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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM VIVIANE LETÍCIA SILVA CARRIJO ATIVIDADES REFLEXIVAS PARA A REESCRITA: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA BAKHTINIANA CUIABÁ-MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE

LINGUAGEM

VIVIANE LETÍCIA SILVA CARRIJO

ATIVIDADES REFLEXIVAS PARA A REESCRITA:

CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA BAKHTINIANA

CUIABÁ-MT 2012

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VIVIANE LETÍCIA SILVA CARRIJO

ATIVIDADES REFLEXIVAS PARA A REESCRITA:

CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA BAKHTINIANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Estudos da Linguagem. Área de Concentração: Paradigmas do Ensino de Línguas. Orientadora: Professora Dra. Simone de Jesus Padilha.

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CUIABÁ-MT 2012

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

C316a Carrijo, Viviane Letícia Silva. Atividades reflexivas para a reescrita : contribuições da

teoria bakhtiniana / Viviane Letícia Silva Carrijo. – 2012. 166 f. ; 30 cm. Orientadora: Simone de Jesus Padilha. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato

Grosso, Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, 2012.

Inclui bibliografia. 1. Reescrita – Análise do discurso. 2. Língua escrita –

Ensino-aprendizagem. 3. Língua portuguesa – Ensino. 4. Produção de textos – Alunos. 5. Dialogismo. I. Título.

CDU 81’42:372.45

Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099

Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte

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Dedico à minha família pelo apoio constante. Especialmente à minha

mãe, Erenita, e meus irmãos, Marcos e Karla, por sempre

acreditarem em mim, mesmo quando eu não acredito.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por sempre segurar minha mão e me conduzir pelo caminho que

deveria ser seguido. Mesmo quando eu me sentia fraca, Ele sempre me dizia: Seja

forte e corajoso! Não se apavore, nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará

com você por onde você andar (Josué 1.9). Sou grata por sua eterna presença!

À professora Dra. Simone de Jesus Padilha, por ter me aceito como sua orientanda,

pela gentileza de me dar a oportunidade de aprender com o seu conhecimento e

sabedoria de vida.

À professora Dra. Maria Rosa Petroni, por me acompanhar nos meus primeiros

passos, sendo a “minha mãe de pesquisa”, e por ter estado sempre presente no

meu mestrado, inclusive no fim!

Ao professor Dr. Sandoval Nonato Gomes Santos, pela leitura do meu trabalho que

muito contribuiu em minhas reflexões sobre a pesquisa.

À Capes pelo apoio financeiro;

Aos professores do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem — Cláudia

Ana Antonia, Sérgio Flores, Solange Papa, Maria Inês, Elias, Danie, Franceli, Rhina

e Célia, pelas contribuições teóricas e pelo apoio demonstrado em sorrisos,

conselhos e abraços;

Aos amigos bakhtinianos de todas as horas – Shirlei, Lezinete, Rute, Leni, Iara,

Angélica, Thiago, Eliana, Jefferson pelos momentos de aprendizagem da teoria e da

vida.

Aos amigos também bakhtinianos, mas “simonetes” no mesmo ano – Anderson e

Leila, pela cumplicidade e por caminharem sempre ao meu lado.

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Aos amigos do meu 1º ano de Pós-Graduação – Ana Regina, Ana Raquel, Ana

Maria, Juliana, Everton, Perla, Fernando, Graziane, Miriã, Verônica e Cleonice, pela

torcida e pelo companheirismo.

Aos amigos “calouros” da Pós – Camila, Dinaura, Kênia, Maria Antônia, Josilene,

Neila, Sheila, Alexandre e Jean pelos sorrisos e torcida.

Aos amigos e irmãos em Cristo – Elisa, dona Sônia, Luciana, Rodrigo, Marileuza,

Yuri, Jéssica, Natália, Priscila, companheira Márcia e dona Neuci pelas orações e

apoio constante.

Aos meus familiares - avós, tias, tio e primos, pela confiança e palavras de conforto.

À minha mãe e meus irmãos – presentes em todas as etapas da minha vida – por

responderem ao meu estresse com palavras carinhosas e animadoras, vocês fazem

toda diferença!

Aos aqui não nomeados, mas que contribuíram, de alguma maneira, para a

construção deste trabalho, muito obrigada!

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Elogio do aprendizado

Aprende o que é mais simples! Para aqueles

cujo momento chegou,

nunca é tarde demais.

Aprende o ABC: não basta, mas

aprende-o! Não desanimes!

Tens de assumir o comando!

Aprende, homem no refúgio!

Aprende, homem na prisão!

Mulher na cozinha, aprende!

Aprende, sexagenário!

Tens de assumir o comando!

Procura a escola, tu que não tens casa!

Cobre-te de saber, tu que tens frio!

Tu, que tens fome, agarra o livro: é uma arma!

Tens de assumir o comando!

Não tenhas medo de fazer perguntas:

não te deixes levar por convencido,

vê com teus próprios olhos!

O que não sabes por experiência própria,

a bem dizer, não sabes.

Tira a prova da conta:

és tu quem vai pagar!

Aponta o dedo sobre cada item,

Pergunta: como foi parar aí?

Tens de assumir o comando!

Bertold Brecht

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RESUMO

Carrijo, Viviane Letícia Silva

Atividades reflexivas para a reescrita: contribuições da teoria bakhtiniana

Nesta pesquisa, refletimos sobre a relevância da reescrita para o ensino-aprendizagem da

língua escrita. Para que o aluno desenvolva o reescrever efetivamente, consideramos que

seja preciso um trabalho anterior a isso, baseado nos aspectos da escrita que os alunos

ainda necessitam melhorar. A esse momento denominamos de atividades reflexivas, cujo

objetivo é a preparação do aluno para a retomada do texto, ou seja, a reescrita. Disso

decorre a pertinência desta pesquisa, pois trataremos de apresentar um percurso de análise

e criação de atividades, a fim de mostrar a possibilidade de um ensino reflexivo e discursivo

da linguagem. Para realização da pesquisa, utilizamos 20 (vinte) produções de textos para

analisarmos e criarmos atividades a partir das necessidades discursivas. Ancoramos nossas

reflexões e análises na teoria enunciativo-discursiva de abordagem sócio-histórico do

Círculo de Bakhtin e utilizamos o conceito de ZPD (Vigotski, 1934) para a busca das

necessidades. Antes de criarmos as atividades, verificamos na obra bibliográfica do Círculo

quais os aportes teóricos estão presentes na prática processual da reescrita. Dentre eles

escolhemos alguns como: a interação e o dialogismo – principais componentes constitutivos

da linguagem; a formação do sujeito agente responsivo – ligado a questão da compreensão

ativa e a atitude criadora do autor; a exotopia – relacionada ao excedente de visão do autor

sobre sua produção escrita e também sobre o dizer do outro; o ato estético – no processo

de formação do discurso e os gêneros discursivos. Para criarmos as atividades reflexivas

utilizamos a abordagem interativa e dialógica, porque compreendemos que a construção de

sentidos se dá nesses aspectos, sendo nas relações sociais que o sujeito se constitui e

constrói os discursos. Nessa perspectiva, criamos atividades que exigiam do aluno

constantemente o diálogo com o outro. A nosso ver, esses momentos de dialogismo e

interação são os que mais proporcionam o desenvolvimento da atitude criadora dos sujeitos,

ocorrendo, assim, a formação da autoria. Neste estudo, isso significa a necessidade do

aluno posicionar-se criticamente frente às questões sociais.

Palavras-chave: reescrita, atividades reflexivas, dialogismo.

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ABSTRACT

Carrijo, Viviane Letícia Silva

Rewriting reflexive activities: bakhtinian theory contributions

This study it is a reflexive work on the importance of rewriting to teaching-learning writing process. For the development of effective rewriting, we consider the importance of a before work, based on the aspects of writing that students still need to improve. This moment we call reflective activities, whose aim is preparing students for the return of text productions, in other words, rewriting. This is the main contribution of the present study: to try to present a way of analysis as well as the creation of activities in order to show the possibility of a reflexive and discursive language teaching. For this study, we used twenty (20) texts productions to analyze and create activities based on the discursive needs. This study was done under the lights of the social-historical discursive approach by Bakhtin Circle and the concept of ZPD (Vygotsky, 1934) to search needs. Before we create activities, we verified on the bibliographic work of the Circle which theoretical concepts are present in the procedural rewriting practice. Among them we chose: the interaction and dialogism - which are the main language constitutive components; the formation of a responsive agent subject – in regard to the question of author’s active understanding and creative attitude; the exotopy – related to the surplus of author’s vision in his written production and also about the other say; the aesthetic act - in process of discourse and genres formation. To create the reflective activities we used the interactive and dialogical approach, because we realize that the construction of meaning occurs under these aspects, in other words, in the social relations the subject constitutes himself and constructs the discourses. In this perspective, we create activities that required constantly dialogue between students. In our point of view, these moments of dialogism and interaction are the ones that provide the development of the subjects’ creative attitude, occurring thus the formation of authorship. In this study, it means the student‘s need to position himself critically on the social issues. Key words: rewriting, reflective activities, dialogism.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 20

Construtos teóricos bakhtinianos presentes no processo social da reescrita ........... 20

1.1 Interação e Dialogismo: aspectos constitutivos da linguagem .................... 21

1.2 O sujeito em Bakhtin: atitude responsiva ativa ........................................... 25

1.3 Autor em Bakhtin: atitude responsiva criadora sobre os discursos já existentes .......................................................................................................... 33

1.4 Excedente de visão: a exotopia, um olhar de fora sobre o discurso do outro .......................................................................................................................... 37

1.5 Atividade Estética em Bakhtin: aspecto formador do discurso.................... 39

1.6 Gêneros do discurso: prática das relações sociais ..................................... 42

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 51

Influências teóricas no ensino de Língua Portuguesa: caminhos para mudanças .... 51

2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: proposta para um ensino de língua materna contextualizado .................................................. 52

2.2 Vigotski: aprendizado social da língua materna .......................................... 60

2.3 A noção de gênero para o Grupo de Genebra e outros apontamentos ..... 67

2.4 O ensino reflexivo da escrita: a reescrita em questão ................................ 75

2.5 Definição da reescrita sob perspectiva bakhtiniana .................................... 83

CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 88

Metodologia de pesquisa: o caminho até os dados ................................................... 88

3.1 Trajetória metodológica: da reflexão para os objetivos ............................... 88

3.2 A pesquisa no âmbito enunciativo-discursivo do Círculo de Bakhtin .......... 92

3.3 Metodologia de geração e análise de dados: E o corpus era difícil ............ 96

CAPÍTULO 4 ........................................................................................................... 102

Análise de dados: implicações da reescrita dialógica e criação das atividades reflexivas ................................................................................................................. 102

4.1 Análise reflexiva e discursiva das produções............................................ 103

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4.1.1 Atividade estética e gênero do discurso................................................. 103

4.1.2 Atitude responsiva e Compreensão ativa............................................... 111

4.1.3 Autoria.................................................................................................... 116

4.2 Atividades reflexivas para a reescrita por categoria discursiva bakhtiniana ........................................................................................................................ 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 138

ANEXOS ................................................................................................................. 146

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A justificativa para desenvolvermos um estudo sobre a prática reflexiva da

reescrita advém de uma época anterior ao Mestrado, quando, depois da graduação,

assumimos a posição de professora articuladora1. Nessa função, tivemos a

oportunidade de trabalhar com alunos que apresentavam dificuldades referentes à

leitura e escrita, como se fossem aulas de reforço, as quais aconteciam em horário

diferente daquele já frequentado pelos alunos.

Quando nos foi oferecida essa oportunidade, ficamos empolgados, afinal,

poderíamos trabalhar individualmente com os alunos, fato que não acontecia muito

em uma turma de 35 ou 40 alunos, já na articulação, a média era de seis alunos por

hora. Assim, iniciamos o trabalho com a prática da escrita como processo,

considerando os seus procedimentos: planejamento, escrita, revisão e reescrita.

A princípio, esse foi um trabalho árduo, pois os alunos não estavam

interessados em “escrever de novo” o que custara tanto para criar, ainda mais

porque não havia a possibilidade de nota que pudesse ser acrescentada em suas

médias. Com o tempo, conseguimos convencê-los de que a reescrita dos textos

serviria para consolidar o conhecimento que discutíamos nas aulas, como um

momento mais profundo de reflexão sobre sua própria escrita e, logo, eles veriam a

diferença, quando, então, melhorassem na disciplina.

Em outra época, anterior a essa, na prática de regência de Língua

Portuguesa2 da graduação, tivemos a oportunidade de trabalhar da mesma forma

com alunos do 7º ano. Fizemos um projeto de ensino da escrita de fábulas, do qual

os estudantes participaram com grande interesse durante as discussões e refizeram

os textos mediante os comentários feitos por nós ao fim das produções.

Nesses dois momentos, na articulação e na prática de regência, os alunos

alcançaram resultados que surpreenderam as professoras titulares. Elas não

acreditavam, quando mostrávamos as produções dos alunos “problemáticos” – como

1 A articulação é um dos componentes da escola ciclada e, de acordo com a portaria 453/11/GS/SEDUC/MT, uma das funções do professor articulador é: Atender, conforme projeto de articulação construído pela escola, os alunos com desafios de aprendizagem, utilizando estratégias pedagógicas complementares, proporcionando vivências formativas cidadãs integradas às atividades desenvolvidas pelo Professor Regente. No nosso caso, o projeto consistia na prática de leitura e escrita. 2 Doravante LP.

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elas os chamavam – que eles tivessem escrito com qualidade, pois, até então, eles

“não sabiam escrever português” (conforme disse uma professora da prática de

regência).

Recordamos que, na época de regência, em 2008, observamos as aulas da

professora titular e verificamos que ela as dava com grande preocupação sobre os

aspectos gramaticais da língua, de maneira que as aulas consistiam apenas em um

ensino prescritivo e descritivo. A única prática de escrita que seus alunos conheciam

era a cópia de textos clássicos apresentados pelo livro didático, a professora

acreditava que quanto mais eles copiassem textos “corretamente gramaticais”, mais

os alunos melhorariam na escrita do “português certo”. Devido a essas práticas, não

nos impressionamos quando as crianças ficaram felizes com a ideia de usarem a

própria imaginação para a escrita de fábulas.

No ano seguinte, em uma escola diferente e na articulação, verificamos os

cadernos de LP dos alunos e o conteúdo consistia em prescrição das regras da

gramática, em detrimento do que era exigido no momento da avaliação, pois nessa

era considerada a interpretação e produção de textos. Sem essa prática em sala de

aula, a tendência era o aluno não alcançar a média e, assim, passava a frequentar a

aulas na articulação.

Agora, ao traçarmos esse panorama do nosso passado, concluímos que o

trabalho reflexivo com a linguagem, tendo como ponto de partida o que os alunos

escreviam, produziu resultados relevantes, pois, em ambos os momentos, o

desempenho da escrita das crianças, paulatinamente, melhorava.

Através dessas nossas experiências, criamos a noção de que o ensino-

aprendizagem da escrita, considerando-a um processo, é mais eficiente que um

ensino que a caracterize como produto, ou seja, um resultado apenas para a

obtenção de nota. Consideramos que esse tipo de objetivo não alcança a meta

maior da educação atualmente, ou seja, a formação de um sujeito aluno crítico que

atue eficazmente no exercício da cidadania.

Ganhamos essa consciência à medida que, em nossos estudos, tínhamos o

contato com as teorias enunciativas e discursivas sobre o ensino da escrita como

processo, considerando a prática reflexiva do aluno sobre seu próprio texto e líamos

também nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa3 sobre o ensino de LP

3 Doravante PCNLP e sempre nos referiremos aos de 3º e 4º Ciclos (6º a 9º anos).

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contextualizado, com o uso do texto como unidade de ensino e as necessidades dos

alunos como referência para o que ensinar.

Esse tipo de ensino mostra a possibilidade da formação da proficiência do

aluno na prática de escrita, não somente pelo uso das estruturas gramaticais

adequadas, mas também das discursivas, de maneira que essas junto com aquelas

dão sentido ao que se pretende dizer. O que acontece tradicionalmente no ensino de

LP é a separação dessas partes, delimitando a linguagem somente à aprendizagem

da gramática normativa. O resultado disso são alunos que não conseguem escrever

de maneira crítica, posicionando-se frente às questões sociais.

Se analisarmos a trajetória das pesquisas sobre o ensino da língua

portuguesa, veremos que as considerações feitas até agora não são novidades, pois

há muito se tem discutido sobre a necessidade de ampliar o ensino da língua para

além da gramática. Segundo Agnolini (2007), na segunda metade da década de 80,

a Teoria do Texto começou a ser conhecida aqui no Brasil pelos professores e nos

anos 90 entra em cena a concepção interacionista da linguagem. Nesse âmbito

temos pesquisas tais como: FRANCHI (1987), GERALDI (1991), GRILLO (1995),

JESUS (1995), as quais estudaram sobre o ensino da escrita em uma perspectiva

social.

Há também nessa época uma forte influência das teorias de Mikhail Bakhtin,

Vigotski e da escola de Genebra sobre as pesquisas da produção escrita,

culminando, então, na criação dos documentos oficiais de LP, os PCNLP. Em todo

caso, apesar de todas essas influências e pesquisas, o ensino de tradição parece

persistir e os alunos continuam sem avançarem satisfatoriamente na prática da

escrita, podemos verificar isso, por exemplo, ao analisarmos o resultado do

desempenho da escrita do aluno em avaliações nacionais.

Rojo (2009) apresenta dados do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio)

de 2001, nos quais os alunos demonstram maior desempenho na competência

linguística ligada ao domínio das normas e formas da língua padrão e obtêm médias

abaixo das notas de corte (50) nas competências discursivas. A autora apresenta

parte do relatório de 2005, da 8ª edição do Exame, para a prova de redação:

Na competência I (domínio da norma culta da língua escrita), a média

nacional foi de 64,29. Nas competências II, III e IV, as médias

nacionais foram bem próximas: 57,36, 54,97 e 55,87, respectivamente. Isso demonstra que os concluintes e egressos do

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ensino médio têm dificuldade para aplicar conceitos de várias áreas de conhecimento ao desenvolverem um tema (competência II), bem

como para relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista (competência III). Constata-se, também, que são deficientes os conhecimentos dos

mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação (competência IV). Mas a competência V – elaborar

proposta de intervenção para o problema abordado, demonstrando respeito aos direitos humanos – foi a que registrou média nacional mais baixa (47,32), o que sugere que os participantes do Enem não estão suficientemente preparados para discutir respostas aos problemas sociais congruentes com o respeito e a promoção dos direitos humanos (ROJO, 2009, p. 33).

Verificamos também nos relatórios de 2006 e 2007, os últimos a serem

publicados4, que os resultados não apresentam grandes mudanças, como mostram

os quadros abaixo das distribuições das notas gerais e por competências:

MEC/INEP - 2006

MEC/INEP - 2007

4 Esses dois foram, até o momento, os últimos relatórios disponibilizados na WEB, no site do INEP.

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Ao compararmos os dados apresentados nos relatórios de 2001, 2005 a

2007, confirmamos e repetimos aqui a conclusão que Rojo (2009) apresenta após o

relatório de 2005:

Isso vem demonstrar que a escola – tanto pública como privada, neste caso – parece estar ensinando mais regras, norma e obediência a padrões linguísticos que o uso flexível e relacional de conceitos, a interpretação crítica e posicionada sobre fatos e opiniões, a capacidade de defender posições e de protagonizar soluções, apesar de a “nova” LDB já ter doze anos (ROJO, 2009, p. 33).

Esses dados justificam o que as pesquisas e as novas políticas pedagógicas

para o ensino da língua materna defendem, ou seja, a necessidade de ampliação

dos conteúdos da LP para além das normas gramaticais, pois, como mostram as

evidências – as redações dos alunos – o ensino prescritivo é insuficiente para a

formação de um cidadão crítico que saiba se posicionar mediante o domínio da

escrita.

Atualmente está em voga um ensino reflexivo e social da língua, porém, esse

não é um trabalho fácil e podemos pensar em fatores que dificultam esse ensino,

tais como: o forte enraizamento do ensino tradicional – alunos e professores foram

formados nele, de modo que não conhecem ou aceitam outra maneira de ensino –

some-se a isso, então, a má formação do professor de ensino da língua materna que

só trabalha de forma prescritiva, porque essa é a maneira mais fácil para dar aula; e

temos também o desânimo e resistência dos alunos em relação a propostas de

ensino e letramento oferecidas pelas práticas escolares.

Em meio a esse quadro constantemente nos perguntamos: Como fazer um

ensino reflexivo e social? Afinal, lemos muitas críticas contra o ensino apenas

tradicional e apoio por um ensino que preze o trabalho com o texto, mas o que fazer

de fato? Quais métodos usar?

A problemática recai sobre os métodos porque, embora existam muitas

teorias, o que importa é o como aplicá-las na prática de ensino-aprendizagem da LP,

por outro lado, há pesquisas que revelam métodos que produzem bons resultados,

porém nem sempre funcionam em qualquer realidade escolar, assim, fica

descartada a hipótese de encontrar métodos 100% prontos ou “receitas”, como

dizem alguns críticos.

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Às vezes, será preciso adequar os métodos ao contexto de sala de aula que

se quer trabalhar, isso acontece não somente por causa da diferença de escola, de

professor ou de estudantes, porém, em se tratando do ensino de LP, das

necessidades dos alunos. Logo, no ensino-aprendizagem da escrita, o professor

também não escapa ao movimento de reflexão sobre a própria prática e a do aluno,

para compreender quais modificações serão feitas no método escolhido.

De tal forma, o que apresentaremos com esta pesquisa é o desenrolar de

nossas reflexões sobre a prática da reescrita, a busca para respostas de nossos

questionamentos referentes ao como fazer, ou melhor, como levar o aluno a essa

prática mediante uma teoria, ou seja, como aplicar uma teoria sem tornar os

estudantes de ensino fundamental ou médio peritos no assunto teórico?

Acreditamos que seja possível mediante ao trabalho reflexivo do professor que pode

criar estratégias para esse ensino.

Como mostra a nossa experiência relatada alhures, a nossa preocupação

quando se trata de ensinar a escrever na escola recai sobre a prática da reescrita5,

por considerarmos esse o momento de maior reflexão, no qual o aluno voltará para o

texto já-escrito com outro posicionamento, respaldado pelas considerações do

professor e atento para as suas necessidades. Temos em mente aqui o ensino de

LP que considere “a produção de textos como ponto de partida (e ponto de chegada)

de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua” (GERALDI, 1997, p. 135).

Essa prática consiste em uma mudança no modo de se trabalhar a língua

materna em sala de aula, a partir da perspectiva de linguagem como processo de

interação. Isso casa com o objetivo de formação de cidadão crítico, visto que o aluno

usa textos em suas relações sociais e o trabalho com a escrita prepara para vida em

sociedade.

Por isso, para atender às demandas sociais da escola e para a tentativa de

ampliar a proficiência do aluno em suas práticas discursivas, parece-nos relevante o

trabalho com a concepção de linguagem interativa, pois a aprendizagem dos usos

da língua tem um movimento do social para o individual, ou seja, forma-se nas

interações sociais, para em seguida internalizar-se ou ser apropriada pelo sujeito.

5 É pertinente explicarmos que o fato de nos atermos mais ao momento de reescrita, não significa que desconsideramos os outros procedimentos da escrita, pois, atribuímos a escrita caráter processual, indissociável, portanto, do escrever, planejar, revisar e reescrever. Mesmo que foquemos nesse último, ele ainda não estará isento dos outros momentos, porque para a reescrita é necessário o planejar sobre como melhorar o texto, depois a escrita do percebido, a revisão após e se preciso novamente a reescrita.

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Nessa temática, a prática de reescrita consiste inicialmente em momento de

interação entre o professor e o aluno, de modo que não depende apenas do aluno,

mas o docente também tem sua parte nisso, pois o professor verifica o que o aluno

precisa melhorar para, então, oferecer o insumo necessário para suprir o que ele

ainda não sabe.

Concordamos com Garcez (1998) que a prática de reescrita dá ao aluno a

oportunidade de explicitar seus conhecimentos e dúvidas, procurar soluções,

raciocinar sobre o funcionamento da língua e, assim, desenvolver a aprendizagem

de questões linguísticas, textuais e discursivas mais complexas referentes à

modalidade escrita.

A nosso ver essa aprendizagem é possível no momento da reescrita por

causa das atividades desenvolvidas com os alunos antes da retomada das

produções, pois, por meio delas, os estudantes terão a oportunidade de trabalhar o

que precisarão melhorar em seus textos. Assim, nesta pesquisa, apresentaremos

atividades reflexivas que servirão de preparo para o momento da reescrita.

Escolhemos para nos auxiliar na criação das atividades a teoria bakhtiniana,

devido a sua essência: a prática discursiva interativa da linguagem. Acreditamos que

o ato dialógico da linguagem, fator inerente à interação, pode levar o aluno a uma

prática reflexiva sobre a sua escrita, à medida que busca adequá-la ao seu

interlocutor e procura meios de usar o dizer do outro para formular o seu próprio

dizer, buscaremos, assim, mediante as atividades, aplicar essas considerações na

formação autora dos alunos.

Nosso objetivo, bem como um dos objetivos do ensino de LP atualmente, é a

formação de um cidadão, em outras palavras, um sujeito crítico capaz de posicionar-

se frente às questões sociais e temos visto que a teoria bakhtiniana dá conta de

auxiliar nessa temática por causa de seu caráter social e dialógico.

Nessa perspectiva, as atividades que serão propostas terão a função de

ocasionar reflexões ativas, pois a reflexão dos alunos será seguida de uma ação

para construção de sentidos, nesse caso, a prática da reescrita. Assim, pareceu-nos

relevante compreender e verificar os construtos teóricos da teoria bakhtiniana

presentes nessa prática, pois isso poderia ampliar nosso olhar para criação das

atividades reflexivas.

Sendo assim, propomos as seguintes questões de pesquisa: 1. Quais os

aspectos da teoria bakhtiniana estão visíveis na prática de reescrita?; 2. Como seria

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uma análise reflexiva sobre a produção de texto dos alunos, considerando a

perspectiva bakhtiniana?; e 3. Quais atividades reflexivas para a preparação do

momento de reescrita a análise suscitaria?

Postas as justificativas e questões, no capítulo 1, faremos um passeio pelos

construtos teóricos da teoria bakhtiniana, fazendo o casamento entre eles e a prática

de reescrita, para depois os utilizarmos em nossa análise.

No capítulo 2, trataremos inicialmente da escrita nos PCNLP, para depois

discorrermos sobre a teoria de ensino e aprendizagem genebrina, que influencia os

documentos oficiais. Falaremos também sobre a teoria vigotskiana com foco no

conceito de ZPD, que será importante para nossa análise. Apresentaremos, ainda

nesse segundo capítulo, algumas pesquisas que se ocuparam da reescrita, para em

seguida apresentarmos a nossa definição para a reescrita na perspectiva

bakhtiniana.

No capítulo 3, delinearemos o percurso metodológico traçado por nós na

realização desta pesquisa. No capítulo 4, apresentaremos uma análise reflexiva das

produções de alunos, a fim de averiguarmos as necessidades para, então, criarmos

as atividades reflexivas, as quais estarão nesse capítulo também. Por fim,

apresentaremos as nossas conclusões.

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CAPÍTULO 1

Construtos teóricos bakhtinianos presentes no processo social da reescrita

Neste capítulo, explanaremos sobre alguns aspectos da filosofia de

linguagem de Mikhail Bakhtin e seu Círculo6, os quais sustentarão nossa reflexão

sobre a prática de reescrita e nos guiarão em nossa proposta de atividades que

preparem os alunos para esse processo. Esperamos mostrar que os conceitos de

Bakhtin estão presentes na prática de reescrita e que esta pode ser trabalhada

discursivamente com os alunos.

Assim como Bakhtin e o Círculo consideram o contexto sócio-histórico dos

sujeitos e concebem a linguagem como prática interativa, da mesma forma

consideraremos as produções escritas pelos alunos, ou seja, elas são como práticas

de interação propensas a um diálogo conosco. Por causa disso, seremos capazes

de perceber as necessidades discursivas e, então, criarmos atividades reflexivas, a

serem trabalhadas antes do momento de reescrita, a fim de que os alunos consigam

suporte para a retomada das produções. Para criação das atividades faremos,

então, uso de alguns construtos bakhtinianos que constituem a nossa visão sobre a

reescrita.

6 Tomamos aqui a explicação de Santos (2011): “O pensamento bakhtiniano é fruto das produções/discussões realizadas

em conjunto por Bakhtin e um grupo de intelectuais russos que se dedicavam às mais variadas áreas das Ciências Humanas, no período que compreende os anos de 1920 a 1970 — na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), atual Rússia — conhecido como o Círculo de Bakhtin, entre eles V. N. Volochinov (1895-1936) e P. Medvedev (1892-1938) com os quais as autorias de algumas obras são disputadas. Por exemplo, no original russo e na tradução inglesa, as obras Discurso na vida e discurso na arte (1926) e Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929) levam apenas a assinatura de Volochinov; já na tradução brasileira a partir da francesa, elas recebem dupla assinatura — de Volochinov e de Bakhtin”. Sobre a questão de autoria, conforme Santos (2011), citaremos o nome dos dois autores, separados por uma barra. Quanto àquelas que receberam apenas a assinatura de Bakhtin serão citadas com seu nome somente.

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1.1 Interação e Dialogismo: aspectos constitutivos da linguagem

A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros.

BAKHTIN/VOLOSHINOV (1997[1929], p. 113)

Em Marxismo e Filosofia da Linguagem (1997[1929]), Bakhtin/Voloshinov

defendem a natureza social da linguagem, contrapondo-se aos principais estudos da

época sobre a linguagem, denominados pelos autores como Objetivismo Abstrato e

Subjetivismo Idealista. Cada uma dessas tendências concebe o objeto de estudo da

linguagem à sua maneira.

O Objetivismo Abstrato acredita que para compreender os fenômenos da

linguagem basta levar em consideração o sistema linguístico7, pois esse é o

constituinte da língua. Considerando, então, a concepção de língua regida pelas

normas, essa tendência rejeita a criação da língua pelo sujeito falante, pois, segundo

ela, o sistema linguístico sempre existiu e apresenta-se como produto acabado,

dando um caráter finito e normativo à língua. Portanto, não há como o falante

modificá-lo.

Sobre esse aspecto regulador da língua na comunicação, Bakhtin/Voloshinov

(1997[1929]) explicam a idéia do Objetivismo Abstrato: “A língua opõe-se ao

indivíduo enquanto norma, indestrutível, peremptória que o indivíduo só pode aceitar

como tal” (p.78). Logo, o falante tem que assimilar o sistema linguístico como ele é,

caso faça diferenciado, estará errado.

Nesse viés, “não há lugar para quaisquer distinções ideológicas, de caráter

apreciativo: é pior, é melhor, belo ou repugnante, etc” (idem, p. 79), de maneira que,

na visão objetivista, não há consideração do social ou mesmo das possíveis

variações da língua para o entendimento dos fenômenos da linguagem. Há apenas

um critério linguístico: “está certo ou errado”, sendo isso avaliado de acordo com

uma dada norma do sistema.

O outro estudo – o Subjetivismo Idealista – rejeita essa concepção da língua,

pois considera que se a língua fosse um sistema de normas, alheio a mudanças, ela

seria morta. Para o subjetivismo, a língua é uma evolução ininterrupta, criação

contínua, pois assim o é o psiquismo humano e esse é o constituinte da língua.

7 Bakhtin/Voloshinov (1997[1929]) explicam que o sistema linguístico é o sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua.

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Entretanto, não pensemos que pelo fato desse estudo considerar a evolução da

língua, ele considera o social da linguagem. Pelo contrário, Bakhtin/Voloshinov

demonstram que o Subjetivismo Idealista acredita no ato de fala de criação

individual como fundamento da língua, descartando, portanto, o social.

Bakhtin/Voloshinov (1997[1929]) apresentam essa análise dos dois estudos

da Linguística a fim de mostrar que o tratamento dado por eles à compreensão dos

fenômenos da linguagem é insuficiente, pois consistem em “isolar e delimitar a

linguagem”. Para os autores, não se pode delimitar a linguagem em atos de fala

individuais, nem tampouco isolá-la em um sistema linguístico, porque o “ato de fala,

ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação é de natureza social” (idem, p.

109).

Por tais explicações, verificamos que o Círculo de Bakhtin defende que a

língua não se faz apenas por sistema linguístico (muito embora esse aspecto faça

parte de sua constituição), muito menos pela criação individual, “solitária”, de um

falante. Para Bakhtin (2000[1952-53]):

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados8 (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas [...] (BAKHTIN, 2000[1952-53], p. 279).

Brait e Melo (2005, p.72) sintetizam a abordagem do enunciado em Bakhtin

destacando os seguintes elementos: o interlocutor a quem o enunciado se dirige, a

percepção que o locutor tem do interlocutor e a influência do interlocutor sobre o

enunciado. Nessa direção, entrevemos, conforme Bakhtin/Voloshinov (1997[1929]),

o aspecto indispensável à prática social: a interação.

Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata [...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados [...] (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1997[1929], p.112).

8 Conforme Sobral (2009), o “enunciado” pode ser substituído nas obras do Círculo, sem alteração de sentido, por

“enunciação”, o que reforça isso é o fato de que em russo “enunciado” e “enunciação” são designados por uma única palavra: vyskazyvanie. Por isso, usaremos neste trabalho tanto um quanto outro.

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Tomando por base tal citação, podemos concluir que a interação não consiste

somente na existência dos interlocutores, mas também na relação entre eles, na

situação social na qual se inserem. Bakhtin/Voloshinov, em 1926, já falavam sobre

isso em Discurso na Vida e Discurso na Arte9. Ali ele apresenta a situação social

como contexto extraverbal e alega que para compreensão das enunciações há de se

considerar o contexto, mesmo porque é a partir do contexto que a linguagem se

moldará.

Na vida, o discurso verbal é claramente não auto-suficiente. Ele nasce de uma situação pragmática extraverbal e mantém a conexão mais próxima possível com esta situação. Além disso, tal discurso é diretamente vinculado à vida em si e não pode ser divorciado dela sem perder sua significação (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1926).

Essa citação só confirma a natureza social da linguagem defendida pelo

Círculo e reforça a ideia de Bakhtin/Voloshinov (1997[1929]) quando falam sobre o

centro organizador da enunciação estar “situado no meio social que envolve o

indivíduo” (p. 121). Tomando emprestada essa temática analisaremos, mais adiante,

as produções em um diálogo com o contexto nelas implícito, nesse caso será

evidente também a necessidade da relação professor e aluno no momento antes e

no decorrer da reescrita.

Por hora, deixamos claro que a concepção de linguagem bakhtiniana

enquadra-se perfeitamente a nossa ideia de reescrita: prática processual e social.

Continuemos, então, a refletir sobre a relação entre a interação social e a

constituição da língua.

Ao abordar o enunciado como produto da interação, o Círculo de Bakhtin

insere na comunicação verbal a ação dos participantes – os interlocutores – na

produção dos sentidos10. Até então, os interlocutores não eram considerados

9 Neste trabalho, utilizamos algumas obras de Bakhtin e seu Círculo que ainda não possuem tradução oficial para o português. Tivemos acesso a elas através de traduções feitas por pesquisadores brasileiros apenas para fins acadêmicos. Este é o caso, por exemplo, de Discurso na Vida e Discurso na Arte (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1926), traduzida por Faraco e Tezza, e um excerto, intitulado Os Elementos da Construção Artística (O problema do gênero), pertencente à obra O método Formal nos Estudos dos Gêneros (BAKHTIN/MEDVEDVEV, 1928). Esse excerto foi traduzido pela professora Simone Padilha apenas para uso restrito nas aulas de uma disciplina ministrada por ela na Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UFMT, no ano de 2009, denominada Gêneros Discursivos. Por isso, ao fazermos referência a essas obras no corpo do texto, deste trabalho, ou em citações recuadas, informaremos apenas autores e data em que se tem conhecimento da sua produção. 10

Note-se que a preocupação dessa concepção interativa não será compreender a norma da forma utilizada, mas focar na

significação que essa forma adquire na interação.

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conjuntamente participantes em suas práticas sociais: havia sempre o que emitia a

fala para o que a receberia.

Já na concepção social, a participação dos interlocutores é constitutiva do

próprio enunciado, pois a relação entre eles determina o “como” e o “porquê” do

querer-dizer. Nesse âmbito, o locutor dirige a sua fala para o ouvinte, que não será

ouvinte passivo, mas responderá ao outro, que logo lhe dará nova resposta e, assim,

nesse diálogo, os sentidos serão construídos.

Nessa perspectiva, não há espaço para uma “enunciação monológica”.

Bakhtin/Voloshinov (1997[1929]) dizem que toda palavra dirige-se a um interlocutor

e, mais que isso, espera-se uma resposta do outro participante e essa constitui um

dos aspectos da atitude dialógica presente em qualquer prática de interação. Bakhtin

e seu Círculo chamam esse fenômeno inerente às relações sociais de dialogismo,

sendo indispensável para a formação da linguagem.

Tal termo em Bakhtin tem seu significado ampliado em se tratando da

linguagem enquanto prática social. Ao invés de ser estudado como uma forma

composicional do discurso11, Bakhtin e seu Círculo demonstram que o diálogo é

mais que uma comunicação entre duas pessoas. Ao considerar a constituição social

da linguagem, Bakhtin aponta para o fato de que, em uma relação interativa, os

interlocutores não dialogam somente entre eles, mas verifica-se em seus discursos

um diálogo com o contexto imediato, pode-se pensar em um diálogo não de troca de

informações, porém de encontro com os discursos já existentes.

O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 86).

Por essa colocação, verificamos que o encontro com os discursos já

existentes é inevitável. Para a formulação do seu dizer o sujeito precisa dos dizeres

dos outros para, então, formar o próprio. Bakhtin (2002[1934-35]) ainda diz que “o

discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com

ele, de uma interação viva” (p. 88). O dialogismo, então, é evidente não somente

como troca de ideias ou como concordar ou refutar a fala do interlocutor, mas

11 Ao abordar apenas a questão composicional do discurso, considerava-se somente a estrutura das enunciações e a definição de diálogo como o ato de comunicação entre interlocutores, quando um fala e o outro escuta.

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envolve construir o discurso com os discursos dos outros. Através disso, que se

constroem os sentidos da comunicação.

Como vimos desenvolvendo, a enunciação é de natureza social por ocorrer

em meio à interação e apresenta um caráter dialógico. Desse modo, podemos

concluir que o dialogismo é constitutivo da linguagem e aparece na linguagem em

qualquer situação. Sobre isso, Bakhtin (idem) pontua que “a orientação dialógica é

naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural

de qualquer discurso vivo” (p. 88).

Nesse aspecto, a escrita, enquanto prática social, também apresenta

natureza dialógica. Assim, veremos mais adiante que o discurso do aluno em sua

produção textual não está distante dessa orientação, pois o dialogismo está

presente ali também.

O interessante é notar que essa prática interativa e dialógica da linguagem é

inerente ao ser humano, o qual se constitui mediante a linguagem. Percebemos que

a teoria bakhtiniana de linguagem não se contenta em estudar somente os

fenômenos da língua, em sua estrutura acabada, tampouco entender como esses se

dão individualmente, pois a relação social culminará tanto na constituição da

linguagem quanto na constituição do sujeito.

1.2 O sujeito em Bakhtin: atitude responsiva ativa

O “eu” pode realizar-se verbalmente apenas sobre a base do “nós”. BAKHTIN/VOLOSHINOV (1926)

Como desenvolvido anteriormente, a filosofia de linguagem em Bakhtin

apresenta a enunciação advinda da prática social e essa se dá por meio da

interação, a qual possui como componente constitutivo o dialogismo. Logo,

verificamos a diferente abordagem dada à língua por Bakhtin e seu Círculo, pois,

enquanto as demais orientações da linguagem buscam o estudo do sistema

linguístico e do psiquismo individual para entendimento dos fenômenos da língua,

Bakhtin pensa que o importante são os sentidos produzidos em meio às práticas

sociais e que essas relações são a base para a produção das enunciações.

Nessa perspectiva, por conta de a linguagem ser construída nas relações

sociais, os interlocutores são participantes em suas práticas comunicativas. Desse

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modo, não existem sujeitos passivos e, de fato, não há como se ter alguém que não

dialogue, pois esse é um aspecto intrínseco ao discurso, como já dissemos.

Bakhtin e o Círculo perceberam que não bastaria apenas um estudo da

linguagem em si, mas seria necessário verificar também o agir humano12, pois é por

meio dele que ela acontece ao mesmo tempo em que os sujeitos da ação se

constituem. Voloshinov (apud SOBRAL, 2009, p. 47) diz que o sujeito é pensado em

termos de uma interação constitutiva com a sociedade: assim como precisa da

sociedade para existir como tal, o sujeito constitui, em suas relações com outros

sujeitos, essa mesma sociedade.

Tal colocação evidencia, mais uma vez, a afirmação de Bakhtin/Voloshinov

(1997[1929]) que o centro organizador da linguagem é o meio social e, aqui,

notamos que o social está representado na pessoa dos interlocutores. Quando há

uma relação entre duas pessoas, é uma relação social e histórica que envolve toda

a sociedade, pois o sujeito locutor e o sujeito interlocutor fazem parte dela. Como

Sobral (2009), afirmamos que nessa relação há o encontro das relações sociais que

ambos, interlocutores, já vivenciaram, provocando o encontro dialógico com os

enunciados de outrem.

Verificaremos, em nossa análise, que professor e aluno também fazem parte

de relações sociais, nas quais eles constituem um ao outro. A própria prática de

produção textual já evidencia essa relação e o encontro de vários enunciados.

Portanto, na reescrita, o aluno poderá refletir, enquanto sujeito participativo, sobre

sua prática e o diálogo traçado em sua produção mediante os comentários do

professor e as atividades reflexivas feitas antes da reescrita.

Percebemos, então, na filosofia de linguagem bakhtiniana, a importância dada

à relação entre o eu e o outro (os interlocutores da enunciação em uma situação)

devido à necessidade dialógica da linguagem. Bakhtin acredita que somente no

dialogismo é que há possibilidade da constituição alteritária do sujeito. Na relação

com o outro, o eu se formará.

É pertinente dizer que, quando Bakhtin e seu Círculo falam sobre o outro, não

o reduzem a uma pessoa, pois não se trata apenas de um diálogo entre duas

12 Sobral (2009), em explicação das características do sujeito para o Círculo de Bakhtin, afirma que o sujeito “age sempre (o que inclui todos os atos: cognitivos, verbais etc.) segundo uma avaliação/valoração daquilo que faz ao agir/falar, e pela qual se responsabiliza, e o faz a partir tanto da identidade que forma e vê reconhecida como das coerções que suas relações sociais lhe impõem ao longo da vida e que vão alterando essa identidade que ele veio a formar” (SOBRAL, 2009, p.51). Essa característica acentua a construção de sentidos por meio da linguagem, a qual é constituída por elementos sociais, históricos etc.

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pessoas e nem mesmo a constituição do eu e do outro se dá unicamente mediante

esse tipo de diálogo. Em acordo com a visão bakhtiniana, Figueiredo (2005) explica:

O outro é tudo o que circunda o eu: o meio social em que vive, a história do indivíduo e a história de seu meio, os textos com os quais este indivíduo já teve contato, as várias vozes trazidas por esses textos, os textos com os quais ele ainda terá contato. Ao mesmo tempo, este outro é constitutivo do eu, pois, segundo essa perspectiva, somos resultado desse confronto entre nossa individualidade, o meio social em que nos inserimos e a história (FIGUEREIDO, 2005, p. 12).

Ponzio (2010), também partindo de Bakhtin, explica:

O outro não é somente o outro em relação a você, mas é também outro você, o outro de cada um. E você o pode encontrar no momento em que sai do papel, sai do gênero, sai da identidade, sai do padrão, sai das emboscadas mortais das oposições, dos conflitos. Ali se encontra a sua palavra (PONZIO, 2010, p. 10).

De tais citações, concluímos que o outro não se encontra necessariamente

frente ao eu, em um diálogo face a face, mas pode estar em um texto, em um livro

ou ainda na mente do eu13. Suponhamos que um aluno esteja sozinho

reescrevendo seu texto (isso depois de uma discussão com o professor e, talvez,

com colegas sobre o seu dizer). Nesse momento não há professor, o único diálogo

que o aluno trava é com as opiniões expostas em sala de aula, que constituíram sua

consciência sobre o que dizer.

Em qualquer prática social os enunciados dos outros estão presentes para

dialogar com as nossas palavras e construir novos sentidos. Não há como escapar

disso. Bakhtin (2000[1970-71] afirma:

[...] todas as palavras, com exceção de minhas próprias palavras, são palavras do outro. E toda minha vida consiste em conduzir-me nesse universo, em reagir às palavras dos outros [...] a palavra do outro impõe ao homem a tarefa de compreender essa palavra (BAKHTIN, 2000[1970-71], p. 383).

13 Comumente pensamos em destinatário ao tratarmos sobre o outro. Porém Bakhtin e o Círculo ampliam essa noção ao atribuir à linguagem um caráter dialógico, isso significa que, em qualquer momento de construção de sentidos e apreciações valorativas, o sujeito se vale das valorações outras para constituição da própria, mesmo que essa seja resposta a outro, destinatário. Logo, verificamos a existência inevitável do outro ao qual se destina o enunciado e do outro ou ainda outros que constituem a resposta ao destinatário. Neste trabalho, as menções que faremos sobre a preocupação do aluno com o seu outro significarão a preocupação do aluno com o seu destinatário, ao qual ele busca responder.

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Nessa direção, podemos verificar outra característica do sujeito bakhtiniano:

alguém que, a partir da constituição com o outro14, apresenta-se como sujeito

agente. O contato com o outro, na relação dialógica, exige que o eu responda e

participe da criação de sentidos. Bakhtin (1997[1929]) já dizia que “toda enunciação

é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal” (p. 98), assim, não há

comunicação sem propósito, não se fala por nada ou para nada.

O discurso é endereçado a alguém em resposta a outros e daquele que o

recebe exige-se uma atitude responsiva, a qual ele dará, pois, como respondente

ativo, ele participa nas práticas sociais e somente dessa forma é capaz de constituir-

se, bem como de construir os sentidos que movimentam a linguagem. Essa

participação do sujeito evidencia-se na escrita, pois, considerando-a uma prática

social, podemos afirmar que ela é a resposta do autor a alguma coisa, a alguém, à

sociedade, e no caso da escrita escolar não é diferente.

De acordo com o que foi discutido em sala de aula, o aluno responderá

mediante sua produção textual ao professor, aos colegas ou aos discursos trazidos

à turma no momento de debate sobre o tema proposto. O momento de reescrita

seria o ponto auge da produção, no qual o aluno poderia refletir sobre sua resposta,

escolhendo a melhor maneira de dizer o que pretende, tendo em consideração o seu

outro15.

Quanto ao tipo de resposta que se espera do sujeito, Bakhtin/Voloshinov

(1997[1929]) afirmam que não se exige do interlocutor apenas respostas de

concordância, mas elas podem constituir-se em refutações, polêmicas,

controvérsias, variando conforme a individualidade de cada um, pois, embora o

sujeito seja constituído socialmente, ele apresentará uma forma peculiar quanto ao

estilo de sua resposta. Na teoria bakhtiniana, o que determinará o nível da resposta

será o tipo de compreensão.

14 O sujeito em Bakhtin não somente é constituído, mas também constitui sendo também outro para o seu interlocutor ao mesmo tempo em que é um eu-para-si é um eu-para-outro. 15

Poderíamos pensar que o outro da escrita do aluno seria somente o professor, afinal, ele é quem lerá a produção do

aluno para avaliação. Nesse caso, o aluno buscaria adequar a sua escrita de maneira que agrade ao professor a fim de obter uma boa nota. Entretanto, considerando a filosofia de linguagem bakhtiniana, não poderíamos ficar somente nesse pensamento, sabendo que na escrita o aluno dialoga com enunciados de outros e cria respostas a esses enunciados, não significando apenas o que o professor pensou sobre o tema a ser desenvolvido, mas também o que os colegas disseram, o que a sociedade pensa. Em todo caso, a escolha do outro também dependerá do gênero discursivo a ser produzido. Falaremos mais sobre gênero discursivo mais tarde e, então, retomaremos essa questão.

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Assim, como todo discurso exige uma resposta, é inevitável uma

compreensão e Bakhtin fala sobre dois tipos: a ativa e a passiva16. Vale ressaltar

que, apesar de diferirem em seus conceitos, compreensão e atitude responsiva17

estão interligadas na interação e constituem também aspectos inerentes à

linguagem.

Podemos pensar em compreensão ativa como entendimento refratário18, ou

seja, o interlocutor entende o que o outro disse, assimila o conhecimento do outro,

mas o modifica conforme seu conhecimento de mundo; dá um novo sentido ao

discurso, por vezes, criando um novo discurso. Bakhtin (2002[1934-35]) aponta:

[...] a compreensão ativa , somando-se àquilo que é compreendido no novo círculo do que se compreende, determina uma série de inter-relações complexas, de consonâncias e multissonâncias com o compreendido, enriquece-os de novos elementos (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 91).

Bakhtin (idem) diz que é com essa compreensão que o falante conta, pois

somente com ela será possível dar sentido à interação. Essas considerações

diferem da compreensão passiva que significa um não entendimento, nesse caso o

interlocutor apenas reproduz o discurso conforme dado, sem nada acrescentar.

Sobre ela Bakhtin (idem) afirma:

Permanecendo puramente passiva, receptiva, não trazendo nada de novo para a compreensão do discurso, ela apenas o dubla, visando, no máximo, a reprodução completa daquilo que foi dado de antemão num discurso já compreendido: ela não vai além do limite do seu contexto e não enriquece aquilo que foi compreendido (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 90).

Nesse caso, poderíamos pensar que essa compreensão passiva acontece

quando o aluno não entende algo que lê e, se interrogado sobre o que leu, ele

apenas repete as palavras tal como estão no texto. Esse fato pode ocorrer em uma

16 Nesse ponto precisamos tomar cuidado ao dizer sobre compreensão ativa ou passiva, pois o fato de existir esses dois tipos poderia nos levar a considerar dois tipos de linguagem ou dois tipos de sujeitos. Porém, quando Bakhtin pensa em compreensão ativa ou passiva não significa duvidar da dinâmica da língua ou mesmo da consciência ativa do sujeito. Sobre esse conceito, ele elucida o fator dialógico de uma relação que se fará de entendimento ou não. 17 É pertinente dizer que embora haja compreensão passiva, ainda assim o interlocutor é um respondente ativo, afinal, seja um entendimento ativo, seja passivo, o ser humano sempre responderá ao outro, isso devido ao seu lugar único no mundo e também à natureza dialógica das interações. 18

O sujeito refratário entra na questão de que, em Bakhtin, o sujeito reflete e refrata os enunciados do outro, ou seja, não

se trata apenas de reprodução do dizer do outro, mas de construção de novos sentidos, em um processo que envolve o eu e o outro.

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primeira leitura, mas com informações necessárias ou mesmo em uma segunda

leitura o aluno poderá ter uma compreensão ativa, pois, embora haja compreensão

passiva, Bakhtin a trata como um momento abstrato que logo dará lugar à ativa.

Bakhtin afirma que “a compreensão amadurece apenas na resposta. A

compreensão e a resposta estão fundidas dialeticamente e reciprocamente

condicionadas, sendo impossível uma sem a outra” (BAKHTIN, 2002[1934-35],

p.90), por isso há a possibilidade de uma compreensão passiva transformar-se em

ativa.

Bakhtin e seu Círculo defendem que o sujeito não se quer passivo, pois a

natureza dialógica da linguagem exige que ele seja refratador dos dizeres alheios e

de seus próprios dizeres, que não se conforme com um breve momento de

“abstração passiva”, mas busque a compreensão ativa, não se conformando apenas

em se deixar constituir pelo outro sem nada contribuir com a constituição do outro.

Bakhtin (2009[1952-53]) complementa:

[...] toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma em que ela se dê). O próprio falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva: ele não espera uma compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução, etc (BAKHTIN, 2009, p. 272).

A própria prática da linguagem, como já dissemos, exige uma atitude

responsiva ativa do sujeito e, nesses termos, a palavra do outro impõe ao eu a tarefa

de responder refratariamente a essa palavra. Quando pensamos a reescrita, vemos

claramente a busca do eu em encontrar uma palavra19 refratária singular, que

responda ao outro, levando consigo seus valores. Ponzio (2010) fala sobre a

necessidade de procurarmos uma palavra outra:

[...] uma palavra “outra” no sentido de “alteridade”, não de “alternativa”; uma palavra de uma diferença que faz diferença, de uma diferença não indiferente; palavra singular, não intercambiável, insubstituível na sua própria relação com o outro único, responsavelmente, responsivamente, única para o outro. (PONZIO, 2010, p.14)

19 E o encontro com a “palavra própria” será facilitada pela consciência do aluno sobre o que melhorar em sua produção depois das atividades reflexivas baseadas em suas necessidades.

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Bakhtin (2000[1970-71]) mesmo diz sobre o desejo do sujeito de “não ficar na

tangente”, porém “mergulhar na vida, tornar-se um homem entre os outros. Rejeitar

as restrições, rejeitar a ironia. (...) convencer (instruir), e, por conseguinte, ficar por

sua vez convencido” (p. 338). Essa colocação aponta para um sujeito agente ativo

na comunicação, capaz de ser crítico sendo consciente dos sentidos produzidos na

interação. Podemos pensar que esse é o tipo de escritor esperado nas produções de

textos dos alunos, ou seja, um aluno crítico, capaz de posicionar-se frente às

questões surgidas nas práticas sociais.

Essa atitude responsiva não engloba apenas uma das partes das relações

sociais, mas inclui tanto o sujeito locutor quanto o sujeito interlocutor, ambos

buscando encontrar seu jeito próprio de dizer o que pretendem e isso só

conseguirão a partir do outro. Neste ponto, podemos banir a ideia de domínio sobre

a palavra, porque na filosofia de linguagem bakhtiniana não há um sujeito arbitrário

(por mais que muitos se queiram assim, mas, ainda assim, em algum momento, isso

se torna insustentável). Afinal, o sujeito é constitutivo de outros. Clark e Holquist

(2004[1984]) dialogam com Bakhtin sobre essa questão:

[...] o self não é um presença na qual se aloja o privilégio supremo do real, a fonte de soberania intenção e o garantir da significação unificada. O self bakhtiniano nunca é completo, uma vez que só pode existir dialogicamente [...] existe apenas num relacionamento tenso com tudo que é outro e, isto é o mais importante, com outros selves (CLARK&HOLQUIST, 2004[1984], p. 91).

Por tal citação, afirmamos que o outro está presente na fala e na escrita do

eu, de maneira que, na formação dos discursos, não há autoritarismo. Logo, não há

o domínio de um discurso sobre o outro, mas a partir do relacionamento tenso entre

eles serão construídos os sentidos da linguagem. Santos (2011) lembra-nos de que

as relações dialógicas são confrontos de vozes que povoam os domínios culturais

de uma dada sociedade, comunidade ou grupo social, de modo que o discurso, para

Bakhtin e o Círculo, é apresentado como a arena de enfrentamento entre os

diferentes enunciados, como o lugar da presença inerente do outro.

Assim, nessa relação dialógica de construção de sentidos há um

entrelaçamento de vozes que constituirá uma voz singular e, então, teremos a

formação de um sujeito-autor, o qual é um agente participativo e responsivo nas

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relações sociais e constitui-se “dono”20 do seu próprio dizer, de maneira que ele

mesmo formula o que quer dizer, como quer agir de acordo com as suas intenções

ou com os seus valores.

Nessa direção, no que tange à formação do sujeito em Bakhtin, verificamos

que a autoria na filosofia bakhtiniana da linguagem não abarcará somente a

definição daquele que escreve obras literárias, porém aquele que cria discursos.

Sobral (2009) afirma que pensar em autor na teoria bakhtiniana implica também

pensar nas ações do sujeito.

Pode-se dizer que por autor o Círculo designa não somente o autor de obras, literárias ou não, mas também o autor de enunciados, o que se justifica se pensarmos que, embora reconhecendo a especificidade dos discursos aos quais se costuma atribuir um autor, o Círculo considera os atos de discurso parte do conjunto dos atos humanos em geral – e todo agente de um ato humano é, nesse sentido, “autor” de seus atos (SOBRAL, 2009, p.61).

Por tal colocação, refletimos que, em qualquer relação social, o sujeito terá

oportunidade de ser autor de seu discurso, seja em uma atividade oral ou escrita. Já

discorremos aqui sobre o fato de a alteridade se constituir nas práticas sociais e

atribuímos à escrita essa característica; por isso, trouxemos a reflexão da relação

entre eu e o outro de Bakhtin e seu Círculo, pois acreditamos que a constituição da

alteridade e, consequentemente, a formação de autor se dá também na escrita.

Ao que se refere a essa prática, veremos na obra de Bakhtin algumas

peculiaridades do conceito autoral. Dito isso, refletiremos adiante um pouco mais

sobre o autor em Bakhtin, visando mais à frente nossa análise.

20 Esse termo é colocado entre aspas não para remetê-lo à ideia de domínio do sujeito sobre o discurso, mas para significar o ato responsável do sujeito sobre suas valorações, acentuando que o sujeito ocupa um lugar único nas relações sociais, o que o torna responsável pelas suas construções valorativas, derivando, assim, um posicionamento singular e crítico sobre os discursos. Portanto, mesmo que o sujeito não seja dono do discurso, pois esse é constituído por muitas vozes, ainda assim é o sujeito quem decide como essas vozes influenciarão a constituição do seu dizer, o que o torna de certo modo “dono”, ou seja, responsável pelo seu dizer.

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1.3 Autor em Bakhtin: atitude responsiva criadora sobre os discursos já

existentes

[...] viver significa ocupar uma posição axiológica em cada momento da vida, significa firmar-se axiologicamente.

BAKHTIN (2009[1922-24], p.174)

Bakhtin e seu Círculo se estenderam sobre a noção de autoria no discurso

literário, porém sua teoria abrange outras modalidades discursivas (FARACO, 2005).

Por isso, é possível vislumbrarmos essa noção na prática social da escrita. Em todo

caso, há algumas diferenças entre o autor no discurso literário e o autor em outros

discursos, porém, mesmo que eles apresentem suas particularidades, os sujeitos do

discurso, enquanto agentes responsivos ativos, têm o mesmo estatuto em todo

discurso.

A autoria, na filosofia bakhtiniana da linguagem, está vinculada à concepção

dialógica e representa a atitude criadora do sujeito. Logo, entrevemos que no

processo de formação de um autor há a participação do outro e também a

necessidade do sujeito-autor responder de maneira particular, a fim de construir

novos sentidos. Clark e Holquist (2004[1984]) dialogam com Bakhtin sobre a

participação do outro na formação do autor:

A vida, enquanto acontecimento, pressupõe selves que são “performadores”. Para ser bem sucedida, a relação entre mim e o outro precisa ser moldada em performance coerente e, assim sendo, a atividade arquitetônica da autoria, que é a construção de um texto, corre em paralelo com a atividade da existência humana, que é a construção de um self [...] a proliferação ocorre não apenas em palavras ou textos, como ainda em pensamentos e atos (CLARK&HOLQUIST, 2004[1984], p. 90).

Essa citação evidencia o caráter performador do outro que molda a

construção do querer dizer e do como dizer do autor, o que demonstra mais uma vez

a necessidade do autor responder aos enunciados outros, a partir de sua

compreensão ativa que contribui para o caráter singular do autor.

O aspecto singular da resposta do autor, apesar de estar impregnada do

discurso alheio, ocorre a partir do que Bakhtin (2009[1922-24]) denomina ação

axiológica sobre o viver. E o que vem a ser essa ação? Significa que, na vida, os

sujeitos atribuem juízo de valor aos acontecimentos e, por isso, apresentam uma

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compreensão ativa. Esse caráter é, em Bakhtin (idem), inerente à linguagem e

constrói os sentidos das enunciações, porque não há como o autor não apresentar

essa atitude, pois “viver significa ocupar uma posição axiológica em cada momento

da vida, significa firmar-se axiologicamente” (BAKHTIN, 2009[1922-24], p. 174).

Em toda relação social, o autor é convidado a expressar sua valoração sobre

o discurso do outro, o qual não se encontra vazio, mas apresenta o juízo de valor de

outros. Logo, para a construção de seu aspecto valorativo, o autor dialoga com

vários discursos que, embora envolvam o mesmo objeto discursivo, apresentam

juízos de valores diferentes. Sobre isso Bakhtin (2002[1934-35]) afirma:

(...) todo discurso existente não se contrapõe da mesma maneira ao seu objeto: entre o discurso e o objeto, entre ele e a personalidade do falante interpõe-se um meio flexível, frequentemente difícil de ser penetrado, de discurso de outrem, de discursos “alheios” sobre o mesmo objeto, sobre o mesmo tema (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 86).

Como vimos desenvolvendo, a linguagem apresenta uma natureza dialógica,

então, é inevitável o encontro com os discursos de outros, mesmo porque é a partir

deles que o sujeito irá formar o seu dizer. Afinal, Bakhtin (2002[1934-35]) diz que

somente o Adão mítico que chegou com a primeira palavra a um mundo virgem

podia evitar por completo a orientação dialógica do discurso do outro para o objeto.

No entanto, isso não é possível em um mundo concreto e histórico, Ponzio (2010)

dialoga com Bakhtin nessa temática sobre a palavra:

[a palavra] é sempre réplica de um diálogo explícito ou implícito, e não pertence nunca a uma só consciência, a uma só voz [...] cada falante recebe a palavra de uma voz alheia, e a intenção pessoal que ele posteriormente confere encontra a palavra “já habitada”, como diz Bakhtin, por uma intenção alheia (PONZIO, 2010, p. 37).

Bakhtin (2002[1934-1935]) reforça a ideia de que, no processo da interação, o

discurso do autor pode adquirir aspectos valorativos diferentes daqueles com os

quais dialoga:

E é particularmente no processo da mútua-interação existente com este meio específico que o discurso pode individualizar-se e elaborar-se estilisticamente [...] Orientado para o seu objeto, o discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros; tudo isso pode formar

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substancialmente o discurso, penetrar em todos os seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar todo o seu aspecto estilísticos (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 86).

Na produção de um texto, o autor perceberá que o seu objeto já apresenta a

atitude valorativa dos outros, entretanto isso não significa que a sua valoração

necessite ser a mesma ou que seu texto se desenvolva da mesma forma, pois,

como dito alhures, na relação interativa e dialógica a palavra outra exige do autor

uma resposta carregada de compreensão ativa, a fim de criar novos sentidos e,

dessa forma, há criação de um discurso que evidencia a posição singular do autor.

No viés bakhtiniano da linguagem, a posição do autor precisa ser

compreendida no mundo em relação a seus valores, pois o que se conclui em um

enunciado não são as palavras, nem o material, mas os sentidos construídos a partir

das relações sociais conjuntamente vivenciadas. Ainda na produção textual, o

aspecto valorativo do autor sobre o objeto evidencia sua atitude criadora, a qual

Bakhtin (2009[1922-24]) denomina como ação do autor-criador.

Faraco (2005), em estudo para entender o autor-criador, define-o com base

em Bakhtin (1922-24):

O autor-criador é [...] uma posição refratada e refratante. Refratada porque se trata de uma posição axiológica conforme recortada pelo viés valorativo do autor-pessoa; e refratante porque é a partir dela que se recorta e se reordena esteticamente os eventos da vida (FARACO, 2005, p.39).

Por tal explicação, verificamos no processo de autoria que o autor-criador

representa a compreensão ativa criadora do autor, nesse caso denominado por

Bakhtin (2009[1922-24]) de autor-pessoa. Segundo o russo, para que o autor-criador

entre em ação é necessário que o autor se distancie de si21 para, então, refratar e

responder, diferenciadamente, a outrem.

O autor-pessoa dá voz às suas atitudes valorativas através do autor-criador, o

qual surge das práticas empáticas do autor e se mostra em sua intenção discursiva,

seu estilo e na forma composicional, aspectos usados para expressão do que o

autor pretende dizer. Sobre isso, Faraco (2005) afirma:

O autor-criador é, assim, quem dá forma ao conteúdo: ele não apenas registra passivamente os eventos da vida (ele não é um

21

Abordaremos em tópico especifico a questão do distanciamento em Bakhtin.

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estenógrafo desses eventos), mas, a partir de uma certa posição axiológica, recorta-os e reorganiza-os esteticamente (FARACO, 2005, p. 39).

Nesses termos, Bakhtin (2009[1922-24]) trata o autor-criador como refração

de certa voz social, construída a partir de outras vozes e sendo direcionada como

resposta a outros. Veremos, em nossa análise sobre a reescrita, que a posição de

autor-criador participa da reflexão do autor para adequar seu texto pensando em seu

leitor. Logo, o autor-criador é influenciado pelas ações valorativas dos

interlocutores.

Bakhtin (2000[1959-61/1979]) afirma que o texto sempre acontece nas

fronteiras de duas consciências, de dois sujeitos:

O estenograma do pensamento humano é sempre o estenograma de um diálogo de tipo especial: a complexa interdependência que se estabelece entre o texto (objeto de análise e de reflexão) e o contexto que o elabora e o envolve (contexto interrogativo, contestatório, etc.) através do qual se realiza o pensamento do sujeito que pratica ato de cognição e de juízo. Há encontro de dois textos, do que está concluído e do que está sendo elaborado em relação ao primeiro. Há, portanto, encontro de dois sujeitos, de dois autores (BAKHTIN, 2000[1959-61/1979], p. 333).

O autor-criador, enquanto voz criadora do autor, dá acabamento a esse

encontro de vozes, caracterizando-se, conforme Bakhtin (2000[1959-61/1979]),

como segunda voz do autor. E, nessa direção, o pensador russo acredita que a ação

do autor-criador encontrará êxito, caso o autor alcance um distanciamento de seu

texto.

Para Bakhtin e seu círculo, a distância que o autor alcança de seu texto é

possível por conta do excedente de visão que os sujeitos têm de suas relações

sociais, bem como de seu outro nessas relações. E Bakhtin cunha esse

distanciamento como exotopia. A seguir, veremos que essa prática é também

inerente à linguagem e, portanto, presente na construção de sentidos.

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1.4 Excedente de visão: a exotopia, um olhar de fora sobre o discurso do outro

Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila de nossos olhos.

BAKHTIN (2009[1922-24], p. 21)

Como vimos desenvolvendo, a filosofia de linguagem bakhtiniana apresenta a

díade eu-outro como requisito para a compreensão dos fenômenos da enunciação e

consequente constituição dos sujeitos. Afinal, é na relação entre o eu e outro que a

linguagem e o sujeito se constituem. Bakhtin e seu Círculo mostram que a presença

do outro na constituição do sujeito é imprescindível, não somente por causa da

natureza dialógica da linguagem, mas por causa do olhar exotópico (olhar de fora)

que o excedente de visão favorece ao outro sobre o eu.

Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver [...] o mundo ao qual ele dá as costas, toda uma série de objetos e de relações que, em função da respectiva relação em que podemos situar-nos, são acessíveis a mim e inaccessíveis a ele (BAKHTIN, 2000[1922-24], p. 43).

O sujeito para o Círculo de Bakhtin ocupa um lugar único no mundo e por

conta disso contempla o outro de um lugar em que o outro não pode estar, pois esse

também ocupa um lugar que é só seu. Podemos entender esse lugar como o espaço

em que o corpo está e também como o lugar na história em um aspecto temporal, ou

seja, os sujeitos viveram relações sociais diferentes, as quais os constituíram. Cada

sujeito apresenta conhecimentos apreendidos em outras relações que o outro não

vivenciou. Nesse aspecto, verificamos um excedente de visão que torna acessível

ao sujeito o necessário para se constituir e construir novos sentidos.

O olhar exotópico dos interlocutores torna possível a compreensão ativa

criadora, porque, do lugar que ocupa, o eu vê o outro em sua totalidade e vice-versa.

Assim, ambos podem dar acabamento ao discurso e têm a noção de como

direcionar sua atitude valorativa. Logo, o eu e o outro dependem um do outro para a

compreensão.

O importante no ato de compreensão é a exotopia do compreendente no tempo, no espaço, na cultura, a respeito do que ele quer compreender. O mesmo não ocorre com o simples aspecto externo do homem, que este não pode ver nem pensar em sua totalidade, e

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não há espelho, nem fotografia que possa ajudá-lo; seu aspecto externo, apenas o outro pode captá-lo e compreendê-lo, em virtude de sua exotopia e do fato de ser outro (BAKHTIN, 2000[1970], p. 368).

Dessa forma, é o olhar do eu sobre o outro e o olhar do outro sobre o eu

essencial na interação, pois o eu pode dar acabamento ao outro e, também, ao

enunciado outro e, assim, pode completá-lo de maneira concludente. Para afirmar

isso, Bakhtin (2000[1922-24]) conclui que “a inter-relação eu-outro é concretamente

irreversível” (p. 43).

Além da constituição dos sujeitos e construção de sentidos, a exotopia

também aparece na obra de Bakhtin e seu Círculo como um conceito da atividade

estética relacionado ao ato criador do autor em termos de distanciamento. Para dar

acabamento a sua obra, o autor precisa distanciar-se de seu autor-criador para

então completá-lo.

Em termos de reescrita, o autor-aluno precisa desse olhar exotópico para

fazer as mudanças necessárias em sua produção. Acreditamos que no momento

das atividades reflexivas o aluno adquirirá os conhecimentos necessários para

melhorar a escrita, ampliando o seu excedente de visão com os novos sentidos

construídos durante as atividades.

Nesse aspecto, o seu texto já não representa o seu texto enquanto eu, mas

como outro, reconstruído em um tempo diferente daquele em que fora escrito.

Bakhtin (2009[1922-24] afirma que “o autor deve tornar-se outro em relação a si

mesmo, olhar para si mesmo com os olhos do outro” (p.13), dessa forma, será

possível o acabamento adequado de seu dizer.

A exotopia é, nessa direção, um aspecto primordial para que a atividade

estética do autor sobre o discurso alcance o êxito de construção de sentidos.

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1.5 Atividade Estética em Bakhtin: aspecto formador do discurso

[...] a bondade singular da estética, sua benevolência: a estética como que nada seleciona, divide, abole, nada repele, de nada se desvia.

BAKHTIN (2002[1924], p. 33)

A atividade estética na concepção bakhtiniana não se define apenas pela arte

em si ou por estruturas lexicais e gramaticais de um texto, Bakhtin (2002[1924]) diz

que “[...] para se definir de forma segura e precisa esse conceito, há necessidade de

uma definição recíproca com os outros domínios, na unidade da cultura humana” (p.

16).

Tal citação faz parte da crítica de Bakhtin ao conceito do estético na obra de

arte, porque havia, então, a supervalorização do material, do artefato em si, para

compreensão do estético, porém Bakhtin (1924) defende que há de se considerar os

aspectos culturais, em outras palavras, o contexto extraverbal para compreensão

axiológica da obra de arte.

Sobre isso, Faraco (2009), em leitura de Bakhtin (2002[1924]), explica:

O estético – como qualquer outro valor cultural – não pode ser localizado no plano do mero dado, ou seja, o estético não está no artefato em si; ele só faz sentido e só tem valor em correlação com o conjunto da cultura, entendida como uma totalidade de significados (FARACO, 2009, p. 102).

Essa perspectiva caracteriza a obra de arte22 como um ato do agir humano23

e, portanto, em análise de tal não bastará apenas o conhecimento estrutural, visto

que o agir humano dá-se, conforme discorrido alhures, em meio social. Dessa

maneira, entrevemos que, mesmo quando a estética está voltada para a arte, ela

apresenta relações dialógicas, assim como no discurso não literário, porque ambos

os aspectos nascem das relações humanas.

O ato estético isola, a partir de certa valoração, os enunciados concretos

cotidianos e os desloca para o interior de outro enunciado, assim, podemos concluir

que o estético, para Bakhtin, representa a organização das ideias axiológicas do 22 Por obra de arte compreendemos os objetos comumente conhecidos, tais como esculturas, pinturas, obras literárias etc. 23

Acrescentamos a isso as palavras de Sobral (2008) que bem explicam a ideia de Bakhtin de relacionar a obra de arte aos

acontecimentos concretos do sujeito: “Assim, em meio a todos os percalços, variações, reestruturações e fragmentações, a obra como um todo, ainda que não exiba uma elaboração sistemática, é marcada por uma unidade de sentido, não um mundo material puro e simples, um mundo relacional, não um mundo de indivíduos autárquicos, um mundo de processos que envolvem sujeitos ímpares em interação e, portanto, um mundo que passa constantes mudanças, mundo a que não se poderia aplicar as leis da física, que são naturais, não humanas” (SOBRAL, 2008, p.222).

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autor sobre determinado assunto e é a partir dos valores que o estético precisa ser

compreendido, pois o que se conclui das práticas sociais “não são palavras, nem o

material, mas o conjunto amplamente vivenciado do existir” (Bakhtin 2009[1922-24],

p. 176).

Esse fator axiológico do estético está relacionado à construção de sentidos da

enunciação na concepção bakhtiniana da linguagem, logo, podemos encontrá-lo em

qualquer relação social, pois, essas são dirigidas pelas posições axiológicas. Faraco

(2009) explica que para Bakhtin “a grande força que move o universo das práticas

culturais são precisamente as posições socioavaliativas postas numa dinâmica de

múltiplas inter-relações responsivas” (p. 38).

Nesse sentido, verificaremos como os alunos organizaram o querer-dizer na

construção de sentidos e expressão das suas apreciações valorativas.

Compreendemos que a atividade estética envolve a compreensão do eu sobre o

juízo de valor do outro, originando, assim, uma resposta de característica ativa, pois

somente assim o sujeito-aluno posiciona-se e apresenta suas valorações.

Bakhtin (2002[1924]) apresenta três componentes da atividade estética: o

conteúdo, o material e a forma. Todos eles, juntos, dão acabamento ao discurso do

autor, ou seja, constituem a unidade do texto por meio do agir avaliativo do autor.

Veremos em tópico específico o que resulta dessa atividade: os gêneros discursivos,

os quais variam conforme as relações sociais.

O conteúdo na atividade estética não pode ser entendido como uma ideia, um

tema (FARACO, 2009), pois, em Bakhtin (2002[1924]), ele representa como são

ordenados pelo autor-criador os constituintes dos aspectos valorativos escolhidos e

consumados numa nova unidade de sentidos. O autor russo afirma:

[...] a forma estética transfere essa realidade conhecida e avaliada para um outro plano axiológico, submete-a a uma nova unidade, ordena-a de modo novo: individualiza-a, concretiza-a, isola-a, arremata-a, mas não recusa a sua identificação nem a sua valoração: é justamente sobre elas que se orienta a forma estética realizante (BAKHTIN, 2002[1924], p. 33).

Tal citação pode ser exemplificada quando a relacionamos à prática de

escrita, principalmente, ao que diz respeito à reflexão do autor sobre como escrever

sua apreciação axiológica em determinado gênero. Cada gênero apresenta uma

forma estética, que está relacionada à estrutura, aos interlocutores, à situação

comunicativa, aspectos esses que o escritor precisará considerar para o seu fazer.

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Bakhtin (2002[1924]) explica a forma:

[...] a forma é a expressão da relação axiológica ativa do autor-criador e do indivíduo que percebe (co-criador da forma) com o conteúdo: todos os momentos da obra, nos quais podemos sentir a nossa presença, a nossa atividade relacionada axiologicamente com o conteúdo, e que são superados na sua materialidade por essa atividade, devem ser relacionados com a forma (BAKHTIN, 2002[1924], p. 59).

A partir da compreensão ativa que o sujeito tem do conteúdo, ele enforma a

sua avaliação conforme a situação social. Esse aspecto ficará mais claro quando

discutirmos sobre os gêneros discursivos, pois veremos que cada relação social

apresenta um tipo de gênero e cada qual com formas diferentes. Assim como os

gêneros variam conforme as relações sociais, as formas também, o que implica uma

reflexão por parte do sujeito sobre como dizer o que pretende dizer, pois, para cada

gênero, ele terá uma maneira para expressar-se axiologicamente.

Em todo caso, embora o conteúdo e forma estejam interligados, Bakhtin

(2002[1924]) esclarece que, ao expressar a relação axiológica com o conteúdo, o

autor não visa às palavras, aos fonemas, mas com esses aspectos, visa ativamente

a um conteúdo diferente do que é dado, ou seja, o autor visa à compreensão ativa,

já discutida anteriormente:

Eu me torno ativo na forma e por meio dela ocupo uma posição axiológica fora do conteúdo e isto torna possível pela primeira vez o acabamento e em geral a realização de todas as funções estéticas da forma no que tange ao conteúdo (BAKHTIN, 2002[1924], p.59).

Dessa maneira, o sujeito responsivo ativo não supervaloriza o material, pelo

contrário o supera, dando lugar à construção axiológica de sentido, assim, podemos

concluir que mesmo ao contemplador de uma obra ou leitor ou interlocutor não é

viável compreender a obra ou o texto ou a conversa apenas pela composição

linguística, mas o sujeito precisa superar o material, transpô-lo para a compreensão

de sentidos, de maneira que ele não signifique apenas aspectos linguísticos

coesivamente escritos, mas que evidencie o estilo do autor.

Vale lembrar que a visão bakhtiniana para o estético não desconsidera a

forma e nem mesmo o material, ou seja, os aspectos estruturais. Como vimos

desenvolvendo, a estrutura é relevante para a construção do discurso, mas não para

ser analisada isoladamente para se compreender algum fenômeno da linguagem,

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pois essa é social e como tal traz em si aspectos sócio-históricos necessários para

sua compreensão. Logo conteúdo, forma e material estão correlacionados, onde

existe um, existem os outros.

Bakhtin (2009[1922-24]) complementa esse nosso diálogo:

[...] precisamos compreender não o dispositivo técnico, mas a lógica imanente da criação, e antes de tudo precisamos compreender a estrutura dos valores e do sentido em que a criação transcorre e toma consciência de si mesma por via axiológica, compreender o contexto em que se assimila o ato criador (p.179).

A citação esclarece e confirma a nossa discussão até aqui: a lógica imanente

da criação significa os aspectos axiológicos que são inerentes à linguagem. Assim,

as relações sociais serão sempre guiadas por esses, os quais Bakhtin também

chama de série semântica, ou seja, as construções de sentidos.

De tal modo, a superação do material e da forma é possível por causa da

natureza valorativa da linguagem. Assim, verificamos na atividade estética três

sistemas de valores em interação axiológica: o recorte, aquilo que é apreendido dos

juízos de valor das relações sociais – o conteúdo; a transposição, como os

enunciados dos outros são transformados a partir das ações axiológicas do eu – a

forma; e o acabamento do conteúdo, o estilo do autor – o material.

Esses aspectos corporificam, conforme Faraco (2009), a forma composicional

e o trabalho com a linguagem. Nessa atividade estética, com os elementos

axiológicos necessários, teremos a formação dos gêneros do discurso.

1.6 Gêneros do discurso: prática das relações sociais

O gênero joga luz sobre a realidade; a realidade ilumina o gênero.

BAKHTIN/MEDVEDEV (1928)

Vimos nos tópicos precedentes que a linguagem é, para o Círculo de Bakhtin,

um sistema axiológico aberto que se sustenta pelas relações sociais e tem como

centro organizador a interação entre sujeitos concretos. Nesses termos, verificamos

que cada ação interativa apresenta diferentes formas de apropriação do mundo. Isso

ocorre tanto por causa do “lugar único” que cada participante ocupa, refletindo suas

particularidades nas construções de sentidos, quanto por causa das variadas

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relações sociais, e essas exigem determinadas formas, ou seja, cada relação social

produz enunciados em determinados gêneros do discurso.

Para Bakhtin e seu Círculo, os gêneros do discurso são aspectos normativos

da linguagem, pois, quando o sujeito fala ou ainda se relaciona através da língua

escrita, fala através de determinados gêneros do discurso e é por meio deles que o

sujeito passa a conhecer a sua língua materna:

Esses gêneros do discurso nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente [...]. A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam (BAKHTIN, 2009[1952-53], p. 282).

Nessa perspectiva, retomamos mais uma vez a natureza social da linguagem

para a filosofia bakhtiniana: a linguagem não acontece por frases isoladas ou

enunciados aleatórios, mas ocorre na relação entre os sujeitos e nisso tem-se a

construção de sentidos. Esse aspecto da linguagem traz para os sujeitos o desejo

de participar da construção de sentidos, mesmo porque ele é alguém respondente,

Bakhtin (2009[1952-53]) chama esse desejo de vontade discursiva.

Essa vontade nasce por causa da atitude responsiva do sujeito e se realiza no

uso de um gênero do discurso. Bakhtin (idem) diz que a determinação de qual

gênero usar deriva da particularidade da relação social da comunicação discursiva,

ou seja, podemos concluir que a situação determina os gêneros discursivos. Bakhtin

mesmo afirma:

Em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo (...). Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais (BAKHTIN, 2009 [1952-53], p. 266).

Assim, pode-se pensar que cada gênero reflete as condições e as finalidades

do campo24 social em que circula. Cabe aqui uma ressalva: quando se pensa em

campo podemos criar o equívoco de pensar que esse corresponde ao espaço no 24 Algumas traduções de Bakhtin (1952-53) trazem o termo esfera, ao invés de campo. Aqui usaremos os dois termos sem distinção.

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qual se fala ou se escreve. Entretanto, não podemos entender o campo dessa

forma, já que na verdade ele circunscreve lugares e tempos específicos e práticas

sociais específicas. Padilha (2009) complementa que das práticas, das atividades

humanas, nascem as práticas de linguagem, e daí os enunciados tipificados, os

gêneros.

Sobral (2009) reflete sobre isso e define as esferas como “lugar de relações

específicas entre sujeitos” (p. 121), por isso:

[...] esfera tem um caráter mais amplo do que definições de instituição que se restringem àquilo que o Estado inclui em seu aparato. Para o Círculo, o simples fato do encontro casual de duas pessoas já é um evento institucional, uma relação social e histórica que envolve toda a sociedade, do ponto de vista de seus diferentes recortes possíveis num dado momento histórico. A relação entre duas pessoas traz à cena a soma total das relações sociais dessas pessoas, envolvendo no mínimo um espectro que vai da família ao Estado. Isso ocorre porque a sociedade não pode existir independentemente das relações entre os sujeitos que dela fazem parte: são precisamente essas relações que a constituem, seja qual for o ambiente e o grau específico de “formalização” desse ambiente (SOBRAL, 2009, p. 121).

Nesses termos, o número de gêneros do discurso é infinito, pois “as

possibilidades da multiforme atividade humana são inesgotáveis e em cada esfera

dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso” (BAKHTIN,

2009[1952-53], p 262). Além disso, no decorrer da relação social, os interlocutores

adequam as suas vontades discursivas, com toda a sua individualidade e

subjetividade, ao gênero inerente à esfera.

O gênero do discurso, para Bakhtin e seu Círculo, é composto por três

elementos indispensáveis: o conteúdo temático, o estilo e a construção

composicional.

A construção composicional, também mencionada por Bakhtin como ponto de

vista composicional, unidades composicionais, recursos composicionais, formas

típicas de estruturação (BARBOSA, 2001), é a organização geral dos tipos de

enunciados. Bakhtin (2009[1952-53]) ressalta:

As formas de gêneros, nas quais moldamos o nosso discurso, diferem substancialmente, é claro, das formas da língua no sentido da estabilidade e da sua coerção (normatividade) para o falante. Em linhas gerais, elas são bem mais flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua. (BAKHTIN, 2009[1952-53], p. 283)

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Cada gênero possui em si formas composicionais mais ou menos

estabelecidas, recorrentes das situações de comunicação e elas determinam as

possibilidades estilísticas do gênero. O estilo representa a seleção dos recursos da

língua e aponta para a individualidade do falante, ou seja, o aspecto criador do

autor. Em todo caso, Bakhtin (idem) chama a atenção para fatores que determinam

a criação individual do autor:

O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que é de especial importância – de determinadas unidades composicionais: de determinados tipos de construção do conjunto, de tipos do seu acabamento, de tipos da relação do falante com outros participantes da comunicação discursiva – com os ouvintes, os leitores, os parceiros, os parceiros, o discurso do outro, etc (BAKHTIN, 2009[1952-53], p. 266).

Por tal colocação, verificamos que o estilo é prefigurado e determinado pela

construção composicional e também pelos participantes da interação, de maneira

que o sujeito precisa adequar o seu querer-dizer ao seu interlocutor. Barbosa (2001)

diz que a interação entre os participantes está intimamente relacionada ao estilo, já

que essa relação é um dos determinantes das escolhas dos elementos da língua,

algo que indiscutivelmente diz respeito ao estilo. Nesses termos, ela se refere ao

estilo individual que cada sujeito – participante ativo da relação social – imprime ao

gênero utilizado.

Como já exposto, cada pessoa ocupa um lugar único no tempo e espaço e

essa característica traz em si a questão da singularidade e particularidade de cada

sujeito. Daí o fato de as pessoas utilizarem a linguagem cada qual a sua maneira,

em outras palavras, ao seu estilo.

Em muitos gêneros do discurso, o estilo individual é um dos objetivos

primordiais, principalmente, em gêneros literários, nos quais “são diferentes as

possibilidades para a expressão da individualidade da linguagem através de

diferentes aspectos da individualidade” (BAKHTIN, 2009[1952-53], p. 265). Contudo,

nem sempre há condições propícias para essa expressão.

Há gêneros nos quais a forma composicional é padronizada e não requerem o

uso do estilo individual, como os gêneros jurídicos e burocráticos25. Nesses gêneros

25 Aqui cabe uma observação sobre o uso de estilo individual em gêneros que não o pedem, pois já possuem uma padronização do mesmo. Assim, caso o individualismo apareça nesses gêneros pode ocasionar a mudança e criação de outro gênero. Por exemplo, temos o caso do delegado Reinaldo Lobo que mudou o estilo do Boletim de Ocorrência, escrevendo, então, um poema.

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o estilo é geral, ou seja, o estilo do gênero é o suficiente para auxiliar na construção

de sentidos. Em todo caso, Bakhtin diz que mesmo que o estilo individual não faça

parte do plano do enunciado, ele acontece como elemento indispensável para

complementá-lo. Em se tratando desses gêneros formatados, ele pode acontecer

em um nível quase imperceptível. Tanto o estilo geral quanto o estilo individual serão

formulados mediante as formas composicionais.

Barbosa (2001) afirma que a relação entre forma e estilo não é unidirecional,

dessa forma, mudanças no estilo podem alterar a forma composicional de um

determinado gênero, o que pode, eventualmente, originar outro gênero. Isso porque

há uma “mútua determinação” entre os elementos do gênero e, por isso, verificamos

na filosofia bakhtiniana a insistência para a investigação conjunta dos aspectos do

gênero, pois eles acontecem indissociavelmente. Nesses termos, temos o conteúdo

temático adequando-se à forma e ao estilo.

Segundo Barbosa (2001), o conteúdo é o conjunto de temáticas que podem

ser abarcadas em certo gênero e é determinado sócio-historicamente. Bakhtin

apresenta em seus textos outras designações para esse termo, tais como: conteúdo

semântico-objetal e temas típicos:

[...] cada enunciado se caracteriza, antes de tudo, por um determinado conteúdo semântico-objetal. A escolha dos meios linguísticos e dos gêneros de discurso é determinada, antes de tudo, pelas tarefas (pela idéia) do sujeito do discurso (ou autor) centradas no objeto e no sentido (BAKHTIN, 2009[1952-53], p. 289). O gênero do discurso não é uma forma da língua, mas uma forma típica do enunciado; como tal forma, o gênero inclui certa expressão típica a ele inerente [...]. Os gêneros correspondem a situações típicas da comunicação discursiva, a temas típicos, por conseguinte, a alguns contatos típicos dos significados das palavras com a realidade concreta em circunstâncias típicas (idem, p.293).

Por tais colocações, verificamos a reciprocidade entre gênero e conteúdo

temático. Barbosa (2001) reflete sobre isso e diz que, no romance, temos temáticas

recursivas, como: o amor, a morte, a solidão, a guerrilha etc. Em outros casos, não

se pode fazer uma declaração de amor em um ofício ou em qualquer outro gênero

jurídico26, nem se pode falar de um experimento científico no gênero receita de bolo,

por exemplo. Dessa maneira, percebemos que cada gênero – por estar

26 Isso serve também para a poesis. Não dá para fazer poesia, por exemplo, em um BO, como no caso do delegado que quis dar uma inovada no gênero BO e escreveu um poema.

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intrinsecamente ligado às diferentes esferas de atuação humana – apresenta uma

linguagem diferenciada e específica.

Para Bakhtin e seu Círculo, conteúdo temático diferencia-se de tema, pois

enquanto o primeiro significa aquilo que se pode dizer em um gênero, o segundo

representa o sentido construído pelos interlocutores, a partir daquilo que pode ser

dito. É essa conclusão temática que dá acabamento completo ao gênero e,

consequentemente, constrói novos discursos.

Bakhtin/Medvedev (1928) expõem que, para existir a conclusão temática ou

criação de sentidos, precisa-se dos interlocutores inseridos na prática social, pois:

[...] em todas as esferas da criação ideológica é possível somente oferecer o acabamento na composição do enunciado, mas é impossível sua verdadeira conclusão temática. [...] Na realidade, não existem obras substancialmente e exaustivamente concluídas. [...] A conclusão não se pode confundir com o fim (BAKHTIN/MEDVEDEV, 1928).

Esse inacabamento do gênero é por causa da cumplicidade entre os

interlocutores, afinal, fala-se para alguém e espera-se uma resposta, escreve-se

para muitos e espera-se a resposta dos leitores, ou seja, esperam-se

compreensões, complementos, adições ao que foi exposto, tanto na fala quanto no

escrito.

Nessa perspectiva, mesmo o gênero proposto na sala de aula tem esse

direcionamento. Bakhtin/Medvedev (1928) elucidam que

Uma obra está orientada, em primeiro lugar, em direção aos ouvintes e receptores, e em direção a condições determinadas de execução e percepção. Em segundo lugar, uma obra está orientada na vida, desde o interior, por assim dizer, mediante seu conteúdo temático. Ao seu modo, cada gênero orienta-se tematicamente em direção à vida, aos seus sucessos, problemas, etc (BAKHTIN/MEDVEDEV, 1928).

É por isso que o tratamento dado à produção do aluno precisa ir além das

preocupações gramaticais e estruturais. Ainda que o aluno pense que escreve

somente para obter nota e o professor considere que o aluno produz apenas para

ser avaliado, independentemente das motivações, a vontade discursiva existe e o

interlocutor endereçado também é considerado.

Bakhtin (2009[1952-53]), apesar de considerar que os gêneros discursivos

constituem-se no social, em nenhum momento descarta a gramática, dissociando-a

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da língua. Pelo contrário, ele assevera que os aspectos gramaticais e discursivos,

em um fenômeno concreto da língua, “não devem ser mutuamente impenetráveis

nem simplesmente substituir mecanicamente um ao outro, devendo, porém,

combinar-se organicamente com base na unidade real do fenômeno da língua”

(BAKHTIN, 2009[1952-53], p.269).

Aqui não se trata de considerar apenas uma parte da língua, mas o seu todo,

composto tanto dos aspectos gramaticais quanto dos discursivos, pois os gêneros

do discurso organizam ambos os aspectos:

Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e evidentemente, não por palavras isoladas). Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas) (BAKHTIN, 2009[1952-53], p. 283).

Considerando essas peculiaridades, Bakhtin (2009[1952-1953]) já dizia que

“(...) o estudo do enunciado como unidade real da comunicação discursiva permitirá

compreender de modo mais correto também a natureza das unidades da língua

(enquanto sistema) – as palavras e as orações” (p. 269). Bakhtin e seu Círculo

defendem que os enunciados aleatórios, fragmentados, não constituem nenhum

significado, pois para se ter o sentido das coisas, é necessária a valorização de seu

todo. Assim, somente a partir da totalidade do gênero é que os interlocutores

poderão responder ao que se queira, pois haverá compreensão.

Essa possibilidade de resposta fica mais evidente, quando o sujeito domina o

gênero:

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso (BAKHTIN, 2009[1952-53], p. 285).

Por tal citação, concluímos que o sujeito precisa dominar os diferentes

gêneros que circulam nas mais variadas esferas, do contrário ele não será capaz de

interagir adequadamente (FIGUEIREDO, 2005). Bakhtin (idem) mesmo diz sobre a

existência de pessoas que dominam a língua, mas, ainda assim, se sentem

desamparadas em certas esferas de comunicação verbal, precisamente pelo fato de

não dominarem, na prática, as formas do gênero de uma dada esfera.

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Levando tais ideias para o campo de ensino de LP, veremos a necessidade

de oferecer aos alunos um contato maior com os gêneros das mais diversificadas

esferas, com o intuito de prepará-los para a realidade social, ou seja, prepará-los

para o exercício da cidadania. Conforme discorreremos mais adiante, ao falarmos

sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais de LP, na escola os alunos podem ter

acesso às variadas possibilidades de gênero. Devido a essa diversidade, Bakhtin

(2009[1952-53]) os divide em dois grandes grupos: os gêneros primários e os

gêneros secundários.

Segundo Bakhtin (idem), os gêneros primários ou simples são aqueles que

surgem das condições de comunicação discursiva imediata e podem ser tanto orais

quanto escritos, alguns exemplos: o diálogo oral (de salão, íntimo, familiar-cotidiano

etc.), cartas intimas, familiares, bilhetes etc.

Os gêneros secundários ou complexos surgem nas condições de um convívio

cultural mais complexo, como na arte, ciência, jornalismo etc., e podem abarcar os

primários e, em grande parte, são escritos. Alguns exemplos: romances, dramas,

pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos como

reportagem, artigo de opinião etc.

Comumente, os alunos dominam muito mais os gêneros primários que os

secundários, por isso, na escola, o trabalho com estes é maior. Durante um tempo

se pensava que apenas o ensino da escrita poderia ser considerado na escola, pois

os alunos já dominavam a oralidade – entendida como parte dos gêneros primários.

Entretanto, com a definição de linguagem bakhtiniana, verificamos que a oralidade e

a escrita estão presentes em ambos os tipos de gêneros27.

Sobre isso, Figueiredo (2005) afirma que “os gêneros secundários, ao

contrário dos primários, mantêm uma relação disjunta com a realidade imediata e

por isso se assemelham à escrita sem, no entanto, manter com ela uma relação de

identidade total” (p. 22). Isso esclarece que, tanto nos gêneros primários como nos

secundários, a oralidade e a escrita estão presentes em sociedades complexas e

letradas. Dessa maneira, o ensino de gêneros discursivos na escola, voltado para o

desenvolvimento da cidadania, deverá enfatizar os gêneros secundários, tanto orais

quanto escritos.

27 Em nosso contexto atual, os gêneros do discurso podem ser mediados por novas tecnologias e pela sofisticação dos meios de comunicação, de maneira que já não podemos considerar a oralidade e a escrita como parâmetros seguros para definir se um gênero é primário ou secundário. Como exemplo disso, temos o email ora primário ora secundário.

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Ao adotar uma posição bakhtiniana sobre a linguagem, falamos sobre a

linguagem como instrumento sócio-histórico de interação e consideramos, assim,

que a linguagem se dá mediante gêneros do discurso e abarca todos os aportes

teóricos da filosofia bakhtiniana discutidos neste capítulo.

Por isso, concordamos com Figueiredo (2005), quando ela sublinha o uso da

teoria de Bakhtin e seu Círculo no ensino de língua materna:

[...] a transposição didática dos conceitos bakhtinianos deve, portanto, preconizar uma análise de textos de caráter enunciativo-discursivo, ou seja, uma análise que procure (re)construir os sentidos/tema do texto considerando o diálogo entre seus elementos constituintes (estruturas sintáticas, léxico etc.) e seu contexto de produção, assim como o diálogo entre o gênero a que o texto pertence e a esfera em que circula, incluindo aspectos enunciativos (momento histórico, lugar social etc.) e discursivos (por exemplo, a relação entre interlocutores, o lugar social de cada um deles, as intenções do locutor etc.), bem como os outros enunciados com os quais o texto dialoga (FIGUEIREDO, 2005, p. 23).

De tal modo, concluímos que um ensino da escrita focado na discursividade

e, consequentemente, visando à formação crítica do aluno precisa nortear a reflexão

do professor sobre a produção, para que ele possa elaborar atividades de reescrita

com a finalidade de auxiliar o aluno no desenvolvimento proficiente da escrita, com a

finalidade de preparar o aluno para uma atuação crítica e reflexiva frente às

questões sociais das diversas relações sociais, as quais fazem parte do agir

humano.

Acreditamos que as categorias bakhtinianas poderão nos auxiliar, nesse

aspecto, em nossa análise, tanto para ampliar nosso olhar sobre o sujeito aluno,

quanto para criar atividades reflexivas que buscará “sanar” as necessidades

discursivas dos alunos como preparação para o momento de reescrita.

Verificaremos, adiante, algumas propostas pedagógicas que já influenciam o

ensino de LP e pensam a concepção de língua tal como Bakhtin: a língua como

prática social. Como estamos interessados na prática de reescrita, faz-se necessário

discorrermos sobre como o ensino da escrita tem sido executado nas aulas de

Língua Portuguesa.

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CAPÍTULO 2

Influências teóricas no ensino de Língua Portuguesa: caminhos para

mudanças

Este capítulo tem como objetivo apresentar as propostas pedagógicas do

ensino de língua materna que receberam influência da filosofia bakhtiniana da

linguagem, tais como os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa (1998) e a

teoria de ensino e aprendizagem do Grupo de Genebra28. Faremos uma breve

análise dessas duas por causa da relevância que possuem no ensino de Língua

Portuguesa.

A primeira, enquanto documento oficial – publicação do governo federal e

assinada pelo MEC29 - apresenta reflexões que têm sido respaldo para a elaboração

do currículo de LP, pois contém contribuições sobre os conteúdos a serem

trabalhados e como devem ser abordados em sala de aula, bem como reúne

discussões teóricas sobre a natureza da linguagem.

A teoria de ensino e aprendizagem de Genebra respalda as ideias defendidas

nos documentos, por isso discorreremos sobre ela. Ademais, essa proposta faz uso

da teoria do psicólogo russo Lev S. Vigotski, no que tange à prática sócio-interativa e

também didatiza a noção de gênero do discurso de Bakhtin. Por ser assim,

verificaremos nos PCNLP vislumbres da teoria bakhtiniana e também aspectos

vigotskianos sobre o ensino.

Não usaremos a noção de gênero apresentada pelo Grupo de Genebra em

nossa análise, fato que explicaremos no decorrer deste capítulo. Em contrapartida,

interessa-nos discutir alguns conceitos da teoria vigotskiana, pois nos serão úteis em

nossas considerações sobre o desenvolvimento da aprendizagem do aluno e a

relação do professor nesse processo. Ainda neste capítulo, abordaremos pesquisas

que se preocupam com o estudo da prática de reescrita, pautadas na concepção de

linguagem enquanto interação.

28 Em Rojo e Cordeiro (2004), verificamos que esse grupo faz parte da equipe de Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Há nessa equipe dois nomes que nos interessam: Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, ambos são professores da universidade atuando respectivamente nos seguintes campos: desenvolvimento e ensino da linguagem oral e escrita; didática de línguas relacionadas ao ensino-aprendizagem da produção de gêneros textuais e orais. 29 Ministério da Educação e Cultura.

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2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: proposta para

um ensino de língua materna contextualizado

[...] língua é um sistema de signos específico, histórico e social, que possibilita a homens e mulheres significar o mundo e a sociedade.

BRASIL (1998, p. 20)

Os PCNLP (BRASIL, 1998) chamam a atenção para um ensino da língua

materna que considere as práticas sociais, pois entende que a escola é um lugar de

formação de cidadãos críticos e reflexivos, os quais possam ser capazes de

participar efetivamente de qualquer situação comunicativa. Para tanto, propõem um

ensino que considere as necessidades dos alunos no contexto social, principalmente

no que diz respeito à prática de leitura e escrita.

O panorama apresentado para justificar esse objetivo é o do nascimento de

uma nova realidade social, advinda

[...] da industrialização e da urbanização crescentes, da enorme ampliação da utilização da escrita, da expansão dos meios de comunicação eletrônicos e da incorporação de contingentes cada vez maiores de alunos pela escola regular [...] (BRASIL, 1998, p. 17).

Esses fatores, somados à democratização da educação30, levaram à escola

um público diferente daquele que ela estava acostumada, de maneira que os

conteúdos e métodos escolares utilizados, até então, não eram suficientes nem para

o ensino nem para a efetiva aprendizagem da escrita e da leitura.

Anteriormente, quando a escola era frequentada somente por alunos da

classe média alta, o ensino de LP era pautado exclusivamente na perspectiva

gramatical e essa orientação parecia adequada, afinal, conforme os PCNLP, os

alunos falavam uma variedade linguística bastante próxima da chamada variedade

padrão e traziam representações de mundo e de língua semelhantes às que

ofereciam livros e textos didáticos.

30

Ou “universalização da educação básica”, como o termo é apresentado nos PCNLP (BRASIL, 1998). Segundo Mendes

(2005), como conseqüência da crescente reivindicação pelas camadas populares do direito à escolarização, democratiza-se a escola. Assim, nos anos 60, o número de alunos do Ensino Médio quase triplicou e duplicou no Ensino Primário. Alunos com nenhuma prática de letramento ou com práticas de letramento muito diferenciadas daquela reconhecida e defendida pela escola adentram os muros escolares. Geraldi (1997) afirma, com olhar de professor que vivenciou essa fase da educação, “a democratização trouxe em seu bojo outra clientela. De repente, não damos aulas só para aqueles que pertencem ao nosso grupo social. Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares. Cresceu espantosamente, de uns anos para cá, a população escolar brasileira” (GERALDI, 1997, p. 116).

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Contudo, as transformações sociais e o alunado diferenciado colocaram

novas demandas e necessidades ao ensino de LP, tornando anacrônicos os

métodos e conteúdos tradicionais. Em todo caso, mesmo não havendo a

democratização da escola, de maneira que o público permanecesse o mesmo, a

gramática normativa não seria suficiente para a preparação dos alunos em uma

sociedade cujas mudanças são constantes.

Araes (2007) reflete sobre o papel que a LP ocupou no decorrer das

mudanças sociais e confirma as diferenças entre o conteúdo oferecido e a demanda

escolar:

Até a década de 30, a língua materna era ensinada nos moldes do latim, com a valorização da gramática normativa. Para os bons conhecedores da língua, os filhos da classe dominante, esse sistema não trazia nenhum problema, pois já viviam em um meio letrado com uso fluente da norma culta, afinal de contas, para essa parcela, a educação já fazia parte do universo há mais de um século. A escola recebia gradativamente um maior número de alunos das camadas mais pobres oriundos de ambientes sem contato com as letras e que estavam muito longe de usar regras no dia-a-dia. Estes sim tiveram dificuldade de aprender a língua com os métodos utilizados, pois o que era ensinado não fazia parte de seu contexto de vida. As aulas de Português representavam a descoberta de algo novo, nunca visto ou imaginado até então, enquanto para os mais ricos, as aulas serviam apenas para identificar as regras que já usavam naturalmente (ARAES, 2007, p. 18).

Tal colocação nos mostra um ensino de Português descontextualizado do

social, mesmo que os alunos de classe alta estivessem acostumados com a variante

padrão, ainda assim o ensino era insuficiente para eles serem proficientes em

práticas de leitura e escrita, uma vez que as aulas eram prescritivas – apenas para

identificar as regras que já usavam.

Araes (2007) afirma que a escola, ao não considerar o conhecimento prévio

do aluno ou mesmo suas necessidades sociais, passa a representar inutilidade, pois

os conteúdos só são aplicáveis em contexto escolar, e se os alunos (ou pais de

alunos no caso de crianças) não encontram resultados significativos, acabam por se

perguntarem: Por que estudar?31

31 Nesses termos, temos um ensino que não acrescenta muito à formação do aluno enquanto sujeito que vive práticas sociais diferentes da construída didaticamente pela escola de então. No caso do ensino de LP, observa-se o ensino dos aparatos técnicos (tais como prescrição e ensino de nomenclaturas gramaticais) da língua que só serviam como conteúdo escolar, sem utilidade nas relações sociais. Geraldi (1997) apresenta o tipo de aluno nesse ensino normativo da língua como “o aluno, acostumado, desde as primeiras ocupações sérias da vida, a salmodiar, na escola, enunciados que não percebe, a repetir passivamente juízos alheios, a apreciar, numa linguagem que não entende [...] educado, em suma, na

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Mediante essas considerações, muitas críticas foram feitas ao ensino

tradicional da língua materna. Entre elas as mais frequentes, apontadas pelos

PCNLP:

a desconsideração da realidade e dos interesses dos

alunos;

a excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de texto;

o uso do texto como expediente para ensinar valores morais e como pretexto para o tratamento de aspectos gramaticais;

a excessiva valorização da gramática normativa e a insistência nas regras de exceção, com o conseqüente preconceito contra as formas de oralidade e as variedades não-padrão;

o ensino descontextualizado da metalinguagem, normalmente associado a exercícios mecânicos de identificação de fragmentos lingüísticos em frases soltas;

a apresentação de uma teoria gramatical inconsistente – uma espécie de gramática tradicional mitigada e facilitada (BRASIL, 1998, p. 18).

Para se contrapor a esse retrato do ensino de LP, os PCNLP apresentam a

concepção de linguagem que visa à prática social e propõem uma revisão do ensino

da LP, a fim de ressignificar a noção de erro para admissão das variedades

linguísticas próprias dos alunos e valorização das hipóteses linguísticas que eles

elaboram no processo de reflexão sobre a linguagem.

Há a proposta também de trabalho com textos reais, ao invés de textos

construídos somente para o aprendizado da norma culta. O que se espera é que a

escola não se prenda apenas ao ensino da norma, porém, considere o

conhecimento linguístico que o aluno possui em sua comunidade. Afinal, a norma

culta é somente uma variante da língua, ao invés de ser a linguagem em si.

Não se trata de banirmos a gramática normativa dos currículos e acrescentar

somente as variantes linguísticas dos alunos. Trata-se de uma proposta de ensino

de acordo com o contexto social, ou seja, sem menosprezar a linguagem do dia a

dia do aluno, mas que trabalhe reflexivamente, tanto a norma culta quanto a

coloquial para que o aluno saiba quando usá-las.

prática incessante de copiar, conservar e combinar palavras, com absoluto desprezo do seu sentido, inteira ignorância da sua origem, total indiferença aos seus fundamentos reais, o cidadão encarna em si uma segunda natureza, assinalada por hábitos de impostura, de cegueira, de superficialidade. Ao deixar a escola, descarta-se quase sempre, e para sempre, ‘dessa bagagem’” (GERALDI, 1997, p. 120).

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Assim tem-se o ensino de língua contextualizado, pois, conforme os

Parâmetros, “as práticas devem partir do uso possível aos alunos para permitir a

conquista de novas habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas

aos padrões da escrita [...]” (BRASIL, 1998, p.18).

Nessa perspectiva, a escola recebe a função e a responsabilidade de garantir

a todos os alunos, independentemente de classe social, o acesso aos saberes

linguísticos necessários para o exercício da cidadania. Dessa maneira, os PCNLP

apresentam como um dos objetivos da escola apontar “metas de qualidade que

ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e

autônomo” (BRASIL, 1998, p. 8).

Figueiredo (2005) dialoga com os Parâmetros quando diz que a formação

para a cidadania requer a criação de espaços educativos em que os alunos possam

livremente questionar, pensar, assumir e criticar valores, normas e direitos, inclusive

aqueles tidos como os mais democráticos e justos. Logo, a formação cidadã não

implica apenas em formação da ética e moral calcada nos valores da escola ou dos

professores, mas que os alunos tenham autonomia para construir seus próprios

valores.

[...] a escola deve se preocupar em oferecer oportunidades pedagógicas para que seus alunos e alunas possam compreender criticamente os componentes constitutivos das moralidades vigentes (...) seus elementos evidentes e suas razões ocultas, seus significados explícitos e seus silêncios, suas promessas e suas ameaças (GENTILI apud FIGUEIREDO, 2005, p. 73).

Figueiredo (2005) ainda complementa:

Em relação ao ensino de Língua Portuguesa, cremos que é apenas por meio de uma postura crítica diante dos fatos, das interações e, portanto, dos textos que o indivíduo pode ganhar autonomia e pôr em prática o verdadeiro sentido de liberdade e democracia, valores tão caros à cidadania (FIGUEIREDO, 2005, p. 73).

Nos Parâmetros encontramos essa mesma visão, isto é, a proposta do texto

como a nova unidade de ensino, usado para compreensão das práticas sociais e

não como prática de reconhecimento da nomenclatura linguística. Essa nova visão

está ligada a como os PCNLP entendem o funcionamento da linguagem a partir das

relações sociais, dessa maneira, o aluno constrói, em todo tempo, dialeticamente a

linguagem, guiando sua participação nas comunicações pelos sentidos constituídos

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no desenvolvimento de sua competência discursiva e essa comunicação se dá não

por frases soltas, mas através de textos.

Em Geraldi (1997), verificamos que antes da criação dos documentos, no fim

dos aos 80, o texto já estava presente nas salas de aula, porém não com a

relevância adquirida nos documentos oficiais. Pelo contrário, o texto era tido como

objeto de leitura vozeada (leitura oralizada), sendo a leitura feita pelo professor

exemplo de como os alunos deveriam ler.

Essa prática objetivava o aprendizado de produção de textos que imitassem

os clássicos literários lidos em sala de aula, além disso, o sentido encontrado na

leitura era único e autoritário, ou seja, somente o sentido atribuído pelo professor ou

do crítico de seu gosto era considerada correta.

Essas abordagens exploram principalmente as propriedades estruturais do

texto, o que Rojo & Cordeiro (2004) denominam de gramaticalização dos eixos do

uso32 – o texto usado como “pretexto” para o ensino da gramática normativa e da

gramática textual, na crença de que “quem sabe as regras sabe proceder”. Na

realidade, a escrita se define a partir da situação de interação estabelecida pela

linguagem, pois falamos/escrevemos para alguém, sobre determinado tema, com

algum propósito, a partir dessas condições se estruturam os modos de produzir

textos (GERALDI, 2006).

A língua é construída socialmente e para aprendê-la é necessário aprender

“pragmaticamente seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as

pessoas entendem e interpretam a realidade e a si mesmas” (BRASIL, 1998, p. 20).

Isso acontece dentro de um aspecto discursivo que envolve a história dos

interlocutores, a ideologia e os fatos linguísticos que, juntos, produzem essa unidade

de sentido da linguagem chamada discurso.

Os PCNLP entendem que o discurso se manifesta linguisticamente por meio

de textos, sendo esses os produtos do discurso. Desse modo, o texto só pode ser

entendido como texto dentro do universo significativo do discurso e, portanto, está

presente nas práticas discursivas de qualquer aluno, visto que ele constrói discursos

a todo o momento.

Nessa perspectiva, não é possível tomar como unidades básicas do processo de ensino as que decorrem de uma análise de estratos – letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, frases – que descontextualizados, são normalmente tomados como exemplos de

32 Trataremos especificamente sobre os eixos do uso mais adiante.

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estudo gramatical e pouco têm a ver com a competência discursiva. Dentro desse marco, a unidade básica do ensino só pode ser o texto (BRASIL, 1998, p. 23).

Em um âmbito discursivo e social, a escolha de textos para o ensino deve ser

pensada a partir de textos que possam “favorecer a reflexão crítica, o exercício de

formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética

dos usos artísticos da linguagem” (idem, p. 24), aspectos considerados pelos

PCNLP como vitais para a participação efetiva do aluno numa sociedade letrada.

Franchi (1987) já discorria sobre isso, quando diz que um trabalho efetivo com a

escrita deve “criar condições para o desenvolvimento dos recursos expressivos mais

variados e exigentes que supõem a escrita, o exercício profissional, a participação

na vida social e cultural” (FRANCHI, 1987, p.40).

Nesse viés, os PCNLP esperam uma abordagem minuciosa do texto em sala

de aula, que analise as suas particularidades conforme o contexto situacional,

mesmo porque é na escola que as crianças e jovens terão a oportunidade de acesso

à diversidade de textos escritos que poderão se converter em modelos de produção.

Dessa maneira, o trabalho constante com texto visaria às possíveis práticas

sociais e, em busca disso, os PCNLP propõem que o ensino organize atividades

discursivas que consistem em

[...] uma prática constante de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos, que devem permitir, por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursiva (BRASIL, 1998, p.27).

Esse ensino reflexivo faz parte do objetivo de formação de cidadãos críticos e

acredita ser possível aprender a pensar sobre a própria linguagem. Os PCNLP não

propõem um ensino passivo, em que o entendimento das convenções do tradicional

não seja possível e o sujeito tenha a opção de reprodução como única escolha.

Afinal, na linguagem, enquanto atividade discursiva, não há reprodução,

porém produção de sentidos, pois no meio social, a todo instante, o individuo é

convidado a acrescentar suas compreensões sobre as situações do momento.

Desse modo, a escola pensaria atividades de análise linguística, a fim de que os

alunos

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[...] possam operar sobre a própria linguagem, construindo pouco a pouco, no curso dos vários anos de escolaridade, paradigmas próprios da fala de sua comunidade, colocando atenção sobre similaridades e diferenças de formas e de usos lingüísticos, levantando hipóteses sobre as condições contextuais e estruturais em que se dão (idem, p.28).

Nessa perspectiva, o texto como unidade de ensino está inserido em uma

temática reflexiva processual e, por isso, em sua prática de produção os

procedimentos de planejamento, de elaboração e de reescrita serão considerados.

Os PCNLP explicam que os movimentos do sujeito para reelaborar o próprio texto

apagando, acrescentando, excluindo, redigindo outra vez determinadas passagens

de seu texto original, para ajustá-lo à sua finalidade, significam a reescrita nesse

processo de aprendizagem reflexivo.

Os PCNLP defendem que a reescrita precisa ser ensinada e pode ser

aprendida, pois essa prática:

- permite que o aluno se distancie de seu próprio texto, de maneira a poder atuar sobre ele criticamente; - possibilita que o professor possa elaborar atividades e exercícios que forneçam os instrumentos lingüísticos para o aluno poder revisar o texto (BRASIL, 1998, p. 77).

Assim, os PCNLP visualizam um aluno autônomo capaz de exercer a função

de auto-corretor de sua produção, após a explicação dada pelo professor. Dessa

forma, o aluno reescreveria após o direcionamento do professor sobre o que é

necessário melhorar na produção. Ao escrever um texto, o aluno faria uso do

conteúdo visto em sala e após refletiria sobre esse uso, o que ocasiona um novo uso

pós-reflexão. Mas podemos pensar: o que envolve de fato esses usos? E que

reflexão seria essa?

Ora, já vimos aqui que os PCNLP contrapõem-se ao ensino tradicional, no

sentido de que não é o estudo de frases fora de um contexto discursivo que fará do

aluno um escritor proficiente. Para que haja a proficiência, os PCNLP apresentam

dois eixos básicos para formulação do ensino da escrita. São eles: o USO da língua

escrita e a REFLEXÃO sobre a língua.

Nesse viés, o eixo USO acontece nos procedimentos da escrita, tais como:

planejamento, escrever, revisar e reescrever. Nesses momentos, o aluno tem a

oportunidade de demonstrar o que de fato apreendeu das discussões e do conteúdo

dado em sala de aula. O eixo REFLEXÃO faz parte do momento de análise do que

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foi produzido e poderíamos enquadrá-lo na etapa de revisão de um texto, quando o

aluno compara o que escreveu com o que o professor propôs.

Como par mais avançado33, o professor é fundamental para a percepção do

aluno nessa prática reflexiva, pois é ele quem percebe as dificuldades de escrita e

conhece as possibilidades de aprendizagem de cada aluno, assim, ele funciona

como mediador do conhecimento. Sobre essa mediação, os PCNLP afirmam:

[...] pela mediação do professor que elabora os instrumentos e organiza atividades que permitem aos alunos sair do complexo (o texto), ir ao simples (as questões lingüísticas e discursivas que estão sendo estudadas) e retornar ao complexo (o texto). [...] por meio dessas práticas mediadas, os alunos se apropriam, progressivamente, das habilidades necessárias à auto-correção (BRASIL, 1998, p. 78).

Essa função do professor vem ao encontro da proposta dos Parâmetros: um

ensino de LP reflexivo, com o texto como unidade de ensino discursivo. O aluno não

somente refletiria sobre o texto de outros escritores, mas refletiria sobre sua própria

produção, juntamente com o professor. Essa perspectiva exige do professor uma

atitude reflexiva sobre a produção de texto do aluno, pois ele, enquanto o

cooperador (Vigotski, 1993[1934]), orientará o estudante no desencadeamento da

reflexão sobre a linguagem.

Grillo (1995) diz que o professor, enquanto leitor do texto do aluno, tem um

papel fundamental no processo de aquisição da escrita no contexto escolar, pois a

sua interferência, através de comentários orais e escritos, permite ao autor do texto

compreender o caráter social da linguagem escrita, moldando seu texto em função

de um leitor real. Sobre isso, discorreremos mais adiante, relacionando a interação

professor e aluno à teoria vigotskiana.

33 Termo oriundo da teoria vigotskiana para dizer sobre aquele que em uma relação social é mais experiente sobre um assunto ou conhecimento ou ainda aquele que já apreendeu e se apropriou de determinados conceitos e que, então, pode auxiliar quem ainda está no processo de desenvolvimento desses conceitos, mais adiante voltaremos a discorrer especificamente sobre essa teoria.

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2.2 Vigotski: aprendizado social da língua materna

[...] o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias às crianças.

VIGOTSKI (1996[1930], p. 155)

Lev S. Vigotski (1896-1934), psicólogo russo, apresenta estudos acerca do

desenvolvimento das funções psicológicas superiores e da função social e

psicológica da linguagem. Além disso, também se dedicou a estudar o processo de

aprendizagem escolar, pois seu interesse por temas ligados à educação era grande.

Os estudos de Vigotski sobre a aprendizagem mostraram-se bastante

relevantes, de maneira que qualquer pesquisa que trabalhe com o ensino e

aprendizagem de língua materna faz uso dele para a compreensão desse processo.

Como exemplo, temos as propostas pedagógicas dos documentos oficiais e também

pesquisas do Grupo de Genebra, como veremos mais adiante.

Sobre os PCNLP, terminamos o tópico precedente tratando do papel do

professor no processo de aprendizagem do aluno. A importância do professor nesse

processo faz parte da teoria sociointeracionista de Vigotski, afinal ela postula que a

constituição do sujeito dá-se no movimento dialético entre aprendizagem e

desenvolvimento. Essa perspectiva contrapõe-se às concepções34 vigentes no início

do século XIX: a ambientalista e a inatista.

Na concepção ambientalista35, aprendizagem e desenvolvimento se

confundem, ocorrendo simultaneamente, e não estão relacionados com a

constituição do sujeito, pois essa acontece pelo meio ambiente. Desse modo, as

experiências são fontes de conhecimento e de formação dos hábitos do

comportamento humano, logo o indivíduo não transforma ou produz as condições do

meio ambiente, pelo contrário, ele é por elas passivamente transformado e

construído.

34 Essas concepções serão comumente encontradas no campo da Psicologia. 35

Também chamada de comportamentalista ou behaviorista e baseada na filosofia empirista, da qual os maiores expoentes

são os ingleses Francis Bacon (1561-1626), Tomás Hobbes (1578-1679), Augusto Comte (1798-1857) e na psicologia,

como propositor do behaviorismo radical, B. F. Skinner (1904-1990).

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Em contrapartida, a concepção inatista36 coloca a influência do meio em

segundo plano, pois postula que “a maturação é o motor da constituição humana”

(ZANELLA, 2001) e que as capacidades básicas de cada indivíduo são inatas, ou

seja, encontram-se prontas desde o seu nascimento e, à medida que ele se

desenvolva, elas irão amadurecer. Logo, para que haja aprendizado, o sujeito

precisa desenvolver-se biologicamente.

Em ambas as concepções, percebemos a ruptura entre sujeito e cultura,

entendidos como pólos separados que se relacionam, “predominando ora um – o

sujeito, para os inatistas -, ora outro – o meio, para os ambientalistas” (ZANELLA,

2001). Essas considerações levaram Vigotski a entender o aprendizado37 e o

desenvolvimento de outra forma, como já dito, em um movimento dialético.

Santos (2011) explica que, para Vigotski, a aprendizagem é um processo de

apropriação da cultura historicamente construída pela sociedade e ocorre na inter-

relação das crianças com os adultos ou com um par mais avançado38. Nesses

termos, Chauí (apud ZANELLA, 2001) classifica a cultura como “a ordem simbólica

por cujo intermédio homens determinados exprimem suas relações com a natureza,

entre si e com o poder, bem como a maneira pela qual interpretam essas relações”

(ZANELLA, 2001, p. 95). Assumindo essa visão histórico-cultural, Vigotski (1934)

define a aprendizagem como social.

Da mesma forma, o desenvolvimento ganha em Vigotski caráter social,

compreendendo as complexas relações sociais e os sujeitos que aí se constituem.

Shuare apud Zanella apresenta a definição vigotskiana para desenvolvimento:

Em contraposição à ideia de desenvolvimento como processo paulatino, de evolução progressiva, de acumulação quantitativa, Vigotski o entendeu como um complexo processo cujos pontos

36

Também conhecida como apriorista ou nativista, baseada na filosofia racionalista, cujo maior expoente é o francês Renê

Descartes (1596 – 1650). Na psicologia, o maior expoente é Jean Piaget (1896-1980), que desenvolveu a teoria epistemologia genética a partir da inatista. 37

Segundo Rego (2009), o termo aprendizado precisa ser entendido num sentido mais amplo do que usado na língua

portuguesa, pois, quando Vigotski fala em aprendizado – em russo obuchenie -, ele se refere tanto ao processo de ensino quanto ao de aprendizagem, isso porque ele não acha possível tratar desses dois aspectos de forma independente. 38

Zanella (2001) lembra que em vários contextos Vigotski se refere à aprendizagem em contexto escolar, nós mesmos o

utilizaremos aqui nessa perspectiva. Porém, suas discussões a respeito da constituição do psiquismo levam a crer que, para ele, aprender não se resume à apropriação de conteúdos científicos em um contexto de escolarização formal, apesar da importância que a escola assume em nossa sociedade. Dessa forma, concordamos com Santos (2011) que, ao considerar a aprendizagem como um processo ininterrupto, essa pode ocorrer também entre pessoas e companheiros mais experientes. Enquanto houver vida, o ser humano sempre estará em um processo de constituição de si e do outro.

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nodais, de virada, estão constituídos pelas crises, momentos em que se produzem saltos qualitativos que modificam toda a estrutura das funções, suas interrelações e vínculos (SHUARE apud ZANELLA, 2001, p. 95).

Tal colocação aponta para o principal fator do desenvolvimento: a apropriação

pelo sujeito de novos saberes. E cada transformação, que ocorre nesse processo

qualitativo, cria condições para a etapa seguinte do aprendizado, à medida que é em

si mesma condicionada pela etapa anterior. Em outras palavras, o indivíduo sempre

utilizará os acontecimentos anteriores, que o constituiu, para somar com as novas

relações sociais.

Nessa perspectiva, aprendizagem e desenvolvimento dão-se na

transformação do processo interpessoal para o intrapessoal:

Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica) [...] todas as funções originam-se das relações reais entre indivíduos humanos (idem, p. 75).

Vigotski, em sua teoria, não anula o papel do outro na constituição do eu, mas

também não anula o papel do eu sobre o seu próprio desenvolvimento. Ele afirma

que os processos psicológicos são incorporados no sistema de comportamento do

eu e são culturalmente reconstituídos e desenvolvidos para formar uma nova

entidade psicológica, caracterizando a individualidade de cada pessoa.

A partir dessa ideia de individualismo, podemos concluir que cada pessoa

apresenta histórias prévias diferentes umas das outras e, nas relações sociais, o

conhecimento prévio de cada interlocutor servirá para compor os sentidos das

situações. Logo, na teoria vigotskiana, não cabe a ideia de que o sujeito chega

“vazio” às relações, pois ele é uma pessoa sócio-histórica e, pensando na esfera

escolar, consideramos o aluno dessa mesma forma.

Ao adentrar o universo escolar, o aluno não representa uma “tábula rasa”, ou

seja, não é como se ele fosse aprender algo pela primeira vez39. Sobre isso, Santos

39 A concepção de “tábula rasa” está imbuída na “pedagogia bancária” definida por Paulo Freire (1983): "Na concepção bancária (burguesa), o educador é o que sabe e os educandos, os que não sabem; o educador é o que pensa e os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra e os educandos, os que escutam docilmente; o educador é o que opta e prescreve sua opção e os educandos, os que seguem a prescrição; o educador escolhe o conteúdo programático e os educandos jamais são ouvidos nessa escolha e se acomodam a ela, e, finalmente, o educador é o sujeito do processo, enquanto os educandos são meros objetos" (FREIRE, 1983, p. 67). Nesta pesquisa, consideramos que os alunos também fazem parte do processo de ensino-aprendizagem, por causa da sua condição sócio-histórica.

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(2011) frisa que os alunos não começam a aprender a partir de sua entrada na

escola, mas desde seu nascimento, e Vigotski (1996[1930]) mesmo afirma:

[...] o aprendizado das crianças começa muito antes de elas freqüentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia [...] aprendizado e desenvolvimento estão interrelacionados desde o primeiro dia de vida da criança (VIGOTSKI, 1996[1930], p. 110).

Daí a importância de o professor acionar o conhecimento prévio dos alunos,

pois, conforme Santos (2011), a aprendizagem pré-escolar construída na interação

da criança com o meio social e cultural nas atividades cotidianas subsidiará a

construção dos conceitos escolares. Dessa forma, a escola é mediadora entre os

conhecimentos do cotidiano e os científicos, cumprindo o papel de difundir a

produção cultural da humanidade, ainda que esteja reduzida ao tipo de saber

científico40.

Mediante essas reflexões, podemos encaixar a temática dos PCNLP sobre o

ensino da LP a partir das necessidades e possibilidades de aprendizagem do aluno,

isto é, ao que tange ao ensino da escrita, o professor averigua aquilo que o aluno já

sabe e o que ele seria capaz de aprender. Esse ensino é possível, se considerarmos

os dois níveis do desenvolvimento humano denominados por Vigotski como o

desenvolvimento real e o desenvolvimento potencial (Vigotski, 1996[1930]).

O real compreende o conjunto de atividades que a criança consegue resolver

sozinha, devido às funções psicológicas que já construiu até determinado momento;

o potencial representa o conjunto de atividades que ela não consegue realizar

sozinha. Aqui faremos uso desses termos para pensarmos especificamente na

aprendizagem da escrita.

Assim, nesta pesquisa, o desenvolvimento real compreende, no ensino de

LP, aquilo que o aluno demonstra saber em sua produção escrita. Tomemos como

exemplo alunos do Ensino Fundamental, que independentemente do ano, têm um

conhecimento consolidado sobre o que é escrever, sobre o como escrever, de

maneira que em suas produções há aspectos adequados (“corretos”), os quais

40

“O processo de educação escolar é qualitativamente diferente do processo de educação em sentido amplo. Na escola a

criança está diante de uma tarefa particular: entender as bases dos estudos científicos, ou seja, um sistema de concepções científicas” (LEONTIÉV; LURIA apud ZANELLA, 2001, p. 96).

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aprenderam em séries precedentes, assim, esse conhecimento já apropriado

representa o desenvolvimento real.

O desenvolvimento potencial representa aquilo que o aluno pode alcançar

com o auxílio de um par mais avançado (o professor, um colega). O professor,

sabendo o que o aluno precisa melhorar, orienta-o mediante atividades que

ofereçam subsídios necessários para seu aperfeiçoamento. Daí a importância da

percepção do professor sobre a necessidade dos alunos, visto cumprir ele um papel

de mediação entre os educandos e o conhecimento.

No decorrer dos anos escolares, os alunos apresentam esses dois níveis de

desenvolvimento e um sempre dá espaço para o outro, conforme Vigotski afirma o

que é desenvolvido com o auxílio do professor um dia será utilizado sem auxílio, ou

seja, o potencial torna-se real. Esse fato caracteriza a aprendizagem como

processo, fator que nos interessa nesta pesquisa, pois no processo é que o

professor irá trabalhar as necessidades e as possibilidades de aprendizagem do

aluno.

Note-se que o professor não trabalha exclusivamente com o desenvolvimento

real do aluno e nem tampouco com o seu potencial, pois esse ainda não existe e

quando existir já será real, entretanto, o ensino se dá em caminhos que levem o

aluno ao desenvolvimento potencial. Esse caminho se dá no processo de

aprendizagem que nos interessa, o qual Vigotski cunha de Zona Proximal de

Desenvolvimento41 e ele a define da seguinte maneira:

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 1996[1930], p. 112).

Essa distância é um indicativo das funções que ainda não amadureçam, mas

que, com ajuda do outro, a criança conseguirá desenvolvê-las. Em se tratando da

escrita, acreditamos que funciona como aspecto primordial para o aperfeiçoamento

da produção, pois na ZPD se evidenciam quais as necessidades dos alunos e suas

41 Doravante ZPD. Utilizaremos este conceito na forma de zona proximal de desenvolvimento e não zona de desenvolvimento proximal (ZDP), pois, conforme ROJO (2001), PAES DE BARROS (2005) e SANTOS (2011), acreditamos que a ênfase do adjetivo recai sobre a zona fronteiriça ativada pelo ensino-aprendizagem e não sobre o desenvolvimento.

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possibilidades de aprendizagem, ou seja, o ensino do professor se dá mediante a

ZPD do aluno. Para Vigotski (1996[1930]):

O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança (VIGOTSKI, 1996[1930], p. 118).

Essa citação nos mostra que a ZPD somente é acionada no processo de

ensino, quando os alunos estão engajados em atividades compartilhadas tanto com

o professor quanto com os colegas. Dessa forma, não há como o professor definir

previamente a zona proximal de uma sala em relação à produção escrita, sem antes

os alunos fazerem um uso social da escrita, sem antes produzirem para o professor

verificar o que eles já sabem e o que poderiam desenvolver com sua ajuda.

Sobre isso Besson e Bronckart apud Dolz e Schneuwly (2004[1996], p. 50)

afirmam:

[...] a ZPD não é determinável a priori; o ensino, em sua lógica educativa própria (sobretudo, lógica dos programas), só pode propor situações de interação que julga serem eficazes; e estas somente o serão se os elementos interativos forem assimiláveis ao estado de desenvolvimento efetivo do aluno. Portanto, o sucesso na criação de uma ZPD nunca está assegurado e depende grandemente da experiência profissional do professor (BESSON; BRONCKART apud DOLZ; SCHNEUWLY, 2004[1996], p. 50).

Nesse âmbito, o papel do professor como aquele que ensina é primordial,

pois ele será o responsável por disponibilizar ferramentas e criar condições para que

os alunos construam seu conhecimento. Rego (2009), em suas reflexões sobre a

função do professor para Vigotski, afirma a necessidade de o educador estabelecer

uma relação de diálogo com os alunos e criar situações em que eles possam

expressar aquilo que sabem, de maneira que o docente estaria mais sensível para o

reconhecimento da ZPD dos alunos.

Através da consideração da zona de desenvolvimento proximal, é possível verificar não somente os ciclos já completados, como também os que estão em via de formação, o que permite o delineamento da competência da criança e de suas futuras conquistas, assim como a elaboração de estratégias pedagógicas que a auxiliem nesse processo (REGO, 2009, p.74).

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Por se tratar de uma perspectiva histórico-cultural, o ensino focado no

processo de desenvolvimento do aluno (leia-se ZPD) não pode ser visto como

avaliação de ações isoladas ou atividades de reprodução sem nenhuma reflexão por

parte do estudante, pois um dos objetivos desse ensino precisa ser a autonomia do

aluno para pensar e agir.

Nesse sentido, as práticas pedagógicas serão elaboradas visando ao

aperfeiçoamento de um aluno que é agente de sua própria história e, portanto,

desempenha um papel importante no seu próprio desenvolvimento. Logo,

verificamos que o trabalho na ZPD não serve somente para a reflexão do professor

sobre o processo do aluno, mas para o próprio aluno refletir sobre sua

aprendizagem no decorrer do processo.

Na aprendizagem da escrita, essa zona pode ser trabalhada principalmente

no processo da reescrita. Esse momento constitui-se de reflexão sobre o que é

necessário aperfeiçoar de acordo com as propostas do professor. Em uma situação

de ensino ideal, o aluno produz um texto escrito e o entrega ao professor, esse

analisa, verificando o que o aluno já sabe e o que é necessário melhorar.

Diagnosticados os problemas, o professor preparará atividades nas quais o aluno

possa aprender os instrumentos necessários para sua produção. Depois dessas

atividades, o aluno pode voltar para o seu texto, agora com novos conhecimentos

que o auxiliarão na prática de reescrita.

É importante lembrar que os conhecimentos apropriados nesse processo da

ZPD não equivalem apenas ao objetivo de “saber fazer”, ligado à ideia de

reprodução de conceitos, sem entendê-los. Pelo contrário, conforme Zanella (2001),

a apropriação das atividades necessariamente envolve o “compreender e saber

fazer”, ou seja, a leitura do aluno sobre todo o processo e o estabelecimento de

múltiplas relações, o que lhe permite tanto a execução de ações quanto a criação de

novas possibilidades.

Essas reflexões têm norteado pesquisas que propõem um ensino de LP

voltado para as práticas sociais, mesmo porque a concepção de linguagem permeia

a interação e, já vimos aqui neste capítulo, que a teoria vigotskiana está presente

nos documentos oficiais – PCNLP, principalmente no que diz respeito ao conceito de

ZPD.

Vigotski acredita que o desenvolvimento humano se dá nas relações sociais

tal como o Círculo de Bakhtin, de maneira que um “casamento” entre eles seria

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possível, embora Vigotski proponha uma teoria de ensino-aprendizagem, pensando

nas situações escolares, enquanto Bakhtin não fez tal proposta. Em todo caso,

alguns pesquisadores já promoveram tal aproximação, como Freitas (1994), Garcez

(1998), Rojo (2003), Ponzio (2010).

De fato, segundo Santos (2011), o grupo de Genebra relê as teorias de

Vigotski e Bakhtin na proposição de uma metodologia didática para o ensino-

aprendizagem de língua materna, neste caso, o francês. Eles fazem aproximação de

alguns conceitos-chaves desses dois autores como os de discurso, linguagem,

interação e o papel do outro (ROJO, 2003).

Inclusive podemos verificar nos PCNLP forte influência da didática desse

grupo nas propostas para o ensino de LP, principalmente quanto ao uso dos

gêneros. Mencionamos anteriormente que não usaremos a noção de gênero desse

grupo, mesmo sabendo que essa é uma releitura da teoria bakhtiniana,

justificaremos a seguir o porquê dessa nossa decisão.

2.3 A noção de gênero para o Grupo de Genebra e outros apontamentos

[...] a consciência de si a construção das funções superiores são estreitamente dependentes da história de relações do indivíduo com sua sociedade e da utilização na linguagem.

DOLZ&SCHNEUWLY (2004[1996], p. 46)

A noção de gênero trabalhada pelo Grupo de Genebra advém da corrente

teórica denominada Interacionismo Sócio-Discursivo, doravante ISD, que tem como

campo propulsor a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da

Universidade de Genebra, sendo Bronckart – ao lado de Schneuwly e Dolz – o

principal divulgador dos estudos ali feitos.

Com base na teoria bakhtiniana e na ideia marxista de instrumento, o ISD

define a linguagem como instrumento semiótico que nasce a partir da diversidade

das práticas sociais. Dessa maneira, a “cada novo ou diferente contexto, as ações

da linguagem sofrem adaptações originando diferentes espécies de textos”

(BRONCKART apud FIGUEIREDO, p. 24).

Esses textos ocorrem repetidamente em um ou mais contextos que são

similares entre si, de modo que servem de modelos, ou seja, toda vez, que

determinado contexto se repete, os sujeitos usam a estrutura do texto que ali é

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recorrente. O ISD denomina esses modelos de gêneros de textos. Sobre eles

Bronckart (1997) afirma:

[...] como qualquer atividade humana, os gêneros são objetos permanentes de avaliações sociais, o que lhes confere o caráter de modelos nos quais o agente de uma ação de linguagem se baseia para produzir um texto (BRONCKART, 1997, p. 149).

Bronckart (idem) assevera que, apesar dessa característica modelar, os

gêneros estão sujeitos a mudanças, pois à medida que as configurações do contexto

de enunciação se modificam, eles também mudam, assim, os textos produzidos

dentro da forma modelar de um gênero resultam diferentes.

Em todo caso, os textos sempre serão produzidos, ao contrário dos gêneros

que sofrem influências dos processos sócio-históricos. De modo que certas

modificações no contexto podem determinar o desaparecimento de alguns gêneros,

pois já não são mais usados, ou provocam, ainda, o surgimento de novos gêneros,

Bronckart acredita que esse é um dos motivos dos gêneros serem considerados

relativamente estáveis.

Para ele essa instabilidade e a diversidade dos gêneros dificultam “qualquer

esforço classificatório dos gêneros”, por causa disso a unidade de análise, para o

ISD, passa a ser os textos, especificamente o que Bronckart denomina de texto

empírico.

Texto empírico é definido como uma unidade concreta de produção de linguagem, que pertence necessariamente a um gênero, composta por vários tipos de discurso42, e que também apresenta traços das decisões tomadas pelo produtor individual em função da sua situação de comunicação particular (BRONCKART, 1997, p. 77).

A análise desses textos é suficiente para o objetivo do ISD de descrever os

processos cognitivos e linguísticos envolvidos na produção da linguagem. Agora,

podemos compreender porque os autores embasados no ISD usam a expressão

“gênero de texto” em vez de “gênero de discurso”, diferindo da terminologia criada

por Bakhtin.

42 Para Bronckart (1997), os tipos discursivos são as formas de organização linguísticas, com as quais são compostos, em diferentes modalidades, todos os gêneros textuais. Comumente pensamos em narração, descrição e argumentação para falar desses tipos. Entretanto, neste caso, Bronckart se refere à narração, relato interativo, discurso teórico e discurso interativo, sendo eles os únicos aspectos com estabilidade na formação do gênero textual.

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Quanto à aplicabilidade do ISD nas práticas didáticas, teremos como

representantes principais Schneuwly e Dolz. Acontece que Bronckart (1997, p. 88),

mais preocupado com a elaboração de um modelo geral das condições de produção

do texto, reconhece que talvez o seu tipo de análise não possa ser usado para

procedimentos de ensino.

Assim, os seus colegas, interessados em desenvolver metodologias didáticas

para o ensino de línguas, apropriaram-se de teorias acerca do texto e da linguagem

do ISD e as adequaram para aplicá-las ao ensino de língua materna. Schneuwly

(1994) apresenta, então, uma noção de gênero, que retoma e amplia a noção

conforme Bronckart, ligada à visão vigotskiana de instrumento.

Os instrumentos encontram-se entre o individuo que age e o objeto sobre o qual ou a situação na qual ele age: eles determinam seu comportamento, guiam-no, afinam e diferenciam sua percepção da situação na qual ele é levado a agir. A intervenção do instrumento – objeto socialmente elaborado – nessa estrutura diferenciada dá à atividade certa forma; a transformação do instrumento transforma evidentemente as maneiras de nos comportarmos numa situação (SCHNEUWLY, 1994, p. 23).

Concluímos com tal citação que os gêneros textuais são ferramentas para a

participação dos indivíduos nas atividades sociais e para o desenvolvimento

psicológico. Schneuwly (1994) sublinha que a escolha de gênero acontece mediante

os parâmetros da situação comunicativa.

Leva-se em conta que na ação social há “um sujeito, o locutor-enunciador,

que age discursivamente [...] com a ajuda de um instrumento que aqui é um gênero,

um instrumento semiótico complexo” (SCHNEUWLY, 1994, p.27). Daí temos a

justificativa de Schneuwly para o uso dos gêneros textuais como objeto de ensino da

língua materna, afinal, esses instrumentos fazem parte de cada ação de linguagem

dos alunos, de maneira que eles sempre têm que escolher qual gênero usar, para

melhor se expressarem.

Devido ao fato de os gêneros serem os organizadores globais da situação,

definindo o tratamento do conteúdo, do aspecto comunicativo e do linguístico,

Schneuwly (1994) defende a necessidade de considerar o gênero como um

megainstrumento, ou seja, “como uma configuração estabilizada de vários

subsistemas semióticos (sobretudo linguístico, mas não paralinguísticos), permitindo

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agir eficazmente numa classe bem definida de definições” (SCHNEUWLY, 1994, p.

28).

Barbosa (2001) afirma que, “embora o autor [Schneuwly] não detalhe quais

seriam exatamente esses vários subsistemas semióticos, poderíamos considerar

que seriam elementos de ordem enunciativa, textual e gramatical, necessários à

produção e à compreensão de textos” (BARBOSA, 2001, p.84). Dessa forma, o

domínio dos gêneros dependerá também do conhecimento do indivíduo sobre esses

subsistemas. E seriam essas formas de outros níveis linguísticos que possibilitariam

um tratamento didático dos gêneros (FIGUEREIDO, 2005).

Um método criado pelo Grupo de Genebra para ensino do gênero de texto é

sequência didática (SD), aliada a ferramenta didático-metodológica de intervenção

em textos denominada lista de constatação.

A SD é o conjunto de atividades organizado de maneira sistemática em torno

de um gênero oral ou escrito, uma sequência de módulos de ensino, organizados

para melhorar uma determinada prática da linguagem; é um método criado pelo

Grupo de Genebra, logo, trata-se de um trabalho mediante os gêneros textuais. O

objetivo da sequência é auxiliar o aluno na apropriação efetiva do gênero. Para

tanto, ela apresenta em seu bojo a maior parte dos aspectos inerentes a ele.

Segundo Dolz & Schneuwly (1996), “as sequências didáticas instauram uma

primeira relação entre um projeto de apropriação de uma prática de linguagem e os

instrumentos que facilitam essa apropriação” (p. 51). A ideia, com essa estratégia, é

trabalhar as possibilidades e necessidades dos alunos em relação ao gênero; é claro

que, em um primeiro momento, quando o professor faz a sequência com o intuito de

contextualizar o aluno em relação ao gênero proposto, ele o faz em nível de

conhecimento das estruturas do gênero, que o aluno, talvez, nunca tenha escrito ou

tido contato com.

Contudo, passado esse primeiro contato, o professor poderá elaborar

atividades relacionadas ao que o aluno ainda precisa desenvolver. Nesse aspecto,

as sequências constituem uma oportunidade de o aluno trabalhar em sua ZPD e,

assim, alcançar a apropriação efetiva do gênero.

Gonçalves (2009), assim como o Grupo, acredita que seja necessária uma

sistematização do que se ensinar, referente ao gênero proposto, por isso propõe o

uso da SD, pois acredita que ela possa ajudar o estudante a dominar um gênero de

texto, permitindo-lhe adequá-lo a uma determinada situação de comunicação.

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Portanto, a SD consistiria em um modelo do que seguir para o desenvolvimento da

aprendizagem:

O modelo didático do gênero nos fornece objetos potenciais para o ensino. Isso porque selecionamos atividades em função das capacidades dos aprendizes, ao mesmo tempo em que colocamos em cena certos elementos no processo de transposição didática. Dito de outro modo, o modelo permite, para um mesmo público-alvo, construir atividades de ensino/aprendizagem diversos. Permite ainda construir sequências de complexidade crescente, seguindo o desenvolvimento dos aprendizes (GONÇALVES, 2009, p. 229).

Assim, além de apontamentos específicos no texto do aluno, Gonçalves

(idem) defende o desenvolvimento de uma série de atividades que podem

possibilitar o conhecimento necessário dos gêneros. O professor usaria a sequência

como intervenção e auxílio na aprendizagem de escrita, quando, após a produção

inicial de um gênero, mapearia as capacidades de linguagem dominadas pelos

alunos. As atividades seriam propostas a partir do que o professor sabe a respeito

das necessidades dos alunos.

Então, depois de passar pela sequência, o aluno voltaria para a sua produção

inicial, agora com conhecimentos suficientes para compreender os apontamentos

feitos pelo professor. Após isso, o aluno ainda teria o acompanhamento do docente,

através da correção interativa. Essa correção difere da proposta por Ruiz (2001), na

qual o professor escreve comentário em forma de bilhetes, que não tratariam

somente dos problemas do texto, mas também conteriam elogios do professor às

passagens do texto ou cobranças do que o aluno fez.

Ao abordar a correção interativa, Gonçalves (2009) refere-se ao que Dolz &

Schneuwly (2004) chamam de intervenção de lista de controle/ constatações:

O termo “lista de constatações/controle” refere-se, simplesmente, às categorias que serão utilizadas, após a aplicação da SD. São, em suma, uma série de itens que caracterizam os gêneros em análise. Assim, defendemos, primeiramente, a utilização das SDs e, em seguida, “a lista de controle/constatações” como instrumento regulador da aprendizagem. (GONÇALVES, 2009, p. 19)

Nesse aspecto, essa correção, mediante a lista de constatação, possibilita ao

professor intervir sobre o gênero produzido e, num processo dialógico, construir uma

(res)significação para o texto do estudante. Através dela, o professor faria

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apontamentos resumindo os módulos da SD e o aluno poderia refletir sobre e

adequar melhor seu texto.

Gonçalves (2009) argumenta que o exercício dialógico da linguagem, por

meio da lista de constatação, exige a capacidade de o docente interagir, quer por

escrito, quer oralmente, com os textos dos alunos. Isso nos leva a pensar que essa

lista seria feita não apenas a partir do que o gênero precisa ter, mas também poderia

ser montada após a leitura da primeira versão do texto dos alunos, pois, assim, o

professor teria observado o que eles precisariam revisar, ou seja, quais suas reais

necessidades.

A lista é constituída de elementos ensinados na SD e representa um diálogo

entre aluno e professor, por isso, em alguns casos, ao invés de apenas o docente

criar uma lista, ela pode ser feita em conjunto com os alunos, em um momento de

reflexão sobre o que precisa ser melhorado no texto. Segue, para observação, uma

lista apresentada por Gonçalves (2009, p. 239):

1) Você está no papel social de enunciador durante a interação. Por isso, conseguiu passar a ideia de alguém

que leu e compreendeu a coletânea de textos apresentada na SD?

2) Seu texto pode ser considerado um exemplar do gênero?

3) Está adequado ao professor e, posteriormente, ao veículo a ser publicado, isto é, o jornal da escola, ou seja, a

destinatários múltiplos?

4) Você conseguiu passar a ideia para seu leitor de alguém que defende suas próprias ideias e as defende por

meio de argumentos fundamentados? Ou seja, conseguiu mobilizar “esquema argumentativo”: premissa/ tese,

argumentos e conclusão? Você consegue antecipar e refutar teses opostas, isto é, elaborar contra-

argumentos?

5) Os argumentos utilizados são coerentes com o tema? Eles são convincentes e suficientes para conseguir a

adesão do leitor? Estão organizados hierarquicamente, isto é, do mais importante para o menos importante ou

vice-versa, a depender do efeito de sentido pretendido? De outro modo, como eles foram hierarquizados?

6) A progressão temática é obtida a partir de um raciocínio lógico/ encadeamento de ideias. Seu artigo apresenta

progressão temática, isto é, você se preocupou em apresentar a cada parágrafo uma nova informação

relacionada ao tema?

7) Você conseguiu expressar sua subjetividade sem utilizar-se de expressões em 1ª pessoa com “eu acho”, “eu

acredito”, de tal forma que garanta maior veracidade ao discurso e, consequentemente, demonstre não uma

opinião particular?

8) Seu texto apresenta os organizadores lógicos (conjunções, por exemplo) que guiam o leitor organizando o

discurso e estabelecendo relações entre as frases e entre os parágrafos? Ou seja, há elementos identificando

relações sintático-semânticas de causa, consequência, conclusão, concessão, etc.? Ou a sua ausência

favorece o mesmo tipo de relações lógico-argumentativas?

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Quadro 1 – Lista de constatação do gênero artigo de opinião

Para Gonçalves (2009), as questões feitas na lista são a voz do professor.

Como não é possível conversar com cada aluno sobre seu texto, a lista faz esse

papel. Desse modo, a lista de constatação ajuda a antecipar e compreender melhor

os critérios pelos quais o texto do estudante será avaliado e deixa o aluno

consciente do que realmente se espera dele na produção.

Nesse tipo de correção, a lista é vista como instrumento mediador do diálogo

entre aluno e professor. E a intervenção do professor no processo de reescrita é

sistematizada, propondo um diálogo prescritivo do gênero. No fim, teríamos que

pensar se realmente o aluno se constituiria em um sujeito crítico, com um

posicionamento próprio diante dos pontos de vistas outros – incluindo o do

professor.

Percebemos que a lista não mostra ao aluno o que precisa ser melhorado,

mas apenas o leva a refletir sobre o seu texto, analisando cada uma das perguntas.

Nesse aspecto, o professor acha que isso já é o suficiente, pois a lista foi feita

depois da sequência didática, a qual foi criada após o docente ter lido a produção

dos alunos, quando verificou quais eram as necessidades que deviam ser

trabalhadas na SD e depois pontuadas na lista. Assim, por mais que o vocabulário

na lista sejam termos técnicos e científicos, é de se supor que não seja estranho

para o aluno, pois o professor já teria trabalhado isso na SD.

Muito embora haja uma preocupação que vise a uma aprendizagem

interativa, ainda assim a lista de constatação pontua aspectos mais linguísticos que

discursivos, ou seja, é um instrumento que trabalha apenas uma parte do gênero,

que leva à reflexão sobre a estrutura da língua.

Essa característica é normal a um trabalho pautado nos gêneros de textos.

Figueiredo (2005) afirma que o aproveitamento da teoria do ISD promove um ensino

de língua materna que privilegia aspectos da ordem do texto e da enunciação,

porém há pouco relevo às questões discursivas que vão além do contexto mais

imediato de produção, diferentemente da noção bakhtiniana de gênero do discurso.

9) Você conseguiu evitar repetições desnecessárias usando elementos de coesão nominal (anáforas nominais e

pronominais, referenciação dêitica por meio de este, esse, etc.)?

10) Não existem desvios gramaticais tais como pontuação, frases truncadas/ incompletas, erros ortográficos, etc.?

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Rojo (2005) apresenta de forma detalhada uma distinção entre as noções de

gêneros textuais e gêneros do discurso. A partir disso é possível verificar como a

diferença teórica se reflete tanto nos trabalhos dos autores que se adequam a essa

ou àquela noção e quais as implicações didáticas dessas teorias. Figueiredo (2005,

p. 46) apresenta essa diferenciação no quadro abaixo:

TEORIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS TEORIA DOS GÊNEROS DO DISCURSO

Ênfase nas formas composicionais. Ênfase na situação de enunciação.

Gênero é uma entidade/noção vaga, que recobre uma família de similaridades e é percebido como um modelo canônico.

Gênero é um universal concreto decorrente das relações sociais e regulador das interações e discursos configurados em enunciados ou textos (Rojo, 2004, no prelo).

A noção de gênero se confunde com a de família de textos.

“Texto” é a materialização do gênero como universal concreto.

Busca descrever a função ou a materialidade do texto/gênero através de unidades estáveis que o compõem, entre estas, as seqüências típicas ou os tipos de discurso.

Busca a significação, a acentuação valorativa e o tema, indiciados pelas marcas lingüísticas, pelo estilo e pela forma composicional do texto.

Apesar de estabelecer uma aproximação com o discurso bakhtiniano, dele se distancia e com ele praticamente rompe, em muitos pontos.

Mantém uma postura crítica e dialógica com as teorias bakhtinianas, sem no entanto se distanciar demasiado delas.

Em termos didáticos, busca definir um gênero colocando paralelamente vários textos supostamente pertencentes a ele e buscando assim regularidades formais ligadas à língua ou à função do gênero, tendo como “pano de fundo” o contexto de produção.

Em termos didáticos, busca definir um gênero a partir de regularidades e similaridades das relações sociais numa esfera de comunicação específica. Portanto, parte-se da análise em detalhe dos aspectos sócio-históricos da situação enunciativa para daí buscar as marcas lingüísticas que refletem esses aspectos da situação.

Principais autores nos quais se apóiam os trabalhos dentro desta tendência analisados por Rojo: Bronckart (1997), Adam (1998/99), Marcuschi (2002).

Principais autores nos quais se apóiam os trabalhos dentro dessa tendência analisados por Rojo: Bakhtin e seu círculo, Holquist, Silvestre & Blank, Brait, Faraco etc.

Quadro 2 – Teoria dos gêneros textuais e teoria dos gêneros do discurso

A relevância de fazermos tal distinção reside no fato de que cada uma dessas

abordagens resulta em aplicações didáticas diferentes. Assim, segundo Rojo (2005),

constatamos que os trabalhos da teoria de Gênero de Texto tendem a recorrer a

categorias mais ligadas à estrutura ou forma composicional do texto, enquanto a

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teoria de Gênero do Discurso seleciona suas categorias de análise a partir dos

parâmetros sociais da enunciação, dando importância maior as marcas linguísticas

que decorrem da produção de significação e temas do discurso.

Esta pesquisa inscreve-se na teoria de Gênero do Discurso, mostraremos,

assim, em nossa análise, maior preocupação com a discursividade, tanto no

momento de verificação das necessidades dos alunos, quanto para criação de

atividades reflexivas para a reescrita.

Por hora, dialogaremos brevemente com algumas pesquisas que falam sobre

a prática da reescrita.

2.4 O ensino reflexivo da escrita: a reescrita em questão

Homens, nascidos na história e constrangidos pela história, vamos construindo soluções (que a cada vez não se querem paliativas), conscientes de que o que se vai tecendo, a pouco e pouco, em cada ponto, em cada nó, é uma resposta marcada pela eleição de postos de observação possíveis (...).

GERALDI (1997, p. 4)

Antes de iniciarmos nossa pesquisa, procuramos por estudos que

objetivavam um dos nossos propósitos: definir a reescrita mediante os aportes

teóricos do Círculo de Bakhtin. Não encontramos pesquisas com tal objetivo, mas

encontramos trabalhos reflexivos sobre o ensino da escrita, os quais dão espaço

relevante à prática da reescrita, portanto, sobre eles abordaremos a seguir43.

Como vimos desenvolvendo, podemos verificar que, quando pensamos a

linguagem como prática social e levamos essa abordagem para o ensino-

aprendizagem de LP, deparamo-nos com o trabalho processual e reflexivo da

escrita, de tal maneira que se evidenciam seus procedimentos, tais como:

planejamento, escrita, revisão e reescrita. Todos eles acarretam um ensino mais

facilitador da proficiência do aluno no domínio da escrita e também sua formação

enquanto sujeito crítico que usará a escrita socialmente, fora da escola.

As pesquisas que serão apresentadas aqui demonstram preocupação de um

ensino reflexivo para esse aluno-sujeito crítico. Logo, poderemos notar em seus

meandros, a influência das ideias discutidas alhures, presentes nos documentos

43 O trabalho com a produção escrita aqui no Brasil é bastante amplo, o que abordaremos aqui é uma pequena parte desse arcabouço. Não havia possibilidade de falarmos sobre todas as pesquisas aqui, então, selecionamos apenas sete.

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oficiais, tais como a teoria de ensino-aprendizagem do Grupo de Genebra, a teoria

enunciativa bakhtiniana e contribuições de Vigotski.

Nesses moldes, as pesquisas estão atreladas à visão de ensino ligado à

natureza social da linguagem, objetivando ora evidenciar a importância da escrita e

seus procedimentos, ora demonstrar métodos para um ensino da escrita eficaz, ora

propor novas atividades que ocasionariam a prática reflexiva social do aluno em sua

produção.

Assim, escolhemos algumas pesquisas, tais como: GRILLO (1995); JESUS

(1995); ALMEIDA (2001); ARAÚJO (2004); AGNOLINI (2007); BORGES (2007);

GONÇALVES (2009)44.

Conforme Melo e Petroni (2009), podemos dizer que os estudos e pesquisas

na perspectiva dos gêneros discursivos, na década de 90, romperam com a

abordagem tradicional e linear da produção de textos que se limitava à narração,

descrição e dissertação enfatizando apenas os aspectos estruturais da língua.

A reescrita, no ensino prescritivo, era como um breve momento de passar a

limpo o, então, produto: a redação. Nessa temática, esperava-se que o aluno

caprichasse na letra (nem pensar em garranchos!) e na ortografia ou em alguma

concordância equivocada (isso caso ele percebesse algo estranho no texto ao lê-lo,

para si, em voz alta). A reescrita era, assim, como alcunha Jesus (1995), uma

“higienização do texto”.

A reescrita transforma-se numa espécie de “operação limpeza”, onde o objetivo principal consistia em eliminar as “impurezas” previstas pela profilaxia lingüística. Ou seja, os textos são analisados apenas no nível da transgressão ao estabelecido pelas regras de ortografia, concordância e pontuação, sem se dar a devida importância às relações de sentido emergentes na interlocução. Como resultado, temos um texto, quando muito, “lingüisticamente correto”, mas prejudicado na sua potencialidade de realização (JESUS, 1995, p. 54). As reescritas individuais normalmente dizem respeito à correção ortográfica, com ou sem consulta de dicionário. Nesse caso, cada aluno corrige os erros já assinalados no seu texto pelo professor ou por um colega, com a atenção centrada exclusivamente no apagamento do erro, sem se ocupar de qualquer ordem de natureza

44

Não vimos nenhum problema em abordarmos pesquisas do início da década de 90, anterior aos documentos oficiais

(PCNLP), pois nosso intuito foi buscar estudos que apresentassem, de alguma maneira, a reescrita e, assim, encontramos nessas pesquisas a abordagem do ensino de LP numa perspectiva discursiva.

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semântica voltada para a descoberta de significados e, com isso, poder inferir o caráter polissêmico da linguagem (idem, p. 55).

Por tais colocações, percebemos o contexto da prática de ensino, arraigado

ao ensino normativo, no qual há marcação das irregularidades do texto de forma

unilateral. Nesse caso, ao professor cabe o papel de apontar e corrigir os “erros” de

forma absoluta, direcionado apenas pelos cânones da escrita45.

Jesus (1995) afirma que o uso da escrita, nesse contexto, tem como

prioridade atender às exigências disciplinares da instituição escolar e dos dogmas

linguísticos. Dessa maneira, nada mais natural que a visualização apenas da

superfície linguística a fim de ajustá-la a um modelo de texto desvinculado da

historicidade de sua produção.

Nesse âmbito, Jesus (idem) diz que o desvínculo acarreta “apagamento das

cenas enunciativas”, ou seja, não há interesse no caminho percorrido pelo aluno

para desenvolvimento da escrita mediante a reescrita e mesmo a sua variação

linguística é considerada como errônea, independentemente da situação

comunicativa de que ele esteja participando. Mesmo o texto que ele produz é tratado

como algo “desenraizado da realidade viva e o erro é tido como acontecimento

equivocado por si e para si” (JESUS, 1995, p. 30).

Esse quadro incutia no aluno um único objetivo: escrever para obtenção de

nota, de maneira que não havia sentido para o aluno praticar a escrita fora da

escola, em seu dia a dia. Preocupada com isso, Jesus propõe a “prática reflexiva

sobre o texto para corrigir os erros”, a fim de propiciar a análise dos contextos de

produção e situação discursiva. Com essa finalidade ela afirma que o “conceito de

‘correção’ não pode ser entendido exclusivamente enquanto processo de resgate de

normas a partir dos erros sinalizados no texto”, porém momento reflexivo sobre o

“próprio dizer”.

Nessa perspectiva, Jesus (1995) passa a propor o trabalho da escrita como

uma produção, o que implicaria o desenvolvimento de um processo considerando

condições e instrumentos de produção em oposição à visão tradicional de redação

como um produto acabado. Para que isso aconteça, a autora elenca algumas

medidas necessárias:

45

Jesus (1995) refere-se aos textos literários, ela conta que as atividades propostas para a produção escrita eram a cópia e

o ditado.

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78

Transpor a dicotomia escrita/leitura, pela inserção das duas práticas num mesmo processo, substituir o trabalho com metalinguagem por um trabalho de correção e auto-correção de textos produzidos pelos próprios alunos; otimizar o processo de produção escrita do aluno, pelo uso das informações afloradas da problematização das dificuldades apresentadas no texto (JESUS, 1995, p.02).

Assim, mediante tais propostas, Jesus (1995) desenvolve sua pesquisa com

alunos de 3ª e 6ª séries com a seguinte metodologia: o uso de cadernos próprios

para produção de textos; a reescrita coletiva, na lousa, sob a orientação do

professor procurando, enfocar as dificuldades de cunho linguísticos que dissessem

respeito à maioria dos alunos; a prática de troca de cadernos. Desse modo, os

alunos leriam a produção uns dos outros e fariam considerações. Após essas duas

últimas práticas, cada aluno retornaria a sua produção refletindo sobre as

considerações feitas pelo professor ou pelos colegas.

Dessa maneira, Jesus (1995) busca desvencilhar-se da prática tradicional de

ensino da escrita para uma prática que leve o aluno à reflexão não somente de suas

inadequações, mas também das dos outros que, de alguma forma, contribuem para

a formação de sujeito crítico, isso porque as considerações não seriam feitas apenas

sobre os aspectos gramaticais. Assim, nessa pesquisa, verificamos a reescrita como

prática interativa, pois o aluno reescreve partindo das considerações do outro (ou

professor ou colega).

Em todo caso, há pesquisas que estudam como enquadrar a gramática ao

processo de escrita, fato bastante possível e satisfatório, desde que não se esqueça

do caráter amplo da linguagem. Para tanto, a análise linguística está ligada à

reflexão e consciência dos alunos sobre os procedimentos da escrita e

conhecimento de como adequar seu texto às situações. Agnolini (2007) acredita que

[...] a reescrita pode se dar de forma satisfatória quando [...] sua reflexão extrapola o próprio debruçar-se sobre seu texto para englobar algumas relações, a saber: a relação oralidade/escrita; a norma culta e as variedades lingüísticas; as clarezas e as funções de um texto, incluindo neste último as relações locutor/interlocutor (AGNOLINI, 2007, p. 10).

A partir dessas relações, Agnolini (2007) espera o rompimento com o ensino

nomenclatural da gramática para uma investigação linguística, ao professor cabendo

o papel de mostrar “como os alunos podem expressar-se com clareza, atingindo os

objetivos previamente estabelecidos para aquela produção” (AGNOLINI, 2007, p.

24). Dessa forma, a reescrita é o momento para a exploração reflexiva dos

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79

elementos linguísticos “que o professor julgar pertinentes para o ensino e a

produção de um texto” (idem).

O objetivo de Agnolini (2007) é a temática: o trabalho com as necessidades

dos alunos e suas possibilidades (BRASIL, 1998). Para tanto, ela propõe a criação

de exercícios linguísticos, considerando as inadequações das produções e o seu

trabalho com os alunos, para, após isso, os alunos retomarem a escrita, agora com

um olhar novo, com o qual eles poderiam perceber o que necessitam modificar.

Segundo a pesquisadora, em nenhum momento ela usou as produções para

correção, a não ser para investigar o que trabalharia nas atividades. Após a

reescrita, ela percebeu que, mesmo sem a sua correção direta, os alunos

modificaram seus textos, considerando os exercícios de análise linguística, como

também fizeram alterações de ordem gramatical nas produções. Assim, a prática de

reescrita desenvolveu-se mediante a reflexão dos alunos.

Essa proposta comprova e consolida a temática, já tão discutida aqui, de se

trabalhar com as necessidades dos alunos, mediante a qual, em um primeiro

momento, o aluno atua com o que sabe para, em seguida, usar o que o professor

lhe oferecer. Vale ressaltar o cuidado para não significar as necessidades dos

alunos somente quanto à normatividade da língua. Há de se entender que a

reescrita não é “um ato individual do aluno que vai construindo o seu texto

direcionado pelas regras da gramática normativa” (ALMEIDA, 2001).

Em outra pesquisa sobre a reescrita, Borges (2007) analisa essa prática

tendo em conta a “intuição” do aluno entre aquilo que ele sabe e o que o professor

aponta. Cada criança modifica seu texto correspondendo a sua singularidade, cada

qual com um estilo e percepção de como melhorar sua produção a partir das

considerações feitas pelo professor. Esse viés apresenta o aluno como ser histórico,

com seus próprios valores, com sua própria cultura.

Todavia, como ressalta Borges (2007), à criança é dado o papel de

cumpridora de tarefas, de revisora que busca a adequação do texto à norma

estabelecida. Dessa maneira, o contexto de reescrita não dá conta da diversidade

linguística, sendo estipulada como “erro” qualquer modificação do aluno em seu

texto que denote seu estilo, ao invés do que foi imposto.

Em decorrência disso, Borges (2007) critica o uso do texto do aluno como

pretexto para o ensino da gramática:

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[...] as reescritas, em sua quase totalidade, na escola das crianças, são motivadas por uma situação-problema, dada ou criada pela professora, a partir da qual têm que resolver problemas de gramática feitos, propositalmente, para “reescrita” (concebida como espaço para corrigir erros), como uso de maiúsculas, de segmentação de palavras, de pontuação, entre outros (BORGES, 2007, p. 20).

Para a autora, esse posicionamento foge do caráter processual da linguagem

que prima pela interação entre aluno e professor, pois não propicia um espaço de

análise do diálogo aluno/professor sobre o que foi dito, acatado ou refutado. Não

considera também a singularidade dos alunos que se revela em suas produções. Ela

defende que:

[...] é necessário que a criança se posicione, considerando seus valores e a posição que ocupa no espaço escolar. A escrita, em suas particularidades, possibilita o diálogo, o confronto necessário à constituição dos sujeitos (aluno e professor) no espaço escolar (BORGES, 2007, p. 21).

Em busca disso, Borges (2007) propõe a reescrita por intuição, ou seja, o

aluno não somente reproduziria as correções que o professor faz à sua produção,

mas refletiria sobre elas para então reescrever, tendo em vista as considerações do

professor. Verificamos que essa abordagem não se atém apenas aos conceitos

linguísticos, porém visa aos conceitos discursivos, mediante os quais o aluno pode

mostrar a sua singularidade, a sua reflexão crítica diante dos fatos.

Também almejando essa prática interativa e constitutiva do sujeito crítico,

Almeida (2001) apresenta a temática da reescrita em duplas, em conjunto, em

caráter reflexivo daquilo que foi suscitado em um momento anterior à reescrita –

considerando a discussão com o professor e a turma sobre quais pontos precisariam

de revisão. Ela defende:

Ao aceitar-se a participação do outro nesse processo, parece que se está possibilitando aos sujeitos, durante as interferências que fazem como leitores de seu próprio texto e do outro, uma reflexão sobre a linguagem, isto é, podem observar se há adequação entre os recursos lingüísticos usados e o que queriam dizer, pressupondo o leitor (ALMEIDA, 2001, p. 23).

Nessa pesquisa, Almeida defende o caráter não individual da linguagem e

tampouco abstrata em sua normatividade, mostrando que a interação com o outro

(professor e colegas) constitui-se tanto em uma forma de apoio para solucionar os

problemas percebidos durante o processo de reescrita, quanto em um momento em

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que os alunos reescrevem seus textos direcionados pelas vozes que foram ouvidas

durante os momentos de interação sobre as produções, anteriores à reescrita.

Partindo disso, podemos dialogar com os dizeres de Araújo (2004), quando

ela também reafirma o caráter dialógico da escrita e, consequentemente, de seus

procedimentos – a reescrita, que nos interessa. Essa pesquisa assemelha-se com

as outras pesquisas já citadas no que tange à reescrita enquanto prática interativa.

Aqui o trabalho em pares é privilegiado, principalmente no momento de revisão do

texto, quando os alunos conversam entre si sobre as produções e fazem

apontamentos para serem considerados no momento de reescrita.

O trabalho com a reescrita lança o olhar do aluno para os aspectos

discursivos em nível de reflexão e adequação da linguagem conforme a prática

social.

Visando a um objetivo, a um leitor e à circulação em um determinado contexto, os textos são retomados e reelaborados a fim de corresponderem aos parâmetros da situação de interação comunicativa que justifica e desencadeia a produção escrita. Nesse caso, a produção textual configura-se como um diálogo, no sentido bakhtiniano, e não como mera tarefa (ARAÚJO, 2004, p. 16).

Por isso, Araújo (2004) defende a necessidade de as práticas de reescritas

serem produtivas do ponto de vista da linguagem como interlocução, tomando-se o

cuidado para não “correr o risco” de normatizar a intervenção no texto do aluno,

pois, às vezes, há “o risco da ‘leitura’ do processo de produção ser tão ‘mapeado’

por exigências escolarizadas quanto o produto-texto o é, já que geralmente é

analisado por critérios muitas vezes restritos e restritivos” (ARAÚJO, 2004, p. 18).

A ideia é de um trabalho reflexivo entre professor e aluno, alunos e alunos,

pois o momento da reescrita se configura na interação concreta entre as partes. A

relevância do outro nesse processo vai além de um mero mediador instrumental. Se

pensarmos no professor, enquanto par mais avançado, ele direcionará o aluno pelos

“diversos planos da dialogia implicados na escrita” (ARAÚJO, 2004, p. 20) e também

dialogará com as considerações feitas pelos alunos sobre a produção dos outros.

Grillo (1995), com base na teoria sócio-interacionista, concorda com essa

temática, principalmente no que tange ao papel auxiliador do professor no momento

da reescrita. Ela espera que os alunos tenham uma visão da escrita enquanto

trabalho do qual a revisão é parte integrante, tornando-os, deste modo, leitores de

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seus próprios textos, em busca de uma melhor utilização dos recursos expressivos

disponíveis.

Nessa hipótese, a intervenção do professor na reescrita faria com que o aluno

refletisse sobre os recursos expressivos utilizados. E como seria isso? Grillo propõe

o uso de bilhetes (comentários do professor sobre o texto) na primeira versão para

provocar o processo de reescrita. Através disso, o aluno retoma sua produção,

revisando-a para atender às exigências do professor.

É pertinente pensar: até que ponto os comentários do professor poderão

contribuir para a proficiência da escrita? Qual o tratamento dado à resposta do aluno

aos comentários? Quando essa resposta é considerada “pronta”? Haverá mais

bilhetes? Haverá mais de uma versão? Essas são perguntas para serem

respondidas em sala de aula, no momento em que as práticas de produção

acontecerem, pois poderão variar segundo as condições de cada contexto escolar.

A problemática que fica é o como trabalhar a escrita considerando seus

procedimentos, ou seja, de forma processual, distanciando-se do tratamento unívoco

da redação enquanto produto e com a finalidade de obtenção de nota. Precisar-se-ia

pensar em adequações de tempo e quantidade de alunos por sala, mesmo porque

as condições de ensino podem influenciar tanto positivo quanto negativamente no

processo de qualquer prática. Em todo caso, não somente o contexto poderia ser

considerado, como também o desenvolvimento do aluno.

Aqui, mais uma vez, damos voz à proposta dos PCNLP (1998): trabalhar com

as necessidades e possibilidades dos alunos. Esse é um desafio para os

professores haja vista que em uma sala de aula há mais de vinte alunos, cada qual

em um nível. Nessa temática, as pesquisas até agora citadas buscam, ainda que um

pouco, facilitar o ensino reflexivo da escrita em um viés enunciativo-discursivo.

Podemos lembrar também da proposta metodológica do uso de SD e lista de

constatações, discutida na última seção, a qual Gonçalves (2009) faz uso. Segundo

esse pesquisador esse método facilita a prática dialógica em sala de aula, visto que

às vezes o professor não tem tempo de atender a todos os alunos.

O autor ressalva que a lista de constatação precisa ser adaptada ao público-

alvo, e caso o professor pense em usar uma lista pronta, que pertence a outro

contexto, ele perceberá as limitações da lista de constatações e precisará fazer

adaptações para complementá-la, considerando as dificuldades de seus alunos.

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83

Podemos dizer isso também das pesquisas sobre a reescrita citadas nesta

seção. O uso de seus métodos em sala de aula requereria adaptação conforme as

necessidades dos alunos, pois, ao considerarmos a escrita como processo, não

temos como determinar os resultados que irão aflorar durante essa prática.

Concluímos a análise dessas pesquisas, afirmando que todas apresentam a

preocupação com a prática reflexiva do aluno sobre seu processo de escrita,

ocasionando o momento de reescrita para essa prática. Verificamos também as

necessidades dos alunos como ponto de partida para a reflexão e o

acompanhamento interativo do professor e a participação dos colegas nesse

processo, estimulando, assim, a preocupação do aluno em responder as

considerações feitas pelos outros ou mesmo o início de uma reflexão mais crítica

sobre o seu desenvolvimento mediante o dizer dos outros.

Traçadas essas considerações, podemos agora iniciar o nosso caminho para

uma proposta também reflexiva sobre o ensino da escrita com o foco na reescrita a

partir das necessidades dos alunos. O diferencial de nossa proposta consiste na

presença dos aportes teóricos de Bakhtin e o seu Círculo, os quais estarão

presentes em nossa definição de reescrita e influenciarão nossa abordagem sobre

quais aspectos analisar nas produções de textos dos alunos.

2.5 Definição da reescrita sob perspectiva bakhtiniana

Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação. Questão do grande tempo.

BAKHTIN (2010[1970-71], p. 410)

Quando pensamos em reescrita, deparamo-nos com algumas definições, tais

como:

- paráfrase: reescrever um texto modificando as palavras, mas mantendo o

sentido; geralmente, esse método é usado para que o aluno possa ampliar seu

vocabulário e sua capacidade de expressão (AGNOLINI, 2007);

- reelaboração do texto alheio: o aluno ouviria, por exemplo, a história da

Branca de Neve e depois escreveria uma nova versão, modificando o que quisesse

ou mantendo o mesmo enredo, porém reescreveria o texto de acordo com sua

releitura (BORGES, 2007).

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- reelaboração do já-escrito pelo próprio aluno: o aluno refaz sua produção

textual, depois de o professor ter verificado quais são as suas necessidades do

aluno e o ter instrumentalizado para voltar ao seu texto, com a capacidade, então,

de reconhecer as inadequações de sua produção (ARAÚJO, 2004).

Essa última está ligada aos procedimentos do processo da escrita e em

algum momento será uma etapa das duas primeiras, pois essas representam a

mudança de um texto em outro por parte do aluno, o que requer deste último um

trabalho de elaboração da escrita, na qual ele usará seu conhecimento sobre essa

prática para criar seu próprio texto, ou seja, para escrever uma versão diferente da

original.

Logo, as definições de reescrita – paráfrase e reelaboração do texto alheio –

não dizem respeito à reescrita, tal como a consideramos: um dos procedimentos da

escrita - a reescrita ou reelaboração do já-escrito pelo próprio aluno.

Fiad (2010), além desta definição da reescrita, relacionada ao retorno do

autor sobre seu próprio texto para realizar algumas operações sobre a linguagem,

sublinha também a interpretação que reconhece todo texto como uma reescrita, “na

medida em que sempre que enunciamos algo estamos, de alguma forma, retomando

o que outros já enunciaram. Nessa interpretação, o outro sempre está no discurso:

escrever é sempre reescrever” (FIAD, 2010, p. 2)46.

Logo, percebe-se que essa definição é muito ampla e, usá-la neste trabalho,

implicaria considerarmos todas as pesquisas, inclusive esta, como reescrita e não

chegaríamos a nenhuma conclusão relevante para os nossos objetivos. Por isso,

tomamos aqui a terceira das definições citadas inicialmente, a qual define o

procedimento da escrita – a reescrita -, que a nosso ver remete ao processo que

revela uma retomada ao texto.

Nessa perspectiva, Fiad e Barros (2003) afirmam que pesquisas voltadas

para a análise de reescrita em textos de alunos têm se realizado nos últimos quinze

anos, desde o início da década de 90, guiadas pelo interesse maior pelo processo

da escrita do que pelo seu produto final. Essa mudança de paradigma advém da

46 Poderíamos atribuir esse fato ao caráter dialógico da linguagem, discutido no capítulo 1.

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chamada crítica genética47 feita à normatividade da língua. Essa vertente apresenta

alguns pontos básicos sobre o ensino da escrita:

O reconhecimento da escrita como um trabalho; a reescrita passou a ser entendida como objetivo (aprender a escrever é aprender a reescrever) e instrumento de ensino, de intervenção; a avaliação dos textos passou a considerar o processo e não apenas o produto final; escrever e reescrever passaram a ser considerados como dois aspectos da mesma atividade (FIAD, 2010, p. 5).

Desde então, a reescrita é tida como instrumento para melhora das

produções escolares, considerando que, conforme Fabre e Cappeau apud Fiad e

Barros (2003), ela caracteriza as modificações escriturais pelas quais os diversos

estados do texto constituem as sequências retomadas, que resultam em um texto

terminal. Dessa maneira, não há reescrita apenas após a primeira versão (depois

que o professor devolve o texto ao aluno), mas ela acontece no processo de

produção, desde o início da atividade de escrita48.

Nesses termos, verificamos que escrever não é uma questão de inspiração,

mas requer um processo contínuo, o qual se realiza em vários momentos, conforme

Fiad e Mayrink-Sabinson (1994) em: planejamento, execução, leitura do texto e

modificação49, a partir da reescrita. E também essas práticas dependem da prática

reflexiva do autor sobre o texto a partir da existência do leitor, pois a escrita como

processo traz à tona a presença do outro, tornando o texto inacabado. Menegassi e

Ohuschi (2007) complementam:

[...] o texto nunca está acabado, pois é submetido a mudanças provocadas por alguma reação do outro, podendo ser o outro das leituras realizadas e, nelas, as vozes que ali ecoam, o professor, ou ainda o colega. Assim, ele sempre pode ser melhorado e o aluno, consciente disso, efetua mudanças significativas [...] (MENEGASSI&OHUSCHI, 2007, p. 244).

Por tal colocação, afirmamos que a reescrita caracteriza-se como um

processo dialógico reflexivo, ou seja, é um diálogo carregado de compreensão ativa

47

Fiad (2010) explica que “no final dos anos 60, com a crise do estruturalismo, a crítica genética surge propondo um olhar

para os manuscritos literários de maneira diferente do olhar da filologia, que buscava as origens de um texto. Nesse momento, os manuscritos escapam às estruturas, pois a proposta é que os manuscritos sejam portadores de um movimento, do processo de criação” (FIAD, 2010, p. 4). 48

Segundo Fiad e Barros (2003), antes mesmo de dominarem o sistema alfabético de escrita do português, as crianças

rasuram letras, refazem-nas. As crianças apagam, inserem, substituem letras, palavras, expressões, frases deixando marcas de sua trajetória individual (FIAD e BARROS, 2003). 49

Esses aspectos significam os procedimentos da escrita: planejar, escrever, revisar e reescrever.

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86

com a percepção do eu sobre o outro e entendimento das construções de sentidos

que aparecem nas práticas sociais. Em outras palavras, a reescrita é um momento

de reflexão sobre os discursos outrem, a fim de compor as ideias próprias ou ainda

novos sentidos.

Se assim o é, a análise linguística não será suficiente para dar uma palavra

outra ao dizer do outro, porém será necessário também o domínio dos aspectos

discursivos para posicionar-se criticamente. Menegassi e Ohuschi (2007) afirmam

que o processo da escrita se inicia por uma relação interpessoal, com a construção

do conhecimento a partir de uma relação social de interação. Sendo assim, o mais

importante nessa prática dialógica é a construção de sentidos, pois a partir da

interação com o outro o eu se tornará autor.

Nessa ocasião de interação, ou seja, de reescrita, o aluno está em um

momento intrapessoal (GERALDI, 1997), no qual há a incorporação e sedimentação

dos conhecimentos presentes neste processo para a criação de sentidos que

possam dialogar com esses conhecimentos outros. Em suma, isso é resultado da

prática mediadora, de um interlocutor real – nesse caso o professor – que faz as

intervenções necessárias para a transformação do sujeito e do seu texto.

Ao ter consciência do que seu leitor pensa, o aluno pratica reflexivamente o

uso da sua linguagem, pois a ele cabe dar uma resposta, não qualquer resposta,

mas uma que expresse sua compreensão ativa. Nesse viés, como já desenvolvido

aqui, imprimimos à reescrita o mesmo valor que Bakhtin atribui à linguagem, pois,

assim como ele considera a língua de natureza social, também consideramos a

reescrita de tal maneira.

Logo, a reescrita representa uma prática social reflexiva do autor não apenas

sobre o seu discurso, mas também sobre o discurso do outro, na qual o trabalho de

análise do próprio texto para adequá-lo ao seu interlocutor permite ao locutor uma

ação mais consciente e crítico sobre o seu dizer e sobre quais influências ou quais

novos sentidos ele pode desencadear em uma relação social.

Nessa perspectiva, ao atribuirmos à reescrita característica dialógica, levamos

em conta a presença dos aspectos discursivos da linguagem definidos por Bakhtin e

seu Círculo e apresentados aqui no capítulo 1, no processo de aperfeiçoamento da

linguagem. Assim, na reescrita verificamos:

Um trabalho do sujeito em uma atitude responsiva com consequente

compreensão ativa criadora;

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Olhar exotópico do sujeito sobre o próprio texto, momento em que o

sujeito é outro de si mesmo;

Uma reflexão sobre a estética do texto, pois há trabalho reflexivo sobre

o conteúdo, o material e a forma;

Uma reflexão sobre o ético – análise das apreciações valorativas,

relacionado com o que se pode ou não dizer em determinado gênero;

Constituição do sujeito-autor.

Se analisarmos novamente a teoria bakhtiniana, veremos que esses

aspectos, visíveis na reescrita, coincidem com a constituição da linguagem. E não

estaríamos equivocados em pensar que qualquer sujeito respondente ativo faz uso

desses aspectos todas as vezes que responde ativamente ao outro, mediante um

gênero do discurso.

Desde a primeira versão da produção escrita, o aluno inicia o seu caminho de

desenvolvimento para a constituição de um sujeito-autor, de modo que no momento

da reescrita o trabalho é mais reflexivo, pois ali, supõe-se, um aluno consciente e

perceptivo do que precisa melhorar.

A nosso ver, para que a consciência e a percepção aconteçam é necessário

um trabalho após a primeira versão e anterior a reescrita, por meio do qual as

necessidades dos alunos seriam tratadas e eles receberiam suporte para, então,

praticarem a reescrita, denominamos esse método de atividades reflexivas para a

reescrita e apresentaremos, mais adiante, como as desenvolvemos.

Antes disso, partiremos para o próximo capítulo, no qual discorreremos sobre

o nosso objeto de pesquisa, nossos objetivos, nossos dados e corpora, e os

processos e procedimentos utilizados em nossa coleta e análise de dados, para,

posteriormente adentrarmos, precisamente, na análise do nosso objeto.

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CAPÍTULO 3

Metodologia de pesquisa: o caminho até os dados

Nesta seção, tentaremos traçar o nosso percurso nesta pesquisa, um

caminho repleto de encontro e desencontros, porém, com muitas descobertas, as

quais nos permitiram, neste fazer científico, consolidar as nossas perspectivas,

geração e análise de dados no processo da pesquisa.

3.1 Trajetória metodológica: da reflexão para os objetivos

Toda pesquisa só tem começo depois do fim. Dizendo melhor, é impossível saber quando e onde começa um processo de reflexão. Porém, uma vez terminado, é possível ressignificar o que veio antes e tentar ver indícios no que ainda não era e que passou a ser.

AMORIM (2004, p. 11)

Ao lançarmos um olhar para o pesquisador do primeiro ano desta pesquisa,

verificamos a busca por um objeto, ou melhor, por uma pesquisa pronta, com dados

conhecidos e, assim, fáceis de compreender, na realidade, o pesquisador em busca

de dados que se encaixassem naquilo que ele já tinha como resposta. Então, pode-

se imaginar o sentimento do pesquisador, quando a orientadora disse que a

pesquisa iria sendo construída no decorrer do ano, ou seja, nada definido, a não ser

a consciência, um pouco duvidosa, da reescrita como objeto de pesquisa.

Assim, no início decidimos por teorizar a reescrita usando o Círculo de

Bakhtin e, a partir disso, propor atividades de reescrita e, para alcance desses

objetivos, tomamos algumas medidas, tais como: 1) verificar a existência de

pesquisas que haviam didatizado a reescrita a partir da perspectiva bakhtiniana; 2)

pesquisar na obra bibliográfica do círculo os conceitos que poderiam ser usados

para a teorização.

Em relação à primeira, como visto no capítulo 2, não encontramos pesquisas

que objetivavam a teorização da reescrita, porém trabalhos sobre o ensino reflexivo

da escrita com o foco na reescrita e, por isso, tornaram-se relevantes para esta

pesquisa, principalmente na construção da nossa visão sobre a definição da

reescrita.

Percebemos também nas pesquisas o uso da temática apresentada pelos

PCN: um ensino de LP que considera as necessidades dos alunos. Todas tinham

como base o que os alunos precisavam desenvolver para aprimorar a escrita e,

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assim, a reescrita era o momento para esse desenvolvimento. Esse fato nos levou

ao pensamento: Como propor atividades de reescrita sem sabermos as

necessidades dos alunos?

Essa questão surgiu porque, até então, pensávamos somente em didatizar a

reescrita a partir do gênero discursivo já proposto para a produção em um livro

didático50. Logo, as atividades seriam feitas antes do aluno escrever, pois seriam

atividades complementares para a proposta de redação apresentada pelo LD.

De fato, proporíamos que atividades desse tipo já viessem apresentadas no

livro. Inclusive até pensávamos, em nossa metodologia, em investigar os LD do

ensino fundamental, a fim de analisarmos o tratamento dado à reescrita.

Verificaríamos também os paradidáticos e manuais do professor para analisar como

a questão de reescrever era apresentada para os professores.

O nosso intuito também de criar essas atividades de reescrita

complementares às propostas era trabalhar a autonomia do aluno, de maneira que

ele pudesse reescrever sem a presença do professor. Entretanto, compreendemos

que essas atividades seriam generalizantes, pois hipotetizaríamos as possíveis

dificuldades que os alunos, de acordo com as séries, poderiam apresentar na escrita

e, também, nos pareceu que a única análise que faríamos das necessidades dos

alunos em relação ao gênero proposto seria sobre os aspectos estruturais, o que

não era relevante para uma pesquisa que almejava a discursividade.

A princípio, deixamos essas reflexões guardadas e elas sempre vinham à

tona, à medida que buscávamos compreender como elaboraríamos as atividades.

Essas questões tornaram-se mais intensas, à proporção que avançávamos em

nossa leitura da teoria do Círculo de Bakhtin que, como já desenvolvemos alhures,

defende a formação da linguagem a partir das práticas sociais.

Quando o Círculo pensa em linguagem não está pensando em concepção de

língua, mas na constituição de sentidos, nos discursos que são construídos nas

relações sociais e, dessa maneira, passamos a considerar a escrita como prática

social, construída e endereçada para alguém em resposta a algo. Logo, a reescrita

também, para nós, faz parte dessa relação dialógica.

Conforme desenvolvido no capítulo 1, o dialogismo e a interação são os

constituintes da linguagem e esses dois aspectos estão em relação com outros

50

Doravante LD.

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conceitos desenvolvidos por Bakhtin e seu Círculo, a saber: a atitude responsiva e

compreensão ativa; o olhar exotópico, a atividade ética e estética do sujeito, a partir

das quais há a formação do sujeito-autor, constituição essa que se dá na prática

dialógica e interativa. Nesses termos, o trabalho processual da escrita teria o caráter

de formação do aluno-autor, sendo a reescrita o momento para o desenvolvimento

das categorias bakhtinianas, sob nosso ponto de vista, inerentes à linguagem.

Nesse ponto, nos deparamos novamente com a questão de como criarmos

atividades de reescrita sem sabermos as necessidades dos alunos. Assim,

mudamos os nossos objetivos: ao invés de criarmos atividades complementares a

partir das propostas de redações, criaríamos atividades a partir de produções

escritas pelos alunos. Dessa maneira, eles refletiriam sobre seu próprio texto em

busca de melhorar suas necessidades.

Quanto a que tipos de necessidades trabalhar nas atividades para a reescrita,

optamos pelas discursivas, considerando o método sociológico proposto por

Bakhtin/Voloshinov (1997[1929] de análise da linguagem.

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza (as esferas de atividade); 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal (os gêneros); 3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1997[1929], p. 125).

Tal método apresenta uma “hierarquia de relevância” a ser considerada,

quando pensamos em compreender a construção da linguagem (SANTOS, 2011).

De tal modo, verificamos que a discursividade, implícita nos dois primeiro pontos,

assume relevância maior que o último ponto.

Nos capítulos anteriores, discorremos sobre a predominância do ensino

gramatical, assim, podemos afirmar que esse é um ensino comum nas escolas e que

os professores de LP, já possuem seus métodos de trabalho da gramática. Por isso,

consideramos que se apresentássemos um ensino discursivo, poderíamos contribuir

com a prática do professor, complementando-a.

Logo, as atividades reflexivas, que criaríamos, seriam apenas uma parte do

ensino reflexivo anterior ao momento da reescrita, pois optamos por fazer um recorte

e criar exercícios considerando os dois primeiros pontos do método sociológico.

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Assim, não desconsideraríamos o trabalho com a gramática, esse poderia ocorrer

depois das atividades reflexivas discursivas ou ainda durante dessas, isso fica a

critério do professor e do desenrolar das aulas.

Com isso, consideramos que o nosso trabalho não buscaria acabar com o

estudo gramatical e estrutural do texto, mas buscaria conscientizar o professor de

LP para a possibilidade de um ensino discursivo mais amplo, de modo que os alunos

pudessem constituir-se pessoas reflexivas e críticas. Por isso, nesta pesquisa,

escolhemos a perspectiva bakhtiniana, por achar que ela nos daria suporte

suficiente na criação de atividades para reescrita em uma perspectiva discursiva.

Mediante essa ideia, percebemos que o papel do professor é primordial, pois

é ele quem verificaria quais as necessidades discursivas do aluno e, a partir disso,

criaria atividades. Isso exige do professor um olhar não somente avaliador ou

investigativo, mas de análise reflexiva, de maneira que dialogue com o dizer do

aluno.

Assim, decidimos que antes de criarmos as atividades, precisaríamos

apresentar uma análise reflexiva das produções escritas dos alunos, para

justificarmos o porquê de determinadas atividades e, conforme mostraremos no

capítulo seguinte, a nossa análise baseou-se na perspectiva bakhtiniana.

Por hora, vejamos a que questionamentos essas reflexões nos trouxeram:

1. Quais aspectos da teoria bakhtiniana estão visíveis na prática de

reescrita?

2. Como seria uma análise reflexiva sobre a produção de texto dos alunos,

considerando a perspectiva bakhtiniana?

3. Quais atividades reflexivas para a preparação do momento de reescrita a

análise suscitaria?

Esses questionamentos têm por fim nortear as respostas para os seguintes

objetivos:

1. Verificar quais construtos teóricos da perspectiva de linguagem do Círculo

de Bakhtin são visíveis na reescrita.

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2. Apresentar a análise reflexiva sobre a produção dos alunos mediante o

viés bakhtiniano da linguagem.

3. Criar atividades reflexivas para a reescrita a partir da necessidade

discursiva encontrada na análise das produções dos alunos.

Apresentados os percursos previamente estabelecidos, vejamos um pouco

mais sobre o olhar do pesquisador bakhtiniano sobre o objeto.

3.2 A pesquisa no âmbito enunciativo-discursivo do Círculo de Bakhtin

Só nos falta a ousadia científica, investigatória, sem a qual não conseguiremos nos colocar nas alturas nem descer às profundezas.

BAKHTIN (2010[1970], p. 366)

Os construtos teóricos do Círculo de Bakhtin não só nos auxiliaram na criação

das atividades reflexivas para a reescrita, como também os utilizamos para compor o

nosso olhar de pesquisador, a fim de que o tratamento dado à análise não

destoasse de nossa maneira de compô-la.

Esclarecido isso, lembremos brevemente que, segundo a teoria bakhtiniana,

na prática social há a constituição da linguagem e dos sujeitos, isto é, o eu constitui

o outro, à medida que é por esse também constituído. Conforme a teoria do Círculo,

sem essa relação dialógica não haveria constituição da linguagem.

Podemos entrever isso quando Bakhtin diz sobre o acontecimento da

interação, no qual aquilo que o eu traz consigo constituído entra em contado com o

que o outro também tem constituído em si e desse encontro há a constituição de

novos sentidos. Eis o fenômeno:

A interação do horizonte do cognoscente com o horizonte cognoscível. Os elementos de expressão (o corpo não como materialidade morta, o rosto, os olhos, etc.); neles se cruzam e se combinam duas consciências (a do eu e a do outro); aqui eu existo para o outro com o auxílio do outro (BAKHTIN, 2010[1974/1979], p. 394).

Assim, verificamos mais uma vez a importância da díade eu-outro para a

teoria bakhtiniana. Por causa dessa relação dialógica entre os sujeitos, Sobral

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(2005b) cunha os estudos do Círculo de filosofia humana do processo, evidenciando

o caráter reflexivo dos estudos bakhtinianos sobre a constituição da alteridade e do

discurso nas relações sociais. Da mesma maneira, esta pesquisa busca enquadrar-

se nessa concepção, inserindo-se, tal como o Círculo, nos estudos das Ciências

humanas.

Segundo Bakhtin (2010[1974/1979], o objeto das ciências humanas é o ser

expressivo e falante, diferentemente das exatas51. O homem não é tratado como

coisa muda, pois, enquanto sujeito de natureza dialógica, ele é um ser ativo nas

relações sociais. O estudioso russo complementa essa reflexão:

Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido como coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico (idem, p. 400).

Por tal citação concluímos que o pesquisador dialoga com seu objeto nesse

tipo de ciência e, sendo assim, ele percorre o caminho dos sentidos que constituem

seu objeto para compreendê-lo. Esse fenômeno é possível porque nas ciências

humanas o objeto é o texto, o qual se quer explicar e interpretar. Segundo Amorim

(2001), ele é o objeto falante.

Há essa característica no objeto, porque, como vimos na teoria bakhtiniana, o

texto é um enunciado encadeado na troca verbal, delimitando a compreensão do ato

humano, enquanto texto, ao contexto dialógico em qualidade de réplica e de posição

de sentido. Logo, o texto precisa ser compreendido aqui na sua amplidão: conjunto

coerente de signos ou matéria significante (AMORIM, 2001). Assim, tudo o que

significa é objeto das ciências humanas52.

Ainda sobre isso, Santos (2011) afirma que a especificidade das ciências

humanas está nos sentidos e significados dos outros, os quais são realizados e

dados ao pesquisar apenas sob forma de textos entendidos como enunciados

51 Bakhtin (2010[1974/1979]) explica que “as ciências exatas são formas monológicas do saber: o intelecto contempla uma coisa e emite enunciado sobre ela. Aí só há um sujeito: o cognoscente (contemplador) e falante (enunciador). A ele só se contrapõe a coisa muda” (BAKHTIN (2010[1974/1979], p. 400). 52

Amorim (2001) explica que o objeto das ciências humanas para Bakhtin (1974/1979) como “tudo o que significa”, aquilo

que revele o seu potencial de sentido, enquanto palavra inserida em um “contexto virtual de sentido verbal”, esclarecendo que não basta considerar o homem como objeto para dizer que uma ciência é humana.

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concretos. Sobre esses aspectos, verificamos em Bakhtin (2010[1959-61]) uma

alusão ao fazer do pesquisador:

Por toda parte há o texto real ou eventual e a sua compreensão. A investigação se torna interrogação e conversa, isto é, diálogo. Nós não perguntamos à natureza e ela não nos responde. Colocamos as perguntas para nós mesmos e de certo modo organizamos a observação ou a experiência para obtermos resposta. Quando estudamos o homem, procuramos e encontramos signos em toda parte e nos empenhamos em interpretar o seu significado (BAKHTIN, 2010[1959-61], p. 319).

Mediante o excerto, podemos compreender o fazer do pesquisador como um

processo dialógico inserido em um movimento dialógico de “ir e vir”, ou seja, um

passeio pelo texto valorativo do outro e a volta para o eu constituído de dizeres

outros, a partir desse movimento, será viável a interpretação com compreensão

ativa. Porém, há essa possibilidade por causa do caráter exotópico que o

pesquisador ocupa sobre seu objeto, pois, segundo Bakhtin apud Amorim (2001), “a

exotopia é a mais potente alavanca de compreensão”.

Compreendemos isso a partir da nossa experiência no momento de análise

das produções. Como dito alhures, a nossa proposta consistia no trabalho com a

discursividade, portanto era de se esperar que em nossa análise verificássemos a

construção de sentidos nas produções, porém, não foi isso que aconteceu.

Em nossas primeiras leituras das produções, ficamos mais preocupados com

os aspectos gramaticais e estruturais, como ortografia, léxico, concordância verbal e

nominal, ou seja, verificávamos apenas a normatividade. Logo, percebemos que não

sabíamos analisar a discursividade e nos pareceu absurdo que alunos do 9º ano

escrevessem tão mal e de maneira errada. Não modalizaremos ao dizer isso, pois

essa foi a nossa primeira apreciação valorativa.

Assim, foi-nos necessário o distanciamento do nosso eu formalista para

analisar a construção de sentidos das produções, conforme o nosso recorte. O

Círculo de Bakhtin postula que, para a compreensão de uma cultura, é importante o

distanciar-se dela. Dessa maneira fizemos, mas a dúvida sobre como olhar os textos

permaneceu.

Então, relemos o capítulo 1 para lembrarmos os construtos teóricos

bakhtinianos e refletirmos como analisaríamos as produções. Começamos, então, a

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considerar os textos como diálogos e, a partir disso, pudemos atribuir sentidos ao

que fora escrito independentemente da forma.

Nessa perspectiva, deixamos de lado nosso olhar avaliador e julgador, para

darmos voz ao aluno, sendo assim, passamos a ocupar o lugar de escuta. Ponzio

(2010) sublinha a necessidade da escuta da palavra outra, pois sem isso não há

compreensão e constituição de sentido. Ele explica o porquê dessa dependência

entre a palavra do eu, que escuta, e a palavra outra:

Porque a palavra tende à escuta e, além disso, porque como outra, como singular, fora dos lugares comuns do discurso, descoberta, sem defesas, na situação de responsabilidade sem álibis, sem escapatórias, a palavra subsiste apenas no encontro com a outra palavra [...] É exatamente a relação, o encontro que faz existir a palavra como outra palavra; esta é por esta relação, não existe antes, não existe fora disso (PONZIO, 2010, p. 39).

Ponzio ainda complementa:

Sem o encontro com a palavra outra que a escuta não há outra palavra. Assim, não há o texto de escritura fora da sua leitura, fora da relação com o texto da sua leitura, da sua escrita; e todo texto está já escrito para o texto que o lê, para o texto do qual é o destinatário (PONZIO, 2010, p. 39).

Assim sendo, por causa desse movimento exotópico de escuta foi possível

perceber as necessidades discursivas dos alunos, pois a partir disso conseguimos

verificar a apreciação valorativa que eles construíram durante as aulas.

Depois abordaremos isso com mais detalhes, por hora é importante dizer que,

a partir da perspectiva bakhtiniana discutida no primeiro capítulo, fizemos a análise

das necessidades dos alunos, de maneira que revestimos nosso olhar discursivo

com a filosofia de Bakhtin, por considerarmos que o sujeito fala por enunciados

concretos, o que significa que ele está sempre fazendo uso dos constituintes da

linguagem elucidados pelo Círculo.

Assim, a segunda análise nasce depois de verificarmos quais aspectos

discursivos ainda precisam ser aprimorados, para que o aluno se torne um sujeito-

autor efetivo. Após isso, criamos atividades que buscassem desenvolver esses

aspectos, sempre de maneira dialógica, para então os alunos retomarem as suas

produções.

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Em tal perspectiva, apresentaremos também, no próximo capítulo, uma

reflexão sobre a prática do professor. Em linhas gerais, adiantamos que acreditamos

que ele, a partir do olhar exotópico, tem a condição de perceber a ZPD dos alunos e,

então, criar atividades reflexivas para a reescrita com a finalidade de trabalhar nessa

zona o desenvolvimento discursivo necessário para a formação crítica dos alunos.

Entretanto, antes de envidarmos uma discussão sobre isso e mostrarmos

nossa análise, sigamos à apresentação dos caminhos percorridos na geração de

nossos dados e no processo de análise das produções dos alunos.

3.3 Metodologia de geração e análise de dados: E o corpus era difícil

[...] o pesquisador deve ver o fenômeno, o objeto, o percurso da pesquisa, no espelho do próprio objeto, claro que refratado por seu olhar atravessado por tudo o que envolvem as pesquisas. Afinal, como o diz Beth Brait, “o corpus fala”!

SOBRAL (2005b, p. 116)

Antes de tudo, é necessário dizer que a mudança para o uso de produções

dos alunos ocorreu em nosso segundo ano de pesquisa. Portanto, pode-se imaginar

que foi necessário, como diz o dito popular, “correr contra o tempo” para

conseguirmos os nossos dados.

A nossa primeira ideia para conseguir as produções foi auxiliar alunos do 4º

do ano de Letras na prática de regência. Isso seria possível, pois faríamos disso

parte do nosso estágio docente e, como os alunos do último ano estavam

trabalhando os gêneros discursivos na perspectiva bakhtiniana, pareceu-nos viável a

criação de um projeto de produção processual da escrita com uma dupla da

regência. Assim, buscaríamos trabalhar a reescrita na perspectiva já abordada.

Entretanto, a prática de regência só aconteceria no segundo semestre do

último ano de pesquisa, o que invibializava a coleta de dados em tempo para a

análise. Os dados que fossem gerados nessa prática iriam além das produções, pois

haveria de se considerar o processo de ensino-aprendizagem tanto no que diz

respeito ao planejamento do professor para aplicação do gênero, quanto à

compreensão do aluno, bem como ao processo de escrita do mesmo.

Dessa maneira, teríamos muitos dados e pouco tempo para analisá-los.

Assim, consideramos que para criarmos atividades para a reescrita bastariam as

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produções. Então, decidimos que, ao invés de irmos para a sala de aula,

conseguiríamos a primeira versão de textos escritos por alunos.

Como o nosso intuito era demonstrar a possibilidade de criar atividades

reflexivas para trabalhar as necessidades dos alunos, consideramos que não

haveria problema em apenas conseguirmos os textos sem termos aplicado a

proposta de redação ou dado aulas sobre o gênero. Ademais, sabíamos que isso

não nos impediria de nos comportamos como o professor, afinal, o trabalho que

fizemos tinha a intenção de ser um exemplo para os docentes de LP, que

almejassem um ensino reflexivo da escrita.

Logo que decidimos isso, uma professora nos disponibilizou sete produções

de seus alunos. Nesse primeiro momento, acreditávamos que somente esse número

ou no máximo dez redações seriam suficientes para análise. Quando analisamos as

produções, verificamos que elas não serviam para os nossos objetivos, pois nosso

intuito era trabalhar a discursividade dos alunos em um gênero discursivo.

A proposta das produções consistia em imaginar-se como um celular e, então,

defender por que o celular é melhor que o computador. O intuito da produção era

desenvolver a capacidade de argumentação, de modo que nos questionamos: Em

que momento da vida o aluno precisaria agir como celular e se defender? Se era

para aprender argumentação, por que não ampliar essa proposta aproximando-a da

realidade do aluno? De forma que ele possa argumentar sobre assuntos que são

relevantes para a sua vivência.

Acreditamos que a proposta podia consistir em defender por que o celular é

melhor que o computador, mas sem a necessidade do aluno ocupar o lugar do

aparelho telefônico, objeto inanimado e não pensante. Ao invés disso, poderia se

pensar no cidadão aluno argumentando a partir do seu próprio ponto de vista.

Mediante nossas reflexões, afirmamos que as sete produções faziam parte dos

chamados gêneros escolares, ou seja, um gênero de circulação apenas escolar,

mais especificamente, nesse caso, um gênero de sala de aula.

Procurávamos por produções de gêneros que têm circulação social e que

pudessem abranger temas sociais, pelos quais os alunos se posicionassem

criticamente, pois, assim como os PCNLP, almejávamos a formação de cidadãos

críticos. Por isso, fomos à busca de produções que tivessem esse caráter.

Perguntamos para muitos professores sobre a possibilidade de

disponibilizarem produções de seus alunos. Inclusive procuramos entre os amigos

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que são estudantes do Ensino Fundamental e Médio, porém não encontramos. Os

primeiros alegavam não trabalhar com a escrita naquele momento ou que já haviam

devolvido as redações aos alunos ou ainda que trabalhavam com gêneros literários

como poemas. Quanto aos segundos, encontramos disponibilidade, porém, eram

produções de gêneros e temas diferentes.

Descartamos essas últimas, porque a nossa meta era encontrar produções de

uma mesma turma, para que pudéssemos nos aproximar da realidade de sala de

aula, pois acreditávamos que os professores não veriam possibilidade de uso do

nosso método, caso criássemos atividades reflexivas baseados em uma ou duas

produções, quando na realidade se trabalha com a média de 20 a 30 alunos por

sala.

Depois de muito procurar, uma professora de LP, colega nossa do mestrado

nos forneceu textos que se enquadravam ao que buscávamos, isso é, produções

com um assunto recorrente na sociedade. Por outro lado, a historicidade da

produção dos textos era diferente do que esperávamos, pois, eles não foram

escritos em aula de LP.

Embora uma professora de língua materna tenha nos dado as produções,

elas foram feitas em aulas de Ensino Religioso53. É comum professores da rede

pública darem disciplinas nas quais eles não são formados, para completar a carga

horária. Assim, professores de LP veem-se tendo que dar aulas de Ensino Religioso

ou Educação Artística e isso aconteceu com nossa colega. Refletimos sobre usar ou

não as produções e concluímos que poderíamos usá-las sem problemas.

A nossa preocupação era criar atividades reflexivas a partir das necessidades

discursivas dos alunos, quando não tínhamos as produções isso era problemático,

pois não havia necessidades para analisar e, portanto, nenhuma atividade a criar.

Porém, com as produções da aula de ER, tínhamos as necessidades discursivas e

poderíamos pensar atividades para saná-las ou amenizá-las.

Foi, então, que decidimos usar as produções54, como se fôssemos trabalhar a

prática de reescrita em aula de LP, afinal, a nossa amostra de possibilidade de

criação de atividades reflexivas para a reescrita é direcionada aos professores de

língua materna.

53 Doravante ER. 54 As produções de textos faziam parte do banco de dados da professora que nos forneceu, são produções de alunos de uma escola periférica de Cuiabá, com os quais ela trabalhou no ano de 2008.

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Dessa maneira, tínhamos 32 (trinta e duas) produções cuja temática era

“Drogas”. Devido ao tempo de nossa pesquisa e o seu tamanho, tivemos que reduzir

a quantidade de produções. Assim, escolhemos 20 (vinte) para análise. Após aulas

de discussões sobre as drogas, a professora propôs aos alunos que produzissem

um texto expressando a opinião sobre o uso das drogas e as consequências dessa

atitude.

Sabendo disso, precisávamos, então, analisar os textos em uma perspectiva

dos gêneros do discurso. Refletíamos frequentemente sobre como fazer isso, visto

que os textos foram escritos em uma disciplina que não visava à prática de escrita

de algum gênero, logo, os alunos não escreveram com o intuito de aprender a

escrever, mas para demonstrar a opinião formada nas aulas. Assim, sabíamos que

as produções apresentariam inadequações em qualquer gênero que

escolhêssemos.

Então, optamos por um gênero que estivesse próximo do que o enunciado da

proposta sugeria, por isso, decidimos pelo artigo de opinião. Essa escolha para a

nossa proposta era necessária, pois também queríamos conscientizar o professor

para o trabalho reflexivo da escrita através de gêneros do discurso.

Escolhido o gênero, recorremos ao nosso recorte de criar atividades reflexivas

com o enfoque discursivo. Logo, não criaríamos atividades que visassem à estrutura

do gênero artigo de opinião. Isso não significa que desconsideramos esse aspecto,

muito pelo contrário, assim como as atividades gramaticais, as estruturais podem

ocorrer antes ou depois das discursivas, isso fica a critério do professor. Nós

mesmos, quando estivermos em sala de aula e usarmos esse método, temos a

consciência desses outros tipos de atividades, mas nesta pesquisa o nosso foco é

outro.

Com os dados em mãos, tivemos muitas dúvidas sobre como analisá-los ou o

que analisar da discursividade, pois, como já dito, na leitura dos textos prevalecia

nosso olhar sobre os aspectos estruturais e gramaticais que necessitavam de

adequações urgentemente, mesmo sabendo que esses não eram a nossa proposta,

pois, nesse momento, cabia-nos o papel de trabalho com as inadequações

discursivas. Assim, paramos de analisar os aspectos linguísticos para analisar os

sentidos que os alunos buscavam construir.

Retomamos, então, a teoria bakhtiniana sobre a linguagem para sabermos

que categorias usaríamos para análise das necessidades discursivas. Constatamos

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mais uma vez que a linguagem, nessa concepção, se dá nas relações sociais,

gerando, então, os sentidos discursivos, o que move a vida da sociedade. Para que

os sentidos sejam construídos, os sujeitos – partes locutoras nas relações –

trabalham com os aspectos inerentes à linguagem e é o desenvolvimento desses

que constrói os sentidos.

Tais aspectos, constitutivos da linguagem, foram expostos no capítulo 1,

entendemos que todos eles constituem o sujeito-autor, ou seja, aquele que é capaz

de “dominar” os gêneros discursivos com posicionamento próprio, tanto na oralidade

quanto na escrita. Nessa perspectiva, como almejamos a formação de um aluno

sujeito-autor, é que resolvemos analisar as produções, considerando o desenrolar

dos aspectos inerentes à linguagem conceituados pelo Círculo de Bakhtin. Contudo,

ainda aqui, fizemos um recorte e unimos alguns conceitos, para melhor organização

das categorias de análise.

Tal como definimos a reescrita, prática dialógica, também analisamos as

produções em diálogo com o querer-dizer dos alunos, usando as seguintes

categorias:

1. Gênero discursivo e Ato estético;

2. Compreensão e atitude responsiva;

3. Autoria.

Usamos esses aspectos para definirmos a reescrita, conforme exposto no fim

do capítulo 2. Assim, fazendo o casamento desses conceitos com a reescrita foi

possível a verificação das necessidades dos alunos, ou seja, o que eles precisariam

desenvolver para aperfeiçoamento da escrita e consequente constituição de um

sujeito-autor.

Com o intuito de que os alunos alcancem autoria na prática escrita,

acreditamos que se eles apresentarem compreensão responsiva ativa, eles poderão

atuar criticamente perante a questão Drogas. Assim, conseguirão organizar as suas

ideias axiológicas, adequando-as ao gênero discursivo proposto. O mais provável,

contudo, é que isso não aconteça simultaneamente, pois a escrita é um processo e

por isso dissemos que na reescrita há a oportunidade de aperfeiçoamento dos

dizeres.

Nesse viés, as três categorias escolhidas levaram-nos às seguintes questões

na análise:

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- Como o aluno expõe sua compreensão responsiva: ela é ativa ou passiva?

Como ela desencadeou a atitude criadora do aluno-autor?

- Como o ato criativo do aluno organizou as ideias axiológicas? Ele conseguiu

organizar sua vontade discursiva, relacionando o querer-dizer a como dizer?

- Como o aluno lida com as diversas informações sobre as drogas para então

criar a sua própria opinião?

- O que os alunos precisarão desenvolver para se constituírem autores na

reescrita de suas produções para o artigo de opinião?

Essas e outras perguntas nortearam a nossa análise, à medida que

dialogávamos com as produções. Vejamos, então, especificamente qual foi o

tratamento dado por nós às produções dos alunos, mediante a perspectiva

bakhtiniana.

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CAPÍTULO 4

Análise de dados: implicações da reescrita dialógica e criação das atividades

reflexivas

Nosso objetivo, nesta etapa, é apresentar a análise de verificação das

necessidades discursivas dos alunos, a qual justificará as atividades reflexivas

criadas para desenvolvimento do que o estudante precisa melhorar em seu texto no

momento da reescrita.

Usaremos o dialogismo como base para nossa análise, à medida que não

analisaremos as produções apenas para o encontro das necessidades, mas

buscaremos compreender o querer-dizer do aluno na construção de sentidos. Dessa

forma, poderemos fazer comentários, ao fim das produções, que dialoguem com o

discurso do discente, para que, no momento da reescrita, possamos direcionar a

reflexão do aluno sobre o seu dizer e também o seu fazer. Nesse sentido,

concordamos com Araújo (2004):

(...) um dos trabalhos produtivos com a reescrita parece ser justamente o de criar condições nas quais se possa estabelecer deslocamentos de sentido que favoreçam um retorno engajado ao texto, a partir de uma demanda de reformulação incidindo sobre o dizer e as formas de dizer. (ARAÚJO, 2004, p. 208).

Compreendemos que as atividades reflexivas criadas aqui buscarão trabalhar

na ZPD, pois concordamos com Vigotski que essa zona é o espaço para o estímulo

da aprendizagem dos alunos, sendo o lugar de trabalho com as necessidades. Por

isso, defendemos a relevância dessas atividades como o momento de preparação

do aluno para a prática de reescrita.

Nessa perspectiva, podemos considerar que as atividades favorecerão o

avanço da reflexão do aluno em aspectos da produção que são salientes, ou

iminentemente salientes para ele, assim como permitirão o estabelecimento de

interações e intervenções para que o discente possa vir a focalizar elementos ainda

não observáveis.

A análise, nesta etapa, compõe dois dos passos de nosso trabalho de

pesquisa acerca da criação das atividades e pretende buscar a resposta para as

seguintes questões: Como seria uma análise reflexiva sobre a produção de texto dos

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alunos, considerando a perspectiva bakhtiniana? Quais atividades reflexivas para a

preparação do momento de reescrita a análise suscitaria?

4.1 Análise reflexiva e discursiva das produções

A palavra do outro coloca diante do indivíduo a tarefa especial de compreendê-la.

BAKHTIN (2009[1970-7 1], p. 379)

Conforme apresentado no capítulo anterior, procederemos à análise das

produções tendo como base algumas categorias relacionadas aos aportes teóricos

bakhtinianos, discutidos no Capítulo 1 e usados para definirmos os aspectos visíveis

na reescrita. Essa decisão parte da nossa concepção social da linguagem que,

segundo o Círculo de Bakhtin, abrange os construtos teóricos em questão, dos quais

o indivíduo faz uso em suas práticas sociais, pois são aspectos inerentes à

linguagem.

Assim, apresentaremos a análise em partes, de acordo com as categorias,

para que ao fim desta seção possamos elencar quais necessidades discursivas

serão trabalhadas nas atividades.

4.1.1 Atividade estética e gênero do discurso

Por causa de nosso objetivo de trabalharmos com a discursividade, decidimos

analisar apenas alguns aspectos da atividade estética e dos gêneros do discurso.

Quanto ao estético, verificaremos o conteúdo, preocupados com a organização

axiológica das produções. Quanto ao gênero, analisaremos a vontade discursiva e o

conteúdo temático, interessados no querer-dizer do aluno. Com relação a esse

ponto, o gênero do discurso, cabe-nos uma breve ressalva que nos remete ao que já

foi dito anteriormente.

Por causa da infinita diversidade dos gêneros, os aspectos que os compõem

– estilo, forma composicional e conteúdo temático – acontecem e se inter-

relacionam de formas diferentes, conforme as interações sociais. Assim, o fato de

criarmos atividades reflexivas, no âmbito do artigo de opinião, exige que

consideremos a particularidade desses aspectos no gênero em questão.

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104

Temos a consciência de que as produções aqui anexadas não foram escritas

com o intuito de produzir artigo de opinião e esse nem ao menos faz parte da

proposta do professor feita aos alunos. Por isso, analisaremos as produções, ao

menos quanto ao gênero, sem um valor avaliativo, mas sim comparativo e

apresentaremos como seria no artigo de opinião, mesmo porque o intuito das

atividades aqui apresentadas é para encaminhar os alunos para a reescrita das

produções nesse gênero. Ressaltado isso, sigamos para a análise.

As produções foram escritas mediante a proposta: Considerando os debates

que ocorreram em sala de aula e o vídeo que você assistiu referente às drogas,

produza um texto expressando sua opinião sobre o uso das drogas e suas

consequências.

O objetivo é claro, apresentar a opinião sobre o que foi discutido em sala de

aula. Os alunos atendem a esse objetivo, pois encontramos nas produções amostras

explícitas de opiniões sobre as drogas, tais como55:

Eu sou contra. (anexo 1, 6)

A droga é um vício. (anexo 2)

As drogas não poderia existir. Porque Drogas é só para acabar com a

vida das pessoas. (anexo 3)

Estraga a vida da pessoa acaba com a família e faz vários estragos e

depois você entra nessa você nunca mais sai dessa [...]. (anexo 4)

[...] não entra nela porque é uma vida que não tem mais folta. (anexo 8)

Somente com essas produções, já podemos dizer que os alunos cumpriram o

objetivo da proposta e, ao fazermos leitura das demais produções, verificaremos

opiniões sobre o adolescente que pensa que se usar drogas ninguém irá perceber

(anexo 9), a legalização das drogas (anexo 10), outras que repetem diretamente ser

contra as drogas (anexo 11, 12 e 20) e outros que dão opinião do porquê as

pessoas usam drogas (anexo 13 e 16).

A maioria dessas opiniões é seguida de relatos e depoimentos sobre

familiares e amigos que vivem ou viveram no mundo das drogas. A nosso ver, as

histórias vivenciadas foram relatadas como tentativa de justificar e fortalecer a

55

Quando transcrevermos trechos das produções, faremos tal como o aluno escreveu.

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105

opinião. Outra maneira usada para isso é o uso de informações sobre o que são

drogas, quais suas consequências ou quais famosos já morreram por causa do

vício.

Acreditamos que para os objetivos da disciplina ER esses textos seriam

suficientes, pois os alunos escreveram com êxito, conforme a proposta. Porém, ao

considerarmos essas produções no âmbito do ensino da escrita em LP, não

podemos deixar de buscar muito mais dos alunos, referimo-nos aqui sobre a

construção do discurso que evidencia um sujeito respondente ativo.

Temos discutido constantemente que a constituição do sujeito, a construção

de sua apreciação axiológica, se dá no universo do outro. De modo que

consideramos natural o aluno apresentar relatos daquilo que tem visto ou

vivenciado, pois isso contribuiu para a construção do que eles são e de como

avaliam o mundo que os cerca. Verificaremos que as atividades reflexivas e a nossa

proposta de reescrita do artigo de opinião exigirão dos alunos a utilização do que

vivenciaram para explicitação de suas apreciações axiológicas.

Pensamos dessa maneira por causa da definição estética de Bakhtin

(2002[1924]) para o conteúdo56, ou seja, “a composição axiológica da realidade

vivida” (p.35). Logo, os acontecimentos da vida e as relações sociais levam o sujeito

a apreciações axiológicas, as quais representam a sua constituição.

Compreendemos, então, que os acontecimentos não são as atitudes axiológicas,

mas deles nascem essas atitudes, o que de fato nos interessa, afinal, são elas as

responsáveis pelos sentidos discursivos.

Nessa perspectiva, em se tratando do artigo de opinião, consideramos que os

depoimentos se referem a fatos vivenciados ou observados pelos alunos, porém,

não constituem a axiologia de fato. De acordo com a perspectiva bakhtiniana,

através deles os alunos formaram suas apreciações. Nesse aspecto, atribuímos ao

aluno a característica de um articulista, assim como esse não fala diretamente em

seu próprio nome, mas a partir do ponto de vista de suas relações sociais (SANTOS,

2011), esperamos que o aluno aja da mesma forma ao reescrever.

Logo, não há a possibilidade das produções permanecerem como estão para

a construção do artigo de opinião, pois esse pede uma organização do discurso

56 Aqui lançaremos um olhar sobre o conteúdo, componente da atividade estética, ao fazer isso não desconsideraremos o material e a forma para a nossa análise, porém, não os enfocaremos nesse momento, pois estamos pensando em nosso recorte discursivo.

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106

diferente do depoimento ou relato. Sobre a adequação do discurso, Bakhtin

(2002[1934-35]) afirma:

O tema do sujeito que fala e de sua palavra exige em toda parte procedimentos formais especiais do discurso. Conforme já dissemos, o discurso como objeto do discurso é um objeto sui generis que coloca questões especiais à nossa linguagem (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 139).

Nesse viés, a possibilidade de dizer o que se pretende de qualquer maneira

não existe. O que moldará o como dizer é o próprio discurso que está relacionado ao

campo de produção de determinado gênero, pois são as relações sociais que

determinam os procedimentos formais especiais do discurso. Assim, teremos que

trabalhar com os alunos a reflexão sobre a adequação dos discursos conforme o

gênero. Percebemos, então, que aos alunos não falta assunto, e sim domínio dos

recursos linguístico-discursivos para a composição axiológica.

Tomemos como exemplo a produção 01 para melhor esclarecer essa

problemática:

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107

Tal produção apresenta o esquema mencionado antes: breve opinião seguida

do depoimento e, linguisticamente, tem poucos problemas de ordem gramatical,

porém há insuficiência argumentativo-discursiva, por causa da falta de recursos de

como usar o depoimento para compor adequadamente a apreciação axiológica.

Para isso, pensamos que seriam relevantes comentários sobre o texto para

auxiliar o aluno em sua reflexão no momento da reescrita, após as atividades.

Comentários como:

1. Em relação ao texto Drogas: pesadelo para uns, alívio para outros, para quem

é um pesadelo? Para quem é alívio? E por quê? Em que sentido as drogas

podem ser pesadelo e em qual podem ser alívio?

2. Qual o sentimento dos filhos que têm pais dependentes químicos? Qual a

relação entre eles? Como isso molda o caráter das crianças? Há perdas

nessa relação?

3. Qual a possibilidade de reestruturação familiar quando um dependente

químico decide buscar tratamento?

Durante a reescrita, o aluno não precisaria responder às perguntas tal como

foram feitas, pois esses questionamentos seriam apenas para norteá-lo na

organização de suas apreciações axiológicas. Repare que as questões não seriam

fora da realidade dele, mas teriam como base o depoimento da 1ª versão. Logo,

seriam perguntas sobre as quais ele poderia refletir e responder.

Seriam necessários também comentários para as outras produções, pois,

como a número 01, elas apresentam a mesma necessidade de melhora na

organização da apreciação valorativa. Na realidade, essa necessidade está

relacionada à falta de compreensão ativa57, sem a qual não haverá como dizer o que

realmente se pensa. Contudo, como o retorno às produções só acontecerá após as

atividades reflexivas para a reescrita, os alunos já estarão conscientes da reflexão

sobre a sua escrita e terão os elementos necessários para reescrever.

Não podemos deixar de comentar ainda sobre as produções que mostraram,

já na produção do texto opinativo, suas apreciações axiológicas. Observe os trechos

que selecionamos:

57 Falaremos mais sobre isso adiante.

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Anexo 13:

Anexo 15:

Anexo 16:

Anexo 17:

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109

Essas produções evidenciam atitudes axiológicas que os alunos poderão

aproveitar na reescrita para o artigo de opinião, elas chamaram a nossa atenção

porque se diferenciarem das demais. Enquanto a maioria dos alunos buscou

escrever toda a informação que recordavam das aulas, expondo a opinião

minimamente, essas produções apresentam o contrário, pois nelas as opiniões

sobressaem às informações. Podemos dizer que elas são exemplos de que as

informações e experiências de vida servem para a construção da valoração.

Notamos ainda que, para a construção axiológica, é preciso a prática da

exotopia, mas não somente enquanto momento que permite um olhar de fora, e sim

também prática de procurar entender o outro do lugar dele, e não do lugar do eu.

Isso poderia evitar opiniões extremas ou práticas generalizantes, como acontece na

produção13 (anexo 13) e na produção 17 (anexo 17), as quais dizem,

respectivamente:

Para mim só tem uma resposta para quem quis entrar para esse mundo. “São pessoas com

vontade de acabar com a própria vida”. (produção 13)

Será que essas pessoas que usam será que elas usam por que eles querem ou não

conseguem mais ficar sem usar mais o que os levou a usar será que foi a felicidade ou foi

desilusão a falta de amor carinho companheirismo da família. Isso os leva ao refúgio das

drogas. (produção 17)

No nosso ponto de vista, será interessante trabalhar a exotopia nas atividades

reflexivas, a fim de que o aluno possa consolidar sua apreciação. Acreditamos

também que seria relevante conscientizar o estudante para a prática de pesquisa

sobre o objeto discursivo. Caso as informações do professor apresentadas em sala

não sejam suficientes, os alunos ainda podem recorrer a outros meios, como a

mídia, a internet etc.

Com a apreciação axiológica formada, acreditamos que o sujeito, então,

poderá organizar o seu dizer tendo em vista o que é dizível no artigo de opinião, ou

seja, o conteúdo temático das produções será modificado. Consideramos

anteriormente que as produções foram escritas com êxito e os alunos encontraram

estratégias para justificarem suas opiniões. Vimos que a forma designada por eles

para a escrita foi o relato ou o depoimento, próximo do testemunho, pois como no

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110

enunciado da proposta não apresentava que gênero escrever, constatamos que os

alunos tinham, então, o campo aberto para a escrita do que quisessem, desde que

expusessem a opinião.

Entretanto, visando à prática de reescrita para o artigo de opinião, o conteúdo

temático usado para a escrita dos depoimentos precisará ser outro. Com isso, não

dizemos que depoimentos e exemplificações não possam acontecer no gênero por

nós proposto, porém eles precisam ser discursivizados, ou seja, como discorrido até

aqui, a partir deles os alunos formaram suas valorações.

Nessa perspectiva, concordamos com Santos (2011), quando ela reflete

sobre qual é o domínio de sentido no gênero artigo de opinião:

A título de exemplo, podemos dizer que o domínio de sentido de que se ocupa o gênero artigo de opinião são os acontecimentos sociais (variados em escala temporal) que se mostram discursivizados e permitem uma opinião (avaliação) deliberada/declarada por parte de um autor seja legitimado pelo próprio lugar social de onde fala e pela instituição jornalística que faz a mediação da produção deste gênero (SANTOS, 2011, p. 45).

Mediante os acontecimentos sociais, o autor expõe a sua apreciação

valorativa, ou seja, a sua opinião que pode levar os leitores à criação de uma opinião

própria. Para que isso ocorra, os fatos precisam estar amarrados discursivamente ao

querer-dizer do autor. Considerando esse ponto de vista, teremos que criar

atividades reflexivas que levem os alunos à formação discursiva do seu querer dizer,

mediante um posicionamento crítico.

Quando pensamos nesse posicionamento, não nos referimos somente ao

aspecto polêmico ou à obrigação de ser contra determinado assunto ou a favor dele,

como é comum pensar sobre a natureza do artigo de opinião. Concordamos com

Santos (2011) que nem sempre isso possa acontecer, porque a atitude responsiva

do autor pode ocorrer de outra forma.

O autor pode simplesmente construir sua apreciação valorativa sobre determinado objeto, respondendo a apreciações anteriores de outros autores e esperando deles respostas ou uma compreensão ativa, que podem ser de discordância ou concordância, parcial ou total, negociação, que podem estar conjuntamente representadas no discurso ou não, e isso depende do querer dizer do autor e do fundo aperceptivo que ele tem de seu destinatário (SANTOS, 2011, p. 45).

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Em tal perspectiva, verificamos que o gênero artigo de opinião apresenta

diversas maneira de explicitação da apreciação axiológica e isso dependerá da

vontade discursiva do autor. Nesse caso, não basta, para a reescrita das produções

para o artigo de opinião ensinar aos alunos apenas um tipo, consideramos que será

preciso levá-los a consciência dessa diversidade.

Constatamos, então, aqui duas necessidades discursivas que se

correlacionam: a explicitação da axiologia e a organização dessa no gênero artigo

de opinião. Compreendemos que a primeira já poderia transparecer nas produções,

isto é, conforme já dito, os acontecimentos poderiam ter sido usados para criação

dos aspectos valorativos. Na segunda, temos a ressalva do artigo de opinião não ter

sido o objetivo da escrita. Porém, isso não impede que investiguemos o que

precisará ser trabalhado nas atividades.

Ademais, o ato estético, ou seja, a organização axiológica depende do

gênero, pois esse determinará como o trabalho estético procederá, podemos

exemplificar com as produções dos alunos. Caso nomeássemos as produções como

gênero depoimento, veríamos que as apreciações axiológicas foram organizadas

para a criação desse gênero. Para a reescrita para o artigo de opinião, a

organização será outra.

De tal maneira, criaremos exercícios que estimulem o aluno a posicionar-se e

a criar, a partir dos acontecimentos, apreciações axiológicas e que saibam como

escrevê-las no artigo de opinião. Dessa maneira, acreditamos que haverá o

desenvolvimento da compreensão ativa criadora dos alunos, aspecto inerente à

linguagem que evidencia o caráter singular do sujeito.

4.1.2 Atitude responsiva e Compreensão ativa

Desenvolvemos no capítulo 1 que a atitude responsiva ativa do sujeito

apresenta dois níveis de compreensão: a ativa e a passiva. A primeira evidencia o

caráter crítico do posicionamento do sujeito que, nas relações sociais, refrata os

dizeres do outro para a criação do seu próprio dizer. Para a construção de sentidos

no discurso é pela ativa que o falante espera, pois a passiva representa a

reprodução dos discursos, ou seja, a repetição.

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112

Relacionamos essa ideia ao acontecimento sala de aula, ali a todo o

momento, professor e aluno estão em diálogo que exige, dos dois, atitudes

responsivas, caracterizadas pela compreensão ativa. Essa caracterização,

considerando o aluno, pode aparecer no entendimento dos conteúdos ou no

desenvolvimento de um assunto na escrita ou na oralidade.

Nessa perspectiva, consideramos que a proposta de produção, expressar a

opinião sobre o uso das drogas, esperava dos alunos mais que a repetição do que

fora discutido em sala de aula. Poderíamos dividir as informações em dois sentidos:

1. Demonstração da preocupação do aluno em mostrar que estava presente às

aulas e prestando atenção;

2. Tentativa de mostrar o porquê das opiniões apresentadas: essas são

informações em forma de depoimentos ou testemunhos sobre familiares,

amigos, conhecidos, os quais são ou foram usuários de drogas.

Esses dois sentidos estão misturados nas produções: ora o primeiro

prevalece, dando um caráter informativo ao texto, ora o segundo, dando à produção

caráter de desabafo ou depoimento. Já reconhecemos aqui que os alunos

cumpriram os objetivos, porém acreditamos que, a partir de um processo reflexivo,

eles poderiam fazer muito melhor, produzindo textos em direção ao artigo de

opinião.

Apresentamos alguns exemplos que demonstram a repetição das

informações discutidas em sala de aula:

Eu vou sita algum exemplo que drogas que essas pessoas utiliza como cristal, cigarro, beque, pó, pasta básica, remedio, ox etc... (anexo 04). Nós vimos algumas pessoas antes e depois das drogas e vimos que depois das drogas as pessoas se acabam, quando um dependente não tem dinheiro para comprar a droga ela comesa à roubar para sustentar seu visio, augumas tentam enganar os traficantes mas acaba morta (anexo 05). Muitos famosos já morreram por causa das drogas dentre eles: Michael Jackson; Amy Winnehouse, Cazuza (anexo 15). As consequências são muitas: não tem boa saúde, corre risco de vida, perde a família, quem tem filhos e usa drogas perde o amor dos filhos e da família (anexo 16).

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Vo cita uns tipo de droga: cocaína, ox, maconha, crack, pó, base tabaco [...] (anexo 20).

Esses trechos demonstram não somente falta de compreensão do que o

enunciado pede, mas aponta para uma reprodução das informações apresentadas

na sala de aula para discussão. Nesse caso, temos a evidência de uma

compreensão passiva, quando na realidade esperava-se que o aluno apresentasse

uma compreensão ativa, ou seja, que ele se posicionasse criticamente ao invés de

dizer o que são drogas ou quais as consequências por usá-las.

Aqui também verificamos outro tipo de preocupação: mostrar para a

professora que prestaram atenção. Os alunos respondem dessa maneira com a

consciência de quem será avaliado e se a professora pediu um texto sobre o que

eles viram nas aulas, significa que ela quer verificar se eles prestaram atenção. Isso

poderia ser apenas hipotético, se não fosse o apelo final da produção 05:

Tal enunciado, juntamente com os anteriormente citados, confirma a nossa

tese de que os alunos pensavam que precisavam repassar as informações das

aulas e, por isso, a possível consideração de que escreviam ao professor avaliador.

Temos, então, a figura do professor, na visão dos alunos, como aquele que detém o

conhecimento e avalia a aprendizagem, pontuando para mais ou para menos. Araújo

(2004) complementa essas afirmações, definindo o que é produzir textos na escola:

Produzir textos em contexto escolar configura uma situação particular de enunciação na qual os alunos atendem a solicitações do professor e que, de certa forma, elaboram seus textos a partir da imagem que fazem das expectativas de correção e avaliação [...] (ARAÚJO, 2004, p. 16).

A nosso ver, essa colocação justifica a reprodução de informações. Tomamos

como exemplo a produção 05 (anexo 5), por causa do baixo nível opinativo.

Diferentemente dos outros, que alternam o discurso em informações, indícios de

opiniões, depoimentos, informações etc, a produção 05 atenta para informações e

apresenta apenas um indício de opinião, como mostra o esquema a seguir:

1º e 2º§ - tipos de drogas;

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3º§ - informações sobre o que assistiram;

4º§ - países que legalizaram as drogas; indício de opinião:

[...] já pensou você com seu filho andando pelo parque e aparessese

uma pessoa que acabou de usar.

5º§ - apelo à professora.

Verificamos que o aluno apresenta informações, mas não deixa clara a sua

opinião. Por exemplo, ele nem ao menos diz o que poderia acontecer caso se

deparasse com um drogado em pleno parque. Ele nem mesmo deixa marcas

textuais que expressem a entonação do que ele quer dizer. Isso fica por conta do

leitor.

A professora poderia questionar em comentário a esse aluno sobre o que ele

realmente pensa de todas as informações apresentadas, exemplo:

1. É a favor ou contra as drogas? Por quê?

2. O que isso poderia ocasionar em sua vida ou na vida dos que o cercam?

3. É a favor da legalização das drogas?

4. Caso você encontrasse alguém se drogando em uma praça como você

reagiria?

Tais questões poderiam levar o aluno a uma reflexão mais complexa sobre o

assunto, visto que ele já teria conhecimento sobre isso. A reflexão da professora

demonstrará para ele que ela está preocupada com algo além das notas, pois

espera que ele desenvolva senso crítico. Essa mudança influenciaria o nível da

compreensão do aluno, pois, ao enxergar o destinatário de outra maneira, ele

buscará participar eficazmente da relação dialógica.

A atitude do professor pode levar o aluno a considerá-lo como um interlocutor

com o qual há possibilidade de diálogo, e que se pode esperar uma resposta além

de uma avaliação, ou seja, uma apreciação axiológica do outro (o professor) que o

constitui, à medida que ele também pode constituir a atitude axiológica de seu outro.

Bakhtin (2009[1952-53]) afirma:

O papel dos outros, para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente grande [...] esses outros, para os quais o meu pensamento pela primeira vez se torna um pensamento real, não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação discursiva. Desde o início o falante aguarda resposta deles, espera uma ativa compreensão responsiva (BAKHTIN, 2009[1952-53], p. 301).

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Mediante tal colocação, podemos nos perguntar: Será que nas produções

podemos perceber a atitude responsiva do aluno, tendo em vista o seu outro, o

professor? Ele esperava que compreensão responsiva do seu leitor?

Sim, o aluno teve atitude responsiva: a atitude de responder reproduzindo o

que viu e ouviu nas aulas e a resposta que esperava do professor era uma boa nota

por isso. Logo, compreendemos que a visão que se tem do interlocutor influencia o

tipo de resposta que lhe será dada.

Contudo, a resposta que esperamos de uma produção, com o caráter aqui

definido, é a atitude responsiva ativa com a compreensão do mesmo tipo. Por tal

motivo, criaremos atividades em que o aluno possa trabalhar essas particularidades

da linguagem. Nesse viés, é necessário um trabalho que leve o aluno ao encontro

de sua própria palavra (PONZIO, 2010). Mais do que isso, que o leve ao não

contentamento de reproduzir o que o outro disse, como se existisse alguém que

fosse dono da palavra58:

[...] a palavra que temos que procurar com urgência, e antes de qualquer coisa, é essa palavra outra; cada um deve procurar, e deve procurar em si mesmo, perguntar a si mesmo; e não esperar, querer ouvir, exigir, orgulhosamente e com arrogância, do outro. Uma palavra outra a partir de si mesmo, uma palavra capaz de ouvir a outra palavra (PONZIO, 2010, p. 11).

Por tal citação, lembramos que o sujeito é um ser histórico e é a partir dessa

historicidade que ele atribui sentido aos discursos. Vale dizer que não é a história do

eu sozinho que fará isso, porém, a historicidade dele com a do outro, conforme dito

alhures. Dessa maneira, não há autoridade sobre a linguagem e nem muito menos a

palavra está sujeita a uma única singularidade, afinal, ela está enredada em

milhares de fios dialógicos.

Assim, consideramos que mesmo o aluno precisa exigir de si uma

compreensão ativa em frente às questões postas em qualquer relação social, para

que não aceite a condição de dominado pelo conhecimento do outro, mas que possa

participar ativamente de sua constituição. Nas atividades reflexivas proporemos que

o aluno possa refletir sobre seus discursos e sobre os do outro, com o intuito de

58

Ninguém é dono da linguagem [...]. No nosso caso não se trata de pôr em discussão uma apropriação, mas de

reconhecer, queira ou não, apesar do desânimo que isso pode nos provocar, que “ninguém é patrão na própria casa”, como dizia Sigmund Freud referindo-se à linguagem (PONZIO, 2010, p. 17).

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116

construir o seu próprio dizer e tornar-se um sujeito-autor. Por isso, sigamos para a

próxima categoria de análise.

4.1.3 Autoria

Conforme desenvolvido no capítulo 1, o conceito de autoria está vinculado à

compreensão ativa e à apreciação axiológica, discutidas até agora. Sem eles não há

a formação do autor, o qual significa a atitude criadora do sujeito em um universo

repleto de dizeres dos outros. Nesse viés e, considerando a análise até agora, os

alunos não alcançaram a autoria, entretanto, acreditamos que eles têm potencial

para isso e possuem o recurso necessário, isto é, a presença dos outros.

Esses estavam presentes no discurso apresentado: nos vídeos assistidos

sobre as drogas, nos textos lidos, nas discussões com a professora e os colegas, no

próprio conhecimento de mundo que, por sua vez, está perpassado pelo discurso de

familiares, amigos e conhecidos, usuários de drogas ou não.

A partir do que esses outros pensam é que será possível a formação do

sujeito-autor, mas isso também só será possível se o sujeito buscar a sua própria

palavra (PONZIO, 2010), ou seja, não se satisfaça em responder ao outro com a

palavra desse, reproduzindo o dizer alheio, ocultando o próprio eu.

Compreendemos que as informações da mídia sobre as drogas ou mesmo o

discurso da professora podem constituir o discurso do aluno em seu texto, porém de

maneira dialógica e não autoritária. Por isso, agora seria necessária uma

conscientização dos alunos em dois sentidos: a professora não está ali somente

para avaliar, pois ela pode fazer parte do diálogo; as informações foram

apresentadas a eles para fomentar seu conhecimento sobre as drogas, para

construir a sua opinião sobre isso e não para serem citadas tais como ouvidas ou

lidas nas aulas.

Quanto à presença do discurso de familiares e amigos, os próprios alunos

revelam fatos da intimidade. Essa atitude remonta ao que Bakhtin (2002[1934-35])

diz sobre a necessidade de o sujeito falar e a consideração psicológica do que os

outros possam falar dele. Nesse caso, o que a professora diria ao ouvir a história de

alguém próximo a ele que está no mundo das drogas?

Bakhtin ainda apresenta que a partir do que o sujeito sabe sobre os outros é

que ele construirá uma apreciação valorativa. Não é por nada que em nosso

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117

discurso sobre algo, quase sempre ou sempre, trazemos o discurso outrem colado

ao que discursamos.

Ouve-se, no cotidiano, a cada passo, falar do sujeito que fala e daquilo que ele fala. Pode-se mesmo dizer: fala-se no cotidiano sobretudo a respeito daquilo que os outros dizem – transmitem-se, evocam-se, ponderam-se, ou julgam-se as palavras dos outros, as opiniões, as declarações, as informações; indigna-se ou concorda-se com elas, discorda-se delas, refere-se a elas, etc (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 139).

Logo, segundo a teoria bakhtiniana, é impossível escapar ao discurso alheio,

pois isso faz parte do processo dialógico da linguagem. Nesse processo, cada

interlocutor pode usar de sua singularidade para criar uma resposta com a atitude

valorativa que queira.

Compreendemos que para o aluno, na prática da escrita, esse não é um

processo fácil. A busca pela autoria não é confortável, pois constantemente se tem

que confrontar as vozes que já perpassam o objeto do discurso determinado. Assim,

consideramos que esse processo precisa ser trabalhado no momento da reescrita

em prática reflexiva de como organizar o projeto discursivo, tendo em vista os

destinatários.

Nesta pesquisa, a nosso ver, a formação da autoria tem início nas atividades

reflexivas que buscarão ampliar o universo discursivo do aluno, ao que diz respeito

ao seu posicionamento em meio a tantos discursos. Esperamos que na prática de

reescrita aconteça a consolidação do sujeito-autor, pois ali ele trabalhará

especificamente sobre a sua construção de sentidos.

Vejamos agora que atividades reflexivas essa análise suscitou.

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118

4.2 Atividades reflexivas para a reescrita por categoria discursiva bakhtiniana

A linguagem, em suas múltiplas manifestações, nos serve para que possamos dar respostas ao mundo, ao outro, e quando o fazemos, fazemos também com o outro, com a palavra alheia que tornamos palavra própria.

(PADILHA, 2009, p. 104)

Com base na análise das produções, criamos atividades reflexivas que

objetivam colaborar para a construção do sujeito-autor, à medida que constrói

apreciações axiológicas e desenvolve compreensão ativa criadora sobre o tema

“drogas”. As atividades trabalharão esses aspectos, visando à reescrita das

produções para um artigo de opinião.

Nesse caso, precisamos lembrar mais uma vez, focaremos na discursividade

do gênero, sendo essas atividades reflexivas um recorte do ensino da escrita que

poderia acontecer em aulas de LP. Assim, nas práticas escolares, a criação de

atividades reflexivas sobre a textualidade, enfocando aspectos linguísticos e

estruturais seria necessária também.

Apesar de antes das produções já terem ocorrido debates, discussões sobre

os textos lidos e vídeos assistidos, é necessário trazermos isso à tona, mas dessa

vez de forma mais direcionada. Vejamos, então, as atividades:

Atividade reflexiva 01

Autoria e Gênero do discurso

Caracterização geral da atividade

Procedimentos da atividade:

1º. Dispor a sala em círculo e dividi-la em dois grupos, A e B. O grupo A ficará com o

artigo “Droga de vida” e o B com “Legalização das drogas”, se possível cada

integrante do grupo com uma cópia dos artigos;

2º. Dizer aos alunos que cada grupo fará a leitura em conjunto dos artigos de opinião

sobre as drogas. Em seguida, pedir para que eles façam a leitura, discutindo,

inicialmente, em duplas as questões referentes ao artigo lido, conforme seguem.

Tipo da atividade: Leitura e análise discursiva do gênero artigo de opinião.

Textos a serem trabalhados: dois artigos de opinião com o tema relacionado às

drogas.

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Droga de vida - por Felipe Jost Clavé

Em meio aos jovens, andar com pessoas que utilizam algum tipo de entorpecente é praticamente normal. E, por conta disso, no mínimo um dos nossos amigos usa algum tipo de substância ilegal, mesmo que não saibamos. Eu acho deprimente ter de afirmar isso, mas a cada dia que passa milhares de adolescentes entram em um submundo de vício que parte da maconha até o crack e outras drogas muito mais pesadas. Já virou até clichê dizer que a parada final é a morte, mas isso não deixa de ser verdade.

Em meio a esse cenário atual, uma das perguntas mais feitas é: de quem é a culpa? Sem dúvida nenhuma, dos usuários. Vício não se herda dos pais, nem é imposto pela sociedade. Dos pais, recebemos apenas educação. Porém, mesmo com ela, muitos adolescentes preferem os conselhos de traficantes. E nenhum traficante que se preze vai forçar alguém a usar drogas, afinal ele é sempre um amigo e nunca ofereceria algo que não fosse legal. Além disso, usar drogas virou moda, marca da juventude rebelada que teve tudo nas mãos, nunca lutou por nada e se acha no direito de fazer uma revolução.

Se não fossem os usuários, todo esse comércio ilegal já teria acabado há muito tempo. E esse usuário não deve ser idealizado como uma pessoa sem condições, marginalizada pela sociedade e que furta para pagar pelas drogas que consome. O usuário que sustenta esse tráfico é um estudante que sempre teve acesso a tudo o que quis e nunca realmente trabalhou para receber dinheiro. É o tipo de adolescente que gasta de R$ 300 a R$ 400 em entorpecentes quando vai em festas.

Os motivos para o consumo são ainda mais incoerentes. Como ressaltei, o apelo dos jovens é que usar drogas é legal. De muitos amigos, escutei que festas sem bebidas ou drogas não são festas. Existem tantas desculpas para esse consumo, uma mais ridícula que a outra, que me dá até vontade de rir. Não um riso feliz, mas aquele amarelo do coringa. Um que esconde a vergonha de pertencer a uma geração tão fútil, cujo lema ironicamente é “Viva a vida, pois a vida é curta”. Sim, curta para eles. Curta de ideias, de personalidade, de caráter... de todos os valores morais que realmente contam. É uma semivida, na qual sua felicidade acabou dependendo desse estado eufórico em que você esquece todas as derrotas.

Em suma, é da falta de responsabilidade que parte toda essa situação calamitante em que está imersa grande parte da juventude brasileira. Atualmente tudo é fácil, e o mundo apressado faz com que tenhamos o que queremos nas mãos sem ou com pouco esforço. O remédio para essa epidemia não é apenas a conscientização, mas o amadurecimento dessa geração tão infantil.

Fonte: http://www.clicrbs.com.br/dsm/rs/impressa/4,41,2717129,13523

1. O que o autor quis dizer com o título “Droga de vida”?

2. Podemos verificar para quem o autor direciona esse texto? Justifique.

3. Qual a opinião do autor sobre o uso das drogas? Como ele demonstra isso?

4. De acordo com o texto, por que os jovens usam drogas? Você concorda? Por

quê? Há algum outro motivo?

5. Como o autor descreve a juventude de “hoje”? Você se enquadra nessa

descrição? O que é ser jovem para você?

6. Por que o autor parece tão pessimista sobre a relação juventude e drogas?

7. Você pensa ser possível identificar culpados, quando se trata do uso das

drogas? Por quê?

8. Como você se sente ao ler esse texto? Justifique-se.

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Legalização das drogas – autor desconhecido59.

Particularmente sou contra a legalização da maconha, não vejo pontos positivos, pelo contrário, posso apontar vários pontos negativos.

Primeiramente, legalizar a maconha não quer dizer que o tráfico de drogas vai desaparecer ou diminuir. Siga a linha de raciocínio: Traficantes já matam uns aos outros por roubarem o ponto de drogas, imagine se a maconha for legalizada, e em qualquer supermercado ou mercadinho ela for vendida, o lucro dos traficantes vai ser reduzido, porque as pessoas facilmente vão encontrar a maconha, e esta terá nota fiscal e tudo mais (é até irônico dizer uma coisa dessa), olhando por esse lado isso é até bom, porém, isso não é uma daquelas histórias de final feliz que contam para as crianças. É claro que os traficantes não aceitarão isso, e se já matam uns aos outros, o que impedirá que matem os donos de mercadinhos ou afins que vendam a maconha "legalizada". Com isso a violência vai aumentar.

A maconha assim como as demais drogas vicia, pode não ser tanto quanto o crack e a cocaína, mas de fato vicia, adolescentes são muito curiosos, e por isso o número de viciados está crescendo cada vez mais, se já cresce com a maconha sendo ilegal, imagine quando legalizar, vai ser tão comum que aquele que não fizer uso dela é que vai ser rotulado como "estranho, anormal". E para as pessoas viciadas, o vicio vai está tão próximo que vai ser quase impossível evitá-lo e ficar longe deste.

Além disso, como qualquer droga a maconha tem suas consequências, que a depender da dose utilizada pode variar. Os efeitos e as consequências da maconha podem variar desde aumento da frequência cardíaca (a curto prazo), alucinações, ilusões e paranóias (doses mais altas) até danos no sistema pulmonar e cardiovascular (a longo prazo).

Quanto aos pontos positivos, o único que se pode citar é: com a legalização da droga, mercados (pontos de venda da droga legalizada) e centros de recuperação terão mais lucro.

Portanto, como foi possível ver, não há nenhuma vantagem em legalizar a maconha. Com base no que foi dito, pare e reflita um pouco sobre isso, será que existe alguma vantagem? Será que realmente vale à pena legalizar a maconha?

Fonte: www.mundoreal.spaceblog.com.br

1. Por que o autor é contra a legalização da maconha?

2. Quais são os argumentos usados pelo autor contra a legalização da

maconha?

3. Você concorda com todos os argumentos dados pelo autor contra a

legalização da maconha? Comente o porquê sobre cada argumento.

4. Você acha que se a venda da maconha for legalizada, qualquer pessoa irá

quer comprá-la? Relacione sua resposta com a venda do cigarro que também

é uma droga, vicia e faz mal a saúde e, ainda assim, é vendido.

3º. Depois da discussão em duplas, pedir para que discutam com o grupo, com o

intento de ouvir as opiniões das outras duplas.

59 Buscávamos um artigo de opinião cujo assunto fosse a legalização das drogas. Esse foi o único que encontramos na internet, no blog Mundo Real. Esse blog, segundo a blogueira, foi criado para divulgar ideias pessoais, como o que ela pensa sobre a legalização das drogas. Não temos informações de qual seja seu nome, pois no blog não está divulgado, só sabemos que se trata de uma mulher, porque o sexo foi divulgado. Reconhecemos que nesse artigo há inadequações, mas ainda assim optamos por usá-lo, por causa do assunto.

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4º. Leitura com a turma – uma pessoa de cada grupo fará a leitura do artigo recebido

em voz alta e explanará juntamente com os integrantes de sua equipe as

considerações discutidas. O outro pode, em seguida, colaborar. De fato o professor

os instigará a isso.

Explicando...

Essa atividade nasceu da necessidade dos alunos refletirem sobre a

organização da apreciação axiológica em um artigo de opinião, ou seja, como o

autor desse gênero expõe suas opiniões, argumenta e traz para dentro do gênero

informações. Antes dessa atividade seria necessário também o estudo da estrutura

do gênero, pois isso facilitaria a observação discursiva dos alunos nessa atividade.

Na leitura dos textos, o professor pode levar os estudantes à percepção da

diferença entre os artigos de opinião e o que eles produziram principalmente

referente ao querer-dizer dos autores. Como já desenvolvido, o artigo de opinião não

se constrói somente baseado em polêmicas ou argumentação para defesa de ideias

que busquem convencer o leitor, mas o autor de um artigo de opinião pode apenas

dizer suas apreciações valorativas sobre algo. Em alguns artigos é possível verificar

apenas o ato de dizer o que se pensa sobre o assunto, expressando a opinião60.

A estratégia de dividir os alunos em grupos e dentro desses em duplas é para

que todos tenham a oportunidade de expressar seus apontamentos referentes às

questões e ao que mais queiram dizer sobre o texto. Almejamos com isso a

formação apreciativa do aluno sobre o dizer do outro, representado pelos autores

dos artigos e pelos colegas, pois, conforme a teoria bakhtiniana, é no processo

dialógico que os sujeitos alcançam responsividade ativa.

Tal perspectiva nos leva a reafirmar que o interlocutor, seja ele leitor ou

falante, não é um decodificador do enunciado do locutor, mas um “parceiro” da

produção de sentidos (SOBRAL, 2009). Desse modo, acreditamos que a disposição

das salas e o modo como o professor conduzirá as discussões, a fim de que todos

os alunos participem, instigará a atitude dialógica.

60 Acreditamos que se aplicássemos essa atividade, talvez fosse necessário levar para os alunos diversos tipos de artigos de opinião, para que tenham conhecimento das possibilidades de escrita desse gênero, isso pode ser feito durante o ensino dos aspectos do artigo de opinião.

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Podemos, ainda, considerar que esse momento é relevante para o

reconhecimento da liberdade de palavra (PONZIO, 2010), ou seja, o conhecimento

de que cada sujeito pensa de maneira singular e é na singularidade do outro em

contato com a do eu que os sentidos irão ser construídos:

A liberdade da palavra [...] é indício de demagogia secundária, baseada na qual não somente uma pessoa “toma a palavra”, a “pretende", a “concede”, a “dá” (Dou a minha palavra!), mas, mais ainda, a distribui, dividida, segundo um tempo igual para todos: a cada um tempo de palavra (PONZIO, 2010, p. 19).

A compreensão do que o outro pensa auxiliará os alunos no momento da

reescrita para constituição do seu querer-dizer referente à legalização das drogas e

aos motivos que levam uma pessoa a usar drogas. Esses são assuntos recorrentes

nas produções, por isso apresentamos artigos que dialogam essas duas temáticas.

As questões propostas foram criadas com base na necessidade discursiva

dos alunos, ou seja, elas nortearão a discussão dos grupos, à medida que serão

instrumentos para reflexão dos alunos e consequente ampliação das apreciações

valorativas. Vale ressaltar que, dependendo de como transcorra a discussão, o

professor precisará elaborar outras questões e para isso ele precisará estar atento

para orientar os alunos no caminho da construção de sentidos.

Essa atividade não se esgota aqui, pois ela é apenas o início do processo de

constituição do sujeito-autor. Veremos que o próximo exercício é continuação dos

objetivos dessa atividade, porém exigirá que os alunos coloquem em prática suas

reflexões sobre o uso das drogas. Precisaram responder aos outros ativamente em

uma situação de comunicação com interlocutores fictícios, mas que poderiam ser

reais. Os objetivos disso serão o desenvolvimento da compreensão discursiva e

como direcioná-la ao outro.

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Atividade reflexiva 02

Autoria: Compreensão ativa e Atividade estética

Caracterização geral da atividade

Pessoas hipotéticas no debate:

Uma pessoa indecisa, com dúvidas se usaria drogas;

Grupo 01 - usuários de drogas;

Grupo 02 – Aqueles que não usam e convivem com quem usa;

Grupo 03 - Aqueles que não usam e não querem.

Procedimentos da atividade:

1º. Explicar para os alunos que essa atividade é complementação da anterior, com a

finalidade de ajudá-los a ampliar suas opiniões de maneira crítica sobre as drogas,

tendo em consideração tudo que já foi discutido até então. Dizer que será um debate

personalizado em forma de encenação, para que eles ocupem o lugar de pessoas

que pensam diferentemente deles.

Essa prática pode levá-los a compreender melhor o posicionamento dos outros, para

então, com eficácia, criarem a sua própria opinião.

2º. Pedir para que os alunos distribuam entre o grupo as personagens, sendo que

um aluno fará a pessoa indecisa, com dúvidas se usaria drogas; três farão os

usuários de drogas (grupo 01); três, os que não usam e convivem com quem usa

(grupo 02); três, os que não usam e não querem (grupo 03).

3º. Entregar e ler a seguinte situação:

Uma pessoa tem um amigo que usa drogas e está insistindo para ela usar. Ela tem

ouvido muitas coisas sobre as drogas, alguns dizem que é bom usar, outros que não.

Ela não sabe em quem acreditar. Às vezes ela pensa que deve decidir por si própria

se a droga é ruim ou boa, mas para isso ela precisaria experimentar, então, ela

sempre se pergunta: experimentar ou não?

Tipo da atividade: Debate personalizado

Desenvolvimento da atitude crítica e organização da apreciação axiológica na

construção da opinião.

Ainda em grupos A e B, os alunos terão como base todas as reflexões feitas nas

aulas sobre o uso das drogas, reflexões feitas desde antes da escrita das

produções até a atividade anterior.

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Ajudem-na a decidir!

O que será que os usuários de drogas diriam para ela? Será que todos os usuários

são como o amigo dela? Todos querem a mesma vida para os outros?

O que diriam aqueles que são contra as drogas e que têm familiares e amigos nesse

caminho? E aquelas pessoas que não querem usar drogas, apenas porque têm visto

notícias sobre as consequências das drogas?

4º. Explicar que os grupos não precisam falar diretamente com a pessoa indecisa

sobre o que fazer, eles podem falar entre si, por exemplo, o usuário pode direcionar

a fala para quem não usa e vice-versa. A pessoa indecisa não precisa ficar quieta

enquanto os outros falam sobre se ela deve usar ou não. Ela deve participar do

diálogo, com questionamentos ou ainda apontamentos.

Sobre o final: em um grupo, a pessoa indecisa decidirá sobre o que fazer,

dependendo da argumentação e fatos expostos no debate. No outro grupo, ela

decidirá em cinco minutos não usar as drogas e se juntará às outras pessoas em

argumentação para persuadir o usuário a abandonar as drogas. Serão necessários

20 ou 25 minutos para que os grupos discutam e reflitam sobre como farão.

5º. Enquanto o grupo A estiver em debate, o B observará e fará anotações e ao fim

dará a sua apreciação valorativa, sobre o debate assistido e depois o A fará o

mesmo.

Explicando...

Essa atividade convida os alunos a pensarem como outros, tentando colocar-

se no lugar de pessoas representadas nos personagens apresentados como pessoa

indecisa sobre se usaria drogas; usuários de drogas; pessoas que não usam e

convivem com quem usa; pessoas que não usam e não querem.

Esses personagens foram criados a partir das temáticas apresentadas nas

produções dos alunos, tais como:

A favor ou não das drogas; (em todas as produções).

O que leva as pessoas ao uso de drogas? (anexos 8, 13, 14, 17).

As consequências das drogas em aspectos físicos, mentais e

relacionamentos; (anexos 4, 5, 6, 7, 9,12, 13,19, 20).

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Conselhos enfáticos de alerta contra as drogas; (anexos 2, 4, 6, 10, 12,

17, 18, 19).

Testemunhos sobre familiares, amigos e conhecidos usuários. (anexos 1,

3, 4, 6, 11, 12).

Esses aspectos aparecem nas produções, porém não demonstram a atitude

crítica dos alunos concretamente. No debate, poder-se-á exercitar o querer dizer

para alcançar da compreensão ativa, mediante as apreciações valorativas. Para

isso, o professor será o coordenador do debate, orientando os alunos na atuação,

tendo a situação dada como referência. A ideia desse debate não é repassar

informações, mas materializar o que o conhecimento sobre drogas significou para

eles. Então, caso eles fiquem apenas no nível informativo, o professor intervém para

ampliar a apreciação valorativa.

Em todo caso, o professor estará coordenando para manter esses propósitos,

de maneira que todos falem. Cada debate pode ter de 10 a 15 minutos: enquanto

um grupo debate, o outro observa e ao final opina sobre a discussão nos aspectos

propostos. O professor pode até sugerir que eles digam se fariam algo de diferente

ou seu concordaram ou não com algo que foi dito.

Nessa atividade, além do exercício da formação de atitude crítica e

organização axiológica, podemos considerar também o exercício de colocar-se no

lugar do outro para compreendê-lo e, a partir daí, formar opinião sobre algo. Vale

lembrar que a capacidade de se colocar no lugar do outro está ligada ao excedente

de visão que o eu tem do outro.

Esse aspecto, como já dito, envolve as questões espaciais – relacionadas ao

corpo no espaço – e as questões discursivas, relacionadas às relações sociais

vivenciadas pelo eu diferentes das vividas pelo outro e também molda a atitude

estética do eu, ou seja, como será a formação da apreciação valorativa do eu.

Outro momento da atitude estética que podemos verificar aqui é o fenômeno

de compenetração, ou seja, da colocação do eu no lugar do outro, da qual fala

Bakhtin (2009[1922-24]):

[...] eu devo vivenciar – ver e inteirar-me – o que ele vivencia, colocar-me no lugar dele, como que coincidir com ele (no modo, na forma possível dessa compenetração...) [...] Devo adotar o horizonte vital concreto desse indivíduo tal como ele o vivencia [...] (BAKHTIN, 2009[1922-24], p. 23).

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Esse movimento cria um diálogo sem preconceitos, com construção de

sentidos que constitui o eu-outro, pois os leva a pensar na condição humana das

partes envolvidas na relação social. Ainda nessa perspectiva de ocupar o lugar do

outro, é necessário lembrar a natureza insubstituível do sujeito, pois ocupar o lugar

não implica tomar a existência sendo a outra pessoa.

Ponzio (2010) reflete sobre essa condição: “Do meu lugar único, que ninguém

mais pode ocupar, somente eu sou eu, enquanto todos os outros são outros” (p. 35).

Assim, quando o eu vivencia a vida do outro, isso é feito com consciência, de

maneira reflexiva, devido ao excedente de visão que o eu tem do outro. Bakhtin

(1922-24) diz que esse movimento sobre a vida do outro pode motivar o eu a um ato

ético: para ajuda, consolação, reflexão cognitiva, o que caracteriza a compreensão

ativa criadora do eu.

Esses aspectos estão presentes nessa atividade reflexiva e auxiliarão os

alunos quando retomarem suas produções, pois eles poderão pensar

dialogicamente em seus interlocutores e também naqueles mencionados nas

produções como familiares, amigos e conhecidos. Como continuação desse

exercício, esses aspectos serão ainda usados na atividade reflexiva 03, porém de

outra maneira.

Atividade reflexiva 03

Autoria: Atividade estética e Exotopia

Caracterização geral da atividade

Procedimentos da atividade:

1º. Dispor os alunos em círculo e distribuir uma cópia para cada um do texto com o

testemunho de um ex-dependente químico, apresentado abaixo.

Tipo da atividade: leitura de um depoimento de um ex-dependente químico e

conversa com um especialista que trabalha com dependentes químicos.

Essa atividade objetiva colocar os alunos de frente com a história de um ex-

dependente químico, a fim de que conheçam o ponto de vista de uma pessoa que

está sob o julgamento deles na escrita de suas produções. Propomos também uma

conversa com um especialista em dependentes químicos, acreditamos que isso

seria relevante para os alunos, afinal, alguns têm familiares e amigos dependentes.

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TESTEMUNHO DE UM EX-DEPENDENTE QUÍMICO – autor desconhecido

Alunos adolescentes da Escola Estadual José Evangelista França, em Sete Lagoas, reunidos no pátio da escola para ouvirem a palestra sobre drogas. O vereador Milton Saraiva, se apresentou e contou a experiência triste, que teve com um irmão envolvido com drogas, fez a família sofrer e acabou internado como louco.

Despediu-se e deixou, para continuar falando sobre o assunto, um senhor de 43 anos, que falaria de sua experiência com drogas. Seu nome é Nelson Lopes, membro da ASFIPO (Associação de Prevenção às Drogas). Começou dizendo que as drogas lhe oferecem o céu e depois, tiram-lhe a capacidade de voar.

Sua mãe ficou viúva, e vieram morar aqui por ser uma cidade maior e ela queria dar estudos e vida melhor para eles. Ele chegou a estudar até a sexta série. Se achava feio, mal-vestido e ninguém queria sua amizade. Na escola, naquela época, tinha um grupinho que era respeitado pelos colegas. Um dia deixaram cair um pacotinho que chamavam de loló, ele com apenas 11 anos, levou para casa e experimentou. Olhou para seu tênis velho e furado, de repente ele estava até bonito, se olhou no espelho, ajeitou o cabelo e se achou transformado, gostou da sensação de liberdade que sentia.

No outro dia, depois de pegar o dinheiro que a mãe guardava para comprar pão e leite dos menores, ele comprou a droga, e se sentiu "o cara!" Começou a faltar às aulas. Precisando de mais dinheiro, cometeu seu primeiro furto, um toca-fitas de um carro. Foi encaminhado a FEBEM (Instituição para menores infratores). Saindo de lá, abandonou a escola, a família e entrou para o mundo das drogas. Cometeu latrocínio, se tornou o traficante mais procurado na época. Conseguiu muito dinheiro, comprou casas e fazia viagens pelo Brasil. Engravidou algumas mulheres, e as abandonava quando era preso, os soldados o levavam para a "Serra de Santa Helena" ponto turístico da cidade. Lá o espancavam antes de prendê-lo.

Quando saía da cadeia, voltava a roubar para sustentar o vício, experimentou de tudo que as drogas oferecem. Um dia foi ao médico, pois seu nariz sangrava e doía. O médico ficou sabendo que ele era viciado em cocaína e disse-lhe que se não parasse em seis meses, perderia o nariz. Achou melhor usar drogas injetáveis, com o organismo debilitado não conseguia nem roubar mais. Resolveu pedir ajuda a mãe. Coração de mãe é cheio de amor e perdão.

Voltou para casa, enquanto sua mãe foi a cidade de Aparecida em São Paulo cumprir promessa feita para o filho sair do vício, ele chamou um caminhão e colocou tudo de valor que ela conseguiu em anos de trabalho. Tudo pela droga. Passados alguns anos, começou a usar o crak, que como ele disse: é a destruição do ser humano. Aos 30 anos, pesando 43 quilos, passou a morar debaixo da ponte, ali mesmo não sendo homossexual, ele aceitou transar com homens para sustentar seus vícios. Vivia pior que muitos animais, sem banhos, sem roupas decentes e sem objetivo de vida.

Às vezes tinha a sensação de não estar vivo, foi assim que teve um encontro com Jesus Cristo, mesmo não tendo religião. Jesus lhe dizia, para procurar ajuda, e que ele serviria de exemplo para muitos jovens! Foi pedir perdão a mãe, ela procurou o vereador Milton, que o internou em uma clínica para drogados. Há dez anos, ele não se droga, apesar de várias cicatrizes no corpo e na alma, segue a vida, gritando para os jovens: A droga não compensa, ela vai te destruir! Fonte: http://pt.shvoong.com/writing-and-speaking/1997043-palestra-sobre-drogas-testemunho-um/#ixzz1abpX0rv7

2º. Explicar que eles farão a leitura do testemunho de um ex-dependente químico e

discutirão sobre, guiados por questões referentes ao texto. Inicialmente, o

especialista pode apenas observar a discussão e, à medida que a conversa ocorra,

ele intervirá.

3º. As questões são para iniciar a conversa. Esperamos que, com o tempo, os

alunos se sintam à vontade para perguntar o que quiserem.

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Questões iniciais:

1) Em sua opinião, quais foram os motivos que fizeram Nelson Lopes entrar no

mundo das drogas?

2) Você considera que há culpados por alguém usar drogas, além do próprio

usuário? Por quê?

3) Em sua opinião, como as autoridades precisariam lidar com os viciados?

4) Qual o papel da família e dos amigos na recuperação de quem está em

tratamento?

Explicando...

Nessa atividade, trazemos um depoimento de um ex-dependente químico que

norteará a discussão entre os alunos e um especialista em recuperação de usuários

de drogas. Assim, os alunos poderão refletir sobre o que leva algumas pessoas às

drogas, o porquê da dificuldade de abandonar o vício, a importância do apoio da

família ou de amigos quando o viciado decide se tratar, a consciência do drogado

sobre o que a droga faz com a vida dele. Esses temas serão tratados, porque nas

produções essas questões estão presentes, mas às vezes expressas de maneira

preconceituosa ou ainda sem nenhuma comprovação, portanto, como senso

comum.

Essa também será uma oportunidade para aqueles que conhecem pessoas

usuárias de drogas se expressarem sobre como é a vida dessas pessoas, se é

parecida com o que fora a vida do ex-drogado, qual o sentimento da família, dos

amigos ou ainda do próprio aluno em relação a isso. Poderia ainda ser discutida a

questão da possibilidade de restabelecimento físico, mental, familiar e social dos

drogados, quando esses decidem procurar tratamento.

Seguindo a abordagem das atividades anteriores, essa se daria em rodas de

conversas, como uma prática de escutar o que o outro tem a dizer. Ponzio (2010)

ressalta que a palavra outra se dá “na escuta, no ‘dar um tempo ao outro’”,

consistindo em uma centralização do outro ao invés da centralização do eu, pois

para Bakhtin e o Círculo o eu encontra sua palavra a partir do outro, por isso há

necessidade de refletir sobre o que os outros, em nosso caso, professor, colegas e

especialista, têm a dizer:

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[...] colocar-se em escuta significa simplesmente isso: dar tempo ao outro, o outro de mim e o outro eu; dar tempo e dar-se tempo [...]. É tempo disponível, disponível para a alteridade, a alteridade de si mesmo em relação à própria identidade e alteridade do outro em relação à própria identidade e a alteridade do outro em relação à sua identidade (PONZIO, 2010, p. 25).

Por tal colocação, reafirmamos a necessidade de refletir sobre o que o outro

diz, compreendendo suas apreciações avaliativas para então encontrar a própria

apreciação. Depois de todas essas atividades reflexivas, consideramos que os

alunos estarão preparados para retomarem as produções.

Atividade reflexiva 04:

A reescrita

Caracterização geral da atividade

Procedimentos da atividade:

1º. Entregar as produções aos alunos e dizer para reescreverem como artigo de

opinião, considerando os comentários feitos ao fim de cada produção. Explicar que

os comentários foram feitos para nortear as reflexões deles sobre o próprio texto e

que eles precisam considerar as discussões feitas nas atividades anteriores, não

para reproduzirem as informações, mas para construírem suas próprias opiniões.

Enquanto eles refletem, o professor pode dizer que estará disponível para

conversarem, à medida que as produções vão sendo reescritas.

Explicando...

Ficamos em dúvida se enquadraríamos a reescrita como atividade reflexiva.

Afinal, vimos afirmando que as atividades seriam criadas a fim de preparar os alunos

para esse momento, ou seja, não a considerávamos atividade tal como as outras.

Entretanto, no decorrer da análise percebemos que a reescrita é também um

exercício reflexivo para melhora da prática da escrita.

A diferença entre essa atividade e as outras é que as outras foram criadas em

virtude desse momento, pois os aspectos do discurso trabalhados nas atividades

Tipo da atividade: retorno às produções com os comentários do professor

para a reflexão e reescrita

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materializam-se nessa prática. Logo, é na reescrita que o aluno poderá utilizar os

saberes adquiridos nas atividades para tentar “sanar” suas necessidades.

O que esperamos cultivar é a ideia de que, na reescrita, os textos são

retomados e reelaborados a fim de corresponderem aos parâmetros do gênero do

discurso proposto, em nosso caso, do artigo de opinião. Caso aplicássemos essas

atividades, sabemos que a primeira reescrita das produções para um artigo talvez

não alcançasse bons resultados, pois essa seria a primeira versão dos alunos do

artigo de opinião, visto que a primeira versão das produções não era esse gênero.

Por isso, talvez fosse necessário reescrever mais de uma vez. Não

consideramos que após a primeira reescrita seja preciso a criação de mais

atividades reflexivas que antecipem uma terceira, quarta ou quinta versão. O que de

fato precisa permanecer é a prática reflexiva do aluno e o diálogo com o professor,

tanto por comentários quanto oralmente.

Nessa perspectiva essa atividade, como todas as outras, precisa ser

monitorada pelo professor, independentemente dos comentários feitos ao fim das

produções, pois é importante que o docente esteja disponível para conversar com os

alunos, caso esses queiram discutir sobre os comentários. Isso caracteriza a

reescrita como prática dialógica, questão que já definimos ao fim do capítulo 2 que

agora retomamos.

Destacamos que essa prática reflexiva da reescrita faz parte do processo de

formação do sujeito-autor, por isso as categorias apresentadas para análise e

desenvolvidas nas atividades reflexivas seguiam para essa constituição: o sujeito-

autor com opiniões próprias e consequente posicionamento crítico.

Ainda verificamos que as categorias de análise e as necessidades

trabalhadas nas atividades coincidem com a dialogia da reescrita e com os aspectos

inerentes à linguagem que verificamos nessa prática. Dessa forma, nessa atividade

04, após atividades que deram suportes para esse momento, teremos:

Um trabalho do sujeito em uma atitude responsiva com consequente

compreensão ativa criadora. Esta foi construída mediante as

discussões e reflexões feitas durante as atividades e agora segue

mediante os comentários do professor.

Olhar exotópico do sujeito sobre o próprio texto, nesse momento o

sujeito é outro de si mesmo. O aluno já não é o mesmo da primeira

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versão. Podemos dizer que agora ele pode analisar seu antigo texto,

de maneira reflexiva, com valorações que foram construídas nas

práticas interativas das aulas.

Uma reflexão sobre a estética do texto, pois há trabalho reflexivo sobre

o conteúdo, o material e a forma61 e também reflexão sobre o ético –

análise das apreciações valorativas, relacionando com o que se pode

ou não dizer em determinado gênero.

Durante a análise, constantemente, nos lembrávamos do que Faraco (2009)

diz sobre como o pensamento bakhtiniano significa a ação humana. Ele diz que para

esse pensamento “a grande força que move o universo das práticas culturais são

precisamente as posições socioavaliativas postas numa dinâmica de múltiplas inter-

relações responsivas” (p. 38)62.

Recordávamos disso, pois em nossa análise sempre remetíamos a prática

axiológica e compreensão ativa para constituição do sujeito-autor e essa questão

socioavaliativa já estava presente em nossa percepção de quais aspectos

bakhtinianos seriam visíveis na reescrita. Percebemos, ainda, que pensar em

analisar as produções dos alunos em um aspecto discursivo, na perspectiva

bakhtiniana, significa analisar a construção axiológica dos dizeres dos sujeitos.

De acordo com Sobral (2009), o fato de o Círculo de Bakhtin insistir que toda

enunciação envolve um tom avaliativo, isto é, uma apreciação valorativa impressa

pelo sujeito as suas atuações verbais, demonstra que os textos com os quais o

sujeito tem contato nas relações sociais não se restringem a formas abstratas,

porém, são concretos e ganharam sentidos a partir da realidade e das apreciações

valorativas do interlocutor. Sobral, ainda sobre isso, complementa:

Na definição de outra base da concepção dialógica, o Círculo usa a expressão “entoação avaliativa” (ou expressiva) para designar o fato de que o sujeito sempre diz algo ao outro a partir de uma dada posição social, que resulta da relação do sujeito com o outro nas circunstâncias concretas de sua interação (SOBRAL, 2009, p. 84).

61 Não trabalhamos aqui com o material e a forma, pois para o nosso recorte discursivo a análise do conteúdo era suficiente. Mas reafirmamos que esses aspectos precisam ser ensinados também de maneira reflexiva, o que implica dizer que as atividades podem abordar os demais constituintes da construção da linguagem, isso conforme a necessidade dos alunos. 62 Citação já presente no capítulo 1, mas achamos por bem reafirmá-la aqui.

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Tal colocação nos leva a reafirmar que o interlocutor, seja ele leitor ou falante,

não é um decodificador do enunciado do locutor, mas um “parceiro” da produção de

sentidos (SOBRAL, 2009). Dessa forma que se dá a prática dialógica, por meio das

valorações construídas pelos sujeitos, as quais vão construindo os discursos.

Por isso, demos tanta importância à interação nas atividades e a prática de

trabalho com o outro, sempre com a ideia de que o aluno pudesse refletir sobre os

discursos que os colegas apresentassem, pois seria a partir deles que seria

construído o posicionamento crítico e se teria, então, a constituição da autoria.

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Considerações finais

Nossa pesquisa insere-se nos pressupostos do paradigma sócio-histórico e

cultural do ensino-aprendizagem de língua materna em contexto escolar, por isso

trabalhamos com o estudo da escrita como prática social e defendemos que o

ensino de LP reflexivo e contextualizado, ou seja, que leve em consideração as

condições sociais. Nessa vertente, utilizamos a concepção do ensino-aprendizagem

da escrita enquanto processo, interessados na prática reflexiva dos alunos sobre o

próprio texto, significada aqui como reescrita.

Logo no início, apresentamos a problemática do como ensinar reflexivamente

a reescrita e lembramos que para ocorrer essa prática seria preciso um trabalho

anterior que partisse das necessidades dos alunos, a fim de que fosse dado aos

estudantes suporte para a reflexão dos aspectos a melhorar em suas produções.

Com esse intuito, passamos a considerar a criação de exercícios que tivessem

esses objetivos e cunhamos, então, essa abordagem de atividades reflexivas para a

reescrita.

Na escolha de que necessidades trabalhar nessas atividades, nós fizemos o

recorte de nos atermos, nesta pesquisa, à discursividade. Dessa maneira,

recorremos à teoria da linguagem do Círculo de Bakhtin que busca compreender as

relações sociais mediante a construção de sentidos, isto é, de discursos.

Utilizamos essa teoria não somente para analisarmos as necessidades

discursivas nas produções, mas também para embasarmos a nossa concepção de

reescrita, investigando na obra bibliográfica do Círculo quais aportes teóricos são

visíveis nessa prática, conforme consta no capítulo 1.

No capítulo 2, traçamos o panorama do ensino da escrita no Brasil.

Discutimos sobre as influências teóricas presentes nos documentos oficiais como o

conceito de ZPD de Vigotski, que compreende a zona de trabalho com as

necessidades das crianças, tendo como base as possibilidades de aprendizagem,

ou seja, o desenvolvimento potencial. Consideramos essa noção em nossa análise

das necessidades discursivas nas produções dos alunos.

Apresentamos, também, uma discussão com a teoria de ensino-

aprendizagem da escola de Genebra, que também influenciou a criação dos PCNLP.

Nessa parte mostramos, brevemente, a concepção do gênero textual, diferenciando-

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a do gênero do discurso, com o intuito de justificarmos o nosso trabalho com essa

última noção. Também, discorremos brevemente sobre algumas pesquisas que

defenderam o ensino da reescrita como prática reflexiva e processual, para, em

seguida, apresentarmos a nossa concepção da reescrita como prática dialógica, a

qual aborda também a ideia de reflexão e processo.

Nessa seção retomamos, ao fim, os aspectos teóricos da teoria bakhtiniana

presentes na reescrita, os quais moldaram a nossa concepção dessa prática. Como

dito, esses aspectos constam no capítulo 1 faz parte do nosso primeiro objetivo, o

qual busca responder a questão:

1. Quais os aspectos da teoria bakhtiniana estão visíveis na prática de

reescrita?

No estudo da obra bibliográfica do Círculo de Bakhtin pudemos compreender

o funcionamento da linguagem para a construção de sentidos, pois a filosofia

bakhtiniana busca apresentar isso, mediante o estudo dos aspectos, segundo a

teoria, inerentes à linguagem. Esse fato casou com a nossa concepção da escrita,

que, a nosso ver, é uma maneira de praticar a linguagem, portanto, compreendemos

que a reescrita, um procedimento da escrita, é um trabalho reflexivo da linguagem.

Por isso, foi possível percebermos os construtos teóricos de Bakhtin nessa

prática. Desse modo, concluímos que na prática da reescrita identificamos o

dialogismo, o aspecto primordial da linguagem, no qual todos os outros aspectos se

inserem. Ele caracteriza a reescrita como momento em que o aluno reflete sobre os

enunciados dos outros e a partir deles constrói os seus próprios com o intuito de

apresentar respostas ativamente responsivas.

O que caracteriza a presença, também, dos aportes teóricos compreensão

ativa e atitude responsiva ativa. Esses aspectos estão ligados a constituição do

sujeito-autor, o qual se desenvolve na prática reflexiva da reescrita. Notamos, então,

a construção da autoria, conforme Bakhtin, caracterizada pela atitude criadora do

aluno, advinda da compreensão ativa.

Outro aspecto presente na reescrita é o ato estético. Esse significa a

organização das ideias axiológicas em determinado gênero do discurso. Na prática

de reescrever, o aluno preocupa-se em organizar as suas apreciações valorativas,

tendo em consideração as particularidades do gênero e, também, buscará escrever

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de maneira que o seu destinatário compreenda. Isso leva-nos a outro aspecto, a

exotopia.

Essa está relacionada ao excedente de visão que o aluno tem sobre a sua

própria produção, ou seja, ele compreende o que é necessário melhorar porque nas

atividades reflexivas ele construiu um novo olhar, isto é, um olhar outro sobre o

próprio texto. Esse movimento só será possível, caso o professor crie atividades que

deem suporte para os alunos trabalharem com suas necessidades. E, para

verificação das necessidades, o professor precisa analisar as produções dos alunos

e só depois criar as atividades baseadas nelas.

Em nosso percurso metodológico percebemos isso, então, optamos por

analisar as produções conforme a teoria bakhtiniana, assim, esse tipo de análise

passou a compor os nossos objetivos e buscou responder a segunda questão:

2. Como seria uma análise reflexiva sobre a produção de texto dos alunos,

considerando a perspectiva bakhtiniana?

Conforme dito no capítulo 4, foi necessário nos colocarmos na posição

dialógica para percebermos quais eram as necessidades discursivas dos alunos.

Essa posição não nos levou a dialogar somente com as produções, mas também

com os aportes teóricos do Círculo de Bakhtin apresentados no capítulo 1.

Nesse diálogo, percebemos que os conceitos bakhtinianos estão interligados

uns com os outros, de maneira que ao falar de um é difícil não remeter ao outro, isso

faz parte da unicidade da linguagem. Dessa forma, decidimos escolher alguns

aspectos que remetessem aos outros conceitos, para, então, organizarmos nossa

análise por categorias. Como vimos no capítulo 3, escolhemos analisar pelas

categorias gênero do discurso e atividade estética; a compreensão ativa e a atitude

responsiva; autoria.

No decorrer da análise, percebemos que, por causa do nosso recorte

discursivo, essas categorias de análise estavam ligadas ao aspecto axiológico da

linguagem. E começamos a compreender que trabalhar com o discurso é trabalhar

com as apreciações valorativas dos outros e, no caso das produções, era a análise

das posições de valor dos alunos.

Compreendemos que se fizéssemos atividades nas quais buscássemos o

aprimoramento das ações dos alunos em nossas categorias de análise, estaríamos

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levando-os à construção de valores, isto é, à formação de um sujeito-autor reflexivo

e crítico. Concluímos, então, que, nas atividades reflexivas, os alunos teriam a

oportunidade de construir criticamente suas valorações.

Com essa perspectiva, buscamos responder a nossa terceira questão:

3. Quais atividades reflexivas para a preparação do momento de reescrita a

análise suscitaria?

Como vimos desenvolvendo, a análise, mediante as categorias escolhidas,

mostrou a necessidade discursiva dos alunos na construção da axiologia em

questão de posicionamento crítico. Por isso, optamos por atividades reflexivas nas

quais os alunos fossem impelidos a constantemente refletir sobre os dizeres dos

outros, à proporção que construía o seu próprio. Criamos situações nas quais a

prática dialógica era constante como em atividades de leitura e discussão em

grupos, debate e entrevista.

Essa abordagem foi dada porque concordamos com a teoria bakhtiniana que,

embora os sentidos sejam infinitos, ele só se atualiza no contato com outro sentido,

isto é, o sentido do outro. E os sentidos devem sempre entrar em contato com outros

sentidos para, então, revelar “os novos momentos de sua infinidade” (BAKHTIN

2000[1970-71], p. 386), logo, para construção dos discursos há necessidade do

contato com o outro.

Ademais, as atividades constituíram o primeiro momento dessa prática

dialógica, pois ela continuaria na reescrita. Quando o aluno teria que dialogar com

os comentários feitos pelo professor e com as discussões feitas em aula para, então,

responder ativamente. Bem como o estudante dialogaria com os dizeres outros,

levando-os à composição do seu discurso. Com essas ideias é que criamos as

atividades.

Conforme dito no início desta pesquisa, defendemos o trabalho reflexivo do

professor que adapta os métodos de ensino-aprendizagem da escrita, considerando

as condições das necessidades dos alunos, afinal, não existe uma “receita” que

possa atender às particularidades da aprendizagem de cada aluno. O que tentamos

mostrar aqui foi esse trabalho reflexivo que, diferente de aplicação de métodos,

constituiu-se em aplicação de uma teoria, de um modo não prescritivo.

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A nosso ver, esta pesquisa, embora findado os nossos dois anos de

Mestrado, apenas teve o seu começo. Acreditamos que ainda há muito por descobrir

e criar, tendo a teoria do Círculo de Bakhtin como suporte, pois essa teoria, tal como

ela é, ainda não foi integralmente utilizada para o ensino da escrita. O que fizemos

aqui corresponde apenas a um suspiro que persiste.

Como as atividades criadas não foram aplicadas, temos a consciência de que

em sala de aula elas sofreriam alterações. As mudanças seriam necessárias, por

causa da prática de sala de aula ser guiada pelo contexto. Gostaríamos ter tido

tempo para aplicá-las e unir teoria e prática, mas aguardaremos a nossa próxima

oportunidade. Quem sabe quando formos para sala de aula.

Por hora, esperamos que esse trabalho contribua para a reflexão do professor

sobre a necessidade de um ensino reflexivo da escrita com o foco na reescrita e

indicamos a teoria bakhtiniana como um elemento no qual o professor pode refletir

sobre muitos fatores como a sua condição humana e a dos seus alunos; a sua

prática metodológica e pedagógica do ensino da língua materna.

Essa teoria instiga o docente de LP a não ser somente um reprodutor dos

dizeres alheios ou das metodologias que outros criaram, mas exige dele a resposta

de um sujeito-autor ativo que filtre esses conhecimentos de acordo com a sua

historicidade e, em se tratando do ensino de LP, com a historicidade de seus alunos.

Isso é o que Bakhtin chama de tornar-se homem entre os outros, e o que chamamos

de tornar-se professor entre os outros.

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146

ANEXOS

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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ANEXO 4

ANEXO 5 – TEXTO 5

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ANEXO 5

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ANEXO 6

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ANEXO 7

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ANEXO 8

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ANEXO 9

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ANEXO 10

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ANEXO 11

ANEXO 12 – TEXTO 12

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ANEXO 12

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ANEXO 13

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ANEXO 14

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ANEXO 15

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ANEXO 16

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ANEXO 17

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ANEXO 18

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ANEXO 19

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ANEXO 20