ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UIMED RIO - compra carteira... · Golden Cross...

60
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 1 EXMO(A). SR(A). JUIZ(A) DE DIREITO DA .........VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA CAPITAL DO RIO DE JANEIRO. CÓPIA COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro CNPJ n.º 30.449862/0001-67, sem personalidade jurídica própria, especialmente constituída para defesa dos direitos e interesses dos consumidores, estabelecida na Rua da Alfândega, n. 08, Centro, Rio de Janeiro - RJ, CEP.: 20070-000, vem, por seus procuradores, propor a presente: AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA UNIMED-RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA, estabelecida na Av. Armando Lombardi, 400 (Lojas 101 - 105) - CEP: 22640-000 - Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, pelas razões de fato e direito que passa a expor:

Transcript of ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UIMED RIO - compra carteira... · Golden Cross...

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

1

EXMO(A). SR(A). JUIZ(A) DE DIREITO DA .........VARA EMPRESARIAL DA COMARCA DA

CAPITAL DO RIO DE JANEIRO.

CÓPIA

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO

DO RIO DE JANEIRO, órgão vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

CNPJ n.º 30.449862/0001-67, sem personalidade jurídica própria, especialmente constituída

para defesa dos direitos e interesses dos consumidores, estabelecida na Rua da Alfândega, n.

08, Centro, Rio de Janeiro - RJ, CEP.: 20070-000, vem, por seus procuradores, propor a

presente:

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

UNIMED-RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA, estabelecida na Av. Armando

Lombardi, 400 (Lojas 101 - 105) - CEP: 22640-000 - Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, pelas

razões de fato e direito que passa a expor:

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

2

I - DOS FATOS

A ré é cooperativa que oferece no mercado de consumo o “produto” denominado “Plano Privado

de Assistência à Saúde”, que, segundo o artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 9.656/98, é a “prestação

continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido,

por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à

saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde,

livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada,

visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às

expensas das operadoras contratadas, mediante reembolso e pagamento direto ao prestador,

por conta e ordem do consumidor”.

Conforme divulgado recentemente, a Unimed-Rio adquiriu a carteira de clientes de planos

médicos e odontológicos individuais e familiares da Golden Cross no Brasil. A referida alienação

foi aprovada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pelo Conselho de

Administração e Defesa Econômica (CADE). A ANS alega que considerou o cumprimento das

exigências previstas na Resolução Normativa nº 112, que dispõe sobre a transferência de

carteira (doc. 01).

A operação abrange todos os mercados cobertos pelo segmento de planos individuais/familiares

da Golden Cross, que passam a ficar sob a gestão da Unimed Rio. Segundo informações

disponibilizadas no site da ré, a operação fez a Unimed-Rio superar a marca de 1 milhão de

clientes, com a chegada de cerca de 195 mil clientes a partir de 1º de outubro (doc. 02)

Segundo informações da ANS, para que a transação fosse aprovada, a ré precisou se

comprometer a manter os mesmos contratos e a mesma rede hospitalar da Golden Cross,

sendo que essa manutenção pode ser feita através da contratação direta dos hospitais em todos

os Estados onde há beneficiários dessa carteira ou por intercâmbio com outras operadoras

(doc. 01)

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

3

Ocorre que, segundo diversas matérias jornalísticas e reclamações do portal

www.reclameaqui.com.br, especializado em receber denúncias de consumidores contra práticas

lesivas das empresas que atuam no mercado de consumo, não é o que vem ocorrendo.

Os consumidores, clientes da Golden Cross estão extremamente inseguros quanto a essa

mudança, posto que tanto a ré quanto a ANS afirmam que a rede hospitalar será mantida, mas

que não há obrigatoriedade de manter os mesmos médicos nem a mesma rede de exames para

os 160 mil usuários de planos individuais e familiares da Golden Cross em todo o país,

(conforme matéria jornalística O Globo) que passarão a ser atendidos pelo Sistema nacional

Unimed (doc. 03)

Entretanto, no que se refere à rede hospitalar, já existem relatos de consumidores que

receberam o novo guia médico da Unimed e constataram não ter a rede hospitalar que

possuíam quando atendidos pela Golden Cross, como o caso da Sra. Claudia Fernandes, que

ao receber o guia percebeu não constar nele o Hospital Copa D’or, onde sua mãe está

internada, nem o laboratório Lâmina, onde ela e a família estão acostumadas a realizar exames

há anos (doc. 03):

“Minha mãe deve receber alta em breve, mas se precisar ser

internada de novo, será que poderá vir para o Copa D’or? Nosso

plano é muito antigo, paguei mais para ter direito a esse hospital.

Sabemos que temos direitos, mas há dúvidas sobre como serão

cumpridos. A carta que recebemos não esclarece muito. Liguei para

a ANS e o atendente só me disse que tudo estava explicado na

Resolução 112”

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

4

Após essa entrevista, a equipe jornalística do Jornal O Globo procurou a Rede D’or que não

soube informar como atuará frente à imigração de clientes. Outrossim, ao referido jornal, o

Superintendente e Operações da Unimed-Rio garantiu ao Globo que não haverá mudanças na

rede hospitalar da Golden Cross e que o Copa D’or já está credenciado. Ou seja, evidente está

que as informações são confusas, deixando o consumidor inseguro e amedrontado.

Outrossim, no que diz respeito à rede de credenciados (médicos e exames laboratoriais) a

história é ainda pior. Os consumidores, clientes da Golden Cross que foram migrados para a ré

estão impossibilitados de continuarem sendo atendido por seus médicos de confiança se estes

não estiverem credenciados pela ré. Ou seja, o consumidor que firmou um contrato com a

Golden Cross há anos, na qual possuía uma rede credenciada que contemplava determinado

médico com o qual o consumidor se tratava há tempos, não mais poderá fazê-lo, a não ser que

a ré o credencie, o que não está ocorrendo. O mesmo ocorre com os laboratórios.

Ainda na mesma matéria, a fonoaudióloga Thais Thedim, cliente da Golden Cross desde 1988

faz sessões de fisioterapia devido a um rompimento de um tendão do ombro. Já fez algumas

sessões de fisioterapia e outras já estão com autorização da Golden Cross para fazê-las,

entretanto a clínica que a consumidora está acostumada a fazer as sessões de fisioterapia já a

comunicou que não vai se credenciar à Unimed:

“É um tratamento longo, de 40 a 60 sessões. Toda sexta-feira, a

clínica mar as sessões da semana seguinte. Na última, só consegui

marcar a de segunda-feira, quando ainda valerá o contrato da

Golden Cross. E a clínica já avisou que não vai se credenciar à

Unimed – conta Thais, acrescentando que sua ortopedista também

não aceitará o novo plano.”

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

5

A consumidora também se assustou quando tentou marcar um exame na rede Labs D’or, que

atende à Golden Cross e foi informada que a partir do dia 2 de outubro não atenderá mais à

Unimed Rio e em Duque de Caxias.

Percebe-se claramente uma mudança unilateral de contrato com alterações contratuais

principalmente no que se refere à rede credenciada, o que é um desrespeito para com os

consumidores. A rede assistencial deve ser a mesma que foi contratada pelo consumidor

quando da opção pela Golden Cross. O consumidor, cliente da Golden Cross não pode ser

prejudicado com a mudança para a Unimed. A ré, ao adquirir a carteira da Golden Cross precisa

garantir não só a rede hospitalar, mas a manutenção integral do contrato e suas condições

anteriores.

O portal www.reclameaqui.com.br, especializado em receber denúncias de consumidores contra

práticas lesivas já está repleto de reclamações nesse sentido (doc. 04). São consumidores

assustados que possuíam o plano de saúde da Golden Cross, acostumados a fazerem seus

tratamentos médicos com profissionais de sua confiança e que não estão mais podendo fazê-lo,

visto que esses médicos não foram credenciados pela ré.

É o caso lamentável de um casal de idosos, 85 e 86 anos que pagam mais de 3 mil reais por

mês com plano de saúde da Golden Cross e que receberam uma carta da citada empresa

avisando que os mesmos passarão a pertencer à ré (doc. 04). Assustados com a carta, no

mesmo dia receberam a ligação do médico que lhes assiste e que inclusive, já tinham consulta

marcada e foram avisados pelo profissional que o mesmo não era credenciado pela Unimed,

desta forma não poderia mais atendê-los.

Outra situação semelhante descrita é o caso do Sr. Douglas Nogueira de Andrade, de 59 anos,

que afirma ter escolhido o plano de saúde da Golden Cross exatamente pela cobertura de

atendimento e que agora encontra-se sem o cardiologista e o endocrinologista da confiança

dele, posto que os mesmos não são credenciados pela ré (doc. 04).

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

6

Em suma, são diversas reclamações de consumidores que não podem mais contar com os

médicos de confiança, que os tratam há anos, que conhecem seus problemas, nem mesmo

realizarem os exames laboratoriais nos laboratórios também de confiança, posto que,

simplesmente foram “jogados para os cuidados da ré” que não está observando as condições

dos contratos firmados entre consumidores e Golden Cross.

Importante salientar que a Resolução 112 de 28 de setembro de 2012, considerada pela ANS

para a alienação da totalidade da carteira de planos individuais/familiares da Golden Cross para

a Unimed Rio, dispõe em seu artigo 4º que os contratos adquiridos deverão ser mantidos (doc.

01)

“Art. 4º A operação de alienação de carteira voluntária, seja ela total

ou parcial, deverá manter integralmente as condições vigentes

dos contratos adquiridos sem restrições de direitos ou prejuízos

para os beneficiários.”(grifo nosso)

Das reclamações divulgadas pelos veículos de informações, bem como pelo site do portal

Reclame Aqui, extraí-se, com facilidade, a conclusão de que as condições dos contratos que

eram mantidos pela Golden Cross não estão sendo mantidos pela Unimed Rio. Não estão sendo

verificados os termos, as condições dos contratos, especialmente no que se refere à rede

credenciada de médicos e laboratórios.

Para proteger as legítimas expectativas dos segurados de planos individuais e/ou familiares da

Golden Cross que por hora passaram a ser administrados pela ré Unimed Rio, qual seja a de

continuidade dos contratos celebrados com esta, o que inclui, por óbvio, a manutenção das

condições contratuais originais, não restou alternativa que não a propositura da presente.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

7

II - DO DIREITO

A) DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Como já dito previamente, o consumidor anteriormente cliente da Golden Cross e agora cliente

da ré Unimed Rio, trava uma relação de consumo ao utilizar o serviço prestado pela ré, uma vez

que estabelece, através de um ato subjetivo bilateral, um contrato de prestação de serviços ao

adquirir o produto.

Em outras palavras, a empresa ré enquadra-se no conceito de fornecedora, pelo que devem ser

aplicadas à hipótese dos autos, as regras inseridas no Código de Defesa do Consumidor, que

neste sentido, estabelece no art. 3º, e em seu parágrafo 1º da lei 8.078/90.

Em suma, pelo fato da questão aqui discutida tratar de fornecimento de bens e serviços, não

resta dúvida de que a Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, tem plena

aplicabilidade ao caso ora em discussão.

B) DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR A

DEMANDA

A dúvida com relação à competência da justiça estadual para processar e julgar a demanda

reside na questão de saber se a ANS deve obrigatoriamente estar presente no pólo passivo.

No caso concreto a resposta deve ser negativa, isto porque, conforme se verificará em seguida,

a ré, por força dos princípios da confiança e da boa-fé objetiva, deve dar continuidade aos

contratos que eram administrados pela Golden Cross. Além disso, a ANS tão-somente autorizou

a ré a adquirir a totalidade da carteira de planos individuais/familiares da Golden Cross,

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

8

observando o que dispõe a Resolução nº 112, ou seja, a ré “precisou se comprometer a manter

os mesmos contratos e a mesma rede hospitalar da Golden Cross” (doc......) e não se está

discutindo a validade desta autorização e nem se está pleiteando algo que interferirá na “órbita”

jurídica da ANS.

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS DE TELEFONIA. DEMANDA ENTRE USUÁRIO E CONCESSIONÁRIA. ANATEL. INTERESSE JURÍDICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. TARIFA DE ASSINATURA MENSAL. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. SÚMULA 356/STJ. 1. Pacificou-se a jurisprudência das Turmas da 1ª Seção do STJ no sentido de que, em demandas sobre a legitimidade da cobrança de tarifas por serviço de telefonia, movidas por usuário contra a concessionária, não se configura hipótese de litisconsórcio passivo necessário da ANATEL, que, na condição de concedente do serviço público, não ostenta interesse jurídico qualificado a justificar sua presença na relação processual. 2. Conforme assentado na Súmula 356/STJ, é “legítima a cobrança de tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”. 3. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08 (STJ, REsp. 1068944/PB, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 12/11/2008). PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE TELEFONIA. DEMANDA ENTRE USUÁRIO E A CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. ANATEL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DETALHAMENTO DAS CONTAS, COM A EXATA DESCRIÇÃO DAS LIGAÇÕES LOCAIS. ANÁLISE DE SUPOSTA OFENSA A DISPOSITIVO DE RESOLUÇÃO. NÃO-ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE “LEI FEDERAL”. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. 1. Inexiste interesse jurídico da ANATEL capaz de justificar a sua presença no pólo passivo das ações das ações ajuizadas apenas contra as empresas concessionárias de telefonia, nas quais se pretende ver declara da a necessidade de discriminação detalhada das ligações locais que excedam a franquia mensal. 2. O recurso especial não constitui via adequada para análise de eventual ofensa a resoluções, portarias, ou instruções normativas, por não estarem tais atos normativos compreendidos na expressão “lei federal”, constante da alínea a do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal. 3. Para a demonstração do dissídio jurisprudencial não basta a simples transcrição de ementas, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados. 4. Ademais, o conhecimento do recurso especial fundado na alínea c do permissivo constitucional pressupõe a indicação do dispositivo de lei federal interpretado de modo divergente por outro Tribunal.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

9

5. Agravo regimental desprovido (STJ, AgRg no AgRg no Ag 1012536/AM, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, j. 05/08/2008). RECURSO ESPECIAL – PROCESSO CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – ANATEL – LITISCONSÓRCIO: 1. A Primeira e a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça uniformizaram o entendimento, em relação ao qual saí vencida, no sentido de que a ANATEL não tem interesse jurídico para figurar no pólo passivo das demandas envolvendo a legalidade da cobrança da tarifa de assinatura básica de telefonia, tendo em vista que a repercussão da declaração da ilegalidade da não produz efeitos em sua “órbita jurídica”. 2. Recurso especial provido (STJ, REsp. 893782/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18/03/2008). PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE TELEFONIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DEMANDA ENTRE O USUÁRIO E A CONCESSINÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. ANATEL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DETALHAMENTO DAS CONTAS DE TELEFONIA, COM A EXATA DESCRIÇÃO DAS LIGAÇÕES LOCAIS EFETUADAS PARA CELULAR E DAS RELATIVAS AOS PULSOS QUE EXCEDEM A FRANQUIA MENSAL. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA PRIMEIRA TURMA. RESP 925.523/MG. 1. Não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia. 2. Inexiste interesse jurídico da ANATEL capaz de justificar a sua presença no pólo passivo das ações ajuizadas apenas contra as empresas concessionárias de telefonia, nas quais se pretende repetir valores pagos a título de pulsos além da franquia, diante da ausência de detalhamento das ligações efetuadas, na medida em que os efeitos decorrentes de eventual declaração de ilegalidade da aludida cobrança, assim como os da repetição do indébito, não atingirão a sua órbita jurídica, mas tão-somente a da concessionária de serviço público. 3. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 925.523/MG, de relatoria do Ministro José Delgado (DJ de 30.8.2007), concluiu que o detalhamento das contas de telefonia, com a exata descrição das ligações locais efetuadas para celular e das relativas aos pulsos que excedem a franquia mensal – mediante identificação do número chamado, tempo de utilização e horário em que ditas chamadas foram realizadas -, somente passou a ser obrigatório a partir de 1º de janeiro de 2006, nos termos do inciso X do art. 7º do Decreto 4.733/2003. 4. Decidiu-se, ainda, confrontando-se as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, relativas ao direito de informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com as que regulam a concessão para exploração dos serviços públicos de telefonia, que o detalhamento, a partir da mencionada data, só se tornou obrigatório quando houvesse pedido do consumidor com custo sob sua responsabilidade. 5. O detalhamento pormenorizado das ligações efetuadas pelos usuários dos serviços de telefonia exige, além de diversos requisitos relacionados às limitações da tecnologia utilizada, elevado investimento por parte das

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

10

concessionárias de serviço público. Daí por que a implementação dessas novas facilidades para o consumidor normalmente é prolongada no tempo. 6. Recurso especial parcialmente provido, para julgar improcedente o pedido formulado na inicial (STJ, REsp. 918935/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, j. 13/11/2007). CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ASSINATURA BÁSICA RESIDENCIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. AÇÃO PROPOSTA CONTRA BRASIL TELECOM S/A E ANATEL. INTERESSE JURÍDICO DA AUTARQUIA ESPECIAL AFASTADO PELO JUÍZO FEDERAL. SÚMULA 150 DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Ação proposta em face de empresa concessionária de telefonia e da ANATEL, objetivando o reconhecimento da ilegalidade da “Assinatura Básica Residencial”, bem como com a devolução dos valores pagos desde o início da prestação dos serviços. 2. Interesse jurídico da ANATEL afastado pelo Juízo Federal, a quem compete sindicar sobre esse particular, consoante a Súmula n.º 150 desta Corte Especial (Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas). 3. Consectariamente, ausente o interesse da União Federal na causa em que seja parte empresa privada concessionária de serviço público federal, a competência para processar e julgar a ação fixa-se na Justiça Estadual (precedentes: CC 48.221 – SC, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, 1ª Seção, DJ de 17 de outubro de 2005; CC 47.032 – SC, desta relatoria, 1ª Seção, DJ de 16 de maio de 2005; CC 52575 – PB, Relatora Ministra ELIANA CALMON, 1ª Seção DJ de 12 de dezembro de 2005; CC 47.016 – SC, Relator CASTRO MEIRA, 1ª Seção, DJ de 18 de abril de 2005). 4. Como bem destacou o Juízo Federal: (...) o único ponto controvertido nesta lide é se o pagamento da assinatura básica e residencial – encargo previsto no contrato de prestação de serviços firmado entre o consumidor e concessionária de telefonia – é ou não exigível. Portanto, a relação contratual posta em discussão diz respeito tão somente à concessionária de serviço público (empresa privada) e ao usuário do serviço (consumidor), inexistindo qualquer razão que autorize a inclusão da ANATEL – entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações -, como litisconsorte passivo necessário. É bom salientar que a ANATEL não obriga que as concessionárias cobrem o preço de assinatura, mas apenas fixa o valor máximo que pode ser cobrado. Em outras palavras: nada impede que as concessionárias deixem de cobrar o valor da assinatura básica. Aliás, a própria ANATEL, por intermédio do Ato CD 11.735/2000, publicado no DOU de 15.09.2000, conceituou o preço de assinatura nos seguintes termos: “valor de trato sucessivo pago pelo Assinante à Prestadora, durante toda a prestação do serviço, nos termos do contrato de prestação de serviço, dando-lhe direito à fruição contínua do serviço.” Ainda, a referida agência editou o Ato n.º 37.166, de 26 de junho de 2003, em que homologa os valores tarifários máximos da assinatura residencial,

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

11

não impondo qualquer valor mínimo. Destarte, mais uma vez se observa que a cobrança da assinatura residencial está no plano da relação contratual consumerista (consumidor – concessionária), inexistindo participação direta da ANATEL nesta relação jurídica. Neste contexto, não estão preenchidos os requisitos exigidos para configuração do litisconsórcio necessário, nos termos do art. 47 do CPC, pois tanto pela ausência de dispositivo legal, quanto pela natureza da relação jurídica, não existe qualquer motivo que obrigue a presença da ANATEL no pólo passivo do presente feito. Em suma, não há qualquer participação da ANATEL na relação surgida entre o particular-consumidor e a concessionária de serviços de telefonia, já que ela apenas se limitou a editar normas genéricas fixando o valor máximo das tarifas. Portanto, evidenciado está a ausência de interesse de ente federal na demanda em análise, o que afasta a competência da Justiça Federal (Súmula 150 do STJ). (...) Por todas as razões acima expostas, o presente feito deve ser remetido à Justiça Estadual, posto que não há interesse de qualquer ente arrolado 110 art. 109, I, da Constituição Federal”. (fls. 23/26). 5. Não obstante, a matéria objeto do presente conflito “assinatura básica” tem respaldo em ato da Agência Reguladora e objeto transindividual. Destarte, não só pela complexidade, mas também pelo seu espectro, não se justifica que a demanda tramite nos Juizados Especiais, máxime porque, na essência a repercussão transindividual do resultado da decisão atinge a higidez da concessionária e, ad eventum, da própria Fazenda Pública, poder concedente. Ademais, não é outra a ratio essendi que impede as ações transindividuais nos Juizados. 6. Destarte, ressalvo o meu ponto de vista, porquanto versando a demanda objeto transindividual, revela-se complexa a solução da causa, incompatibilizando-se com os Juizados Especiais, mercê de o art. 3º, da Lei 9.099/95 velar a esse segmento de justiça a cognição de feitos de interesse de concessionárias em razão do potencial fazendário encartado na demanda. 7. Forçoso, concluir, assim, que se os Juizados Especiais não são competentes para as referidas demandas, as mesmas devem ser endereçadas à Justiça ordinária para que, através de ampla cognição plenária e exauriente, possa o Judiciário dispor de interesses notadamente transindividuais, que não são descaracterizadas pela repetição de ação uti singuli, mas calcadas na mesma tese jurídica. 8. Destaque-se, por fim, que a Justiça Estadual pode definir esses litígios deveras complexos sob o pálio da gratuidade de justiça, tornando-se acessível à população menos favorecida que acode aos Juizados Especiais. 9. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE LAGES-SC, com ressalvas (STJ, CC 50231-SC, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, j. 10/05/2006).

Em não sendo obrigatória a presença da ANS no pólo passivo da demanda não há que se falar

em incompetência da Justiça Estadual.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

12

C) DO CONFLITO DE INTERESSES

Conforme acima demonstrado, dois interesses estão em conflito: o do consumidor de usufruir

um serviço relevante para manutenção da sua saúde (a atitude da ré é, muito possivelmente de

propósito, capaz de inviabilizar a continuidade do contrato de muitos consumidores), e,

conseqüentemente, da sua dignidade humana, e o da ré de apenas obter lucro. Se um deles

tiver que ser afastado qual interesse deve ser sobreposto ao outro? Se ambos não puderem ser

afastados, o que deve ser feito para tornar harmoniosa a convivência no mesmo tempo e

espaço?

Segundo o artigo 1º, III, da CF, a resposta é no sentido de que os direitos ligados à dignidade da

pessoa humana, como os direitos aqui tutelados, devem prevalecer sobre os direitos puramente

econômicos. Assim deve ser encarada a hipótese aqui retratada.

D) DOS PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA E BOA-FÉ OBJETIVA, PROTEÇÃO DA LEGÍTIMA

EXPECTATIVA E CLÁUSULAS E PRÁTICAS ABUSIVAS

Os princípios da confiança e da boa-fé objetiva encontram-se hoje consagrados no ordenamento

jurídico pátrio. Não se discute mais a incidência de ambos em toda a teoria dos negócios

jurídicos.

A proteção da confiança, de modo geral, visa garantir um ambiente jurídico estável e previsível

para que os indivíduos possam negociar com segurança.

Por força do princípio da confiança, aquilo que declaratário pode razoavelmente retirar da

declaração, segundo os usos e as circunstâncias do caso concreto, encontra proteção do direito.

Isto significa que, a expectativa do individuo em torno de um negócio jurídico, desde que

legítima – os usos, as circunstâncias do caso concreto e a razoabilidade é que vão aferir a

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

13

legitimidade da confiança – deve ser protegida pelo Direito, seja para obrigar aquele que a criou

seja para fundamentar a responsabilidade civil.

“... em cada Ordenamento, a confiança encontra particular e concreta eficácia jurídica como fundamento de um conjunto de princípios e regras tendentes a assegurar que os indivíduos possam ‘evoluir num meio jurídico estável e previsível, relativamente ao qual ele deve poder dirigir a sua confiança. (...) Embora se saiba que no âmbito do Direito Civil moderno as referências iniciais à confiança estejam ligadas à Teoria do Erro e à Teoria da Aparência, hoje em dia o princípio domina por inteiro a Teoria do Negócio Jurídico, conjugadamente ao princípio da autonomia privada. ... passou a ser conferida à declaração negocial um valor autônomo, desligado da vontade como ato psicológico, porém não mais um valor objetivo e geral, mas sim aquele que o declaratário podia retirar da declaração, segundo os usos e as circunstâncias do caso, aferidos sob o crivo da razoabilidade. (...) ... se por um lado a confiança em um dos fundamentos dos negócios jurídicos, por outro a constituição de uma relação de confiança se realça quando vinculada a uma declaração negocial. E assim o é na medida em que nenhuma ordem jurídica poderia tolerar que os negócios jurídicos fossem atos de leviandade, mutáveis segundo o arb´trio exclusivo de uma das partes, sem nenhuma consideração aos legítimos interesses do alter, destinatário da declaração negocial. Pelo contrário, os negócios jurídicos pressupõem declarações marcadas pela seriedade, sendo as declarações negociais, por sua própria função, especialmente capazes de gerar um qualificado grau de certeza – e, portanto, de confiança – sobre os significados da conduta da contraparte. A manifestação negocial, assim, constitui a confiança legítima, ao mesmo tempo em que o negócio jurídico se fundamenta na confiança gerada pela declaração”. (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações.. FIGUEREDO TEIXEIRA, Sálvio – coord. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 67/70)

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

14

O princípio da boa-fé objetiva atua, conforme se verificará de forma mais detalhada adiante, de

forma a proteger a confiança, a legítima expectativa gerada no consumidor por uma declaração

negocial.

“Convém, todavia, não confundir confiança com boa-fé, na ordem dos princípios jurídicos. Quando se protege a boa-fé, está se protegendo a confiança, mas pode esta ser tutelada sem indagação alguma em torno da boa-fé. Com efeito, a boa-fé sempre esteve mais ligada a características éticas e à confiança, mais relacionada à legítima expectativa, de maneira que, na boa-fé, ‘as expectativas são irrelevantes’. O que se está em jogo é o padrão de comportamento, que se exige seja probo, honesto e leal”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.63) “... o princípio da boa-fé objetiva atua, prima facie, tendo em vista a implementação de deveres de lealdade, cooperação, correção e consideração com os legítimos interesses alheios, inclusos os deveres informativos instrumetalmente necessários à higidez da relação, à sua formação válida e esclarecida e aos seu correto desenvolvimento e adimplemento, pois o bem jurídico subjacente é o da confiabilidade do tráfego negocial”. (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações.. FIGUEREDO TEIXEIRA, Sálvio – coord. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 84/85)

Sublinhe-se que, modernamente, por declaração negocial deve-se entender como tudo aquilo

que interfere decisivamente na vontade do receptor. Note-se que, no regime adotado no CDC,

aplicável à hipótese por ser de consumo a relação existente entre aqueles que a autora está

substituindo processualmente e a ré, a noção de declaração negocial é bem menos rigorosa do

que do regime relativo às relações paritárias, tendo em vista a presença de um vulnerável,

conforme disposto no artigo 30, CDC. Por isso, nas relações de consumo há uma gama muito

maior de contatos sociais capazes de gerar confiança (expectativas legítimas), como

informações, omissões, comportamentos concludentes, aparências, natureza da vantagem

oferecida pelo negócio jurídico.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

15

“O processo obrigacional supõe duas fases não-estanques: (a) a do nascimento e desenvolvimento dos deveres e (b) a do adimplemento. (...) O nascimento dos deveres deriva, normalmente, do negócio jurídico. Contudo, também pode derivar de outros atos e acontecimentos, discernindo-se, geneticamente, entre a fonte negocial e as fontes não-negocial. Deveres de prestação derivam ou do exercício de um ato de autodeterminação (declaração negocial, comportamento concludente ou o silêncio, quando a este é atribuído o valor de aceitação) ou da lei”. (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações. FIGUEREDO TEIXEIRA, Sálvio – coord. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 43/44) “A mais relevante observação que se deve aqui fazer é a chamada de atenção para que não se confunda o instituto jurídico da oferta do direito privado com esse da oferta, criado muito adequadamente a Lei n. 8.078/90. (...) A partir de 11 de março de 1991, toda oferta relativa a produtos e serviços vincula o fornecedor ofertante, obrigando-o ao cumprimento do que oferecer. (...) Seguindo a proposição da redação do art. 30, temos que a norma não estabelece limite ao meio de comunicação na qual a mensagem será transmitida. Toda e qualquer forma ou meio de comunicação está prevista. Vale dizer, televisão, rádio, cinema, jornal, revista, mala direta, folheto, cartaz, outdoor, telemarketing etc.” (RIZZATO NUNES, Luiz Antonio. Comentarios ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 386/389) “Para que exista juridicamente o contrato é necessário que seus elementos essenciais de constituição estejam presentes, dos quais ressalta o concurso de declarações de vontade dos contratantes. Sem o acordo bilateral das vontades não há falar-se em contrato. No entanto, existem situações semelhantes ao contrato que não se formaram com a declaração das vontades das partes envolvidas nessas relações jurídicas. (...) Por essa razão está correto o entendimento de Larenz no sentido de que não se pode equiparar essas condutas aos contratos, porque lhes falta a manifestação da vontade. São isso sim, atos concludentes, atos de utilização, isto é ‘atuação de vontade jurídico-negocial’.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

16

Delas decorreria uma relação obrigatória em virtude de confiança, substituta da vontade no sentido do § 151 do Código Civil alemão (BGB), não sendo possível a alegação de erro porque se trata atuação de vontade que se baseia na vontade de aceitação, atual ou latente. A conseqüência dessa circunstância seria a aceitação do contrato como comportamento socialmente típico”. (NERY JUNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, pp. 510/511) “Modernamente, contudo, com o ‘declínio do voluntarismo’, outras possibilidades de leitura da relação obrigacional têm sido abertas, como, exemplificativamente, a que considera a possibilidade de criação de relação obrigacional provinda não só da vontade (contrato) ou da lei (delito), mas, igualmente, de atos existenciais como os referentes ao suprimento das necessidades básicas dos indivíduos na sociedade contemporânea, manifestados nas ‘condutas condutas socialmente típicas’. Nestes atos, a perquirição do elemento volitivo é descabida, em razão da objetivação produzida pela incidência de fatores sociais típicos da sociedade contemporânea. Não se trata do reconhecimento de uma ‘relação de fato’ – originária da crítica à consagrada expressão ‘relação contratual de fato’ -, mas, como escreve Ludwig Raiser, de estabelecer se é possível qualificar como oferta, ou como aceitação, o comportamento típico de um sujeito em certas situações próprias da sociedade de massas, em especial nos casos de contratação massiva. (...) (...). Entre estes atos e condutas estão, exemplificativamente, os gerados pelo que já se chamou de ‘a força arrebatadora da publicidade’. (...). (...) A expressão contato social provém da sociologia. No direito passou a ser utilizada como fattispecie adequada ao tratamento da responsabilidade pré-negocial, a esta originalmente se limitando. (...). ... apresentando-se graduada ou escalonadamente, a noção de contato social – perspectivada como fattispecie por excelência do direito obrigacional – enseja a incidência, também graduada, da boa-fé objetiva, seja com função limitadora do exercício de direitos subjetivos, seja com função criadora de direitos, deveres e pretensões que passam a integrar a relação obrigacional em seu dinâmico processar-se, compondo-a como uma totalidade concreta. Assim, vista a partir da perspectiva ditada pela noção de contato social, a relação obrigacional não pode mais ser definida como uma soma ou composição ‘fechada’ de direitos e deveres, mas como uma totalidade concreta, que não se confunde com os deveres (e

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

17

poderes, ações, pretensões e exceções) que o vínculo abstratamente encerra. (...). (...) (...). Incidente a boa-fé objetiva em toda relação jurídica decorrente de contato social – e vista a relação obrigacional como uma totalidade e um processo -, percebe-se a agregação, aos deveres contratuais propriamente ditos, geralmente provindos ou da lei ou da vontade (os chamados deveres principais de prestação, correspondentes a cada tipo contratual considerado), de outros deveres, que nomearei por instrumentais ou funcionais. (...) A categoria do contato social, em suma, abrange as vinculações existentes mesmo antes ou até independentemente da celebração de um negócio jurídico, como é o caso, já referido, da responsabilidade pré-contratual. (...)”.(COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no direito obrigacional. São Paulo: RT, 1999, pp. 397/407) “No direito, esse conceito de contato social é visto sob a forma de fonte unitária das obrigações contratuais e extracontratuais, que nada mais são do que modalidades de processo associativos e dissociativos. Em sentido estrito, tem sido utilizado, especialmente, como suporte fático para explicar a responsabilidade pré-negocial com base na incidência do princípio da boa-fé. Apresenta-se como modalidade de relação contratual de fato, que são os vínculos obrigacionais que se formam independentemente de manifestação de vontade dos contratantes, derivando de puros comportamentos materiais e abrangendo três modalidades básicas: os comportamentos sociais típicos, as obrigações nascidas de contratos nulos e as relações obrigacionais nascidas de contatos sociais”. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 195)

Como exposto nos fatos, a ré, de maneira odiosa, adotou práticas e condutas abusivas de um

modo geral que acabaram por resultar na violação dos princípios constitucionais basilares

inseridos em nossa Carta Magna, bem como em nossa legislação consumerista.

Este tipo de conduta se posiciona na contramão do que dispõe os princípios fundamentais da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/1988), da construção de uma sociedade livre,

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

18

justa e solidária (art.3º, I, CRFB/1988), da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC), e da

boa-fé objetiva (4º, III, CDC).

Os princípios da vulnerabilidade, boa-fé objetiva e equilíbrio nas relações de consumo previstos

pelo Código de Defesa do Consumidor (art.4º, I, CDC), em conjunto com o princípio da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/1988), são princípios estruturantes de nosso

ordenamento jurídico, ou seja, são princípios que servem de criação para outros que devem ser

observados na aplicação do caso concreto e correta prestação jurisdicional, e principalmente,

pelos fornecedores que inserem no mercado de consumo seus serviços e produtos mediante

remuneração pecuniária.

Ignorar esta garantia fundamental é o mesmo que permitir o arbítrio dos mais “fortes” sobre os

mais “fracos”, hipossuficientes, como os usuários.

“O ordenamento jurídico, que desde a Revolução Francesa, graças ao princípio da igualdade formal, pôde assegurar a todos tratamento indistinto perante a lei, passa a preocupar-se, no direito contemporâneo, com as diferenças que inferiorizam a pessoa, tornando-o vulnerável. Para o hipossuficiente, com efeito, a igualdade formal mostra-se cruel, sendo-lhe motivo de submissão ao domínio da parte preponderante”. (TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento, in: A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicos/ Cláudio Pereira Souza Neto, Daniel Sarmento, coordenadores. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 317)

O Princípio em foco visa proteger o consumidor das arbitrariedades perpetradas pelo prestador

de serviços ou fornecedor de produtos, principalmente se for levado em consideração que na

relação fornecedor/consumidor, este último é sempre a parte mais vulnerável e fraca da relação,

e é justamente desta vulnerabilidade que a ré faz uso para não prestar um serviço e fornecer um

produto adequado aos seus usuários, restando incontroversa a violação ao mencionado

princípio por parte da ré.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

19

Já o artigo 6º, IV, também do Código de Defesa do Consumidor atesta que, dentre outros, é

direito do consumidor “a proteção contra a publicidade enganosa, bem como as práticas

abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços” (grifos nossos), deixando claro que

o dispositivo acima mencionado está diretamente ligado aos princípios constitucionais da honra

e dignidade das pessoas, inseridos no inciso X do artigo 5º da CRFB/1988, como anteriormente

citado.

Além disso, a atitude abusiva da ré contradiz expressamente o disposto no rol meramente

exemplificativo do artigo 39, que trata das práticas abusivas, pois basta a conduta de um

fornecedor de produtos ou prestador de serviços estar em desacordo com a sistemática e

política de defesa do consumidor para caracterizar sua abusividade.

Segundo a autora Cláudia Lima Marques, “boa fé objetiva significa, portanto, uma atuação

refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o,

respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com

lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando

para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos

interesses das partes”. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das

relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 181/182)

O princípio da boa-fé objetiva, segundo a doutrina, possui três funções básicas: 1) fonte de

deveres de conduta, chamados anexos, ou, como preferem alguns autores, laterais ou

instrumentais, que visam “implementar uma ordem de proteção entre as partes” (MARTINS-

COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das

obrigações. FIGUEREDO TEIXEIRA, Sálvio – coord. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 78); 2)

limitação ao exercício de direitos subjetivos (antes considerados lícitos e agora considerados

abusivos) e 3) interpretação da relação contratual (através de uma visão total dessa) para que

se alcance “o justo”.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

20

“Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual; 1) como fonte de deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos, e 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos e 3) na concreção e interpretação do contrato. A primeira função é uma função criadora (pflichtenbegrundende Funfktion), seja como fonte de novos deveres (Nebenpflichten), deveres de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, de cuidado e de cooperação; seja como fonte de responsabilidade por ato lícito (Vertrauenshaftung), ao impor riscos profissionais novos e agora indisponíveis por contrato. A segunda função é uma função limitadora (Schranken-bzw.Kontrollfunktion), reduzindo a liberdade de atuaçãodos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, seja controlando a transferência dos riscos profissionais e libertando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta (pflichenbefreinde Vertrauensubstande). A terceira é a função interpretadora, pois a melhor linha de interpretação de um contrato ou de uma relação de consumo deve ser a do princípio da boa-fé, o qual permite uma visão total e real do contrato sob exame. Boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais. A proteção da boa-fé e da confiança despertada formam, segundo Couto e Silva, a base do tráfico jurídico, a base de todas as vinculações jurídicas, o princípio máximo das relações contratuais. A boa-fé objetiva e a função social do contrato são, na expressão de Waldírio Bulgarelli, ´como salvaguardas das injunções do jogo do poder negocial´”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, pp. 180/181) “Na relação obrigacional a boa-fé exerce múltiplas funções, desde a fase anterior à formação do vínculo, passando pela sua execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação: interpretação das regras pactuadas (função interpretativa), criação de novas normas de conduta (função integrativa) e limitação dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direito). (...) A função integrativa da boa-fé permite a identificação concreta, em face das peculiaridades próprias de cada relação obrigacional, de novos deveres, além daqueles que nascem diretamente da vontade das partes. Ao lado dos deveres primários de prestação, surgem os deveres secundários ou acidentais da prestação e, até mesmo, deveres laterais ou acessórios de conduta. Enquanto os deveres secundários vinculam-se ao correto cumprimento dos deveres principais (v.g. dever de conservação da coisa até a tradição), os deveres acessórios ligam-se diretamente ao correto processamento

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

21

da relação obrigacional (v.g. deveres de cooperação, de informação, de sigilo, de cuidado).(...) Na sua função de controle, limita o exercício de direitos subjetivos, estabelecendo para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de ater-se aos limites traçados pela boa-fé, sob pena de uma atuação antijurídica. Evita-se, assim, o abuso de direito em todas as fases da relação jurídica obrigacional, orientando a sua exigibilidade (pretensão) ou o seu exercício coativo (ação)”. (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 59)

O dentre os deveres anexos, que decorrem da função criadora de deveres anexos do princípio

da boa-fé objetiva, possui grande relevância o dever de informação. A relevância é clara: dar

condições para que os consumidores, naturalmente vulneráveis e fragilizados nas relações que

estabelece no mercado de consumo, possam contratar de forma racional, ou melhor, fazer

escolhas acertadas. Assim, pode o consumidor contratar já sabendo, ou tendo uma idéia, do

que “irá encontrar pela frente”.

“A fragilidade do consumidor sintetiza a razão de sua proteção jurídica pelo Estado. O consumidor é a parte frágil nas mais diversas e variadas relações jurídicas estabelecidas no mercado. Ante essa constatação, diversos países, especialmente a partir da década de 70, editaram normas de tutela dos interesses dos consumidores. Como reflexo dessa preocupação, a ONU, em 1985, por meio da Resolução 39/428, recomendou que os governos desenvolvessem e reforçassem uma política firme de proteção ao consumidor para atingir os seguintes propósitos: proteção da saúde e segurança; fomento e proteção dos interesses econômicos do consumidor; fornecimento de informações adequadas para possibilitar escolhas acertadas; educação do consumidor; possibilidade efetiva de ressarcimento do consumidor e liberdade de formar grupos e associações que possam participar das decisões políticas que afetem os interesses dos consumidores” (BESSA, Leonardo Roscoe. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e assimetrias/ coordenadores Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, Adalberto Pasqualotto. São Paulo: RT, 2005, pp. 282/283)

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

22

“A abrangência do dever de explicar é uma questão de necessidade: quando um especialista compra uma máquina complicada, o vendedor já pode pressupor certos conhecimentos; no entanto, no caso de produtos novos ou ainda não conhecidos no mercado, o vendedor deve explicar detalhadamente com usá-los”. (FABIAN, Christoph. O Dever de Informar no Direito Civil. RT: São Paulo, 2002, p. 127) “Neste momento de tomada da decisão pelo consumidor, também deve ser dada a oportunidade do consumidor conhecer o conteúdo do contrato (veja art. 46 do CDC), de entender a extensão das obrigações que assume e a abrangência das obrigações da prestadora de serviços, daí a importância do destaque e clareza das cláusulas contratuais”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, o novo regime das relações contratuais. RT: São Paulo, 2002, p. 191)

Em sua função de limitação ao exercício de direitos subjetivos a boa-fé objetiva atua impondo a

condição de ilícito o exercício de um direito subjetivo que defrauda uma legítima expectativa, ou

seja, classifica com ilícito um comportamento contraditório. Com efeito, considera-se

contraditório um comportamento que está em contradição com um outro comportamento,

anterior, que tenha gerado confiança na sua continuidade.

“Na função de baliza da licitude a boa-fé atua por seu vetor confiança para coibir condutas que defraudem a expectativa de confiança. (...). Neste papel a boa-fé indicará, então, as variadas possibilidades técnicas de coibição do exercício de direitos e poderes formativos (dimensão negativa) quando violadores de uma confiança legitimamente suscitada. Essa violação importará em ilicitude por exercício disfuncional, como ocorre, por exemplo, nas situações em que é vedado venire contra factum proprium...” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações. FIGUEREDO TEIXEIRA, Sálvio – coord. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 93)

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

23

A boa-fé objetiva, em sua função interpretadora da relação obrigacional, atua preenchendo

lacunas, superando imprecisões, reconhecendo obrigações e direitos, tudo segundo o caso

concreto e os padrões da pessoa honesta, proba. Protege-se a expectativa legítima.

“Como o juiz não tem o poder de substituir ou modificar o acordo de vontades formador de contrato, o que lhe cabe, ao aplicar o princípio da boa-fé objetiva, é: a) interpretar o contrato para preencher suas lacunas ou superar suas imprecisões, reconhecendo obrigações e direitos que seriam usuais nos negócios da espécie, segundo os padrões observados pelasa pessoas corretas no meio0 social em que o negócio jurídico se aperfeiçoou.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 28)

Diante das observações acima feitas, passa-se ao exame do caso concreto.

Os contratos de planos de saúde são classificados como contratos cativos de longa duração,

tendo em vista que, com o passar do tempo, por força das vantagens que vão sendo

incorporadas (cumprimento de prazos de carência, confiança com determinados médicos e

estabelecimentos hospitalares credenciados, preço da mensalidade), o consumidor passa a

depender da continuidade da relação com suas bases originais. Neste sentido, a extinção da

relação pode vir a ser altamente prejudicial aos interesses do consumidor. Por óbvio, a

expectativa que naturalmente decorre deste tipo de negócio jurídico é a de que a relação

obrigacional perdurará, com suas bases originais, durante toda a vida do consumidor, salvo se

algum acontecimento que independe da vontade das partes da relação ocorra (diminuição

drástica das condições financeiras do consumidor, falência não fraudulenta do fornecedor).

“... os contratos de planos de saúde e seguro saúde, como hoje estão presentes no mercado brasileiro, são contratos de alta catividade. Com o avançar da idade do consumidor, com o repetir de contribuições ao sistema e com o criar de expectativas legítimas de

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

24

transferência de riscos futuros de saúde, os consumidores só tem a perder saindo de um plano. Assim, por exemplo, passados mais de 15 anos de convivência e cooperação contratual, rescindir o contrato ou terminar a relação contratual seria altamente negativo para os consumidores. Há o dever de boa-fé de cooperar para a manutenção do vínculo e para a realização das expectativas legítimas dos consumidores”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, p. 419)

Conforme já observado na narrativa dos fatos existe uma alteração de contrato unilateral,

quando a ré, ao adquirir a carteira de planos individuais/familiares da Golden Cross, impede que

os consumidores sejam atendidos pelos médicos que estavam acostumados; impede que façam

seus exames nos laboratórios de confiança, pelo simples fato dos mesmos não serem

credenciados pela ré. Para o consumidor essa compra de carteira não pode prejudicá-lo, de

maneira alguma.

Diante da natureza do contrato de plano de saúde (cativo de longa duração) a atitude da ré de

não observar as condições dos contratos firmados com a Golden Cross e obedecer à rede

credenciada anteriormente existente, é abusiva (artigo 187, CC 2002 e artigo 51 do CDC), tendo

em vista que contraria as expectativas legítimas criadas nos consumidores (de que a Unimed

Rio irá manter integralmente as condições vigentes dos contratos adquiridos sem restrições de

direitos ou prejuízos para os beneficiários), é contrário (o exercício do direito) à boa-fé.

Diante de tudo o que foi exposto neste item resta indene de dúvidas de que a ré é responsável

pela continuidade dos contratos administrados pela Golden Cross e em conformidade com as

obrigações contratuais e legais destes, logo é parte legítima para figurar no pólo passivo da

presente demanda.

Além da responsabilidade pela continuidade dos contratos administrados pela Golden Cross,

deve ser reconhecida a obrigação da ré de proceder a continuidade sem a necessidade de o

consumidor comparecer a uma sede para celebrar um novo contrato. Tal obrigação se justifica

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

25

(1) no fato de que se trata de continuidade de um contrato já celebrado, por isso desnecessária

a celebração de um novo contrato; (2) no fato de que a imposição de comparecimento a um

local para assinatura de um novo contrato configura obstáculo ao direito do consumidor; e (3)

por força das regras previstas no artigo 13 da Lei n.º 9.656/98. Note-se que as regras do

dispositivo citado podem ser aplicadas por analogia aos contratos celebrados antes do inicio da

vigência da Lei n.º 9.656/98, tendo em vista a inexistência de regramento anterior sobre a

questão.

Artigo 13, Lei n.º 9.656/98. Os contratos de produtos de que tratam o

inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei têm renovação automática s partir

do vencimento dom prazo inicial de vigência, não cabendo a

cobrança de taxa ou qualquer outro valor no ato da renovação.

Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados

individualmente, terão vigência mínima de 1 (um) ano, sendo

vedadas:

I – a recontagem de carências;

II – a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude

ou não pagamento da mensalidade por período superior a 60

(sessenta) dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 (doze) meses

de vigência do contrato, desde que o consumidor seja

comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de

inadimplência; e

III – a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer

hipótese, durante a ocorrência de internação do titular.

Abaixo, segue entendimento dos Tribunais.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

26

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO ANTIGO. CIRURGIA PARA IMPLANTAÇÃO DE STENTS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COBERTURA CONTRATUAL. DANOS MORAIS. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. Aplicam-se aos contratos de seguro - saúde celebrados antes do advento da lei 9656/98, as disposições nele constantes. Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte Estadual de Justiça, é nula a cláusula que exclui da cobertura a prótese cardíaca. Danos morais bem fixados. Recursos improvidos (TJRJ, Ap. Cív. 2008.001.28183, 12ª Câm.Cív., Rel DES. CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. PLANO DE SÁUDE. NEGATIVA DE AUTORIZAÇÃO PARA O AUTOR SUBMETER-SE A TRATAMENTO DE QUIMIOTERAPIA. ALEGAÇÃO DE QUE A CELEBRAÇÃO DO CONTRATO OCORREU NO ANO DE 1990, OU SEJA, ANTES DA EDIÇÃO DA LEI NOVA. VIGÊNCIA DO CONTRATO QUANDO DA EDIÇÃO DA LEI Nº 9.656/98. PRORROGAÇÃO DE CONTRATO ANTIGO QUE DEVE RECEBER A PROTEÇÃO DA NOVA LEGISLAÇÃO. VALOR DA CONDENAÇÃO NOS DANOS MORAIS QUE MERECE SER REDUZIDA LEVANDO-SE EM CONSIDERAÇÃO AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO (TJRJ, Ap. Cív. 2007.001.38673, 8ª Câm.Cív., Rel DES. LUIZ FELIPE FRANCISCO)

E) RESTITUIÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS E PAGOS

A primeira parte do parágrafo único do artigo 42 do CDC, dispõe ser direito do consumidor que a

restituição da quantia indevidamente cobrada (e paga) deva ser efetuada em valor igual ao seu

dobro, acrescido de correção monetária e juros legais.

Ainda que não tenha ocorrido qualquer ameaça (como a de cancelamento do contrato de plano

de saúde), constrangimento, haverá o direito à restituição em dobro do valor pago em excesso,

tendo em vista que o direito previsto no parágrafo único do artigo 42 do CDC, cujo objetivo é

proteger o consumidor das artimanhas dos fornecedores não afetos a um comportamento

conforme a boa-fé objetiva, não está condicionado à ocorrência das hipóteses previstas no

caput do dispositivo, como normalmente ocorre com dispositivos que assim estão estruturados

(com caput e parágrafos).

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

27

Comentando o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, Sergio Cavallieri Filho apresenta entendimento semelhante: “Diria inicialmente que, a rigor, este parágrafo deveria ser um artigo, dada a relevância que ele tem. Normalmente, o parágrafo é uma exceção à regra que está no caput, ou uma peculiaridade, uma circunstância decorrente do caput. Em um parágrafo não se introduz uma nova disciplina, como se fez aqui. Nesse parágrafo único temos uma cláusula geral de responsabilidade até mais abrangente do que a do caput”. (CAVALIERI FILHO, Sergio. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e assimetrias. Coordenadores Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, Adalberto Pasqualotto. São Paulo: RT, 2005, p. 209)

A discussão acima é estéril, tendo em vista ser perfeitamente possível a necessidade do

consumidor ter que pagar pela consulta particular de seu médico de confiança, ou pelo exame

laboratorial no laboratório de sua confiança, credenciados pela Golden Cross, mas que não são

credenciados pela ré Unimed Rio, o que não aconteceria caso a ré desse continuidade aos

contratos administrados pela Golden Cross sob as mesmas condições (contratuais e legais).

Segundo visto na narrativa dos fatos, a ré prometeu manter as mesmas condições dos contratos

administrados pela Golden Cross, conforme disposto em seu site: “As condições contratuais

deste grupo de clientes serão mantidas e todos os direitos preservados”. Na prática, a mesma

está, repita-se, segundo denuncias de consumidores, impedindo a marcação de consultas com

médicos credenciados pela Golden Cross, bem como a realização de exames laboratoriais,

posto que a rede credenciada não é a mesma. Além disso, a ré, conforme reportagens

anexadas à inicial, não manterá as condições dos contratos que eram administrados pela

Golden Cross, condições estas que englobam, dentre outras coisas, a rede credenciada.

Especialmente se os efeitos da tutela não forem antecipados conforme o pedido que será

abordado de forma mais detalhada em seguida, centenas de consumidores não poderão mais

ser acompanhados por seus médicos de confiança, entre eles idosos, gestantes, crianças,

doentes crônicos, enfim, um grupo de pessoas que particularmente necessitam estar amparados

por médicos de confiança e que conhecem a fundo seus problemas. Os poucos que tiverem

condições financeiras terão que custear a consulta com esses médicos para poderem continuar

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

28

usufruindo da segurança que um médico de confiança lhes proporciona, além de continuar

pagando pelo plano de saúde, outros, vale mencionar, por não terem condições, terão que

procurar outros médicos, desconhecidos ou ficarão sem plano de saúde, posto que é cada vez

mais difícil conseguir fazer uma plano de saúde individual.

F) DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

De acordo com as regras da responsabilidade civil objetiva prevista no Código de Defesa do

Consumidor, responde o fornecedor de bens e serviços pelos danos causados ao consumidor

quando presentes três pressupostos: conduta voluntária (ação ou omissão), ainda que não

culposa ou dolosa; dano; e o nexo de causalidade entre a primeira e o segundo.

“A responsabilidade por danos decorre da propagação do vício de qualidade, alcançando o consumidor e inclusive terceiros, vítimas do evento, e supõe a ocorrência de três pressupostos: a) defeito do produto; b) eventus damni; e c) relação de causalidade entre o defeito e o evento danoso”. (DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 177)

Conduta voluntária

A conduta voluntária no caso aqui discutido reside no próprio fato dos consumidores que eram

clientes da Golden Cross Brasil e que agora passaram a pertencer à carteira de clientes da ré,

não mais poderem ser atendidos pela rede credenciada a que estavam acostumados, pior, à

rede credenciada constante de seus contratos, simplesmente porque a ré não está respeitando

os contratos firmados.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

29

Do dano

Segundo Paulo Jorge Scartezzini Guimarães “dano é toda diminuição no patrimônio de uma

pessoa, entendendo-se o termo ‘patrimônio’ em seu sentido lato, abrangendo tanto os bens

materiais como os imateriais”. (Vício do produto e do serviço por qualidade, quantidade e

insegurança: cumprimento imperfeito do contrato. São Paulo: RT, 2004, p. 314)

Acrescenta o mencionado autor que quando ocorre o cumprimento imperfeito de uma obrigação,

ou obrigações, “podem surgir três tipos de dano: O primeiro, concernente às despesas

contratuais; o segundo, chamado de dano circa rem, ligado aos prejuízos causados na coisa ou

diretamente relacionados ao cumprimento imperfeito; por último, os danos causados na pessoa

ou em outros bens do credor, de terceiros ou ligados indiretamente ao vício, chamados de dano

extra rem”. (Ob. Cit. p. 314)

Segundo pode ser constatado através das reclamações dos consumidores a ré não está

cumprindo com a obrigação de manter os contratos. Outrossim, conforme matéria do Jornal O

Globo (doc…..) a ré Unimed Rio afirma que “a rede hospitalar será mantida, mas não há

obrigatoriedade de manter os mesmos médicos nem a mesma rede de exames para os 160 mil

usuários de planos individuais e familiares da Golden Cross em todo o país”.

Desta forma, a rede credenciada da Golden Cross deixou de integrar o contrato, logo, o

consumidor que adquiriu o serviço acreditando que poderia ser consultado por um médico

determinado e que poderia fazer seus exames laboratoriais no laboratório de sua confiança e

que paga por isso se tornou vítima de um caso típico de prática abusiva, prevista no artigo 51 do

CDC, em razão da alteração unilateral do contrato.

A partir deste viés, que os danos causados aos consumidores, as perdas e danos são

inevitáveis, entender de forma diversa é o mesmo que permitir o enriquecimento sem causa (art.

884, CC/2002) e a vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V, CDC).

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

30

E mais, o Código de Defesa do Consumidor elencou no artigo 6º, os direitos básicos do

consumidor, dentre eles o direito de ter a reparação pelos danos materiais e morais sofridos (6º,

VI), conforme acima esposado.

Vê-se que os fatos que resultam nos descumprimentos contratuais não são isolados, as

reclamações retratam expressamente a potencialidade dos danos que mostra, portanto, a

relevância social do caso dos autos, logo o dano coletivo é irrefutável, e viola a boa-fé objetiva.

Nexo causal

O nexo causal “Refere-se o terceiro elemento à relação de causalidade entre o cumprimento

imperfeito e o dano. Assim, o cumprimento imperfeito deve ser a causa, a gênesis, a origem,

enquanto o dano, a sua consequência”. (GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios do

produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do

contrato. São Paulo: RT, 2004, p. 338).

O nexo de causalidade entre o dano e a conduta voluntária podem ser vistos nas provas

apresentadas nessa demanda, conforme reclamações e queixas dos consumidores extraída das

matérias jornalísticas e do sítio eletrônico especializado na defesa do consumidor que serve

como um verdadeiro termômetro para avaliar o grau de reincidência e a insatisfação presente no

mercado de consumo por culpa dos fornecedores de bens e serviços.

Assim dispõe o Código Civil acerca da responsabilidade do causador do dano,

independentemente de culpa:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

31

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

A responsabilidade objetiva surge a partir do momento em que o prestador de serviço deixa de

cumprir determinada obrigação, ou ainda, que sua atitude venha a ocasionar dano a outrem,

surgindo daí o entendimento de que se trataria de um dever jurídico sucessivo, vindo somente a

existir após a violação de um dever jurídico originário (contratual ou extracontratual).

Ainda, o Código de Defesa do Consumidor cuidou de fixar a responsabilidade civil objetiva dos

fornecedores da cadeia de fornecimento de consumo, dispensando a obrigatoriedade de culpa,

como se vê, em especial, nos arts. 12, e 14:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (sublinhamos)

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

32

Desta feita, conclui-se que, em se tratando de danos ou prejuízos verificados no fornecimento

de bens e serviços no mercado de consumo, segundo os conceitos do CDC — ou resultantes

dos riscos inerentes ao produto em circulação ou à própria natureza da atividade — a

responsabilidade do fornecedor é objetiva, independente de culpa.

Na doutrina de SÉRGIO CAVALIERI FILHO:

“todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos (...) O consumidor não pode assumir os riscos das relações de consumo, não pode arcar sozinho com os prejuízos decorrentes dos acidentes de consumo, ou ficar sem indenização. Tal como ocorre na responsabilidade do Estado, os riscos devem ser socializados, repartidos entre todos, já que os benefícios são também para todos. E cabe ao fornecedor, através dos mecanismos de preço, proceder a essa repartição de custos sociais dos danos. É a justiça distributiva, que reparte equitativamente os riscos inerentes à sociedade de consumo entre todos, através dos mecanismos de preços, repita-se, e dos seguros sociais, evitando, assim, despejar esses enormes riscos nos ombros do consumidor individual.” 1

Para fazer jus à indenização, nestes casos, basta que o usuário comprove que era cliente-

usuário de plano individual e/ou familiar da Golden Cross e que foi absorvido pela ré Unimed

Rio.

1 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed. Editora Malheiros, 2001. p. 366.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

33

Tomando por vista tais características, fica fácil concluir que todos esses consumidores, clientes

da Golden Cross que agora integram a carteira da ré, fazem jus à indenização por violação as

normas e ditames legais inseridas na Lei 8078/90, afinal, é inegável que o dano, nesse caso,

ocorre in re ipsa, ou seja, decorre do próprio fato do ato ilícito.

Apelação Cível. Consumidor. Alegação de vício do produto. Aquisição de Notebook. Inabilitação do programa "Office" após 60 dias de uso. Programa que não acompanha o produto (computador), tão pouco o sistema operacional Windows Vista. Produto que deve ser adquirido diretamente pelo consumidor. Em que pese a responsabilidade do Réu ser objetiva, é imprescindível a comprovação da falha na prestação do serviço, do dano e do nexo de causalidade. Inversão ônus da prova (art.6º, VIII do CDC) que não é automática, cabendo ao Autor comprovar os fatos constitutivos de seu direito. Incensurável a sentença recorrida. Recurso manifestamente improcedente, negativa de seguimento na forma do caput, do art. 557, do Código de Processo Civil. DES. MARILIA DE CASTRO NEVES - Julgamento: 30/04/2010 - DECIMA CAMARA CIVEL 0018514-17.2008.8.19.0066 - APELACAO (grifos nossos)

A idéia de dano moral in re ipsa (decorrente do próprio fato) surge como solução para um dos

grandes questionamentos feitos pela doutrina no período de irreparabilidade. Como convencer,

pelos meios convencionais de prova, que o possível lesado sentiu-se atingido, por exemplo, em

seus direitos da personalidade. Que sentiu, diante da violação ao direito, angústia,

aborrecimento, tristeza, humilhação, etc. Seguindo o entendimento jurisprudencial acima

transcrito, apesar do CDC trazer em seu bojo hipóteses de inversão do ônus da prova a favor do

consumidor, é deste a obrigação de constituir prova mínima de sua afirmação, que no caso

concreto é facilmente constatado pelos fatos, argumentos e provas trazidas a baila.

O fato é que o ato ilícito, quando reúne determinadas características, é capaz, por sua própria

natureza, de causar danos de ordem imaterial ao ofendido. Situação que não é passível de

impugnação por sua obviedade. Nestes casos, até mesmo o exercício do direito de defesa, com

base na inexistência de dano, se mostra abusivo, pois afinal, salvo comprovada a inexistência

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

34

do próprio fato, a responsabilidade civil se aplica (in re ipsa) e prescinde a produção de qualquer

prova em contrário.

Não há sensação pior para um consumidor de bens e serviços do que a sensação de ser

enganado, essa conduta fere diretamente a boa-fé objetiva que deve ser uma via de mão dupla,

ou seja, as partes devem ser leais entre si, aliás, esse é o entendimento da renomada Cláudia

Lima Marques:

“Boa fé objetiva significa, portanto, uma atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes”. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, ed. Revista dos Tribunais, São Paulo 2002, pp. 78/90).

G) DA INDENIZAÇÃO COLETIVA COMPLEMENTAR POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS.

Lamentavelmente, a proporção entre o número de consumidores atingidos pelo não

cumprimento dos contratos anteriormente firmados com a Golden Cross e agora absorvidos pela

ré e a quantidade daqueles que efetivamente serão indenizados, ou que buscarão reparação

junto a ré, é sempre desproporcional.

Tal situação, como em muitos outros casos em que se observa a ocorrência de danos em

escala (massa), é absolutamente incompatível com os propósitos da Política Nacional de

Relações de Consumo e cria uma lacuna perigosa na efetiva realização do Direito.

Se o dever de indenizar é inerente ao fornecimento de bens e serviços colocados no mercado

de consumo, e por isso integra o risco do empreendimento, é fato que também integra a

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

35

equação econômico/empresarial que acompanha a sua disponibilização no mercado. Logo, se

por algum motivo determinada indenização devida não é paga, a despesa não efetivada

desequilibra a balança em desfavor do Direito. Pois permite violar um valor social.

Isso significa dizer que se o fornecedor de bens e serviços, ao colocá-lo no mercado, calcula os

riscos de seu empreendimento pulverizando as perdas entre todos os usuários, e, tais perdas

são significativamente menores do que as projeções; lucra mais com o negócio. Porém, essa

lucratividade excessiva pode ser legitima ou ilegítima dependendo de sua origem. Se é fruto de

boa gestão empresarial: de planejamento, estratégia, administração, economia, é respaldada

pelo Direito. Por outro lado, se decorre de violação a esse: sonegação fiscal, violação a direitos

trabalhistas, etc., não pode ser aceita e revestida de legitimidade.

No que se refere à responsabilidade civil do fornecedor de produto ou serviço, a premissa se

confirma pela leitura das regras do artigo 944, do C.C. – teoria da reparação integral do dano – e

do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor. Esse último, que determina a publicação de

edital para convocar a coletividade de lesados a participar dos processos coletivos.

“A indenização mede-se pela extensão do dano”. (art. 944, C.C.) “Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor”. (art. 94, CDC)

O dispositivo do Código de Defesa do Consumidor (art. 94), associado à regra do artigo 100 do

mesmo diploma legal não deixa dúvidas. Nos casos em que a falha é de tal magnitude que

atinja a uma coletividade indeterminada de consumidores, a reparação integral só se alcança

quando indenizados todos os lesados, ou, na impossibilidade, um considerável número que

represente a classe (class).

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

36

Trata a regra do artigo 94 do CDC de obrigação instrumental de fazer que tem dois principais

objetivos: 1) dar conhecimento à coletividade de consumidores acerca da demanda coletiva

proposta pelo substituto processual, possibilitando a execução individual e 2) viabilizar o manejo

processual da tutela em grau de class action.

“A class action do sistema norte-americano, baseado na equity, pressupõe a existência de um número elevado de titularidade de posições individuais de vantagem no plano substancial, possibilitando o tratamento processual unitário e simultâneo de todas elas, por intermédio da presença, em juízo, de um único expoente da classe. Encontrando seus antecedentes no Bill of Peace do século XVII, o instrumento, antes excepcional, acabou aos poucos adquirindo papel que hoje é visto pela doutrina como central no ordenamento dos Estados Unidos da América, ampliando como foi, de início com contornos imprecisos, até ser disciplinado pela Federal Rules of Civil Procedure de 1938”. (GRINOVER, Ada Pellegrini. et. al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. – 8ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005)

Sendo de conteúdo instrumental, o artigo 94 do CDC não tem existência autônoma. Está

previsto no Capítulo II do Código de Defesa do Consumidor exclusivamente para viabilizar a

tutela dos interesses individuais homogêneos em sua dimensão coletiva (art. 6º, VI e 98 do

CDC).

A premissa de dependência processual (art. 94, do CDC) do dispositivo – e sua

instrumentalidade – é confirmada por toda sistemática que lhe segue.

Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidos pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

37

Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. (...) Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei n. 7.347, de 24 de junho de 1985, e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento. Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida do Fundo criado pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas. Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. (grifamos)

Os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, como se observa, disciplinam a matéria de

forma a criar regras contemplares entre o plano individual e coletivo dos danos, deixando aos

legitimados para a propositura de ações coletivas de consumo (art. 82) instrumental que permita

a execução, também coletiva, de eventual condenação pecuniária não reclamada pessoalmente

pelos integrantes da classe lesada (artigo 3º da Lei 7.347/1985).

Eis, talvez, o fator que mais contribua para o não acesso ao judiciário por parte dos

consumidores, ora clientes da ré. Situação que compromete sobremaneira a realização do

princípio da reparação integral (art. 944, C.C.) e da inafastabilidade (art. 5º, XXXV, da CRFB).

Vale tecer alguns comentários sobre o regime de tratamento da matéria no sistema legal

brasileiro.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

38

A metodologia de responsabilidade civil brasileira trata o instituto de forma ampla. Assim sendo,

encampa a chamada teoria da reparação integral, segundo a qual, a reparação é medida pela

extensão do dano; admitindo-se, inclusive, a reparação por danos extrapatrimoniais (art. 5º, V e

X da CRFB e 6º, VI, do CDC).

“O princípio da reparação integral, hoje pedra angular na responsabilidade civil, revela-se conquista recente do ordenamento jurídico brasileiro. Conforme já se pôde demonstrar em outra sede, data de 1966 a decisão do Supremo Tribunal Federal que admitiu, pela primeira vez, a reparabilidade dos danos morais, muito embora a decisão transparecesse, ainda, apego à ótica patrimonialista. Até a Constituição da República de 1988, a jurisprudência, no que tange à reparabilidade dos danos morais, mostrou-se, grosso modo, vacilante. Debatia-se quanto à possibilidade de se cumularem indenizações por danos morais e por danos materiais sofridos em razão de um mesmo fato. Sob a rubrica de dano moral, ressarciam-se, a rigor, danos patrimoniais duvidosos, travestidos ora de danos emergentes ora de lucros cessantes, e não propriamente os efeitos não patrimoniais da lesão. Na morte de um filho, v.g., a indenização, por ‘dano moral’, era calculada com base nos gastos que os pais tiveram até então com a criança, e na expectativa de que, no futuro, ela lhes pudesse conferir algum tipo de renda, mesmo que não exercesse ainda algum trabalho remunerado. A visão – repita-se – vinculava-se estritamente aos valores patrimoniais da lesão. Daí porque, para evitar eventual bis in idem, entendia-se não ser possível o ressarcimento simultâneo de danos materiais e morais, em confusão conceitual que perdurou por mais de duas décadas. A temática somente adquiriu novos perfis com a promulgação do Texto de 1988. Nos dizeres clássicos de Caio Mário da Silva Pereira, ‘a Constituição Federal de 1988 veio a pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral’, já que consagrou, nos incisos V e X do art. 5º, a plena reparabilidade da espécie. O Código Civil de 2002, a seu turno, sufragou o referido entendimento, não obstante, à época de sua promulgação, a discussão já estivesse superada, concentrando-se jurisprudência e doutrina não mais na admissão do dever reparatório e sim (i) na delimitação das hipóteses de reparação e (ii) na aferição do quantum debeatur – nos critérios de quantificação dos danos extrapatrimoniais. Assim, desde o advento da Constituição Federal, de 1988, já não mais se discute quanto à possibilidade de se cumularem indenizações por danos morais e materiais resultantes de um único fato. Prevaleceu no Superior Tribunal de Justiça o entendimento cristalizado no verbete nº 37 de sua Súmula: ‘são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato’. O enunciado retrata significativo avanço no processo de consagração do princípio da reparação integral dos danos”. (...)

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

39

Inserido nesse contexto retratado acima é que o caput do art. 944 do Código Civil prevê a regra da extensão do dano como medida de indenização. Significa que a indenização deve cobrir o dano em toda a sua amplitude. Ou, por outras palavras, a reparação deve alcançar todo o dano. Precisa ser integral, pois. Nesse aspecto, o legislador de 2002, “engenheiro de obras feitas”, não trouxe qualquer inovação ao sistema vigente. Com a promulgação do Código Cívil, a rigor, consagrou-se de modo expresso princípio que já vigorava plenamente no ordenamento jurídico brasileiro, posto que implícito. (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Artigo 944 do Código Civil: O problema da mitigação do Princípio da Reparação Integral. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro – nº 63 – disponível em: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/168750/DLFE- 29275.pdf/rev630304Artigo944CProblemaMitigacaoPrincipioReparacaoIntegral.pdf)

Foi “de olho” na teoria da reparação integral que o legislador do Código de Defesa do

Consumidor previu, no artigo 100, uma hipótese coletiva de execução para as situações em que

os danos, considerados em sua dimensão individual, desestimulem o consumidor a buscar a

reparação; mas, tomados em sua dimensão coletiva (massificada), não possam deixar o

fornecedor a margem do sistema de responsabilização civil.

A medida, assemelhada às chamadas “Fluid Recovery” norte americanas, amolda-se

perfeitamente ao sistema brasileiro e cumpre especial papel dentro da política de acesso

(“ondas de acesso”) ao judiciário internalizada ao sistema jurídico pela Constituição de 1988 (art.

5º, XXXV, da CRFB).

Dentro de um sistema judicial em que a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da

CRFB) ainda é um sonho distante. E que os ônus processuais – incluindo o descrédito nas

instituições – ainda são capazes de promover um contra fluxo subjetivo na garantia de acesso, a

possibilidade de reparação coletiva dos danos massificados surge como única solução para o

“vácuo” deixado pela ausência de iniciativa dos indivíduos diretamente atingidos.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

40

Várias situações coletivas de consumo são emblemáticas nesse aspecto, afinal, em muitas

delas, como no caso em análise, não é de se esperar que cada consumidor, e todos eles,

individualmente, ingressem com ações para verem-se reparados. Isso, entre outras coisas, é o

que dá fundamento teleológico para as previsões de substituição processual previstas na

legislação de consumo, ambiental, etc.

Se o Direito dependesse, nesses casos, exclusivamente da ação individual dos lesados para

ver-se efetivado, certamente estaria fadado a perecer.

Vale dizer que sob esse argumento, e com voto da Ministra Eliana Calmon, o Superior Tribunal

de Justiça reconheceu a possibilidade de indenização extrapatrimonial coletiva no julgamento do

REsp. 1.057.274 - RS.

“... as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227 STJ)”. (SJT – Recurso Especial nº 1.057.274 – RS – Relatora: Ministra Eliana Calmon – julgamento em: 01/12/2009) (grifos nossos)

Nessas hipóteses, a tutela coletiva se presta a defender mais o Direito, como expressão e valor

socialmente relevante para determinado grupo de indivíduos, do que o indivíduo em si mesmo

considerado. É uma garantia coletiva ou coletivizada de vários interesses individualmente

tutelados.

Diz-se o Direito, pois, ao contrário do que se dá na reparação a nível individual – que objetiva

reconduzir o indivíduo à condição anteriormente observada – a tutela coletiva não objetiva

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

41

apenas à reparação; atua, na maior parte das vezes, em uma esfera que mescla punição,

reparação, prevenção e precaução de novas violações à lei. Isso é o que aproxima a disciplina

do dano extrapatrimonial coletivo das teorias de prevenção do Direito Penal.

“... em face da exagerada simplicidade com que o tema foi tratado legalmente, a par da ausência de modelo teórico e sedimentado para atender aos conflitos transindividuais, faz-se necessário construir soluções que vão se utilizar, a um só tempo, de algumas noções extraídas da responsabilidade civil, bem como de perspectiva própria do direito penal” (BESSA, Leonardo Roscoe. Dano moral Coletivo. In. Revista de Direito do Consumidor nº 59. 2006).

De forma geral, o dano extrapatrimonial coletivo é melhor compreendido na esfera ambiental. Na

qual foi doutrinariamente melhor desenvolvido.

Ninguém duvida, hoje, que condutas lesivas ao meio ambiente geram danos a toda

humanidade, ultrapassando, inclusive, fronteiras, soberanias, ou quaisquer outras construções

culturais e jurídicas da humanidade. No entanto, nem sempre foi assim. O crescimento das

demandas e preocupações ambientais foi proporcional, infelizmente, ao desgaste sofrido pelo

planeta. Em outras palavras, a pouca preocupação da humanidade com a matéria foi o que a

levou a níveis tão elevados de degradação.

Buscamos hoje a reparação por anos de descaso e degradação ambiental. Pior, na incerteza de

que as medidas adotadas serão capazes de nos reconduzir a patamares suportáveis ou

sustentáveis de poluição.

O mesmo vem ocorrendo com tantas outras matérias de repercussão coletiva, entretanto, com

uma diferença, talvez nessas, ainda haja tempo para a adoção de medidas preventivas.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

42

É o momento de superar determinadas dificuldades doutrinárias para por em prática o uso dos

instrumentos criados pelo legislador (Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa

do Consumidor, etc.) com o nítido objetivo de prevenir, e não apenas reprimir ou recompor,

condutas socialmente reprováveis.

No caso em análise, estamos diante de situação passível de indenização nas duas esferas.

Individual e coletiva.

Os danos (materiais e morais) individuais, nesse caso, não suscitam maiores dúvidas. Como

acima afirmado, é inegável que aqueles que sofreram danos, inclusive, passando por angústia,

temor, etc., decorrentes da impossibilidade de continuarem tratamentos e/ou consultas com

seus médicos de confiança, pelos simples fato da ré não os ter credenciado, ou de não ter

mantido o credenciamento contratado pela Golden Cross, fazem jus a indenização. Situação

amplamente reconhecida pela jurisprudência desse Tribunal de Justiça, inclusive, como de dano

in re ipsa por conta da violação de direitos em razão da falha na prestação de serviços ou

fornecimento de bens.

Mas não é apenas isso. Além dos danos sofridos por aqueles que, individualmente, ingressaram

com ações na justiça, há uma dimensão coletiva a ser, também, indenizada; afinal, a quantidade

de consumidores que eram clientes da Golden Cross e foram “transferidos” para a ré Unimed,

não podem participar de um ônus, quando não participam do bônus.

Como abaixo se verá, seria impossível apurar, com certeza cartesiana, quantos consumidores

eram clientes individuais e/ou familiares da Golden Cross e que a partir de 1º de outubro de

2013 passaram a pertencer à carteira de clientes da ré Unimed Rio, pelo menos para a parte

autora, sem que esses fatos sejam levados a conhecimento público. Da mesma forma, quanto

em reparação seria necessário promover para considerar compensada a gravidade e extensão

do dano coletivo (art. 100, do CDC). No entanto, uma coisa é certa. Os números de reclamações

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

43

apurados pela autora, antes mesmo de iniciada a validade da transferência indicam para

desproporção quantitativa, fato que nega efetividade a função punitiva da responsabilidade civil.

“Atualmente, o mesmo fato pode gerar responsabilidade civil e penal. Afirma-se, tradicionalmente, que o objetivo da responsabilidade penal é punitivo, enquanto a função da responsabilidade civil seria meramente indenizatório. Além disso, no primeiro caso, tutela-se interesse público e no segundo interesse meramente privado. A assertiva não é absolutamente verdadeira como se demonstrará. Embora primordial a função reparatória da responsabilidade civil nas relações privadas individuais assume maior relevância que a função reparatória”. (BESSA, Leonardo Roscoe. Dano moral Coletivo. In. Revista de Direito do Consumidor nº 59. 2006). “O direito penal do consumidor – assim como o próprio direito do consumidor – cumpre, idealmente, ao lado de seu caráter repressivo, uma função eminentemente preventiva. Não corre – ou não deveria correr – atrás do dano, a ele se antecipa. Mais do que preventivo, hoje se reconhece a esse direito penal pós-moderno uma função de evitar o dano a todo custo, mesmo quando inexiste certeza científica sobre sua probabilidade de ocorrência. Já não é mais um direito penal, baseado no princípio da prevenção, mas um edifício sancionatório fundado no princípio da precaução”. (MARQUES, Cláudia Lima. apud. BESSA, Leonardo Roscoe. Dano moral coletivo. Clubjus, Brasília-DF: 04 nov. 2007. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11175. Acesso em: 26 ago. 2011.)

Tomando mais uma vez o exemplo do número de usuários atingidos em seus direitos da

personalidade, submetidos a uma situação que chega ao desespero como, por exemplo, para

aqueles que precisam ser acompanhados pelo mesmo médico e não mais poderão fazê-lo, não

podem ficar sem uma resposta justa, honesta e razoável do Estado como agente garantidor do

acesso a justiça (art. 5º, XXXII, CRFB) .

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

44

Desta forma, necessária se mostra a propositura dessa ação coletiva de indenização de danos

individuais homogêneos, para que a ré indenize, diretamente ou através do sistema coletivo

previsto no Código de Defesa do Consumidor (art. 94 a 100), indiscriminadamente, toda a

coletividade de consumidores clientes de planos médicos e odontológicos individuais e

familiares da Golden Cross do Brasil que passaram a fazer parte da carteira de clientes da ré.

H) DO ALCANCE TERRITORIAL DA COISA JULGADA

Destarte, o CDC, norma especial de ordem pública, posterior à Lei 7.347/85, regula em seu

Título III – Da Defesa do Consumidor em Juízo – amplamente a tutela dos interesses de

consumidores, inclusive, com sistemática própria para as matérias de consumo.

A fim de evitar qualquer dúvida, previu expressamente, no artigo 90, a prioridade de aplicação

do Diploma de Defesa do Consumidor com relação à Lei 7.347/85 e ao Código de Processo

Civil.

Art. 90. CDC. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar as suas disposições.

Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr. listam seis motivos, com base na idéia de devido processo

legal substantivo (substantive due process of law), para sustentar a inconstitucionalidade do

dispositivo do artigo 16 da Lei 7.347/1985:

“a) ocorre prejuízo a economia processual e fomento ao conflito lógico e prático de julgados;

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

45

b) representa ofensa aos princípios de igualdade e do acesso à jurisdição, criando diferença no tratamento processual dado aos brasileiros e dificultando a proteção dos direitos coletivos em juízo; c) existe indivisibilidade ontológica do objeto da tutela jurisdicional coletiva, ou seja, é da natureza dos direitos coletivos lato sensu sua não separatividade no curso da demanda coletiva, sendo legalmente indivisíveis (art. 81, parágrafo único do CDC); d) há, ainda, equívoco na técnica legislativa, que acaba por confundir competência, como critério legislativo para repartição da jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que é una em todo o território nacional; e) por fim, existe a ineficácia da própria regra de competência em si, vez que o legislador estabeleceu expressamente no art. 93 do CDC (lembre-se, aplicável a todo o sistema das ações coletivas) que a competência para julgamento de ilícito de âmbito regional ou nacional é do juízo da capital dos Estados ou no Distrito Federal, portanto, nos termos da Lei em comento, ampliou a ‘jurisdição do órgão prolator’”. (DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil – processo coletivo. – 6ª Ed. Vol. IV – Salvador: Editora Jus Podivm, 2011. pág. 148 e 149)

E citando Nelson Nery Jr., “o dispositivo levaria a uma situação inusitada: a sentença brasileira

pode produzir efeito em qualquer lugar do planeta, desde que submetida ao procedimento de

homologação perante o tribunal estrangeiro competente, do mesmo modo, uma sentença

estrangeira pode produzir efeito em todo território nacional, desde que submetida ao

procedimento de homologação da sentença estrangeira perante o STJ (conforme a EC nº 45,

que lhe deu esta nova competência originária, anteriormente do STF: art. 105, I, “i”), No entanto,

uma sentença brasileira coletiva somente poderia produzir efeitos nos limites territoriais do juízo

prolator”.

Nelson Nery Jr. acrescenta interessante exemplo à discussão:

“... o Presidente da República confundiu limites subjetivos da coisa julgada, matéria tratada na norma, com jurisdição e competência, como se v.g., a

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

46

sentença de divórcio proferida por juiz de São Paulo não pudesse valer no Rio de Janeiro e nesta última comarca o casal continuasse casado! (...) Portanto, se o juiz que proferiu a sentença na ação coletiva tout court, que verse sobre direitos difusos, que coletivos ou individuais homogêneos, for competente, sua sentença produzirá efeitos erga omnes ou ultra partes, conforme o caso (v. CDC 103), em todo território nacional – e também no exterior –, independentemente da ilógica e inconstitucional redação dada...”.

Desta forma, não há que se desconsiderar o fato de que a doutrina – e nesse aspecto

importante considerar a origem romano-germânica de nosso Direito – entende pela

inconstitucionalidade de qualquer interpretação do artigo 16 da Lei 7.347/1985 que limite a

eficácia do provimento jurisdicional ao âmbito de atuação do órgão prolator.

Reforçando os argumentos mais difundidos, vale apresentar outros três pontos de vista sobre a

matéria, para que não paire quaisquer dúvidas quanto à inconstitucionalidade da interpretação

do artigo 16 da Lei 7347/1985:

1º) a interpretação, no caso em análise, tenderá a provocar uma flagrante violação ao pacto federativo (art. 1º c/c 60, § 4º, I da CRFB); 2º) no que se refere às obrigações de fazer ou não fazer (direitos difusos e coletivos) a interpretação é capaz de modificar totalmente os limites subjetivos da coisa julgada, afinal, o dispositivo (art. 16 da LACP) não limita os efeitos da decisão no que se refere ao pólo passivo da demanda, apenas tenta fazê-lo no que se refere ao pólo ativo; 3º) o CDC, que é norma de ordem pública (art. 1º), tem disciplina específica para as ações coletivas de consumo e visa garantir que as sentenças coletivas possam ser executadas em qualquer juízo (art. 98, § 2º, I), inclusive no domicílio do autor (art. 101, I), como forma de facilitar a defesa de seus direitos (art. 6º, VIII).

Da inconstitucionalidade do dispositivo frente ao artigo 1º c/c 60, § 4º, I da CRFB

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

47

Dispõe a constituição em seu artigo 60, § 4º, I que: “A constituição poderá ser emendada

mediante proposta: (§ 4º) Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a

abolir: (I) a forma federativa de Estado”.

Mantendo a interpretação do dispositivo (art. 16, da LACP), muito embora os consumidores do

Estado do Rio de Janeiro venham a ser beneficiados em caso de procedência da ação, o próprio

estado estará sofrendo discriminação – por ato de um dos poderes (judiciário) – tendente a

comprometer o pacto federativo.

Por outro lado, é certo que alguns fatores determinam, de forma geral, o local de implantação da

atividade produtiva e seu desenvolvimento, por exemplo: a carga tributária, os benefícios fiscais,

o parque industrial disponível, etc.

Por esses e outros motivos, veda a Constituição todas as formas de “guerra fiscal” e concessão

de benefícios que possam importar no favorecimento de determinados estados da federação em

detrimento de outros.

Art. 150, § 6º. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativas a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedida mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g. Art. 151. É vedado à União: I – Instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País. Art. 155, § 2º, IV. Resolução do Senado Federal, de iniciativa da Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

48

Art. 155 § 2º, XII, “g”. Cabe a lei complementar: (“g”) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados; “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – INEXISTÊNCIA DE PRAZO DECADENCIAL – ICMS – CONCESSÃO DE ISENÇÃO E DE OUTROS BENEFÍCIOS FISCAIS, INDEPENDENTEMENTE DE PREVIA DELIBERAÇÃO DOS DEMAIS ESTADOS-MEMBROS E DO DISTRITO FEDERAL – LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DO ESTADO-MEMBRO EM TEMA DE ICMS (CF, ART. 155, 2., XII, “G”) – NORMA LEGAL QUE VEICULA INADMISSÍVEL DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA AO GOVERNADOR DO ESTADO – PRECEDENTES DO STF – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA EM PARTE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E PRAZO DECADENCIAL: O ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não esta sujeito a observância de qualquer prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, eis que atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Súmula 360. Precedentes do STF. DIREITO DE PETIÇÃO E AÇÃO DIRETA: O direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante prerrogativa de caráter democrático. Trata-se de instrumento jurídico-constitucional posto a disposição de qualquer interessado – mesmo daqueles destituídos de personalidade jurídica -, com a explicita finalidade de viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva. Entidade sindical que pede ao Procurador-Geral da República o ajuizamento de ação direta perante o STF. Provocatio ad agendum. Pleito que traduz o exercício concreto do direito de petição. Legitimidade desse comportamento. ICMS E REPULSA CONSTITUCIONAL A GUERRA TRIBUTÁRIA ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS: O legislador constituinte republicano, com o propósito de impedir a “guerra tributária” entre os Estados-membros, enunciou postulados e prescreveu diretrizes gerais de caráter subordinante destinados a compor o estatuto constitucional do ICMS. Os princípios fundamentais consagrados pela Constituição da República, em tema de ICMS, (a) realçam o perfil nacional de que se reveste esse tributo, (b) legitimam a instituição, pelo poder central, de regramento normativo unitário destinado a disciplinar, de modo uniforme, essa espécie tributária, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo, (c) justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação conjunta, poderão, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais. CONVÊNIOS E CONCESSÃO DE ISENÇÃO, INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS EM TEMA DE ICMS: A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial a valida concessão, pelos

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

49

Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios – enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS – destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legítima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS. MATÉRIA TRIBUTÁRIA E DELEGAÇÃO LEGISLATIVA: A outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedentes: ADIn 1.296-PE, Rel. Min. CELSO DE MELO. (STF – ADI 1247 MC / PA – Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade – Pleno –Relator: Min. Celso de Mello – Julgamento em: 17/08/1995).

O mesmo se dará em prevalecendo a tese de que o dispositivo do artigo 16 da LACP limita a

eficácia da sentença ao âmbito de competência do órgão prolator.

Não é dado ao Poder Judiciário – como não é ao Legislativo ou ao Executivo (art. 60, § 4º, I, da

CRFB) – emitir ato que possa comprometer o desenvolvimento nacional, a erradicação da

pobreza e principalmente que possa fomentar as desigualdades entre os entes federativos (art.

3º da CRFB), pois isso viola a estrutura básica do próprio estado brasileiro.

Sendo a sentença proferida limitada ao âmbito de atuação do órgão prolator, poder-se-ão criar

barreiras não isonômicas ao ingresso de determinadas atividades do segmento produtivo a

alguns estados. Aqueles que estejam sob a égide do mandamento judicial.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

50

E não há que se falar que nesse caso a decisão, de não ingressar em determinado ente da

federação, seja meramente uma decisão comercial, pois na verdade, o pivô da decisão

comercial terá sido uma barreira criada pelo próprio Estado no exercício da jurisdição.

Nesse ponto surge a grande questão a ser enfrentada por esse juízo. Ou bem o Estado Juiz

nega jurisdição (art. 5º, XXXV) e julga improcedentes os pedidos formulados em ações coletivas

de consumo por mero temor de ferir o pacto federativo (art. 1º, da CRFB), prejudicando

determinados estados em detrimento de outros; ou julga procedente garantindo a jurisdição e

limita os efeitos da decisão sabendo que nesse caso estará promovendo medida tendente a

violar o pacto federativo; ou garante a jurisdição julgando conforme o seu convencimento, e,

para não incorrer em medida que tenda a violar o pacto federativo, estende os seus efeitos a

todos os estados da federação.

No caso trazido a baila, a última hipótese é a mais razoável, eis que o consumidor terá

resguardado o amplo acesso a justiça e a facilitação da defesa de seus direitos.

Dos limites subjetivos, objetivos e da execução nos processos coletivos – juízo

competente

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça fixou interpretação para a regra de competência

na execução individual.

Dispõe o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 98, §2º, I, que: A execução poderá ser

coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas

indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de

outras execuções.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

51

§ 2º É competente para a execução o juízo: I – da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;

Segundo entendeu a Terceira Turma em posicionamento que vem sendo reiterado pela corte:

“RECURSO ESPECIAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA PROFERIDA NO JULGAMENTO DE AÇÃO COLETIVA. FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE PREVENÇÃO DO JUÍZO QUE EXAMINOU O MÉRITO DA AÇÃO COLETIVA. TELEOLOGIA DOS ARTS 98, § 2º, II E 101, I, D CDC. 1. A execução individual de sentença condenatória proferida no julgamento de ação coletiva não segue a regra dos arts. 475-A e 575, II, do CPC, pois inexiste interesse apto a justificar a prevenção do Juízo que examinou o mérito da ação coletiva para o processamento e julgamento das execuções individuais desse título judicial. 2. A analogia com o art. 101, I, do CDC e a integração desta regra com a contida no art. 98, § 2º, I, do mesmo diploma legal garantem ao consumidor a prerrogativa processual do ajuizamento da execução individual derivada de decisão proferida no julgamento de ação coletiva no foro de seu domicílio. 3. Recurso especial provido”. (STJ – Resp 1098242/GO – Terceira Turma – Relator (a): Min. Nancy Andrighi – Julgamento em: 28/10/2010)

(grifamos)

Mais esse entendimento demonstra o desacerto da interpretação dada ao artigo 16 da LACP

quando limita os efeitos da sentença à competência territorial do órgão prolator.

Segundo entendeu o Superior Tribunal de Justiça, é uma prerrogativa do consumidor (art. 101, I)

optar pelo foro do seu domicílio para a execução de sentenças em ações coletivas para a

defesa de interesses individuais homogêneos. Tal conclusão pode gerar um outro sem número

de hipóteses em que a interpretação dada ao dispositivo do artigo 16 da LACP violaria direitos

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

52

básicos do consumidor, mormente a facilitação da defesa de seus direitos em juízo (art. 6º, VIII,

do CDC).

A regra do artigo 16 da LACP não se aplica às ações coletivas para a defesa de interesses

individuais homogêneos, pois é incompatível com a sistemática do Código de Defesa do

Consumidor, que tem aplicação prioritária sobre aquela lei geral de ações civis públicas (art. 90,

do CDC).

Atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça – Recursos Repetitivos

Os entendimentos acima expostos foram os que fixaram, na Corte Especial do Superior Tribunal

de Justiça, o entendimento acerca da matéria, pondo fim a qualquer controvérsia sobre a

aplicação do artigo 16 da LACP.

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇÃO/LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL. FORO COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE. REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. Para efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC). 1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

53

n. 9.494/97. 2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki. Jurisprudência/STJ – Acórdãos. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. Resp 1243887 (grifos nossos)

Vale transcrever trecho do julgamento para que não restem dúvidas sobre os limites territoriais

da coisa julgada em ações coletivas de consumo.

“É possível o ajuizamento no foro do domicílio do consumidor de liquidação e execução individual de sentença proferida em ação coletiva porque o alcance da coisa julgada não se limita à comarca no qual tramitou a ação, mas sim a determinados sujeitos e questões fático-jurídicas, de modo que o artigo 16 da LACP mistura conceitos heterogêneos de coisa julgada e competência territorial, induzindo a interpretação de que os efeitos da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe que coisa julgada, a despeito da atecnia do artigo 467 do CPC, não é efeito da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la imutável e indiscutível.”

Portanto, aplica-se a regra inserta no artigo 98, parágrafo 2º, I, c/c artigo 101, I, da Lei 8078/90

quanto a possibilidade de liquidação e execução dos julgados em ações coletivas.

III) DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Impor a obrigação à ré de dar continuidade aos contratos individuais e/ou familiares que antes

eram administrados pela Golden Cross, nos moldes originais, e sem a necessidade de o

consumidor celebrar novo contrato, é medida que se faz salutar e urgente.

Conforme visto oportunamente, os princípios da boa-fé objetiva e da confiança, assim como o

disposto no artigo 13 da Lei n.º 9656/98, fundamentam fortemente a obrigação que se pretende

ver imposta à ré.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

54

Há verossimilhança na alegação de que a ré é responsável por dar continuidade aos contratos

que eram administrados pela Golden Cross. A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio de Janeiro apresentada no corpo da presente confirma a verossimilhança.

Os direitos que se pretende tutelar estão relacionados com a dignidade da pessoa humana,

tendo em vista que o cerne da questão está relacionado com um contrato que visa garantir a

saúde do indivíduo e que é cativo de longa duração, assim definido em razão da natureza da

prestação pelo mesmo oferecida e das vantagens que o fator tempo traz ao consumidor, como

prazos de carência, mesma rede de credenciados permitindo que se perdure e respeite a

“intimidade” com os médicos e entidades hospitalares etc. Por isso, a alteração unilateral do

contrato, significa um dano irreversível (caso ocorra, por exemplo, um “sinistro” e, por ausência

da rede credenciada que o consumidor estava acostumado a usar, o segurado venha a falecer)

ou de difícil reparação.

Com relação à forma eleita pela ré para dar continuidade aos contratos, desrespeitando a rede

credenciada existente na Golden Cross há o perigo, em razão dos obstáculos existentes

(inadequação dos locais escolhidos e da forma do atendimento), de muitos consumidores,

especialmente os especiais (idosos, gestantes, crianças e deficientes crônicos).

Antecipando os efeitos da tutela garante-se a continuidade das consultas, tratamentos, exames

e coberturas médico-hospitalares aos segurados que mantinham contratos com a Golden Cross.

A medida, por outro lado, não é capaz de causar danos irreversíveis à ré, pelo menos não

injustos (a defesa do consumidor, vale lembrar, é limite ao exercício da livre iniciativa e dever do

estado – artigos 5º, XXXII, e 170, V, CF). O acolhimento da noção de dano injusto, vale

sublinhar, é de extrema importância para a questão, tendo em vista que se assim não fosse a

gama de situações que reclamam antecipação dos efeitos da tutela seria radicalmente

comprometida, pois é normal que medidas tais causem danos na parte “prejudicada” pela

medida.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

55

“Essa noção normativa justifica a adjetivação do dano juridicamente tutelado como dano injusto, o que, no dizer de Alpa et alii, não é uma qualificação que possa ser tida como descontada de inútil e repetitiva do caráter já de per si ilícito do ato que o gera. Pelo contrário, é uma expressão que sublinha a extrema relevância que tem, para o Direito civil, a situação subjetiva prejudicada”. (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações. FIGUEREDO TEIXEIRA, Sálvio – coord. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 170)

Dispõe o parágrafo 3º do artigo 84 do CDC, repetido no artigo 461 do CPC, que, “sendo

relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento

final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.

O dispositivo supramencionado cuida da concessão de tutela liminar para garantir a total

satisfação do direito do consumidor nos casos em que a espera pelo provimento final da

demanda interfere de forma negativa.

Trata-se, portanto, de verdadeira antecipação de tutela, logo deve o dispositivo ora em comento

ser interpretado em harmonia com o artigo 273 do Código de Processo Civil, que trata do

assunto de forma geral.

O artigo 273 do CPC exige, para que seja concedida a antecipação parcial ou total da tutela

pretendida, que exista prova inequívoca que convença o juiz sobre a verossimilhança das

alegações do autor, e que “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. A

antecipação da tutela não será concedida caso exista “perigo” de irreversibilidade do provimento

antecipado.

Doutrina e jurisprudência já se manifestaram acerca da contradição existente nas expressões

“prova inequívoca” e “que convença da verossimilhança da alegação”, contidas no artigo 273 do

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

56

CPC, concluindo que, havendo uma prova inequívoca haverá certeza, e não simples

verossimilhança, cujo real significado é parecer ser verdadeiro o alegado, logo a melhor

interpretação que deve ser dada ao dispositivo legal ora em comento é a de haver probabilidade

da existência do direito alegado para que possa ser concedida a antecipação da tutela.

“O artigo 273 condiciona a antecipação da tutela à existência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação. A dar peso ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor. Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no artigo 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil, 2ª edição, São Paulo 1995, ed. Malheiros, p.143) RESPONSABILIDADE CIVIL DO FABRICANTE. ANTICONCEPCIONAL INERTE. DEFEITO DO PRODUTO RECONHECIDO. INGESTÃO PELA AUTORA NÃO PROVADA. IMPOSIÇÃO DO PAGAMENTO DE DESPESAS DO PARTO EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. A prova inequívoca, para efeito de antecipação da tutela, quando se trata de relação de consumo, é de ser interpretada sem rigorismo, pois, nessa matéria, mesmo em sede de cognição plena, dispensa-se juízo de certeza, bastante a probabilidade extraída de provas artificiais da razão. DECISÃO MANTIDA (TJRS, AI 599374303, 9ª Câm. Cív., Rel. Desa. Mara Larsen Chechi, j. 25-8-1999).

Portanto, para que a antecipação de tutela possa ser concedida é necessário que: haja prova

(ou mesmo indícios) demonstrando que há probabilidade de ser verdadeira a alegação do autor

da demanda, e o fundado receio de que possa ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação. A

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

57

medida não poderá, contudo, ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do

provimento antecipado.

Inegável a presença dos pressupostos necessários (fumus boni iuris e periculum in mora) para a

concessão da medida antecipatória e da impossibilidade de ocorrência de danos injustos e

irreparáveis à ré.

Para que a medida possa surtir os efeitos desejados (caso seja concedida), e assim evitar, de

fato, a ocorrência de danos aos consumidores, necessário se faz a fixação de multa para o caso

de descumprimento da ordem judicial, conforme previsto nos artigos 461, § 1º, do CPC, e 84, §

4º, do CDC.

IV - DO PEDIDO LIMINAR

Ante o exposto a COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA

LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO requer LIMINARMENTE E SEM A OITIVA

DA PARTE CONTRÁRIA que seja determinado initio litis à ré:

1 - a condenação da ré na obrigação dar continuidade aos contratos de planos individuais e/ou

familiares que eram administrados pela Golden Cross no Brasil e que foram alienados para a ré,

nas mesmas condições – contratuais e legais - dos contratos “primitivos”, principalmente no para

manter a rede credenciada de médicos e laboratórios e a rede hospitalar e sem a necessidade

de o consumidor celebrar novo contrato, sob pena de multa diária de R$50.000,00 (cinquenta

mil reais);

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

58

V - DOS PEDIDOS PRINCIPAIS

Requer ainda a V. Exa.:

01) A citação da ré via mandado próprio para, querendo, contestar a presente;

02) a condenação definitiva e confirmada por sentença condenatória da ré da condenação da ré

na obrigação dar continuidade aos contratos de planos individuais e/ou familiares que eram

administrados pela Golden Cross no Brasil e que foram alienados para a ré, nas mesmas

condições – contratuais e legais - dos contratos “primitivos”, principalmente para manter a rede

credenciada de médicos e laboratórios e a rede hospitalar e sem a necessidade de o

consumidor celebrar novo contrato;

03) em caso positivo, a condenação da ré na obrigação de comunicar a decisão judicial,

individualmente, a cada segurado da Golden Cross através de correspondências e a

interposição de multa para inibir o descumprimento da medida;

04) a condenação da ré na obrigação de restituir, na forma do artigo 42, parágrafo único, CDC,

os valores cobrados pelas consultas, exames e internações que os consumidores tiveram que

pagar em razão da ré não estar cumprindo as condições contratuais e legais do contrato que era

administrado pela Golden Cross;

05) que seja a ré condenada a indenizar, da forma mais ampla e completa possível, os danos

materiais e morais causados aos consumidores individualmente considerados, como estabelece

o art. 6º, VI c/c art. 95 do CDC, em virtude da prática aqui tratada;

06) seja a ré condenada a pagar indenização a título de danos morais coletivos, em favor de

Fundo Especial de Apoio a Programas de Proteção e Defesa do Consumidor - FEPROCON, em

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

59

consonância em cumprimento ao disposto no inciso II do art. 24 do Decreto nº 861, de 09/07/93,

que regulamentou a Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990, alterada pela Lei nº 8656, de 21

de maio de 1993;

07) a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC) nos termos da fundamentação infra;

08) a publicação do edital previsto no artigo 94 da Lei n. 8.078/90;

09) a condenação da ré na obrigação de publicar, às suas custas, em dois jornais de grande

circulação desta Capital, em quatro dias intercalados, sem exclusão do domingo, em tamanho

mínimo de 20 cm x 20 cm, a parte dispositiva de eventual procedência, para que os respectivos

consumidores dela tomem ciência, oportunizando, assim, a efetiva proteção de direitos lesados;

06) a intimação do Ministério Público;

07) a condenação da ré ao pagamento dos ônus sucumbenciais.

VI - DAS PROVAS

Protesta-se por provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, requerendo-

se, desde já, que, diante da verossimilhança da alegada periculosidade, seja imposto à ré o

ônus de, com inversão da regra ordinária, como admite o art. 6º, inc. VIII, do CDC, provar,

querendo, que mantem integralmente as condições vigentes dos contratos adquiridos sem

restrições de direitos ou prejuízos aos consumidores.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

60

VI - DO VALOR DA CAUSA

Dá-se a esta causa, por força do disposto no art. 258 do Código de Processo Civil, o valor de

R$500.000,00 (quinhentos mil reais).

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2013

Solange Muniz Borges Meireles

OAB/RJ nº 114.498

Andréa de Souza Torres

OAB/RJ Nº 106.724

Antônio Adolpho Alves da Silva Souza

OAB/RJ Nº 153.155