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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE ATIVIDADE LÚDICA E RECREAÇÃO NA APRENDIZAGEM ESCOLAR por Sônia Regina Ferreira da Rocha Orientadora: Maria Esther de Oliveira Rio de Janeiro, dezembro de 200 1

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE

ATIVIDADE LÚDICA E RECREAÇÃO

NA APRENDIZAGEM ESCOLAR

por

Sônia Regina Ferreira da Rocha

Orientadora: Maria Esther de Oliveira

Rio de Janeiro, dezembro de 2001

UNIVERSIDADE CADIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOMOTRICIDADE

ATIVIDADE LÚDICA E RECREAÇÃO

NA PRENDIZAGEM ESCOLAR

Sônia Regina Ferreira da Rocha

Monografia apresentada à

Universidade Candido Mendes,

como requisito parcial para

conclusão do Curso de Pós-

graduação em Psicopedagogia e

obtenção do título de

Especialista.

Rio de Janeiro

Ano 2001

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho

à minha família, pelo carinho, apoio e

paciência durante minhas longas

horas de estudo.

AGRADECIMENTO

Deixo aqui meu muito obrigada

a todos que me apoiaram ao longo

do curso de pós-graduação, professores e colegas.

RESUMO

A presente Monografia teve como objetivo analisar

as aplicações da atividade lúdica no processo

educacional. Inicialmente, descreveram-se os

benefícios no desenvolvimento infantil,

investigando as várias teorias que abordam o

assunto. Em seguida, tratou-se das várias áreas de

pesquisas que se relacionam com a temática do

lúdico. O trabalho prosseguiu com a discussão das

diferentes formas de introduzir o aspecto lúdico na

escola e no cotidiano infantil de maneira proveitosa.

Por fim, foram relacionadas as principais conclusões

obtidas a partir do estudo realizado, referente à

introdução do lúdico no currículo escolar,

valorização dos recreios e observação de como as

crianças de jogos e brinquedos.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .. . . . . . . . . . 08

— Objetivo da Monografia 08

— Visão geral do tema 08

— Justificativa do estudo 09

CAPÍTULO I - O LÚDICO NO DESENVOLVIMENTO

DA CRIANÇA 10

1.1 — A criança e o brincar 10

1.2 — Papel e valor do lúdico 10

1.3 — Desenvolvimento lúdico da criança 13

1.4 — Teorias do jogo 14

1.4.1 — Teorias clássicas 15

1.4.1.1 — Teoria do excedente de energia 15

1.4.1.2 — Teoria do relaxamento e recreação 15

1.4.1.3 — Teoria da recapitulação 16

1.4.1.4 — Teoria do pré-exercício 16

1.4.2 — Teorias modernas 16

1.4.2.1 — Teoria de Huizinga 16

1.4.2.2— Teoria Psicanalít ica (Freud) 17

1.4.2.3 —Teoria emocional (Erikson) 17

1.4.2.4 —Teoria cognitiva (Piaget) 17

1.4.2.5— Teoria de Vigotsky 19

1.4.3 — Teorias mais recentes 19

1.4.3.1 —Teoria de Bateson 19

1.4.3.2— Teoria social (Elkonin) 20

1.4.3.3— Teoria social (Sutton-Smith) 20

1.4.3.4—Teoria de Brunner 20

CAPÍTULO II – MODERNAS ÁREAS DE

PESQUISA RELACIONADAS COM O LÚDICO 21

2.1 – O lúdico na pesquisa moderna 21

2.2 – Pesquisas voltadas para a fundamentação do jogo 21

2.3 — Escrita lúdica 21

2.4 — O jogo na cidade moderna 22

2.5 — Pesquisas sobre segurança no jogo 23

2.6 — Pesquisas sobre ludotecas 23

2.7 — Jogos para crianças com necessidades especiais 24

2.8 — Padrões de atividade física 24

CAPÍTULO III – COMO LIDAR COM O LÚDICO

NA VIDA E NA ESCOLA 25

3.1 – O lúdico e a motricidade no ser humano 25

3.2 – Ciclos lúdicos na infância e na adolescência 26

3.3 — Que se entende por jogos de atividade física 27

3.4 — Início e predomínio dos jogos de exercícios 28

3.5 — Jogo de luta e perseguição 29

3.6 — A recreação e suas características 30

3.7 — Decisão da criança sobre seu tempo livre 31

3.8 — Papel do receio na socialização e no aprendizado

curricular 32

CONCLUSÃO 35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 37

INTRODUÇÃO

— Objetivo da Monografia

O objetivo maior da Monografia é a revalorização do estudo dos

jogos e das atividades físicas no desenvolvimento/aprendizagem da

criança. Será dado um especial relevo aos conceitos de percepção do

espaço físico e de mobilidade visando a independência da criança.

— Visão geral do tema

Uma sistemática necessidade de atividades físicas tanto

moderadas como vigorosas é demonstrada por crianças e jovens em

diversos contextos da sua vida, de forma regular, seja em dinâmicas

formais ou informais. Estas atividades (posturais, locomotoras e

manipuladoras) são decisivas em todo processo de desenvolvimento e

aprendizagem de habilidades motoras e capacidades físicas, seguindo

um aperfeiçoamento progressivo em termos quantitativos e

qualitativos. Tais atividades apresentam um significado profundo em

termos de necessidades biológicas e sociais, sendo realizadas

habitualmente (dependendo da ambivalência do comportamento dos

adultos) com prazer e entusiasmo (Pereira, 1994).

A atitude lúdica e correspondentes atividades motoras associadas

conferem sentido de intencionalidade à exercitação da função e

permitem ao ser humano uma relativa e confortável capacidade de

adaptação ao longo da vida, em relação aos desafios do seu

envolvimento físico e social.

INTRODUÇÃO

— Objetivo da Monografia

O objetivo maior da Monografia é a

revalorização do estudo dos jogos e das atividades físicas no

desenvolvimento/aprendizagem da criança. Será dado um especial

relevo aos conceitos de percepção do espaço físico e de mobilidade

visando a independência da criança.

— Visão geral do tema

Uma sistemática necessidade de atividades

físicas tanto moderadas como vigorosas é demonstrada por crianças e

jovens em diversos contextos da sua vida, de forma regular, seja em

dinâmicas formais ou informais. Estas atividades (posturais,

locomotoras e manipuladoras) são decisivas em todo processo de

desenvolvimento e aprendizagem de habilidades motoras e capacidades

físicas, seguindo um aperfeiçoamento progressivo em termos

quantitativos e qualitativos. Tais atividades apresentam um significado

profundo em termos de necessidades biológicas e sociais, sendo

realizadas habitualmente (dependendo da ambivalência do

comportamento dos adultos) com prazer e entusiasmo (Pereira, 1994).

A atitude lúdica e correspondentes atividades

motoras associadas conferem sentido de intencionalidade à exercitação

da função e permitem ao ser humano uma relativa e confortável

capacidade de adaptação ao longo da vida, em relação aos desafios do

seu envolvimento físico e social.

A partir da constatação de mudanças

significativas no tecido social e dos constrangimentos existentes nas

culturas de vida das crianças e jovens dos nossos dias, retomou-se a

idéia de estudar o jogo segundo uma concepção biológica e social, a

partir das propostas clássicas.

Como conseqüência de um estilo de vida

padronizado, as possibilidades de ação (independência ou autonomia

de mobilidade) da criança e do jovem vêm diminuindo drasticamente.

A promoção do desporto e da atividade física na vida da cidade e da

escola tendem a constituir-se, na sociedade moderna como um

indicador decisivo de qualidade de vida.

Melhorando os métodos de pesquisa e, tendo

um olhar atento à diversidade de contextos de ação no sentido de

9

analisar os obstáculos que se colocam ao exercício do jogo livre nas

primeiras idades, a investigação centrada nas relações entre jogo e

atividade física necessita ser retomada.

— Justificativa do estudo

Depois de terem sido pouco estudadas ou

mesmo negligenciadas, as ligações entre jogo e atividade física, nas

últimas três décadas, têm sido um tema freqüente de investigação em

diversos domínios em que este fenômeno pode ser observado no

comportamento humano, especialmente durante a infância. No entanto,

muitos investigadores centram-se habitualmente no estudo do jogo

simbólico, e, só recentemente, voltou-se a colocar interesse sobre o

jogo como atividade física e suas relações com os aspectos de

desenvolvimento cognitivo.

O lúdico foi, assim, redescoberto como um

instrumento pedagógico extremamente válido, uma vez que traz

benefícios em várias áreas do desenvolvimento individual. Impulsiona

a criança, estimulando-a a crescer na linha da socialização, da

liberação de potencialidades, tais como a criatividade, a expressão

corporal, a auto-afirmação e a participação pessoal no processo de

aprendizagem.

CAPÍTULO 1

O LÚDICO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

1.1 — A criança e o brincar

Para os pesquisadores do

desenvolvimento humano, principalmente das áreas de educação, saúde

e intervenção social, o jogar/brincar é um dos fatores de maior

interesse, por ser uma das formas mais comuns de comportamento

durante a infância. Neste sentido, o estudo do jogo na perspectiva do

desenvolvimento da criança e do adolescente pode ser considerado no

âmbito da investigação científica como área exclusiva de estudo

(Neto, 1997).

Nas últimas décadas, a partir da

Convenção Internacional dos Direitos da Criança, sobre a defesa do

direito da criança ao brincar e materializada em múltiplos projetos de

intervenção, os estudos e pesquisas sobre a matéria têm merecido um

interesse crescente na comunidade científica.

1.2 — Papel e valor do lúdico

A investigação sobre o papel e valor do jogo

no desenvolvimento humano tem-se expandido rapidamente. De acordo

com Enderie (1991), um largo corpo de suportes científicos, muitas

vezes recorrendo a dimensões multidisciplinares, evidencia as

diferentes aplicações e vantagens do brinquedo no processo

educacional, como descrito abaixo.

10

− Sob muitos aspectos, o jogo promove o desenvolvimento cognitivo:

descoberta, capacidade verbal, produção divergente, habilidades

− manipulativas, resolução de problemas, processos mentais,

capacidade de processar informação.

− Ao empenhar-se no jogo, os níveis de complexidade envolvidos

alteram e provocam mudanças na diversidade das operações

mentais, facilitando, assim, um alargamento de suas possibilidades

cognitivas.

− A criança brinca com verbalizações e, ao fazê-lo, generaliza e

adquire novas formas lingüísticas, isto é, aprende a estruturar a

linguagem através do jogo.

− Esquemas lúdicos e formas de jogo passam de geração em geração,

do adulto para a criança e de criança para criança. A cultura e a

tradição familiar são, portanto, transmitidas através do jogo.

− Através de situações pedagógicas que utilizam o jogo como meio

educativo, habilidades motoras são formadas e desenvolvidas.

Segundo Lidz (1990) apesar de difícil definição,

o comportamento lúdico é um aspecto fácil de observar. O estudo do jogo

apresenta-se como um fenômeno complexo e globalizante. No entanto, é

possível identificar algumas variáveis util izadas freqüentemente em

pesquisas sobre a inter-relação entre a atividade lúdica e o

desenvolvimento infantil . São elas: diferenças individuais; fatores sócio-

culturais; influências parentais; estabilidade emocional; influência de

espaços e equipamentos; influência de programas de treino; influência do

jogo no processo educacional.

Em termos de desenvolvimento infantil, o

estudo do jogo pode ser compreendido em relação às manifestações

observáveis, de acordo com os fatores que as tornam relevantes, em

11

relação aos mecanismos internos subjacentes ao comportamento

lúdico, aos processos e às dinâmicas de natureza energética,

morfológica, nervosa ou simbólica e, por último, quanto aos fatores

relevantes de natureza contextual quais sejam os modelos culturais.

Ao estudar a importância do jogo no

desenvolvimento da criança, uma grande parte dos instrumentos de

avaliação centra-se, habitualmente, em escalas de observação sobre o

jogo social, intensidade lúdica, atividade mental, análise do jogo livre,

desenvolvimento do jogo infantil, avaliação do jogo, avaliação lúdica

transdisciplinar, jogo sócio-dramático, jogo social e cognitivo e jogo

anti-social (Magill,1998).

No sentido de tornar a investigação mais

realista e focada no contexto de ação, a observação naturalista e

participante tem demonstrado ser mais eficaz na descrição de

comportamentos lúdicos das crianças em situação espontânea, já que

por outro lado, estes diversos instrumentos variam, consideravelmente,

em função dos níveis de estrutura e intrusão. A partir desta

consideração todo professor está em condições de ser um pesquisador

do lúdico da criança.

Ainda que, a maior parte dos estudos sobre a

atividade lúdica na educação seja centrada no sujeito, é óbvio que a

unidade de desenvolvimento deveria ser, por natureza, o aspecto

relacional. O estudo do jogo, do ponto de vista do desenvolvimento

humano, implica o recurso a metodologias integradas e

multidisciplinares de pesquisa, com inspiração nas ciências biológicas,

neuropsicológicas e sociais. Quando estudamos o jogo na infância,

importa, pois, tratar o indivíduo como um sistema complexo e

organizado.

Considerando a diversidade biológica e

cultural observada no comportamento lúdico na infância e os

12

fenômenos associados de adaptabilidade, flexibilidade, estabilidade e

mudança, harmonia, risco e segurança e interação social, percebe-se a

necessidade de desenvolver novas concepções e paradigmas sobre a

teoria do jogo. A idéia centra-se em procurar compreender as

fronteiras das representações mentais (mecanismos de controle

central) e categorias dinâmicas de ação (mecanismos periféricos),

como adaptação aos constrangimentos físicos e sociais. Trata-se,

portanto, de equacionar o estudo do desenvolvimento lúdico como um

processo de auto-organização e autocontrole progressivo, atendendo às

percepções e experiências com o mundo físico, social e cultural

(Magill, 1998).

“O jogo não é só um direito, é uma necessidade. Jogar não deve ser uma imposição, mas uma descoberta.Brincar/jogar não é só uma idéia, é uma vivência, pois o jogo não é um processo definido, é um processo aleatório. Jogar/brincar não é só incerteza é uma forma acrescida de ganhar segurança e autonomia.”

(NETO, 1990, p.94)

1.3 — Desenvolvimento lúdico da criança

O jogo é a l inguagem das crianças e, por vezes,

os brinquedos são as palavras. Desde o nascimento, a criança aproveita

todas as oportunidades para brincar. Desta forma, desenvolve a imaginação,

a inteligência, a l inguagem, comportamentos sociais e destrezas perceptivo-

motoras. O desenvolvimento acontece naturalmente quando se permite a

exploração do envolvimento. Através do jogo, a criança explora, influencia

e controla sua evolução física e social.

13

“Em situações não formais, entende-se por jogo o processo de dar l iberdade à criança de exprimir sua motivação intrínseca e sua necessidade de explorar o seu envolvimento físico e social sem constrangimentos (investigar, testar e afirmar experiências e possibilidades de ação).”

(NETO, 1997, p.85)

De acordo com Lidz (1990), o jogo é um

instrumento natural de desenvolvimento da criança, onde estão presentes as

vertentes motora e psicossocial. O jogo, no processo de socialização da

criança, vai permitir a apreensão dos valores do grupo, a aquisição de

atitudes e de papéis essenciais para o comportamento no âmbito da

comunidade. É consenso o fato de que a atividade lúdica é, portanto,

fundamental para maturação da criança, contribuindo para a formação da

sua personalidade, assim como favorecendo a aquisição de autonomia e de

confiança. No entanto, a definição de jogo foi e continua a ser alvo de

discussão entre os teóricos

Ao observar o comportamento das crianças, é

fácil perceber se estão ou não a brincar; no entanto, encontrar uma

definição de jogo tem sido uma tarefa complicada.

1.4 — Teorias do jogo

Por acreditarem na sua importância para o

desenvolvimento da criança, filósofos e educadores têm mostrado

interesse no estudo do jogo. Platão e Aristóteles, por exemplo,

relacionaram-no com a necessidade de ensaiar comportamentos e

atitudes da vida adulta futura. Comenius e Rousseau salientaram a sua

14

importância como ocupação natural da criança e como veículo de

aprendizagem. O jogo passou a ser visto, ao longo do tempo, como

uma necessidade para a formação da criança, tornando-se alvo de

estudo de psicólogos e pedagogos e gerando diversas teorias

explicativas da atividade lúdica infantil (Herrnstein & Boring,1998).

O jogo é um fenômeno com facetas múltiplas e,

por isso, foco de análises psicológicas, antropológicas, sociológicas,

relacionadas com o desenvolvimento da criança, com a educação física e

com a pedagogia em geral. Cada teoria avança na explicação da atividade

lúdica e contribui para um entendimento integral do jogo (Alves, 1998).

Podemos dividir tais teorias em dois grupos, conforme a fase histórica em

que surgiram clássicas: séc XVIII e XIX; modernas: após 1920.

1.4.1 — Teorias clássicas

1.4.1.1 — Teoria do excedente de energia

Os seres vivos geram uma quantidade de

energia para ir ao encontro das suas necessidades de sobrevivência

mas, segundo esta teoria, a energia que sobra (excedente) tem que ser

utilizada. Segundo Schiller (séc. XVIII) e Spencer (séc. XIX), é

através do jogo que esta energia é liberada (Mckinney, Fitsgerald e

Strommen, 1986).

O jogo é motivado pelo excesso de energia,

visto que o homem nasce internamente motivado para ser ativo.

Quando o trabalho não consome toda a energia, acontece o jogo. Tal

postulado justifica a grande energia que as crianças podem despender

durante suas brincadeiras. Mas contra esta teoria, está a constatação

de que a criança, mesmo à beira da exaustão e sem reservas de

energia, continua a brincar, a jogar.

1.4.1.2 — Teoria do relaxamento e recreação

15

Esta teoria, contrariamente à anterior,

considera que o grande objetivo do jogo é a reposição da energia

consumida durante o trabalho mental. Na opinião de Lazarus (séc.

XIX), o trabalho consome energia, provocando um déficit energético

que é recuperado pelo repouso ou por uma atividade diferente do

trabalho. Jogos e atividades de recreação teriam, assim, uma função de

recuperação (Mckinney, Fitsgerald e Strommen, 1986).

As novas ocupações e empregos resultantes

da evolução, especialmente ao nível da indústria, provocariam mais

cansaço do que o trabalho físico. A fadiga causada pelo trabalho

mental poderia ser recuperada pelo jogo ou por atividades de lazer

como a caça e a pesca. A motricidade fina, cada vez mais acionada,

implica a realização posterior de atividades que obrigam todo o corpo

a trabalhar

1.4.1.3 — Teoria da recapitulação

As teorias da recapitulação surgiram a partir

do conhecimento do desenvolvimento embrionário, durante o qual o

embrião parece passar por fases cada vez mais complexas, semelhantes

às que terá passado o homem ao longo do seu desenvolvimento como

espécie. Considera-se que a criança, ao longo da ontogênese, faz uma

repetição rápida da filogênese (Mckinney, Fitsgerald e Strommen,

1986).

Ao longo do seu desenvolvimento ontogênico,

segundo Gulick (1920) e Hall (1898), a criança repete o

desenvolvimento filogênico (da raça). Estes autores estenderam a

noção de recapitulação da história da humanidade ao desenvolvimento

16

do jogo a uma criança. Em oposição a esta teoria, estão as atividades

baseadas em novas tecnologias que são demasiado recentes para serem

consideradas como ensaios das experiências primitivas (Idem).

1.4.1.4 — Teoria do pré-exercício

Através do jogo a criança treina, elabora e

aperfeiçoa as destrezas necessárias para a sua sobrevivência como

adulto. Para Groos (1901), o jogo serve pra treinar as habilidades

básicas de sobrevivência na vida adulta. O jogo vai se alterando ao

longo do desenvolvimento, promovendo o autocontrole da criança e o

aperfeiçoamento de relações interpessoais. É atribuída, assim, uma

grande importância à imitação como fator de desenvolvimento

(Mckinney, Fitsgerald e Strommen, 1986).

1.4.2 — Teorias modernas

1.4.2.1 — Teoria de Huizinga

O jogo acentua a diferença nas relações com o

mundo normal. Esta teoria relaciona jogo e cultura. O jogo é visto

como uma ação livre, da qual se tem consciêcia e tem lugar fora da

vida normal. Embora não envolva compromisso serio, pode ocupar o

jogador completamente. Não engloba interesse material ou vantagens,

mas ocorre em tempo e espaços culturalmente determinados, criando

relações sociais rodeadas de segredos e subterfúgios (Mckinney,

Fitsgerald e Strommen, 1986).

1.4.2.2— Teoria Psicanalítica (Freud)

O jogo desempenha um importante papel no

desenvolvimento emocional da criança, fornecendo-lhe um espaço de

17

satisfação dos seus desejos e de superação de situações traumáticas, de

acordo com Freud. O jogo é visto como meio para a expressão de

desejos, ansiedades e processos do ego. É motivado pelo princípio do

prazer, correspondendo à projeção dos desejos (Enderie, 1991).

1.4.2.3 —Teoria emocional (Erikson)

Segundo Erikson (1950), citado por Enderie

(1991), o jogo progride por níveis que revelam o desenvolvimento

psicossocial da criança. Em cada nível, acrescenta informação nova e

mais complexa sobre o mundo. Através do jogo, criam-se situações

que ajudam a superar as exigências da realidade. Cada nível integra-se

ao seguinte, contendo o último somatório de informações dos

anteriores.

A atividade lúdica é compreendida como

fonte de prazer, que transforma os sentimentos negativos em positivos,

muitas vezes através da repetição de acontecimentos da realidade.

Permite, assim, a liberação da agressividade a diminuição da

ansiedade, favorecendo, em diferentes aspectos, o amadurecimento

emocional.

1.4.2.4 —Teoria cognitiva (Piaget)

O desenvolvimento cognitivo da criança,

segundo Piaget, passa por uma série de estágios durante os quais ela

se envolve em diferentes formas de brinquedo que conduzem ao

encontro do seu nível de desenvolvimento. A inteligência é vista como

a organização do comportamento adaptativo. O desenvolvimento

cognitivo faz-se na interação constante entre assimilação —

capacidade de enfrentar novas situações e problemas, a ação sobre o

meio a partir da informação existente sobre esse meio, e acomodação

— necessidade de mudança para se adaptar pela ação do envolvimento

sobre a criança.

A classificação de jogo de Piaget relaciona-se

com o pensamento e com o desenvolvimento cognitivo da criança.

Piaget vê o jogo como uma

"fase de equilibração durante a qual a assimilação domina sobre a acomodação. É a assimilação dos estímulos do envolvimento, sem atender às limitações impostas pelas acomodações. O jogo tem uma dupla função: é um meio de conhecer o mundo e é um indicador do nível de desenvolvimento cognitivo da criança."

(PIAGET & INHELDER,1979, p.187)

O jogo não só reflete o desenvolvimento da

criança como o promove. Ao jogar (brincar), as crianças não estão a

aprender novas destrezas, mas a praticar e a consolidar aprendizagens

recentes. Segundo Piaget, “Há jogo desde que o objeto seja util izado

simplesmente pelo prazer da ação, sem que haja adaptação às

características do objeto.”(p.189)

1.4.2.5— Teoria de Vigotsky

19

Para este pensador, o jogo tem um papel

direto no desenvolvimento cognitivo; pois as crianças não conseguem

ter pensamento abstrato porque fundem o objeto e o seu significado

numa unidade. Necessitam manipular determinado objeto para

pensarem nele, o que só se altera quando começam a brincar,

substituindo o significado real do objeto por outro. O jogo simbólico

tem, assim, um papel crucial no desenvolvimento do pensamento

abstrato (Mckinney, Fitsgerald e Strommen, 1986).

A partir de pressões afetivo-sociais, o jogo

surge da tensão entre os desejos e o que o meio pode fornecer à

criança, ou seja, o jogo é a criação de uma situação imaginária.

1.4.3 — Teorias mais recentes

1.4.3.1 —Teoria de Bateson

O jogo representa uma forma básica das

relações humanas. Antes de iniciarem um jogo, as crianças criam uma

estrutura de jogo (contexto) para que todos os participantes possam

distinguir entre comportamentos lúdicos e a realidade. Para Bateson, o

jogo é um paradoxo, visto que as ações que ocorrem durante o jogo

não têm o mesmo significado quando ocorrem na vida normal. A

importância da atividade lúdica para o desenvolvimento da criança não

está no conteúdo específico das brincadeiras.

“As crianças não

aprendem tanto sobre os papéis que executam como sobre os processos de construção e reconstrução de papéis. Não se concentram sobre um papel particular, mas sobre o conceito de

papéis (.. .) o jogo contribui para aprender a aprender.”

(MAGILL, 1998, p.145) 1.4.3.2— Teoria social (Elkonin)

Esta confere maior importância aos jogos de

ficção – imitação – do que aos de movimento. A criança começou a

brincar, devido à complexificação da sociedade, visto que, até aí,

participava nas atividades dos adultos. Pelo jogo, a criança entra no

mundo do adulto. Desenvolve a vontade e a moral, aprende a

autocontrolar-se, a lidar com as próprias emoções (Magill, 1998).

1.4.3.3— Teoria social (Sutton-Smith)

A condição para o desenvolvimento do jogo é

o exemplo (modelo) de outro, porque o jogo é criado na interação

social.

O jogo permite a exploração de novas

combinações de comportamentos, desenvolvendo um conjunto de

novas estratégias, associações e protótipos comportamentais que

poderão ser usados mais tarde em outros contextos, segundo Sutton-

Smith. Um conflito que surge fora do jogo e para o qual a criança não

tem solução é resolvido através do jogo pela conversão dos papéis

onde todos podem ganhar ou perder. Esta teoria salientou a

importância do jogo simbólico (“como se...”) no desenvolvimento do

pensamento divergente (desenvolvimento de construções simbólicas

alternativas) (Idem).

1.4.3.4—Teoria de Brunner

20

O jogo contribui para o desenvolvimento de

novas estratégias de adaptação. Brunner preocupou-se com a

contribuição do jogo para o desenvolvimento da flexibilidade

comportamental e das destrezas motoras. O contexto de jogo permite à

criança o estudo das conseqüências dos seus comportamentos (Idem).

Analisadas as teorias mais conhecidas,

ver-se-á no próximo capítulo, as áreas que têm sido mais pesquisadas

ultimamente do tema lúdico.

CAPÍTULO II

MODERNAS ÁREAS DE PESQUISA RELACIONADAS COM O

LÚDICO

2.1 — O lúdico na pesquisa moderna

O agrupamento de linhas próprias de

investigação e intervenção social, educativa e terapêutica se torna

possível a partir da revisão atenta da literatura produzida sobre o

estudo do jogo no desenvolvimento da criança, expressa em artigos,

em congressos e revistas da especialidade. Serão analisadas a seguir as

áreas de estudo do jogo, especialmente relacionadas com o

desenvolvimento infantil:

2.2 — Pesquisas voltadas para a fundamentação do jogo

Este item responde a questões básicas sobre a

compreensão do jogo, em função de diversos níveis explicativos, através de

indicadores biológicos, psicológicos, sociológicos, antropológicos,

fi losóficos e psicanalít icos. As preocupações principais para compreender

as diversas formas de manifestação de comportamento lúdico (estereotipias

rí tmicas, jogo de exercício, jogo de luta e perseguição, jogo simbólico,

jogo sócio-dramático, jogo social, etc) são, habitualmente, as mudanças ao

longo da idade, as diferenças relacionadas ao gênero e a influência de

fatores sócio-culturais associadas ao desenvolvimento da criança. (Neto,

1994)

2.3 — Escrita lúdica

21

É a área que procura responder ao efeito do

jogo livre ou dirigido nas aprendizagens consideradas socialmente

úteis na sala de aula. O jogo pode ser utilizado como um meio de

utilização pedagógica

com uma linguagem universal e um particular poder de significação

nas estratégias de ensino-aprendizagem.

As crianças obtêm mais facilidade em

assimilar conceitos e linguagens progressivamente mais abstratas, a

partir da existência de ambientes lúdicos em situações de

aprendizagem escolar. Pesquisas têm demonstrado que as crianças que

foram estimuladas a partir de contextos lúdicos obtêm maior sucesso e

adaptação escolar, de acordo com os objetivos pedagógicos

perseguidos (Pereira, 1994; Ajuriaguerra, 1988).

2.4 — O jogo na cidade moderna

Compreende as mudanças e alterações de

oportunidades de acesso ao jogo na vida da cidade e os problemas

associados aos obstáculos relacionados à insegurança, tráfego e

diminuição de espaços. São inúmeras as modalidades de jogo

oferecidas às populações jovens, em quantidade e qualidade.

A política de ordenamento dos espaços de

jogo para a infância nas escolas, em zonas habitacionais e em espaços

públicos (parques, zonas verdes, etc.) implica planificação estruturada

na perspectiva da qualidade de vida deste segmento importante da

população.

“Os estudos demonstram uma diminuição de níveis de mobilidade e autonomia das crianças nos meios urbanos e um aumento, considerado preocupante, de sedentarismo infantil que compromete a vivência de experiências próprias da

22

idade, isto é, o jogo e a atividade física.”

(NETO, 1997, p.125)

2.5 — Pesquisas sobre segurança no jogo

Esta área estuda a concepção, implementação,

animação, manutenção e segurança de equipamentos e espaços de

jogos para crianças/jovens. Uma larga investigação vem sendo

desenvolvida sobre normas de segurança dos equipamentos

(superfícies de impacto, “design” , localização, estrutura e função,

etc.). Igualmente sobre novos modelos de espaços de jogos, em função

de níveis desejados e estimulação informal do jogo nas suas diversas

dimensões (estética, física e motora, sensorial social).

As questões habitualmente estudadas, em

função da cultura e do contexto específico de ação, são a identificação

das referências e a observação e o comportamento das crianças, de

acordo com os equipamentos e espaços existentes (Neto, 1997). A

questão da segurança da criança preocupa a todos, já que muitas

crianças são vítimas de aparelhos destinados ao lazer.

2.6 — Pesquisas sobre ludotecas

Esta área de estudo do jogo avalia o efeito da

estimulação do brinquedo (natural, artesanal-tradicional, didático e

industrial) no desenvolvimento da criança (motor, cognitivo e

social).Também analisa a definição de taxionomias; a formação de

“ludotecas”; e os modelos de funcionamento, animação e

implementação das mesmas.

23

A util ização de brinquedos sofisticados na

infância é, como demonstram alguns estudos, parte essencial das “culturas

de infância” e importante, em uma larga quantidade de experiências e

aquisições das crianças, sempre em função de seu adequado processo de

desenvolvimento. (Smith, 1997).

2.7 — Jogos para crianças com necessidades especiais

Assim como as questões relacionadas com a

acessibilidade e freqüência de espaços de jogo, este item também

esclarece o valor do jogo na educação de populações deficientes e com

dificuldades de aprendizagem. Uma larga quantidade de pesquisas têm

sido desenvolvida sobre a apropriação de brinquedos e equipamentos

de jogos em determinadas deficiências (motoras, mentais,

sensoriais,etc).

Procura-se, ainda, compreender os

comportamentos lúdicos destas populações em diversas dimensões de

estudo: jogo social, jogo sócio-dramático, jogo de construção, etc.

(Smith, 1997)

2.8 — Padrões de atividade física

Através da atividade formal ou informal, se

verifica como evoluem, decrescem ou se mantêm os padrões de

atividade física ao longo da vida.

Parece que se pode deduzir, pelos estudos já

realizados, que a educação para a saúde, procurando fomentar estilos

de vida ativa, deve começar na infância, a partir de condições de

estimulação oferecidas pelas comunidades (espaços verdes, espaços

24

desportivos, etc.), pelas escolas (espaços de recreio apropriados ao

ensino da Educação Física e do Desporto Escolar) e pelas famílias

(Pereira, Neto e Smith, 1997).

Percebe-se que a inatividade física tem

aumentado de uma forma considerável, nos últimos anos, a partir da

apreciação das rotinas de vida e a independência de mobilidade das

crianças nos meios urbanos. Hoje a criança se desloca sozinha ou em

bandos por todo o espaço urbano.

Conclui-se que o desenvolvimento da

qualidade de vida nas sociedades contemporâneas deverá exigir um

planejamento urbano e escolar adequado ao desenvolvimento de

experiências de jogo e de aventuras para crianças e para jovens.

CAPÍTULO III

COMO LIDAR COM O LÚDICO

NA VIDA E NA ESCOLA

3.1 — O lúdico e a motricidade no ser humano

Quando o homem nasce, sua relativa falta de

preparação para a vida, apresenta muitas vantagens para a nossa

espécie. Em comparação com outros primatas, o homem apresenta um

especial e longo período de imaturidade, grande tamanho cerebral,

larga capacidade de aprendizagem, família relativamente reduzida e

um extenso investimento parental. Estas características correspondem,

na verdade, a uma estratégia deliberada do ponto de vista evolutivo.

Na criança, apresenta-se como pré-requisito

para a sobrevivência a necessidade de explorar o seu envolvimento

próximo, através da contínua exercitação do seu corpo e cérebro, na

busca exterior de acontecimentos e na avaliação de informação. Esta

capacidade de mobilização dá ao corpo e, em particular, às suas

estruturas mentais, uma significativa flexibilidade na variedade de

respostas a situações complexas. Este desenvolvimento é, deste modo,

necessário não só para a sua sobrevivência imediata, mas, também,

para a evolução da própria espécie.

O brinquedo e o jogo constituem um dos

mecanismos pelo qual a flexibilidade é estruturada. O homem tem que

alterar sua habilidade para entender e explorar a informação para a

descoberta do seu envolvimento e transcender o ciclo natural de

dependência. Assim, o lúdico transforma-se em uma das formas mais

25

importantes do comportamento humano, desde o nascimento até a

morte. É absolutamente essencial à sobrevivência e à estruturação do

processo de desenvolvimento humano. (Visca, 1991)

3.2 — Ciclos lúdicos na infância e na adolescência

Diversas formas de jogo (incluindo o jogo de

exercício físico, o jogo de exploração de objetos e formas de jogo

simbólico), ocupam um longo tempo no decurso da infância e princípio da

adolescência. Simbolismo e transmissão cultural de geração em geração

marcam a espécie humana em relação às demais.

“O conhecimento disponível em psicologia e biologia do desenvolvimento (considerando diversas escolas de pensamento) sobre a evolução da cultura lúdica na infância é limitada e frágil quanto à fundamentação dos efeitos no desenvolvimento da criança, no envolvimento físico e social, socialização, educação ambiental e “design” de espaços, materiais e equipamentos de jogo.”

(LIDZ, 1990, p.174)

Com um nível explicativo pouco centrado em

acontecimentos do “mundo real”, algumas perspectivas de âmbito

comportamentalista ou cognitivista sobre as relações criança-

envolvimento apresentam-se como teorias reducionistas. O jogo é uma

das formas através de que criança se socorre para interiorizar o seu

envolvimento com o mundo físico e social. A idéia de explorar as

relações e conexões entre meio ambiente e jogo permite a formulação

de um novo paradigma e uma dimensão conceitual no estudo do

comportamento lúdico em termos evolutivos. Para a criança, a

ecologia escolar interfere particularmente. (Idem)

26

O estudo do jogo na perspectiva do

desenvolvimento da criança e do adolescente tem sido, há várias

décadas, tópico da comunidade científica, sendo o jogo de faz-de-

conta o aspecto mais estudado. Na verdade, o estudo paradigmático do

jogo da criança deu privilégio à análise do uso simbólico dos objetos,

em uma perspectiva de desenvolvimento. Estes estudos têm ignorado

algumas das formas de jogo, assim como as bases teóricas ligadas aos

pressupostos relacionados com sua dimensão funcional. Faz mais de

150 anos da publicação da notável obra de Darwin “A Origem das

Espécies” e mais de 100 anos da primeira grande contribuição

científica de K. Gross sobre o estudo biológico do jogo nos homens e

animais. (Idem)

O jogo na infância é visto como forma de

atividade física, apresentando um componente de psicomotricidade.

Normalmente, os adultos mostram grande desconhecimento acerca

destes altos níveis de atividade física resultantes de necessidade

biológicas e dinâmicas de adaptação ao ecológico. Esta constatação

também cabe para os pesquisadores em termos de investigação, visto

não existirem muitos trabalhos conclusivos a este respeito. (Herrnstein

e Boring, 1998)

Desde a mais tenra infância, há a estruturação

das estratégias de adaptação ao meio físico e social, através do jogo de

atividade física, entendida como uma manifestação do comportamento

motor de forma moderada ou intensa, envolvendo uma atividade

simbólica ou um jogo de regras, sendo realizado de forma individual

ou coletiva.

A escola infantil não pode ignorar duas

dimensões importantes e paradoxais no desenvolvimento da criança,

que podem ser notadas no jogo de atividade física: exercitação da

função e intencionalidade. Julga-se que os jogos de movimentação

27

corporal permitem o exercício de funções imediatas durante a infância,

com benefícios durante a maturidade. Sendo o aspecto mais

negligenciado do estudo do jogo no desenvolvimento e na

aprendizagem humana, o jogo de atividade física apresenta-se com o

seguinte perfil evolutivo: começa na 1ª infância, atinge um pico

evolutivo ao longo da 2ª infância e declina na adolescência até

desaparecer na idade adulta.

3.3 — Que se entende por jogos de atividade física

Constata-se que é limitada a documentação

disponível sobre jogo de atividade física, ainda que existam alguns

estudos na literatura infantil relacionados com a ontogênese do jogo

simbólico e jogo de exploração sensório-motora. No entanto, estas

fases de mudança, que ocorrem em relação à idade, no jogo de

atividade física, podem ser razoavelmente identificadas, conforme

ensina Neto (1994).

Inicialmente aparecem na criança certos

ri tmos estereotipados. Movimentos grosseiros de balançar e dar pontapés

manifestam-se durante o primeiro ano de vida, sem se compreender

exatamente o propósito ou objetivo nestes movimentos. Supõe-se que sejam

controlados pela maturação neuromuscular e que permitam desenvolver

padrões motores na infância. É provável que, ao manifestar estes

comportamentos, a criança revele sua imaturidade no sistema de integração

sensório-motora.

A criança, ao final do 1º ano de vida, sofre

uma acentuada transição cognitiva, o que lhe permite liberar-se

progressivamente do seu repertório estereotipado de movimentos.

Estas seqüências de aquisição da locomoção e de movimentos

manipulativos seguem o percurso de um jogo estereotipado para um

jogo predominantemente relacional e, em sua última fase, a criança

28

adquire competências no uso dos brinquedos com uma predominância

funcional. Atingindo um pico de desenvolvimento por volta dos 6

meses, estes movimentos desaparecem gradualmente dos repertórios

comportamento infantil a partir do final do 1º ano de vida. (Idem)

3.4 — Início e predomínio dos jogos de exercícios

A manifestação através de movimentos

locomotores, posturais e manipulativos, num contexto de jogo

organizado, no final do primeiro ano de vida, desenvolve-se, de forma

significativa, até aos 6 anos. Esta fase de jogo corresponde na criança

a um momento de grande exaltação física e motora. Ela se manifesta

através de experiências envolvendo movimentos vigorosos de corrida,

saltos e manipulações e apresentando grande significado social e

biológico. (Neto, 1994)

Durante o período de ensino pré-escolar, pode

observar-se uma enorme atividade física, normalmente nas formas de

jogo livre nos espaços de recreio. Esta função tem o objetivo de

consolidar o desenvolvimento de uma cultura motora fundamental e

aperfeiçoar as capacidades de força e resistência do organismo.

Observa-se um declínio durante o 1º ciclo de escolaridade (6 aos 10

anos) que equivale a cerca de 13% do tempo dos períodos de recreio.

Estas tendências de atividade motora e lúdica,

ao longo desta fase de escolaridade, de forma moderada ou intensa

(corridas, jogos e certas formas de atividade pré-desportiva), atingem

um pico no final do ensino infantil e início da alfabetização. Cerca de

60 a 70% das crianças empenha-se de modo regular nestas atividades

físicas de jogo espontâneo ou organizado, durante os intervalos das

aulas e, preferencialmente, nos corredores e pátios de recreio. Esta

capacidade de adaptação humana através da atividade física e motora

29

permitirá uma progressiva evolução de relação social, controle

emocional e da própria estruturação cognitiva. (Idem)

3.5 — Jogo de luta e perseguição

Esta fase tem lugar durante a terceira infância

e pré-adolescência (6-14 anos). Reporta-se a atividades motoras

relacionadas ao também chamado jogo de contato, de agilidade e de

desordem, envolvendo habitualmente atividades de contacto físico,

corrida de perseguição, luta, confronto cara-a-cara, atirar objetos, etc.

O jogo de luta e perseguição, categoria de jogo

de atividade física difícil de definir, tem um significado biológico e social

de grande importância no desenvolvimento de “rituais de passagem”

durante o início da adolescência. Até aos 4 anos de idade, estas formas de

jogo representam cerca de 8% dos comportamentos interativos entre pais e

fi lhos. Entre crianças mais velhas, existem dados de investigação que

permitem concluir: ensino infantil até aos 5 anos – 3 a 5%; 1º segmento do

ensino fundamental até aos 10 anos – 7 a 10%, decrescendo no 2º segmento

do ensino fundamental até aos 13/14 anos para 3 a 5%. Estes valores

permitem concluir que o pico de desenvolvimento se atinge por volta dos 8

a 10 anos e desaparece, progressivamente, durante a adolescência. Estas

formas de jogo servem as funções sociais de auto-segurança e competição

e, possivelmente, também, de codificação de estados emocionais (Magill ,

1998).

O jogo de luta de crianças/jovens em

situações informais ocupa em média cerca de 10% do tempo de

crianças em situação de jogo livre. A distinção entre luta a sério e de

brincadeira é difícil de especificar, mas os estudos disponíveis

permitem indicar que os meninos apresentam uma taxa de

comportamentos de jogo de luta superior às meninas, supondo-se que

esta atividade se apresenta muito diferenciada, em função de culturas

diferentes. (Idem)

30

As relações entre jogo de luta e agressão

devem ser avaliadas. Sabemos que existem tipos distintos de agressão

entre muitas espécies de mamíferos. Parece, que os comportamentos

ofensivos, defensivos, predatórios e jogo de agressão, diferem na sua

base neurológica e manifestam diferentes formas de ataque.

As formas persistentes de comportamentos

agressivo ou de intimidação entre pares no meio escolar têm merecido

especial atenção nos estudos atuais. Os dados disponíveis permitem

concluir que se trata de um fenômeno crescente no cotidiano escolar

(vítimas e agressores), observando-se que o espaço de recreio é o local

em que acontece a maior percentagem destes comportamentos (70 a

75%), sendo seguido pelos corredores e escadas (30 a 35%) e pela sala

de aula (cerca de 30%). O “bullyng” é uma forma especial de contato

agressivo, podendo ter conotação sexual (Pereira, Neto e Smith, 1997).

3.6 — A recreação e suas características

O recreio representa uma parte considerável

do dia da criança em espaços externos. Alunos de todos os níveis de

ensino têm o tempo de recreio previsto no seu horário escolar (Pereira,

Neto & Smith, 1997).

Não existem dúvidas de que as crianças

aprendem durante os intervalos coisas diferentes das que aprendem na

sala de aula; por isso o tempo passado no recreio é extremamente

valioso.

“É neste espaço/tempo que as relações com os outros e com o meio envolvente são mais livres e espontâneas. A criança pode escolher com quem se relacionar e o que

31

fazer, sem a influência de um adulto. É um espaço/tempo de atividade livre em que “ao aluno cabe a liberdade de tomar todas as decisões em função do envolvimento físico e material inicialmente criado”

(PEREIRA, NETO E SMITH, 1997, p.134)

A aprendizagem social faz-se pelo contato

com as diferenças – sociais, sexuais, raciais, físicas e intelectuais. O

recreio é um local de aprendizagem social das relações positivas e

negativas entre os humanos, onde se vislumbra toda a sociedade e

onde operam as hierarquias de prestígio, estatuto e autoridade. Se a

decisão do que é aceitável ou não no comportamento dos outros é

deixado muitas vezes ao critério dos alunos, estes tendem a criar

padrões hierárquicos de domínio, subordinação e marginalidade

(Visca, 1991).

3.7 — Decisão da criança sobre seu tempo livre

Um ponto importante é o questionamento

direto dos alunos sobre suas preferências em termos de atividades, de

espaços e de materiais fixos e/ou móveis. As crianças podem querer

coisas que aos olhos dos adultos e da burocracia são esquisitas, e que

a sociedade não aceita como normais. O envolvimento dos alunos no

processo de criação do seu espaço deve ser mais do que uma boa idéia ,

deve ser uma oportunidade educativa que promova o desenvolvimento

das pessoas e da comunidade. Para participar na criação do seu espaço,

as crianças necessitam possuir conhecimentos em muitas áreas, como,

por exemplo: a linguagem e a comunicação, a percepção e a cognição

espacial, compreensão e manipulação de mapas e planos. São

importantes também a criatividade, o sentido de responsabilidade e a

atenção para com os outros. (Ajuriaguerra et al, 1998; Alves, 1998)

Muitas crianças não têm escolhas de convívio

e brincadeira fora da escola. Sentam-se em frente da TV ou do monitor

do computador; não têm vizinhos da sua idade; a rua e o bairro não

são “seguros”; os parques infantis estão feios, velhos e sem

manutenção; no âmbito familiar não existe capacidade econômica para

financiar a participação da criança em atividades de tempo livre e

prática desportiva. Cada vez são maiores os riscos que se enfrentam no

dia-a-dia. Daí a importância que pode ter o recreio como substituto

seguro da rua e do parque. Será que as escolas estão despertas para o

grande alcance pedagógico dos recreios? (Neto, 1997)

3.8 — Papel do recreio na socialização e no aprendizado curricular

A criança tem necessidades de movimento e

de socialização que não lhe permitem resistir a períodos prolongados

de trabalho e concentração. Após um período de atenção, precisam se

mover e relaxar, de forma a facilitar as tarefas escolares seguintes.

O recreio deve ser visto como um elemento da

didática da aula. Parece ser importante encontrar um equilíbrio entre o

currículo acadêmico, o jogo, a interação social e as atividades

extracurriculares. O recreio tem um papel relevante no

desenvolvimento cognitivo e social da criança, os resultados obtidos

nestas duas dimensões “são medidas apropriadas do impacto

educacional do recreio” (Pereira, 1994).

Meninos e meninas preparam-se, na relação com

os seus colegas, para os papéis que os esperam no futuro. Os seus jogos

contribuem para as divisões que se verificam em termos de sexo – os

meninos preferem espaços exteriores, grandes e abertos onde realizam

jogos de equipe, coordenando diferentes funções ou papéis, enquanto as

33

meninas preferem os interiores, onde realizam jogos mais reservados, em

grupos menores, onde se estabelecem relações mais próximas. O recreio

fornece oportunidades para as crianças aprenderem ou desenvolverem

habilidades sociais. As atividades realizadas durante o recreio fornecem

indicações sobre o desenvolvimento social da criança. A observação dos

recreios permite aos educadores detectar problemas (desvios de

comportamento, rejeições, isolamentos) que poderão exigir atenção e ajuda

especializada (Pereira, Neto e Smith, 1997).

A criança ao interagir com os outros e com o

meio, desenvolve, igualmente, a comunicação, toma decisões e resolve

problemas, trabalha com as suas emoções e sentimentos. Ao mesmo

tempo em que brinca, tende a praticar aspectos já explorados na sala

de aula. O recreio permite, assim, o desenvolvimento da criança em

seu aspecto cognitivo e social. O desenvolvimento cognitivo é

facilitado pela própria interação social.

O desenho espacial da escola deve ser planejado

de forma a fornecer uma área de grande qualidade — com variedade e

flexibilidade infinitas — um recurso vivo para o desenvolvimento formal e

informal dos alunos. A quadra de jogos onde as crianças passam o recreio é

um dos poucos lugares onde se pode confrontar, interpretar e aprender a

partir de experiências sociais com significado. (Idem)

Quer cognitiva quer socialmente, o recreio

tem impactos positivos na educação e devia, por isso, ser tratado como

um envolvimento com oportunidades educativas. No recreio, utilizam-

se muitas táticas e convenções, as quais podem ser usadas em

interações, tipo amizade e domínio, cooperação e competição. Por

vezes, importa saber como usar as convenções para atingir objetivos

pessoais. O uso correto de táticas sociais influencia o instituto social

do recreio. Por exemplo: quase todos gostam das crianças populares e

poucos gostam das rejeitadas. Agressores e vítimas tendem a estar no

grupo dos rejeitados. A falta de destrezas sociais provoca problemas

no recreio e pode explicar as rejeições (Smith, 1997).

Vários estudos sobre o recreio mostram a

influência que este pode ter nas aprendizagens que se lhe seguem; por

exemplo: o jogo muito movimentado parece prejudicar a atenção no

momento (aula) seguinte, enquanto jogos mais leves têm efeitos

positivos; a atividade física mais vigorosa acontece durante os

primeiros minutos do recreio, depois os alunos dedicam-se a

atividades sociais mais calmas e sedentárias como as de conversar uns

com os outros. Logo, períodos curtos podem ser melhores para

atividades físicas, mas períodos mais longos podem ser necessários

para as crianças se habituarem a contatos sociais mais profundos.

Por ser o recreio muito motivador , apesar de

muito exigir em termos cognitivos e sociais, ao mesmo tempo faz com

que os comportamentos que as crianças apresentam no recreio tenham

influência nas aprendizagens escolares. As crianças que se envolvem

em interações recíprocas com os colegas são normalmente

consideradas mais competentes socialmente pelos professores e

colegas e atingem níveis mais altos nas atividades de aula. Isto parece

indicar que as competências necessárias para interagir no recreio são

as mesmas implicadas nas tarefas curriculares. (Perrenoud, 2000;

Visca, 1991)

A motivação é um fator fundamental, pois

mostra que a criança tem vontade de participar numa determinada

atividade e por isso faz o esforço necessário para a aprender. Em

termos cognitivos, a cooperação entre colegas exige competência. Por

exemplo, saber manter uma conversa ou lidar com as regras de um

jogo. Os comportamentos das crianças nos recreios – jogos e outras

atividades – devem ser vistos como preditores das suas competências e

de sua maturação psicosocial.

CONCLUSÃO

Permitindo caracterizar um espaço autônomo

de investigação, o jogo e a aprendizagem são seguramente dois

grandes indicadores do desenvolvimento da criança e reveladores de

dinâmicas específicas relacionadas com a idade.

Considerando a literatura científica

disponível, pode-se dizer que tem havido grandes progressos, a partir

de diferentes teorias, nos últimos anos, no âmbito do estudo sobre o

jogo relacionado com o desenvolvimento da criança. Os diversos

domínios de investigação e variáveis utilizadas permitem concluir

sobre a importância do jogo e da motricidade no processo de

aprendizagem da criança e do adolescente. O conhecimento ampliado

do efeito dos fatores biológicos, sociais e simbólicos no

desenvolvimento lúdico-motor é assumido como um elemento

fundamental em áreas de intervenção educativa, terapêutica e

comunitária.

Procura-se, no momento, encontrar estratégias

de intervenção com a finalidade de diminuir as taxas de

comportamentos agressivos no meio escolar, com particular atenção

para a modificação das condições de supervisão e organização dos

recreios escolares para além da definição dos aspectos conceituais

sobre o fenômeno da violência/agressão, da identificação de métodos e

técnicas de investigação e implementação de estudos descritivos e

comparativos entre diversos países.

Necessita-se compreender melhor o impacto de

mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas no cotidiano de vida e das

35

culturas de crianças e jovens. Existem obstáculos de acesso ao jogo e à

atividade física de forma livre (recreio) ou estruturada (aulas de educação

física).Os estilos de vida, progressivamente, mais sedentários, devido a

problemas relacionados ao tráfego, a insegurança e ausência de tempo,

espaço e equipamentos lúdicos adequados às necessidades das crianças e

jovens, merecem ser estudados a fim de que a aprendizagem seja feita de

forma total: os jogos auxiliando no desenvolvimento moral, social e

cognitivo e vice-versa.

36

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36

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37

ANEXOS