Ator e Método Cap.7

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    STIMO CAPTULO

    Creio que voc, leitor, muitas vezes ouviu essas famosas frases: Oespetculo no mau, mas falta ritmo .. . , ou Essa cena precisa de muito

    maIs ntmo ....Esses comentrios so comuns nos intervalos de um espetculo, tanto

    na platia como nos bastidores do teatro. No sei se os comentadores queusam essas frases tm uma idia exata do que significa o ritmo em teatro. Seique.em muitos casos, ao dizer ritmo, eles subentendem simplesmente arapidez com que a ao da pea deveria se desenrolar.

    indiscutvel que o ritmo em teatro um problema de imensa impor-tncia, e exatamente por isso que ele no deve ser encarado com tantaingenuidade.Por onde vamos comear para entender como e por qu~ o ritmo faz

    parte da arte dramtica? Comecemos por ver como se define o significado dapalavra Ritmo . No Pequeno Dicionrio Brasileiro da Lngua Portuguesaencontramos o seguinte:

    Em Msica, agrupamento de valores de tempo combinados por meiode acentos; organizao do movimento dentro do tempo, com volta peri-dica de tempos fortes e tempos fracos, num verso, numa frase musical, etc.;em Fsica, Fisiologia, etc., movimento com sucesso regular de elementosfortes e elementos fracos; em artes plsticas e na prosa, harmoniosa corre-lao das partes.

    Se a definio clara no que diz respeito msica e poesia, e semesmo em relao fsica e fisiologia, ela bastante compreensvel, no sepode dizer o mesmo a respeito da definio do ritmo na prosa: harmoniosacorrelao das partes. Em que consiste essa harmonia? Como se processa acorrelao das partes?

    Por isso me parece, que para compreender o que o ritmo na prosa bom comear por entender melhor como funciona o ritmo na msica.

    Para facilitar a compreenso do nosso problema, comecemos por simpli-ficar a prpria definio. Para ns o ritmo em msica ser: diviso doompasso musical em valores de tempo .

    Vamos ver isso num exemplo muito simples.

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    84 EUGNIO KUSNET ATOR E MTODO 85Imaginemos que cada um desses cinco compassos tenha durao de

    quatro segundos. Nessas condies, poderamos dividir o espao de quatrosegundos em vrios valores de tempo, conforme feito no nosso exemplo:

    Compasso n.O 1 - No dividindo o compasso, temos uma nota valorde tempo) de durao de quatro segundos.Compasso n.O 2 - Dividindo em dois temos duas notas de durao dedois segundos cada uma.Compasso n. 3 Dividindo em quatro temos quatro notas de umsegundo cada uma.Compasso n.O Dividindo em duas notas de durado diferente te-mos uma nota de trs segundos e uma de um segundo.Compasso n.O 5 - Dividindo em cinco notas de durado diferente te-mos uma nota de dois segundos e quatro de meio segundo cada uma.O nmero de divises possveis no tem limite.Convenhamos pois que, para a maior facilidade de nosso raciocnio, adiviso do compasso musical, como ela feita no nosso exemplo, representao ritmo em msica.Mas preciso notar que o ritmo apresentado graficamente, como ofizemos no nosso exemplo, s existe em teoria. Para torn-lo realidade, isto

    para transform-Io em msica, temos que imprimir-lhe uma determinadavelocidade que os msicos chamam de andamento) e acrescentar umamelodia.Deixando de lado o problema de melodia, - porque o que nos interessa

    o ritmo mesmo sem melodia, digamos dentro de uma percusso, - pode-mos dizer que o ritmo pode realmente existir acrescido apenas de umadeterminada velocidade.

    Como vimos na definio do ritmo, existe em msica mais um termo:tempo . Sua definio no mesmo dicionrio a seguinte:

    Cada uma das partes completas de uma pea musical, em que o anda-mento muda; durao de cada parte do compasso.

    Simplificado novamente, podemos dizer: Para ns o termo tempo velocidade do ritmo.Nessas condies, e j que os dois, - o tempo e o ritmo - na podemexistir em separado a na ser em teoria), Stanislavski, no seu trabalho em

    teatro, sempre usou o termo nico - TEMPO-RITMO - frisando com isso aabsoluia necessidade de nunca separar esses dois fatores na sua aplicao emteatro.

    Para que o leitor possa experimentar o efeito do tempo-ritmo , damosabaixo exemplos de vrias divises do compasso, a comear por mais simplese terminando por combinaes mais complicadas.

    Apresentamos esses exemplos em dois pentagramas cada um, e o ltimoem trs, para que o leitor possa experiment-los em forma de percussoorganizada com duas ou trs pessoas, ou ento usando um metrnomoparamarcar o tempo-ritmo do pentagrama de baixo e executando as batidas dosoutros personagens pessoalmente.

    Regule o metrnomo para vrias velocidades, alterando assim o tel,lpo,e acompanhe as batidas de acordo com a diviso constante do pentagramade cima. Procure sentir e constatar o efeito que lhe causa cada alterao dotempo: ela o toma mais animado? ou mais concentrado? ou mais triste? I~ e [~ ~~ cx = ;r~~I

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    I

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    cham-lo de TEMPO-RITMO COMPOSTO para diferenci-lo do TEMPO-RITMO SIMPLES.Agora podemos dizer que temos uma n~~b mais ~u menos exata doque o ritmo em msica. Mas como e por que iriamos usa-lo no trabalho emteatro falado?Em primeiro lugar, pela definio que c~t~mos, podemos c~nstat~r qUt:o ritmo existe praticamente em todas as atividades humanas, inclusive naprosa. . 1A natureza inteira organizada na base do ritmo, a comear pe o movi-mento dos astros e terminando pelo movimento das amebas. Tudo no mun-do obedece ao ritmo. .O homem primitivo sentia a presena do ritmo em tudo: na regulandadedo movimento do sol, da lua, do rudo da chuva ou de uma casc~ta,. ~aspulsaes do prprio corao. As~im os s~nt.imentos do hom.em ynmltlv?tambm passaram a obedecer ao ntrno, pnnClpal~ente nas pnrnelras rnam-festaes religiosas, nos cantos e nas danas rituais que. pouco a pouco, setransformaram em ao teatral que, por sua vez, contmuou a obedecer aoritmo.No h pois dvida que a prosa em teatro tamb~m deve obedecer aoritmo. Sei. que) no incio, difcil de se convencer diSSO.Como 'podemosencontrar ritmo, cuja presena to evidente nos versos de poesias, comoencontr-lo naquilo que antnimo da poesia, na pros?Realmente, no fcil, porque os atores do teatro falado que, ao repre-sentar, conseguem agir e falar dentro de um tempo-ritmo . certo, chegam aesse resultado de maneira geral intuitivamente e no consClentemente ..Nes-sas condies eles tm dificuldade em constatar e fixar o tempo-ntmoobtido.Mas o tempo-ritmo que eles criam exist-e preciso que eles saibamus-o sua vontade

    impressionante o exemplo de Shakespeare. ~m suas obras freq~ente-mente passava da prosa poesia, e vice-versa. Ator mato que era, .sentIa qu.enum determinado trecho da pea havia necessidade de um ritmo maisntido, que a ao da cena o exigia.

    O mesmo podem e devem fazer os atores, sem que, para isso, sejanecessrio alterar o texto da obra. Eles podem colocar ritmo mais ntidodentro de sua interpretao do papel, tornar o texto da prosa mais ritmado,quando as Circunstncias Propostas o exigirem.

    Vejamos um exemplo que em primeiro lugar vai nos provar ~existnciareal do tempo-ritmo achado por atores intuitivamente e em segUida mo.strarpor onde um ator deve comear para vencer a dificuldade do uso conscientedesse tempo-ritmo.

    Pode tambm experimentar o efeito da alterao do tempo usando paraisso uma msica. Se voc tem uma vitrola, ponha um disco de msicaorquestrada e toque-a normalmente, usando a rotao indicada - 33rpm ou45, ou 78. Em seguida repita o trecho escolhido alterando a rotao, porexemplo, tocando o disco gravado em 33 rpm com velocidade de 78 rpm, ouvice-versa. Dentro de experincias desse tipo no raro sentir uma alegriafrvola causada por uma marcha fnebre, s porque ela foi tocada em tempoacelerado.

    Portanto o efeito emocional do tempo-ritmo sobre um ouvinte nuncadepende apenas do ritmo em si, - seja ele simples ou complicado, - e simde harmoniosa interdependncia desses dois fatores, tempo e ritmo. Alte-rando um deles, alteramos o efeito global do tempo-ritmo.

    Nas experincias feitas com o quadro acima o leitor certamente podeconstatar que o efeito do ritmo muito primitivo letra A) pode ser aguadopela acelerao do tempo, e que o ritmo mais complicado letra F pode serbastante excitante mesmo com o tempo lento.Mais convincente ainda seria o confronto de certas obras musicais.Como um exemplo, gostaria de sugerir a comparao da Quarta Sinfonia deHaydn com o Pssaro de Fogo de Stravinski. Creio que so dois discosfceis de se conseguir para ouvir.

    Na sinfonia de Haydn voc vai encontrar trechos de mxima singeleza:vrios instrumentos tocam a mesma melodia, dentro do mesmo ritmo. Sevoc tivesse a oportunidade de ver as partituras orquestradas dessas duasobras, constataria a enorme diferena entre elas, pois em Pssaro de Fogomuitos instrumentos tocam simultaneamente melodias diferentes e emritmos diferentes. Por isso podemos chamar certos trechos da sinfonia deHaydn de exemplos de RITMO SIMPLES, ao passo que alguns trechos deStravinski so exemplos de RITMO COMPLICADO.Mais tarde, por meio de vrios exemplos, verificaremos que a complexi-dade do tempo-ritmo na arte dramtica decorre do fato de que freqente-mente ele composto de vrios tempo-ritmos diferentes. Nesses casos vamos

    I - I ~ __ ~ _

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    Em cinema os atores representam cenas que so filmadas em espaos detempo relativamente curtos; essas cenas so ligadas entre si em copies :faz-se a dublagem dos dilogos, colocam-se os sons suplementares, etc.:ligam-se os copies e o filme est quase pronto. Falta apenas a msica.Chega um compositor, assiste exibio do filme e depois escreve e grava amsica.

    MODERA TO = ~t~1 ~~

    Mavradisseque eu' es- uva mui to dist rado mesa. De

    Sabemos que a msica composta de harmonia, melodia e ritmo. Onde que o compositor poder encontrar o ritmo para essa sua msica? evidente que s poder encontr-Io na ao que se desenrola no filme,inclusive, bem entendido, no comportamento fsico e nas falas dos intr-pretes dos papis. Portanto o compositor no inventa um ritmo novo, elesublinha, completa e em parte corrige o ritmo j existente, criado pelosintrpretes intuitivamen te.

    Mas, se em vez de assistir ao filrne pronto, o compositor recebesseapenas o script para o qual devesse escrever um fundo musical ? Essefundo musical , criado por um bom msico, certamente seria de grandeutilidade para os intrpretes dos papis, porque os faria sentir o tempo-ritmoda sua ao no filme.

    E se o prprio ator tivesse essa capacidade de criar o fundo musicalpara cada cena do filme? Se ele, a exemplo do compositor, conseguissepensar musicalmente enquanto improvisasse as cenas do seu papel? O seutempo-ritmo estaria pronto muito antes dele enfrentar a cmara.

    esse o problema dos estudos do tempo-ritmo na prosa.Um exemplo do uso do tempo-ritmo num espetculo de pura prosa,foi O Dirio de um Louco de N. Gogol. Os seus criadores, Ivan de Albu-

    querque e Rubens Corra.chegaram a criar um verdadeiro exemplo do usodesse elemento no trabalho de teatro. Se o tempo-ritmo do espetculo foicriado intuitivamente no correr dos ensaios, - e exatamente isso que eusuponho, - certo que depois ele foi fixado e usado conscientemente, poistodos os detalhes do tempo-ritmo serepetiam com preciso nos espet-culos. Como j disse, o espetculo todo foi marcado pelo uso exemplar dotempo-ritmo , mas h cenas em que esse fator torna-se particularmenteclaro. Escolhi uma cena cujo tempo-ritmo me pareceu to claro gue vi apossibilidade de apresent-lo em forma grfica, como em msica. E o quevou tentar em seguida.

    Nessa cena o personagem, depois de meditar sobre a possibilidade deleser descoberto como o nico herdeiro do trono espanhol, de repente tor-na-se muito triste: por algum tempo, ele volta realidade, lembra-se do quedisse sua empregada Mavra. a partir desse momento que eu gostaria defazer a minha demonstrao.

    1 ~ r ~ t mH fato acho que quebrei dois copos em meditaoficou uma p or -o de c acos

    PRESTO~ , r=O tamborilar dos dedos)I t I , ( I w Irt~ r r l r r r r l r ~ ~

    .................................. (Passos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Depois de jan

    It r t~~r e~Ertal eu Ia -{ para dar um passeio perto du montanhas ...evo acrescentar ainda que as pequenas pausas no trec o resto eram

    preenchidas com uns golpes de respirao ofegante, que continuavam mar-cando o tempo-ritmo mesmo nas pausas.E notem que no h nenhum exagero no meu exemplo: os pentagramasacima produzem fielmente as pausas e o tempo-ritmo ~sado por RubensCorra, detalhes estes que tirei meticulosamente da gravaao que fiz duranteum dos espetculos.Entretanto, durante a representao, nunca me passou pela cabe~ aidia do tempo-ritmo que Rubens Corr a usava; eu simplesmente senti afora de sua interpretao.Espero ter tomado bastante clara a razo porque devemos usar esseelemento do Mtodo no nosso trabalho.E agora surge um problema mais difcil: o que devemos fazer paradescobrir o tempo-ritmo desejvel? Em que forma ele entra no nossotrabalho?Nas aulas de tempo-ritmo os estudantes chegam a compreender oproblema atravs de vrias experincias prticas cujo contedo muito

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    90 EUGNIO KUSNET 91TOR E MTODOdifcil de se explicar por escrito num livro. Tentarei apresentar uma idiaque talvez torne possvel uma ou outra experincia pessoal.

    Longe de mim a idia de dar aqui uma receita para o uso do tempo-ritmo . Esse elemento de uma sutileza e complexidade to grandes que adificuldade de seu uso s pode ser vencida por um longo e sistemticotrabalho com muitas e muitas experincias prticas que sempre devem serfeitas sob um controle rgido.

    A sugesto que pretendo fazer aqui s deve ser encarada por vocscomo um meio de adquirir apenas uma noo de como se cria e se usa o tempo-ritmo . No se empolguem, pois, com uma possvel sensao desucesso nas experincias que vou propor.

    Vamos usar para esse fim o exemplo de Rubens Corra. Imaginem que otempo-ritmo do trecho citado fosse criado por uma simples intuio.Nesse caso, nem o prprio Rubens Corra teria noo do tempo-ritmoque ele mesmo criou.

    Mas se ele pudesse ouvir a gravao da cena e transcrev-Ia; como eu afiz, teria diante dele a reproduo, em forma grfica, do tempo-ritmo queele criou intuitivamente e cuja existncia ignorava. Assim ele teria o seutempo-ritmo conscientizado e materializado visualmente.

    Mas ele poderia ir ainda mais longe em suas experincias. Em vez dedizer o texto da cena em voz alta, ele poderia pens-lo , como se o textofosse o seu monlogo interior e, enquanto pronunciasse mentalmente aspalavras, marcaria cada slaba com uma batida na mesa. Toda a seqnciadessas batidas deveria ser registrada num gravador de som.

    Ao ouvir a gravao, ele estaria diante da materializao, desta vezsonora, do seu tempo-ritmo . que, acredito, deveria causar-lhe as mesmassensaes que ele j tinha obtido intuitivamente, o que certamente seria degrande utilidade no seu trabalho.

    Portanto, seria til se o ator, ao ensaiar, pudesse dizer o texto da cenaouvindo simultneamente o som gravado do seu tempo-ritmo .

    Mas, no podendo sempre ter a seu lado um gravador para poder ouvir oseu tempo-ritmo enquanto ensaiasse a sua cena, ele seria obrigado a gravaros sons da percursso na sua memria.Nessas condies, enquanto estivesse dizendo o texto da cena, ele pro-curaria ouvir mentalmente o tempo-ritmo gravado que assim correriaparalelamente ao texto, ativando ainda mais o efeito causado anteriormentepelos outros elementos do Mtodo, com a visualizao, o mgico SEFOSSE , o monlogo interior , etc. este o caminho que me parece aproveitvel para suas experinciaspessoais, na forma que ns usamos em nossas aulas.A maneira de fixar o tempo-ritmo atravs de uma percusso, comoexemplificamos acima, evidentemente longe de ser a nica. Ela mais

    conveniente para as pessoas pouco versadas em msica. Os que conhecemmsica ou possuem o dom musical podem preferir o uso de trechos de umamsica conhecida cujo ritmo correspondajna sua opinio, s caractersticasdo texto. Sendo essa msica conhecida, poderia ser facilmente gravada namemria do ator. Seria ainda melhor se ele pudesse compor uma espcie demsica de fundo , como o fez o nosso hipottico compositor em cinema.E finalmente h atores de grande senso rtmico cuja imaginao cria e fixa otempo-ritmo que no precisa ser gravado, - ele acompanha o texto porpura intuio do ator.

    Agora quero lembrar aos leitores que, sendo o tempo-ritmo um dosfatores da ao humana, ele obedece s leis que regem a prpria ao, - eletem, simultaneamente) dois aspectos: tempo-ritmo interior e tempo-ritmo exterior . Os dois raramente tm as mesmas caractersticas, comotambm raramente as tem a prpria ao em seus dois aspectos.

    O uso simultneo dos dois aspectos do tempo-ritmo produz o quechamamos de tempo-ritmo composto .

    Na cena de O Dirio de um Louco temos um raro exemplo do contr-rio, isto , de tempo-ritmo simples .

    Que os leitores mais esclarecidos em psiquiatria me perdoem a simplifi-cao exagerada que eu adoto para tornar mais clara esta rpida explicao.

    Psicose caracterizada pela perda do senso de realidade objetiva. Omundo objetivo substitudo na mente do psicopata pelo mundo fantstico,que o seu crebro doente criou. .

    Nessas condies no h contradies possveis na psiqu' do doente, elediz o que pensa e pensa o que diz. Da a unicidade do seu tempo-ritmo .

    As pessoas consideradas psiquicamente normais vivem em permanenteconflito entre a percepo da realidade objetiva e a representao interpre-taao) dessa realidade. Da a permanente divergncia entre a ao interior( Monlogo Interior ) e a ao fsica falas e movimentos).

    Para ilustrar isso com um exemplo muito simples, proponho que imagi-nem uma vendedora de feira, num dia de muito calor, vendendo sua merca-doria, digamos, frutas.

    A sua realidade objetiva essa: sol impiedosamente quente, sonoln-cia, fraqueza, apatia. So esses os fatores que originam o seu ','tempo-ritmointerior muito lento.Mas a sua realidade subjetiva a absoluta necessidade de vender,quanto antes, suas frutas. Por isso ela tem que gritar alto e alegremente osnomes das frutas que vende, para chamar a ateno e provocar a simpatiados fregueses. isso que forma o seu tempo-ritmo exterior muitoagitado.

    O tempo-ritmo composto resultante da fuso dos dois, deve dar oresultado procurado - a contradio humana.

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    92 EUGNIO KUSNETSempre procurando meios de dar a maior clareza possvel s minhasexplicaes, vou novamente reco rrer a exemp los apresentados graficamente,embora saiba que a matria to sutil como o tempo-r itmo no possa serreduzida materializao exagerada.Vamos pois a um exemplo de tempo-ritmo composto .Uma senhora recebe em sua casa vrios amigos da famlia. Ela procuraser gentil com todos os convidados para tornar sua visita agradvel. Digamos

    que isso seja o seu nico objetivo. Ela est calma e segura de si. So estas ascircunstncias propostas : Depois de submet-Ia ao trabalho igual ao quevocs fizeram nos exerccios dos captulos anteriores e, principalmente,depois de criar as falas Internas correspondentes situao anterior aocnica (o que ela fez ou pensou antes da recepao), procurem executar aao que contm apenas duas frases que a senhora dirige a um amigo cujavisita ela no esperava.SENHORA - Oh, mas que prazer V oc por aqui?VISITA - Voc sabe como eu gosto de sua casa. Alice no pde vir,est um pouco adoentada.SENHORA - Que isso? Nada de gr ave, espero?VISIT A - No, nada. bom notar desde j que entre a primeira e a segunda frase da senhorah uma pausa durante a qual ela escuta o vis itante. Essa pausa tambm estsuje it a ao t empo-ritmo da cena.Que tempo-ritmo deve ser usado nessa cena? A personagem estcalma, segura de si, contente. Que msica de fundo voc escolheri a? Noseria uma valsa calma, no muito lenta, nem muito viva? Portanto, seria umritmo 'de 3/4.O que estaria pensando a personagem antes de comear o dilogo com ovisitante? Digamos que seja o seguinte: Tudo corre muito bem. Graas aDeus Esta fal a interna teria o tempo-ritmo que graficamente poderiase r apresentado assim:

    MODERADO = J 883P E R S O N j , ~ ~ I ~ r ~ r ~ t a ~ ~ ~ j ~ r l~ ~ ~

    udo corre muito bem Graas a Deus

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    O segundo pentagrama mostra o tempo-ritmo bsico em forma debatidas do metrnomo e deve ser mantido antes, durante e depois da falainterna , bem como durante todo o dilogo.Assim seria o tempo-ritmo da preparao da cena, da sua ao an te-rior. ,Passemos agora ao texto da cena. Dentro do t:. Ipo-ritmo preestabe-lecido, o seu aspecto seria o seguinte:

    MODERA TO J 88PERSON. I E z ~ ~~~~ic

    os:METRONll

    mas que prazer

    VISITA - falando dentro do ritmo bsico que o ~etrnomo continuabatendo) Voc sabe como eu gosto de sua casa. Alice no pde vir, est umpouco adoentada.

    PERSON.

    VISITA - sempre dentro do ritmo bsico) No, nada.Assim se apresenta o tempo-ritmo 'simples dessa simples cena: porque

    pr.ee~tabelecemos que o nico objetivo da senhora seria ser agradvel, o queelimina toda a qualquer contradido em sua aao.Mas digamos que as circunstncias propostas s ejam acrescidas de umelemento novo: a personagem est em vias de abandonar. seu marido. O seuamante exige que ela o faa hoje. mesmo e disse que telefonaria durante afesta. Ela no tem coragem de ir embora hoje e no sabeio que fazer.Evidentemente est muito nervosa, mas faz questo de no deixar os convi-dados perceberem o seu estado. .

    Que forma tomaria, nesse caso, a preparao da cena?Por um lado, ela procuraria conservar acalma e para isso faria o pos-svel para ela p rp ria acred itar que nada de extraordinrio estivesse acon te-

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    94 EUGNIO KUSNETcendo, pois s assim poderia convencer os seus convidados. Ela estaria pen-sando: tudo corre muito bem Graas a Deus ... Mas, ao mesmo tempo, no poderia deixar de sentir o peso de suaindeciso, o pavor do que pode acontecer. A sua fala interna , neste casopoderia ser, por exemplo: Que fao? ... No tenho coragem ... Oh meuDeus ... .Se procurarmos unir o tempo-ritmo da preparao da cena com outroque possa corresponder ao acrscimo que fizemos nas circunstncias pro-postas , o c onjunto poder ter o aspecto seguinte:MODERATO 88

    Ritm01.mr ~~~~Tudo cor- re muito bem Graas a Deus

    Ritm02.0~~~~~Que fao? No tenho coragem Meu Deus

    I I

    Este um exemplo de tempo-ritmo composto contraditrio e~ ~ueos dois componentes devem influir um sobre o outro. Como conseguir 1SS0na prtica? No h frmula alguma, mas podemos tentar.

    Para comear, creio que seria conveniente:1 Gravar a percusso do ritmo 2.0 juntamente com as batidas do. I di d . 1 Ometrnomo, para poder OUV1 as enquanto 1Z o texto o ritmo . .2) Gravar a percusso do ritmo 1.0 com as batidas do metrnomo. d . 2 oenquanto pronunc1a o texto o ntmo . .Assim voc teria a primeira sensao do efei to de um tempo-ritmo

    sobre o outro.Quando voc constatar que sente o efeito inquietante e angustia~tedesse tempo-ritmo composto, deixe de lado as gravaes e trate de s~-plesmcnte dizer o texto: tudo corre ... , et~. Acre~ito que, nessas condi-es, voc poder constatar que a sua maneira de dizer o texto tornou-sediferente.Se voc tiver dificuldade em chegar ao resultado desejado, poder expe-rimentar uma outra maneira, por exemplo, usar o tempo-ritmo interior or itmo 2.0 ) ao pronunciar o texto, - Que fao? ... etc.) - enquantoouve a fala do visitante.

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    Que fao No t enho coragemVISITA: Voc sabe como gosto de sua casa Alice no pode vir ... ete.

    Creio que, embora compreendesse bem a mecaruca do tempo-ritmocomposto , o leitor certamente teria que fazer uma pergunta: Depois decriar e fixar os dois componentes, como poderia o ator manter em mente otempo-ritmo interior , enquanto exercesse tempo-ritmo exterior comrelativa facilidade graas ao apoio substancial que lhe d o ato de dizer otexto? Onde poderia ele encontrar esse apoio para o tempo-ritmointerior?

    Acho que ele poderia procur-lo nas aes fsicas que acompanham asfalas. Basta que essas aes estejam dentro da lgica das circunstnciaspropostas e correspondam, por sua natureza, ao tempo-ritmo procurado.

    Todos ns fazemos muitos movimentos, gestos, sem mesmo nos darconta disso. Mas esse comportamento inconsciente deve ter sua razo deser e certamente reflete algum tempo-ritmo interior. Por exemplo, umtremor do p enquanto o resto do corpo est em absoluta imobilidade;um homem que, falando calmamente, faz um milho de assinaturas numafolha de papel; uma pessoa que ri unhas, apesar de parecer muito calma.

    Todos esses tiques, e muitos outros que vocs podem imaginar,podem ser usados, mesmo em cena aberta, para apoiar e, por assim dizer,materializar o tempo-ritmo interior . evidente que esses tiques spodem ser usados quando cabem logicamente dentro da ao cnica .

    Muitos atores usam para fixar o tempo-ritmo interior os sons, osrudos e os movi.mentos em cena, como por exemplo, o tique-taque dorelgio, o barulho do mar,a trovoada, etc., e finalmente a msica queacompanha a cena.

    Atores que no utilizam a sonoplastia do espetculo so inimigos desi prprios, pois num bom espetculo no h sons casuais, - ,.todos elesso criados pelo diretor exatamente para fixar os tempo-ritmos dapea. freqente nos trabalhos de alguns bons diretores brasileiros, - seja emteatro, em cinema ou em televiso, - que a sonoplastia entra proposital-mente em contradio com a ao cnica.

    Um magnfico exemplo disso uma cena do filme de Anselmo Duarte,O Pagador de Promessas. Nessa cena, enquanto o personagem, Z doBurro, extenuado, perdendo as ltimas foras, lentamente carrega a sua

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    pesada cruz, na esquina da rua os' populares danam uma batucada numritmo frentico.

    Acredito que essa contradio rtmica foi de grande ajuda no trabalhodo intrprete do papel, Leonardo Vilar. Na platia ns sentamos que dentrodo seu extremo cansao havia tambm uma imensa ansiedade. E isto, creioeu, s podia ser resultado desse tempo-ritmo composto .Terminando esse captulo, tenho a impresso de que o leitor talvez sintauma certa perplexidade diante do problema do tempo-ritmo . Todas aspartes do captulo podem parecer bastante claras, mas o conjunto, talvezpor ser complexo demais, capaz de escapar da compreenso. que, na aplicao prtica, o tempo-ritmo da prosa raramente tempreciso do ritmo musical, como nos meus exemplos que dei apenas paraevitar a falta de clareza.

    A criao e o uso do tempo-ritmo depende de inmeros fatores, dosquais o mais importante a estrutura psquica, a personalidade do ator, oque torna ainda mais complexo o estudo desse problema.

    Mas gostaria de terminar este captulo com uma nota de otimismo. preciso que o ator confie no poder criador da natureza. preciso que elesaiba estabelecer condies em que a prpria natureza possa criar atravsdele. A condio essencial para isso a espontaneidade do ator. Essa condi-o s conseguida atravs do uso de improvisaes, e exatamente dentrode uma ao improvisada que nasce o tempo-ritmo . E ento basta que oator saiba fix-lo para que o problema seja definitivamente resolvido.

    Mais tarde, ao estudar a anlise ativa , - o ltimo mtodo que Stanis-lavski revelou antes de morrer, - veremos como isso se processa.