Ativismo Judicial...

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953 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013 Ativismo judicial? o “antes” e o “depois” da constituição de 1988 na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noção de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais * Judicial activism? the “before” and the after the federal constitution of 1988 in the Federal Supreme Court jurisprudence: an analysis of the binding of fundamental rights in private law Tássia Aparecida Gervasoni ** Mônia Clarissa Hennig Leal *** * Este artigo é resultante das atividades do Centro Integrado de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas (CIEPPP), financiado pelo FINEP e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), em que as autoras desenvolvem o projeto de pesquisa “Controle jurisdicional de políticas públicas: análise da atuação do Supremo Tribunal Federal no controle de políticas públicas e a relevância da atuação do amicus curiae como instrumento de legitimação dessas decisões no Brasil”, na condição de coordenadora e participante. O artigo se insere, também, no âmbito do projeto “O amicus curiae como instrumento de realização de uma jurisdição constitucional aberta: análise comparativa entre os sistemas brasileiro, alemão e norte-americano e sua efetividade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, que conta com recursos do Edital das Ciências Sociais/2010 do CNPq e do Programa Pesquisador Gaúcho 2010, da FAPERGS. ** Doutoranda em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre e graduada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Professora de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Professora na Universidade da Região da Campanha (URCAMP). Advogada. E-mail: [email protected] *** Pós-doutora em Direito pela Ruprecht-Karls Universität Heidelberg, na Alemanha. Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com pesquisa realizada junto à Ruprecht-Karls Universität Heidelberg, na Alemanha. Professora do Programa de Pós- Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), onde leciona as disciplinas de Jurisdição Constitucional e Controle Jurisdicional de Políticas Públicas. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Jurisdição constitucional aberta”, vinculado ao CNPq. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Coordenadora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). E-mail: [email protected]

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953 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Ativismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentaisAtivismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentais * Judicial activism? the before and the after the federal constitution of 1988 in the Federal Supreme Court jurisprudence: an analysis of the binding of fundamental rights in private law Tssia Aparecida Gervasoni**Mnia Clarissa Hennig Leal****Este artigo resultante das atividades do Centro Integrado de Estudos e Pesquisas em Polticas Pblicas(CIEPPP),fnanciadopeloFINEPevinculadoaoProgramadePs-Graduaoem DireitoMestradoeDoutoradodaUniversidadedeSantaCruzdoSul(UNISC),emqueas autoras desenvolvem o projeto de pesquisa Controle jurisdicional de polticas pblicas: anlise da atuao do Supremo Tribunal Federal no controle de polticas pblicas e a relevncia da atuao do amicus curiae como instrumento de legitimao dessas decises no Brasil, na condio de coordenadora e participante. O artigo se insere, tambm, no mbito do projeto O amicus curiae comoinstrumentoderealizaodeumajurisdioconstitucionalaberta:anlisecomparativa entreossistemasbrasileiro,alemoenorte-americanoesuaefetividadenajurisprudnciado SupremoTribunalFederal,quecontacomrecursosdoEditaldasCinciasSociais/2010do CNPq e do Programa Pesquisador Gacho 2010, da FAPERGS.**DoutorandaemDireitopelaUniversidadedoValedoRiodosSinos(UNISINOS).Mestree graduadaemDireitopelaUniversidadedeSantaCruzdoSul(UNISC).ProfessoradeDireito Constitucional na Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Professora na Universidade da Regio da Campanha (URCAMP). Advogada. E-mail: [email protected]***Ps-doutoraemDireitopelaRuprecht-KarlsUniversittHeidelberg,naAlemanha.Doutora emDireitopelaUniversidadedoValedoRiodosSinos(UNISINOS),compesquisarealizada juntoRuprecht-KarlsUniversittHeidelberg,na Alemanha.ProfessoradoProgramadePs-Graduao em Direito Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), ondelecionaasdisciplinasdeJurisdioConstitucionaleControleJurisdicionaldePolticas Pblicas. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Jurisdio constitucional aberta, vinculado ao CNPq.BolsistadeprodutividadeempesquisadoCNPq.CoordenadoraadjuntadoPrograma de Ps-Graduao em Direito Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). E-mail: [email protected], Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Tssia Aparecida Gervasoni, Mnia Clarissa Hennig LealResumoDiversosfatoresvmconformandooEstadoDemocrticodeDireitoao longodotempo,comoofortalecimentodanoodedireitosfundamentais eoreconhecimentodasupremaciadaConstituio.Fenmenoscomoa constitucionalizaooperamrupturasparadigmticasnacompreensodo prprio Direito, que reclama o desenvolvimento de mecanismos capazes de dar conta dos confitos que se estabelecem nessa nova realidade. Tais mutaes repercutem nas relaes entre os indivduos, que, ao se tornarem agentes de grandepoder,nopodemfcarimunesaosinstrumentosdecontroleantes destinados apenas aos entes estatais. Para se adaptar a esse quadro, surgem teoriasemdefesadavinculaodosparticularesaosdireitosfundamentais, tornando-se essencial a sua compreenso, bem como do modo pelo qual essas construes so consideradas pela Corte Constitucional. Com efeito, o presente trabalhoobjetivainvestigaraevoluodosdireitosfundamentaisnoEstado Constitucional e sua incidncia nas relaes entre particulares notadamente com enfoque no chamado fenmeno constitucionalizador , para, a partir disso, analisar a posio e a atuao da jurisdio constitucional brasileira relativamente aessesaspectos,traandoemtornodanoodeativismojudicialoantes eodepoisdaConstituiode1988najurisprudnciadoSupremoTribunal Federal. Apesar de alguma oscilao e de certa demora no enfrentamento do tema, hoje, possvel apontar claramente a posio da jurisdio constitucional brasileiranosquantodefesadavinculaodosparticularesaosdireitos fundamentais, mas tambm no que diz respeito utilizao da teoria da efccia direta para tanto, conforme se pretende demonstrar.Palavras-chave:ConstituioFederalde1988.Direitosfundamentais. Relaes privadas. Jurisdio constitucional. Ativismo judicial.AbstractSeveralfactorshavebeenshapingthedemocraticruleoflawovertime, suchasstrengtheningthenotionoffundamentalrightsandrecognitionofthe supremacyoftheConstitution.Phenomenasuchastheconstitutionalisation operateparadigmaticrupturesinunderstandingthelawitself,whichcalls forthedevelopmentofmechanismstocopewiththeconfictsestablishedin thisnewreality.Suchmutationshaverepercussionsonrelationsbetween individuals,whobecometheagentsofgreatpowercannotremainimmune totheinstrumentsofcontrolbeforeintendedonlytostateentities.Toadapt tothissituationariseindefenseoftheorieslinkingthefundamentalrightsof individuals,makingitessentialforyourunderstandingaswellasthemanner 955 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Ativismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentaisinwhichthesebuildingsareconsideredbytheConstitutionalCourt.Indeed, thisstudyaimstoinvestigatetheevolutionoffundamentalrightsintheState Constitution and its impact on relations between individuals (especially focusing on the phenomenon called constitucionalizador), for, as appropriate, analyze the position and the performance of Brazilian constitutional jurisdiction in respect of these aspects, drawing on the notion of judicial activism, the before and after the 1988 Constitution in the jurisprudence of the Supreme Court. Despite some oscillation and some delay in coping theme right, today is possible to point out clearly the position of the brazilian courts not only as to the defense of binding fundamental rights of individuals, but also with regard to the use of the theory of effective directly to both, as intended to demonstrate.Keywords: Federal Constitution of 1988. Fundamental rights. Private relations. Constitutional jurisdiction. Judicial activism.IntroduoDiversos fatores vm conformando o Estado Democrtico de Direito ao longo do tempo, dentre os quais fguram, certamente, o fortalecimento danoodedireitosfundamentaiseoreconhecimentodasupremacia daConstituio.Esseselementosseentrelaam,desenhandonovas perspectivas e trazendo inditos desafos jurisdio constitucional.Fenmenoscomoaconstitucionalizaooperamrupturas paradigmticasnacompreensodoprprioDireito,cujosoperadores precisamseadaptaredesenvolvermecanismoscapazesdedarconta dos confitos que se estabelecem nessa realidade que se consolida.AsmutaesdomodelodeEstadoedasociedadecomoum todo,especialmentedoqueseconsideraesferapblicaouprivada, repercutem nas relaes entre os indivduos. Um grande poder tambm surgenasmosdeentesprivados,quenopodemfcarimunesaos instrumentos de controle, antes destinados apenas aos entes estatais. Como forma de contornar esse quadro, surgem teorias em defesa davinculaodosparticularesaosdireitosfundamentais,tornando-seessencialasuacompreenso,bemcomodomodopeloqualessas 956Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Tssia Aparecida Gervasoni, Mnia Clarissa Hennig Lealconstrues so consideradas e aplicadas pelos Tribunais Constitucionais, especialmente no mbito do Supremo Tribunal Federal, o que justifca o presente trabalho.Pretendeu-seinvestigar,apartirdosreferenciaistericos vinculadosafenmenoscomoaconstitucionalizaodoDireitoea dimensoobjetivadosdireitosfundamentais,aevoluodestesno Estado Constitucional e sua incidncia nas relaes entre particulares, para, a partir disso, analisar criticamente a posio do Supremo Tribunal Federal(STF)relativamenteaessesaspectos,sobretudoapsa Constituio de 1988, a fm de se verifcar em que sentido a atuao do STF nessa seara pode ser classifcada como ativismo judicial.1OsdireitosfundamentaisnoEstadoConstitucionale sua incidncia (tambm) nas relaes entre particulares: refexos do fenmeno da constitucionalizao do Direito possvel afrmar que o Estado Constitucional, at ser adjetivado deDemocrticoedeDireitodevidoincorporaodediversas caractersticas inerentes a essas noes, evoluiu numa certa relao de causaeefeitocomodesenvolvimentodasociedadeeprincipalmente dasideias(fortalecidas)deConstituioededireitosfundamentais (tudo isso determinando e sendo determinado pela atuao da jurisdio constitucional).Oatualmodeloconstitucionalresultadodeumasriede transformaesocorridasnotempo.Paraapresenteabordagem, adota-secomomarcohistricoinicialoperodoliberal,berodo constitucionalismo.Naverdade,trata-sedeumanarrativadaprpria evoluo do Estado, da sociedade e do Direito, j que uma multiplicidade de fatores converge para a formao dos entendimentos dominantes de cada poca.DoparadigmadoEstadoLiberal,destaca-seaseparaoentre Estadoesociedadeosurgimentodadicotomiapblico/privado, cabendoqueleopapeldegarantidordaliberdadeindividual.Os 957 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Ativismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentaisdireitosfundamentaisdizemrespeitoesferapblica(regradapela Constituio), como limites ao estatal, pois, no mbito privado, vigia comoprincpioaautonomiadavontadediantedoreconhecimentoda igualdade formal entre os indivduos (essa disciplina jurdica incumbia o Cdigo Civil) (SARMENTO, 2010).H,inclusive,quemcaracterizeoliberalismocomoumateoria antiestado, visto que o aspecto central o indivduo e suas iniciativas, cabendoatividadeestatal,quandoocorre,umespaoreduzido, previamentereconhecido(eregulamentadopelalei).Emregra,do Estado a tarefa de manuteno da ordem e da segurana at mesmo para que eventuais disputas sejam resolvidas de forma imparcial, sem interferncia da fora privada , alm de proteo das liberdades civis epessoais,afmdeasseguraraliberdadeeconmicadosindivduos no mercado capitalista (Estado Mnimo). Com efeito, o papel do Estado negativo,poistodasasintervenesqueextrapolemessastarefas so ms, por enfraquecerem a independncia e a iniciativa individuais (STRECK; BOLZAN DE MORAIS, 2001).As Constituies liberais, por sua vez, constituem um documento eminentemente jurdico, cuja prerrogativa maior a imposio de limites aoEstadoeagarantiadosdireitosindividuaisnegativos1.Apenas nosegundops-guerraasConstituiespassamaserconcebidas comocomunitrias,ouseja,refexodosvalorescompartilhadospela comunidadequeasadota,dandoorigemchamadaTeoriaMaterial daConstituio,aqualpropelevaremconsideraoosprincpios polticos, a ideologia, o sentido e os fns que conformam a Constituio (LEAL, 2007). De qualquer forma, sabido que a igualdade formal pressuposto daliberdadepreconizadapeloEstadoLiberalatravsdaleino 1Tratam-se dos chamados direitos de primeira dimenso, os quais, ao menos no mbito de seu reconhecimentonasprimeirasConstituiesescritas,sooprodutopeculiardopensamento liberal-burgusdosculoXVIII,demarcadocunhoindividualista,afrmando-secomodireitos do indivduo frente ao Estado (direitos de defesa) da a designao de negativos (SARLET, 2009).958Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Tssia Aparecida Gervasoni, Mnia Clarissa Hennig Lealassegurouaigualdadematerial,intensifcando-seascrticasaesse modelo, cuja legitimidade foi esvaziada e provocou a luta e a busca por defniesmateriaisdoEstadodeDireito.Issorefetediretamentena interpretao bem como no prprio contedo e natureza/caracterstica dos direitos fundamentais.Assim,seatentoosdireitosfundamentaisseprestavama garantiraliberdadeindividualfrenteaoEstado,aessafunoser adicionada a de delimitar e controlar o Estado, bem como a de legitimar e estimular a realizao de objetivos e tarefas materiais por esse mesmo Estado (BCKENFRDE, 2000).Asdesigualdadesmateriaisgeradaspelomodeloliberalse encarregaram, pois, de promover a sua substituio pelo Estado Social, cujoparadigmadegarantiadosdireitossociais,entendidoscomo condiesmnimasdeexistnciaparacadaserhumano,inclusive, indispensveis para o exerccio dos direitos individuais. O Estado, ento, passa a ser promotor desses direitos e a dicotomia pblico/privada sofre uma inverso, fcando marcada pela primazia do pblico (publicizao do privado).A partir dessa redefnio das fronteiras entre pblico e privado, os direitos fundamentais passam a incidir nas relaes privadas. Se no modelo de Estado Liberal tais direitos foram confnados s relaes entre indivduo e Estado, a passagem para o Estado Social traz a compreenso dequetambmosindivduospodemassumiracondiodesujeitos passivosdosdireitosfundamentais,especialmenteconsiderando-seo poder crescente de instncias no estatais, como grandes empresas e grupos econmicos. Diantedaconstataodequeaopressoeainjustiapodem ocorrertambmnasrelaesprivadastravadasnomercado,nas relaeslaborais,nasociedadecivil,nafamliaeemtantosoutros espaos (ou seja, no provm apenas dos poderes pblicos), nada mais lgico do que estender a estes domnios o raio de incidncia dos direitos fundamentais, sob pena de frustrao dos ideais morais e humanitrios 959 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Ativismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentaisem que eles se lastreiam (SARMENTO, 2010, p. 25). Ademais, a fco da igualdade jurdica entre os indivduos (igualdade meramente formal) em um contexto de gritantes desigualdades sociais legadas do Estado Liberalnomaisjustifcaaimunidadedosparticularesaosdireitos fundamentais.Reis(2007)destacaautonomiaprivadaostatusdedireito constitucionalfundamental,logo,nocasodeeventualcolisodesse direitocomosdemais,asoluodeveserbuscadapelaponderao Nisso,algunscritriosacabamsesobressaindo,comoamximade quequantomaiorforaigualdadeentreaspartes,maiorserograu daautonomiaprivada(sendotambmvlidaarecprocainversa),e, ainda, a questo da essencialidade do bem envolvido na relao jurdica (quanto mais essencial o bem, menor a proteo autonomia). De todo modo, ele conclui que a autonomia privada, hoje, ao mesmo tempo em quepodeserlimitadapelosdireitosfundamentais,tambmpodeser causa de restries a outros, dependendo do caso concreto. Como bem lembrado pelo autor, no h no Brasil direito fundamental absoluto. AConstituio,assim,demeramentelimitadoradopoderdo Estado e organizadora da formao poltica de vontade e de exerccio do poder, converte-se em plano de ao poltica para esse poder e em positivaojurdicadosvaloresfundamentaisdaordemdavidaem comum(ordemobjetivadevalores),qualtodosestovinculados, inclusive, evidentemente, os particulares (LEAL, 2007).AscriseseconmicaseaglobalizaodebilitaramoEstado, enfraquecendoopoderdestedesubordinarosfatoreseconmicos esociaisquecondicionamascomunidadespolticaseditamorumo desuasvidas.Porisso,tornam-secadavezmaisimportantes,nas economias nacionais, variveis exgenas, sobre as quais o ente estatal no exerce nenhum poder ou controle (SARMENTO, 2010).Nessesentido,impe-searefernciaaDowbor(2008),que avalia a relao entre poder poltico (estatal) e econmico defendendo a democratizao da economia, justamente por considerar o surgimento de um amplo poder poltico com aspecto de poder econmico (grandes 960Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Tssia Aparecida Gervasoni, Mnia Clarissa Hennig Lealempresasegruposprivados),oqualnopoderiasersubmetidoao controle poltico, pois seria regulado pelas foras de mercado, logo, por fora nenhuma.Nesse novo contexto (ps-social), no apenas a relao Estado/indivduopodesermarcadapelaverticalidade/desigualdade,mas tambmasrelaeseminentementeprivadas,parecendoevidentea necessidadeaindamaiordavinculaodosparticularesaosdireitos fundamentais (SARMENTO, 2010).Nademocraciacapitalistaglobalizada,consideram-se insufcientesosinstrumentosdeproteodedireitosfundamentais postos disposio do poder pblico se estes no puderem se estender atividade privada, sobretudo a econmica. A Constituio tem um rol deprincpiosfundamentaisjustamenteparacondicionareconformar, noplanohermenutico,todootecidonormativo.Assim,defne-se umanovaordempblica,agoracalcadanatuteladapessoahumana (funcionalizando a atividade econmica privada aos valores existenciais esociaisinsculpidosnotextoconstitucional)edaqualnosepodem excluir as relaes jurdicas privadas (TEPEDINO, 2004).Na consagrao do Estado Democrtico de Direito, que sucede o Estado Social em crise, tem-se um perodo marcado pelo recrudescimento da noo dos direitos fundamentais, no qual a Constituio assume uma funoprincipiolgica,ampliando-seeexpandindo-separaabarcar todos os contedos da realidade (LEAL, 2007). De fato, o reconhecimento da fora normativa da Constituio e docartervinculantedosseusprincpioscontriburamdecisivamente paraquefossedesencadeadooprocessoconstitucionalizadordo Direito Privado [...], que relativizou a prpria dicotomia pblico/privado. Ressalva-se,contudo,queaconstitucionalizaonoseresumeao acolhimento, em sede constitucional, de matrias que no passado eram versadas no Cdigo Civil. O fenmeno muito mais amplo, importando uma verdadeira releitura do Cdigo Civil, das leis especiais e de todo o ordenamento luz da Constituio Federal (SARMENTO, 2010, p. 102).961 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Ativismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentaisComodecorrnciadessequadrodeconstitucionalizaodo Direito,faz-sedistinoentreachamadaefcciavertical(vinculao das entidades estatais) e efccia horizontal dos direitos fundamentais (quecompreende,emapertadasntese,aproblemticadavinculao dessesdireitosnombitodasrelaesentreparticulares).Quantoa esseaspecto,algumasteoriassedestacamnatentativadeexplicar comosedavinculaodosparticularesaosdireitosfundamentais diante do amplo consenso de que pelo menos algum tipo de vinculao h.Paratanto,oproblemadocomoinvestigadoapartirde, basicamente, duas teorias: a da efccia direta (imediata) e a da efccia indireta (mediata) (SARLET, 2000).Para a primeira, os direitos fundamentais no carecem de qualquer transformaoparaseremaplicadosnombitodasrelaesjurdico-privadas,ouseja,comoaprprianomeaodacorrenteanuncia, aplicam-se tais direitos diretamente nas relaes entre particulares. Por outrolado,deacordocomasegundateoria,osdireitosfundamentais carecem de uma intermediao para vincularem os particulares, isto , de uma transposio a ser efetuada, sobretudo pelo legislador, e na sua falta, pela jurisdio (SARLET, 2000). Ainda quanto teoria da efccia direta, cumpre o registro de que, em geral, seus defensores no negam a existncia de especifcidades nessaincidncia,tampoucoanecessidadedeponderaoentreo direito fundamental e a autonomia privada envolvidos no caso concreto. Com relao teoria da efccia indireta, destaca-se o entendimento de que os direitos fundamentais no ingressam no cenrio privado como direitos subjetivos, que possam ser invocados a partir da Constituio (SARMENTO,2011,p.138-143),daanecessidadedeintermediao pelolegislador,poisaincidnciadetaisdireitosnocampoprivado reclamaasuaproteoporinstrumentostpicosdessembito(eno por via constitucional).Embora essas sejam as duas principais correntes, existem outros posicionamentos, como: (1) a teoria dos deveres de proteo (defende a imposio ao Estado de deveres de proteo dos direitos fundamentais, 962Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Tssia Aparecida Gervasoni, Mnia Clarissa Hennig Lealinclusivequandoaameaaprovmdeterceiros/particulares);(2)a vinculaodosdenominadospoderesprivados(quandoforverifcado quetalpodergeradordeumarelaomarcadapelaverticalidade, semelhante a quando em um dos polos se encontra o ente estatal); (3) a teoria da convergncia estatista (sustenta que a atuao dos particulares no exerccio da autonomia privada sempre produto de uma autorizao estatal,portanto,asofensasaosdireitosfundamentaisdadecorrentes sosempreresponsabilidadedoEstado);e(4)ateoriadastateaction (segundo a qual os direitos fundamentais vinculam somente ao Estado, noalcanandodeformaalgumaosparticulares).Dequalquermodo, afrma-seasuperaodasteoriasquenegamumavinculaodas entidades privadas aos direitos fundamentais, ainda que a medida dessa vinculao permanea controversa (SARLET, 2000).Compreendidoodesenvolvimentodanoodedireitos fundamentaisnoEstadoConstitucionalefrmadooentendimentoda incidnciadelesquantoaosparticulares(especialmenteapartirdo fenmenoconstitucionalizador),bemcomoanalisadasasprincipais formas (teorias) que se ocupam em explicar sua efccia nas relaes entre privados, cumpre investigar a posio da jurisdio constitucional brasileira relativamente a esses aspectos. Essa perspectiva objetivo doitemseguinte,traadacombasenaanlisedajurisprudnciado Supremo Tribunal Federal.2O Supremo Tribunal Federal e a vinculao dos particulares aos direitos fundamentais aps a Constituio Federal de 1988: ativismo judicial?Nocontextonacional,alteraesnaformadeatuaodo Judicirio, especialmente da jurisdio constitucional, bem como refexo dos aspectos vistos (supremacia da Constituio, recrudescimento dos direitos fundamentais etc.), comearam a ser percebidas claramente a partir do advento da Constituio Federal de 1988, que coroou o Estado Democrtico de Direito no Brasil. 963 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Ativismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentaisAlmdisso,oscompromissosassumidosporessaConstituio, destacadamenteaquelesprevistosemseustrsprimeirosartigos, fazemcomqueelasejaclassifcada,segundoasuaestruturao, como constituio dirigente, por no se reduzir a um mero ordenamento poltico,mastambmcontemplaraspectosqueapermitamservista como ordenamento econmico e social (MOREIRA, 2011).A partir dessa nova conformao, o Judicirio to responsvel quanto os demais Poderes pela consecuo dos objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil. Sendo poder constitudo, subordinado vontade constituinte, no tem o direito de sentir-se alheio ao projeto de edifcar uma sociedade livre, justa e solidria (NALINI, 2008).DiantedeumnovopapelparaoDireitoeparaaConstituio, inovam-se as perspectivas da jurisdio constitucional, cujas implicaes com o desenvolvimento que conduziu a essa original conformao restam evidentes.Trata-sedeumnovocontexto,deumacomplexarealidade, de uma diferente postura reclamada e notada em relao ao Judicirio. Aprpriadiscussoacercadaefcciadosdireitosfundamentaisnas relaes privadas tem como pano de fundo o estabelecimento de limites atuao dos Poderes, notadamente no atual quadro de conformao do Estado Democrtico de Direito.ConstataCittadino(2002,p.39)queaprpriaConstituiode 1988 instituiu diversos mecanismos processuais que buscam dar efccia aos seus princpios, sendo essa tarefa atribuda no s aos tribunais, postoquereclamatambmumacidadaniajuridicamenteparticipativa. A atuao dos tribunais depender, sobretudo, do nvel de presso e mobilizao poltica que, sobre eles, se fzer.Sendo assim, impende compreender e destacar o posicionamento da jurisdio constitucional brasileira em relao s teorias que sustentam ejustifcamaaplicabilidade(ouno)dosdireitosfundamentaisnas relaesprivadas.Nessesentido,nohdvidadeque,maisuma vez,aConstituioFederalde1988foiummarcosignifcativo.Tanto 964Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Tssia Aparecida Gervasoni, Mnia Clarissa Hennig Lealque a verifcao proposta pode ser divida entre antes e depois desse perodo2.NoscasosanterioresConstituiode1988,noseidentifca umaposioclaradoSupremoTribunalFederalquantovinculao dos particulares aos direitos fundamentais. Em alguns momentos, como nojulgamentodoRecursoExtraordinrion.63.279,julgadoem1968, que versava sobre a validade de clusulas do Estatuto Social do Santos FootballClub,impugnadasporassociadosobaalegaodeofensa aoprincpiodaigualdade,extrai-seinclinaopremissatradicional dequeaincidnciadosdireitosfundamentaisselimitaesferadas relaesocorridasnaesferapblica,comapresenadoEstado.Por outrolado,algunsanosdepois(RecursoExtraordinrion.85.439, julgado em 1977), o Tribunal reconheceu a vinculao de particulares a certas emanaes do direito privacidade, inadmitindo como meio de prova de adultrio em ao de desquite a gravao telefnica feita sem oconhecimentodeumdosinterlocutores.Destaca-se,apesardisso, que o voto condutor dessa deciso no chegou a invocar diretamente preceitosconstitucionais.Essarefernciaexpressavinculaodos particularesaosdireitosfundamentais(especifcamentequantoaos direitosdepersonalidade)apareceuapenasem1984,nojulgamento doRecursoExtraordinrion.100.094,aoserapreciadanovamentea questo da gravao telefnica feita sem consentimento (SARMENTO, 2011).ApsoadventodaConstituiode1988,notam-seduasfases quantoaoposicionamentodoSupremoTribunalFederalconcernente 2Referindo-seexperinciadaCorteConstitucionalitalianaquantoaplicaodadoutrinado DireitoCivilsobopontodevistadaconstitucionalizao,Perlingieri(2008)tambmfazuma anlisedividaporfases,comentandoquatromomentosdiferentesquantoformadeatuao jurisdicional. Inicialmente, anota o no envolvimento dos juzes comuns na garantia dos valores constitucionais.Numsegundomomento,verifcam-sesignifcativastomadasdeposies reconhecendoaunidadedoordenamentocomospreceitosconstitucionaisnoseutopo.No marco seguinte, at mesmo o juiz comum chamado a conformar o texto legislativo s normas daCartaMagna.Naquartafase,fnalmente,assinala-seasuperaodaCorteemrelao aoentendimentoquedivideomomentointerpretativodasleisordinriascomoaplicativodas normas constitucionais. A interpretao adequada sistemtica e luz da Constituio.965 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Ativismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentaisaotema.Inicialmente,houveumreconhecimentoimplcitoefccia horizontal (isto , entre particulares) dos direitos fundamentais, sem que ateoriafosseproblematizadaeenfrentadaabertamente. Avinculao dosparticularesaosdireitosfundamentaiserameramentepresumida pelas decises da Corte, de modo que no havia especifcaes quanto forma dessa incidncia (direta ou indireta), suas caractersticas e limites. Somente a partir do julgamento do Recurso Extraordinrio n. 201.819, em2005,queessepanoramaalterado,inaugurandoasegunda fase(aps1988)dajurisprudnciadoSupremoTribunalFederal. OmencionadocasoenvolviaaUnioBrasileiradeCompositores, demandadaporumassociadoexcludoaoqualnofoiassegurada prvia oportunidade de defesa (SARMENTO, 2011). Apesardasdivergnciasentreosministros,frmou-seo entendimento de que as violaes de direitos fundamentais no ocorrem somente nas relaes entre o cidado e o Estado, mas tambm entre pessoas fsicas e jurdicas de direito privado, de modo que, igualmente nessescasos,impe-seaproteodessesdireitos.Ressaltou-seque oespaodeautonomiaqueaConstituiogarantenoestimune incidncia dos princpios constitucionais, portanto, a autonomia privada encontralimitaesdeordemjurdica,nopodendoserexercidaem detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros3.3O acrdo restou assim ementado: Efccia dos direitos fundamentais nas relaes privadas. As violaes a direitos fundamentais no ocorrem somente no mbito das relaes entre o cidado eoEstado,masigualmentenasrelaestravadasentrepessoasfsicasejurdicasdedireito privado. Assim,osdireitosfundamentaisasseguradospelaConstituiovinculamdiretamente no apenas os poderes pblicos, estando direcionados tambm proteo dos particulares em face dos poderes privados. Os princpios constitucionais como limites autonomia privada das associaes. A ordem jurdico-constitucional brasileira no conferiu a qualquer associao civil a possibilidade de agir revelia dos princpios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que tm por fundamento direto o prprio texto da Constituio da Repblica, notadamente em tema de proteo s liberdades e garantias fundamentais. O espao de autonomia privada garantido pelaConstituiosassociaesnoestimuneincidnciadosprincpiosconstitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitaes de ordem jurdica, no pode ser exercida em detrimento ou com desrespeitoaosdireitosegarantiasdeterceiros,especialmenteaquelespositivadosemsede constitucional,poisaautonomiadavontadenoconfereaosparticulares,nodomniodesua incidncia e atuao, o poder de transgredir ou de ignorar as restries postas e defnidas pela prpriaConstituio,cujaefcciaeforanormativatambmseimpem,aosparticulares,no mbitodesuasrelaesprivadas,emtemadeliberdadesfundamentais.(RE201.819,Rel. p/oac.Min.GilmarMendes,julgamentoem11-10-2005,SegundaTurma,DJde27-10-2006. (BRASIL. STF, 2013, on-line).966Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Tssia Aparecida Gervasoni, Mnia Clarissa Hennig LealHoje,claraaposiodajurisdioconstitucionalbrasileira, exercidapeloSupremoTribunalFederal,emdefesadavinculao dosparticularesaosdireitosfundamentais;tantoqueaCorteosvem aplicandodiretamentesrelaesprivadas.Autilizaodiretada Constituiopararesolverlitgiosparticulares,independentementeda existncia de normas infraconstitucionais especfcas, no deixa dvidas da opo pela teoria da efccia direta (SARMENTO, 2011). Alis,cumpreconcordarcomoreferidoentendimento,poisno h mais espao, no Estado Democrtico de Direito, para interpretaes dissociadas da Constituio, que rege no apenas o Estado, mas toda a sociedade e cada um de seus cidados.Da se afrmar que o Tribunal comea a migrar, silenciosamente, deumaposiodecoadjuvantenaproduolegislativadopoder soberano [...] para um de ativo guardio da Carta Constitucional e dos direitos fundamentais da pessoa humana (VIANNA, 1999, p. 53).Estando a ideia de ativismo judicial associada a uma participao maisamplaeintensadoJudicirionaconcretizaodosvalorese fnsconstitucionaisemborapossaocorrercommaiorinterferncia noespaodeatuaodosdemaisPoderes(BARROSO,2009),mas nonecessariamente,tem-seporalinhadoesse(novo)aspectode suaatuao,comadeterminaodeaplicaodiretadaConstituio tambm s relaes privadas. ConformeBarroso(2009,p.5),paraquemoativismojudicial uma atitude, a escolha de um modo especfco e proativo de interpretar a Constituio, expandindo o seu sentido e alcance, a postura ativista semanifestapormeiodediferentescondutas,comdestaqueparaa aplicaodiretadaConstituioasituaesnoexpressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestao do legislador ordinrio.Emtodocaso,prpriodocontextocontemporneodecultura democrticaaprojeodopapeldojuizemquasetodososaspectos davidasocial.Essaprojeo,todavia,notemsidoderivadade 967 Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Ativismo judicial? o antes e o depois da constituio de 1988 na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal: um estudo a partir da noo de vinculao dos particulares aos direitos fundamentaispretenses do Judicirio. O fato de os juzes estarem ocupando lugares tradicionalmentereservadossinstituiesespecializadasdapoltica edeautorregulaosocietal,longedesignifcarambiesdepoder porpartedoJudicirio,apontaparaprocessosmaiscomplexosque oslimitesdeumaabordagemcomoestanopermitemaprofundar (VIANNA; BURGOS; SALLES, 2007).ApartirdospressupostosestabelecidospelaConstituiode 1988,resultantesdetodoumesforohistricodeevoluomarcado pelo amadurecimento e aprimoramento dos valores a servirem de base paraaformaopoltico-socialpretendida,nosepodeadmitirqueo Supremo Tribunal Federal retroceda na sua misso constitucional, seja assumindoumaposturadepassividadefrentessuasatribuiesno Estado Democrtico de Direito, seja determinando a reduo do mbito de incidncia do texto constitucional.ConclusoAevoluodoEstadoConstitucionaldeLiberalaSocial, consolidando-seemDemocrticodeDireitooperou-seemrelao decausaeefeitocomodesenvolvimentodefatoresextremamente importantes, com destaque para o recrudescimento da noo de direitos fundamentais e a consagrao da supremacia da Constituio.Ao longo dessas transformaes, superou-se a viso dicotmica entreesferapblicaeprivada,principalmentedevidoaochamado fenmenodaconstitucionalizaodoDireito.Deigualmodo,notou-se um poder crescente nas mos de entes privados, ruindo a ideia de queviolaesaosdireitosfundamentaisapartirdadesigualdadedas relaesjurdicas(verticalidade)somenteseriampossveiscoma presena do Estado.Assentados esses dados, eclodiram teorias em defesa da efccia horizontal dos direitos fundamentais, pregando a sua incidncia tambm aos envolvimentos eminentemente privados. Desse quadro, destacaram-968Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 3, p. 953-970, set./dez. 2013Tssia Aparecida Gervasoni, Mnia Clarissa Hennig Lealse as teorias da efccia direta (imediata) e indireta (mediata) dos direitos fundamentais.Ajurisdioconstitucionalbrasileira,exercidanotadamente peloSupremoTribunalFederal,apsanostangenciandoamatria, posicionou-se expressamente no julgamento do Recurso Extraordinrio n.201.819,em2005,pelavinculaodosparticularesaosdireitos fundamentaise,apartirdeento,suasdecisestmdeixadoclaraa opo pela aplicao da teoria da efccia direta.PareceacertadaadireoseguidapelaCorte,pois,dianteda necessidadedesepreservarasupremaciadaConstituioedese garantiremosdireitosfundamentaisnoEstadoDemocrticodeDireito, afgura-seessacorrentecomoamaisadequadaparapercorreresses fns.Quantoaopapeldesempenhadopelajurisdioconstitucional nessecontexto,caracterizadopeloqueseconvencionouchamarde ativismo judicial, associado a uma participao mais intensa e efetiva doJudicirioemdefesadosfnsevaloresconstitucionais,hquese reconhecer,senoseuacerto,asuanecessidade.Umavezdefnidos ospapisdoDireitoedaConstituio,bemcomoasuaformade incidncianaordemsocial,fatoquesealteramasperspectivasda jurisdio constitucional, pois uma postura diferente passa a ser notada e reclamada.Referncias BARROSO, Lus Roberto. 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