Atividades Filosofia o Medo Que Gera Violência

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O medo que gera violência Texto I: A Morte do Leiteiro (Drummond) A Cyro Novaes Há pouco leite no país, é preciso entregá-lo cedo. Há muita sede no país, é preciso entregá-lo cedo. Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro. Então o moço que é leiteiro de madrugada com sua lata sai correndo e distribuindo leite bom para gente ruim. Sua lata, suas garrafas e seus sapatos de borracha vão dizendo aos homens no sono que alguém acordou cedinho e veio do último subúrbio trazer o leite mais frio e mais alvo da melhor vaca para todos criarem força na luta brava da cidade. Na mão a garrafa branca não tem tempo de dizer as coisas que lhe atribuo nem o moço leiteiro ignaro, morador na Rua Namur, empregado no entreposto, com 21 anos de idade, sabe lá o que seja impulso de humana compreensão. E já que tem pressa, o corpo vai deixando à beira das casas uma apenas mercadoria. E como a porta dos fundos também escondesse gente que aspira ao pouco de leite disponível em nosso tempo, avancemos por esse beco, peguemos o corredor, depositemos o litro... Sem fazer barulho, é claro, que barulho nada resolve. Meu leiteiro tão sutil de passo maneiro e leve, antes desliza que marcha. É certo que algum rumor sempre se faz: passo errado, vaso de flor no caminho, E há sempre um senhor que acorda, resmunga e torna a dormir. Mas este acordou em pânico (ladrões infestam o bairro), não quis saber de mais nada. O revólver da gaveta saltou para sua mão. Ladrão? se pega com tiro. Os tiros na madrugada liquidaram meu leiteiro. Se era noivo, se era virgem, se era alegre, se era bom, não sei, é tarde para saber. Mas o homem perdeu o sono de todo, e foge pra rua. Meu Deus, matei um inocente. Bala que mata gatuno também serve pra furtar a vida de nosso irmão. Quem quiser que chame médico, polícia não bota a mão neste filho de meu pai. Está salva a propriedade. A noite geral prossegue, a manhã custa a chegar, mas o leiteiro estatelado, ao relento, perdeu a pressa que tinha. Da garrafa estilhaçada, no ladrilho já sereno escorre uma coisa espessa que é leite, sangue... não sei. Por entre objetos confusos, mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora.

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O medo que gera violncia

Texto I: A Morte do Leiteiro(Drummond)

A Cyro Novaes

H pouco leite no pas, preciso entreg-lo cedo.H muita sede no pas, preciso entreg-lo cedo.H no pas uma legenda,que ladro se mata com tiro.Ento o moo que leiteirode madrugada com sua latasai correndo e distribuindoleite bom para gente ruim.Sua lata, suas garrafase seus sapatos de borrachavo dizendo aos homens no sonoque algum acordou cedinhoe veio do ltimo subrbiotrazer o leite mais frioe mais alvo da melhor vacapara todos criarem forana luta brava da cidade.

Na mo a garrafa brancano tem tempo de dizeras coisas que lhe atribuonem o moo leiteiro ignaro,morador na Rua Namur,empregado no entreposto,com 21 anos de idade,sabe l o que seja impulsode humana compreenso.E j que tem pressa, o corpovai deixando beira das casasuma apenas mercadoria.

E como a porta dos fundostambm escondesse genteque aspira ao pouco de leitedisponvel em nosso tempo,avancemos por esse beco,peguemos o corredor,depositemos o litro...Sem fazer barulho, claro,que barulho nada resolve.

Meu leiteiro to sutilde passo maneiro e leve,antes desliza que marcha. certo que algum rumorsempre se faz: passo errado,vaso de flor no caminho,co latindo por princpio,ou um gato quizilento.

E h sempre um senhor que acorda,resmunga e torna a dormir.

Mas este acordou em pnico(ladres infestam o bairro),no quis saber de mais nada.O revlver da gavetasaltou para sua mo.Ladro? se pega com tiro.Os tiros na madrugadaliquidaram meu leiteiro.Se era noivo, se era virgem,se era alegre, se era bom,no sei, tarde para saber.

Mas o homem perdeu o sonode todo, e foge pra rua.Meu Deus, matei um inocente.Bala que mata gatunotambm serve pra furtara vida de nosso irmo.Quem quiser que chame mdico,polcia no bota a moneste filho de meu pai.Est salva a propriedade.A noite geral prossegue,a manh custa a chegar,mas o leiteiroestatelado, ao relento,perdeu a pressa que tinha.

Da garrafa estilhaada,no ladrilho j serenoescorre uma coisa espessaque leite, sangue... no sei.Por entre objetos confusos,mal redimidos da noite,duas cores se procuram,suavemente se tocam,amorosamente se enlaam,formando um terceiro toma que chamamos aurora.

Texto II: Arma de fogo e raiva transformam empresrio em assassinoAdo Barbosa ainda no sabia, mas a deciso de comprar uma arma por R$ 500,00 em 2005 mudaria a vida dele e tiraria a de outra pessoa, trs anos depois.Sem porte de arma, o empresrio da construo civil explica que comprou o revlver como forma de defesa, jamais imaginou que tivesse que us-lo, mas matou ontem o pedreiro Francisco dos Santos da Silva, no bairro Canguru.Barbosa conta que deixou-se levar pelo nervosismo durante um protesto na Rua Katingu. Os moradores haviam fechado a via em manifestao contra a violncia no trnsito. "Fiquei com medo, cercaram o carro, quebraram os vidros de uma caminhonete. Disse que iria atirar para o cho, nem vi onde acertei", recorda emocionado.O comerciante explicou que at a tarde de ontem desconhecia os motivos do protesto. Tambm no conhecia Francisco dos Santos Silva, de 37 anos, o pedreiro que ele matou.Pai de trs filhos, Barbosa deseja o impossvel: "voltar no tempo", e conforma-se apenas em imaginar como seria o encontro com a famlia do pedreiro morto. "Eu pediria desculpas, muita, muita, muita".Manifestao - As pessoas que participaram do protesto na noite de tera reivin dicavam uma lombada eletrnica como forma de reduzir a velocidade dos carros na via, depois que trs acidentes assustaram os moradores.Apesar da tentativa de conter a violncia no trnsito, e pela paz, acabaram presenciando um assassinato.Hoje, mais um acidente mostrou que os morador es tm motivo para prot estar. Ou tra co liso deixou uma mulher ferida.Ana Macedo, 39 anos, foi socorrida pelo Samu (Servio Mvel de Atendimento de Urgncia), mas o motociclista que a atropelou fugiu.

Fonte:Campo Grande News

InterpretaoTexto I:1.Voc acha justa a afirmao de que ladro se mata com tiro? Quais os prs e contras desta afirmao?

2.Embora o leiteiro procurasse entregar o leite de modo a no fazer barulho, de vez em quando topava com vrios obstculos, interrompendo o silncio. Cite alguns.

3. E h sempre um senhor que acorda, resmunga e volta a dormir. Por que naquela madrugada um morador acordou em pnico?

4. Que expresso mostra que o morador pegou o revlver com rapidez e sem pensar no que estava fazendo?

5. O homem se sentiu culpado pela atitude impensada que tomou? Que frases ou expresses comprovam isso?

6.O texto explora a temtica do medo da violncia das cidades. A expresso "luta brava da cidade" faz referncia a que elementos e situaes da vida moderna?

7.No momento da morte do leiteiro, o leite (branco) mistura-se com o sangue (vermelho) criando uma nova tonalidade, que representa a cor da aurora.O que a imagem deste amanhecer representa no final do texto?

8.O Texto II fio (inveno) ou realidade? Justifique sua resposta.

9. Qual o objetivo deste texto:informar ou entreter?

10. Um protesto contra violncia no trnsito acabou gerando um caso de morte. Isto aconteceu por qu? Que motivos levaram o empresrio a usar sua arma?