 Em pesquisa realizada no acervo da Rede Anhanguera de Comunicação, o grupo não conseguiu localizar nenhum jornal da década de 1950 com informações sobre o assunto.

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populares com a atuação da Companhia de Habitação Popular de Campinas (COHAB-

Campinas). Durante todo este período, o município sofreu transformações econômico-

sociais que reproduziram o padrão periférico urbano peculiar às grandes concentrações

metropolitanas, “tanto pelos baixos níveis de remuneração da classe trabalhadora,

reforçando a relação capital-trabalho, como pela carência de políticas sociais”

(PATARRA, 1989 apud BAENINGER, 1992, p. 15). A taxa de crescimento manteve ritmo

acelerado neste período. Segundo Barninger (1992, p. 69), Campinas passou de uma taxa

de crescimento de 3,7% ao ano, entre 1950 e 1960, para 5,5% ao ano, em 1960-70. A taxa

de crescimento anual chegou a 5,9% na década de 1970.

1.1.3. Década de 1970: cresce a população favelada e a efervescência social

Ainda na reportagem “Estas são as soluções para o desfavelamento”, do jornal

Diário do Povo, publicada em 10 de setembro de 1969, a Secretaria do Bem-Estar Social

mostra que as 400 famílias de favelados, já citadas, cerca de duas mil pessoas, viviam em

condições insalubridades (são citadas as favelas do Grameiro e do Jardim do Trevo).

Naquele período, para a Prefeitura, a solução era a construção de casas pela COHAB-

Campinas. Para remover os favelados dos barracos, a Secretaria em conjunto com a

COHAB lançou o projeto das casas transitórias, onde o favelado moraria por seis meses até

conseguir guardar dinheiro para comprar uma casa financiada pelo Banco Nacional de

Habitação (BNH). “Assim, a política predominante na cidade nas décadas de 60 e 70 foi a

do desfavelamento e da remoção, sob o controle irrestrito e arbitrário da Secretaria de

Bem-Estar Social, ou Promoção Social” (PAOLI, 2000, p. 116).

O Brasil viveu no período do governo do General Emílio Médici (1969 a 1974),

ainda sob a Ditadura Militar, o “Milagre Econômico”, crescimento econômico

acompanhado de concentração da renda e da pobreza. “Campinas, como tantos outros

municípios, procurou estabelecer diretrizes de planejamento, racionalizando seu

desempenho político-administrativo, para melhor se inserir no intenso processo de

modernização do país” (LOPES, 1997, p. 60). Para ter um crescimento organizado, foi

criado o Plano Diretor de Campinas. De 1971 a 1973, o plano direcionou dinheiro para as

casas transitórias e também para o plano habitacional a cargo da COHAB.

Segundo a reportagem “A promoção do favelado numa análise profunda”, do jornal

Correio Popular, no dia 31 de outubro de 1973, oito favelas de Campinas, localizadas nos 14

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bairros Jardim Nossa Senhora Auxiliadora, Jardim do Trevo, Jardim Dom Vieira, Vila

Carminha, Jardim São Pedro e Parque da Figueira, tiveram destinos diferentes com o plano

das casas transitórias, sendo que quatro famílias foram encaminhadas a casas da COHAB e

199 foram encaminhadas para compra de terrenos. Segundo Lopes (1997), as casas

transitórias ajudaram na valorização imobiliária de alguns pontos da cidade, como

aconteceu perto da lagoa do Taquaral.

Exemplo disto é o loteamento de alto padrão em torno da lagoa do Taquaral, onde ficam os bairros do parque Taquaral e Nossa Senhora Auxiliadora. Próximo deste local, em direção à rodovia Dom Pedro I, foram construídas as vilas da COHAB – Costa e Silva e Miguel Vicente Cury – supostamente para abrigar favelados removidos da região do Taquaral, com a extinta favela do Grameiro (LOPES, 1997, p. 64).

Para esta autora, o programa de casas transitórias não obteve resultado, pois a

maioria da população carente não conseguia em seis meses atender às exigências feitas

pelo BNH. Enquanto isso, novas famílias chegaram a Campinas ocupando áreas livres de

uso comum do povo, como praças e margens de mananciais.

Baeninger (1992, p. 75) aponta que no “período 1970-80, Campinas foi o principal

pólo receptor dos fluxos migratórios no interior do Estado de São Paulo”. As principais

origens dessas pessoas eram os estados de Minas Gerais e Paraná, e a Região

Metropolitana de São Paulo. A socióloga explica que a maioria das pessoas vindas dos

estados vizinhos tinha como destino as favelas, enquanto a maioria vinda da Região

Metropolitana de São Paulo representava mão de obra qualificada e recurso humano para

os centros de pesquisas e universidades campineiras.

Segundo a reportagem “A promoção do favelado numa análise profunda”, de 31 de

outubro de 1973, do jornal Correio Popular:

Das 35 favelas existentes em Campinas atualmente, num total de 1.359 famílias, 120 famílias são procedentes da região nordeste: 53 da Bahia, 22 de Alagoas, 221 de Pernambuco, 13 do Ceará, 5 do Sergipe, 3 da Paraíba, 2 do Rio Grande do Norte e 1 do Piauí.Da região centro-oeste do país, vieram para Campinas 41 famílias, sendo vinte do Mato Grosso e 21 de Goiás. O maior índice migratório registrado em Campinas é de pessoas provenientes da região sudeste; num total de 971 famílias. Dessas, 125 vieram da capital para Campinas; 563 de outras cidades do Estado; 280 de Minas Gerais, 2 do Estado do Rio de Janeiro e 1 da Guanabara.

15

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Da região sul, vieram para Campinas 42 famílias do Paraná; 2 de Santa Catarina; 12 do Rio Grande do Sul. Além de todos esses dados concretos, a pesquisa realizada pela Promoção Social do Município acusou a vinda de mais 181 famílias não identificada em relação a sua origem.

A população favelada campineira cresceu de maneira vertiginosa. Entre 1971 e

1980 a administração pública registrou uma taxa média de crescimento de 34,6% ao ano

(enquanto a população urbana cresceu 5,83% ao ano), passando de 600 barracos no início

do período para 8.700 em 1980. Baeninger (1992, p. 85) conta que em 1971, este segmento

não representava 1% da população urbana, em 1980 já representava 7,6%.

Diante desse contexto, a relação crescimento populacional e pobreza passou a compor a pauta das discussões da administração municipal; o intenso fluxo migratório aparece como fenômeno caótico e perigoso. No final dos anos 60, e início dos 70, o migrante já aparece como bode expiatório: causa do crescente surgimento de favelas, da desorganização urbana e do aumento da mendicância na cidade (BAENINGER, 1992, p. 85).

Para Baeninger (1992), a gravidade do processo vivido na época se manifesta na

reprodução de fenômenos como o da “periferização”, do acentuado processo de rejeição ao

migrante da população mais pobre, e da formação de eixos de crescimento econômico-

populacionais que se diferenciam quanto ao tipo de população neles residentes.

Durante a Ditadura Militar, que durou de 1964 a 1985, todos os tipos de

organizações populares eram controlados, a fim de garantir ordem no país. Lopes (1997),

afirma que neste contexto surgiu em Campinas, antes da formação da Assembleia do Povo,

as Sociedades Amigos de Bairros (SABs). A administração municipal, por sua vez, criou

as Administrações Regionais (ARs), na década de 1970, para atender e controlar as

reivindicações das Sociedades. As ARs “[...]atuavam também em áreas mais específicas,

como saúde, educação, habitação e transporte” (LOPES, 1997, 75). As reivindicações das

SABs eram passada para as Administrações Regionais, que para atendê-los deveria passar

por processos de protocolos, preenchimento de formulários e espera.

Os moradores das favelas não tinham luz, água, rede de esgoto, creches e

assistência médica, como mostra a reportagem “Favela, bonita só no samba”, publicada no

jornal Diário do Povo, em 16 de maio de 1978. As famílias da favela do Jardim

Flamboyant, Vila Nogueira, Jardim Santa Lúcia e Jardim das Bandeiras, reclamavam da

falta dos mesmos recursos básicos.

16

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Os problemas urbanos se agravavam cada vez mais, não só em Campinas, mas em

todo o Brasil. Segundo Doimo (1984), na década de 1970, principalmente depois de 1974,

quando teve fim o “milagre econômico”, as contradições urbanas se avolumaram. Face à

política econômica centralizada e adversa à reprodução ampliada da força de trabalho,

“começam a surgir, com certa intensidade, ao lado do ressurgimento do movimento

operário e de outras formas de manifestação da sociedade civil, os movimentos urbanos”

(DOIMO, 1984, p. 29).

Por movimento social urbano se entende um sistema de práticas que resulta da articulação de uma conjuntura definida, a um tempo, pela inserção de agentes-surportes na estrutura urbana e na estrutura social, e de natureza tal que seu desenvolvimento tenda objetivamente para transformação estrutural do sistema urbano, ou para uma modificação substancial da correlação de forças na luta de classes, ou seja, em última instância, no poder do Estado. (CASTELLS, 1974, apud DOIMO, 1984, p. 25).

Os estudos já feitos sobre os movimentos urbanos até a década de 1970 deixam

evidentes a pouca capacidade de pressão frente ao Estado. Além disso, a debilidade

organizativa era uma de suas características marcantes. Segundo Doimo (1984), os novos

movimentos, sobretudo os que faziam frente ao arrocho salarial e às péssimas condições de

vida, não tinham base unicamente na representação do operário. Surgiam também

organizações nos locais de moradia, tais como associações de moradores, comissões de

ruas, assembleias nos bairros, mutirões e invasões de terrenos.

Como se observa, a busca de articulação entre o movimento operário e sindical com movimentos urbanos – já enunciada como Triangulação Sindicato/Fábrica/Bairro – não se resume a uma questão conceitual e acadêmica, mas é parte integrante do movimento concreto e histórico da luta de classes no Brasil (DOIMO, 1984, p. 32).

Estes movimentos lutavam contra a falta de bens e equipamentos públicos de uso

coletivo. Apesar de lutarem por causas pontuais, a importância política desses movimentos

se mostrou em acontecimentos maiores, pois ajudaram a forçar e acelerar o processo de

abertura política e articularam-se com setores da classe operária ganhando dimensões de

movimento social.

A Igreja Católica teve um papel fundamental na organização desses novos

movimentos sociais urbanos. Em qualquer localidade, era difícil apontar algo que ligasse a 17

Page 18: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

identidade dos moradores para fortalecer entidades representativas. A única coisa que unia

a maioria das pessoas eram as religiões, com crenças muito parecidas com relação à

criação do mundo e noção da responsabilidade do homem sobre o que foi criado por Deus.

Segundo Jacobi (1989), as igrejas católicas nas periferias tornam-se espaços de

consolidação da organização popular, convertendo-se em porta de entrada e suporte

institucional para novas experiências mobilizadoras.

No entanto, é preciso relativizar o papel da Igreja Católica enquanto instituição

compromissada com transformações sociais. Segundo Jacobi (1989), onde a Igreja se

assumia apoiando alguma luta local, o fazia pela opção do pároco local e não por diretrizes

da igreja. As CEBs e as Pastorais Operárias são inegavelmente embriões da emergência

dos movimentos, mas não é possível firmar um compromisso da Igreja Católica com a luta

do povo mais pobre.

Os movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980, para Costa (2006, p.14),

tornaram públicas para sociedade e Estado suas carências. Suas reivindicações vinham de

seus interesses e necessidades cotidianas. A partir do momento que ampliaram a noção de

política de seus militantes, deixaram de ser apenas alvo para ser “arena” da prática política.

A transformação das práticas sociais pelos movimentos sociais se deu através da definição de quais eram seus direitos. Esses direitos não eram mais limitados à noção de direito formal advindo das classes dominantes e do Estado – uma concepção liberal do direito que se promove pela incorporação política dos setores excluídos da sociedade para a reprodução do capitalismo. O “direito de se ter direitos”, surgido com esses movimentos sociais, colaborou para a constituição de uma nova cidadania no Brasil [...] (COSTA, 2006, p. 14).

A periferização tornou visíveis as relações de classe que já se esboçavam na

sociedade. “[...] O espaço urbano expressa antes de tudo relações sociais contraditórias

constituindo-se num “locus” potencial para a emergência de conflitos que podem vir a ter

peso na mudança qualitativa nas relações entre as classes” (DOIMO, 1984, p. 24).

A falta de infraestrutura (água, luz, transporte coletivo e pavimentação), de serviços

sociais urbanos (posto de saúde, creche e educação) e o descaso dos órgãos públicos

(processo burocrático para reivindicarem nas Administrações Regionais), provocaram, em

1979, segundo Paoli (2000), a mobilização de favelados e a organização de movimentos

reivindicatórios congregados num espaço político autodenominado “Assembleia do Povo”.

18

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1.1.4. Assembleia do Povo

Apesar do desenvolvimento de trabalhos de moradia popular, a Companhia de

Habitação Popular de Campinas (COHAB-Campinas) não conseguia combater as favelas

que não paravam de crescer. Na década de 1970, o município continuou recebendo

migrantes que estavam em busca de empregos. As favelas aumentavam e os problemas de

água, luz, asfalto, transporte público e acessibilidade também. De acordo com o padre

Benedito Ferraro3, em 1975 a comunidade religiosa de Campinas através da Pastoral da

Periferia, criou a Pastoral de Vilas Planejadas, para ajudar a cidade a encontrar soluções de

moradia para o trabalhador pobre. O surgimento deste trabalho aconteceu através das

comunidades religiosas que eram criadas dentro de cada favela para fins religiosos e que

perante as necessidades de cada bairro, viu a oportunidade de ajudar a trazer melhorias.

Segundo o Padre Benedito Ferraro, para a população o barraco era um espaço de

dignidade, partindo do pensamento que “morar debaixo da ponte é você não ter endereço,

estando em barraco você tem um endereço, mesmo sendo um barraco”. O padre conta

ainda, que a frase “para quem tem casa, favela é um problema, para quem não tem, favela é

uma solução”, do jurista brasileiro Dalmo Dallari, impulsionou o movimento da

comunidade religiosa. De acordo com o padre Ferraro, junto com os trabalhos da Pastoral

de Vilas Planejadas, ajudaram a construir o movimento dos favelados, as Comunidades

Eclesiais de Base, Pastoral Operária (fundada em 1975) e o início da oposição sindical. O

Padre Ferrado conta ainda que

neste período de 1978 a 1982 se iniciou o que chamamos lá de Assembléia de Povo, que era todo o processo de reivindicação a partir dos bairros, sobretudo os loteados, que não tinham asfalto, água, esgoto e que se iniciou o processo de reuniões aqui no Centro de Pastoral, houve inúmeras reuniões para aglutinar as inúmeras reivindicações para depois em assembléias, a gente levar para a prefeitura.

As Sociedades Amigos de Bairros, na década de 1970, se organizaram para ampliar

as reivindicações, mas que só funcionavam bem em épocas de eleições. Segundo Lopes

(1997), a receita era simples, trocavam-se melhorias nos bairros por votos. Em 1979,

paralelamente as Sociedades de Bairros, os favelados cansados da ausência de respostas

3 Em entrevista concedida ao grupo. Campinas, setembro de 2009 ((Todas as citações com referência a este nome são baseadas nesta entrevista).

19

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das Administrações Regionais, se organizaram através de assembleias, para reivindicarem

“cerca de 70 itens: água, luz, escolas, transporte, passarelas, redução do preço do asfalto,

eliminação de focos de xistoses etc” (LOPES, 1997, p. 76). Os favelados só conseguiram

se organizar e ganhar força política com a criação da Assembleia Popular, que deu bases

para o movimento de favelados da Assembleia do Povo. E as SABs de Campinas,

“rearticularam-se sob a influência dos grupos locais de oposição, que atuavam também em

áreas mais especificas, como saúde, educação, habitação e transporte” (LOPES, 1997, p.

75).

O movimento operário e sindical em Campinas também passou por reformulações

neste período, as greves dos trabalhadores ocorridas no ABCD (Região industrial formada

por sete municípios da Região Metropolitana de São Paulo) influenciaram decisivamente

sua rearticulação em Campinas. Para Lopes (1997), nesse contexto, as SABs viram que os

bairros tinham direitos e não serviam somente de currais eleitorais.

A Assembléia do Povo era um movimento de favelados e associações de moradores assessorados pela pastoral da Igreja Católica instalada em Campinas a partir da década de 70, que excluídos do processo de desenvolvimento e expansão urbana preconizados nos anos 60 reivindicavam melhores condições para vida urbana (ARAÚJO, 2007, p. 19).

Semanalmente, em cada favela, seminaristas, estudantes, profissionais como

arquitetos, advogados e assistentes sociais se reuniam com os moradores das favelas, para

discutirem os problemas do bairro. Essas pessoas que não eram faveladas, mas agentes

externos, formavam a assessoria do movimento, articuladores sociais que se dividiam em

dois grupos, um de agentes e outro de técnicos. Aos agentes cabia o trabalho de fazer

contato com os favelados e conscientizá-los da importância da luta. Aos técnicos cabia a

função de transformar as demandas dos favelados em reivindicações embasadas.

Os movimentos reivindicatórios urbanos no Brasil destacam, ao longo da sua existência, a participação de um conjunto de atores com origens e práticas políticas diferenciadas. O papel dos atores vinculados aos movimentos sociais aqui analisados, definidos como membros da comunidade e “assessores”, “articuladores sociais”, “mediadores”, ou “agentes externos” (Igreja – agentes pastorais; profissionais – arquitetos, médicos, advogados etc.; militantes e partidos políticos e organizações de esquerda) assumem uma importância na articulação e desenvolvimento das lutas. Destacam-se as representações que esses atores elaboram acerca de sua interação, práticas e concepções em relação à mudança

20

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social. Tal reflexão sobre a ação permite pensar não só como os movimentos articulam sua mobilização a partir dos seus valores de referência, mas também sobre a influência dos assessores na construção das demandas do dia-a-dia (JACOBI, 1989, p. 13).

Mensalmente, todas as favelas se encontravam no Centro Pastoral Pio XII para

unirem as reivindicações, discutirem e trocarem experiências, para depois cobrarem do

prefeito Francisco Amaral as promessas feitas durante o período eleitoral, além de expor

novas reivindicações. Ou seja, a Assembleia do Povo levava as reivindicações da

população carente formatadas pelos assessores à Prefeitura, esfera de poder que até então

ignorava as demandas.

Assim, a primeira grande Assembleia Popular4 (que depois seria conhecida como

Assembleia do Povo) foi realizada em 8 de março de 1979, nas escadarias do Paço

Municipal (Palácio dos Jequitibás), mas sem a presença do prefeito. Lá, estavam presentes

militantes das favelas da Vila Georgina, Jardim Ipaussurama, Vila Formosa e Jardim

Campos Elíseos, com a reivindicação de loteamento dos terrenos para os favelados.

Segundo Paoli (2000), também estava na pauta o acesso à água e à luz.

No rol de reivindicações da primeira Assembléia do Povo havia a proposta de parcelamento e compra das áreas públicas ocupadas por favelas. Na véspera, havia sido promulgada a Lei Municipal nº 4.865, de 7 de março de 1979, “que proibia qualquer negociação em torno da questão da posse da terra” (PAOLI, 2000, p. 117).

De acordo com a reportagem “Barraco vira casa?”, do jornal O Repórter da

Região5, de maio de 1979, neste ano havia em Campinas 63 favelas, sendo que somente

algumas possuíam água e luz e a maioria não tinha nenhum melhoramento. Para

reivindicar, “o pessoal se organiza em grupos [...]. Como por exemplo: O J.S. Marcos, J.S.

Vicente, J. Campos Elíseos, Novo J. Campos Elíseos, J. Londres e J. Santa Eudóxia;

passando todos eles a participar da Assembléia do Povo”. Aos poucos mais favelas

começaram a participar do movimento.

4 Segundo Ronaldo Simões, ex-assessor do movimento, não se sabe ao certo como o novo nome foi escolhido. “Assembleia Popular” era um nome que soava bem tanto para assessores quanto para as lideranças dos bairros. O mais provável é que o nome do movimento tenha mudado após, em discursos, Leobino Francisco de Oliveira, uma das lideranças no Campo Elíseos, dizer que deixou a Assembleia de Deus (sua igreja), para entrar na Assembleia do Povo, brincando com as palavras. 5 O jornal O Repórter da Região, segundo Ronaldo Simões, foi criado em 1978 por militantes de movimentos sociais estudantes da UNICAMP, como veículo alternativo, para informar trabalhadores de Campinas sobre assuntos relevantes, perante a omissão da imprensa local em relação às lutas sociais.

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A população favelada ao ouvir falar das reuniões no Pio XII e incentivados pelos

assessores viram na Assembleia do Povo uma ferramenta de luta que daria mais força e

representatividade aos marginalizados.

Na segunda Assembleia do Povo, em 30 de março de 1979, o prefeito Francisco

Amaral, tentou derrubar a proposta de loteamentos para os favelados (apresentada na

primeira Assembleia), “com o argumento de impedimento legal, usando como álibi o

Código Florestal da União, o decreto estadual nº 13.069 (de 29.12.78)6 e a recém-publicada

lei municipal7” (LOPES, 1997, p. 81). Como contraproposta, Amaral apresentou o

Profilurb (Programa de Financiamento para Lotes Urbanos) e prometeu não promover

nenhuma remoção até o fim do mandato.

Mesmo com a promessa do prefeito, as remoções continuaram em Campinas, como

mostra a reportagem “A periferia cobra Amaral”, de 4 de maio de 1979 do jornal Diário

do Povo, quando os moradores do Jardim São Marcos foram despejados. A reportagem,

“As máquinas param e os favelados ganham a questão”, de 26 de outubro do mesmo ano,

também publicada no Diário do Povo, mostra novas tentativas de despejo dos favelados

para serem levados para as casas do Profilurb. Porém, os moradores do Jardim Santa

Mônica, resistiram e não deixaram as máquinas soterrar cinco barracos. A prática das

remoções “foi fortalecida e veio a ser o elo articulador do movimento dos favelados, que

passaram a resistir organizadamente às ações da Prefeitura nesse sentido. O PROFILURB

foi rejeitado e, em setembro de 1980, o Prefeito reconheceu o fracasso” (PAOLI, 2000, p.

117).

Lopes (1997) aponta que, experientes, os favelados perceberam que o ideal era lutar

para permanecerem nos bairros que estavam desde que chegaram a Campinas. O Profilurb,

por sua vez, tentou tirar as famílias pobres da área central, removendo-as para regiões

distantes, como as proximidades do aeroporto de Viracopos. “Neste clima de insegurança e

revolta, as reuniões da Assembleia do Povo foram ficando cada vez mais lotadas, e a

participação em debates e em concentrações públicas já não podia ser ignorada, muito

embora a imprensa tentasse” (LOPES, 1997, p. 84). Os favelados continuaram insistindo

na venda dos terrenos a preços acessíveis e ao mesmo tempo, cobravam as necessidades

dos bairros.

6 Decreto que estabelece normas relativas ao saneamento ambiental de loteamentos urbanos ou para fins urbanos.7 A Lei Municipal nº 4.865, de 7 de março de 1979, proíbe qualquer negociação em torno da questão da posse da terra.

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A AsP voltou à Prefeitura para a quinta manifestação pública em 12 de novembro de 1979. Participaram desta vez cerca de três mil moradores da periferia. As favelas representadas eram as seguintes: J. Ipaussurama, V. Georgina, São Marcos, Santa Mônica, Bandeira I e II, V. Nogueira, V. Ipê, J. Campineiro, J. Paranapanema, J. Campos Elíseos, J. Santa Eudóxia, V. Brandina (LOPES, 1997, p.86).

Os favelados passaram a participar cada vez mais das assembleias mensais no Paço

Municipal e das articulações nas reuniões semanais no Centro de Pastoral Pio XII, com o

principal objetivo de entender políticas públicas e posicionamentos da Prefeitura.

Os acontecimentos das reuniões no PIO XII já são conhecidos por muita gente da periferia de Campinas. Os moradores de mais de 20 vilas e favelas (Jardim Ipaussurama, Jardim Sta Eudóxia, Jardim Londres, Vila Formosa, Jardim São Marcos, Jardim Campineiro, Paranapanema, Vila Brandina, J. Eulina, J. Conceição, Parque das Bandeiras 1 e 2, Taquaral, Vila Georgina, J. Sta Mônica, J. Campos Elíseos, J. Sta Cruz, J. Flamboyant, V. Guararapes, J. Sta Rita, J. São José) estão se reunindo para conversar sobre suas necessidades. Muitas dessas necessidades, como casa própria, água, luz, esgoto, escolas, existem, principalmente nas favelas e bairros mais pobres (O REPÓRTER REGIÃO, outubro de 1979).

No final de 1979, o prefeito Francisco Amaral desgastado com os setores da

política local, viajou deixando o cargo ao vice José Roberto Magalhães Teixeira, voltando

apenas no início de 1980.

Apesar dos debates internos entre os assessores e as Comunidades Eclesiais de

Base, que aconteceram neste período, a Assembleia do Povo passou a ser conhecida com

movimento de favelados, época em que gerou mais polêmica. Segundo Lopes (1997), a

mídia e os vereadores representantes dos “grandes grupos imobiliários” passaram a atacar

o movimento, sobretudo acusando as favelas de expropriar a cidade de suas áreas verdes.

No início da década de 1980, os favelados partem para legalização de suas

entidades. “Em 1980, os favelados propõem, então, a fundação de associações de

moradores de favelas [...]” (LOPES, 1997, p.101). Pela primeira vez, os favelados

providenciaram, pela constituição jurídica, a eleição das diretorias de cada associação.

23

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1.1.4.1. A Lei da Terra

Em 17 de agosto de 1980, aconteceu o primeiro Encontro de Moradores de

Barracos de Campinas, que resultou na continuidade da luta dos favelados baseada na Lei

Federal nº 4.132 de 1962 (que protege os posseiros em terrenos urbanos públicos e

privados), além do “Decreto Lei Nacional nº 271, de 1967, instituída a Concessão Do

Direito Real De Uso Por Interesse Social de terras públicas e privadas. O artigo 160/III da

Constituição Federal vigente na época reconhecia a Função Social da Propriedade”

(PAOLI, 2000, p. 143). Conhecendo e entendendo estas leis, com a ajuda dos assessores,

os favelados tiveram novos argumentos para lutarem por uma lei, que eles chamaram de

Lei da Terra, cuja finalidade era a posse definitiva da terra. O executivo apresentou projeto

de lei à Câmara, mas os vereadores foram contrários e não aprovaram, mesmo assim, os

favelados iniciaram a urbanização das favelas, por conta própria.

Em resposta aos vereadores, o prefeito Francisco Amaral criou o decreto de

Permissão de Uso da Terra por Dez anos, assinado em 29 de setembro de 1980. Os

favelados por sua vez, não desistiram do uso sobre a terra, como mostra a reportagem

“Favelados querem pleno direito sobre a terra”, do jornal Correio Popular, em 1º de

outubro de 1980. “Os favelados dos Jardins Campos Elíseos, Londres, São Marcos, Santa

Mônica e Campineiro não querem a permissão de uso, a título precário, das terras de

propriedade da prefeitura”.

Segundo Paoli (2000), no dia 14 de novembro de 1980, as escadarias do Paço

Municipal, acomodaram seis mil pessoas que, na sétima assembleia, entregaram ao prefeito

um documento elaborado a partir da Lei Federal nº 4.132 de 1962 e do Decreto Lei

Nacional nº 271, de 1967, para chegarem a Lei da Terra. Assim, em 30 de março de 1981

foi aprovada a Lei municipal nº 5.079, conhecida como a Lei da Terra, que dispunha sobre

a concessão do direito real de uso dos terrenos públicos, por interesse social e dava

providências. A Lei dizia:

O uso da terra seria exclusivamente residencial; em caráter gratuito; por tempo indeterminado; como direito real resolúvel; com clausura de impenhorabilidade e inalienabilidade, responsabilidade do concessionário pelos tributos que venham a incidir sobre o imóvel; transferência por sucessão legítima, por uma única vez assegurando-se igual direito à concubina e filtros legítimos, desde que a situação seja comprovada por três (3) testemunhas.

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Mas a aprovação não foi fácil. Para chegar à Lei 5.079, houve muita discussão

entre o poder executivo e legislativo. Em 14 de janeiro de 1981, a Assembleia do Povo

enviou ao prefeito seu projeto da Lei da Terra. O executivo já tinha seu projeto, mas havia

uma diferença fundamental entre um e outro: o projeto dos favelados previa que, “a terra

deveria ser exclusivamente destinada à moradia” (LOPES, 1997, p. 112), para não gerar

especulação imobiliária. Segundo Ronaldo Simões8, ex-assessor do movimento, “o Chico

Amaral, recebe o projeto, se confraterniza com o movimento e encaminha o projeto para a

Câmara”.

Na Câmara Municipal, vereadores demoraram algum tempo para discutir o projeto

(da Lei da Terra). Segundo Lopes (1997) a votação deveria ter ocorrido no dia 26 de

fevereiro de 1981, mas foi feita só na madrugada do dia 27, pois os vereadores teriam se

incomodado com a presença de cerca de 120 favelados. Os favelados por sua vez, “sem

dormir desde a madrugada do dia anterior, agüentando de pé sete horas de palavrório, após

um penoso dia de trabalho, e sem jantar” (Jornal de Hoje, 1981, apud Lopes, 1997, p.

113), ficaram até o fim da votação; e mesmo com o projeto da Assembleia do Povo

substituído por um novo projeto, contrariando as previsões de que a Câmara Municipal iria

abaixo, os favelados cantaram o hino nacional como protesto à substituição. O novo

projeto concedia para os favelados apenas os chamados Bens Patrimoniais.

Dessa forma, em 4 de março de 1981, a assessoria jurídica e membros da

Assembleia do Povo apresentaram ao prefeito uma proposta para acabar com o problema

gerado pelo novo projeto. “Após várias consultas juristas da área de Direito

Administrativo, verificou-se que não havia impedimento legal em decretar a desafetação

das áreas onde estão as favelas, convertendo-as em Bens Patrimoniais” (LOPES, 1997,

p.116). Com isso, o prefeito promulga a Lei nº 5.079 em 30 de março de 1981 e o Decreto

6.449.

No dia 30.03.81, considerado o dia da vitória do movimento, o prefeito promulgou a Lei da Terra (Lei nº 5.079) e o Decreto da Terra (Decreto nº 6.449), que continha um veto parcial ao substitutivo dos vereadores e determinava a desafetação das terras apenas através de decreto. Quer dizer, as favelas (antes Bens de Uso Comum do Povo) tornaram-se propriedade da Prefeitura (Bens Patrimoniais), de forma que o Executivo poderia atender à reivindicação dos favelados (LOPES, 116).

8 Em entrevista concedida ao grupo, Campinas, outubro de 2009 (Todas as citações com referência a este nome são baseadas nesta entrevista).

25

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A Lei da Terra causou reações em toda sociedade campineira. A imprensa acusava

Francisco Amaral de ser golpista e setores da população acreditavam que a lei era um ato

antidemocrático. Essa resposta da sociedade levou o prefeito a se afastar de maio a

setembro de 1981. A Assembleia do Povo lutou então, também pela permanência da nova

Lei e de Amaral, pois se falava há um certo tempo em deposição, como afirmado na

reportagem “Já é formal, o Prefeito pode ser deposto”, publicada no Diário do Povo em 7

de outubro de 1980.

1.1.4.2. Seminário Nacional de Favelas

Paralelamente às mobilizações contra a Lei da Terra, ainda em 1981, o grupo do

vice-prefeito, Magalhães Teixeira, organizou o Seminário Nacional de Favelas. Segundo

Lopes (1997), notava-se claramente os objetivos principais do evento: unir grupos

contrários à Assembleia do Povo para debaterem com membros do movimento, numa

tentativa de desmoralizar a AsP, e dar aval e representatividade a uma alternativa aos

projetos de posse da terra e urbanização apresentados pelos favelados da Assembleia do

Povo. Para garantir o controle do debate, sem margens de cobrança, a organização do

evento teria deixado de criar regras claras para o seminário e convidou apenas metade dos

poucos nomes indicados pela AsP para participar do debate. Mesmo diante disso, o

balanço foi positivo para o movimento. O Seminário Nacional começou no dia 15 de

agosto de 1981 e a primeira pauta de discussão foi “Aspectos Econômico, Social e Político

da Sub-Habitação” e “Caracterização das Favelas de Campinas” (LOPES, 1997). No

evento, intelectuais reconhecidos em todo o país, presentes a convite da Prefeitura,

defenderam as propostas da Assembleia do Povo. Um deles já defendia o movimento há

algum tempo, o jurista Dalmo Dallari.

O Dr. Dallari voltaria novamente a Campinas em 16.08.1981, desta vez como convidado da Prefeitura de Campinas, que tentava sair do impasse político criado pelo movimento de favelados da AsP. Estes defendiam a Concessão do Direito Real de Uso da Terra, para permanecer e urbanizar as áreas públicas que ocupavam há décadas. Mais uma vez o renomado jurista defendeu a legalidade da reivindicação, ao lado de outros ilustres defensores da justiça social, como o Professor e economista Paul Singer no ‘Seminário Nacional de Favelas’ (LOPES, 2008, p. 4).

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Ao termino do evento, a prefeitura não conseguiu obter o resultado desejado de

apresentar alternativa ao projeto da Assembleia do Povo, ao contrário, o documento final

tinha reivindicações e resoluções dos favelados. “Chegou a reconhecer a possibilidade de

viabilizar juridicamente a posse da terra e também a necessária participação dos favelados

em projetos de urbanização específicos” (LOPES, 1997, p. 128).

1.1.4.3. Eleições e posicionamento político

Em 1982, era chegada a hora das eleições municipais. O prefeito Francisco Amaral

deixou o cargo para se candidatar a deputado federal. O vice, Magalhães Teixeira se

candidatou a prefeito e era o favorito a ocupar a cadeira. Enquanto isso, quem assumiu a

Prefeitura foi o Presidente da Câmara de Vereadores, José Nassif Mokarzel.

Segundo Lopes (1997), o movimento também se organizou em torno das eleições

lançando pelo PT (Partido dos Trabalhadores) dois candidatos, Alcides Mamizuka

(sociólogo e assessor da AsP desde seu início) e Marlene Correia (presidente da

Associação dos Moradores da Favela do Jardim das Bandeiras e Região).

A organização dos favelados e o direcionamento de seus votos nos candidatos da

Assembleia do Povo começavam na base. Enxergava-se nas eleições um importante fator

de fortalecimento do movimento. Na busca por transformações sociais, acreditava-se que a

presença de militantes na máquina pública poderia voltar as atenções do Estado para

aquele povo marginalizado.

[...] O elemento de conscientização se dá no plano da organização de base, através de assembléias nos bairros, onde os grupos de moradores mais organizados gestam novos padrões de valores, configurando freqüentemente uma vinculação ideológica e política entre a necessidade e seus condicionantes estruturais [...] (JACOBI, 1989, p. 11).

Para Lopes (1997), a atuação de Mamizuka na Câmara de Vereadores e o

posicionamento do movimento em derrotas passadas proporcionaram “renovação

expressiva” na relação entre Assembleia do Povo e legislativo. O movimento manteria

firme sua posição política e ajudaria a eleger o petista Jacó Bittar, em 1988, substituindo

José Roberto Magalhães Teixeira. Jacó tinha como vice-prefeito um dos assessores do

movimento, Antonio da Costa Santos, que viria a se tornar prefeito em 2001.

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1.1.4.4. Mutirões pela urbanização

A partir de 1981, o movimento optou pela via da urbanização, organizou mutirões

para construção de sedes para as associações e a construção de casas, e feitura de outras

obras de urbanização seguindo projetos elaborados pelos assessores em discussões com os

favelados e com o Poder Público, tudo com base no projeto da Lei da Terra. A partir do

ano seguinte, 1982, a urbanização passou a ser objetivo principal. O problema era

organizar os favelados e uní-los em torno da causa de construir as casas em terras das quais

não tinham posse definitiva, além da falta de dinheiro, problema constantemente

enfrentado.

De 12 a 15 de fevereiro de 1982, foi organizado em Campinas o 2º Encontro

Nacional de Favelados. O município foi escolhido pela força dos movimentos de favelados

locais e pela proximidade com o bairro de Itaici, em Indaiatuba (cidade vizinha), onde se

reunia no mesmo período a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), sob o tema

“Solo urbano e ação pastoral”.

O documento final, com síntese das discussões do 2º Encontro Nacional de

Favelados foi entregue à CNBB. A carta continha 13 questionamentos à política fundiária

adotada no país e proposta de alternativa à postura do Estado, que isentava moradores de

favelas dos direitos mais básicos. O conteúdo da carta, de acordo com Diário do Povo,

1983, (apud, Lopes, 1997) dizia:

Direito de moradia sempre e para todos, terra para moradia, terra para sempre, terra não deve ser paga, terra para o inquilino, terra com todos os melhoramentos urbanos, um terreno por família, impor limites ao Direito de Propriedade, o terreno não pode ser vendido, o barraco ou casa pode ser vendida, a terra para os herdeiros, impenhorabilidade e construção de moradia, subsidiada pelo Estado.

O movimento continuou com os encontros no Centro de Pastoral Pio XII, com o

objetivo de urbanizar as favelas, seguindo os projetos elaborados pelos assessores desde

1981, todos com base no projeto da Lei da Terra. Para os projetos de casas, havia a

assessoria de moradia. “A Assessoria atuava em duas frentes: uma geral, que acompanhava

as associações de moradores nas Assembléias do Povo, audiências com o Prefeito,

instituição e órgãos públicos. Outra de caráter mais especifico e interno ao movimento”

(PAOLI, 2000, p. 155).

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Segundo Paoli (2000), a elaboração dos projetos, até agosto de 1981, foi feita em

conjunto com os moradores e cada um podia desenhar a casa que desejava. A proposta

chamava-se “Casa dos Sonhos”. A partir do trabalho em conjunto, a Assessoria de

Moradia, optou por um método de trabalho na elaboração dos projetos e atuação nas áreas,

por uma interação entre a aspiração individual e coletiva dos favelados, o que reforçava o

caráter político da luta pela terra.

Ainda de acordo Paoli (2000), a assessoria do movimento, em 1981, possuía apenas

um Plano de Urbanização Específica (PUE), para a urbanização da primeira favela, a do

Campos Elíseos. Aos poucos, desenvolveram outros planos, de acordo com as

necessidades de cada favela, mas que tinham como base comum, as ações de divisão dos

terrenos entre os moradores, cuidados com o solo e córregos, instalação do sistema de

água, luz e esgoto, e marcação de ruas.

Para marcar o início da urbanização nas favelas era necessário abrir ruas e erguer

casas de alvenaria. Os favelados foram encorajados a iniciar a construção das moradias

pelos assessores do movimento. Como a Prefeitura não destinaria todo dinheiro para os

núcleos, era necessária a ajuda coletiva no trabalho de urbanização, fabricação de tijolos e

melhorias gerais. Crianças, adultos e idosos trabalhavam aos fins de semana para o

beneficio de todos os favelados. As mulheres também cooperavam e preparavam o almoço

para os trabalhadores do mutirão.

Os integrantes da comissão de moradia queriam que os favelados tivessem

participação ativa neste processo. Para isso, explicavam a cada morador, de forma simples,

a leitura técnica da arquitetura e urbanização. Os favelados tinham que ser construtores do

espaço pelo qual estavam batalhando desde as primeiras reivindicações da Assembleia do

Povo. “A assessoria dos arquitetos da AsP foi fundamental para organização dos favelados

no processo de urbanização do local de moradia” (LOPES, 1997, p. 137).

Tanto os planos como as obras executadas pelos favelados em seus bairros, eram

feitos em mutirão, que para Ermínia Maricato (1978), é um ajuda coletiva de

espontaneidade e solidariedade entre as pessoas que objetivam a melhoria de habitação no

país.

[...] como vantagem do mutirão a possibilidade de um maior contato do morador produtor com a habitação produto, permitindo-lhe uma visão integrada de processo produtivo e portanto um contato desalienante com

29

Page 30: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

o produto, já que o morador acompanha, decide e executa os mínimos detalhes da própria habitação [...] (MARICATO, 1979, p. 72).

Em 1981 foi criada uma cooperativa para a fabricação de tijolos. O Jardim Campos

Elíseos, sob o comando do então presidente Leobino Francisco de Oliveira, começou a

produção voltada a atender demandas dos próprios moradores e das favelas que

encomendassem os tijolos. Segundo Leobino9, ele chegou a produzir cerca de oito mil

tijolos.

A urbanização de favelas com a participação popular, segundo Lopes (1997), teve

início em junho de 1981. “Todas as associações e a assessoria participaram de um mutirão

na favela do jardim Campos Elíseos, inaugurando simbolicamente este nova etapa do

movimento” (LOPES, 1997, p. 138). Neste dia, os favelados abriram um caminho na

favela, orientados pelos assessores e pelo PUE. Os demais mutirões realizados, além de

objetivar a urbanização, mostravam à Prefeitura que “apesar da resistência à Lei da Terra,

eles não tinham nenhuma proposta que solucionasse o problema da moradia para essa

população” (PAOLI, 2000, p. 153). Ao mesmo tempo, os assessores do movimento

incentivavam os favelados a aprenderem as técnicas de obras na teoria e na prática. De

acordo com Maricato (1979) a autoconstrução (quando os moradores constroem a própria

moradia) e o sistema de mutirão, mostram um problema político habitacional de cada

município.

A importância quantitativa (e qualitativa) da autoconstrução junto ao proletário das grandes cidades dos países capitalistas dependentes mostra que os programas e políticas oficiais estatais de habitação são muito menos importantes na produção da habitação popular do que querem fazer crer os relatórios técnicos oficiais. É principalmente através da autoconstrução que a maioria da população trabalhadora resolve o problema da habitação, trabalhando nos fins de semana, ou nas horas de folga, contando com ajuda de amigos ou parentes, ou contando apenas com a própria força de trabalho (marido, mulher e filhos) (MARICATO, 1979, p. 72-73).

Neste contexto, os mutirões construíam a casa de cada favelado e decidiam os

próximos passos da Assembleia do Povo. A urbanização também enfrentou problemas

internos, pois as famílias tinham insegurança em construir sem a posse definitiva da terra.

9 Em entrevista concedida ao grupo. Campinas, setembro 2009.30

Page 31: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

A urbanização só seria viável mediante a adesão de todos os moradores da favela, caso contrário poderiam ocorrer impasses nas tarefas coletivas de abertura de caminhos, deslocamentos de barracos, obedecendo à demarcação dos lotes, discutidos com os assessores arquitetos (LOPES, 1997, p. 141).

1.1.4.5. A Prefeitura e a urbanização

Em 1982, os favelados conseguiram novas conquistas. Segundo Lopes (1997),

Francisco Amaral destinou Cr$ 100 milhões do orçamento anual para urbanizar três favelas

com PUEs protocolados. “Parque D. Pedro II, jardins Novo Campos Elíseos e

Flamboyant” (LOPES, 1997, p. 142). No final do ano, a assessoria protocolou mais seis

PUEs, “para as favelas do parque Universitário (favela 73), jardins Campos Elíseos (favela

28), Londres (favelas 26 e 81), D. Pedro II (favela 72) e São Cristovão (favela 39)”

(LOPES, 1997, p. 142). Ainda neste ano, o parque Universitário ganhou a permissão de

uso por dez anos.

Em 1982, Francisco Amaral deixou o cargo de prefeito para se candidatar deputado

federal. Em seu lugar ficou o então presidente da Câmara, José Nassif Mokarzel, que

assinou o Decreto de Permissão de Uso por Dez Anos para as favelas Dom Pedro II, Vila

Lurdes e São Cristovão.

Ao assumir o cargo de prefeito, Magalhães Teixeira prometeu que sua

administração resolveria os problemas da moradia em Campinas. “Quanto aos Planos de

Urbanização Específica (PUEs) já protocolados, Magalhães Teixeira defendeu que os

técnicos da Prefeitura dessem seu parecer, pois o poder municipal não abriria mão de

administrar a urbanização” (LOPES, 1997, p. 146). Logo, a Administração Pública

aprovaria outro PUE, por discordar da maneira como o plano em vigor desde a gestão

anterior previa a urbanização e o impedia “de alterar o rumo dos trabalhos de urbanização

de parte das favelas” (LOPES, 1997, p. 147).

O prefeito Magalhães Teixeira também adotou uma medida jurídica, como explica

a reportagem “Decreto proíbe novos barracos nas favelas”, do dia 23 de agosto de 1983, do

jornal Correio Popular.

Em decreto assinado ontem, o prefeito José Roberto Magalhães Teixeira proibiu a construção de novos barracos nas favelas em Campinas, além da comercialização – seja venda, compra ou aluguel – das subabitações já existentes em 84 núcleos na periferia da cidade.

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Page 32: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Aos poucos, favelas mudaram de aparência, parecendo com bairros populares, mas

“desta fase em diante, as associações foram se frustrando, a organização se afrouxou e o

trabalho no interior das favelas tornou-se cada vez mais difícil, assim como a articulação

com as demais favelas” (LOPES, 1997, p. 149).

O início das obras foi demorado. Segundo a reportagem do Correio Popular, de 4

de agosto de 1985, “Apenas duas favelas já foram urbanizadas”:

Das 83 favelas de Campinas, apenas uma foi urbanizada pela Prefeitura Municipal: a do Parque Dom Pedro II. Mas, uma outra, localizada no Jardim Campos Elíseos, recebeu também urbanização, do governo estadual através de um deputado da cidade, para quem os moradores solicitaram ajuda há um mês atrás.

Segundo o gerente do Setor de Urbanismo de Favelas da Prefeitura, Carlos

Armando Conagin, ainda na mesma reportagem do Correio Popular, até o final de 1985,

25 PUEs estariam definidos para aplicação técnica. A Prefeitura teria capacidade para

urbanizar quatro favelas por mês.

As primeiras áreas urbanizadas foram as mais distantes do Centro, locais em que o

Prefeito anterior apoiara ocupação. À urbanização, se seguiu a concessão do Direito de

Uso Real da Terra, como mostra reportagem “Prefeitura entrega hoje títulos de posse da

terra” do jornal Correio Popular, publicada em 25 de abril de 1987.

[...], o prefeito Magalhães Teixeira concretizará as esperanças de 105 famílias, entregando os títulos de concessão de uso da terra, que se estabelecerão no Novo Parque e no Parque D. Pedro II. Às 15h30, na favela do Parque D. Pedro II, 2ª parte, 51 famílias receberão os títulos e, às 17h30, 56 famílias se integrarão na posse para uso da área, em casas de alvenaria, no Núcleo Residencial Novo Parque, de cujo total de beneficiados, duas famílias deixarão de receber os seus títulos hoje, em virtude de problemas na documentação.

De acordo com a reportagem, os terrenos das casas medem 10,7x18m, e abrigavam

na época residências já em fase final de conclusão, sem acabamento. A área foi cedida pela

Prefeitura e as moradias construídas com recursos dos próprios beneficiados, que residiram

em barracos nos fundos dos terrenos até conclusão das obras. As famílias não podem

vender, alugar ou efetuar qualquer transação com o imóvel.

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Page 33: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Para Lopes (1997), os dados de setembro de 1998 da Gerência de Urbanização de

Favelas, subordinada à Secretaria de Promoção Social, revelaram que a Prefeitura

continuava cedendo títulos de posse definitiva da terra, mas sem obras de infra-estrutura

previstas no PUE.

De dezembro de 1984 a julho de 1988, foram entregues títulos a 17 favelas: Pq. D. Pedro II, Pq. Universitário, Jd. Santa Lúcia, Jd. Nova Conceição, Jd. Nova América, Jd. Ipaussurama, Jd. Santana (favela 22), Jd. Maria Rosa, Jd. Campos Elíseos, Descampado, Área Emergencial, Santa Lúcia, Nossa Senhora de Lourdes, San Martin, Real Parque, Souzas, Guararapes (LOPES, 1997, p. 153).

1.1.4.6. A luta esfria

Em todo o Brasil, durante a década de 1980, os movimentos sociais urbanos

tiveram lógicas muito parecidas. Segundo Jacobi (1989), eles não teriam agido com o

propósito de transformar a sociedade, mas, como grupos de pressão sobre o Estado, teriam

agido “para obter respostas concretas a suas demandas, através de dinâmicas diferenciadas,

porém pautadas por um maior ou menor enquadramento institucional” (JACOBI, 1989, p.

11). Ainda para Jacobi (1989), isso faria com que o ciclo de vida e o alcance dos

movimentos indicassem sua dimensão institucionalizada.

A maioria dos movimentos não apresenta desdobramentos mais amplos, apesar das tentativas e do voluntarismo de militantes partidários que atuam em diversos bairros. Estes apresentam um ciclo de vida bastante preciso, passando por estágio de maior e menor mobilização, mas configurando um processo onde a consecução das metas imediatas representa geralmente o fim da mobilização. A sobrevivência de alguns movimentos ao longo dos anos reflete sobretudo a capacidade das lideranças em manter níveis significativos de participação, expressos na contraposição às formas tradicionais de mobilização (JACOBI, 1989, p. 11).

A Assembleia do Povo, como outros movimentos sociais urbanos, seguia uma

lógica parecida. O movimento unia organizações locais para lutarem por causas pontuais,

como água encanada, tubulação de esgoto, energia elétrica e posse da terra em cada bairro.

Isso pode ter determinado seu fim. As lideranças das favelas não sabem precisar como o

movimento acabou, mas segundo o ex-assessor Ronaldo Simões, quando determinada

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Page 34: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

liderança de favela conseguia conquistar o que reivindicava, deixava de freqüentar as

reuniões. “Os presidentes se afastaram, o Leobino (Leobino Francisco de Oliveira, do

Campos Elíseos), os Alcides (Alcides de Lima e Alcides Vieira Pinho, do Parque Dom

Pedro II) e outros, se afastaram do movimento”, conta. A favela do Parque Dom Pedro II

foi a primeira a receber o título de concessão de direito real de uso. A entrega dos

documentos foi feita pelo então prefeito Magalhães Teixeira em 1985.

Para Simões, as favelas se redefiniram dentro delas mesmas “e se voltaram para si,

para a própria urbanização. Os locais tiveram benfeitorias, como postos de saúde, creches,

casas e assim as lideranças se voltaram para cada favela. Mas sem perder a noção da

origem da conquista”, lembra.

Para compreender como o movimento perdeu força, é preciso relativizar o

abandono das lideranças, pois elas não tinham necessariamente as mesmas reivindicações.

É preciso considerar a heterogeneidade de militantes e a relação diferenciada de cada um

com sua base e com o movimento.

A heterogeneidade das lideranças provoca diferenças inevitáveis. As mais organizadas levam a luta numa relação corpo a corpo com o poder público, implicando freqüentemente em manobras que nem sempre têm aprovação da população. Por outro lado, várias lideranças, principalmente aquelas com pouca experiência de luta, se desligam do movimento ou acabam incorporadas ao poder público através da obtenção de empregos em órgãos da prefeitura. As lideranças que permanecem até o fim são aquelas com objetivos políticos mais amplos. Mas, à medida que começam a se concretizar os resultados, muitos movimentos se esvaziam, frustrando suas expectativas de transcender a luta específica. (JACOBI, 1989, p. 13-14).

Além disso, é necessário considerar o que mostra Jacobi (1989) ao afirmar que os

movimentos sociais urbanos tinham um ponto de convergência: a contestação de

legitimidade do poder do Estado na luta pelas suas necessidades básicas. Para ele, com a

ascensão dos governos democráticos em 1983, verifica-se que a possibilidade de mudança

não corresponde às expectativas no plano das realizações, o que provoca um refluxo nos

movimentos.

Este refluxo dos movimentos populares como mostra, GOHN, em Campinas foi refletido com a minimização da ação política da Assembléia do Povo, após 1986, que como todo processo, cíclico, de mobilização popular e participativo no Brasil, sofreu temporária estagnação (GOHN, 2005, apud ARAÚJO, 2007, p. 19).

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1.1.4.7. A herança

A Assembleia do Povo se desarticulou enquanto movimento, mas deixou em cada

favelado um aprendizado social e político. Muitos deles ainda hoje, no ano de 2009,

participam de Associações de Moradores, Orçamento Participativo e Conselhos

Municipais. Alguns ainda não tiveram suas favelas urbanizadas, mas tem em comum com

os demais, o aprendizado político e o reconhecimento de ser um cidadão campineiro.

Os ex-assessores deixaram como legado fotos, atas, cadernos, jornais, livros,

pesquisas acadêmicas e diversos outros tipos de arquivos. Embora o movimento tenha se

extinguido, há como herança a história que as próximas gerações (principalmente no meio

acadêmico), podem interpretar de outra forma e a cada vez se fazer um novo

desdobramento do que foi a Assembleia do Povo, como diz a cientista social Doraci Alves

Lopes10. “Realmente existe essa herança do ponto de vista acadêmico. E registro de

memórias dos materiais. Depois de toda essa experiência, as pessoas foram participar de

outras coisas, todo movimento social tem seu auge e seu final”.

Segundo Doraci Alves Lopes, os ex-militantes do movimento participam ainda de

atividades nos bairros e no município. “A Fundap (Fundo de Apoio à População de Sub-

Habitação Urbana) tem muitos representantes (ex-participantes da Assembleia do Povo),

que sempre participam ativamente. Então você percebe a inserção dessas pessoas”. Muitos

também ajudam em novos grupos que foram formando em Campinas, como os das novas

ocupações.

Em cada bairro, a população pratica o que aprendeu durante o movimento. Luzia

Maria da Costa11, do Centro Comunitário Iporã (antiga favela do Parque Dom Pedro II),

por exemplo, aprendeu a fazer atas e reuniões enquanto participou da Assembleia do Povo.

Hoje, em 2009, usa o aprendizado para continuar atuando na associação do bairro. Além de

lutar para conseguir trazer as famílias para as reuniões, pois acredita na importância da

reunião, a exemplo do passado. “Somos em 56 famílias, às vezes vai (nas reuniões), vinte

ou trinta pessoas”. Da mesma forma, Francisco Lems do Bairro da Conquista (Núcleo Ipê),

10 Em entrevista concedida ao grupo, Campinas, outubro de 2009. 11 Em entrevista concedida ao grupo, Campinas outubro de 2009.

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Page 36: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

atua ainda na associação do bairro, tanto que entregadores, oficiais de justiça, dentre

outros, procuram a ele quando precisa achar algum morador, por saberem de sua atuação.

Cada bairro ganhou características novas de herança, como no Jardim das

Bandeiras II, com água e esgoto encanados, luz elétrica, escola e posto de saúde. Outras

favelas urbanizadas tiveram as mesmas conquistas. Outras favelas não foram urbanizadas

até hoje (2009) por estarem em posições geográficas desprivilegiadas, como em área de

mananciais. O Parque São Quirino é uma das favelas que ainda espera por urbanização,

como lembrado pelo morador e ex-militante, Sebastião Ferreira da Silva12, “[...] 36 anos

que to lá e não ta urbanizada ainda. Vejo que os outros foram urbanizados e a minha ainda

não”.

Mesmo quem não ganhou a posse da terra, tem como herança do movimento o

reconhecimento de ser um cidadão e ser respeitado pela cidade, como conta o ex-assessor,

Alcides Mamizuka13, que entende que todos deixaram de ser vistos como intrusos na

cidade. Se nos guiarmos pelos conceitos de cidadania levantados por Martins (2000), a

maior herança deixada pela Assembleia do Povo foi transformar o cidadão cliente que era

o favelado na época em um cidadão conhecedor de seus direitos e, em último estágio, em

cidadão sujeito de seu próprio destino histórico. Ou seja, a pessoa que antes era apenas um

“cliente” que “comprava” o discurso de políticos passa a lutar para ter suas demandas

atendidas e construir seu futuro, torna-se de fato um ser político que de alguma forma ao

mesmo tempo faz parte e interfere nas relações de poder.

Essa conquista da cidadania fica clara no documentário, no qual os ex-militantes

não se mostram como marginais, mas como construtores de sua própria história e

protagonistas de um movimento que de alguma forma mexeu com a vida dos moradores da

periferia de Campinas, talvez até com a vida de pessoas de outros lugares. No vídeo não

aparecem marginais, aparecem cidadãos.

1.2. Concebendo um documentário sobre a Assembleia do Povo

12 Em entrevista concedida ao grupo, Campinas outubro de 2009. 13 Alcides Mamizuka em entrevista concedida ao grupo, Campinas, outubro de 2009.

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Para entender o vídeo, é importante discutir os limites entre documentário e

telejornalismo, nossa área de estudos. Antes de pensar no vídeo e na prática da produção, é

interessante conhecer a teoria que dá bases de sustentação ao projeto e permite sua

construção, estabelecimento de linguagem e formato, escolha do melhor plano e da melhor

fala.

1.2.1. Limites entre documentário e telejornalismo

Tanto as TVs quanto o cinema são meios de comunicação de massa e, como afirma

Marshall (2003), tem o poder de determinar o que é realidade no mundo de hoje. Isso

acontece porque os próprios receptores dão crédito e legitimidade, principalmente, ao que é

publicado na mídia. As coisas existem ou deixam de existir à medida que são publicadas.

“A realidade deixa assim de ser a expressão dos fatos, para se revelar como sua

apresentação midiática” (MARSHALL, 2003, p. 50). A mídia tende a transmitir a realidade

que lhe é conveniente.

Em geral, os espaços noticiosos são utilizados para expor e impor uma versão, isto é, a versão da plutocracia. A Teoria Crítica tem demonstrado que o jornalismo é palco do processo de dominação social e da luta de classes. A classe capitalista, detentora do poder na sociedade, usa o jornalismo como mais um recurso para seus interesses, utilizando as massas como fonte de consumo, audiência, manipulação, sujeição e exploração (MARSHALL, 2003, p. 50).

É importante ressaltar que existe uma diferença fundamental entre a pressão sofrida

pelo jornalismo televisivo e pelo cinema documentário. “O universo do jornalismo é um

campo, mas que está sob a pressão econômica por intermédio do índice de audiência”

(BOURDIEU, 1997, 77). Essa pressão não tem necessariamente a ver com a intervenção

direta de determinada pessoa no conteúdo, formato ou linguagem, mas é algo intrínseco a

uma cultura de gestão e produção televisiva. No cinema documentário brasileiro, isso

acontece em menor escala, pois, no país, o cinema é majoritariamente bancado por projetos

estatais de fomento que, com raras exceções, não dão conta de qualquer tipo de

questionamento quanto ao conteúdo, linguagem ou formato.

Admitindo a teoria do agendamento, o telejornalismo tem poder de agir e

influenciar outros campos, inclusive os pautando.

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Em outras palavras, um campo, ele próprio cada vez mais dominado pela lógica comercial, impõe cada vez mais suas limitações aos outros universos. Através da pressão do índice de audiência, o peso da economia se exerce sobre a televisão, e, através do peso da televisão sobre o jornalismo, ele se exerce sobre os outros jornais, mesmo sobre os mais “puros”, e sobre os jornalistas, que pouco a pouco deixam que problemas de televisão se imponham a eles. E, da mesma maneira, através do peso do conjunto do campo jornalístico, ele pesa sobre todos os campos de produção cultural (BOURDIEU, 1997, p. 81).

A lógica comercial que influencia a TV poderia atingir também os vídeo

documentários, mas parece que até o momento isso não acontece. O que se nota é um

movimento inverso. Hamburger (2005) conta que durante as décadas de 1970 e 1980, com

a consolidação da televisão como veículo mais popular e lucrativo da indústria da

informação, os cenários urbanos de pobreza e a violência estiveram ausentes de sua

cobertura. Para a autora, o que imperava eram o glamour das novelas e o tom oficial dos

telejornais, que mostravam basicamente ações governamentais. Negros quase não

apareciam nos noticiários ou na ficção e o Brasil que aparecia na TV era pacífico. O que se

via eram cenários ricos, povoados de bens de consumo. “A formalidade do assunto

repercutia no estilo clean das imagens fixas, sem tremor, editadas de maneira limpa e

convencional” (HAMBURGER, 2005, p. 199). Mas esse quadro muda aos poucos na

década de 1990, com o lançamento de novos programas.

Se nos anos posteriores à ditadura as imagens televisivas continuaram mostrando um Brasil harmonioso, rico, branco, saudável, higienizado, em imagens estáveis, enquadradas, de boa qualidade, coube ao documentário se voltar para grupos urbanos até então praticamente invisíveis nesta produção audiovisual: a população carcerária, os moradores de rua e de favelas, pivetes e mendigos, prostitutas, trabalhadores do lixo. Mas a partir do final dos anos 80, um dado novo modifica o panorama televisivo: temas como violência urbana, pobreza e exclusão ganham visibilidade, passando a fazer parte de certa produção jornalística e a interessar um público cada vez maior [...] (LINS; MESQUITA, 2008, p. 44).

Para entender em que ponto documentário e telejornalismo convergem e em que

ponto se distanciam, é necessário entender a lógica de produção de cada um, do

telejornalismo na estrutura própria da empresa de TV e do documentário, que no Brasil

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tende a um mercado de exibição independente, embora venha ganhando força no ciclo

comercial de cinema nos últimos anos.

1.2.1.1. Documentário: cinema x jornalismo

Durante toda a graduação, ouvimos discussões sobre se o documentário seria um

campo próprio do cinema, ou se seria cabível também aos jornalistas. Para ajudar a

entender isso, decidimos traçar os limites de cada campo, para a partir daí tentar identificar

até que ponto o jornalismo e o cinema se distanciam ou se aproximam no documentário.

Ramos (2008) destaca quatro campos fronteiriços com os quais há interação na tradição

histórica da narrativa documentária: “a) o docudrama; b) o telejornalismo ou ‘atualidades’;

c) a publicidade; d) o cinema experimental/videoarte. São fronteiras que interagem de

modo denso com as articulações estruturais da narrativa documentária em sua configuração

histórica (RAMOS, 2008, p. 51)”. Aqui, nos ateremos ao estudo do telejornalismo nesse

contexto.

Ramos (2008) aponta que o documentário surge, historicamente, nas beiradas da

narrativa ficcional, da propaganda e do jornalismo. “O termo documentário foi utilizado

pela primeira vez nos anos 20 pelo sociólogo John Grierson no jornal The New York Sun ao

comentar os filmes de Robert Flaherty” (OLIVEIRA; ROLDÃO; BAZI, 2006, p. 7). No

mesmo texto, Grierson define o documentário como “tratamento criativo de atualidades”

(creative treatmentof actuality). O contexto era propício para conceituar o cinema

documentário, pois, naquele momento, o Estado passou a financiar o cinema inglês para

produzir asserções sobre as realizações do próprio Estado, sempre com cunho educativo

(educar para a democracia liberal e para o voto universal).

Posteriormente o verniz artístico dado pelo “tratamento criativo” dispensado às

atualidades pelo documentarismo inglês acaba o distanciando do conceito de atualidade,

pois mostra apenas “o transcorrer do mundo impresso na película na posição de recuo

completo do sujeito-câmera” (RAMOS, 2008, p. 57). As atualidades e travelogues (filmes

sobre lugares distantes e exóticos) perdem aos poucos suas forças no cinema. O que antes

chamavam de atualidade, hoje chamamos de reportagem. Mas quais as diferenças entre o

documentário e a reportagem?

Para Ramos (2008), no documentário as vozes pertencem a um conjunto discursivo

orgânico, a narrativa. A narrativa normalmente é fruída e tem sua unidade em algo muito 39

Page 40: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

próximo do que chamamos de filme (unidade narrativa de duração variável, mas una). “O

documentário, portanto, é um filme no modo que possui de veicular suas asserções e no

modo pelo qual as asserções articulam-se enquanto narrativa com começo e fim em si

mesma” (RAMOS, 2008, p. 58). A reportagem, no telejornalismo, é uma forma narrativa

que se articula dentro de um formato enunciativo, o programa (que nada tem a ver com o

filme). Embora hajam exceções, as reportagens costumam ser apresentadas normalmente

eu um modelo de programa, o telejornal, unidade dividida em pequenos blocos. Outra

diferença fundamental é a presença da voz do âncora, apresentador ou repórter na

reportagem. Além disso, o documentário não sofre com a lógica da velocidade, já

abordada. Quanto aos formatos...

O programa telejornal é composto pela sucessão de notícias, sem haver propriamente uma narrativa que articule sua unidade no todo. Ao contrário da reportagem do programa telejornal, o documentário não está vinculado a acontecimentos cotidianos de dimensão social que denominamos notícia (RAMOS, 2008, p. 59).

1.2.1.2. Cinema direto e cinema verdade

É inegável que Robert Flaherty foi um dos documentaristas pioneiros, mas em seu

clássico Nanook do Norte (1922), o diretor juntou alguns atores esquimós e pediu para que

um deles representasse Nanook, atuando em ações que executava diariamente e em outras

que nunca tinha executado para serem filmadas. Tudo isso aconteceu porque Flaherty

perdeu os rolos de filmes do documentário que havia filmado sobre o verdadeiro Nanook,

anos antes.

Apesar de questionar os métodos de Flaherty e de outros documentaristas clássicos,

ainda no Cinema Direto a atuação existia. Se a tal “mosquinha na parede” não intervinha

diretamente nos acontecimentos, a presença da câmera produzia um tipo de intervenção e

os personagens, [...] no mínimo, precisavam fazer de conta que a câmera não estava ali (DI

TELLA, 2005, p. 75).

No cinema direto, os cineastas ressaltavam que o trabalho de seus documentários é

apenas evidência, mas para Winston (2005), esse conceito é ideologicamente poderoso,

mas com uma noção ingênua de objetividade que encoraja o público nessa ingenuidade.

Para o autor, ao assumir tal postura, os documentaristas colocam em risco o conceito de 40

Page 41: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

“tratamento criativo”, exatamente o que torna os documentários diferentes de outras

formas audiovisuais de não-ficção. “O desaparecimento dos limites com o jornalismo

significou, de fato, o desaparecimento de todos os documentários, exceto os jornalísticos

[...]” (WINSTON, 2005, p. 24).

Para ele, o maior problema é que os documentaristas foram obrigados a tornarem-se

jornalistas. Apesar da força com que surge (e ainda existe) o cinema direto, logo depois de

sua concepção, já foram criadas formas de resistência, como o Cinéma Vértié (cinema

verdade) francês, que teve como maior ícone Jean Rouch. Apesar de muitas vezes

confundido com o cinema direto, o realizador do documentário no cinema direto não

simula sua ausência, pelo contrário, assume que o encontro entre o documentarista e seu

assunto é exatamente o que há a ser documentado. Nas palavras de Rouch, caso citado por

Di Tella (2005), deixa de ser mosca na parede (fly-on-the-wall) para ser a mosca na sopa

(fly-in-the-soup).

Documentários são asserções e, como tal, fazem afirmações sobre a realidade, não

são a realidade. “Não é possível colocar o mundo tal qual é num filme, num vídeo, nem no

papel Kodak. Todo formato da mídia é uma representação ou signo do real e não uma

transposição” (ANDACHT, 2004). O que vemos na tela não é o mundo, são apenas

imagens e sons que carregam consigo determinado discurso.

O que não quer dizer que a imagem não valha nada: ela pode mentir, falsificar, simulando dizer a verdade, mas pode também ser associada a outras imagens e outros sons para fabricar experiências inéditas, complexificar nossa apreensão do mundo, abrir nossa percepção para outros modos de ver e saber. As imagens são frágeis, impuras, insuficientes para falar do real, mas é justamente com todas as precariedades, a partir de todas as lacunas que é possível trabalhar com elas (LINS; MESQUITA, 2008, p. 81-82).

É comum criar-se vínculo implícito entre o documentário e o “real”, segundo

Amado (2005), reforçado pelo recorte visual, privilégio da reflexão ou da informação

unidas em uma dimensão ética e em uma busca estética para expressá-la. Entretanto, as

exceções asseguram “uma liberdade de execução que permite a esse gênero fugir de

qualquer tentativa de categorização, ampliar sua lista de temas e preocupações e combinar

seus domínios com os da ficção” (AMADO, 2005, p. 217).

Diante disso, a diferença fundamental entre uma abordagem jornalística e uma

abordagem cinematográfica do cinema documentário está na crença na verdade. O

41

Page 42: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

jornalismo se vende enquanto reprodução do real, sob os mitos da objetividade e

imparcialidade, enquanto o cinema se vende como arte, e como tal, no campo do cinema

documentário, como tratamento criativo dado a um olhar que interpreta o mundo a sua

volta, o olhar do sujeito-da-câmera. Sem a indexação, não teríamos como identificar se um

filme faz ou não asserções com o mundo real, pois vários filmes de ficção utilizam de

narrativa tradicionalmente documentária e vários documentários seguem o percurso

contrário e, até com elementos docudramáticos tendem a parecer ficção. O documentário

jornalístico tende a ficar no meio termo entre o cinema e o jornalismo.

Acreditar, não acreditar, não acreditar mais, acreditar apesar de tudo: essas são as questões que agitam o cinema desde o início, lembra-nos o crítico francês Jean-Louis Comolli, em oposição à produção televisiva dominante que impõe ao telespectador a ilusão do lugar de controle, do que sabe, julga e decide. Espetáculos de realismo, telejornais, telenovelas, publicidade, programas de variedades respondem a todas as supostas demandas da “audiência” com explicações, informações, reiterações eliminando ambigüidades, paradoxos, contradições (LINS; MESQUITA, 2008, p. 81).

Um bom exemplo de como um documentário pode se aproveitar de uma abordagem

jornalística e de um formato cinematográfico é o documentário Ônibus 174 (2005), de José

Padilha. Lopes (2009)14 e Lima (2009)15 acreditam que filmes como esse sejam uma

espécie de uso do jornalismo literário no cinema. Para Lima (2009), o ser humano vem

sendo tratado superficialmente pelo jornalismo convencional, o autor afirma que a pessoa

humana é uma espécie de dado folclórico de ilustração de uma situação, apenas uma fonte

de informação, um arremedo de gente, algo estereotipado. O humano não é abordado em

sua complexidade. Segundo ele, na ausência do cumprimento desse papel pela mídia, essa

necessidade encontra cada vez mais espaço nos livros-reportagem e no cinema

documentário.

1.2.2. A opção pelo documentário

14 LOPES, Mariana Ferreira. Jornalismo Literário cinematográfico: uma leitura de “Ônibus 174”. Disponível em: <http://www.abjl.org.br/detalhe.php?conteudo=fl20070507194021&category=ensaios&lang=>. Acesso em: 9 nov. 2009.15 LIMA, Edvaldo Pereira. Jornalismo Literário no cinema. Disponível em: <http://www.abjl.org.br/detalhe.php?conteudo=fl20031110160922& category=ensaios&lang>. Acesso em: 9 nov. 2009.

42

Page 43: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Ao iniciarmos as pesquisas, notamos que a Assembleia do Povo foi notícia nos

jornais durantes quase uma década. Já existem também registros históricos sobre o

movimento na academia, em dissertações de mestrado e teses de doutorado. Então

pensamos que a melhor maneira de abordar o assunto sob uma perspectiva até então não

explorada seria o documentário. Para Lopes (2009), ao trabalhar temas que já foram

registrados, o cinema documentário busca, em sua forma, dar tratamento mais

interpretativo e contextualizado do que o dispensado pelos meios de comunicação de

massa, o que reafirma o documentário enquanto interpretação do real.

Quando pensamos no nosso documentário, não entendemos que ele seja apenas um

registro histórico, mas pode representar uma nova ferramenta para a melhor compreensão

desse momento de Campinas. Por isso entendemos que acima de tudo, nosso trabalho é

uma espécie de documentário social.

Hoje a política do documentário social [...] é atuar sobre a amnésia [...] Contra o ocultamento consciente de um lado, ou a acumulação de atos esquecidos em algum canto da indiferença dos indivíduos ou da coletividade, o documentário tende a encontrar outros vínculos, uma nova direção dos discursos e das imagens para ligá-los a um novo processo de memória [...] (AMADO, 2005, p. 223-225).

1.2.3. Concepção do vídeo: proposta

Antes das filmagens, não tínhamos um argumento de documentário pronto,

fechado. Tínhamos uma idéia discutida do que queríamos e com isso deixamos que as

gravações fossem mais livres. Esse tipo de proposta – em que não há muito além de um

tema ou uma idéia – é comum no documentário contemporâneo e muito utilizada por

documentaristas brasileiros.

Decidimos por criar um dispositivo, uma situação a ser filmada, um reencontro dos

militantes da Assembleia do Povo quase três décadas depois e dali extraímos boa parte do

nosso material de vídeo. Não escondemos isso por motivos éticos, não queríamos criar

ilusões de verdades, pois sabemos do poder de imposição da imagem maquínica da

câmera. Segundo Ramos (2008), pode-se afirmar que a narrativa documentária é

basicamente composta por imagens-câmera, que podem ser acompanhadas de animação,

acompanhadas de sons, para as quais olhamos buscando asserções sobre o mundo que nos

43

Page 44: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

é exterior, coisa ou pessoa. “[...] A natureza das imagens-câmera e, principalmente, a

dimensão da tomada através da qual as imagens são constituídas determinam a

singularidade da narrativa documentária em meio a outros enunciados assertivos, escritos

ou falados” (RAMOS, 2008, p. 22).

Pode-se definir um vídeo como documentário pela simples intenção do autor em

fazer um documentário, desde que caiba no nosso entendimento que isso foi proposto. Não

há exigência quanto ao conteúdo, apenas quanto à forma da narrativa e a indexação do

filme. Partimos desse dispositivo para definir todo o resto do vídeo. O reencontro dos

militantes foi o que nos deu material e fôlego para a finalização do documentário.

1.2.3.1. Dispositivo

Dispositivo no documentário contemporâneo é a criação pelo documentarista “de

um artifício ou protocolo produtor de situações a serem filmadas – o que nega diretamente

a idéia de documentário como obra que ‘apreende’ a essência de uma temática ou de uma

realidade fixa e preexistente” (LINS; MESQUITA, 2008, p. 56).

O reencontro, dispositivo por nós criado, foi a forma que encontramos de

conseguirmos relatos de um número enorme de pessoas, todos com a memória instigada

pela presença das pessoas que não viam desde a época em que militavam juntas, todas

emocionadas com a situação e com o local (o mesmo em que se reuniam 30 anos antes).

Aqui, o dispositivo “[...] não é a ‘forma’ de um filme, tampouco sua estética, mas impõe

determinadas linhas à captação do material” (LINS, 2007, p. 47).

O documentário Assembleia do Povo: O QUE IMPORTA É O QUE A GENTE É

não é um filme dispositivo, mas um filme que contém um dispositivo. Apesar de partirmos

do dispositivo, não nos atemos a ele, fizemos entrevistas fora do reencontro com os

personagens que consideramos “chaves” para relatarem aquilo que é muito mais a ligação

de suas histórias de vida com o movimento do que a história do próprio movimento. Cada

um conta o que (suas memórias dizem que) viveu. “Ao contrário dos roteiros que temem o

que neles provoca fissuras e afastam o que é acidental e aleatório, os dispositivos

documentais extraem da precariedade, da incerteza e do risco de não se realizar sua

vitalidade e condição de invenção” (LINS, 2007, p. 46).

Alguns fazem questionamentos éticos com relação à utilização de dispositivos.

Winston (2005) condena a retórica que diz que eventos documentados devem acontecer 44

Page 45: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

sem intervenção, de preferência com o sujeito-da-câmera sendo totalmente ignorados. Para

ele isso não passa de um apelo simplista de verdade herdeiro do cinema direto.

1.2.3.2. Questões éticas consideradas

Procuramos seguir as convenções a cerca do campo ético no documentário. “[...] É

a verdade que cerca o campo ético. [...] A ela podemos chegar quando a narrativa

documentária aponta para si mesma e diz: sim, sou construída e eis o mapa do percurso

[...]” (RAMOS, 2008, p. 117). Para isso, logo no início do documentário, deixamos claro o

dispositivo. Uma das personagens, diz agradecer aos meninos que organizaram o

reencontro. Outra preocupação foi quanto a deixar clara a nossa proximidade com o

discurso dos militantes e distância com o discurso oficial, motivo que nos levou a escolher

uma frase de uma militante como título do documentário. Para assumirmos isso mais

claramente, colocamos a arte do título imediatamente depois da tomada em que a militante

formula a frase “o que importa é o que a gente é”.

Segundo Ramos (2008), o documentário que se dispõe a fazer asserções sobre o

mundo histórico lida diretamente com a reconstituição e a interpretação de fatos que, no

passado, tiveram a intensidade de presente. A interpretação pode ser positiva ou negativa.

É essa interpretação o que se tem como noção de verdade. Portanto, a noção de verdade

varia de acordo o conjunto de fatos que escolhemos para nos servir de base à interpretação.

Em toda a história do documentário, predominaram diversos contextos ético. Com

já vimos, de período para período, os valores que fundamentam a intervenção do

documentarista na realidade e sua articulação de tomadas em narrativa. Para Ramos

(2008), não se pode deixar de frisar a dimensão histórica que incide sobre a posição de

quem enuncia, o que flexiona a universalidade e a temporalidade das asserções. O autor

denomina os quatro principais sistemas de valores que sustentam a presença do

documentarista na tomada e as asserções do documentário sobre o mundo com educativo,

imparcial (em recuo), interativo/reflexivo e modesto.

O sistema de valores que nos guiou na produção do documentário foi o

interativo/reflexivo. Para sustentar nossa intervenção, tivemos que desenvolver uma visão

crítica à imparcialidade e distanciamento (como mostrado até aqui). Por reconhecermos

que a intervenção é inevitável, assumimos nossa construção do enunciar. Tentamos fazer

45

Page 46: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

com que a construção do personagem coletivo (a soma de experiências individuais voltadas

para o todo, reconstitui a visão de um todo), ficasse clara para quem assiste.

Sobre esse sistema de valores, Ramos (2008) afirma que a reflexão teórica e a

produção imagética que o cerca são carregadas de preocupação com a posição da voz que

enuncia. “Se a intervenção articuladora do discurso é inevitável, a narrativa deve jogar

limpo e exponenciá-la, seja através de procedimentos interativos na tomada, seja na própria

articulação discursiva (montagem/mixagem)” (RAMOS, 2008, p. 37).

Seguir o sistema de valores éticos da interação e reflexão nos enquadra no que

Nichols (2005) chama de modo reflexivo. O autor classifica os documentários em seis

categorias que ele denomina “modos”, o poético, o expositivo, o participativo, o

observativo, o reflexivo e o performático. Os documentários reflexivos olham para si e

questionam sua própria estrutura, se posicionando com uma linguagem realista. A reflexão

acontece nas perspectivas formal e política.

De uma perspectiva formal, a reflexão desvia nossa atenção para nossas suposições e expectativas sobre a forma do documentário em si. De uma perspectiva política, a reflexão aponta para nossas suposições e expectativas sobre o mundo que nos cerca [...] (NICHOLS, 2005, p. 166-167).

A principal reflexão que o documentário Assembleia do Povo: O QUE IMPORTA

É O QUE A GENTE É não é formal (apesar de seu dispositivo), mas social e política. Não

é normal pessoas (favelados) serem tratados como subumanos, em sub-habitações de sub-

bairros. O documentário usa para discutir o assunto as memórias de pessoas que venceram

essa imposição que as pessoas que estão fora dessa realidade nem notam que existe. A

frase do início do documentário já introduz essa reflexão. O que essas pessoas lutaram para

conquistar não é luxo, mas cidadania e reconhecimento como humanos.

Assembleia do Povo: O QUE IMPORTA É O QUE AGENTE É vai na contramão da

cobertura jornalística da época que era abastecida com o discurso oficial e contava seu lado

da história. Assim, nos aproximamos mais do jornal alternativo O Repórter da Região, que

tinha um discurso mais próximo das bases dos movimentos sociais.

Embora não tenhamos trabalhado com a concepção da comunicação comunitária na

produção do documentário, acreditamos que ele pode cumprir um papel importante neste

sentido, pois de acordo com Peruzzo (2005):

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Entre as principais características desse processo comunicacional estão: opção política de colocar os meios de comunicação a serviço dos interesses populares; transmissão de conteúdos a partir de novas fontes de informações (do cidadão comum e de suas organizações comunitárias); a comunicação é mais que meios e mensagens, pois se realiza como parte de uma dinâmica de organização e mobilização social; está imbuído de uma proposta de transformação social e, ao mesmo tempo, de construção de uma sociedade mais justa; abre a possibilidade para a participação ativa do cidadão comum como protagonista do processo16.

16 PERUZZO, Cicília M Krohling. Direito à Comunicação comunitária, participação popular e cidadania. Artigo publicado na Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, ano II, n.3, jul//dic. 2005. São Paulo: ALAIC. p.18-41.Disponível em: http://74.125.47.132/search?q=cache:XjR_8LU6HpMJ:www.metodista.br/poscom/cientifico/docentes/cicilia-peruzzo/artigos-de-cicilia-peruzzo+comunica%C3%A7%C3%A3o+comunit%C3%A1ria+-+cicilia&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso 13.11.2009.

47

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2º Capítulo

Procedimentos para a execução do Projeto Experimental:

2.1. Processo de Pesquisa

O processo de pesquisa foi iniciado ainda no mês de maio de 2009, quando o tema

do trabalho foi definido. Decidimos começar por uma pesquisa bibliográfica, pois isso

poderia abrir nossos horizontes com relação ao tema, que era pouco conhecido por dois

integrantes do grupo (que vivem em Campinas) e estranho aos três integrantes vindos de

outras localidades.

O primeiro livro consultado foi Marginais da História? de Doraci Alves Lopes. O

livro nos ajudou, pois além de discutir conceitos de marginalidade, conta a história do

movimento visto de dentro, por uma das assessoras. Este livro foi, desde então, nosso guia

nas pesquisas que daí seguiram-se. A autora citava vários trechos de jornais, motivo que

nos levou a assumir como segunda parte do processo de pesquisa a visita aos arquivos da

Rede Anhanguera de Comunicação (RAC), empresa proprietária dos dois principais jornais

de Campinas, Diário do Povo e Correio Popular. As pesquisas no arquivo da RAC foram

feitas de 14 de julho a 11 de agosto de 2009. Levantamos reportagens que foram

publicadas sobre o movimento e sobre os problemas de urbanização em Campinas

(pesquisamos os arquivos de jornais com datas entre 1962 a 1985). Mesmo diante de tanto

material, sentimos falta de outros jornais. O livro Marginais da História? citava em

determinado trecho um arquivo cuidadosamente montado pela ex-assessora do movimento

Maria Conceição Vieira. Em 14 de agosto de 2009 fizemos uma pré-entrevista com ela.

Na entrevista, descobrimos que todo o arquivo havia sido doado ao Centro de

Memória da Unicamp. Visitamos o CMU e encontramos jornais, atas, fotos e recortes de

jornais. Fotografamos os jornais, mas nosso acesso ao restante do arquivo foi restringido.

Ainda não estávamos contentes com o material que conseguimos, motivo que nos levou à

hemeroteca da Biblioteca Municipal de Campinas, onde encontramos vários recortes de

jornais sobre o movimento.

Pesquisando sobre nosso tema na Internet, encontramos um artigo, também da

cientista social Doraci Alves Lopes (Um momento único: aprender com Dalmo Dallari),

48

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em que a autora prestava uma homenagem ao jurista Dalmo Dallari, que apoiou a luta da

Assembleia do Povo, e dava algumas informações sobre o movimento. Encontramos

também a dissertação de Mestrado do arquiteto Fábio Boretti Netto Araújo, Participação

popular e a construção do espaço público, que em determinado trecho estabelecia relações

entre nosso tema e outros movimentos sociais urbanos, indicando uma lógica de

funcionamento própria dos movimentos na época. Para aprofundar isso, encontramos um

artigo do cientista social Pedro Roberto Jacobi, intitulado Atores sociais e Estado:

Movimentos reivindicatórios urbanos e Estado – dimensões da ação coletiva e efeitos

político-institucionais no Brasil.

Tínhamos um déficit de informações sobre história da urbanização e migração. Para

saná-lo, consultamos os textos Campinas: o despontar da modernidade (Ricardo de Souza

Campos Badaró), Espaço e tempo em Campinas: Migrantes e a expansão do pólo

industrial paulista (Rosana Aparecida Baeninger), Momento de Ruptura: as

transformações no centro de Campinas na década dos cinqüenta (Antônio Carlos Cabral

Carpintero) e A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial (Ermínia

Maricato).

Precisávamos entender o funcionamento das associações de moradores em

Campinas. Para isso utilizamos a dissertação de mestrado Associação de moradores em

debate no município de Campinas, de Olívia Salgado Costa. Como a Assembleia do Povo

se organizava em uma estrutura própria dos movimentos sociais vinculados às

organizações da igreja católica, precisávamos entender o contexto. Para isso, consultamos

o livro Movimento Social Urbano, Igreja e Participação Popular, de Ana Maria Doimo.

Não queríamos nos prender a um só livro para entender a história do movimento.

Ao procurar por mais obras bibliográficas, encontramos a dissertação de mestrado Favela

código Cidade: O muito falar e o não fazer é suar em vão, de Térsia Pilomia de Paoli, que

nos permitiu entender o movimento a partir de outro olhar.

A bibliografia nos deu o suporte teórico necessário para a segunda etapa da

pesquisa. A nossa proposta desde o início era ouvir as lideranças das favelas, as pessoas

que não tiveram oportunidade de mostrar seus olhares sobre a história. Por isso, nos

guiamos também pelo conteúdo das pré-entrevistas, o que nos ajudou a entender o

movimento por dentro, a partir de sua estrutura, a base.

Para entrevistar os idosos o grupo precisou estudar o assunto (Assembleia do Povo

e urbanização em Campinas). A partir desses conhecimentos adquiridos, foi possível 49

Page 50: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

ajudar os idosos reconstituírem as suas memórias. Para não limitar as memórias, o grupo

não achou proveitoso ter um roteiro fixo de perguntas. Segundo Bosi (1999), o ideal é ter

algumas perguntas condutoras, com dados que auxiliem as lembranças do entrevistado,

como datas importantes da época em que viveu, acontecimentos políticos e econômicos,

entre outros. A partir disso, o grupo fez um roteiro como fio condutor, que foi utilizado nas

gravações, mas que sofreu alterações conforme o diálogo fluía.

Esperávamos muito da pré-entrevista de 10 de setembro, com Leobino Francisco de

Oliveira, liderança da região do Campos Elíseos. Considerado principal articulador da

Assembleia do Povo, pensávamos nele como chave para contar a história do movimento.

Ao chegarmos à casa de Leobino, nos deparamos com um senhor que mal consegue

completar frases. Seria impossível entrevista-lo.

Enquanto seguíamos com as entrevistas, percebemos que as fotos arquivadas no

Centro de Memória da Unicamp não eram suficientes para ilustrar o que era relatado pelos

entrevistados. Começamos a procurar por arquivos pessoais e encontramos fotos referentes

à urbanização do Núcleo Iporã (Parque Dom Pedro II) pertencente a uma das entrevistadas,

Luzia Maria da Costa. Ainda com o arquivo esse arquivo, sentíamos um certo vazio de

imagens, descobrimos então o arquivo de Ronaldo Simões, ex-assessor de comunicação do

movimento, em que estão guardadas centenas de fotos referentes ao movimento e seus

militantes em diferentes situações, como em reuniões, assembleias, mutirões de

urbanização e outras. Graças à pesquisa de fotos, conseguimos material suficiente para

produzir o vídeo.

Notamos que fizemos as melhores opções, pois conseguimos entender o

movimento indo além da sequência de fatos que compõem sua história. Compreendemos o

contexto em que a Assembleia do Povo se insere e a lógica que guiava os movimentos

sociais urbanos surgidos a partir do início do processo de reabertura, iniciado no governo

Geisel.

2.1.1. Localização das fontes

Alguns membros do nosso grupo participaram do movimento social de Campinas

na última década. Essa militância auxiliou no contato com as fontes do trabalho. Em Lopes

(1997) e Paoli (2000) encontramos elementos para escolha das fontes. A partir daí e com

os contatos anteriores, fomos a campo, em alguns casos, como Sebastião Rosa, Jovelina 50

Page 51: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Celi da Silva e Francisco Lems, já tínhamos os telefones e apenas agendamos as pré-

entrevistas. Em todos os outros casos fomos a campo no próprio bairro indicado na

bibliografia pesquisada ou por outras pessoas e pedimos informações, chegando a todas as

fontes que tínhamos interesse.

Localizamos Luzia Maria da Costa e Francisca Martins Pinho com a ajuda de Célio

Henrique Franco, ex-morador do Parque Dom Pedro II. Célio morava nas proximidades do

Núcleo Iporã e acompanhou de perto a luta dessas pessoas. Quando soube da nossa opção

pelo tema da Assembléia do Povo nos procurou e as indicou como possíveis fontes.

De todos que ouvimos, o mais fácil de encontrar foi o Padre Benedito Ferraro, com

quem falamos depois de alguns telefonemas para a Cúria Metropolitana de Campinas.

Padre Ferraro se mantém na Pastoral Operária até hoje.

Tércia Pilomia De Paoli foi localizada por indicação da entrevistada Luzia Maria da

Costa, do núcleo Iporã, que frequentava o escritório da arquiteta no Distrito de Barão

Geraldo, quando era ajudada no processo de urbanização da favela. Dona Luzia nos

indicou mais ou menos onde ficava o escritório. Procuramos pelo Distrito de Barão

Geraldo e encontramos a arquiteta.

A grande liderança da Assembleia do Povo, segundo todos os entrevistados, foi

Leobino Franciso de Oliveira. Nós tínhamos muitas citações de pessoas, reportagens e

livros que falavam dele e pensávamos nele como um personagem muito importante para

nosso trabalho. Sem sabermos como localizá-lo, perguntamos para todos que

entrevistávamos se sabiam do tal Leobino até que o ex-assessor Ronaldo Simões disse que

ele morava na favela 29, mais conhecida hoje como Nova Aliança, no Jardim Campos

Elíseos. Já tínhamos uma pista, mas tivemos que ir até a favela várias vezes. Ninguém

conhecia o tal Leobino, até que conseguimos localizar uma mulher que participou da

Associação de Moradores com Leobino. Por vários dias ela conversou com evangélicos de

varias igrejas que ele frequentou, até que em uma dessas igrejas conseguimos o telefone

dele e pudemos então localizá-lo, morando no Jardim Satélite Íris. A entrevista foi

emocionante, mas não pudemos aproveitar muito, pois Leobino já tem a saúde mental

abalada e não consegue se situar no tempo.

A advogada Maria Cecília Mazzoriol Volpe só foi localizada no final do trabalho,

quando o vídeo já estava sendo editado. Foi a entrevistada encontrada da maneira mais

inusitada. A mãe de um dos integrantes do grupo, Reginei Domingos de Morais, teve

câncer e passou por um tratamento no ano de 2005 com um remédio com custo muito alto. 51

Page 52: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Reginei recebeu orientação da assistente social para procurar uma advogada que depois de

se tratar desta mesma doença resolveu ajudar as vitimas desse mal. Reginei esteve no

escritório da advogada, na avenida Barão de Itapura, e foi atendido por ela e por seu

estagiário. Durante a pesquisa, Reginei já não ligava o nome à pessoa, até mesmo por a

advogada é conhecida pelos ex-militantes do movimento como Mariinha. Quando

descobrimos o endereço do escritório, Reginei foi checar e descobriu que já esteve lá. O

antigo estagiário da advogada que atendeu Reginei em 2005 hoje trabalha na Secretaria

Municipal de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de Campinas. Reginei trabalha nove andares

abaixo, também na Prefeitura. Daí em diante foi fácil encontrar a advogada.

2.2. As etapas da Produção jornalística

2.2.1. Seleção de fontes

Resolvemos desde o início das pesquisas que usaríamos apenas depoimentos das

lideranças das favelas. Chegamos a cogitar a utilização de relatos de um dos assessores

como fio condutor da narrativa, mas desistimos, por fugir do objetivo inicial: apresentar

versões dos acontecimentos mais próximas dos militantes da base, pessoas que não tinham

como tornar público seu olhar sobre os acontecimentos, por não deter os meios de

produção de informação. Logo descobrimos que o “dar voz” é um mito. Não somos e nem

conseguiríamos ser porta voz desses ex-militantes.

A possibilidade de o outro de classe expressar-se está em relação direta com a propriedade dos meios de produção. Pelos filmes e textos que conheço da história do cinema brasileiro nunca se colocou este problema antes dos anos 50, e depois só muito raramente. Falou-se sempre em colocar o povo na tela, mas não se tratava tanto de questionar a dominação dos meios de produção pelos cineastas. Estes preferiram resolver a questão imaginando-se os porta-vozes ou os representantes do povo ou até mesmo a expressão da “consciência nacional” (BERNARDET, 1985, p. 189).

Pensamos em vários métodos que servissem de filtros, para a seleção de fontes.

Primeiro cogitamos selecionar as lideranças das favelas mais participativas. Depois

pensamos em selecionar as lideranças mais citadas em reportagens. Até que, por fim,

52

Page 53: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

notamos que seria injusto excluir as pessoas com as quais conversamos por um método

imposto pela nossa noção do que foi o movimento.

Diante de tudo isso, optamos por reconstruir as memórias dos militantes do

movimento usando fragmentos, formando assim um personagem coletivo. Como em O

Cortiço, de Aluísio Azevedo, dentre outras obras, em que os personagens são

representações de todas as pessoas que vivem em situações parecidas.

Mas, segundo as lideranças do movimento, os assessores tiveram papel

fundamental na organização, e por isso decidimos não excluí-los do documentário.

Optamos por usá-los em determinados trechos do vídeo apresentando o pano de fundo do

que é narrado, informações que as lideranças não poderiam nos dar, pois os favelados não

tem a percepção de como o movimento caminhou para alguns acontecimentos que seriam

chave em sua história. Além disso, para quem tiver acesso ao DVD, os assessores tem seu

devido espaço nos extras, abordando assuntos que julgamos pertinentes para uma melhor

compreensão do que foi a Assembleia do Povo.

Só ficamos frustrados pela impossibilidade de entrevistar Maria Conceição Vieira,

que, mesmo pré-entrevistada, não pode nos conceder entrevista gravada, pois a ex-

assessora do movimento sofreu um acidente de carro no mesmo dia do reencontro.

Conceição foi apontada como uma das principais assessoras por todos os entrevistados.

2.2.1.1. Lideranças ouvidas

Alcides de Lima é morador do Parque Dom Pedro II, foi vice-presidente da

Associação de Moradores do Núcleo Iporã na época em que conquistaram o direito à terra

e à urbanização. Trabalhou com Alcides Vieira Pinho (grande liderança do bairro, já

falecido) em todas as reivindicações. Também foi presidente da Associação de Moradores

e participava de todas as reuniões no Centro Pastoral Pio XII. Alcides foi ouvido apenas no

reencontro, não pode nos ceder uma entrevista.

Francisca Martins Pinho é moradora do Parque Dom Pedro II e viúva da maior

liderança do Núcleo Iporã, primeira favela urbanizada, Alcides Vieira Pinho. Apoiou o

marido em diversas lutas. A força de seu marido em parceria com Alcides de Lima fez com

que na época o Núcleo Iporã ficasse conhecido como “Vila dos Alcides”. Francisca nos

cedeu uma entrevista e foi ouvida no reencontro.

53

Page 54: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Francisco Lems é morador do Bairro da Conquista, onde até hoje atua na

Associação de Moradores e é reconhecido como uma das grandes lideranças do Bairro.

Francisco foi, na época da Assembleia do Povo, a maior liderança da Favela da Vila Ipê,

onde mobilizou moradores que urbanizaram o bairro com as próprias mãos. Francisco nos

cedeu uma entrevista e foi ouvido no reencontro.

Geraldo Borges é morador do Jardim Londres e foi militante da associação de

moradores durante a Assembleia do Povo. Geraldo foi ouvido apenas no reencontro, não

pode nos ceder uma entrevista.

José Augusto de Morais é presidente da Associação do Bairro da Vitória, antes

conhecido como favela da Vila Georgina. Ao chegar em Campinas enfrentou o despejo e a

pressão dos fiscais da prefeitura. José Augusto foi ouvido apenas no reencontro, não pode

nos ceder uma entrevista.

José Duarte Costa Filho é morador do Jardim Ipaussurama, e ajudou na

urbanização de diversas favelas. José Duarte foi ouvido apenas no reencontro, não pode

nos ceder uma entrevista.

Jovelina Celi da Silva acompanhava o arquiteto Antonio da Costa Santos, ex-

assessor da Assembleia do Povo (posteriormente eleito prefeito de Campinas), nas

medições e no preparo para a urbanização do Jardim Santa Mônica. É da entrevista com

Jovelina que foi tirada a frase do título do documentário. Jovelina nos cedeu uma

entrevista, mas não pode participar do reencontro.

Leobino Francisco Oliveira foi presidente da Associação de Favelados do Jardim

Campos Elíseos. Abria todas as reuniões de lideranças no Centro Pastoral Pio XII.

Negociou diversas vezes com o prefeito Francisco Amaral. É reconhecido pelas lideranças

das favelas como grande liderança do movimento. Não o entrevistamos formalmente, por

limitações de saúde de Leobino, mas utilizamos uma de suas falas do reencontro em um

trecho do documentário. Leobino foi ouvido apenas no reencontro, não pode nos ceder

uma entrevista.

Luzia Maria da Costa é moradora do Parque Dom Pedro II. Atuou como uma das

lideranças do Núcleo Iporã, junto aos Alcides, principais lideranças do bairro. Luzia nos

cedeu uma entrevista e foi ouvida no reencontro.

Mariza de Lima Sousa é moradora do Jardim das Bandeiras II. Atuou na

Associação de Moradores do bairro junto a Marlene Teixeira de Abreu Correia, grande

liderança da luta na região. É Mariza quem aparece em uma das fotos no documentário 54

Page 55: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

tomando o microfone do então vice-prefeito, Magalhães Teixeira. Mariza foi ouvida

apenas no reencontro, não pode nos ceder uma entrevista.

Marlene Teixeira Abreu Correia é moradora do Jardim das Bandeiras II. Foi a

principal liderança da favela a ponto de tomar uma dimensão maior que a própria favela.

Foi líder de bairro, liderança da região e uma das principais lideranças da Assembleia do

Povo. Marlene foi a primeira candidata mulher do PT de Campinas a uma cadeira na

Câmara Municipal, além de uma das principais lideranças do partido em na época de sua

fundação. Marlene nos cedeu uma entrevista e foi ouvida no reencontro.

Sebastião Ferreira da Silva é morador do Parque São Quirino e foi uma de suas

lideranças. Sebastião foi ouvido apenas no reencontro, não pode nos ceder uma entrevista.

Sebastião Rosa é morador da Vila Brandina e freqüentava as reuniões de lideranças

no Centro de Pastoral Pio XII. Sebastião foi ouvido apenas no reencontro, não pode nos

ceder uma entrevista.

Valdecir José da Silva é morador do Jardim São Marcos e foi militante da

associação de moradores durante a Assembleia do Povo. Valdecir nos cedeu uma

entrevista, mas não pode participar do reencontro.

2.2.1.2. Assessores entrevistados

Alcides Mamizuka participou do movimento estudantil no fim da década de 1960.

Foi preso político e vítima de tortura. Na Assembleia do Povo era um agente, ensinava aos

favelados as leis e seus direitos. Alcides nos cedeu uma entrevista e foi ouvido no

reencontro.

Alfredo Luiz Gomes é agente pastoral e participava das comunidades de base da

igreja católica, seu papel era ajudar na organização das entidades dos favelados. Alfredo

participou do reencontro, mas não pode nos ceder uma entrevista.

Benedito Ferraro é padre da Arquidiocese de Campinas, se ordenou em 1971 e

desde então trabalhou na periferia de Campinas, articuladamente com as Comunidades

Eclesiais de Base, Pastoral Operaria e também fazendo a ligação com movimentos

populares. Ferraro nos cedeu uma entrevista, mas não pode participar do reencontro.

Doraci Alves Lopes estudou geografia por dois anos na USP, e ao conseguir vaga

em ciências sociais na Unicamp, em 1973, mudou-se para Campinas. Colaborou no jornal

O Repórter da Região, elaborando pautas e escrevendo, e foi assessora de imprensa da 55

Page 56: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Assembleia do Povo. Fez Mestrado em Sociologia pela Unicamp em 1988, estudo do qual

surgiu o livro Marginais da História?, nossa primeira fonte bibliográfica. Doraci nos cedeu

uma entrevista e foi ouvida no reencontro.

Izalene Tiene participou na criação de Comunidades Eclesiais de Base. Foi uma

agente na Assembleia do Povo, ia às favelas tentar conscientizar os favelados da

importância da luta e integrá-los à Assembleia do Povo. Izalene nos cedeu uma entrevista e

foi ouvida no reencontro.

Maria Cecília Mazzariol Volpe foi advogada da Assembleia do Povo e ajudou a

encontrar leis e interpretar, e encontrar formas de interpelar judicialmente a administração

municipal, para que os favelados conseguissem que suas reivindicações fossem atendidas.

A advogada acompanhou os favelados nas reuniões com o prefeito Francisco Amaral.

Maria nos cedeu uma entrevista, mas ainda não havia sido encontrada na data do

reencontro. A advogada só aparece nos extras do DVD.

Ronaldo Simões mudou-se para Campinas em 1971, sendo filho de preso político

durante a Ditadura Militar. Fez parte do movimento estudantil e participou na Unicamp, na

década de 1970, de movimento estudantil. Foi colaborador do O Repórter da Região, no

qual atuou como fotografo. Posteriormente se tornou assessor de comunicação da

Assembleia do Povo. Ronaldo nos cedeu uma entrevista e foi ouvido no reencontro.

Tércia Pilomia De Paoli foi arquiteta da Assembleia do Povo. Junto com Antônio

da Costa Santos, Tércia elaborou o Plano de Urbanização Especifica (PUE). Freqüentava

as favelas para estudar e traçar traços da urbanização. Participou do projeto no qual os

favelados desenhavam a planta da própria casa. Tércia não foi encontrada a tempo de

participar do reencontro, mas nos cedeu uma entrevista. A arquiteta aparece apenas nos

extras do DVD.

2.2.2. Pautas ou pré-roteiro

Para elaborar as pautas de entrevistas, definimos alguns tópicos que julgávamos

mais importantes na história do movimento: chegada dos favelados a Campinas, vida e luta

nos bairro; chegada dos favelados ao movimento; grandes assembleias; Lei da Terra;

urbanização; e conquistas. A partir disso e com as informações que conhecíamos de cada

um, graças às pré-entrevistas, elaboramos um roteiro de perguntas geral, que servia para

todas as lideranças entrevistadas e incluíamos nele perguntas específicas sobre o que cada 56

Page 57: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

um viveu. Apesar de haver um roteiro, as entrevistas eram abertas de modo a proporcionar

liberdade para que as lideranças contassem o que não estava no script. Assim foram

elaboradas as entrevistas com os ex-militantes do movimento.

Das entrevistas com lideranças, as únicas que fugiram ao padrão foram as

entrevistas com Jovelina Celi da Silva e Valdecir José da Silva, pois fizemos por conta

antes de começarmos a utilizar a estrutura da PUC-Campinas. Nas duas entrevistas, não

havia roteiro algum, pois na verdade foram pré-entrevistas gravadas.

Com os assessores da Assembleia do Povo, a lógica por trás do roteiro foi outra.

Focamos as entrevistas no que já tinha sido dito nas pré-entrevistas. Não havia um padrão,

a entrevista com cada assessor tratava especificamente do que fez ou presenciou no

movimento, além de pedirmos informações sobre o contexto, para que, se necessário,

tivéssemos material para criar um pano de fundo com dados, sem utilizarmos de narração

em voz over.

Elaboramos um roteiro para o reencontro, mas não conseguimos seguí-lo.

2.2.3. Trabalho de campo

Iniciamos nosso trabalho de gravação no dia 13 de agosto de 2009, com uma

entrevista com Jovelina Celi da Silva, liderança do Jardim Santa Mônica. Era para

acontecer uma pré-entrevista, mas resolvemos gravá-la, este foi o único motivo pelo qual

temos seus relatos, pois desde que iniciamos as gravações com o roteiro padrão de

entrevistas, até o fim das gravações, Dona Jove, como é conhecida, encontra-se

hospitalizada. Ainda no mesmo dia, gravamos uma entrevista com Valdecir José da Silva,

do Jardim São Marcos.

Em 10 de setembro, fomos até a Associação de Moradores da Bairro da Conquista,

para entrevistar seu presidente, Francisco Lems, ou Chiquinho. O Sr. Chiquinho está “na

luta” até hoje e atribui isso à Assembleia do Povo, que segundo ele, foi uma escola.

Personagem fantástico, foi o primeiro que entrevistamos seguindo o roteiro de entrevistas.

Fomos ao Núcleo Iporã (Parque Dom Pedro II) em 3 de outubro para entrevista

com Luzia Maria da Costa, uma das lideranças do bairro. Luzia ajudou na organização da

urbanização da favela. Em sua casa, na pré-entrevista, conhecemos Francisca Martins

Pinho, esposa do já falecido líder da favela, Alcides Vieira Pinho e no dia da gravação,

57

Page 58: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

aproveitamos para entrevistá-la. No mesmo dia, gravamos com Marlene Teixeira Abreu

Correa, liderança do Jardim das Bandeiras e articuladora das passeatas no Paço Municipal.

Visitamos o Museu da Imagem e do Som de Campinas no dia 16 de outubro para

entrevistar Ronaldo Simões, mais conhecido como Batata. Ele foi fotografo d’O Repórter

da Região e membro da assessoria de comunicação da Assembleia do Povo. Fomos até a

Cúria Metropolitana de Campinas em 17 de outubro gravar uma entrevista com o Padre

Benedito Ferraro, que viu o movimento nascer, sob a ótica de um membro da igreja

católica.

Em 10 de outubro, organizamos um reencontro de lideranças e assessores da

Assembleia do Povo, na Cúria Metropolitana de Campinas. gravamos todo o evento, onde

os presentes, um a um, fizeram suas considerações sobre o movimento. Apresentando um

vídeo com recortes de jornais sobre a Assembléia do Povo para instigar as memórias dos

presentes. Conseguimos ótimos relatos de pessoas que ainda não havíamos entrevistado,

como Geraldo Borges (Jardim Londres); José Augusto de Morais (Bairro Vitória e

Georgina); José Duarte Costa Filho (Jardim Ipaussurama). Ao fim do evento,

entrevistamos o ex-assessor do movimento e vereador, Alcides Mamizuka e a ex-assessora

e prefeita de Campinas, Izalene Tiene. A cientista social e ex-assessora do movimento,

Doraci Alves Lopes, também estava presente. Agendamos sua entrevista para a semana

seguinte, 17 de outubro.

A ideia do reencontro com os favelados surgiu em um encontro de orientação com a

orientadora. Optamos por organizar o evento no local em que os favelados se encontravam

para discutirem as reivindicações de cada favela: o Centro Pastoral Pio XII (Cúria

Metropolitana de Campinas). A data agendada foi 10 de outubro, das 8h às 16h.

Estavam presentes 24 pessoas, sendo que cinco eram assessores. Apenas alguns dos

ex-militantes vieram sozinhos para o Centro Pastoral, como foi o caso da Marlene Teixeira

Abreu Correia e Francisco Lems. Combinamos com os demais que buscaríamos cada um

em suas casas, pois não queríamos que eles tivessem gasto financeiro para chegar ao Pio

XII e também, por preocupação com a saúde dos idosos.

Combinamos então, que um dos integrantes do grupo (Reginei Domingos de

Morais) buscaria alguns ex-militantes. Por uma questão de logística seria necessário dispor

de mais carros. Como não poderíamos ceder mais um integrante do grupo para buscar os

convidados, decidimos pedir ajuda a alguns amigos, que se dispuseram a buscar e a levar

os ex-militantes. Tivemos então, cinco carros a nossa disposição.58

Page 59: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Os demais integrantes chegaram às 8h no Centro de Pastoral Pio XII para arrumar a

sala, a mesa de comida e esperar os cinegrafistas que foram contratados. Contratamos, com

ajuda de patrocinadores, contratar a produtora Ponto Z, de São Paulo, para gravar com três

câmeras, estrutura de iluminação e auxiliares na produção. Explicamos a eles como

pensamos o enquadramento e do que se tratava o documentário. Arrumamos a sala com

uma fila de cadeiras em forma de ferradura para poder filmar todos e fazer duas rodadas de

perguntas. Quando entravam no jardim, os ex-militantes tinha a sua direita um painel de

banners com fotos do movimento e a sua frente uma mesa de café da manhã.

Cerca de 30 minutos depois, chamamos os ex-militantes para entrarem na sala.

Uma de nossas preocupações era não deixar que o encontro passasse das 12 horas, pois os

idosos poderiam ficar cansados em demasia. Ao se acomodarem, nos apresentamos,

falamos do objetivo do documentário e em seguida exibimos um áudio visual, elaborado

por Rafael Oliveira Jorge. O produto tinha fotos de jornais, todos fotografados no Centro

de Memória da Unicamp, em minucioso trabalho de pesquisa e seleção de momentos

importantes da Assembleia do Povo. O audiovisual apresentando teve duração de dez

minutos. A ideia era despertar as memórias dos favelados.

Em seguida explicamos que faríamos duas rodadas. A primeira seria somente para

falarem o nome e o bairro onde moram; e a segunda seria para falarem das conquistas e

histórias da Assembleia do Povo. Nada aconteceu como programamos. Ao se

apresentarem, os ex-militantes já começavam a contar suas memórias, optamos por não

interromper. A segunda rodada então foi uma rodada aberta para quem quisesse fazer

complementações.

Ao final fizemos algumas tomadas pelo Pio XII e levamos cada um de volta para

casa. O reencontro do dia 10 de outubro superou nossas expectativas. Todos os convidados

participaram. Não tivemos problemas com os carros, cinegrafista e nem nas rodadas. O

único problema foi a extensão das rodadas até as 13h, o que pode ter cansado um pouco os

ex-militantes. Percebemos que todos ficaram emocionados, alguns choraram e até falaram

que esse reencontro seria uma possível volta da Assembleia do Povo, da qual eles

acreditam que todos ainda precisem, para promover a união, para novas conquistas.

Assim produzimos o vídeo, tentando representar uma parte das vidas das pessoas

que ali estavam, e por que não, das nossas vidas. Documentamos o momento de cada um

de nossos encontros formais com eles e utilizamos cenas de todos esses encontros no

59

Page 60: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

vídeo. Cada cena, cada tomada, cada sequência foi cuidadosamente pensada para a

constituição do documentário.

Um documentário representa uma vida, como uma pintura representa uma cadeira, e a cadeira, e a cadeira existe, tem vida real. A ficção é sempre intermediada pela consciência de uma mimese, pelo acordo tácito que envolve qualquer representação, qualquer jogo dramático. O documentário, em oposto, sugere o registro da vida, como se ela acontecesse independentemente da presença da câmera, o que é falso. A presença da câmera sempre transforma a realidade. E essa transformação segue para além do filme. Registrar uma vida real é uma grande responsabilidade, compreende uma enorme quantidade de dilemas morais, éticos, em cada etapa da filmagem: no enquadramento, na iluminação, na edição de som e, principalmente, na montagem (COUTINHO; XAVIER; FURTADO, 2005, p. 109).

Em todas as gravações, mantivemos um padrão de enquadramento. Fizemos

quadros que variam entre o plano médio e o plano americano. Optamos por esse padrão,

pois ele possibilita ao mesmo tempo a captação da imagem do rosto de quem fala de seus

gestos.

(…) A evidência – as coisas que nos convencem na tela – surge em diferentes graus de credibilidade. A evidência da fala em geral é menos digna de crédito do que a evidência comportamental. Podemos dizer ou pensar qualquer coisa, mas não conseguimos escolher o que sentimos ou como nos comportamos quando experimentando sentimentos fortes [...] (RABIGER, 2005, p. 58-59).

Só fugimos à regra por nós mesmos imposta duas vezes: na entrevista com

Francisca Martins Pinho (Parque Dom Pedro II) e no reencontro dos militantes (na Cúria

Metropolitana). No primeiro caso, optamos por planos mais fechados para esconder o

cenário, pois já havíamos entrevistado Luzia Maria da Costa exatamente no mesmo lugar e

não queríamos repetir o quadro.

No reencontro, aproveitamos a estrutura que montamos (três câmeras e técnicos de

som e iluminação) e utilizamos duas câmeras voltadas para o personagem que fala e uma

capturando as reações dos outros participantes. Uma das câmeras que enquadrava o

entrevistado mantinha planos médios e americanos, enquanto a outra fazia quadros

fechados (primeiro plano e plano detalhe). Além disso, fizemos imagens da chegada dos

ex-militantes, tentamos documentar a emoção das pessoas ali presentes, algumas que já

não se viam há quase três décadas. Com exceção de fotos de arquivo, as únicas imagens

que usamos para cobrir trechos do vídeo vieram justamente das gravações feitas nos 60

Page 61: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

jardins da Cúria Metropolitana de Campinas, na tentativa de mostrar com cada dos quadros

que mais que companheiros de luta, os militantes da Assembleia do Povo são uma família.

2.2.4. Processo de edição

Capturamos todo o material que gravamos em um disco rígido e fizemos boa parte

do trabalho fora do Laboratório de Imagem e Som da PUC-Campinas. Em casa, com o

auxílio de um editor de vídeo amigo, decupamos todo o material, cortamos, montamos na

ordem que pensamos o documentário, assistimos e a partir disso montamos o roteiro para

levar o projeto para os técnicos da Universidade.

Na ilha de edição da Universidade, tivemos que cortar boa parte do material, pois

nosso documentário tinha em torno de 30 minutos. Passamos dois dias cortando falas e

acertando os cortes entre tomadas. Passamos outros dois dias tratando fotos e áudio do

vídeo. Contratamos um editor para fazer as artes e finalizar o vídeo, pois já não havia

tempo de fazê-lo.

Os extras do DVD foram feitos depois de fechado o vídeo principal. Aproveitamos

para utilizar falas de assessores que ainda não haviam sido utilizadas, inclusive as falas da

arquiteta Tércia Pilomia De Paoli e as da advogada Maria Cecília Mazzoriol Volpe, que

não entraram no documentário porque foram captadas já em fins do processo de edição.

61

Page 62: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

3º Capítulo

Apresentação do produto final:

3.1. Justificativa

Assembleia do Povo: O QUE IMPORTA É O QUE AGENTE É, é um

vídeodocumentário baseado em memórias que serve como registro histórico do

movimento. Escolhemos como meio o vídeo por possibilitar que os ex-militantes e outras

pessoas que vivem ou viveram na mesma condição de exclusão social pudessem ter acesso

ao material, pois muitos deles não tiveram a oportunidade de estudar, sendo alguns

analfabetos e outros minimamente alfabetizados. A linguagem e o formato adotados

permitem que mesmo quem não domina a faculdade da leitura possa ter o mesmo grau de

apreensão e síntese que uma pessoa letrada. De acordo com Lima (2009) precisamos contar

nossas histórias, gostamos de vê-las e ouvi-las, pois elas ajudam a dar sentido às nossas

vidas, nos mostram quem somos. Permitem que nos identifiquemos, ajudam a encontrar

quem nos inspira, quem nos mostra, através de suas histórias, iluminações para a realização

do nosso propósito maior, viver.

3.2. Público alvo

Nosso público alvo prioritário são os moradores das favelas de Campinas, pois eles

que vivenciaram e vivenciam em alguma medida a Assembleia do Povo. Eles construíram

as favelas ou bairros (antigas favelas) onde moram e brigaram pela conquista da cidadania.

Os mais jovens não vivenciaram o movimento, mas cresceram cercados pelas conquistas

da Assembleia do Povo, ou seja, de alguma forma vivem agraciados pelos frutos do

movimento.

Pensamos neles como nosso público alvo, por notarmos que a história do

movimento ainda não lhes foi contada, sobrevive apenas na academia. Nos bairros

restaram algumas lembranças que pretendemos instigar e, que sabe, ajudar algumas

pessoas na compreensão de sua própria história, pois compreendendo o passado fica mais

fácil construir o futuro.

62

Page 63: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Assim, o documentário pode ser utilizado também como material de ensino nas

escolas públicas da periferia, pois, além de contar uma parte da história de Campinas

ignorada pelo currículo escolar, pode gerar nos mais jovens certa consciência cidadã.

Talvez, nosso vídeo possa ser assistido por estudantes universitários de diversos cursos das

Ciências Sociais e Humanas, que tenham interesse em conhecer e estudar movimentos

sociais urbanos ou, especificamente, a Assembleia do Povo.

3.3. Custo/Gastos

Gastamos em torno de R$ 300,00 com transportes, R$ 200,00 com alimentação, R$

450,00 com diárias de cinegrafista, R$ 300,00 com as artes do documentário, R$ 200,00

com fitas mini-DV, R$ 50,00 com aluguel de um projetor, R$ 200,00 com impressões e

cópias, e R$ 300,00 com a finalização do documentário, totalizando aproximadamente R$

2.000,00.

Gastaríamos outros R$ 4.300,00 com a estrutura de três câmeras e equipe de

produção que montamos para o reencontro, mas conseguimos apoio cultural. A Companhia

de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec) pagou nossos

gastos com produção, o que nos ajudou muito para que atingíssemos o resultado esperado.

3.4. Viabilidade de divulgação

Nosso documentário não tem nenhuma pretensão comercial. Pode eventualmente

ser transmitido por alguma emissora de TV pública ou universitária ou ser exibido em

festivais. Mas, a ideia inicial é fazer exibições seguidas de debates nas associações de

moradores de bairros urbanizados graças a ações da Assembleia do Povo, em favelas ainda

não urbanizadas, em comunidades eclesiais de base, sindicatos, escolas públicas, no Museu

da Imagem e do Som e em mostras sobre algum dos assuntos direta ou indiretamente

tratados.

Pretendemos arquivar cópias do Projeto Experimental no Centro de Memória da

Unicamp, no arquivo Edgar Leuenroth, Biblioteca Municipal e nas Associações de

Moradores que nos ajudaram na pesquisa. Já estamos negociando datas de exibição no

Museu da Imagem e do Som, na Comunidade São Benedito (Jardim São Cristóvão), nas

associações de moradores do Jd. Das Bandeiras, Bairro da Conquista, Vila Brandina, São 63

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Marcos, Campos Elíseos, Núcleo Iporã e em alguns sindicatos. Estamos também

elaborando um hotsite sobre o documentário, para disponibiliza-lo pela Internet e criarmos

um canal de debates online.

Nesse mesmo caminho, alguns cineclubes já demonstraram interesse, como o

Cineclube Brad Will, do município de Itu, interior de São Paulo. Estamos buscando apoio

para prensar em tiragem reduzida o DVD do documentário e distribuí-lo para as

associações de moradores, sindicatos e escolas interessadas. Com a finalização do

documentário, um trabalho acabou, mas outros estão por vir.

O objetivo com tudo isso é levar a história da Assembleia do Povo até pessoas que

talvez nunca tenham ouvido nada sobre o movimento e utilizar essa história para mostrar

que com luta é possível vencer o poder instituído e fazer com que o Estado faça valer

determinados direitos. Talvez o objetivo seja mostrar que quem luta nem sempre se dá mal

e que vale a pena lutar.

64

Page 65: Assembleia do Povo: o que importa é o que a gente é [relatório de fundamentação teórica]

Considerações finais

Assistam ao vídeo que produzimos. Para aqueles 20 minutos de vídeo, gravamos

em torno de 15 horas. Passamos pelo menos mais de uma hora além da gravação com cada

pessoa envolvida, em pré-entrevistas. Mais de 50 horas de edição. Isso sem incluir o tempo

gasto com a pesquisa através de livros, documentos e entrevistas com pessoas que nos

imergiram na história de um movimento que talvez não consigamos apresentar com o

tamanho e importância que ele merece.

O que nos conforta é saber que mostramos pessoas que não tiveram espaço na

televisão e nunca foram apresentadas como as construtoras da história da cidade. E que

jamais se importaram com isso, pois suas lutas não tinham por finalidade fazer com que os

militantes aparecessem na televisão, que, diga-se de passagem, nunca foi do povo. A luta

dessas pessoas foi ignorada pelos meios de comunicação, que são controlados por

interesses econômicos que não desejam mostrar que é possível lutar por um mundo mais

justo e que podemos diminuir o abismo social repartindo a terra e respeitando a dignidade

alheia.

Mas dessa vez, essas pessoas, que conquistaram o direito de serem cidadãos,

contam um pouco da sua história. Agradecemos a todas as pessoas que pudemos conhecer

durante a produção desse vídeo. Exemplos de vida e de cidadania que nos motivam a

jamais desistirmos e a acreditarmos que um mundo novo é possível.

A luta dessas pessoas não acaba e nosso vídeo não termina aqui. Almejamos que

ele seja uma semente, que vá mostrar exemplos de vida e engajamento, e alastre a sede de

justiça e reivindicação pelo respeito aos direitos adquiridos.

Muitos dos protagonistas da história da Assembleia do Povo ainda estão na luta em

suas associações de moradores. Que o documentário possa de alguma forma ajudá-los a

mostrar aos mais jovens que muito já foi feito e que ainda há muito a fazer.

Que as pessoas que não lutaram no movimento possam hoje aderir à luta com a

ciência das conquistas do passado para a construção de um futuro melhor. Esse é nosso

maior desejo.

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Referências

Livros

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Dissertações, teses e trabalhos acadêmicos

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BAENINGER, Rosana Aparecida. Espaço e tempo em Campinas: Migrantes e a expansão do pólo industrial paulista. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, 1992.

CARPINTERO, Antônio Carlos Cabral. Momento de Ruptura: as transformações no centro de Campinas na década dos cinqüenta. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1991.

COSTA, Olívia Salgado. Associação de moradores em debate no município de Campinas. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas, 2006.

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Sites

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LOPES, Mariana Ferreira. Jornalismo Literário cinematográfico: uma leitura de “Ônibus 174”. Apresenta informações sobre Jornalismo Literário. Disponível em: <http://www.abjl.org.br/detalhe.php?conteudo=fl20070507194021&category=ensaios&lang=>. Acesso em: 9 nov. 2009.

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Revistas científicas

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MARTINS, Marcos F. Uma “catarsis” no conceito de cidadania: do cidadão cliente à cidadania com valor-ético político. Phrónesis, Campinas, v. 2, n. 2, p. 106-118, jul/dez, 1989.

PERUZZO, Cicília M Krohling. Direito à Comunicação comunitária, participação popular e cidadania. Artigo publicado na Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, ano II, n.3, jul//dic. 2005. São Paulo: ALAIC. p.18-41.Disponível em: http://74.125.47.132/search?q=cache:XjR_8LU6HpMJ:www.metodista.br/poscom/cientifico/docentes/cicilia-peruzzo/artigos-de-ciciliaperuzzo+comunica%C3%A7%C3%A3o+com umit%C3%A1ria+-+cicilia&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso 13.11.2009.

Anais de congressos

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ANDACHT, Fernando Torres. Formas documentárias da representação do real na fotografia, no filme documentário e no reality show televisivo atuais. In: VI LUSOCOM Ciências da Comunicação em Congresso na Convilhã, 2004. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/_listas/tematica.php?codtema=75>. Acesso em: 9 nov. 2009.

OLIVEIRA, Ana Paula Silva; CARMO-ROLDÃO, Ivete Cardoso do; BAZI, Rogério Eduardo Rodrigues. Documentário e vídeo-reportagem: uma contribuição ao ensino de Telejornalismo. In: 9º Forum Nacional de Professores de Jornalismo, 2006, Campos de Goytacazes-RJ. Disponível em: <http://www.fnpj.org.br/grupos.php?det=156>. Acesso em: 9 nov. 2009.

Documentários assistidos

COUTINHO, Eduardo ; RAMOS, Maurício Andrade; SALLES, João Moreira. Edifício Master. Filme. Produção de Maurício Andrade Ramos e João Moreira Salles, direção de Eduardo Coutinho. Videofilmes e Riofilme, 2002.

FRANÇA, Pedro Henrique ; MANECHINI, Guilherme. Ecos. Filme. Produção de Pedro Henrique França e Guilherme Manechini, direção de Pedro Henrique França e Guilherme Manechini. PUC-SP, 2008.

LUND, Kátia ; SALLES, João Moreira. Notícias de Uma Guerra Particular. Filme. Produção de Kátia Lund e João Moreira Salles, direção de Kátia Lund e João Moreira Salles. Videofilmes, 1999.

MORAES, Tetê. Terra para Rose. Filme. Produção de Tetê Moraes, direção de Tetê Moraes. Vemver Brasil, 1987.

MORAES, Tetê. O Sonho de Rose: 10 Anos Depois. Filme. Produção de Tetê Moraes, direção de Tetê Moraes. Vemver Brasil e Riofilme, 2001.

PADILHA, José ; PRADO, Marcos. Ônibus 174. Filme. Produção de José Padilha e Marcos Prado, direção de José Padilha. Riofilme, 2002.

PRADO, Marcos ; PADILHA, José. Estamira. Filme. Produção de Marcos Prado e José Padilha, direção de Marcos Prado. Zazen Produções Audiovisuais e Riofilme, 2006.

SALLES, João Moreira ; RAMOS, Maurício Andrade. Santiago. Filme. Produção de Maurício Andrade Ramos, direção de João Moreira Salles. Videofilmes, 2007.

Jornais

Diário do Povo- 17 de janeiro de 1963 – “Necessária a erradicação das favelas – Prefeitura tem meios para impedir construções clandestinas”- 10 de setembro de 1969 – “Estas são as soluções para o desfavelamento”- 16 de maio de 1978 – “Favela, bonita só no samba”

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- 4 de maio de 1979 – “A periferia cobra Amaral” - 26 de outubro de 1979 – “As máquinas param e os favelados ganham a questão”- 7 de outubro de 1980 – “Já é formal, o Prefeito pode ser deposto”

Correio Popular- 31 de outubro de 1973 – “A promoção do favelado numa análise profunda”- 1º de outubro de 1980 – “Favelados querem pleno direito sobre a terra” - 23 de agosto de 1983 – “Decreto proíbe novos barracos nas favelas”- 4 de agosto de 1985 – “Apenas duas favelas já foram urbanizadas”- 25 de abril de 1987 – “Prefeitura entrega hoje títulos de posse da terra”

O Repórter da Região- maio de 1979 – “Barraco vira casa?”

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ANEXOS

Anexo I

Anexo II

Anexo III

Anexo IV

- Roteiro de Edição

- Pautas

- Memoriais

- Cartas de cessão de imagem

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