Assincronismo, Precocidade e Mitos

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ASSINCRONISMO, PRECOCIDADE E MITOS: TRÊS RAZÕES PARA ENTENDER A IDEN- TIDADE DO ALUNO COM ALTAS HABILIDADES Susana Graciela Pérez Barrera Pérez 1 Muitas são as dificuldades que enfrentam as pessoas com altas habilidades, a começar pela precariedade ou inexistência de atendimento, especialmente no Brasil, onde a temática tem começado a ser discutida com maior profundidade apenas nos últimos anos, particularmen- te após a promulgação do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2001), que estabelece prazos imediatos para a implementação de serviços nas redes de ensino. Entre outras dificuldades, percebemos que a ausência de estratégias pedagógicas efici- entes, na maioria das vezes está alicerçada em dois fatores que ocorrem nesta população - a precocidade e o assincronismo - e nos mitos e crenças populares, alguns decorrentes destas ca- racterísticas ainda pouco exploradas neste contexto, outros, de preconceitos socioculturais e/ou ideológicos, e até da própria desinformação sobre as altas habilidades. É muito significativa a relação entre estas duas características - o assincronismo e a pre- cocidade, bastante presentes nas pessoas com altas habilidades - e os mitos que tentam expli- car o que não é “norma” através de representações ou concepções imaginárias, e que tanto in- fluenciam a real identidade destas pessoas e a construção (ou a falta de construção) de políti- cas públicas de atendimento, direito de qualquer cidadão. Buscando o significado destes conceitos na língua portuguesa, o Novo Dicionário Aurélio – Século XXI (1999) define assincronismo como “ausência de sincronismo”. Síncrono vem da palavra grega Sygkronos, que significa contemporâneo, que é do mesmo tempo, que vive na mesma época. Para precoce, o referido dicionário apresenta significados de prematuridade e antecipa- ção. O mesmo verbete está relacionado ao que se diz de pessoas com determinadas capacida- des prematuramente desenvolvidas. Ambas definições encerram um pré-conceito de normalidade relacionada a um tempo ou uma época. Historicamente, os mitos (do grego m?thos, ‘fábula’) surgem para explicar situações ou pessoas reais que a lógica humana não consegue compreender. Visto que a Lei 10.172, aprovada em janeiro de 2001, exigirá a devida apropriação do tema para garantir seu cumprimento pelos sistemas de ensino e seus profissionais, parece-nos importante esclarecer os aspectos fundamentais destes três fatores. ASSINCRONISMO Sánchez e Avilés (Apud SÁNCHEZ; COSTA, 2000) analisam o assincronismo, termo acu- nhado por Terrasier, como a carência de sincronização nos ritmos de desenvolvimento intelec- tual, afetivo e motor. Costuma ocorrer em crianças com altas habilidades, assim como também em crianças que apresentam alguma divergência do desenvolvimento considerado “normal” e pode causar problemas de desempenho, personalidade e sociais. 1 Bacharel em Artes Plásticas, com Curso de Capacitação em Educação Especial - Área das Altas Habilidades, mem- bro do Conselho Técnico e Presidente da Associação Brasileira para Superdotados - seção RS. E-mail para contato: [email protected].

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ASSINCRONISMO, PRECOCIDADE E MITOS: TRÊS RAZÕES PARA ENTENDER A IDEN-TIDADE DO ALUNO COM ALTAS HABILIDADES

Susana Graciela Pérez Barrera Pérez1

Muitas são as dificuldades que enfrentam as pessoas com altas habilidades, a começar pela precariedade ou inexistência de atendimento, especialmente no Brasil, onde a temática tem começado a ser discutida com maior profundidade apenas nos últimos anos, particularmen-te após a promulgação do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2001), que estabelece prazos imediatos para a implementação de serviços nas redes de ensino. Entre outras dificuldades, percebemos que a ausência de estratégias pedagógicas efici-entes, na maioria das vezes está alicerçada em dois fatores que ocorrem nesta população - a precocidade e o assincronismo - e nos mitos e crenças populares, alguns decorrentes destas ca-racterísticas ainda pouco exploradas neste contexto, outros, de preconceitos socioculturais e/ou ideológicos, e até da própria desinformação sobre as altas habilidades.

É muito significativa a relação entre estas duas características - o assincronismo e a pre-cocidade, bastante presentes nas pessoas com altas habilidades - e os mitos que tentam expli-car o que não é “norma” através de representações ou concepções imaginárias, e que tanto in-fluenciam a real identidade destas pessoas e a construção (ou a falta de construção) de políti-cas públicas de atendimento, direito de qualquer cidadão.

Buscando o significado destes conceitos na língua portuguesa, o Novo Dicionário Aurélio

– Século XXI (1999) define assincronismo como “ausência de sincronismo”. Síncrono vem da palavra grega Sygkronos, que significa contemporâneo, que é do mesmo tempo, que vive na mesma época.

Para precoce, o referido dicionário apresenta significados de prematuridade e antecipa-

ção. O mesmo verbete está relacionado ao que se diz de pessoas com determinadas capacida-des prematuramente desenvolvidas.

Ambas definições encerram um pré-conceito de normalidade relacionada a um tempo ou uma época.

Historicamente, os mitos (do grego m?thos, ‘fábula’) surgem para explicar situações ou pessoas reais que a lógica humana não consegue compreender.

Visto que a Lei 10.172, aprovada em janeiro de 2001, exigirá a devida apropriação do

tema para garantir seu cumprimento pelos sistemas de ensino e seus profissionais, parece-nos importante esclarecer os aspectos fundamentais destes três fatores.

ASSINCRONISMO

Sánchez e Avilés (Apud SÁNCHEZ; COSTA, 2000) analisam o assincronismo, termo acu-nhado por Terrasier, como a carência de sincronização nos ritmos de desenvolvimento intelec-tual, afetivo e motor. Costuma ocorrer em crianças com altas habilidades, assim como também em crianças que apresentam alguma divergência do desenvolvimento considerado “normal” e pode causar problemas de desempenho, personalidade e sociais.

1 Bacharel em Artes Plásticas, com Curso de Capacitação em Educação Especial - Área das Altas Habilidades, mem-bro do Conselho Técnico e Presidente da Associação Brasileira para Superdotados - seção RS. E-mail para contato: [email protected].

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Assim como Extremiana (2000), as autoras acima referidas sistematizam a classificação do assincronismo proposta por Terrasier em dois níveis de funcionamento – interno e externo.

O Assincronismo em nível de funcionamento interno pode desdobrar-se em: 1) Assincronismo afetivo-intelectual, que é o desequilíbrio entre as esferas afetiva

e cognitiva, em relação às etapas de desenvolvimento padrão que são previstas co-mo “norma” ou “regra” para o geral das crianças e adolescentes. As crianças com al-tas habilidades podem utilizar seu domínio cognitivo para disfarçar a sua imaturidade emocional. O nível de desenvolvimento intelectual, global ou parcial, fica acima do nível de desenvolvimento emocional ou social, nas crianças com altas habilidades e inclusive nas precoces, por um tempo, e, abaixo do nível de desenvolvimento emo-cional ou social, no caso de crianças com déficit intelectual. É esta a razão pela qual torna-se “perigoso” utilizar o termo “idade mental”, já que existem múltiplas dimen-sões de desenvolvimento, não sempre sincronizadas (TARRIDA, In: BRAVO, 1997);

2) Assincronismo intelectual-psicomotor, que é o desequilíbrio entre o nível inte-lectual e o desenvolvimento psicomotor, como, por exemplo, entre a aprendizagem da leitura, que pode acontecer quase que “naturalmente” e a capacidade psicomoto-ra para a escrita, que demanda um desenvolvimento físico anterior para concretizá-la. Ansiedade e rigidez muscular podem ser conseqüências deste assincronismo, a-lém de um sentimento de fracasso que pode decorrer de sua incapacidade de seguir seu próprio ritmo mental, que é muito mais acelerado que o ritmo físico;

3) Assincronismo da linguagem e do raciocínio, que é o desequilíbrio entre o ra-ciocínio e a linguagem. Por exemplo, algumas crianças compreendem a matemática rapidamente, mas, quando solicitadas a explicar o tema, a sua linguagem é muito pobre e não conseguem demonstrar a sua compreensão.

O Assincronismo em nível de funcionamento externo também é subdividido em: 1) Assincronismo criança-escola ou assincronismo escolar-social, característico na

criança que domina maior número de informações e cujo ritmo de aprendizagem é su-perior ao de seus colegas. Se integrarmos a criança na sala de aula em função de sua “idade cronológica”, ela poderá ter um desajuste intelectual e, se o fizermos em função de sua “idade mental”, ela poderá sofrer um desajuste emocional ou social;

2) Assincronismo nas relações familiares ou assincronismo familiar, que é o dese-quilíbrio intelectual e afetivo que manifestam algumas crianças com altas habilidades e que pode produzir confusão na família. Os interesses inusuais na sua faixa etária deixam os pais perplexos e eles acabam sem poder assumir condutas infantis face aos raciocí-nios “adultos”. Muitas vezes, a família pode reconhecer as altas habilidades, mas não tem condições culturais, intelectuais ou econômicas para enfrentar os problemas deriva-dos dos possíveis desajustes afetivo-intelectuais da criança. Neste sentido, é necessário aconselhar os pais para que possam manter um equilíbrio entre as possibilidades e as necessidades da criança. Quando a criança provém de meios desprivilegiados, ela se de-fronta com um dilema: ou renuncia a sua condição para manter a lealdade à sua família ou enfrenta grandes sentimentos de culpa ao continuar desenvolvendo seu potencial, já que isto implica exigir que a família atenda necessidades culturais ou econômicas que não estão ao alcance dela.

O assincronismo traz problemas, principalmente no campo da identificação e nas repercus-

sões em nível de aprendizagem, especialmente quando, juntamente com a precocidade, é con-siderado como fator determinante para adotar estratégias de atendimento pedagógico como a aceleração, sem um acompanhamento específico e cuidadoso quanto ao desenvolvimento emo-cional da criança.

PRECOCIDADE

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Segundo Mate (1996), a precocidade é o desenvolvimento numa determinada área, nu-

ma idade anterior à dita ‘normal’, apresentado por indivíduos da mesma idade cronológica. Por exemplo, uma criança que, em lugar de começar a caminhar aos 12 ou 15 meses, o faz aos 9 meses, ou uma criança que se alfabetiza antes do seu ingresso ao ensino fundamental, ou que lê aos 2 ou 3 anos.

A autora refere que a maioria das pessoas com altas habilidades é precoce numa ou em várias áreas do desenvolvimento (linguagem, motor, social, aprendizagem da leitura, conceito do número, etc.), embora isto não aconteça sempre, o que não equivale a dizer que quanto mais precoce, maiores sejam suas habilidades. Tarrida (Apud BRAVO, 1997, p. 91) comenta que a precocidade é independente da superdotação, pois ela não corresponde a uma determi-nada configuração intelectual, mas é um fenômeno evolutivo.

Normalmente, o desenvolvimento cognitivo segue determinados padrões, ritmos e eta-pas médias considerados como desenvolvimento normal. A diferença no ritmo de desenvolvi-mento caracteriza a precocidade ou o atraso no desenvolvimento. Tarrida (Apud BRAVO, 1997, p. 92) define que, sendo a precocidade um fenômeno evo-lutivo, poderíamos constatar as seguintes condições:

a) As etapas de desenvolvimento serão as normais, seguindo a mesma seqüência, mas com uma temporização diferente (o ritmo ou a duração de alguma etapas será diferente ao normal);

b) O nível de desenvolvimento cognitivo final – o teto de desenvolvimento – será o mesmo que o das pessoas que seguiram o ritmo normal, embora acedam a esse nível num tempo diferente (maior, no caso do atraso e menor, no caso da preco-cidade).

Como o desenvolvimento depende de aspectos biológicos e ambientais, uma criança com uma boa alimentação, com adequado estímulo do seu entorno pode concretizar o desenvolvi-mento de determinadas habilidades cognitivas antes que o normal. “Por exemplo, com a esti-mulação adequada, poderia se fazer que cerca de 20% da população infantil aprendesse a ler aos 4 anos” (TARRIDA, Apud BRAVO, 1997, p. 92). Nessa idade, pelo menos este percentual da população infantil (dentro dos padrões europeus do contexto do autor) já tem os requisitos de percepção, cognitivos e de atenção necessários para ler. Mas não se trata de maior “inteligên-cia”, mas de uma ativação mais rápida e mais cedo dos recursos. As crianças precoces não al-cançam um teto intelectual superior, mas chegam a esse teto mais rápido. As crianças com al-tas habilidades, ao contrário, conseguem, uma vez concluído o desenvolvimento cognitivo, ní-veis de aptidão e competência superiores à média.

É por isso que é uma criança muito pequena pode ser identificada como precoce, mas é di-fícil confirmar as altas habilidades até uma idade mais tardia, quando já foi possível fazer um levantamento histórico, tanto junto a ela quanto junta à família e seus professores, a freqüên-cia, consistência e duração dos traços de altas habilidades referidos como fatores importantes para definir as altas habilidades pela Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação (1995, p. 13). Adota-se como correto afirmar que, no momento, a criança apresenta indicado-res de altas habilidades.

MITOS

O sentimento de amor/ódio em relação às pessoas com altas habilidades vem de longa data. Já no Renascimento, os “gênios” da época eram alvo dele e dos mitos e crenças que a sociedade criou para estas pessoas. Assim como aquele que apresenta uma “deficiência” é alvo de pena e comiseração, aquele que manifesta uma aparente “vantagem” é alvo de inveja e a-gressão. O primeiro é privado de manifestar suas potencialidades, em nome da manutenção da desvantagem, enquanto que, ao segundo, é negada a existência de suas reais “desvantagens”.

A Pessoa com Altas Habilidades fica recoberta por um manto de inverdades que prejudi-ca a sua visualização e, em conseqüência, o seu atendimento, que, muitas vezes, é inclusive questionado.

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Juntamente com a dificuldade de aceitar a diversidade e entender a singularidade como um direito de cada um, os mitos e crenças que pairam sobre as pessoas com altas habilidades são responsáveis pela “transparência” a que estes indivíduos estão sujeitos, pelo menos até agora, seja nas políticas públicas e no discurso oficial das autoridades, em geral; na escassez de publi-cações, especialmente em língua portuguesa, e na precariedade dos serviços oferecidos para esta população.

Como qualquer mito, as suas causas estão vinculadas ao desconhecimento e dubiedade das informações existentes sobre as altas habilidades na sociedade como um todo, o que cria a ne-cessidade de uma explicação ou justificativa plausível para estas carências. Algumas das causas da existência dos mitos apontadas por Extremiana (2000) são:

1) O termo em si. A falta de universalização do conceito de inteligência e, em conseqüên-cia, da conceitualização de altas habilidades/superdotação e talento gera confusão sobre o fenômeno. Também podemos acrescentar aqui as diferenças que muitos autores, fun-damentalmente norte-americanos e europeus, apresentam entre “superdotação” e “ta-lento”, que são fortemente combatidas por autores como Howard Gardner (2000), Jose-ph Renzulli (1975, 1986), Ellen Winner (1998), entre muitos outros;

2) O desconhecimento de suas características. A falta de informações provoca con-cepções errôneas sobre as pessoas com altas habilidades e isto se percebe em muitos dos questionamentos feitos no primeiro contato com o tema, que indagam, por exem-plo, sobre possíveis diferenciações físicas, comportamentos negativos de personalidade e/ou psicológicos que “compensariam” as altas habilidades e inclusive sobre aspectos como a hipotética elevação de índices de suicídio entre esta população;

3) A confusão com outros termos. A confusão das altas habilidades com a genialidade ou o prodígio, por exemplo, fazem que a raridade de sua incidência seja pressuposta. A confusão com a precocidade, por exemplo, faz que muitos pais procurem estimular seus filhos na tentativa de “fabricar” crianças com altas habilidades. Talvez a mais grave des-tas confusões é a que se tem observado nos últimos tempos, com a hiperatividade, pa-tologia neurológica que apresenta alguns sintomas que, quando não suficientemente in-vestigados, podem ser confundidos com algumas características presentes nas crianças com altas habilidades e que têm resultado em crianças com altas habilidades erronea-mente diagnosticadas e medicadas com drogas indicadas para pessoas hiperativas;

4) A atitude de rejeição e prevenção. Embora Extremiana (2000) refira esta atitude en-tre alguns indivíduos que equiparam as pessoas com altas habilidades a “super-homens”, acreditamos que é o “medo” ao novo, ao desconhecido e/ou ao diferente o que gera esta atitude, provocando o aparecimento de mitos e crenças que permitam li-dar com este sentimento de forma mais confortável.

Diversos autores têm analisado os mitos e crenças, gerados a partir das causas acima enu-meradas, dos quais mencionaremos alguns (ALENCAR, 1986; COSTA, 1999; EXTREMIANA, 2000; WINNER, 1998, entre outros).

Podemos classificar estes mitos em diferentes categorias: os mitos sobre constituição, que são aqueles que especulam sobre possíveis origens das altas habilidades e características inatas a estas pessoas; os mitos sobre distribuição, que adjudicam distribuições específicas das altas habilidades; os mitos sobre a identificação, que buscam omitir ou justificar a desnecessidade desta identidade; os mitos sobre níveis ou graus de inteligência, originados de equívocos sobre o conceito de inteligência; os mitos sobre desempenho, que transferem expectativas e respon-sabilidades descabidas e irreais às pessoas com altas habilidades; os mitos sobre conseqüên-cias, que lhes transmitem características de ordem psicológica ou de personalidade não vincu-ladas a seu comportamento e os mitos sobre o atendimento, que muitas vezes são a causa da precariedade ou ausência de serviços públicos eficientes para esta população.

Mitos sobre constituição

1) As altas habilidades são uma característica exclusivamente genética. A idéia de que as altas habilidades devem-se exclusivamente a fatores biológicos é muito defen-

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dida pelas chamadas teorias geneticistas ou inatistas. As pesquisas feitas até o momento não conseguem comprovar esta tese, embora se saiba que, com certeza, há uma carga hereditária. Gardner (2000) estima que a esta carga esteja entre 30 e 70%. Porém, não há forma de calcular este índice, já que isto implicaria na observação in vivo de um cére-bro funcionando, o que é, pelo menos por enquanto, totalmente impossível de se levar a cabo. Observações de profissionais que trabalham na área indicam a existência de paren-tes diretos com altas habilidades pertencentes a até três gerações anteriores à do indiví-duo com altas habilidades observado;

2) As Altas Habilidades são uma característica que depende exclusivamente do estímulo ambiental. Em contraposição ao mito anterior, a idéia das altas habilidades como resultado do estímulo, do esforço e do trabalho duro, ou seja, de aspectos exclusi-vamente ambientais, que demarcaria um caráter comportamentalista (em resposta a um estímulo) desta característica também não tem sido comprovada. Por outro lado, o envol-vimento com a tarefa, que é um dos componentes das altas habilidades, é uma conse-qüência delas e não uma causa. As pesquisas realizadas tendem a mostrar que ambos aspectos são importantes, já que, de nada adianta ter predisposição genética para as al-tas habilidades se não forem oferecidas oportunidades para desenvolvê-las e de nada a-dianta oferecer estímulos sem que haja um interesse suficiente numa determinada área;

3) Pais organizadores (condutores). A crença de que as crianças com altas habilidades são produto de pais organizadores que conduzem e regram suas vidas, levando-as a um desempenho excepcional é bastante difundida. O que tem se constatado é que geralmen-te são as próprias crianças que levam seus pais a enriquecer o ambiente em que vivem e não ao contrário. Não obstante, há famílias que supervalorizam as crianças com altas ha-bilidades, exigindo delas, expondo-as e responsabilizando-as excessivamente, o que pode trazer graves problemas emocionais para elas;

4) A criança com altas habilidades é egoísta e solitária. O egoísmo e a solidão são características do comportamento humano que podem ou não estar presentes nas pesso-as com altas habilidades, dependendo da educação familiar, da suas habilidades interpes-soais e até do contexto em que ela convive. A preferência por trabalhar sozinha, bastante comum em crianças com altas habilidades, decorre de sua diversidade de interesses, fre-qüentemente diferentes dos do seu grupo etário e às vezes de seus mecanismos de a-prendizagem que, por serem diferentes aos das demais crianças, muitas vezes podem in-viabilizar ou dificultar o trabalho em grupo. Porém, também não é raro que estas crianças tenham habilidades de liderança e apresentem, então, um comportamento oposto a esta característica;

5) A criança com altas habilidades é “metida”, “sabichona”, “exibida”, "nerd", "CDF". A avidez por conhecimentos ou saberes que geralmente não são aprofundados na sala de aula e o elevado grau de curiosidade leva estes alunos a possuir um acervo de in-formações bem superior ao comum dos alunos e inclusive dos próprios professores. Quando se discutem temas relacionados a esses assuntos, costumam, como qualquer ou-tro aluno, apresentar estas informações enriquecidas pela sua procura pessoal ou, pelo contrário, perguntar insaciavelmente por novas informações. Esta atitude geralmente in-comoda e/ou atrapalha o ritmo da aula e o destaque, visto negativamente pelo grupo ou inclusive pelo professor, é manifestado com epítetos deste tipo;

6) As crianças com altas habilidades são fisicamente frágeis, socialmente inep-tas e com interesses estreitos. Este mito, baseado no estereótipo de pessoa com altas habilidades comumente veiculado pela mídia – uma pessoa magra, branca, de óculos, ob-sessiva e insociável – não é uma regra confirmada na prática. Assim como no resto das pessoas, as características físicas ou de personalidade variam de uma para outra e, por serem características de ordem genético ou decorrentes de aspectos ambientais, não se pode estabelecer qualquer associação específica com as altas habilidades;

7) A criança com altas habilidades se destaca em todas as áreas de desenvolvi-mento humano. Superdotação Global. Espera-se que esta criança tenha um desem-penho parelho em todos os aspectos, gerando-se expectativas irreais quanto a este aluno.

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Na escola, quando há qualquer indício de conduta imatura ou falta de atenção ou adapta-ção, descarta-se a possibilidade de que esta criança seja uma criança com altas habilida-des e a família não consegue compreender a convivência de comportamentos “infantis” e comportamentos “de adulto”. Os alunos do tipo produtivo-criativo, que geralmente não se adaptam tão facilmente à rotina escolar e freqüentemente apresentam rendimentos mé-dios ou até deficitários, segundo os padrões de avaliação escolar, muitas vezes não são indicados como alunos com altas habilidades;

8) Tudo é fácil para a pessoa com altas habilidades. Esta afirmativa pressuporia uma pessoa que não teria que fazer esforço, que não teria que procurar soluções e cujo entor-no seria totalmente favorável. Constata-se que, inclusive por apresentarem maior facilida-de apenas em algumas áreas, muitas vezes, estes alunos podem chegar a ter até maior dificuldade para atender às expectativas nas áreas que não são de destaque ou de seu in-teresse. Por outro lado, considerando que estes alunos estão presentes em todas as vari-áveis demográficas, socioculturais e econômicas, as oportunidades a eles proporcionadas são muito diferentes e lhes propiciam diferentes graus de dificuldades;

9) As crianças com altas habilidades se auto-educam, não precisam de ninguém. Este mito tem sua sustentação naquele que o caracteriza como um ser “supra-humano” e esquece que "a primeira coisa que temos que reconhecer sobre uma criança superdotada é que ela é um ser humano" (HAVIGHURST apud NOVAES, 1979, p. 133), um ser humano que é, primeiro, criança, depois, adolescente e, finalmente, adulto, e que este processo de desenvolvimento deve ser balizado, apoiado e sustentado pelos adultos que estão en-carregados de sua educação.

Mitos sobre a distribuição 10) Todos temos altas habilidades, basta estimulá-las e poderemos “fabricar”

uma criança com altas habilidades. Esta concepção tem sido bastante alardeada nos últimos tempos, especialmente por aqueles que defendem “uma falsa igualdade” entre os cidadãos, e tem sido fomentada pela proliferação de publicações do tipo “aumente a inte-ligência do seu filho” ou “faça do seu filho um gênio” que apresentam fórmulas para a suposta criação de pessoas com altas habilidades. Entretanto, as estratégias de estimula-ção cognitiva recomendadas nestes livros permitem que qualquer criança tenha um de-sempenho melhor que o obtido sem a sua utilização, mas não desautorizam os achados fundamentados pela Genética;

11) A incidência das altas habilidades na população é muito pequena. Embora a Organização Mundial da Saúde estime que as pessoas com altas habilidades representam de 3,5 a 5% da população geral, estes dados se baseiam apenas nos escores superiores a 130, obtidos em testes tradicionais de QI, que não são instrumentos confiáveis para iden-tificar todos os tipos de altas habilidades. O percentual depende da definição adotada e pode variar entre 1% e mais de 20%. O estudo de prevalência realizado pela Associação Brasileira para Superdotados – seção RS (2001) nas escolas públicas e privadas da Região Metropolitana de Porto Alegre apontou um índice de 7,78% de alunos com indicadores de altas habilidades;

12) Existem mais homens do que mulheres com altas habilidades. Esta idéia ten-denciosamente androgénica corresponde mais a estereótipos e condicionantes culturais do que à realidade. Segundo Colmenares (Apud BRAVO, 1997), “as revisões atuais acerca das diferenças cognitivas evidenciam que a variabilidade intersexos é inferior à intra-sexos” (p. 117). A ausência de modelos femininos bem-sucedidos em áreas de domínio tradicionalmente masculino, a falta de motivação para o sucesso entre mulheres, as maio-res dificuldades de identificação (já que elas preferem ocultar seus talentos), o maior índi-ce de baixa auto-estima e a prevalência de incentivos ao desempenho maiores para os homens do que para as mulheres levam a identificar e, consequentemente, buscar aten-dimento para mais indivíduos do sexo masculino do que o feminino. Entretanto, no estudo desenvolvido pela Associação Brasileira para Superdotados – seção RS (2001), a relação

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de gênero entre os alunos e alunas com indicadores de altas habilidades encontrados nas escolas públicas e privadas da Região Metropolitana de Porto Alegre foi favorável ao sexo feminino;

13) As pessoas com altas habilidades provêm de classes socioeconômicas privile-giadas. A estimativa da Organização Mundial da Saúde, que é uma das mais conservado-ras, quanto ao índice encontrado e ao instrumento utilizado para a identificação, estabe-lece claramente que ele corresponde a qualquer população, independente de raça, cultura ou proveniência sócio-econômica. As proporções encontradas no Estudo de Prevalência da ABSD-RS (2001) não apresentaram diferenças significativas quanto à proveniência sócio-econômica em relação aos índices levantados pelo IBGE para a população em geral. O que pode ocorrer, obviamente, é uma maior visibilidade nas classes mais favorecidas, de-vido à variedade de oportunidades oferecidas para o desenvolvimento das altas habilida-des e ao ofuscamento, nas classes mais desprivilegiadas, pela falta de oportunidades para sua expressão.

Mitos sobre a identificação 14) A identificação fomenta a rotulação. A rotulação não teria as conseqüências negati-

vas que hoje tem se fosse aceita a singularidade das pessoas como algo próprio a ela. Os próprios mitos e crenças gerados sobre estas pessoas fazem que a identificação seja con-siderada uma rotulação e que esta seja vista como uma “discriminação” dos indivíduos i-dentificados que, no imaginário popular, passam a ser “melhores” que o resto da socieda-de;

15) A identificação fomenta atitudes negativas na pessoa com altas habilidades. A idéia de que a identificação fomenta atitudes de vaidade, menosprezo para com as outras pessoas e sentimentos de superioridade (tanto por parte da pessoa identificada como de sua família), características encontradas em qualquer pessoa – com altas habilidades ou não - não se justifica, porque estes comportamentos estão baseados na personalidade, ensinamentos e princípios que a criança aprende no seio de sua família, entre seus pares e até na própria escola e comunidade;

16) Não se deve identificar a criança com altas habilidades. A identificação da pessoa com altas habilidades é indispensável para conhecer suas necessidades e buscar formas de atendê-las. Este mito, muitas vezes está baseado em preconceitos político-ideológicos, já que como “todos somos iguais”, não se devem fazer diferenças entre as pessoas. Po-rém, esta identificação deve preceder a discussão das políticas públicas necessárias para seu atendimento, já que somente após realizá-la é que poderemos discernir quais as es-tratégias de atendimento que devem ser implementadas. É impossível sequer pensar em prováveis abordagens de atendimento se não soubermos quem é essa pessoa, onde está, quais suas reais necessidades e em que áreas;

17) Não se deve comunicar à criança que ela tem altas habilidades. Negar a uma criança o direito de confirmar algo que ela já sabe é uma atitude que fere os direitos hu-manos e principalmente o compromisso com a verdade que deve ser ensinamento básico para qualquer criança. Especialmente em um momento em que a escola e a sociedade não propiciam o reconhecimento das altas habilidades, a família passa a ser o “porto se-guro” onde “ser diferente” é admitido e compreendido, permitindo que ela desenvolva um bom nível de auto-estima para enfrentar um ambiente externo hostil à diversidade, que pode chegar a questionar suas características diferenciadas como algo que, em nome da “igualdade”, a criança não deveria ter.

Mitos sobre níveis ou graus de inteligência

18) A pessoa com altas habilidades é apenas aquela que tem um QI excepcional. Como já foi salientado anteriormente, os escores obtidos nos testes padronizados de QI não são indicadores absolutos de altas habilidades. Casos de grandes esportistas como

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Garrincha, por exemplo, que provavelmente não teria obtido um desempenho superior nos testes de QI, já que teve uma formação acadêmica muito restrita, ou como outros gênios da humanidade que também tiveram dificuldades nas áreas que identificam o QI (lingüística, lógico-matemática e espacial) comprovam o equívoco desta afirmação;

19) Criança talentosa, mas não com altas habilidades. Alguns autores, principalmente europeus, defendem que as crianças que apresentam QI elevado ou habilidades “intelec-tuais” são “superdotadas”; as que apresentam altas habilidades em áreas artísticas são “talentosas”. Não há por que fazer esta diferenciação, pois os agrupamentos definidos por Renzulli (1986) como componentes do comportamento de superdotação – capacidade a-cima da média, envolvimento com a tarefa e criatividade – estão presentes com intensi-dade, freqüência e duração comparável em qualquer uma das áreas de altas habilidades. Howard Gardner (2000), autor da Teoria das Inteligências Múltiplas, faz questão de de-fender esta equivalência, quando afirma que as inteligências podem ser chamadas de ha-bilidades ou talentos, sempre que uma não tenha supremacia sobre a outra, como por exemplo, quando se outorga o status de habilidade ou inteligência à capacidade lingüísti-ca ou lógico-matemática e chama-se de “talento” a inteligência musical;

20) As crianças inteligentes também são criativas, na mesma proporção. Para que haja manifestação da criatividade é preciso um comportamento inteligente, mas os graus de ambas não guardam proporcionalidade. Os chamados “idiots-savants”, por exemplo, demonstram um elevado grau de memória ou de cálculo (comportamentos inteligente), por exemplo, mas não há neles uma utilização criativa dos conhecimentos adquiridos.

Mitos sobre desempenho 21) A criança com altas habilidades se destaca em todas as áreas do currículo es-

colar, tem que ter boas notas. É o aluno nota 10 em tudo. Este mito leva a pensar no desempenho acadêmico, exclusivamente, esquecendo outras áreas de desempenho humano que a escola não contempla e que podem ser as áreas de destaque de um de-terminado aluno com altas habilidades. Quando as crianças não apresentam boas notas, elas e/ou suas famílias são questionados quanto a esta “suposta discrepância”. Como o baixo rendimento ou dificuldades de aprendizagem também não são cogitadas como pos-sibilidade para o aluno com altas habilidades, esta situação não é aceita e, muitas vezes, a sua condição é colocada em dúvida. Este mito baseia-se na imagem ideal do “bom alu-no”, que geralmente é o modelo perseguido na escola tradicional, e esbarra numa reali-dade em que o aluno geralmente se destaca em uma ou mais áreas específicas, mas não em todas e no método de avaliação tradicional geralmente utilizado, que avalia o aluno de forma quantitativa e não qualitativa.

Mitos sobre conseqüências

22) A pessoa com altas habilidades lingüísticas ou lógico-matemáticas desenvolve doenças mentais. Este mito decorre da constatação de muitos artistas, músicos e cien-tistas que passaram por períodos de instabilidade mental ou psicoses, mas não se deve esquecer que suas realizações ocorreram “apesar de” e não “em conseqüência” de seus problemas emocionais. A incidência de doenças mentais, quando observada, não tem sido constatada como relação direta das altas habilidades, mas como conseqüência de fatores familiares ou psicológico não saudáveis;

23) O QI se mantém estável durante toda a vida. Além de não ser o indicador mais a-propriado para estabelecer as altas habilidades de uma pessoa, como já afirmamos ante-riormente, já que o QI é apenas um número que quantifica a inteligência lingüística, lógi-co-matemática e espacial de uma pessoa, por ser um dado confirmado por testes aplica-dos por seres humanos – portanto falíveis e parciais - em diferentes momentos emocio-nais e situações da vida de uma pessoa – portanto sujeitos a influências internas e exter-nas - o QI de uma mesma pessoa pode variar;

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24) A pessoa com altas habilidades é propensa ao desajustamento social e insta-bilidade emocional. O livro “Insanidade do gênio” de Lombroso (1896) foi uma das ori-gens desta teoria seguida por muitos autores. O autor utilizava indiscriminadamente como termos sinônimos: “anormal”, “morboso”, “doente”, “superdotado”, “gênio”, etc., chegan-do à conclusão de que o “gênio” era resultado de uma degeneração psicológica, sintoma de caráter hereditário de uma variedade epileptóide, associada também a uma moral in-sana. As altas habilidades também têm sido associadas à propensão ao suicídio, mas pes-quisas realizadas nesse sentido têm demonstrado que este índice não está relacionado a sua condição;

25) Crianças com altas habilidades serão adultos eminentes. Para chegar ao grau de notoriedade que este mito indica é necessário que o adulto faça ou represente uma mu-dança significativa para a sociedade ou grupo num determinado campo do saber ou do fazer. Geralmente isto leva muitos anos de dedicação e esforço na mesma área e um ele-vado grau de criatividade e depende do apoio e estímulo recebido, da personalidade de cada um, da concorrência no campo, e, fundamentalmente, das oportunidades que este indivíduo tenha tido para tal, pelo que não é tão freqüente que isto aconteça e, com cer-teza, não ocorre com todas as pessoas com altas habilidades, mas apenas com algumas.

Mitos sobre o atendimento

26) As crianças com altas habilidades não precisam de atendimento educacional especial. Nos países desenvolvidos em que o ensino é de boa qualidade, quando as al-tas habilidades são acadêmicas, assume-se que a criança com altas habilidades lingüísti-cas ou lógico-matemáticas está suficientemente atendida na escola e a criança com ha-bilidades artísticas, cinestésicas ou de outro tipo geralmente desenvolve suas habilida-des em atividades extra-classe como academias de dança, escolas de arte, música, es-portes, etc., portanto é mais provável que, se o sistema de ensino considerar e atender as diferenças individuais, não haja necessidade de um atendimento educacional especi-al. Em países como o nosso, onde o ensino regular não consegue dar conta nem sequer das crianças ditas ‘normais’, este atendimento se faz necessário tanto para as crianças com altas habilidades na área acadêmica quanto nas demais áreas, que não fazem parte do currículo escolar. Uma outra agravante deste mito é quando, por desconhecimento ou omissão proposital, o aluno com altas habilidades não é considerado aluno com ne-cessidades especiais, como assim estabelecem os dispositivos legais, e, portanto, não se considera que a Educação Especial deva inclui-lo ou, o que ainda é pior,

O fato de o aluno com altas habilidades já estar “inserido” na escola e “aparen-temente” atendido por ela é um dos fatores que impedem visualizar a necessi-dade de sua inclusão. É por este motivo que a permanência bem-sucedida apa-rece como diferencial importante deste paradigma. Para muitos alunos com ne-cessidades educativas especiais, o simples acesso à escola, ou seja, poder fre-qüentá-la, representa o primeiro passo no processo inclusivo. Para o aluno com altas habilidades, na maioria das vezes, a freqüência à escola já está garantida, mas ainda é necessário superar uma etapa anterior que leva ao verdadeiro a-cesso e que é a (re)construção de sua identidade para depois, então, podermos pensar em formas de garantir a sua permanência - e bem-sucedida. (PÉREZ, 2002).

A este respeito Vieira (Apud ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA SUPERDOTADOS – SEÇÃO RS, 2000) comenta que:

O portador de altas habilidades, apesar de estar inserido no ensino regular, tam-bém encontra dificuldades para ser incluído no sistema educacional, assim como a pessoa portadora de deficiência. Não existe um perfil único que possa definir esses alunos que apresentam características próprias na sua interação com o mundo, representadas por uma forma peculiar de agir, questionar e organizar seus pensamentos (p. 50).

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27) O atendimento especial fomenta a criação de uma elite. Este mito se baseia nas

formas de atendimento segregadas que costumam ser utilizadas em alguns países e que somente buscam aquinhoar vantagens competitivas para concorrer com outras nações. Se compartilharmos o paradigma da inclusão, este mito não tem sustentação, pois a busca do atendimento especial é a integração social desta e de todas as pessoas que, por terem necessidades educacionais especiais, exigem um atendimento diferenciado que lhes per-mita converter-se em cidadãos felizes e realizados;

28) Crianças com altas habilidades devem ir a escolas especiais. A mesma funda-mentação que justifica a falta de sustentação do mito anterior pode ser aplicada a esta crença. Seres sociais têm que conviver, compreender e respeitar as diferenças, portanto, escolas ou classes especiais somente acarretarão uma visão parcial do mundo e dificulda-des para lidar com a diversidade, além de serem meios favoráveis para exacerbar com-portamentos competitivos e individualistas;

29) A aceleração é a abordagem de atendimento mais correta para os alunos com altas habilidades. Esta forma de atendimento é bastante utilizada em países desenvol-vidos e está prevista na legislação brasileira como alternativa de atendimento pedagógico. É uma das alternativas mais ‘baratas”, em termos financeiros, mas pode ser uma das mais “caras” em termos humanos. Como não necessariamente há correspondência entre o nível de desenvolvimento cognitivo e o nível de desenvolvimento emocional da criança, inseri-la num grupo com idade cronológica mais avançada implica sujeitá-la a exigências emocionais e sociais diferentes das suas, à possível rejeição do novo grupo, por ela ser “menor” a seus pares, e, do seu grupo etário, por ela ter sido “adiantada” para um grupo que está supostamente mais avançado. Por outro lado, se considerarmos apenas o de-senvolvimento cognitivo para a aceleração, pode ocorrer que “pular” apenas uma série não seja suficiente e uma nova aceleração tenha que ser considerada, o que acentua ain-da mais as dificuldades acima expostas. Quando a aceleração for considerada como alter-nativa, não somente deve ser cuidadosamente acompanhada por uma equipe multidisci-plinar, mas também deve ser considerado o desejo do aluno e da família de adotar esta estratégia, assim como a possibilidade de reversão deste processo, caso a criança não se adapte à nova situação;

30) Não se deve incentivar o agrupamento de crianças com altas habilidades. Se bem o agrupamento permanente destes alunos pode ser prejudicial, porque incentiva a segregação e o fortalecimento de traços de personalidade e/ou atitudes negativas, a ten-dência de qualquer ser humano é agrupar-se com seus iguais, trocar idéias e buscar “es-pelhos” entre seus semelhantes. Portanto, o agrupamento eventual destes indivíduos é importante para que possam conhecer outros “iguais” a eles e construir e reforçar a sua identidade.

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Entender e aceitar as particularidades de todas as pessoas como direito à singularidade passa por um profundo desejo de conhecer o ser humano. Do próximo e de nós mesmos; dos conceitos, pré-conceitos e preconceitos que formamos - dos outros e de nós mesmos; das dife-renças, que podem ser representadas como vantagens ou desvantagens - para os outros e para nós mesmos - e que somente serão transformadas em aspectos positivos da diversidade huma-na possível, factível e real quando apagarmos da nossa mente a idéia de "normalidade" associ-ada ao ideal de uma "perfeição" e uma “homogeneidade” que nunca existiram e talvez nunca existirão.

Como bem lembra Savater (2000, p. 42), a "verdadeira educação consiste não só em ensinar a pensar como também em aprender a pensar sobre o que se pensa". Se entendermos os mitos que criamos para nos defender dos falsos perigos do afastamento da norma, talvez aprendamos a enxergar a beleza e a riqueza que a sábia natureza disseminou entre seus filhos e que faz deste nosso mundo o lugar mais maravilhoso, imperfeito e cheio de diferenças.

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Enquanto os educadores e a sociedade, como um todo, não forem capazes de diferenci-ar mitos de realidade, enquanto estes alunos não saírem da invisibilidade e não forem distin-guidas as suas necessidades, enquanto os dispositivos que visam a constituir políticas educa-cionais continuarem apenas “falando” deste aluno como alvo da inclusão sem “pensar” em es-tratégicas reais de inclusão, enquanto não lhe for “permitido” a este aluno se auto-reconhecer e se aceitar como diferente, enquanto não aumentar a produção científica e os pesquisadores na área de altas habilidades, a sua inclusão não será possível.

Neste mundo, no qual precisamos confirmar nossa humanidade biológica adquirida ao nascer, a educação, função dos mais experientes para com os menos, sejam eles mais velhos ou não, como um esforço proveniente da constatação da ignorância, segundo Bruner (Apud SAVATER, 2000), tem que ser capaz de "despertar em quem a recebeu o desejo de fazer me-lhor com aqueles pelos quais depois será responsável" (SAVATER, 2000, p. 17).

RReeffeerrêênncciiaass BBiibblliiooggrrááffiiccaass

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