Assentamento Tapera: Uma história de resistência sócio-ambiental, esperanç

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O assentamento Nossa Senhora das Oliveiras – Assentamento Tapera, situado em Riacho dos Machados, no Norte de Minas é considerado uma das áreas mais produtivas da região. Chegar ao Assentamento é deparar com as belezas do Cerrado, que para muitos agricultores e agricultoras são sinais de esperança e de boa colheita. “O Cerrado é vida e o ar para viver”, é o sentimento das famílias que moram na Tapera. No caminho, a paisagem é diversificada - uma mistura de Serra - após o Vale do Rio Verde Grande, onde é possível visualizar vegetação de Carrasco e Cerrado. Depois se entra nos topos do Espinhaço com eucaliptos traçando uma alternância com formações típicas do Cerrado. A região é território dos Gerais - onde residem povos tradicionais conhecidos como “Geraizeiros”. No assentamento, residem 111 famílias que convivem com o Cerrado e suas biodiversidades.Elas vêm sendo ameaçadas, desde a década de 1970, com a chegada das empresas reflorestadoras. A chapada dos Gerais foi alvo de desmatamentos para dar lugar às grandes monoculturas de eucalipto e às mineradoras, atividades que trazem consequências sociais, econômicas e ambientais devastadoras. O assentamento Tapera sempre foi lembrado pela união e força dos agricultores e agricultoras. Desde a sua construção possui como proposta o desenvolvimento baseado nos princípios da agroecologia, tais como a autossuficiência, a sustentabilidade e a autonomia de direitos para a qualidade de vida. A relação com a produção agroextrativista e gestão ambiental é característica do Assentamento. No entanto, essas são atividades que, ao longo do tempo, estão ficando menos ativas; reflexos diretos dos efeitos das ocupações dos Gerais e da exploração de minério que provoca, entre tantas outras consequências, mudanças no clima, que se acirram cada vez mais, devido à quebra do equilíbrio natural do Cerrado. A agricultora Elizângela de Aquino, conhecida como Lô, vive no assentamento há 20 anos e relembra o tempo em que havia época certa para as estações do ano. “Antigamente tinha época de frio, da primavera, do verão, das chuvas – de outubro a março - e de seca – de abril a setembro. Hoje, o tempo não é mais o mesmo, as temperaturas estão bem mais altas! A natureza não obedece mais essas datas, o tempo mudou totalmente, vivemos o desequilíbrio ambiental”, explica. Os efeitos das mudanças climáticas avançam em todo o mundo e no Semiárido são mais evidentes. A grande preocupação dos agricultores e agricultoras do Assentamento é com relação à escassez das chuvas na região, as famílias acreditam que o que está de fato acontecendo é a má distribuição das águas. Como estratégia para conviver com as mudanças climáticas os agricultores e agricultoras aprenderam numa “Oficina de mudanças climáticas”, realizada em 2011, a identificar os riscos ambientais, sociais e econômicos, que ameaçavam a comunidade. Frente a isso, aprenderam a traçar possíveis estratégias de adaptação e diminuição da vulnerabilidade causada por essas mudanças. A partir desse aprendizado começaram a colocar em prática as estratégias: construção de bacias de contenção, conservação do solo, plantio em diversas épocas na 1º chuva, diversificação e consórcio, armazenamento de sementes, plantio de espécies e variedades mais resistentes e migração. Como segunda proposta, as famílias estão dialogando com outras comunidades envolvidas na luta pela criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS, monitorando a dinâmica do clima no Semiárido, avaliando a capacidade de regeneração do ecossistema e das águas; com objetivo de fortalecer a capacidade das comunidades e dos seus sistemas agrícolas para garantir a segurança alimentar no Semiárido Mineiro. Desde essa época, essas estratégias vêm sendo implantadas nas comunidades e as famílias se uniram para fazer desse trabalho fruto de aprendizado para gerar frutos cada vez mais importantes para a convivência com as mudanças climáticas. Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 9 • n º 1963 Março/2015 Riacho dos Machados Realização Apoio Assentamento Tapera: Uma história de resistência sócio-ambiental, esperança e o constante olhar sob os efeitos das mudanças climáticas Comunidade Tapera unida para preservar o Cerrado e suas biodiversidades. Participação das mulheres na construção dos riscos e estratégias de adaptação às mudanças climáticas.

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A partir da participação da comunidade em uma oficina de mudanças climáticas as famílias se uniram para implantar estratégias que aprenderam para conviver com as mudanças climáticas.

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O assentamento Nossa Senhora das Oliveiras – Assentamento Tapera, situado em Riacho dos Machados, no Norte de Minas é considerado uma das áreas mais produtivas da região. Chegar ao Assentamento é deparar com as belezas do Cerrado, que para muitos agricultores e agricultoras são sinais de esperança e de boa colheita. “O Cerrado é vida e o ar para viver”, é o sentimento das famílias que moram na Tapera.

No caminho, a paisagem é diversificada - uma mistura de Serra - após o Vale do Rio Verde Grande, onde é possível visualizar

vegetação de Carrasco e Cerrado. Depois se entra nos topos do Espinhaço com eucaliptos traçando uma alternância com formações típicas do Cerrado. A região é território dos Gerais - onde residem povos tradicionais conhecidos como “Geraizeiros”.

No assentamento, residem 111 famílias que convivem com o Cerrado e suas biodiversidades.Elas vêm sendo ameaçadas, desde a década de 1970, com a chegada das empresas reflorestadoras. A chapada dos Gerais foi alvo de desmatamentos para dar lugar às grandes monoculturas de eucalipto e às mineradoras, atividades que trazem consequências sociais, econômicas e ambientais devastadoras.

O assentamento Tapera sempre foi lembrado pela união e força dos agricultores e agricultoras. Desde a sua construção possui como proposta o desenvolvimento baseado nos princípios da agroecologia, tais como a autossuficiência, a sustentabilidade e a autonomia de direitos para a qualidade de vida.

A relação com a produção agroextrativista e gestão ambiental é característica do Assentamento. No entanto, essas são atividades que, ao longo do tempo, estão ficando menos ativas; reflexos diretos dos efeitos das ocupações dos Gerais e da exploração de minério que provoca, entre tantas outras consequências, mudanças no clima, que se acirram cada vez mais, devido à quebra do equilíbrio natural do Cerrado.

A agricultora Elizângela de Aquino, conhecida

como Lô, vive no assentamento há 20 anos e

relembra o tempo em que havia época certa

para as estações do ano. “Antigamente tinha

época de frio, da primavera, do verão, das

chuvas – de outubro a março - e de seca – de

abril a setembro. Hoje, o tempo não é mais o

mesmo, as temperaturas estão bem mais altas!

A natureza não obedece mais essas datas, o

tempo mudou totalmente, vivemos o

desequilíbrio ambiental”, explica.

Os efeitos das mudanças climáticas avançam em todo o mundo e no Semiárido são mais evidentes. A

grande preocupação dos agricultores e agricultoras do Assentamento é

com relação à escassez das chuvas na região, as famílias acreditam que o

que está de fato acontecendo é a má distribuição das águas.

Como estratégia para conviver com as mudanças climáticas os

agricultores e agricultoras aprenderam numa “Oficina de mudanças

climáticas”, realizada em 2011, a identificar os riscos ambientais, sociais e

econômicos, que ameaçavam a comunidade. Frente a isso, aprenderam a

traçar possíveis estratégias de adaptação e diminuição da vulnerabilidade

causada por essas mudanças.

A partir desse aprendizado começaram a colocar em prática as

estratégias: construção de bacias de contenção, conservação do solo,

plantio em diversas épocas na 1º chuva, diversificação e consórcio,

armazenamento de sementes, plantio de espécies e variedades mais

resistentes e migração. Como segunda proposta, as famílias estão

dialogando com outras comunidades envolvidas na luta pela criação da

Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS, monitorando a dinâmica

do clima no Semiárido, avaliando a capacidade de regeneração do

ecossistema e das águas; com objetivo de fortalecer a capacidade das

comunidades e dos seus sistemas agrícolas para garantir a segurança

alimentar no Semiárido Mineiro. Desde essa época, essas estratégias vêm

sendo implantadas nas comunidades e as famílias se uniram para fazer

desse trabalho fruto de aprendizado para gerar frutos cada vez mais

importantes para a convivência com as mudanças climáticas.

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 9 • n º 1963

Março/2015

Riacho dos Machados

Realização Apoio

Assentamento Tapera: Uma história de resistência sócio-ambiental, esperança e o

constante olhar sob os efeitos das mudançasclimáticas

Comunidade Tapera unida para preservar o Cerrado e suas biodiversidades.

Participação das mulheres na construção dos riscos e estratégias de adaptação às mudanças climáticas.

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. Hoje, o resultado pode ser constatado na

conservação das oito nascentes, que têm até ação

judicial para a sua preservação, aliada à disposição

da vigília permanente da comunidade, para não

deixar entrar animais e estranhos nas áreas das

nascentes. “As nascentes fazem parte do futuro do

assentamento, por isso respeitamos o meio

ambiente e ele contribui para a vida das pessoas.

As nascentes são o reflexo e o pulmão do

assentamento se não preservar sentiremos

imediatamente as consequências aqui dentro”,

alerta Lô.

Outra estratégia que o assentamento colocou em prática foi a construção de bacias de contenção,

com apoio do Programa Aceleração do Crescimento – PAC, do Governo Federal, implantadas em

locais de escorrimento de água nas estradas utilizadas para o armazenamento da água de chuvas,

matar a sede dos pequenos animais, recarga do lençol freático, evitar que desça lama para as roças,

além de contribuir para o desenvolvimento do Cerrado.

A conservação do solo também foi citada como

estratégia. Para isso, os agricultores e agricultoras

constroem curvas de nível, fazem coberturas nas

hortas utilizando bagaço de cana, restos de hortaliças

e tudo que possa ser aproveitado para manter o solo

coberto e adubado.

Em sua roça, a família de Lô adotou algumas

estratégias: a construção da curva de nível na horta, o

cultivo diversificado e o sistema de consórcio. Lá a

família planta arroz, milho, feijão, abóbora, maxixe,

mandioca e frutas de acordo com a época. Ao falar de sua produção, ela relembra que em 2011, chovia nas épocas certas e que sua produção era

de 80 a 100 sacos de arroz, por exemplo, e hoje, devido às chuvas insuficientes, a produção é

consideravelmente menor. Porém, a comunidade não perde a esperança. A bandeira de luta está

presente porque nunca desistiram e não deixaram as práticas agroecológicas de lado.

Para fortalecer o agroextrativismo, o Assentamento conseguiu uma pequena fabriqueta, cuja gestão

é realizada pela própria comunidade. É na fabriqueta que despolpam as frutas exóticas e nativas do

Cerrado, essas geralmente plantadas nos quintais: umbu, manga, coquinho azedo, cagaita, coco,

pequi, panã, murici, laranja e acerola – as polpas são para o consumo das famílias e para

comercialização, principalmente para a Cooperativa Grande Sertão e para feiras livres.

Entretanto, a comunidade explica que há tem impasse para escoar a produção. “Temos que

organizar a produção para termos acesso a outros mercados, como o Programa de Aquisição de

Alimentos – PAA a dificuldade é a estrutura para guardar as polpas”, explica o agricultor e nativo da

região, Eduardo Pereira.

Essas práticas reforçam o sistema produtivo do assentamento que está organizado em um conjunto

de atividades envolvendo o cultivo de roças, criações de animais, extrativismo e processamento de

produtos tirados do Cerrado e da Caatinga.

Projeto Sementes Tapera

O Assentamento Tapera também é conhecido pela

atividade de produção e venda de sementes crioulas. Nos

últimos anos, devido às alterações climáticas, vêm tendo

inúmeras perdas no campo da produção, enfraquecendo

assim a independência dos agricultores e agricultoras

que não precisavam e não queriam comprar sementes do

mercado. Entretanto, com o atual quadro climático, o

Assentamento está vulnerável à entrada de sementes

híbridas e transgênicas.

A produção e garantia de sementes crioulas adaptadas à

região foi uma das estratégias traçadas na oficina

“Mudanças Climáticas”.

Assim, a Associação elaborou um projeto de adequação

da Casa de Sementes do Assentamento, que será

completado com um recurso do Fundo Nacional de

Solidariedade da Cáritas.

A in i c iat iva

que tem como objetivo resgatar, valorizar e assegurar a

reprodução das sementes tradicionais da comunidade,

além de ser uma estratégia de estoque de várias espécies

e variedades.

“As sementes não são importantes somente para as

famílias que cultivam e mantém esta prática há décadas e

séculos. São importantes para toda a comunidade,

porque não se desvincula as famílias das comunidades.

Tudo isso é interessante porque se a família possui as sementes crioulas, ela tem autonomia para

garantir a segurança alimentar dos agricultores e agricultoras, Povos e Comunidades Tradicionais”,

explica Lô.

Articulação Semiárido Brasileiro – Minas GeraisBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Sementes: fonte de vida e esperança para os agricultores e agricultoras.

As nascentes do assentamento são preservadas e motivam a vigília de toda a comunidade.

Cerrado: beleza e biodiversidade.

"As nascentes fazem parte do futuro do assentamento".

"O cultivo agroecológico é qualidade de vida"