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Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído GRUPO DE TRABALHO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 11ENCONTRO NACIONAL E I ENCONTRO LATINO AMERICANO SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS Canela, RS, 24 a 27 de abril de 2001 23 PROJETOS EM TAIPA DE MÃO: ANÁLISE DE SOLUÇÕES INCORPORADAS À TÉCNICA TRADICIONAL Karla Caser (I); Akemi Ino (2) (I) Arquiteta, Mestre em Tecnologia do Ambiente Construido, Doutoranda na Universidade de Guelph - Canada e-mai1: [email protected] (2) Professor Doutor do Dep. de Arquitetura e Urbanismo SAP - EESC - USP - São Carlos - SP e-mai!: [email protected] RESUMO Este trabalho consiste na análise de 3 projetos de autoria de Caser, construidos em taipa de mão no estado do Espirito Santo nos ano de 1991 e 1992: a "Casa de Guarda" da Florestas Rio Doce, o protótipo de habitação "Moradia Ecológica", da Fundação Vale do Rio Doce e o "Centro de Vivências", do Parque Ecológico Morro da Manteigueira. Esta análise procura evidenciar as soluções incorporadas à técnica construtiva tradicional em cada um dos projetos e os problemas encontrados na sua execução. Também consta desta análise a avaliação pós-ocupação da Moradia Ecológica, após seis anos de construída. ABSTRACT TIlÍs paper critical1y assessed thrcc projects using taipa de mão developed by Caser in lhe state of Espirito Santo, between 1991 and 1992: "Casa de Guarda", the housing prototypc "Moradia Ecológica" and the "Centro de Vivências" of the Parque Ecológico Morro da Manteigueira. This work includes lhe description of the solutions added to this vernacular technique, and the analysis of the design and supervision processo lt also includeslhe performance evaluation (constructive and maintenance cost and durability) of lhe "Moradia Ecológica" afier 6 years. PALA VRAS-CHA VE Taipa de mão; Moradia Ecológica; Técnica Construtiva; Avaliação de Desempenho INTRODUÇÃO A taipa de mão é uma técnica construtiva tradicional que utiliza uma estrutura de madeira independente (formada por pilares e "vigas") e onde as paredes de vedação são feitas com uma trama vertical e horizontal de madeira espaçadas de aproximadamente 20 CIo e amarradas com cipó ou arame, formando uma espécie de grade, onde o barro é jogado. Quando esse barro seca (podendo alcançar a espessura de uma parede de tijolo comum) aplica-se o reboco e posterior pintura. Acredita-se que a maneira mais direta e efetiva para contribuir com a preservação e melhoramcnto global e local do meio ambiente é o uso adequado dos recursos naturais de uma localidade, em função dos condicionantes econômicos, tecnológicos e sócio-culturais existentes, propensos a atender às reais necessidades do homem em seu habitat. Para 155

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Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente ConstruídoGRUPO DE TRABALHO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

11ENCONTRO NACIONAL E I ENCONTRO LATINOAMERICANO SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES

SUSTENTÁVEISCanela, RS, 24 a 27 de abril de 2001

23 PROJETOS EM TAIPA DE MÃO: ANÁLISE DE SOLUÇÕES INCORPORADAS ÀTÉCNICA TRADICIONAL

Karla Caser (I); Akemi Ino (2)(I) Arquiteta, Mestre em Tecnologia do Ambiente Construido, Doutoranda na Universidade de Guelph - Canada

e-mai1: [email protected]

(2) Professor Doutor do Dep. de Arquitetura e Urbanismo SAP - EESC - USP - São Carlos - SPe-mai!: [email protected]

RESUMO

Este trabalho consiste na análise de 3 projetos de autoria de Caser, construidos em taipa de mão no estado doEspirito Santo nos ano de 1991 e 1992: a "Casa de Guarda" da Florestas Rio Doce, o protótipo de habitação"Moradia Ecológica", da Fundação Vale do Rio Doce e o "Centro de Vivências", do Parque EcológicoMorro da Manteigueira. Esta análise procura evidenciar as soluções incorporadas à técnica construtivatradicional em cada um dos projetos e os problemas encontrados na sua execução. Também consta destaanálise a avaliação pós-ocupação da Moradia Ecológica, após seis anos de construída.

ABSTRACT

TIlÍs paper critical1y assessed thrcc projects using taipa de mão developed by Caser in lhe state of EspiritoSanto, between 1991 and 1992: "Casa de Guarda", the housing prototypc "Moradia Ecológica" and the"Centro de Vivências" of the Parque Ecológico Morro da Manteigueira. This work includes lhe descriptionof the solutions added to this vernacular technique, and the analysis of the design and supervision processo ltalso includeslhe performance evaluation (constructive and maintenance cost and durability) of lhe "MoradiaEcológica" afier 6 years.

PALA VRAS-CHA VE

Taipa de mão; Moradia Ecológica; Técnica Construtiva; Avaliação de Desempenho

INTRODUÇÃO

A taipa de mão é uma técnica construtiva tradicional que utiliza uma estrutura de madeira independente (formada porpilares e "vigas") e onde as paredes de vedação são feitas com uma trama vertical e horizontal de madeira espaçadas deaproximadamente 20 CIo e amarradas com cipó ou arame, formando uma espécie de grade, onde o barro é jogado.Quando esse barro seca (podendo alcançar a espessura de uma parede de tijolo comum) aplica-se o reboco e posteriorpintura.

Acredita-se que a maneira mais direta e efetiva para contribuir com a preservação e melhoramcnto global e local domeio ambiente é o uso adequado dos recursos naturais de uma localidade, em função dos condicionantes econômicos,tecnológicos e sócio-culturais existentes, propensos a atender às reais necessidades do homem em seu habitat. Para

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tanto, o ap~ovei~amentodas fontes natura.isrenováveis de e~ergia (como a madeira) no desenho das edificaçõcs. é umaação que ajudaria a alcançar o desenvoh1mento sustentável no planeta. Além disso aeredita-se que, ao eonstOlirem osespaços utilizando o seu saber-fazer em wna téenica artesanal, as pessoas tenham wna ocasião para se expressar erealizar um ensejo de eriação e de socialização, um espaço/tempo onde o lazer e o trabalho sejam parteseomplementares do mesmo processo vital, de wna vida integrativa e ecológica.

Durante os anos de 1991 e 1992 foram desenvolvidos três projetos em taipa de mão no Espírito Santo (ES): a "Casa deGuarda" para Florestas Rio Doce (FRDSA), o protótipo de habitação "Moradia Ecológica", para Fundação Vale do RioDoce (FVRD) e o "Centro de Vivências" do Parque Ecológico Morro da Manteigueira. Procura-se nesse artigo fazeruma breve deserição dos projetos, com ênfase nas soluções técnicas adotadas na utilização da taipa de mão, traçandoassim um histórico dos problemas encontrados e das soluçõcs adotadas em cada uma das construçõcs.

LOPES (1998) efetuou um levantamento de construçõcs em taipa de mão no Brasil, incluindo os projetos aqui deseritos.Entretanto julgamos relevante abordar novamente o tema, disponibilizando o registro sistematizado dessa experiênciaprojetual na dissertação de mestrado defendida em 1999 na Escola de Engenharia de São CarloslUSP: "Taipa de mão:revisão critica de projetos realizados no Espírito Santo e perspectivas de seu desenvolvimento", da qual este artigoprocura fazer um breve resumo(Caser, 1999).

O simples registro detalhado não se justificaria como pesquisa científica se a ele não se acrescentassem a análise criticade cada uma das soluçõcs propostas nos 3 projetos, com proposiçõcs de melhoria que são o fOitO da reflexão projetualrealizada sobre os mesmos. A avaliação do protótipo "Moradia Ecológica", após 6 anos de construído, mostrou-seimportante por complementar essa análise critica das soluçõcs adotadas, ao pennitir a avaliação das soluçõcs adotadasneste projeto, principalmente com relação à sua durabilidade e custo de manutenção.

CASA DE GUARDA

A casa de guarda é parte integrante da monografia de conclusão do curso de arquitetura: "Morar Ecológico ... oecodesenvolvimento' aplicado às habitações rurais do mtmicipio de Fundão" (Caser, 1992) .. Esta pesquisa foi oresultado da convicção de que o atual modelo de desenvolvimento tomou-se insustentável e que torna-se necessário abusca de um novo 'estilo' de vida, de alternativas apropriadas para os diferentes modos de vida existentes no mundo.Buscou-se um equilíbrio entre o desejo de desenvolvimento caracteristico do ser humano e a sustentabilidade dasolução adotada, ou seja, soluçõcs que trouxessem de fato melhores condiçõcs de vida. Como parte de um projeto de'desenvolvimento sustentado' para urna região especifica, propós-se neste trabalho, a utilização da técnica de taipa demão para habitaçõcs em comunidades mrais do municipio de Fundão, estado do Espírito Santo.

Como o desenvolvimento sustentável não se resume a uma técnica apropriada, mas requer também wn processo deeducação e conscientização permanentes, já que são necessárias mudanças em hábitos de consumo e mesmo concepçãode vida, para uma efetiva mudança, no contexto de Fundão, esta questão foi tratada utilizando-se a estrutura do'Programa Horto Florestal' - um projeto já implantado pelo BANDES (Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo) eprefeituras mtmicipais - que procura conscientizar os produtores OIraiSdas vantagens da preservação da natureza.

O processo de construção da casa teve início quando, como parte do levantamento bibliogràfico sobre a utilização damadeira em construçõcs, foi feita uma visita à Florestas Rio Doce (FRDSA), onde se construíu, em taipa de mão, a casade um dos guardas da Reserva (Km 117 da BR 101 Norte, ES), em 1991.

Todo o desenvolvimento, detalhamanto e obra da casa foi feito em conjunto com o 'mestre' Sérgio Fernandes, que naocasião trabalhava para a FRDSA, executando serviços de carpintaria. Procurou-se realizar um trabaUIO onde fossevalorizado o conhecimento destes dois profissionais, detentores do saber-fazer. Assim no inicio dos trabalhos foiapresentada a planta baixa, cortes e fachadas e todos os detalhes construtivos foram discutidos antes do início de cadafase da obra. Também a análise de cada etapa da obra foi feita através de conversas com todos os envolvidos (inclusiveajudantes), quando foram levantadas as dificuldades e buscaram-se as possíveis soluçõcs para uma maior otimização doserviço e dos materiais.

I O conceito de DC!icm'olvimcnto Sustentá,,'el foi redefInido na ECO 92 como: "desenvolvimento ambientalmente saudável.socialmente justo e economicamente viável, numa pt.'Tspectivaa longo prazo. para as futW1lSgerações, "(ROCHA et alii. 1998).Maiores informações em SACHS, Ignacy (1986). Espaço. tempo estratégias de desenvolvimento. São Paulo, Vértice,

2 O "ecodesenvolvirncnto" surgiu na década de setenta. postulando um desenvolvimento que procura soluções específicas para lL'i

necessidades básicas dos habitantes de um detenninado local. levando em conta dados ecológicos e culturais. Surgiu como umaalternativa à atual forma de desenvolvimento. postulando um desenvolvimento sustentável que permita que se restaurem os recursosnaturais sem prejudicar a continuação do processo de modernização do mundo.

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Resgatou-se da arquitetura vermcular registrada no Espirito Santo os seguintes elementos constmtivos:• Entramado venical roliço e horizontal de madeira lascada, amarrados com cipó;• Piso elevado, por também proteger a parede contra umidade e pennitir a ventilação. com baldeames apoiados sobre

pilaretes de tijolos maciços;• Treliça de ventilação nos oitões;• Forro de cipó;• Dois tipos de entramado, o diagonal e o onogonal;• Na interface da vedação em taipa com a estrutura de madeira foi feito um chanfro no reboco. com a intenção de

diminuir (e 'amenizar esteticamente') as trincas que por ventura surgissem nessa interface.

Para a estmtura. procurou-se utili7M encaixes de madeira como eram feitos no passado. sem a utilização de pregos(somente tamgos de madeira onde fossem necessários). Desta forma teria-se uma estmtura desmontável. como eram ascasas do passado. pennitindo sua desmontagem para futura montagem em outro local. Para a constmção utilizaram-setoras caídas na floresta e residuos disponíveis. Toda estmtura foi executada em madeira roliça, por questões estéticas.de facilidade de aq"uisição e maior aproveitamento da madeira. O barro utilizado nas paredes foi retirado a 40cm abaixoda superficie. para evitar um solo com excesso de matéria orgânica, lixo e raizes (DAM, 1988; MILANEZ, 1958;MITlDIERI et al, 1987).

O traço do reboco (em volume) foi definido com base nas características do solo disponível, escolhido pelo mestreSérgio Fernandes (uma amostra desse solo foi levado para ensaio de granulometria na Universidade Federal do EspíritoSanto - UFES). Como em Linhares não há o costume de se adicionar cal ao reboco. e devido ã resistência dos operáriosem traballiarem sem cimento. ele foi usado em todos os três projetos:• O reboco foi executado com traço de 1:4:9 (cimento:barro:areia) na I' demão (emboço) e na 2' demão, 1:2:6.• Externamente as paredes receberam uma 3' demão, no traço I: 1:2:6 (cimento, cal, barro, areia);• Sobre o lavatórío, tanque e pia da cozinha foi utilizada uma 'barra lisa', com traço 1:2:6 (cimento, cal. areia) com

altura de 30 cm, na mesma cor do piso. No banheiro essa mesma barra foi feita dentro do box, até a altura da janela(toda a instalação hidráulica ficou aparente).

ALVARENGA (1984), entretanto. sugere que o reboco seja feito com o próprio barro misturado com areia grossa eestmme (aglutinante) na I' camada e com areía fina e estrume na 2' camada). Já MITlDIERI (1987) e DAM (1988)recomendam que a segunda camada seja constitlÚda somente de barro e que na 3' camada seja misturado cimento ou calã terra. Sobre o uso do cimento DIAS (1993) relata que no período de 10 anos o revestimento tende a apresentar micro-fissuras, vias de acesso para a mnidade, que pode levar ã ruína tanto a madeira quanto o barro da parede.

MORADIA ECOLÓGICA

Após a finalização da Casa de Guarda, a Fundação Vale do Rio Doce (FVRD), que em 1992 era responsável porfinanciar moradia para os funcionários da companhia, vislUll1brou a oponunidade de criar uma alternativa de habitaçãopara seus funcionários com renda de até 3 salários mínimos, utilizando O eucalipto reflorestado da própria empresa. Apesquisadora foi contratada então, para desenvolver o projeto arquitetônico. procurando racionalizar o processoconstmtivo. acompanhar a obra e coordenar os projetos complementares.

O Projeto "Moradia Ecológica", constitui-se de uma casa feita para funcionar como protôtipo de habitação. Compõe-sede duas varandas, sala integrada ã cozínha, área de serviço, dois quanos e um banheiro, com o lavatório ex1emo

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funcionando como um lavabo. Com a equipe de engenharia da FVRD foram discutidos os problemas de execução daprimeira casa, que poderiam ser melhorados. Isso resultou em as tentativas de unifornli7.ação de diâmetros das peças demadeira (parn diminuir o número de componentes), além da busca de solução que pennitisse a pré-fabricação dospainéis.

A utilização do piso elevado, da treliça para ventilaçâo e do forro vazado fornm mantidos, não só por se constitlÚremum resgate da arquitetam vemacular, mas também por garantirem maior conforto ténnico e proteção para a madeirn e avedação em teITa. A idéia de utiliz.ar laje de concreto sobre barrotamento roliço de madeirn surgiu dos levantamentosrealizados na monografia de Graduação, quando os morndores de casas de taipa de mão indicaram preferência pelo pisofrio, devido â facilidade de manutenção. Num trabalho conjunto entre os responsáveis técnicos pelo setor de engenhariada FVRD e calculistas estruturais, obteve-se a resposta da viabilidade desta solução, quando foram então desenvolvidosos detalhes construtivos de posicionamento dos pilares. forma da laje, interface da laje com barrotes, etc.

Resumidamente, as melhorias incorporadas, em relação ao projeto da Casa de Guarda foram:• Substituição dos pilaretes de tijolo maciço por eucalipto roliço tratado em autoclave com CCA (arseniato de cobre

cromatado);• Laje armada sobre barroteamento roliço;• Espiga da base do pilar feita com aço CA 50 de ';''', com 15 em de comprimento, chumbado â laje durante sua

concretagem;• Uso de modulação 90 x 90 cm;• Entramado de peças roliças de eucalipto (rebrotos com aproximadamente 3 cm de diâmetro), amarradas com arame;• Peça de madeirn com 10 x 2 em, com furos a cada 20 cm, chumbada na laje para fixação das varas verticais do

entramado. Uma peça igual foi usada na parte superior do entramado, fixada com pregos às vigas;• Instalação elétrica embutida nas panedes de taipa e uso de parede hidráulica de tijolos furados;• Desenho das janelas para manter a ventilação e também vedar a luz (tela e madeirn).

Foram feitas algumas experiências com o traço do reboco. Na I' demão (emboço) foi tentado o traço de 1:6:9 e 1:3:9,tendo sido preferido o mesmo da casa de guarda, 1:4:9 (cimento:barro:areia). O traço da 2' demão do reboco utilizadofoi o sugerido pelo mestre de obras: 1:3:6 (cimento:barro:areia), e não o inicialmente sugerido pela autora (1:2:6).Apesar de ter se comportado satisfatoriamente, traz uma incoerência: com o emboço a 1:4:9, a 2' demão do rebocopassou, proporcionalmente, a possuir mais barro que o embaço, quando deveria ocorrer o contrário (para evitar odescolamento do reboco da base de barro). Entretanto. continuou sendo urna argamassa mais estável (com maiorquantidade de cimento) que o embaço.

No reboco 'paulista' sobre as panedes hidráulicas de alvenaria utilizou-se traço 1:2:4, por sugestão do mestre de obra, aoinvés de 1:2:6 (ciinento:barro:areia) como especificado, e o reboco paulista apresentou muitas trincas. Foi precisoaplicar urna segunda camada de reboco, no traço 1:3:6 (cimento:barro:areia), o mesmo aplicado sobre a I 'demão dereboco (emboço).

Figura 4 - Detalhe da lajelentramado.

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CENTRO DE ViVÊNCIAS DO "PARQUE ECOLÓGICO MORRO DA MANTEIGUEIRA"

Em 1992 foi iniciado o projeto do Centro de Vivências do "Parque Ecológico Morro da Manteigueira" . Esse Centro deVivência foi construido pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em terreno de sua propriedade, que foi doado àPrefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV) para criação de um local visando proporcionar proteção para O mangue7111e para a mata nativa ainda existente, além de local para educação ambiental de escolas. Atualmente, no Centro deVivências, funciona a Secretaria de Meio-Ambiente da PMW.

o projeto foi baseado nos Projetos de Centro de Vivências desenvolvidos pela Arq. Kátia Serejo Genes, da CVRD - Riode Janeiro, que estavam sendo implantados pela CVRD nos Hortos Florestais de vários mlUlicipios do Espírito Santo.Todas as construçõcs dos Hortos foram feitas utílizando eucalipto, com diversos sistemas construtivos, como forma dedivulgação destas técnicas junto aos pequenos produtores rurais. Neste projeto foi feita adaptação para a utilização dataípa de mão, sendo mantida a área total construída e introduzidas modificações no telhado e nos tamanhos edistribuição interna dos ambientes.

Com relação à Moradia Ecológica, foram feitas as seguintes modificaçõcs:o Utilização de tomadas e interruptores com eletrodutos passando dentro dos pilares;o Sapatas de concreto como suporte para os pilares de madeira, por deixar a madeira mais protegida da mnidade do

solo;o Não utilização do trançado diagonal. Essa solução foi adotada em Unhares porque, teoricamente, ajudaria no

contravenlamento da estrutura. Como observou-se que isso não aconteceu, passou-se à utilização do trançadoortogonal, com o contravenlamento feito por peças de diâmetro de 10 cm embutidas na parede;

o Todas as peças foram tratadas em autoclave com CCA (menos o entramado).

Foram mantidas a treliça (ventilação cruzada), o piso elevado e a parede hidráulica Com relação a estas modificaçõcs,podemos fazer as seguintes considerações:o A base de concreto mostrou-se mais trabalhosa que o simples cravamento dos pilaretes de madeira no solo. Como

após 6 anos, eom a devida manutenção, os pilaretes de Unhares encontram-se em bom estado de conservação, háque se analisar caso a caso a adoção de uma ou outra alternativa, em função de custo, facilidade de troca de peças,existência ou não de manutenção, etc.

o A instalação elétrica embutida nos pilares foi de fácil execução.

Figura 5 - Centro de Vivências

AVALIA CÃO DE DESEMPENHO DA MORADIA ECOLÓGICA

Neste item far-se-á um breve resumo da avaliação de desempenho realizada em 1998 na "Moradia Ecológica"'. Oscritérios de valiação foram adaplados dos critérios adotados por NEVES (1993), em avaliação Pós-ocupação realizadaem construções de solo.<:imento na Bahia, feitas as adaptações para a taipa de mão. O método de medição dos critériosfoi o da verificação visual, com exceção do prumo. Procurou-se focalizar os pontos criticos desse processo construtivo:fundação (madeira cravada no solo), piso (interface lajclbarrotes), vedação (interface pilares/taipa de mão),revestimentos ('barra lisa' no banheiro e caiação das paredes), acabamentos (píngadeiras das paredes), esquadrias, einstalações elétricas e hidráulicas.

, Ver também: Caser, 2000. Avaliação de Desempenho do protótipo "Moradia Ecológica" em Taipa de Mão. In: Encontro Nacionalde Tecnologia do Ambiente Construído, Abril 2000. Salvador.

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A coleta de dados teve iIÚcio com uma visita à obra, quando registrou-se o bom aspecto geral da construção. Foramanotadas as principais alteraçõcs (troca de esquadrias, da cor do piso, a pintura da estmtura, a retirada da varanda) eobservados os pontos problemáticos com relação à durabilidade: rcboco descolando na imenace pilar/vedação, pedaçoda pingadeira quebrado, corrimão da área de serviço sem estabilidade e dcscascado no piso dc cimcmo. O passoseguinte foi buscar informaçõcs sobre os motivos das modificaçõcs e os custos desse serviço de manutcnção.

Característica EconômicasO custo total do protótipo "Moradia Ecológica" ficou em US$ 98.53/m' (agosto de 1992, sem BDI), e sua manutençãoem tomo de U$ 198.00/ano' (julho de 1998), o que totaliza, em cinco anos, aproximadamente 20% do seu valor total.Partindo do princípio de que nos primeiros 5 anos a manutenção fica sob responsabilidade do construtor, pode-seconsiderar esse custo como parte integrante de seu custo real que passaria a ser então de U$118,23/m', abaixo portantodo valor máximo' estipulado de US$155.00/m'.

Características de HabitabilidadeOs requisitos de durabilidade, estanqueidade e segurança estrutural foram avaliados separadamente para cadasubsistema.

Subsistema FundaçãoA fundação encontra-se visualmente em boas condições, e acredita-se que isto se deve,em parte, devido à constantemanutenção. Observou-se o caminho de cupins em direção às peças da estrutura, sem sinais de ataque aos pilaretes defundação, como pode ser observado na figura 7. Foi usada uma mistura de creosoto com terra (1:18 - em volume) nofechamento dos buracos dos pilaretes de fundação, exatamente para evitar que isso ocorresse. Acredita-se que, nodecorrer de 6 anos, essa mistura tenha sido levada pelas chuvas, ou que a proporção usada tenha sido insuficiente.

Cumpre lembrar que sempre houve a manutenção preventiva, com a limpeza e a eliminação do cupinzeiros. Todas aspeças encontram-se pintadas com "stain" marrom que, além da ação fungicida, protege contra os efeitos da radiaçãosolar. Portanto, concluímos que o tratamento em autoclave com CCA, aliado ao pincelarnento com creosoto e à pintura"stain", é um tratamento satisfatório, tanto como proteção contra fungos apodrecedores como contra cupins, mesmopara situações criticas como a da madeira cravada diretamente no solo.

Figura 7 - Pilarete da fundação

Subsistema PisoTodos os barrotes encontranl-se pintados com "stain" marrom. As pontas dos baldrarnes (local suscetivel ao ataque defungos e cupins) receberam pincelamento com creosoto regularmente (I vez/ano), como pode ser observado nas figuras8 e 9. Os barrotes da varanda começaram a apresentar sinais de apodrecimento antes dos 2 anos. O eng. responsável

..•Dado fornecido pela Florestas Rio Doce SA., O valor de mâximo de USS 155,00 Im' foi adotado por ser este o valor da casa da COHAB padrão 2/43: casa de 43 m' com doisquartos, cimentado liso no piso. barra lisa no banheiro e cobertura de cimento amianto. Este valor inclui mão-de--obra e BDI e éreferente ajulho de 1991. Em CASER (1992) foi feito o seguinte comparativo de custos:• Casa COHAS padrão 2/43 (com mão-de-obra - MO - e BDI):USS 1551m' (julho de 1991);• Casa COHAB padrão 2/43 (sem MO, U. Púb., reI. de entulho, muro baixo, placa com nO):USS 66,7I/m';Casa COlfAB padrão 2/43 (mesmas condições da anterior, com telha de barro): USS 82,00/m';

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pela FRDSA optou por cortar a extremidade desses barrotes, eliminando assim a varanda dos quartos, vide figura 10.Todas as peças expostas a sol e chuva precisaram ser substituidas a cada dois anos, aproximadamente.

Os sarrafos de 8 x 3 em, de acabamento da laje e proteção do topo dos caibros (tratados em autoelave) encontram-se embom estado, bem como o topo dos barrotes, como pode ser observado na figura 8.

;;p.,,:_~Figura 9 - Vista do barrotamento sob a laje de piso.

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f 19Figura 8 - Detalhe das extremidades do baldrame e barrotes.

Figura 10- Vista da ex - varanda dos quartos, retirada em 1994.

Subsistema EstruturaA estrutura encontra-se pintada com stain marrom e visualmente apresenta-se em boas condições. Foi solicitado àFlorestas Rio Doce SA que conferisse o prumo dos painéis, cujos resultados atenderam aos critérios estabelecidos.

A escada apresentou problema estruturais (seu guarda-<:orpo oscila mais que 3 rum). Provavelmente esse problemadecorre do fato da escada estar exposta à incidência solar direta e chuva, sendo o elemento que mais recebeumanutenção. Já teve seus degraus e o corrimão repostos 2 vezes e no ponto de contato com o solo a peça verticalapresenta fungos, manchas e sinais de apodrecimento (ver Figura 11). Conclui-se que, em situações adversas toma-senecessário o uso dç peças tratadas em autoelave para evitar a troca da peça em intervalos reduzidos de tempo.

Subsistema VedaçãoA primeira visim mostrou que os maiores problemas situam-se na interface dos pilares com a vedação. Com relação àsjuntas dos pilares/vedação, calculou-se que são 240,00 ml de juntas possíveis de serem encontradas (cada pilar pode teraté 10,00 m de juntas; para um toml de 24 pilares). Deste total foram observados 106,10 m de juntas abertas. Osmotivos levantados de tão elevada incidência são: utili7.ação de madeira "verde" e principalmente a manutençãoexecutada em 1996, quando todos os "chanfros" na ligação pilar/parede foram fechados, ficando uma fina camada dereboco novo sobre o antigo (muitas trincas surgiram entre estes dois rebocos, devido à falta de aderência entre eles). Apingadeira das paredes encontrava-se em bom estado, com ressalva para uma pequena área de desagregação. Apesardisso, atendeu aos critérios estabelecidos, pois sua área é pequena quando comparada ao perimetro da casa.

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Figura 12 - Detalhe do beiral.

Subsistema CoberturaA cobertura não apresentava deflexões visiveis, mas foram diagnosticados problemas de estanqueidade no acabamentodo beiral. Isso ocasionou o aparecimento de manchas nos caibros externos e no topo das terças (ver Figura 12).

Subsistema EsquadriasCom relação à durabilidade, as portas e janelas empenaram por terem sido feitas com madeira não totalmente seca. Foinecessário providenciar a troca de algmnas delas. As portas permaneceram iguais, mas as janelas foram trocadas por ummodelo com moldura e almofada de frisos verticais de I, 5 cm (mais leves, menos probabilidade de empenar porque asecagem fica mais fácil).

CONCLUSÓES

Com base nas descrições e análises feitas dos 3 projetos. a taipa de mão, enquanto técnica construtiva vemacular,insere-se perfeitamente como altemativa construtiva 'moderna', mesmo se considerados os custos de manutcnção damadeira. Tal afirmação se justifica pelo uso de produtos renováveis, pelo seu baixo custo, por sua flcxibilidade(diversidade de usos e diferentes traços e materias de rehoco e piso, que permitem uma adaptação às condições locais),e pela possibilidade de racionalização do processo construtivo.

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