Ativismo Judicial e Judicialização Das Políticas Públicas

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    FACULDADE DE DIREITO

    NCLEO DE TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO

    ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAO DAS POLTICAS PBLICAS

    JOO ANGELO ABI-ZAID TEIXEIRA

    10952004-3

    JAILTON GONALVES

    Rio de Janeiro

    Junho/ 2013

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    ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAO DAS POLTICAS PBLICAS

    Joo Angelo Abi-Zaid Teixeira1

    RESUMO

    O presente artigo trata da atuao cada vez mais ativista do Poder Judicirio na esfera poltica,especialmente no que tange formulao de polticas pblicas, abordando a pertinncia, as crticas eos perigos que este processo de Judicializao pode acarretar para a Democracia, para aindependncia entre os Poderes e, especialmente, para a estruturao dos entes federativos naimplementao de polticas coletivas. Atravs de uma anlise histrica do contexto no qual surgiramas bases de sustentao do Estado Democrtico de Direito, estudamos, ainda, alguns parmetrosque devem ser seguidos pelos juzes para que no ocorra invaso das competncias atribudas aosoutros Poderes da Repblica.

    Palavras Chave: direitoconstitucionalativismojudicializaopoltica

    ABSTRACT

    O presente artigo trata da atuao cada vez mais ativista do Poder Judicirio na esfera poltica,especialmente no que tange formulao de polticas pblicas, abordando a pertinncia, as crticas eos perigos que este processo de Judicializao pode acarretar para a Democracia, para aindependncia entre os Poderes e, especialmente, para a estruturao dos entes federativos naimplementao de polticas coletivas. Atravs de uma anlise histrica do contexto no qual surgiramos aspectos mais relevantes da constituio de um Estado Democrtico de Direito, trazemos, ainda,alguns parmetros que devem ser seguidos pelos juzes para que no ocorra invaso dascompetncias atribudas aos outros Poderes.

    Key Words: direitoconstitucionalativismojudicializaopoltica

    SUMRIO: Introduo; 1. A Separao dos Poderes e os Direitos Fundamentais; 2. O Estado Sociale a efetividade dos Direitos Coletivos; 3. Ativismo Judicial e Judicializao; 4. A Judicializao daPoltica; 5. Causas da Judicializao da Poltica no Brasil; 6. Crticas interveno judicial na esferapoltica; 7. Parmetros para a interveno judicial; Consideraes Finais; Referncias Bibliogrficas.

    INTRODUO

    Nos ltimos anos, o Supremo Tribunal Federal, diante da necessidade de

    sanar as omisses dos Poderes Legislativo e Executivo, tem desempenhado um

    papel ativo na vida institucional brasileira. Podemos citar inmeros exemplos de

    questes pertencentes ao campo poltico nas quais o STF foi convocado a se

    manifestar, geralmente, por aes que questionam a constitucionalidade de ato do

    Executivo ou de Lei editada pelo Congresso Nacional.

    1Bacharelando em Direito na Universidade Candido Mendes Campus Mier.

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    Alguns fatos relevantes que merecem destaque e que demonstram a

    importncia de se discutir este fenmeno jurdico-social so: a constitucionalidade

    da Lei de Imprensa (ADPF 130), a possibilidade de se proibir a participao de

    candidatos em eleies com base em dados que desabonem sua vida pregressa

    (ADPF 144), o julgamento da questo do aborto de anencfalos (ADPF 54), a

    definio do anti-semitismo como crime de racismo (STF-HC 82424), a proibio do

    nepotismo na Administrao Pblica (ADC 12), a constitucionalidade das pesquisas

    cientficas com clulas-tronco (ADI 3510), a deciso pela aplicao, por analogia, da

    Lei 7783/89 para regulamentar a greve dos servidores pblicos (STF-MI 670), a no

    possibilidade de priso por dvida (HCs 87585 e 92566), a imposio de restries

    ao uso de algemas (HC 91952), o passe livre para deficientes nos transportescoletivos (ADI 2649) e a questo do sigilo judicial nas CPIs (MS 27482).

    Em todos estes casos, o STF decidiu matrias essencialmente polticas e que

    causaram grande impacto na sociedade brasileira.

    Acompanhamos, recentemente, o pice do embate entre o Supremo Tribunal

    Federal e o Congresso Nacional, quando, em claro ato de retaliao a este

    fenmeno de judicializao da poltica e, especialmente, s condenaes na Ao

    Penal 4702, foi aprovada na Comisso de Constituio e Justia da Cmara dos

    Deputados a admissibilidade da PEC 33/2011, que objetiva submeter a edio de

    smulas vinculantes e as decises do STF sobre a constitucionalidade das leis ao

    Congresso Nacional e, caso o Legislativo divirja da Corte, ao crivo popular. Em

    outras palavras, o que se pretende retirar do Judicirio a prerrogativa de decidir,

    em ltima instncia, sobre a interpretao da Constituio.

    Neste contexto, em que princpios seculares, como a separao entre os

    poderes da Repblica, chocam-se com outros igualmente fundamentais, e que

    instituies como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal pem-se,

    frequentemente, em rota de coliso, necessrio se faz analisar o contexto histrico

    no qual surgiram os pilares de sustentao do Estado Democrtico de Direito em

    sua concepo mais moderna, com a finalidade de traar uma linha delimitativa dos

    2 Julgamento do caso conhecido como Mensalo, um marco na histria do Judicirio por ter

    resultado na condenao de polticos influentes, como o ento Ministro-Chefe da Casa Civil JosDirceu (PT/SP), os deputados Jos Genono (PT/SP) e Roberto Jefferson (PDT/RJ), alm do entopresidente da Cmara Joo Paulo Cunha (PT/SP), pela participao no esquema de compra de votose apoio poltico do Congresso ao governo de Lula.

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    papis institucionais desempenhados por cada esfera do Poder Pblico, como a

    seguir passaremos a fazer.

    1. A SEPARAO DOS PODERES E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Desde o incio da evoluo do pensamento humano, a garantia de direitos

    um dos maiores objetivos de todas as civilizaes. Ao longo da histria, o homem

    modificou suas aspiraes, repensou o conceito de Estado e lutou por um ideal de

    organizao poltica que melhor atendesse aos anseios dos cidados.

    Pensando na limitao do poder estatal sobre os indivduos, surgiu um

    conjunto de valores, direitos e liberdades universalmente reconhecido: os chamados

    direitos fundamentais. Tais direitos foram divididos em trs geraes que

    demonstram, atravs de uma espcie de linha do tempo, a evoluo das garantias

    conquistadas. Destaque-se, desde logo, que estas geraes no podem ser vistas

    como etapas meramente sucessivas, mas so assim separadas porque representam

    movimentos que buscaram a conquista de direitos considerados, nas respectivas

    pocas, fundamentais para o desenvolvimento da humanidade.

    Temos, assim, que os direitos de primeira gerao esto ligados liberdade

    individual, referindo-se, especificamente, aos direitos civis e polticos. J a segunda

    gerao marcada por direitos sociais, culturais e econmicos, e abrange a

    assistncia social, a educao, a sade, a cultura e o trabalho. Na terceira gerao,

    vemos a busca por direitos relacionados ao desenvolvimento, paz, ao meio

    ambiente, ao patrimnio comum da humanidade e comunicao.

    Interessa-nos, neste primeiro momento, analisar o contexto histrico no qual

    surgiu a primeira gerao dos direitos fundamentais.

    poca do Iluminismo, que culminaria com a Revoluo Francesa no fim do

    sculo XVI, vigorava entre os filsofos e juristas a ideia do amplo liberalismo.

    Defendia-se a liberdade plena dos cidados, cerceada em virtude do modelo poltico

    adotado, no qual no havia distino entre as figuras do Estado e seu governante.

    Em uma concepo moderna, podemos dizer que os direitos fundamentais de

    primeira gerao constituem direitos de prestao negativa, que buscam a nointerveno estatal como forma de garantir a plena liberdade de relao dos

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    indivduos entre si, bem como dos indivduos com o prprio Estado, que passa a ser

    considerado um ente capaz de titularizar direitos e obrigaes.

    De nada valeria, entretanto, a consagrao dos direitos fundamentais, se no

    fossem criados mecanismos que pudessem enfraquecer o poder de quem, poca,

    mais os afrontava. neste contexto de busca pelo enfraquecimento do poder estatal

    sobre a vida dos cidados que ganha fora a ideia da separao dos poderes,

    formulada inicialmente na clssica obra O Esprito das Leis, de Montesquieu.

    O princpio da separao dos poderes foi inserido no mbito jurdico pelo

    artigo 16 da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 17893, tornando-se

    elemento sempre presente na formao dos estados liberais.A Constituio Federal de 1988 acolhe tal princpio em seu artigo 2,

    revestindo-o, inclusive, com a condio de clusula ptrea. Em apertada sntese, o

    princpio da separao dos poderes impe a diviso do poder poltico em mltiplos

    rgos estatais, titularizados por agentes pblicos diversos. Fundamenta-se,

    especialmente, na ideia de que a concentrao do poder poltico favorece a prtica

    de arbitrariedades por quem o detm.

    Alm de evitar o arbtrio potencial que decorre da concentrao de poderesna figura de um s titular e de promover a especializao funcional das atividades

    estatais, a separao dos poderes tem como objetivo resguardar os direitos

    fundamentais. De nada adiantaria um mecanismo de conteno do poder de um

    rgo ou indivduo, se todo o aparato estatal estivesse voltado para o atendimento

    dos interesses de uma minoria dominante.

    Neste sentido, ganha fora o papel do Poder Judicirio, que assume a funo

    de julgar, com independncia, os litgios que envolvem a sociedade e o Estado,

    resguardando os direitos fundamentais de possveis ilicitudes cometidas pelos

    demais poderes. Assim, o princpio da separao de poderes assume a funo de

    garantir o equilbrio entre minorias e maiorias na direo das decises pblicas.

    Consolidados os direitos fundamentais de primeira gerao, uma srie de

    episdios, como a Revoluo Industrial iniciada na Inglaterra em meados do sculo

    XVIII, fez surgir um novo sentimento nos povos. A noo do Estado Liberal como

    3 Texto: A sociedade em que no esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida aseparao dos poderes no tem Constituio.

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    mero garantidor das liberdades individuais e que no intervm nas relaes sociais,

    j no era mais suficiente. Passou a ser necessrio, tambm, que o ente estatal

    fosse capaz de suprir as necessidades que dizem respeito a toda sociedade,

    especialmente a sua camada mais pobre. neste contexto que se inicia a busca

    pelos chamados direitos sociais, com a concepo do Estado Liberal sendo

    substituda pela noo de Estado Social.

    2. O ESTADO SOCIAL E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS COLETIVOS

    O Welfare State, tambm conhecido como Estado Social, um tipo de

    organizao poltica e econmica na qual o Estado o principal agente da promoosocial, cabendo a ele garantir a efetiva prestao dos servios pblicos.

    Tal modelo foi criado no sculo XX, como resposta aos anseios surgidos com

    a expanso socialista pelo leste europeu. Trata-se, em verdade, de uma concepo

    de Estado adaptada a ento nova realidade de fora do proletariado. Desenvolveu-

    se na Europa, especialmente nos pases escandinavos, sob orientao do

    economista sueco Gunnar Myrdal4.

    Ganhou fora e espalhou-se pelo mundo com o fim da Primeira GuerraMundial e com a Grande Depresso Estadunidense de 1929, fatos que trouxeram a

    necessidade de um forte aumento das despesas pblicas para a sustentao do

    emprego como forma de controle das tenses sociais.

    Com o Capitalismo atravessando a pior crise conceitual de sua histria e o

    Socialismo sendo adotado por diversos pases atravs de revolues proletrias, o

    Estado Social surge como alternativa para compatibilizar o sistema ento vigente

    com as novas necessidades, impedindo que os ideais socialistas ganhassem ainda

    mais fora nos pases centrais.

    No mbito jurdico, o incio do Estado Social se deu com a promulgao da

    Constituio Mexicana de 1917 e ganhou importncia com a Constituio de Weimar

    (Alemanha), em 1919. Foi em Weimar, inclusive, que a assistncia estatal passou a

    ser reivindicada pelos cidados como um direito, produzindo uma substancial

    mudana na relao entre Estado e povo.

    4Economista sueco e terico socialista. Vencedor do Prmio Nobel de Economia por seu trabalhopioneiro na teoria da moeda e flutuaes econmicas e pela anlise da interdependncia dosfenmenos econmicos, sociais e institucionais.

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    No Estado Social, todo indivduo teria direito a um conjunto de servios

    fornecidos direta ou indiretamente pelo Estado. Estes direitos incluiriam,

    basicamente, a Educao, a Sade, o Trabalho e a Cultura, que mais tarde viriam a

    ser conhecidos como direitos sociais.

    Os direitos sociais propriamente ditos surgiram aps a Segunda Guerra

    Mundial, como uma tentativa de resolver a profunda crise social que se instalou no

    mundo naquele perodo. So, portanto, direitos fundamentais de segunda gerao e

    visam garantia da igualdade material. Tm a finalidade de permitir aos indivduos a

    possibilidade no s de sobrevivncia, mas tambm de insero plena na vida em

    sociedade. Parte-se do pressuposto de que nada adianta a positivao de um rol de

    liberdades individuais sem a correspondente garantia de um mnimo necessrio paraa vida humana. Neste sentido, nos ensina Jos Afonso da Silva que os direitos

    sociais, como dimenso dos direitos fundamentais do homem, so prestaes

    positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores

    condies de vida aos mais fracos5.

    Tais direitos so concretizados atravs de uma postura positiva do Estado,

    qual seja, a implementao de polticas pblicas e, ainda, na lio de Canotilho6,

    atravs de uma postura negativa, que seria a absteno do Estado em prejudicar oexerccio destes direitos pelos particulares. Como exemplo, podemos citar a

    hiptese em que o Estado tem que permitir e, no caso brasileiro, at incentivar, em

    decorrncia do artigo 210 de nossa Constituio, a atividade dos particulares na

    rea da Educao, exercendo, inclusive, sua fiscalizao.

    Possuem, tambm, um carter interventor de finalidade isonmica, na medida

    em que implicam na busca pela redistribuio dos recursos existentes entre as

    camadas hipossuficientes da populao.

    No Brasil, os direitos sociais esto consagrados, especialmente, no Ttulo II

    (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), e no Ttulo VIII (Da Ordem social) da

    Constituio da Repblica.

    Estabelece nossa Carta Magna, em seu Art.6, como direitos sociais: a

    educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a

    previdncia social, a proteo maternidade e infncia e a assistncia aos

    5SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. So Paulo: MalheirosEditores, 2005, p.286.6CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes apud LIMA, Flvia DanielleSantiago. Em busca da efetividadedos direitos sociais prestacionais. Disponvel em www.jus.com.br. Acesso em 10 mar 2013.

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    desamparados. Do artigo 7 ao 11, o constituinte privilegiou os direitos sociais do

    trabalhador, em suas relaes individuais e coletivas. Cabe destacar, ainda, que a

    Emenda Constitucional n. 64, de 04 de fevereiro de 2010, introduziu no nosso

    ordenamento jurdico o direito alimentao.

    No ttulo VIII, so elencados os direitos Seguridade Social (Sade,

    Previdncia Social e Assistncia Social), os direitos relativos Cultura, Educao,

    Moradia, ao Lazer, ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos

    sociais das crianas e dos idosos.

    Aps o reconhecimento dos direitos sociais, atravs de expressa previso na

    Carta Poltica Brasileira, necessrio se fez torn-los efetivos.

    Em um primeiro momento, tal tarefa caberia, por bvio, ao Executivo e aoLegislativo, atravs da implementao de polticas pblicas que dessem efetividade

    aos direitos sociais consagrados. O que temos visto recentemente, entretanto,

    devido s constantes omisses dos referidos poderes, uma atuao cada vez

    maior do Judicirio nessa rea. neste contexto que ganha fora, no Direito

    Brasileiro, os fenmenos conhecidos como Ativismo Judicial e Judicializao.

    3. ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAO

    Muito se discute a respeito da distino entre os conceitos de judicializao e

    ativismo judicial. Cabe destacar que no estamos diante de termos sinnimos.

    O Ativismo Judicial est ligado mentalidade, a uma postura assumida pelo

    Judicirio, em que se escolhe interferir, de maneira regular e significativa, nas

    opes polticas dos demais poderes.

    Quanto origem do termo, h divergncia doutrinria. Luis Roberto Barroso7

    afirma que o ativismo judicial surgiu na jurisprudncia norte-americana e assumiu,

    inicialmente, um vis conservador, visto que, na atuao proativa da Suprema Corte,

    os setores mais reacionrios encontraram amparo para a segregao racial e para a

    invalidao das leis sociais em geral.

    Vanice Regina Lrio do Valle8diz que o termo nasceu com a publicao de um

    artigo na revista americana Fortune, pelo jornalista americano Arthur Schlesinger,

    7 BARROSO, Lus Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e legitimidade democrtica.Disponvel em: www.luisribertobarroso.com.br. Acesso em: 25 out. 20128 VALLE, Vanice Regina Lrio do. Ativismo Jurisprudencial e o Supremo Tribunal Federal.Laboratrio de Anlise Jurisprudencial do STF. Curitiba: Juru. 2009, p. 21.

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    numa reportagem na qual se traou o perfil dos nove juzes da Suprema Corte.

    Desde ento, ainda conforme a autora, o termo vem sendo utilizado em uma

    perspectiva crtica quanto atuao do Poder Judicirio.

    Sobre a distino entre Ativismo Judicial e Judicializao, Jos dos Santos

    Carvalho Filho diz que em ambos os casos, h aproximao entre jurisdio e

    poltica. Ocorre que essa aproximao decorre de necessidade, quando se est

    diante de judicializao, e de vontade, quando se trata de ativismo9.

    Na lio de Luis Roberto Barroso, a judicializao origina-se do modelo

    constitucional que se adotou e no de um exerccio deliberado de vontade poltica;

    enquanto que, no ativismo, h uma escolha, uma opo do magistrado no modo de

    interpretar as normas constitucionais a fim de dar-lhes maior alcance e amplitude10.

    Judicializao, no contexto do Direito Brasileiro, um fato, propiciado pela

    adoo de um modelo constitucional abrangente, que atribui ao Judicirio

    competncia para decidir sobre diversas matrias da vida poltica e civil do pas. Na

    judicializao, portanto, o Judicirio decide sobre determinada matria porque cabe

    a ele, nos termos da Constituio, decidir. Se um direito expressamente previsto

    pela norma constitucional, e das normas constitucionais se deduzem pretenses,

    subjetivas ou objetivas, tem o Judicirio a obrigao de conhecer e julgar a matria,em observncia ao princpio da inafastabilidade do controle jurisdicional, consagrado

    pelo inciso XXXV do artigo 5 de nossa Carta Poltica.

    O fenmeno da judicializao est presente, tambm, em outros ramos do

    Direito, na medida em que se torna cada vez mais frequente a busca da tutela

    jurisdicional para a composio de conflitos antes pertencentes esfera privada.

    Corroborando com esta ideia, Luiz Werneck Vianna nos diz que o Judicirio, antes

    um poder perifrico (...),se mostra uma instituio central democracia brasileira noque diz respeito sua interveno no mbito social.11

    Para melhor compreenso do que se expe, necessrio se faz analisar, com

    maior cuidado, o que se convencionou chamar de judicializao da poltica.

    9CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Ativismo Judicial e Poltica. Revista Jurdica Consulex.Seo Cincia Jurdica em Foco. Edio 307. 10BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e legitimidade democrtica.Op.Cit.11VIANNA, L. J. W. ; VIANNA, L. W. ; CARVALHO, Maria Alice Rezende de ; MELO, Manuel PalaciosCunha ; BURGOS, Marcelo Baumann . A Judicializao da Poltica e das Relaes Sociais noBrasil.1 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 272 p.

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    4. A JUDICIALIZAO DA POLTICA

    Tratando-se, especificamente, da judicializao da poltica, podemos dizer

    que seu principal elemento caracterizador a transferncia do poder decisrio,

    antes pertencente ao Executivo e ao Legislativo, para o Judicirio, que passa a

    estabelecer condutas que devero ser seguidas pelos outros poderes.

    Jos dos Santos Carvalho Filho12 nos ensina que o termo judicializao da

    poltica passou a ser utilizado a partir da obra The global expansion of judicial

    Power, dos americanos Neal Tate e Tobjorn Vallinder, publicada em 1995, na qual

    os autores abordaram o conceito e as condies institucionais para a expanso do

    Poder Judicirio no processo decisrio em Estados democrticos.

    A judicializao da poltica resulta de diversas caractersticas do

    desenvolvimento histrico das instituies. A reao democrtica em favor da

    proteo de direitos e contra as prticas populistas e totalitrias da Segunda Guerra

    Mundial na Europa, o resgate intelectual e acadmico de teorias liberais, presentes

    em autores como Kant, Locke, Rawls e Dworkin, a influncia da Suprema Corte

    Americana, a tradio europia kelseniana de controle de constitucionalidade das

    leis e os esforos das organizaes internacionais de proteo de direitos humanos,

    sobretudo a partir da promulgao da Declarao Universal dos Direitos Humanos

    da ONU, de 1948, contriburam para o desenvolvimento da judicializao da poltica.

    So inmeros os exemplos de judicializao da poltica na Europa. Na

    Frana, o papel do Conseil Constitutionnel13foi decisivo na implementao de

    diversas reformas, tais como o programa de nacionalizao patrocinado pelo

    governo de Franois Mitterrand14, a poltica universitria e a poltica de

    competitividade includa na Lei de Imprensa de 1981.

    Na Alemanha, de modo semelhante, a atuao do Poder Judicirio foidecisiva em diversas reas, como a poltica externa, no Caso Ostpolitik15, e tambm

    na implementao das polticas universitria e de relaes industriais.

    12CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Ativismo Judicial e Poltica.op. cit.13 a mais alta autoridade constitucional da Frana. Tem como funo fiscalizar a aplicao daConstituio. Foi estabelecido oficialmente em 4 de outubrode 1958,pela Constituio da QuintaRepblica. Baseia-se, tambm, na Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado.14Primeiro membro do Partido Socialista a assumir a Presidncia da Frana. Criou o programa de

    nacionalizao das instituies financeiras como suporte para o crescimento industrial.15 Significa Poltica do Leste. Refere-se aos esforos realizados por Willy Brandt, Ministro dosNegcios Estrangeiros e Chanceler da Repblica Federal da Alemanha, para normalizar as relaescom as naes do Leste Europeu, incluindo a Repblica Democrtica Alem e a Unio Sovitica.

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    Na Inglaterra, a proibio administrativa, estabelecida pelo governo de

    Margaret Thatcher, de formao de sindicatos no servio pblico, bem como a

    poltica de fechamento de escolas do sistema pblico de ensino secundrio, sem

    consulta prvia aos pais de alunos, sofreram a interveno dos tribunais. Na Itlia, a

    politizao da Magistratura, atravs de reformas na estrutura da carreira e dos

    rgos de representao profissional, determinou um aumento de intervenes

    judiciais em setores como as relaes industriais, a defesa de interesses difusos, a

    represso ao terrorismo e, mais recentemente, corrupo.

    Judicializar a poltica, segundo Tate e Vallinder, valer-se dos mtodos

    tpicos da deciso judicial na resoluo de disputas e demandas nas arenas

    polticas, em dois contextos. No primeiro, denominado judicialization from within16,h a utilizao do procedimento judicial pelos parlamentos e pela prpria

    Administrao Pblica. Podemos citar, a ttulo ilustrativo, a importao de

    mecanismos do Processo Penal para instruir as investigaes realizadas pelos

    Conselhos de tica e pelas Comisses Parlamentares de Inqurito.

    O segundo contexto, denominado judicialization from without17, refere-se

    reviso judicial dos atos executivos e legislativos. a transferncia, propriamente

    dita, do poder de tomar decises polticas, que passam a integrar tambm o mbitode atuao dos juzes e tribunais. este, particularmente, o contexto que em que

    ocorre a interferncia do Judicirio no processo de formulao de polticas pblicas.

    Temos, assim, que a judicializao da poltica um fenmeno mundial, com

    causas mltiplas. Cabe anlise mais detalhada, portanto, das peculiaridades que da

    expanso Judicirio no campo poltico no Brasil.

    5. CAUSAS DA JUDICIALIZAO DA POLTICA NO BRASIL

    Durante muito tempo, os tribunais brasileiros tiveram por opo no intervir no

    mrito dos atos administrativos. Tome-se como exemplo a edio pelo STF, na

    dcada de 1960, da smula 33918.

    16Judicializao por dentro, em traduo livre.17Judicializao por fora, em traduo livre.18Smula 339: No cabe ao Poder Judicirio, que no tem funo legislativa, aumentar vencimentosde servidores sob o fundamento da isonomia.

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    Para Ada Pellegrini Grinover19, foi a Lei da Ao Popular que abriu ao

    Judicirio a possibilidade de apreciar os atos do Poder Pblico.

    Candido Rangel Dinamarco compartilha do pensamento da autora,

    acrescentando, ainda, que deve-se Lei da Ao Popular a desmistificao do

    dogma da substancial incensurabilidade do ato administrativo, provocando

    sugestiva abertura para alguma aproximao ao exame do mrito do ato20.

    Podemos citar, ainda, como fator preponderante para a expanso da atuao

    judicial no campo poltico, a redemocratizao do pas, que teve como pice a

    promulgao da chamada Constituio Cidad, em 05 de outubro de 1988. Neste

    sentido, a recuperao das garantias da Magistratura transformou o Poder

    Judicirio, tratado na ditadura militar como uma espcie de departamento tcnico,em verdadeiro Poder Poltico, capaz de resguardar as leis e a Constituio contra

    atos emanados pelos outros poderes.

    Acrescente-se a este contexto a expanso institucional do Ministrio Pblico,

    que deixou de atuar apenas como rgo responsvel pela persecuo penal, para

    realizar a efetiva defesa dos interesses coletivos, bem como a participao cada vez

    mais crescente das Defensorias. Para Barroso, a redemocratizao fortaleceu e

    expandiu o Poder Judicirio, bem como aumentou a demanda por justia nasociedade brasileira21.

    Outro fator de vital importncia foi o modelo abrangente de

    constitucionalizao adotado no Brasil. Nossa Constituio traz um grande elenco

    de matrias que anteriormente eram deixadas para o processo poltico majoritrio e

    para a legislao ordinria.

    Constitucionalizar significa transformar Poltica em Direito, visto que se uma

    questo est disciplinada em norma constitucional, ela se torna pretenso jurdica,que pode ser formulada atravs de ao judicial.

    A constitucionalizao abrangente foi o meio encontrado por pases recm-

    sados de regimes ditatoriais para evitar a repetio de episdios abusivos. Inserir

    no texto constitucional pretenses e matrias antes pertencentes, exclusivamente,

    ao campo poltico, foi uma forma de potencializar o papel de conteno exercido

    pelo Judicirio sobre os atos praticados pelos outros poderes.

    19GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle das polticas pblicas pelo Poder Judicirio. Disponvelem: www.metodista.br. Acesso em: 14 mar 2013.20DINAMARCO, Candido Rangel apud GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit. 21BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e legitimidade democrtica. Op.Cit.

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    Podemos citar como pedras fundamentais da constitucionalizao abrangente

    a promulgao da Constituio Portuguesa de 197622e da Constituio Espanhola

    de 197823. O Brasil, por ter vivido situao semelhante sob a gide da ditadura militar

    que vigorou de 1964 a 1985, optou por adotar, na Assembleia Constituinte

    responsvel pela redao da Constituio de 1988, o modelo constitucional de texto

    abrangente dos pases ibricos.

    Nos dizeres de Luis Roberto Barroso, a Carta brasileira analtica, ambiciosa

    e desconfiada do legisla24. Essa modificao estrutural prpria do constitucionalismo

    contemporneo somou-se crise de representatividade pela qual passa,

    especialmente, o Poder Legislativo.

    A democracia moderna consequncia da criao e do aperfeioamento de

    instituies polticas capazes de regular os conflitos sociais atravs das competies

    eleitorais, bem como da implementao do sufrgio universal como forma de

    participao popular no processo poltico.

    Democracia, portanto, pressupe competio poltica e possui como

    sustentculo a existncia de um sistema eleitoral imparcial e eficiente, capaz de

    funcionar como fonte segura de legitimao das gestes eleitas.

    No diagnstico de muitos autores, entretanto, a democracia est em crise. Epara Manuel Castells, por conseguinte, h uma grave crise de legitimidade do

    sistema, visto que as novas condies institucionais, culturais e tecnolgica do

    exerccio democrtico tornaram obsoletos os sistemas partidrios existentes,

    levando volatilidade eleitoral25. Complementando, diz o autor que um

    componente essencial dessa crise de legitimidade consiste na incapacidade de o

    Estado cumprir com seus compromissos como Estado de bem-estar26.

    Para Bernard Manin27

    , o que tem sido chamado de crise da democracia odeclnio das relaes de identificao entre representantes e representados. Para

    explicar, o autor divide a democracia moderna em dois momentos.

    22Redigida um ano aps a Revoluo dos Cravos, movimento militar que, em 25 de abril de 1974,derrubou a ditadura salazarista, vigente desde 1933.23Resultado de um processo histrico denominado Transio Espanhola, que converteu o regimefranquista em uma monarquia constitucional.24BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e legitimidade democrtica.Op. Cit.25CASTELLS, Manuel apud COSTA, Homero. Debilidade do sistema partidrio e crise derepresentao poltica no Brasil. Disponvel em: www.uel.br. Acesso em 04 abr 2013.26Idem, Ibidem.27MANIN, Bernard apud COSTA, Homero, ibidem.

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    No primeiro, denominado Democracia de Partido, o lder do governo era o

    lder partidrio, votando o eleitor em partidos e no em pessoas. Neste sentido, os

    eleitos no seriam representantes livres para deliberar conforme sua conscincia,

    mas estariam presos aos partidos que os elegeram.

    No segundo momento, denominado Democracia de Pblico, com a expanso

    dos meios de comunicao de massa, h um processo de personalizao da

    poltica, em que os eleitores tendem a votar mais em pessoas do que em partidos.

    As campanhas eleitorais passam a ser caracterizas pelo uso ampliado do

    marketing poltico, focando-se, essencialmente, na imagem do candidato, que passa

    a se comunicar diretamente com o eleitorado.

    Neste contexto, os partidos passam a depender mais de seus lderes e estes,por sua vez, da capacidade de domnio das tcnicas miditicas e das pesquisas de

    opinio, que passam a orientar os candidatos, muitas vezes, no sentido de

    desconsiderao de suas ideologias, para adaptar os seus discursos s expectativas

    da maioria do colgio eleitoral.

    Outro aspecto que evidencia a crise da democracia moderna so os altos

    ndices de absteno eleitoral. Embora seja um fenmeno mundial, existem, no

    Brasil, alguns fatores peculiares que geram a desconfiana da populao em seusrepresentantes e o desinteresse pela vida poltica do pas.

    O grande nmero de parlamentares e membros do Executivo envolvidos em

    casos de corrupo, as frequentes afrontas aos princpios regentes da

    Administrao Pblica, consagrados pela Carta Constitucional em seu artigo 37; a

    incapacidade de trazer pauta de discusses assuntos complexos e relevantes do

    ponto de vista poltico e social, a auto concesso de privilgios excessivos, que em

    muito se distanciam da realidade econmica do pas, e o uso muitas vezesequivocado dos recursos pblicos acabam por distanciar a sociedade e polticos.

    Neste momento, Legislativo e Executivo se encontram, portanto, incapazes de

    atender aos anseios sociais, sendo esta crise de representatividade, legitimidade e

    efetividade a grande alimentadora da expanso judicial no campo poltico. Conforme

    Luis Roberto Barroso, a adiada reforma poltica uma necessidade dramtica do

    pas, para fomentar autenticidade partidria, estimular vocaes e reaproximar a

    classe poltica da sociedade civil28.

    28BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e legitimidade democrtica.Op.c it.

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    Alm da redemocratizao do pas, da constitucionalizao abrangente e da

    crise de representatividade pela qual passam os poderes Legislativo e Executivo, o

    modelo de controle de constitucionalidade adotado no Brasil tambm contribui,

    significativamente, para a judicializao da poltica no pas.

    O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade um dos mais

    abrangentes do mundo, pois rene aspectos de dois sistemas diversos, o americano

    e o europeu. Pela frmula americana de controle incidental e difuso, qualquer juiz ou

    tribunal pode deixar de aplicar determinada lei que considere inconstitucional. Do

    modelo europeu, inspirado em Kelsen, herdamos a possibilidade de o controle ser

    exercido diretamente pelas cortes constitucionais, atravs de aes diretas (ADI,

    ADC, ADPF) que questionem a constitucionalidade de determinada lei, o quepermite que matrias sejam levadas, imediatamente, apreciao do STF.

    Atente-se, neste contexto, para o direito de propositura amplo previsto pelo

    artigo 103 da nossa Constituio, que atribui a diversos rgos, entidades pblicas e

    privadas, partidos polticos, confederaes sindicais e entidades de classe, a

    prerrogativa de ajuizar aes diretas. Assim, um grande elenco de matrias poltica

    e socialmente relevantes podem ser submetidas ao crivo do STF.

    Embora devamos reconhecer que o Judicirio vem, nos ltimos anos,contribuindo para sanar as omisses dos outros poderes, no podemos deixar de

    abordar as objees mais frequentes atuao judicial no campo poltico, como a

    seguir passaremos a expor.

    6. CRTICAS INTERVENO JUDICIAL NA ESFERA POLTICA

    6.1 LIMITES DA CAPACIDADE INSTITUCIONAL DO JUDICIRIO

    Reconhecendo-se a realidade de escassez de recursos pblicos com as quais

    convivemos, devemos concluir que a aplicao destes recursos deve ser feita da

    forma mais racional e eficiente possvel.

    No existem escolhas fceis quando se decide qual poltica ser

    implementada, pois ser sempre em detrimento de outra, ou qual regio ser

    contemplada em primeiro lugar com determinado benefcio, por exemplo. Mas tais

    escolhas precisam ser feitas. E, certamente, no tem o juiz a capacidade tcnica

    necessria para decidir, a ttulo ilustrativo, que determinado bairro necessita mais de

    uma escola primria do que outro, ou se uma poltica de distribuio gratuita de

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    medicamentos para determinada doena ser mais eficaz do que a implementao

    de um programa que a longo prazo possa erradic-la.

    indiscutvel que profissionais tcnicos de cada rea Educao e Sade,

    respectivamente, nos exemplos apresentados possuem maiores condies de

    definir a aplicao de recursos e a implementao de polticas em seus ramos de

    atividade. E o Executivo, atravs dos ministrios e das secretarias estaduais e

    municipais, o Poder mais capacitado para reunir profissionais aptos a gerir o

    funcionamento da mquina pblica

    por isso que a grande maioria dos Estados democrticos do mundo se

    organiza na forma, j abordada, de separao de poderes, na qual as funes

    estatais primordiais so atribudas a rgos distintos, especializados eindependentes. Assim, cabe ao Legislativo a funo de legislar (criar o direito), ao

    Executivo a de administrar (concretizar o direito) e ao Judicirio julgar (aplicar o

    direito na composio dos conflitos). Legislativo, Executivo e Judicirio, portanto,

    exercem controle recproco sobre as atividades de cada um, com o fito de se evitar a

    formao de instncias hegemnicas29.

    Neste contexto, capacidade institucional refere-se determinao de qual

    Poder o mais capacitado para melhor decidir sobre determinada matria. Norestam dvidas de que o Judicirio ser sempre o mais habilitado para exercer a

    aplicao do Direito Positivo e para emitir o pronunciamento definitivo na

    composio de conflitos. Entretanto, em matrias que possuam maior complexidade

    tcnica e que exijam conhecimentos cientficos especficos, devem os magistrados

    prestigiar os juzos discricionrios, desde que dotados de razoabilidade, das

    decises tomadas por Executivo e Legislativo.

    Atente-se, tambm, para o fato de que o juiz est preparado para analisar ocaso concreto, a chamada microjustia30, no dispondo das informaes, do tempo e

    do conhecimento necessrio para avaliar o impacto de suas decises, proferidas em

    processos individuais, na esfera da coletividade.

    Deste modo, conclui Barroso que o Judicirio quase sempre pode, mas nem

    sempre deve interferir. Ter uma avaliao criteriosa da prpria capacidade

    29Expresso utilizada pelo Ministro Celso de Mello, no julgamento do MS 23.452/RJ.30 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalizao das polticas pblicas em matria dedireitos fundamentais: o controle poltico-social e o controle jurdico no espao democrtico. Revistade Direito do Estado. Rio de Janeiro, v. 1, n. 3, jul/set. 2006, p. 17-54

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    institucional e optar por no exercer o poder, em auto-limitao espontnea, antes

    eleva do que diminui31.

    6.2 POLITIZAO DA JUSTIA

    Para Mauro Cappelletii32, a tentativa de conferir um carter mais criativo

    atividade jurisdicional um fenmeno tpico dos sculos XX e XXI. Constitui,

    tambm, um contraponto ao modo de interpretao justiniano, que praticamente

    descartava a discricionariedade do magistrado no julgamento do caso concreto e

    revestia o processo jurisdicional de uma lgica puramente mecnica.

    Destaque-se, neste sentido, o debate travado entre Carl Schmitt e Hans

    Kelsen, no incio do sculo XX, sobre quem deveria ser o Guardio da Constituio.Enquanto Kelsen acreditava que deveria existir um Tribunal de Justia

    Constitucional, Schmitt afirmava que caberia ao presidente do Reich a tarefa de, em

    nome do povo, resguardar a Constituio33.

    Schmitt defendia que a Guarda da Constituio era uma funo de natureza

    poltica e no jurdica. Assim, portanto, somente o presidente doReich poderia

    desempenhar essa funo34.

    J Kelsen defendia que, se por "natureza poltica" Schmitt entendia a soluode controvrsias de grande repercusso social, isso no a diferenciava da "natureza

    jurdica", pois oDireito,assim como a poltica, sempre teve a funo de solucionar

    questes sociais controversas de grande repercusso.

    Kelsen defendeu, tambm, a importncia de tal funo ser desempenhada por

    umTribunal Constitucional,formado pormagistrados preparados, fato que garantiria

    maior imparcialidade nas decises, especialmente quando se tratasse de questes

    relacionadas a opositores do governo

    35

    .A teoria desenvolvida por Kelsen inspirou a redao da Constituio Austraca

    de 1920 e prevaleceu em todo o mundo, o que faz do autor o vencedor ftico-

    histrico indiscutvel do debate travado com Schmitt.

    31BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e legitimidade democrtica.Op. cit.32 CAPPELLETTI, Mauro apud PERTSCHI, Luciano Karlo. Politizao da Justia: uma dimensoterica. Disponvel em www.ambito-juridico.com.br. Acesso em 04 abr 2013.33 LORENZETTO, Bruno Menzes. O debate entre Kelsen e Schmitt sobre o guardio daConstituio.Disponvel em: www.publicadireito.com.br. Acesso em: 14 mai 2013.34Idem, Ibidem.35Idem, Ibidem.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Reichhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Direitohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tribunal_Constitucionalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Juizhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Juizhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tribunal_Constitucionalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Direitohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Reich
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    Mas importante relembrarmos esse confronto de teses, no com a

    perspectiva de reeditar um tema j amplamente analisado e decidido, mas pela

    importncia que ele teve na formao dos modelos poltico-jurdicos modernos.

    A linha que divide os campos poltico e jurdico tnue. Direito poltica na

    medida em que sua criao produto da vontade da maioria, sua aplicao no

    dissociada da realidade social, devendo atender s expectativas dos cidados; e

    tendo em vista, ainda, que juzes no so seres sem memria e sem desejos,

    libertos do prprio inconsciente e de qualquer ideologia36.

    Evidente, porm, que Direito no pode ser poltica no sentido de admitir

    escolhas tendenciosas e partidarizadas, que criem regimes jurdicos diferenciados

    entre os que apiam e os que no apiam determinado governo, ou ainda entre associedades empresariais que financiam as campanhas do partido vencedor e as

    demais. Em outras palavras, os direitos dos que pensam minoritariamente devem

    ser igualmente preservado. No pode, como no raras vezes vimos acontecer, um

    ministro de tribunal superior nomeado por determinado presidente, ter como

    tendncia proferir votos a favor daquele partido.

    Assim, embora reconheamos que o juiz, mesmo no eleito, exerce um poder

    representativo (pois emana da vontade do povo e representada pelas leis e pelaprpria Constituio), ele no pode ser populista e dever atuar, sempre que

    necessrio, de modo contramajoritrio, tendo em vista ser a promoo dos direitos

    fundamentais, mesmo contra a vontade da maioria poltica, condio essencial para

    o perfeito funcionamento do constitucionalismo moderno.

    6.3 ILEGITIMIDADE DEMOCRTICA

    O pargrafo nico do artigo 1 de nossa Carta Poltica estabelece que o poderemana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos direta ou

    indiretamente. Nossa Constituio, portanto, ao expressar a soberania popular e o

    princpio democrtico, aduz que a maior fatia do poder poltico deve ser exercida por

    agentes pblicos alternantes e eleitos pela maioria, atravs do sistema

    representativo, permitindo aos cidados escolher, periodicamente, os membros do

    Poder Legislativos e o chefe do Poder Executivo.

    36BARROSO, Luis Roberto. Judicializao, Ativismo Judicial e legitimidade democrtica.Op.Cit.

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    Uma parcela menor do poder poltico, entretanto, exercida por agentes

    escolhidos atravs de critrios tcnicos, por meio de aprovao em concurso

    pblico. So os membros do Poder Judicirio e das chamadas Funes Essenciais

    Justia (Ministrio Pblico, Advocacia de Estado e Defensoria Pblica). Neste

    cenrio de relaes entre agentes pblicos eleitos e no eleitos, h um elemento

    constantemente presente: a chamada dificuldade contramajoritria, invocada

    comumente para questionar o controle judicial de polticas pblicas.

    O termo countermajoritarian difficulty foi usado pela primeira vez por

    Alexander Bickel, na obra The least dangerous branch, publicada pela primeira vez

    em 1962, na qual o autor discutia a chamada Judicial Review, doutrina segundo a

    qual o Poder Judicirio deve ter a prerrogativa de anular os atos dos outros Poderes.Grande objeo a esta doutrina era o fato de que esse poder seria exercido

    sempre sob a ameaa daquilo da dificuldade contramajoritria, que consistiria na

    oposio possibilidade de o Judicirio ter a prerrogativa de anular atos dos demais

    Poderes, que tm legitimidade democrtica, sobretudo na medida em que o prprio

    Judicirio no submetem seus cargos ao crivo do sufrgio popular.

    Tendo em vista, assim, que os membros do Legislativo e os chefes do

    Executivo que foram eleitos pela populao para gerir os recursos provenientesdos tributos pagos por ela, cabe aos administrados manifestarem-se, aprovando ou

    no, atravs do voto, a forma com que os recursos pblicos foram utilizados por

    determinado governo, a qualidade das polticas implementadas e a pertinncia das

    suas respectivas execues.

    Juzes, por no estarem submetidos ao crivo do sufrgio popular, no podem

    determinar de que forma os recursos arrecadados sero aplicados, o que fatalmente

    ocorre quando o magistrado decide, de forma indiscriminada, aleatria e emocional,questo que verse sobre a efetividade dos direitos sociais.

    Temos, neste sentido, que a interveno judicial no campo poltico deve

    obedecer alguns parmetros. Em deciso monocrtica proferida na ADPF 45-9, o

    ministro Celso de Mello expe que a meta central das Constituies modernas (...)

    pode ser resumida na promoo do bem-estar do homem, cujo ponto de partida est

    em assegurar as condies de sua prpria dignidade. Neste sentido, entende o

    ministro que ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mnimo

    existencial), estar-se-o estabelecendo exatamente os alvos prioritrios dos gastos

    pblicos.

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    7. PARMETROS PARA A INTERVENO JUDICIAL NA ESFERA POLTICA

    7.1 A GARANTIA DO MNIMO EXISTENCIAL

    Na clssica obraA Theory of Justice, publicada em 1971, John Rawls prope

    um modelo de justia no qual os homens estabelecem um contrato social, mas sem

    saber qual ser sua posio na sociedade.

    Rawls37estabelece, ainda, dois princpios bsicos para o funcionamento da

    sociedade e da distribuio de bens, quais sejam: a) todas as pessoas possuem omesmo sistema de direitos e liberdades e b) somente possvel alterar o esquema

    de liberdades para beneficiar os mais desfavorecidos.

    O primeiro princpio no deve ser alvo de interveno estatal, pois

    constitucional. J o segundo, denominado de princpio da diferena, depende da

    iniciativa do legislador para ser concretizado.

    Na obra Political Liberalism, publicada em 1993, Rawls distingue, dentro do

    princpio da diferena, um contedo mnimo, que deixa de ser um fim a ser atingidopelo legislador para tornar-se um direito assegurado pela prpria Constituio,

    independentemente do Poder Legislativo. Este o chamado mnimo existencial.

    O mnimo existencial no possui definio legal prpria. Devemos procur-lo

    na ideia de liberdade, nos princpios da igualdade e do devido processo legal, nos

    direitos humanos. No possui um contedo especfico, podendo abranger qualquer

    direito, como sade, educao e alimentao, desde que considerados em sua

    dimenso essencial e inalienvel.

    Para Ada Pellegrini Grinover, o mnimo existencial considerado um direito

    s condies mnimas de existncia humana digna que exige prestaes positivas

    por parte do Estado38.

    Para Ricardo Lobo Torres, a dignidade humana e as condies materiais de

    existncia no podem retroceder aqum de um mnimo, do qual nem os prisioneiros,

    os doentes mentais e os indigentes podem ser privados39.

    37PORTELLA, Simone de S. Consideraes sobre o conceito de mnimo existencial. Disponvelem: www.webartigos.com.br. Acesso em 14 mai 2013.38GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle das polticas pblicas pelo Poder Judicirio. Op. Cit.39TORRES, Ricardo Lobo apud GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit.

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    Para Ana Paula de Barcellos, o mnimo existencial formado pelas

    condies bsicas para a existncia e corresponde parte do princpio da dignidade

    da pessoa humana qual se deve reconhecer eficcia jurdica e simtrica, podendo

    ser exigida judicialmente em caso de inobservncia40.

    Ada Pellegrini nos ensina, tambm, que esse ncleo central, esse mnimo

    existencial que, uma vez descumprido, justifica a interveno do Judicirio nas

    polticas pblicas, para corrigir seus rumos ou implement-las41.

    Conclui-se, portanto, que embora no caiba ao Poder Judicirio determinar os

    direitos de prestao materialj que o Poder Legislativo quem deve delimit-los,

    respeitando uma escala de prioridades e a escassez dos recursos deve haver

    interveno judicial na esfera poltica sempre que for necessrio estabelecer-se, ourestaurar-se, as condies mnimas de existncia humana com dignidade.

    7.2 A RAZOABILIDADE DA PRETENSO

    Para Ada Pellegini42, a razoabilidade mede-se pela aplicao do princpio

    constitucional da proporcionalidade. Canotilho43nos ensina que a proporcionalidade,

    em sentido amplo, comporta subprincpios constitutivos: 1) princpio daconformidade ou adequao de meios (a medida deve ser adequada ao fim); 2)

    princpio da exigibilidade ou da necessidade, tambm conhecido como princpio da

    necessidade ou da menor ingerncia possvel (impe a idia de menor desvantagem

    ao cidado) e 3) princpio da proporcionalidade em sentido restrito (justa medida

    entre os meios e o fim).

    No que diz respeito interveno judicial na formulao das polticas

    pblicas, devemos entender como imprescindvel a aferio da razoabilidade tantona atuao do Administrador quanto na pretenso, individual ou coletiva, deduzida

    em face do Poder Pblico.

    No devemos entender como razovel, por exemplo, o ajuizamento de aes

    que visem a obrigar a Administrao ao custeio de tratamentos e compra de

    40BARCELLOS, Ana Paula de apud GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit. 41GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit.42GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle das polticas pblicas pelo Poder Judicirio . Op. Cit.

    43CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Op.Cit.

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    medicamentos experimentais, inacessveis, de eficcia no comprovada ou, ainda,

    destitudos de essencialidade.

    Temos, assim, que o juiz dever analisar o caso concreto para determinar se

    a Administrao, quando na formulao das polticas pblicas, tem sua conduta

    baseada nos interesses individuais e coletivos estabelecidos pela Constituio e

    pela legislao ordinria, bem como se o pedido do autor razovel e compatvel

    com a realidade do ente federativo em face do qual se pleiteia.

    Eurico Ferraresi,em tese defendida na Universidade de So Paulo, leciona

    que quando se discute atividade discricionria, discutem-se opes que devem ser

    tomadas pelo agente pblico, de forma equilibrada e harmoniosa e conclui no

    sentido de que o juiz no apenas pode, como deve, verificar se a escolha feita peloadministrador pblico respeitou os ditames legais. Para o autor, entretanto, no

    deve haver a alterao da escolha feita pelo agente pblico, visto que no momento

    em que o ordenamento jurdico permite ao agente pblico atuar com determinado

    campo de independncia, permite-se, discricionariamente, reviso judicial apenas

    nos casos em que a escolha feita seja desarrazoada44.

    7.3 A RESERVA DO POSSVEL

    Ao falarmos de efetivao dos direitos sociais falamos tambm,

    inevitavelmente, de implementao de polticas pblicas e, por conseguinte, de

    aplicao dos recursos pblicos. E preciso reconhecer a realidade de escassez e a

    dificuldade de aumento na arrecadao (tais recursos advm do pagamento de

    tributos, j em demasia, pela prpria populao) com as quais convivemos.

    Fernando Borges Mnica nos ensina que a chamada reserva do possvel foimencionada, pela primeira vez, pelo Tribunal Constitucional Alemo, em demanda

    judicial proposta por estudantes que no haviam sido admitidos em escolas de

    medicina de Hamburgo e Munique, em razo da poltica de limitao do nmero de

    vagas em cursos superiores adotada pela Alemanha em 1960. Foi a pretenso

    fundamentada com base no artigo 12 da Lei Fundamental daquele pas, que assim

    44 FERRARESI, Eurico apud GRINOVER, Ada Pellegrini. Op.Cit.

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    dispe: todos os alemes tm direito a escolher livremente sua profisso, local de

    trabalho e seu centro de formao45.

    Ao decidir a questo, o Tribunal firmou entendimento no sentido de que o

    direito prestao positiva (aumento do nmero de vagas nas universidades)

    encontra-se sujeito reserva do possvel, no sentido daquilo que o indivduo pode

    esperar, de maneira racional, da sociedade46.

    Na anlise de Ingo Sarlet, o Tribunal alemo entendeu que a prestao

    reclamada deve corresponder ao que o indivduo pode razoavelmente exigir da

    sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo

    poder de disposio, no se pode falar em uma obrigao de prestar algo que no

    se mantenha nos limites do razovel47.

    Inicialmente, portanto, a Teoria da Reserva do Possvel no dizia respeito,

    direta e exclusivamente, existncia de recursos materiais suficientes para a

    concretizao do direito social, mas razoabilidade da pretenso deduzida.

    No Brasil, porm, a interpretao desta teoria considera como limite

    efetivao dos direitos sociais a suficincia de recursos pblicos e a previso

    oramentria da respectiva despesa. Assim, durante muito tempo, a reserva do

    possvel funcionou como elemento impeditivo para qualquer interveno judicial naimplementao de polticas pblicas.

    Este quadro, entretanto, vem mudando significativamente, tendo em vista que

    as decises tm exigido no mais a mera alegao de inexistncia de recursos, mas

    sim sua efetiva comprovao. Destaque-se, neste sentido, a deciso proferida na

    ADPF n 45, que teve como relator o Ministro Celso de Mello, concluindo que a

    reserva do possvel no pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de

    exonerar-se do cumprimento de suas obrigaes constitucionais48

    .

    Temos, assim, que se o Judicirio limitar sua atuao garantia do mnimo

    existencial, acolhendo apenas as pretenses que sejam razoveis e, agindo,

    sobretudo, em observncia aos limites da reserva do possvel, no teremos

    caracterizado qualquer tipo de abuso ou interveno desmedida.

    45MNICA, Fernando Borges. Teoria da reserva do possvel:direitos fundamentais a prestaes ea interveno do Poder Judicirio na implementao de polticas pblicas. Disponvel em:www.advcom.com.br. Acesso em 17 mar 2013.46BverfGE (coletnea das decises do Tribunal Constitucional Federal) n 33, S. 33347SARLET, Ingo apud MNICA, Fernando Borges, op. cit.48BRASIL. Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental n 45 . Disponvel em:www.stf.jus.br. Acesso em: 15 nov. 2012.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Nos ltimos anos, a busca pela efetividade dos direitos sociais, tem gerado

    inmeras e polmicas decises judiciais que, se por um lado, e quando

    pontualmente aplicadas, contribuem para sanar as omisses do Legislativo e do

    Executivo, por outro, quando utilizadas com excesso de ambio, podem impedir

    que polticas coletivas sejam devidamente implementadas.

    Evidente que o Judicirio no pode se abster de agir diante de to complexo e

    importante tema, no s por uma questo de conscincia social e institucional, nem

    apenas pela necessidade de se buscar a constante melhoria na qualidade de vidada populao, mas tambm porque, a partir da Constituio de 1988, tais direitos

    ganharam fora normativa constitucional, passveis, portanto, de serem

    judicialmente pleiteados.

    Este processo de constitucionalizao do Direito acarretou o fenmeno

    conhecido como Judicializao. No devemos confundir, entretanto, Judicializao

    com Ativismo Judicial j que,

    Adentrando, especificamente, na Judicializao da Poltica, vimos que suaorigem no Brasil possui causas peculiares: a redemocratizao do pas na dcada

    de 1980, o modelo de constitucionalizao abrangente aqui adotado, a crise de

    representatividade dos Poderes Legislativo e Executivo, alm do o sistema de

    controle de constitucionalidade brasileiro, que, pela sua amplitude, permite que

    quase todas as questes socialmente relevantes passem pelo crivo do STF.

    A Judicializao esbarra, entretanto, em questes profundas, complexas e at

    certo ponto dramticas, mas que precisam ser enfrentadas para que no incorramosno erro de atribuir ao Judicirio competncias que, filosfica e juridicamente, no lhe

    cabem, nem podem, para o bem da Democracia e de todo o ordenamento poltico e

    jurdico pensado e constitudo, lhe caber.

    Neste contexto, vimos que as principais crticas que podem ser feitas

    excessiva atuao no campo poltico so: a ilegitimidade democrtica, tendo em

    vista que juzes no foram eleitos para atuar na gesto dos recursos pblicos e na

    implementao de polticas coletivas, a hipossuficincia tcnica do Judicirio para

    decidir matrias que no lhe so afeitas e os riscos de politizao da Justia.

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    Para que a Judicializao seja um processo salutar ao pas e no acarrete os

    problemas citados, estabelecemos como parmetros a serem seguidos pelos juzes:

    atuao adstrita garantia do mnimo existencial e em observncia ao princpio da

    razoabilidade e da reserva do possvel.

    Ao Legislativo cabe, entretanto, uma mudana mais profunda, que diz

    respeito prpria capacidade dessa esfera de Poder em cumprir o seu papel de

    representante do povo no Governo. Seriedade, comprometimento e decoro, que

    deveriam ser inerentes funo parlamentar, esto longe de ser caractersticas

    marcantes das casas legislativas no Brasil. Inmeros escndalos de corrupo,

    projetos de leis destitudos de qualquer relevncia, a constante omisso no

    enfrentamento de questes delicadas mas fundamentais para o desenvolvimento

    enfrentamento de questes socialmente relevantes, as frequentes afrontas aos

    princpios que devem reger a Administrao Pblica e a auto concesso de

    privilgios excessivos so fatores que comprometem a credibilidade do Legislativo

    Brasileiro.

    Considerando, portanto, que esta crise de representatividade, legitimidade e

    efetividade, especialmente do Legislativo, apresenta-se como a grande fomentadora

    da expanso judicial no campo poltico, revela-se cada vez mais necessria e

    urgente a to aclamada reforma poltica, que crie um sistema capaz de eleger

    legisladores e administradores com reais condies de exercer os seus papis na

    formulao e na execuo das polticas pblicas.

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