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CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA A TRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS (Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa) TESE DE CONCURSO para uma das cadeiras de PORTUGUÊS do Colégio Pedro II Internato Rio de Janeiro, 2010

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CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

ATRAVÉS DA

ORAÇÃO AOS MOÇOS (Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

TESE DE CONCURSO

para uma das cadeiras de

PORTUGUÊS do

Colégio Pedro II

– Internato –

Rio de Janeiro, 2010

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

2 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

À memória de

MARCELINO PITA DA ROCHA LIMA,

Espírito supremo daquele que me ensinou

a sentir o direito, e querer a liberdade;

daquele cuja presença íntima respira em

mim nas horas do dever e do perigo;

daquele a quem pertence, nas minhas

ações, o merecimento da coerência e da

sinceridade; emanação da honra, da

veracidade e da justiça, espírito severo de

meu pai ...

(Rui Barbosa, 1948)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 3

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: RUI E A LÍNGUA PORTUGUESA ... 5

O varão ................................................................. 5

O mestre da língua e o escritor ............................. 9

1. CAPÍTULO I: ................................................................

DO MÉTODO NO ESTUDO DO ESTILO ................. 19

1.1. Língua e estilo .................................................... 20

1.2. Estilo e estilística individual ............................... 23

1.3. A estilística e seus objetivos ................................ 25

1.4. Propósito do presente trabalho ........................... 27

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

4 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

2. CAPÍTULO II: ................................................................

INTERPRETAÇÃO ESTILÍSTICA DA ORAÇÃO AOS

MOÇOS ..................................................................... 30

2.1. O manuscrito e a redação definitiva ..................... 31

2.2. A língua de Rui. Gramática da Oração aos Moços 49

2.3. A construção da frase. Tom explicativo ................. 70

2.4. Ecos de um passado literário. Arcaização e classicis-

mo. O preciosismo ................................................ 75

2.5. Valores semânticos do vocabulário. Indignação. Re-

sistência e combate. Amor do grandioso e do sublime.

Misticismo ............................................................ 86

2.6. O senso rítmico e a ênfase oratória. Sentimento de si-

metria ................................................................... 93

3. CAPÍTULO III: ..............................................................

CONCLUSÃO ......................................................... 105

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................... 108

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 5

INTRODUÇÃO

RUI E A LÍNGUA PORTUGUESA

O varão

“Rui é um mundo.” (PEREIRA, 1945, p. 9). A flama vi-

va do espírito, que Deus acendeu na lâmpada de barro da nos-

sa mortalidade, sagrou-o, para a vigília dos séculos, o ilumina-

do intérprete da consciência nacional – nas suas lutas e aspira-

ções, no seu culto da justiça e no seu amor da liberdade:

Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira das suas necessidades; creio que, neste regímen, não há poderes so-

beranos, e soberano é só o direito, interpretado pelos tribunais ... (BARBOSA, 1896, p. 216)

À face do mundo e com a bênção do céu, a nação brasi-

leira, em apoteose, divinizou, a 13 de agosto de 1918, o jubileu

cívico da sua glória, aclamando-o o maior de seus filhos.

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

6 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Sob a beca do jurisconsulto, ou com a pena do jornalis-

ta; na curul senatorial, ou no apostolado da pregação popular;

fronteiras dentro da terra natal, ou a deslumbrar os povos civi-

lizados nas conferências internacionais – sempre se extremou

pela fidelidade da vocação democrática, pela nobreza do idea-

lismo mais puro e pela religião do trabalho. "Para ele" – escre-

veu Américo Palha em recente estudo biográfico –

a humanidade era a família comum de todos nós, irmanada pelos laços da fraternidade cristã. Onde houvesse um Caim, a sua pa-lavra se erguia para vergastá-lo. Onde houvesse um réprobo, seu

verbo se levantava para fulminá-lo (PALHA, 1948, p. 82)

Tão extenso se lhe alargara o campo das suas lidas e

fainas; em tantas províncias do saber fora o primeiro, que (dir-

se-ia), em sua época e depois dele, todos os brasileiros lhe fi-

camos a dever parte do nosso destino como povo.

"Bastaria vos lembrásseis" – é um trecho do elogio que

lhe fez Laudelino Freire, ao suceder-lhe na Academia Brasilei-

ra de Letras –

que de Sólon e Licurgo teve a larga visão no legislar; de Publíco-lo, a resistência contra a tirania; de Péricles, a dignidade do pro-ceder e a grandeza d’alma; de Marcelo, a coragem cívica; de Ca-tão, aquele saber e utilidade nas orações do Senado; e de Demó-

crito, a mesma doçura e humanidade depois do triunfo ... (FREIRE, 1936, p. 37)

Nem espaço, nem tempo nos sobraria, na angusteza des-

te capítulo, para sequer esboçar a síntese da sua vida, nos dias

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CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 7

largos de uma existência que as virtudes do trabalhador infati-

gável maravilhosamente multiplicaram. Já lhe tem sido glori-

ficada, com brilho maior ou menor,1 a ação de político e di-

plomata, de jurista e homem de estado, de evangelizador da li-

berdade e construtor da história republicana.

O que não se tem dito suficientemente a seu respeito é

que, por entre os vaivéns da sua vertiginosa carreira, jamais

deixou de haver nele

um homem ansioso pela verdade e pelo bem, corajoso e leal. Al-gumas das mais belas qualidades humanas iluminavam a sua vi-da como nenhuma eloquência poderia fazer. E mesmo quando todas as lições políticas, sociais e humanas, que ele escreveu e pregou, viessem a esmaecer definitivamente, restaria, como o seu legado aos homens, a nobreza moral do homem que ele foi.

(DELGADO, 1945, p. 275)

Àquele que se iniciou na tribuna popular, ainda estudan-

te, “em defesa de um escravo contra o senhor” (BARBOSA,

1897, p. 51); na tribuna forense, para desafrontar a “honra de

uma inocente filha do povo contra a lascívia opulenta de um

mandão” (Ib.); e na tribuna parlamentar, patrocinando a elei-

ção de um conservador contra o próprio partido liberal em que

militava – saberia conservar pelos anos fora, como coroa im-

perial da sua vida, a mesma invencível repugnância a qualquer

1 – Pela objetividade e profundeza de análise, banido o tom vulgar da apologia pela apologia, merecem relevo especial estas três obras, publicadas ùltimamente: Viana Filho (1941), Mangabeira (1943) e Delgado (1945).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

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forma de tirania e a mesma “sede insaciável de justiça” (Ib.),

que lhe modelou irresistivelmente a carreira toda. Protestando

sempre contra a brutalidade da força, herdou ao seu país a li-

ção admirável de crer na lei, nos momentos em que todos dela

duvidavam. Só não fez conspirar. Nem se pôs jamais ao lado

da violência – quer a do poder constituído, quer a de rebeldes à

ordem legal.

Propugnei ou adversei governos; golpeei ou escudei instituições; abalei até à morte um regímen, e colaborei decisiva e capital-mente no erigir de outro. Pelejei contra ministros e governos,

contra prepotências e abusos, contra oligarquias e tiranos. Ensi-nei, com a doutrina e o exemplo, ma ainda mais com o exemplo que com a doutrina, o culto e a prática da legalidade, as normas e o uso da assistência constitucional, o desprezo e horror da opres-são, o valor e a eficiência da justiça, o amor e o exercício da li-berdade. (BARBOSA, 1920, p. 205)

Duas forças demolidoras – o modernismo e a ditadura –

tentaram envolver em penumbra a incomodativa glória do seu

nome, cuja presença permanente doía como uma acusação.

Uma grande glória pesa sempre aos contemporâneos. Se ela não

é o que os homens mais ambicionam na vida, é certamente o que menos perdoam aos seus semelhantes. Não espanta que Aristófa-nes preparasse a cicuta de Sócrates, que Vergílio e Horácio nem sequer pronunciassem o nome de Cícero, que Madame de Sevig-né, com igual clarividência, profetizasse Racine passaria, como havia de passar a moda recente do café ...

Quando um monstro, um Hugo, depois de encher um século com a atroada e o clarão do seu gênio, morre por fim, a humanidade

que ele coagira ao admirar, suspira desabafada, e tàcitamente conspira, daí por diante, em não lhe repetir uma imagem, decla-mar um verso, reler um livro, divertindo-se em lhe devassar a in-timidade para o reduzir à miséria comum dos viventes. Ai de

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quem possui uma glória exclusiva, e, portanto, intolerável, ou

pior, uma glória duradoura, e, então, fatigante! (PEIXOTO, 1944, p. 45)

O mestre da língua e o escritor

Custa crer que, através de tantas personificações em que

se lhe cem-dobrava a atividade, ainda lhe restasse energia e

gosto para perseguir a perfeição literária, que só se conquista à

força de vigílias esgotantes e de pertinacíssimo e amorosíssi-

mo estudo.

Não queremos com isto insinuar haja sido Rui gramáti-

co, ou filólogo. Pensamos, até, que esses títulos lhe devam ser

recusados.

Empolgou-o, sim, desde a puerícia, a paixão do idioma

pátrio, instrumento do seu ministério, cujos recursos e segre-

dos conhecia como ninguém. Em oração proferida no Senado,

em 1904, ele nos ensina, com singular justeza, o lugar que ca-

be à gramática no estudo de uma língua:

Desde menino tive os bons livros dos nossos mestres de lingua-gem nas minhas mãos ... E foi esta a gramática que aprendi. Creio mesmo que, em um exame de regras gramaticais, seja, fa-talmente, um aluno reprovado.

E’ este o meu conceito a respeito da gramática: é uma arte que se aprende pela prática, pelo manejo da língua, pela convivência com os que a falam e escrevem corretamente; e, se existe a ciên-cia da gramática, não é senão, como várias autoridades compe-

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tentes a têm definido, a ciência dos fatos da linguagem. (BAR-BOSA, 1904, p. 319)

Já vinte e um anos antes, no famoso Parecer (BARBO-

SA, 1946) sobre a reforma do ensino primário (1883), no qual

mostra leitura dos mais distintos teoristas então em voga (Bré-

al, Brachet, Ayer, Whitney etc.), manifestara as mesmas con-

vicções:

Que o ensino da língua não se confunde com o ensino da gramá-tica, não é licito contestar. (Op. cit., p. 218-219).

O primeiro passo da gramática usual consiste numa definição, e de definições, de classificações, de preceitos dogmáticos se en-tretece todo este ensino. Em todo esse longo e penoso curso de trabalhos que nos consomem o melhor do tempo nos primeiros anos de estudo regular, não se sente, não há, não passa o mais le-ve movimento de vida. Como se as teorias fossem a primeira, e não a última, expressão da atividade intelectual no desenvolvi-mento do indivíduo, ou da humanidade. Como se o uso não fosse

anterior às regras. Como se a definição não pressupusesse o co-nhecimento cabalmente real do objeto definido. Como se a lin-guagem, numa palavra, não precedesse necessariamente as codi-ficações gramaticais! (Ib., p. 227)

... quando a observação constante, em toda a parte, nos está mos-trando, na infância, no povo, e até entre indivíduos dados ao tra-to literário, a mais pura vernaculidade ordinariamente aliada à mais completa ignorância das leis da ortodoxia gramatical. (Ib.,

p. 233).

Na sua vasta biblioteca, conservada na “Casa de Rui

Barbosa”, antiga residência do mestre, que a devoção do Go-

verno brasileiro transformou em museu público, encontram-se

vestígios indeléveis do seu amor à língua. Seus dicionários

portugueses (todos o sabem), lia-os Rui de capa a capa, e mar-

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ginava-lhes os verbetes de aditamentos e remissões, opuletan-

do, aqui, a sinonímia, documentando, além, um torneio de fra-

se, corrigindo, adiante, uma citação em falso. Apenas por a-

mostra, a título de fundamentação, colhemos, a esmo, no mais

conhecido dos nossos dicionários, o de Cândido de Figueiredo

(edição de 1899), estas anotações do próprio punho de Rui, a

tinta vermelha:

verbete alpestre: a que ele acrescentou: alpígeno, alpense, al-

pino, álpico, alpéstrico, alpestrino;

verbete gabo: a que ele aditou: gabadela, gabação, gaba-

mento, gabazola;

verbete açoite: logo enriquecido com os sinônimos: látego,

chibata, azorrague, vergalho, tagante, relho,

estafim, vergasta, flagelo.

Ao perlustrarmos o velho Morais (na 1ª edição), depa-

rou-se-nos o mesmo empenho de carrear material variado para

os seus escritos; ao verbete, por exemplo, açoutar, apôs ele,

em chorrilho, meia dúzia de vozes equivalentes: atagantar, a-

zorragar, verberar, vergalhar, fustigar, chicotear.

Notícia que todos os estudiosos da língua portuguesa re-

ceberam com imensa alegria, foi a de que, na edição das “O-

bras Completas”, em cento e cinquenta volumes, que se está

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preparando para as comemorações do centenário, um dos to-

mos (o da Réplica) reunirá, em apêndice, preciosos inéditos de

um Dicionário Analógico, que ele, por certo, pretendia conclu-

ir e, talvez, publicar. O exame desses apontamentos nos revela

que Rui trabalhara neles durante toda a vida, pois o caderno

mais antigo está datado de 1864, e as notas mais recentes já fo-

ram escritas naquele excelente papel pautado que ele trouxera

do seu exílio na Inglaterra.

Era este o segredo da copiosidade de seu vocabulário,

do que nos dá exemplo a memorável página “A Rebenqueida”

(BARBOSA, 1912), onde, por entre os estiletes de uma ironia

golpeante, se alinham trinta e tantos sinônimos da palavra re-

benque! Tivemos em mãos, na “Casa de Rui Barbosa”, a folha

original (Fig. 1) onde foram recolhidas as palavras para a

construção dessa brilhante peça literária e política.

O manusear os volumes de seus clássicos portugueses

permite-nos apurar, com surpresa crescente, o vigor do seu es-

pírito de eleição: os mestres de seu pensamento e de seu estilo,

aqueles que mais o seduziram e lhe plasmaram a individuali-

dade de escritor, foram, sem dúvida, Frei Luís de Sousa, Ber-

nardes, Herculano, Camilo e o padre Antônio Vieira, este prin-

cipalmente, cuja música oratória e audácia de arquitetura ver-

bal somente Rui pôde rivalizar.

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Não satisfeito com os comentários que punha às mar-

gens das folhas dos “Sermões”, trasladava-os ele para cader-

nos metodicamente numerados, que recebiam as rubricas de-

vidas: “Vieira-Sintaxe”; “Vieira-Ideias” ...

Daí as aproximações inevitáveis entre a forma literária

de Vieira e a de Rui; em muitos passos, este está visivelmente

impregnado daquele.

Nos artifícios de ideação e no jogo harmonioso das re-

petições e antíteses, um e outro prestaram tributo àquele lu-

dismo quase sensual da mais desvairada prosa gongórica.

Compare-se este cintilante excerto de Vieira, no “Sermão de

Santo Antônio”, pregado na cidade de São Luís do Maranhão,

em 1654, aos fragmentos de Rui, postos logo a seguir:

VIEIRA: Vós, diz Cristo Senhor Nosso, falando com os Pregadores, sois o sal da terra; e chama-lhe sal da terra, porque quer que façam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tan-

tos nela, que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa sal-gar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina, que lhe dão, a não querem receber: ou é porque o sal não salga, e os Pregadores di-zem ũa cousa, e fazem outra, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem que fazer o que

dizem: ou é porque o sal não salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal.

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......................................................................... (VIEIRA, 1944)

RUI: A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmen-te aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigual-dade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do or-gulho, ou da loucura.

Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. (BARBOAS, 1921, p. 25)

E estoutro trecho, provocado pela declaração do chance-

ler da Alemanha de que os tratados internacionais eram “trapos

de papel”:

Se os tratados são trapos de papel, porque se consignam em pa-péis, trapos de papel são contratos, porque todos em papel se es-crevem. Se, celebrando-se no papel, os tratados, por isso, não são mais que trapos de papel, mais que trapos de papel não são tam-

bém as leis, que no papel se formulam, decretam e promulgam. Se os tratados, porque recebem no papel a sua forma invisível, a trapos de papel se reduzem, as Constituições, que no papel se pactuam, não passam de trapos de papel. Trapos de papel maio-res ou menores, mas tudo papel e em trapos. (BARBOSA, 1916, p. 86)

A própria Réplica (BARBOSA, 1904) é menos um mo-

numento gramatical do que mais uma coroa para o escritor

culto e de bom gosto. Haja vista, para aludir somente a um lu-

gar, o capítulo sobre o Neologismo (nº 475, especialmente),

capítulo que nenhum gramático do mundo escreveria, e raros

escritores saberiam fazê-lo com aquele brilho literário que Rui

lhe comunicou.

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No entanto, parece lícito concluir que ele se beneficiou

grandemente com a feitura da Réplica. Porque, de começo, sua

pena não seguia tão à risca, em muitos casos, os preceitos lite-

rários havidos por exemplares. A propósito, deponha Sousa da

Silveira:

Alguns dos grandes escritores brasileiros, como Rui Barbosa, João Ribeiro e Raimundo Correia, que no princípio da sua carrei-ra literária, embora escrevessem em português, se afastavam um pouco do bom tipo linguístico, esforçaram-se depois por acom-panhá-lo de mais perto, e conseguiram tornar-se modelos da mais formosa vernaculidade. (SILVEIRA, 1947)

Prova magnífica de sua evolução como mestre da lín-

gua, surpeendemo-la nos dois [primeiros] volumes da Queda

do Império (BARBOSA, 1947), nos quais, ao recompor, em

1921, para publicação em livro, os artigos estampados, em

1889, no Diário de Notícias, quase se diria que fez timbre em

obedecer, à letra, às lições da Réplica.

Curioso é que, entre os que lhe negavam a qualidade de

escritor, figurava ele próprio em primeiro lugar. Fundido em

moldes olímpicos, talvez pensava que, à força de o glorifica-

rem como puro homem de letras, iriam deixando na penumbra

o coautor da Abolição, o arquiteto da República, o apóstolo do

Civilismo, E’ o que se depreende deste fragmento do discurso

do jubileu:

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16 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Os órgãos de publicidade, que redigi, eram todos eles de política militante; os livros, que escrevi, trabalhos de atividade pugnaz; as situações em que me distingui, situações de energia ofensiva ou defensiva.

...............................................................................................

Uma existência vivida assim nos campos de batalha, tecida,

assim, toda ela, dos fios da ação combatente não se desnatura da sua substância, não se desintegra dos seus elementos orgânicos, para se apresentar desvestida e transmudada naquilo que ela tem menos, na mera existência de um homem de letras. Como quer que se encare, boa ou má, é a de um missionário, é a de um soldado, é a de um construtor. As letras nela entram apenas como a forma da palavra, que reveste o pensamento, como a eloquência, que dobra o poder das ideias, como a beleza aparente

que reflete a beleza interior, como a condição de asseio que lhe dá clareza às opiniões, que as dota de elegância, que as faz inteligíveis e amáveis. (BARBOSA, 1920, p. 205)

Se é certo que ele não se adarvou na longínqua turris

eburnea da arte pela arte, que somente pisam os imaculados,

os budas – não é menos certo que bastariam para imortalizá-lo,

além das suas obras de índole estritamente literária, aquelas

grandes perorações épicas e aqueles trechos sublimados de be-

leza, que ele encravou nos seus discursos, nos seus escritos, e,

até, nas páginas técnicas de muitos trabalhos forenses! Não é

num discurso político que se engasta “O Estouro da Boiada”

(BARBOSA, 1910, p. 134), aí posto, oito anos depois de Os

Sertões, com o intuito visível de provocar um paralelo literário

com a descrição de Euclides da Cunha? Não é ao caricaturar

um adversário político de ocasião, que lhe sai da pena o imor-

tal libelo contra “O jogo” (BARBOSA, 1897a, p. 109)? Que

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autor sacro escreveu prosa de maior sopro lírico sobre o misté-

rio da Ressurreição, do que o Rui da “Prece de Natal” (Id.,

1898), ou de “Surrexit” (Id., 1899b)? E a inigualável “Visita à

terra natal” (Id., 1948)? E o quadro bucólico das “Andorinhas

de campinas" (Id., 1920, p. 182-183)? e a “Saudação aos jan-

gadeiros” (Id., 1922)? e “Bustos e estátuas” (Id., 1920, p. 206-

207)? e Porneia (Id., 1899a)? Não teria fim esta enumeração ...

Depois de haver escrito, a propósito da redação do Có-

digo Civil, aquele pensamento lapidar:

... só o influxo da arte comunica durabilidade à escrita humana, só ele marmoriza o papel e transforma a pena em escopro. (BARBOSA, 1902, p. 5)

ele, na oração clássica, em francês, com que recebeu a Anatole

France na Academia Brasileira de Letras, confessou reconhe-

cer que

... la forme, dans l’idéalité de ses lignes, c’est presque toujours

ce qui reste de la pensée, comme une amphore ancienne d’une essence perdue. (BARBOSA, MCMIX, p. 29)

Como produções literárias puras, lembre-se (e é ele

mesmo quem no-las cita):

O elogio do poeta, a respeito de Castro Alves; a oração do cente-nário do marquês de Pombal; o ensaio acerca de Swift; a crítica do livro de Balfour; o discurso do Liceu de Artes e Ofícios, sobre o desenho aplicado à arte industrial; o discurso do Colégio An-chieta; o discurso do Instituto dos Advogados; o parecer e a ré-

plica acerca do Código Civil; umas duas tentativas de versão homométrica da poesia inimitável de Leopárdi; a adaptação do

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

18 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

livro de Calkins, e alguns artigos esparsos de jornais, literários pelo feitio ou pelo assunto. (Id., 1920, p. 203).

Esqueceu-lhe muita coisa ainda, especialmente o adeus a Ma-

chado de Assis (PUJOL, 1917, p. 355) que, por si só, consa-

graria qualquer grande prosador em qualquer parte do mundo.

Escritor, Rui logrou alcançar, iluminada e serena, a per-

feição que sonhara: marmorizou o papel e transformou a pena

em escopro, para glória da língua portuguesa.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 19

CAPÍTULO I

1. DO MÉTODO NO ESTUDO DO ESTILO

... a beleza aparente que reflete a beleza interior ...

(Rui Barbosa, 1920)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

20 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

1.1. Língua e estilo

Os modernos métodos de pesquisa estilística têm por

base aquela distinção fundamental estabelecida por Ferdinand

de Saussure, entre langue (a cujo domínio pertence a gramáti-

ca) e parole (terreno onde se encontra o estilo).

A langue é um sistema: um conjunto organizado e opo-

sitivo de relações. Fato social por excelência, é aquele acervo

de sons, estruturas vocabulares e processos sintáticos que a so-

ciedade impõe a todos os membros de uma comunidade lin-

guística. Em suas grandes linhas, mora virtualmente em cada

cérebro, “ou plus exactement dans les cerveaux d’un ensemble

d’individus; car la langue n’est complète dans aucun, elle

n’exist parfaitement que dans la masse.” (SAUSSURE, 1922,

p. 30) Do equilíbrio de duas tendências resulta sua estabilidade

pelos tempos fora: de um lado, a diferenciação, força natural,

espontânea, desagregadora; de outro, a unificação, força coer-

citiva, disciplinante, conservadora “C’est du jeu de ces deux

tendences que résultent les diverses sortes de langues, dialec-

tes, langues spéciales, langues communes ...” (VENDRYES,

1921, p. 287)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 21

À medida que se vai assenhoreando dos recursos da

langue, cada indivíduo, culto ou ignorante, a executa à sua

maneira, de acordo com o seu temperamento, com a sua sensi-

bilidade: um é aparatoso, verbalista, ama a riqueza das ima-

gens, a veemência das antíteses, a audácia dos adjetivos extra-

vagantes; outro é sóbrio, cheio de pudor e delicadeza, prefere

o desataviado da expressão direta, a singeleza dos vocábulos

comuns. Eis a parole.

Enquanto a langue, aspecto social e coletivo da lingua-

gem, exterior, portanto, ao indivíduo, “n’existe qu’en vertu

d’une sorte de contract passé entre les membres de la commu-

nauté” (SAUSSURE, 1922, p. 31), a parole se nos apresenta

como um ato individual de vontade e inteligência, segundo o

qual o ser falante “utilise le code de la langue em vue

d’exprimer as pensée personelle ...” (Ib.)

A contribuição pessoal que se possa revelar na parole,

ao lado da contribuição tradicional da langue, é o estilo, que

Sêneca já havia definido como “o espelho da alma”.

Sem dúvida,

Le langage ne connaît pas de création "ex nihilo"; un examen un

peu attentif fait toujours trouver dans la langue existante les modèles qui ont servi pour les formes nouvelles. Mais c’est précisément cela qui est intéressant; ce sont ces créations qui

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

22 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

nous font comprendre le mécanisme du langage. (BALLY, 1926, p. 45)

No equilíbrio de Machado de Assis e nos arroubos equa-

toriais de Castro Alves, encontramos uma só e mesma língua

portuguesa: o mesmo material sonoro, o mesmo sistema de

flexões nominais e verbais, os mesmos princípios de concor-

dância, regência e ordem das palavras na frase, as mesmas

preposições, conjunções e artigos. No entanto, dentro da mar-

gem de liberdade que o determinismo da língua deixa ao indi-

víduo, uma série de particularismos assinalam inconfundivel-

mente um e outro: frases curtas, sutileza de tonalidades semân-

ticas, horror ao truísmo, busca de efeitos sarcásticos – tudo re-

flete aquele pessimismo cruelmente compassivo, que retrata,

de corpo inteiro, o triste burilador de Brás Cubas. Da mesma

forma, aqueles descortinos de clarividente, aqueles desvarios

de profeta em cólera, toda a generosa combatividade e idea-

lismo de Castro Alves – aflui ao largo estuário de suas páginas,

e vai denunciar-se na curva sonora dos períodos, no amor às

comparações e imagens, às hipérboles e inversões violentas,

aos vocativos, e exclamações, e apóstrofes! Para zurzir vinga-

doramente, com o azorrague da sua maldição, a ignomínia que

enodoava a sua época, ele extraiu à língua portuguesa aquele

“som alto e sublimado”, compatível com excelsitude da sua

revolta exemplar.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 23

Aí está o estilo de um jovem ciclope, como ali estava o

estilo de um velho roído de desencanto.

“Tenemos, pues, en resumen: estabilización de lo

psíquico en lo verbal; ampliación de lo verbal por lo psíquico.”

(SPITZER, 1942, p. 92)

Sem embargo de se prestar à floração de mil estilos in-

dividuais, a língua não se desfigura; seu sistema permanece

uno e íntegro. É a variedade na unidade, a preservação históri-

ca do seu gênio, da sua índole, à qual se hão de adaptar todas

as inovações.

1.2. Estilo e estilística individual

Porém é forçoso reconhecer que há um abismo de dife-

rença entre o uso da língua por um indivíduo posto nas cir-

cunstâncias normais e comuns a todo um grupo linguístico, e o

emprego que dela faz o esteta, em seus formosos momentos de

entusiasmo criador. Enquanto aquele a utiliza para a só expres-

são das suas necessidades de entendimento, a este ela se ofere-

ce como instrumento de arte: “...un effort d’expression qui se

développe sans cesse.” (ALBALAT, 1948, p. 20) E’ artificia-

lismo que passa a preponderar: visando a fins estéticos, o artis-

ta enfeita, retoca, cinzela, trabalha a frase, movido pela preo-

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

24 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

cupação superior de beleza e originalidade. “La prose n’est

jamais finie” – dizia o insatisfeito Flaubert. Eça de Queirós

buscava alcançar os segredos de uma prosa idealmente ignota:

– Enfim, exclamei, uma prosa como não pode haver!

– Não! – gritou Fradique, uma prosa como ainda não há! (QUEIRÓS, 1945, p. 125).

E’ aquela fome de perfeição, que excrucia os grandes

torturados da forma.

Daí a distinção essencialíssima entre estilo e estilística

individual, distinção em que tanto insiste Charles Bally (s./d.,

p. 19, § 21b), em seu primoroso Traité de Stylistique Française:

On a dit que “le style c’est l’homme”2, et cette vérité, que nous ne contestons pas, pourrait faire croire qu’en étudiant le style de Balzac, par exemple, on étudie la stylistique individuelle de Balzac: ce serait une grossière erreur. Il y a um fossé infranchissable entre l’emploi du langage par um individu dans le circonstances générales et communes imposées à tout un groupe linguistique, et l’emploi qu’en fai un poète, un romancier, un orateur. Quand le sujet parlant se trouve dans les mêmes

conditions que tous les autres membres du groupe, el existe de ce fait une norme à laquelle on peut mesurer les écarts de l’expression individuelle; pour le littérateur, les conditions sont toutes différentes; il fait de la langue um emploi volontaire et conscient (on a beau parler d’inspiration; dans la création artistique la plus spontanée en apparence, il y toujours un acte volontaire); en second lieu et surtout, il emploie la langue dans une intention esthétique; il veut faire de la beauté avec les mots

comme le peintre en fait avec les couleurs et le musicien avec les

2 Alceu Amoroso Lima foi o primeiro – parece-nos – que atentou na deturpação que tem sofrido a célebre frase de Buffon. À página 124, nota 12, de sua “Estética Literária” (Americ Edit., Rio, 1943), transcreve ele o texto original do discurso de recepção na Academia Francesa (25 de agosto de 1753), e ali se lê: “... le style est de l’homme même”.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 25

sons. Or cette intention, qui est presque toujours celle de

l’artiste, n’est presque jamais celle du sujet qui parle spontanémente as langue maternelle. Cela seul suffit pour séparer à tout jamais le style et la stylistique.

1.3. A estilística e seus objetivos

Deve-se a Charles Bally, discípulo de Saussure, a

investigação dos “faits d’expression du langage organisé au

point de vue de leur contenu affectif” (BALLY, s./d., p. 16, §

19). Na ciência alemã, os mestres dessa recente disciplina, que

se chamou estilística, são os doutrinadores da escola idealista

de Karl Vossler.

O objetivo de Bally tem sido, de modo exclusivo, o es-

tudo da afetividade na língua corrente; ao contrário, Vossler e

seus discípulos, ainda que também a esta se hajam aplicado,

restringiram o campo de suas pesquisas à língua literária, prin-

cipalmente à língua criadora da poesia, muito mais rica em e-

lementos emocionais. Assim entendida, a estilística é a ciência

dos estilos dos escritores.

Essa nova orientação nada tem em comum com aquela

pedagogia da arte de escrever, tão do gosto dos manuais fran-

ceses de “explications de textes” e de obras como, por exem-

plo, as de Antoine Albalat, nas quais nada mais se procura que

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

26 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

oferecer modelos e normas para imitação. Em ambos estes ca-

sos, o estilo é concebido como forma literária e, portanto, pas-

sível de ser transmitido didaticamente, segundo a compreensão

dos retóricos do Renascimento, que o imaginavam entidade

absoluta e isolada, factível e adquirível pela vontade.

La forma no es, en efecto, un factor independiente, con existen-cia propia – escreve Robert Petsch – que se incorpore al conteni-do ideal o pueda enlazarse arbitrariamente con él, sino una irra-diación de ese contenido mismo, sólo que parece llevar una vida

propia e independiente, aunque en realidad se halla puesto cons-tantemente y de modo cada vez más perfecto al servicio de la vo-luntad de expresión de la vida interior del hombre. (PETSCH, 1946, p. 276)

Em trabalho notável, Helmut Hatzfeld (1942, p. 153-

216) resenhou grande parte das obras de estilística no domínio

das línguas românicas. Suas informações, completadas por

Amado Alonso e Raimundo Lida (1942, p. 219-244), permi-

tem-nos apreciar o interesse despertado por tais estudos e os

caminhos diferentes que a novel disciplina há seguido nos úl-

timos tempos. Os temas preferidos têm sido os seguintes:

1 – Teoria geral do estilo.

2 – Indagações estilísticas baseadas no cotejo de manus-

critos e variantes.

3 – Estudo de fontes poéticas.

4 – Pesquisa de línguas poéticas individuais.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 27

5 – Temas e processos estilísticos de certos escritores.

6 – Diversas formas estilísticas sobre o mesmo assunto.

7 – Marcha de determinado processo estilístico através

de toda uma literatura.

8 – Estilística histórica: evolução de recursos

estilísticos.

9 – Estilística étnica: o estilo como espelho de uma

cultura nacional.

1.4. Propósito do presente trabalho

Pôr mãos sacrílegas nos mármores da obra literária de

Rui Barbosa, com o fito de tentar surpreender, na sua beleza

sem mescla, aquela “beleza interior”3 que lhe engrandeceu a

vida – eis o escopo deste pequeno trabalho.

Longe de nós, contudo, a pretensão de ambicionarmos,

ainda que a respeitosa distância, acompanhar a Vossler, Leo

Spitzer, Elise Richter e mais teóricos da estilística, em pós da-

quela ânsia de encontrar, em toda particularidade idiomática

3 “as letras nela entram (em sua vida) ...como a beleza aparente que reflete a beleza interior...” (BARBOSA, 1920, p. 205).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

28 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

do autor estudado, o reflexo de um estado de alma também

particular.

É mister precaver-nos, antes de tudo, contra os perigos

que tal diretriz nos oferece, conduzindo-nos, muita vez, a um

terreno onde os excessos do subjetivismo podem acabar por

dominar-nos. Aquela estilística que “aspira a una re-creación

estética, a subir por los hilos capilares de las formas idiomáti-

cas más características hasta las vivencias estéticas originales

que las determinaron” (ALONSO, 1942, p. 12), nem sempre

ministra ao pesquisador trilha segura por onde caminhe. É o

caso de Leo Spitzer, que, ao comentar a expressão “avant-

guerre”, usada por León Daudet, em 1913, com o sentido par-

ticular de “época à espera da guerra”, nela vê “la expresión

verbal de la angústia de un patriota francés de 1913!” (SPIT-

ZER, 1942, p. 93)4 Também Vossler, na análise estilística da

fábula de La-Fontaine – “Le Corbeau et le Renard”, a propósi-

to, por exemplo, da inversão que figura no primeiro verso

(Maître corbeau, sur un arbre perché...) – acha que “la posici-

ón del ciervo aparece aún más alta” e que assim se acentua,

desde o começo, “el caráter orgulloso del ciervo.” (VOSS-

LER, 1929, p. 184)

4 A frase está confusa, iniciada em espanhol e concluída em português: "la expresión verbal de la angústia de um patriota francês de 1913!”

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 29

Sem que nos mova a preocupação constante de penetrar

nos mistérios – muita vez insondáveis – do mundo psicológico

do escritor, buscaremos, na medida do objetivamente possível,

reunir algumas observações sobre o estilo de Rui Barbosa na

Oração aos Moços, desejosos de concorrer para a compreen-

são geral desse alto espírito, que aprendemos a reverenciar

desde os primeiros dias de adolescência.

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

30 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

2. CAPITULO II

INTERPRETAÇÃO ESTILÍSTICA

DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

Por motivos práticos, trabalharei no parti-

cular para poder aprofundar-me no geral;

mas sempre o conceito primário será a u-

nidade.

(Karl Vossler)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 31

2.1. O manuscrito e a redação definitiva

Tivemos o raríssimo privilégio de poder consultar o

manuscrito anterior ao que, depois de lido pelo Dr. Reinaldo

Porchat aos doutorandos da Faculdade de Direito de São Pau-

lo, serviu para a impressão de 1921. Dele tiramos cópia fotos-

tática, por gentileza do Ilmo. Sr. Dr. Américo Jacobina La-

combe, ilustre diretor da “Casa de Rui Barbosa”, em cujo ar-

quivo se guarda o precioso documento.

Causou-nos uma das maiores emoções de nossa vida a

leitura das cento e onze páginas desse rascunho, cujas emen-

das nos revelam a sabedoria incomparável do escritor, e refor-

çaram muitas das conclusões a que chegáramos ao estudar-lhe

os processos de trabalho.

O confronto entre os dois textos – o do autógrafo e o da

1ª edição –, paralelo que temos por conveniente, espancará

muita dúvida respeitante às ideias e preferências de Rui no fim

da vida, por isso que, traído, às vezes, pelo subconsciente, dei-

xou ele documentadas no original manuscrito, aqui e ali, certas

formas e maneiras de ver, que se deu pressa em modificar na

redação definitiva.

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

32 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Não nos deteremos, por óbvias razões, no exame de TO-

DAS AS VARIANTES, senão no daquelas que, por sua natureza

especial, possam, de qualquer modo, contribuir para o propósi-

to que temos em vista; fá-lo-emos assistematicamente, em vá-

rios lugares desta tese, à proporção que se for oferecendo o-

portunidade. Não obstante isso, registrá-las-emos de forma

completa (exceto as de grafia e as de pontuação), para que, as-

sim, se venha a ter, ao mesmo tempo, o estabelecimento fide-

líssimo do inédito, cuja publicação, segundo cremos, será de

alto interesse para quantos amamos as letras pátrias.

Utilizou-se para o cotejo o exemplar nº 2 da 1ª edição

especial de cinquenta exemplares, em papel Wathman, nume-

rados e rubricados pelo autor –, edição promovida pelo mensá-

rio acadêmico Dionysos, publicada em outubro de 1921 pela

Casa Editora "O Livro”, de São Paulo. E’ a edição autorizada

por excelência. Além dela, existem, pelo menos, estas seis pu-

blicações:

I – a do jornal O Estado de São Paulo, nos dois dias

subsequentes ao da colação de grau (30 e 31-3-1921);

II – a da revista Arcádia, da Faculdade de Direito de São

Paulo, nº 3;

III – a da Revista de Língua Portuguesa, n. 11, Rio,

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 33

1921;

IV – a que figura no volume Elogios Acadêmicos e

Orações de Paraninfo, Rio, 1924;

V – a de Flores & Mano, Rio, s/d.;

VI – a da Organização Simões, autorizada pelo

Ministério da Educação e Saúde, Rio, 1947.

MANUSCRITO PRIMEIRA EDIÇÃO

1 – admissão a esse sacerdócio (p. 1)

admissão ao nosso sacerdócio (p. 11).

2 – como a quem se sente alongado por centenas de quilômetro. (p. 2)

como a quem se sente arredado por centenas de quilômetros. (p. 12).

3 – debaixo dos mesmos

campanários. (p. 3)

sob os mesmos campanários. (p. 12)

4 – quando a sua visão (p. 7) quando sua visão (p. 13)

5 – como a pêndula de um relógio (p. 7)

como pêndula de relógio (p. 13).

6 – se alimenta ele da comunhão nos sentimentos e índoles, nas ideias e aspirações? (p. 9)

se alimenta ele na comunhão dos sentimentos e índoles, das ideias e aspirações? (p. 14).

7 – Quantas vezes não vemos, nesse

fundo obscuro e remotíssimo, uma imagem cara? (p. 11)

Quantas vezes não entrevemos

nesse fundo obscuro e remotíssimo uma imagem cara? (p. 15).

8 – na esfera das comunicações na esfera das comunicações morais

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

34 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

imateriais (p. 14) (p. 15)

9 – não conseguiremos enxergar de um a outro cabo, numa linha tão curta? (p. 14)

não conseguiremos enxergar de um a outro cabo, em linha tão curta? (p. 16).

10 – porque o espírito encontrou

logo o seu equilíbrio na convicção de que, afinal, me chegava conhecer a mim mesmo, reconhecendo a escassez da minha energia (p. 17)

porque o espírito encontrou logo

seu equilíbrio na convicção de que, afinal, me chegava eu a conhecer a mim mesmo, reconhecendo a escassez de minhas reservas de energia, (p. 16-17).

11 – Tenho o consolo de haver dado ao meu país (p. 18)

Tenho o consolo de haver dado a meu pais (p. 17).

12 – os excessos de atividade incansável, com que, desde os

bancos acadêmicos, o servi. (p. 18)

os excessos de atividade incansável, com que, desde os bancos

acadêmicos, o servi, e o tenho servido até hoje. (p. 17).

13 – entre uma nacionalidade esmorecida e indiferente (p. 19).

em uma nacionalidade esmorecida e indiferente (p. 17).

14 – sobranceria (p. 19) sobrançaria (p. 17).

15 – Descrer da cegueira humana, sim; mas da Providência, fatal nas suas soluções, bem que tarda nos

seus passos, isso nunca. (p. 20)

Descrer da cegueira humana, sim; mas da Providência, fatal nas suas soluções, bem que (ao parecer)

tarda nos seus passos, isso nunca. (p. 18).

16 – Essas chispas da substância divina (p. 25)

Essas faúlhas da substância divina (p. 19).

17 – Então a palavra se eletriza, treme, lampeja, atroa, fulmina. (p. 26)

Então a palavra se eletriza, brame, lampeja, atroa, fulmina (p. 20).

18 – Eis aí a cólera santa! Eis a ira

divina! (p. 26-27)

Ei-la aí a cólera santa! Eis a ira

divina ! (p. 20).

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 35

19 – o renegado, o blasfemo, o

profanador? (p. 27)

o renegado, o blasfemo, o

profanador, o simoníaco? (p. 20).

20 – a prostituição pública (p. 27) a prostituição política (p. 20).

21 – Quem, senão ela, a cólera do celeste inimigo dos vendilhões e dos hipócritas? (p. 27-28).

Quem, senão ela, ela a cólera do celeste inimigo dos vendilhões e dos hipócritas? (p. 20).

22 – crucifixo entre os ladrões? (p. 28)

crucifixo entre ladrões? (p. 20).

23 – no fundo são do vaso onde

tumultuam essas procelas, e donde borbotam essas erupções, (p. 29).

no fundo são da urna onde

tunultuavam essas procelas, e donde borbotam essas erupções, (p. 21).

24 – não assenta um ódio, uma inimizade, uma vingança (p. 29)

não assenta um rancor, uma inimizade, uma vingança. (p. 21).

25 – ou como conselho de pai a filhos, se não como o testamento de uma carreira. (p. 32)

ou como conselho de pai a filhos, quando não como o testemunho de uma carreira, (p. 22).

26 – mas sempre o evangelizou com

entusiasmo. (p. 32).

mas sempre o evangelizou com

entusiamo, o procurou com fervor, e o adorou com sinceridade. (p. 22).

27 – fui sentindo quanto ela necessita da contradição, (p. 32)

fui sentindo quanto esta necessita da contradição, (p. 22)

28 – senão sim que o devo, principalmente, às maquinações dos malévolos e às contradições da sorte. (p. 35).

senão sim que o devo, principalmente, às maquinações dos malévolos e às contradições da sorte madrasta. (p. 23).

29 – Uns querem mal, e fazem bem. Outros almejam o bem, e nos trazem o mal. (p. 36)

Uns nos querem mal, e fazem-nos bem. Outros nos almejam o bem e nos trazem o mal. (p. 23).

30 – não hajam contribuído senão não nos hajam contribuído senão

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

36 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

para a nossa felicidade. (p. 37) para a felicidade. (p. 23).

31 – versado nas lições do tempo. (p. 39)

versado nas longas lições do tempo, (p. 24).

32 – por saber se o levarão ao cabo. (p. 40)

por saber se a levarão ao cabo, (p. 24).

33 – na viagem de trânsito por este mundo, (p. 40)

na viagem de trânsito deste a outro mundo. (p. 24)

34 – desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares de orvalho na relva dos prados. (p. 42)

desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados. (p. 25).

35 – quinhoar desigualmente os desiguais, (p. 42)

quinhoar desigualmente aos desiguais (p. 25).

36 – De cinquenta aspirantes, que, em 1564, solicitaram, em

Salamanca, ingresso à Companhia de Jesus, (p. 46-47)

De cinquenta aspirantes, que, em 1564, solicitavam, em Salamanca,

ingresso à Companhia de Jesus (p. 27).

37 – se quereis honrar a vossa vocação, (p. 50)

se quereis honrar vossa vocação (p. 28).

38 – cavar nos veios da vossa natureza. (p. 50)

Cavar nos veios de vossa natureza (p. 28).

39 – Nem a cabeça exausta nos prazeres tem onde caiba o inquirir,

(p. 52)

Nem a cabeça já exauta, ou esta fada nos prazeres, tem onde caiba o

inquirir, (p. 29).

40 – A natureza nos está mostrando com o exemplo a verdade. (p. 52)

A natureza nos está mostrando com exemplos a verdade. (p. 29).

41– Mas, quando se avizinha o volver da luz, muito antes que ela arraie a natureza, e ainda antes que alvoreça no firmamento, já rompeu na terra em cânticos a alvorada, (p.

Mas, quando se avizinha o volver da luz, muito antes que ela arraie a natureza, e ainda primeiro que alvoreça no firmamento, já rompeu na terra em cânticos a alvorada, (p.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 37

52-53). 29).

42 – mas a de vos anticipardes (sic) aos demais, ganhando mais para vós mesmos, (p. 55).

mas a de antecederdes aos demais, logrando mais para vós mesmos, (p. 30).

43 – Nem a colheita acode tão suave às mãos do lavrador, quando a terra já lhe não está sorrindo entre o sereno da noite e os alvores do dia. (p. 56)

Nem a colheita acode tão suave às mãos do lavrador, quando o torrão já lhe não está sorrindo entre o sereno da noite e os alvores do dia. (p. 31).

44 – Mas muitos somos os que ignoramos certas condições, talvez as mais elementares do trabalho, ou, pelo menos, os que as praticamos. (p. 56).

Mas muito somos os que ignoramos certas condições, talvez as mais elementares, do trabalho, ou, pelo menos, mui poucos os que as praticamos. (p. 31).

45 – Quantos são os que acreditam (p. 56)

Quantos serão os que acreditem (p. 31)

46 – na minha carreira de estudante.

(p. 57)

na minha estirada carreira de

estudante (p.31)

47 – Mas, do que tenho sabido, a maior parte devo às manhãs e madrugadas. (p. 58)

Mas, do que tenho logrado saber, o melhor devo às manhãs e madrugadas. (p. 31).

48 – excessos de minha vida laboriosa. (p. 58)

Excessos da minha vida laboriosa. (p. 31).

49 – Ao que devo, sim, o melhor dos frutos do meu trabalho, (p. 58-

59)

– Ao que devo, sim, o mais dos frutos do meu trabalho, (p. 32).

50 – a relativa exabundância da sua fertilidade, (p. 59).

– a relativa exabundância de sua fertilidade, (p. 32).

51 – e daí avante o observei, sem cessar, toda a minha vida. (p. 59)

e daí avante o observei, sem acessar, toda a vida. (p. 32).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

38 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

52 – a ponto de madrugar exatamente à hora, que comigo mesmo assentara ao dormir. (p. 59).

a ponto de espertar exatamente à hora, que comigo mesmo assentava, ao dormir. (p. 32).

53 – Sucedia, muito amiúde, encetar eu e minha banca de estudo à uma

ou às duas da antemanhã. (p. 59)

Sucedia, muito a miúde, encetar eu e minha solitária banca de estudo a

uma ou às duas da antemanhã. (p. 32)

54 – àquelas amadas lucubrações, as de que me lembro com mais doces saudades. (p. 60).

àquelas amadas lucubrações, as de que me lembro com saudade mais deleitosa e entranhável. (p. 32).

55 – Tenho ainda hoje, a convicção de que (p. 60).

Tenho ainda hoje, convicção de que (p. 32).

56 – bem que largamente cerceado nas suas imoderações. (p. 60).

bem que largamente cerceado nas antigas imoderações. (p. 32).

57 – um dos meus raros e modestos desvanecimentos é o de ser um grande madrugador, um madrugador impenitente. (p. 61).

um dos meus raros e modestos desvanecimentos é o de ser grande madrugador, madrugador impenitente. (p. 32).

58 – quanto menos ciência se apura, mais sábios florescem. (p. 62-63)

quanto menos ciência se apurar, mais sábios florescem. (p. 33)

59 – é, a pedir de boca, o que se diz

verdadeira mão de pronto desempenho, (p. 63)

é, a pedir de boca, o que se diz mão

de pronto desempenho, (p. 33)

60 – “Paradiso”, XII, L 62. (p. 64 – nota)

“Paradiso”, XII, 85. (p. 33 – nota)

61 – se escancaram as cancelas da fama. (p. 62)

se escancelam os portões da fama. (p. 34)

62 – Vai-se até ao incrível de se inculcar “o medo aos preparados”,

havê-los como cidadãos perigosos,

Vai-se, até, ao incrível de se inculcar “o medo aos preparados”,

de havê-los como cidadãos

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 39

e ter por dogma que um homem,

cujos estudos excederem a craveira vulgar, não poderia ocupar um posto mais grado no governo em país de analfabetos (p. 65).

perigosos, e ter-se por dogma que

um homem, cujos estudos passarem da craveira vulgar, não poderia ocupar qualquer posto mais grado no governo, em país de analfabetos (p. 34).

63 – Se o povo é analfabeto, só um ignorante estará em termos de o governar. Nação de analfabetos,

governo de analfabeto. (p. 65).

Se o povo é analfabeto, só ignorantes estarão em termos de o governar. Nação de analfabetos,

governo de analfabetos. (p. 34).

64 – Sócrates, um dia, numa das suas conversações, (p. 66).

Sócrates, certo dia, numa das suas conversações, (p. 34).

65 – dava uma lição de modéstia ao seu interlocutor, dizendo-lhe, com a sua costumada lhaneza: (p. 66).

dava grande lição de modéstia ao interlocutor, dizendo-lhe, com a costumada lhaneza: (p. 34).

66 – E não és tu só o que se veja nessa condição: (p. 66).

E não és tu só o que te vejas nessa condição: (p. 34).

67 – porque tem frequentado os filósofos”. (p. 66).

porque tem cursado os filósofos”. (p. 34).

68 – Vede agora os que intentais exercitar-vos na ciência das leis, vir a ser os seus intérpretes, se de tal jeito é que conceberíeis sabê-las e executá-las. Deste jeito; isto é: (p. 66-67).

Vede agora os que intentais exercitar-vos na ciência das leis, e vir a ser seus intérpretes, se de tal jeito é que conceberíeis sabê-las, e executá-las. Desse jeito; isto é: (p. 34-35).

69 – Certa vez, que Alcibíades discutia com Péricles, numa palestra registrada por Xenofonte, acertou de se debater o que é lei, e quando existe, ou não existe. (p. 67).

Uma vez, que Alcibíades discutia com Péricles, em palestra registrada por Xenofonte, acertou de se debater o que seja “lei”, e quando exista, ou não exista. (p. 35).

70 “– Certamente que o bem, mancebo”. (p. 67).

“– Certo que o bem, mancebo”. (p. 35).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

40 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

71 – “– Mas, quando exíguo número de cidadãos impõe os seus arbítrios à multidão, (p. 68).

“– Mas, quando um diminuto número de cidadãos impõe seus arbítrios à multidão, (p. 35).

72 – num país, onde verdadeiramente, não há lei, não o

há, moral, política ou juridicamente falando. (p. 69).

num país, onde, verdadeiramente, “não há lei”, não há, moral,

política ou juridicamente falando. (p. 36).

73 – os que professam a missão dos sustentáculos e auxiliares da lei. (p. 69)

os que professam a missão de sustentáculos e auxiliares “da lei”, seus mestres e executores. (p. 36)

74 – não só pela bastardia da sua origem, mas pelos horrores de sua aplicação. (p. 69-70)

não só pela bastardia da origem, senão ainda pelos horrores da aplicação. (p. 36)

75 – “Bona este lex, si quis ea

legitime utatur”. (p. 70)

“Bona este lex, si ea legitimè

utatur”. (p. 36)

76 – Ou, mais sinceramente, pretenderia significar o apóstolo das gentes que mais vale a lei mal inexecutada, ou mal executada, para o bem, que a boa lei, sofismada e não observada, contra ele. (p. 70-71)

Ou, mais lisa e claramente, se bem o entendo, pretenderia significar o apóstolo das gentes que mais vale a lei má, quando “inexecutada”, ou “mal executada” (para o bem), que a boa lei, sofismada e não observada (contra ele). (p. 37)

77 – que, por assim dizer, estupendo e sobre-humano não será, logo, em tais condições, o papel da justiça! (p. 71).

que, por assim dizer, estupendo e sobre-humano logo, não será, em tais condições, o papel da justiça! (p. 37).

78 – em sendo justas, lhes manterão eles a sua justiça, e, em sendo injustas, lhes poderão moderar, se não, até, em seu tanto, corrigir a

injustiça. (p. 71).

em sendo justas, lhes manterão eles a sua justiça, e, injustas, lhes poderão moderar, se não, até, no seu tanto, corrigir a injustiça. (p. 37).

79 – “Aí temos a lei”, dizia o Florentino. “Mas quem as há de

“Aí temos a lei”, dizia o Florentino. “Mas quem lhes há de ter mão?

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 41

segurar? Ninguém”. (p. 71). Ninguém”. (p. 37).

80 – Dante: Purgatório, XVII, 218-19. (p. 71)

Dante: Purgatório, XVI, 97-98. (p. 37)

81 – a mão sustentadora das leis, aí está, hoje, entre nós, criada, e tão grande, (p. 72).

a mão sustentadora das leis, aí a temos, hoje, criada, e tão grande, (p. 38).

82 – que, em falseando ele ao seu mister, (p. 73).

que, falseando ele ao seu mister, (p. 38).

83 – ainda que agredida, vacilante e

mal segura. (p. 74).

ainda que agredida, oscilante e mal

segura. (p. 38).

84 – em que mal se conservam grosseiros traços (p. 74).

em que mal se conservam ligeiros traços (p. 38).

85 – imensas nas suas dificuldades, responsabilidades e utilidades. (p. 75).

imensas nas dificuldades, responsabilidades e utilidades. (p. 39).

86 – Metei no seio essas três fés, (p. 76)

Metei no regaço essas três fés, (p. 39)

87 – Não hajais medo que a sorte vos ludibrie. (p. 76)

Não hajais medo a que a sorte vos ludibrie. (p. 39)

88 – Tomai a que vos indicarem os vossos pressentimentos, (p. 76).

Tomai a que vos indicarem vossos pressentimentos, (p. 39).

89 – Mas não primeiro que hajais buscado na experiência de outrem um pouco da que vos é mister, e ainda não tendes, (p. 77).

Mas não primeiro que hajais buscado na experiência de outrem um pouco da que vos é mister, e que ainda não tendes, (p. 40).

90 – Pelo que me toca, escassamente avalio até onde, nisso, vos poderia ser útil, (p. 77).

Pelo que me toca, escassamente avalio até onde, nisso, vos poderia eu ser útil, (p. 40).

91 – Como dilatar-me, porém, Como me dilataria, porém, numa

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

42 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

numa ou noutra coisa, (p. 78). ou noutra coisa, (p. 40).

92 – Não contarei, pois, senhores, a minha experiência, (p. 78).

Não recontarei, pois, senhores, a minha experiência, (p. 40).

93 – se bem que nem todos possam jurar pelo valor dos conselhos. (p.

79).

se bem que nem todos possam jurar pelo valor dos seus conselhos. (p.

40).

94 – São, talvez, meras vulgaridades, (p. 79).

Serão, talvez, meras vulgaridades, (p. 41).

95 – Exemplo, senhores. (p. 81). Ponho exemplo, senhores. (p. 41).

96 – chegando as causas a contar a idade por lustros, em vez de anos. (p. 81).

Chegando as causas a contar a idade por lustros, ou décadas, em vez de anos. (p. 41).

97 – Os juízes retardatários (p. 81). Os juízes tardinheiros (p. 42).

98 – Mas a sua culpa tresdobra (p.

81-82).

Mas sua culpa tresdobra (p. 42).

99 – os autos penam como as almas do purgatório, ou as preguiças do mato. (p. 82).

os autos penam como as almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato. (p. 42).

100 – a si mesmo põem suspeições requintadas, (p. 82).

a si mesmo põem suspeições rebuscadas, (p. 42).

101 – torturando o réu com

severidades inoportunas; (p. 83).

torturando o réu com severidades

inoportunas, descabidas, ou indecentes; (p. 42-43).

102 – não tivesse por sagrado o homem, sobre quem recai uma acusação inverificada. (p. 83).

não houvesse por sagrado o homem, sobre quem recai acusação ainda inverificada. (p. 43).

103 – para se acreditar com o nome para se acreditar com o nome de

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 43

de austeros e incorruptíveis. (p. 83). austeros e ilibados. (p. 43).

104 – uma reputação malignamente obtida à custa da verdadeira inteligência dos textos legais. (p. 83).

uma reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais. (p. 43).

105 – valor das quantias reivindicadas, (p. 84).

valor das quantias litigadas, (p. 43).

106 – os menos ajudados da boa fortuna; (p. 84).

os menos ajudados da fortuna; (fig. 43).

107 – a reparação, que se impõe, aos lesados. (p. 34).

a reparação, que se demanda (p. 43).

108 – os togados, que contraíram a doença de acharem sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda, pelo que os condecora o povo com o título de “fazendeiros”. (p. 85).

os togados, que contraíram a doença de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda; por onde os condecora o povo com o título de “fazendeiros”. (p. 43).

109 – Antes, se admissível fosse

qualquer presunção, (p. 85).

Antes, se admissível fosse aí

qualquer presunção, (p. 43).

110 – Pois essas entidades são as mais poderosas, as mais irresponsáveis, (p. 85).

pois essas entidades são as mais irresponsáveis, (p. 43).

111 – (por não serem os perpetradores de tais atentados os que por eles pagam), (p. 86).

(por não serem os perpetradores de tais atentados os que os pagam), (p. 44).

112 – para assegurar ao Fisco uma

situação monstruosa; (p. 87).

para assegurar ao Fisco esta

situação monstruosa; (p. 44).

113 – e ainda hoje (p. 87). e que ainda hoje (p. 44).

114 – e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição, com a desigualdade nos

e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

44 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

recursos, (p. 88). míngua nos recursos. (p. 44).

115 – preservai as vossas almas juvenis (p. 88).

preservai vossas almas juvenis (p. 44).

116 – e não conhecer a cobardia. (p. 88).

e não conhecer cobardia. (p. 44).

117 – que a nada se dobra, e de nada se teme, (p. 88).

que a nada se dobre, e de nada se tema, (p. 44-45).

118 – Nem receieis (sic) alguma soberania da terra: a do povo, ou a do poder. (p. 89).

Nem receieis (sic) alguma soberanias da terra: nem a do povo, nem a do poder. (p. 45).

119 – por uma ação magnânima, (p. 89).

pelas ações magnânimas, (p. 45).

120 – não têm (p. 89). Não terão (p. 45).

121 – são, às vezes, mais

intolerantes com os magistrados ... que os antigos monarcas absolutos. (p. 90).

São, às vezes, mais intolerantes com

os magistrados ... do que os antigos monarcas absolutos. (p. 45).

122 – como se haveriam com ouvidores e desembargadores d’El-Rei (p. 91).

como se haveriam com os ouvidores e desembargadores d’El-Rei (p. 45).

123 – Bom será que os bárbaros tivessem deixado lições tão

inesperadas às nossas democracias, a ver se, barbarizando-se com esses modelos, anteporiam elas a justiça ao parentesco, e nos livraram da peste das parentelas, em matéria de governo. (p. 92-93).

Bom é que os bárbaros tivessem deixado lições tão inesperadas às

nossas democracias. Bem poderia ser que, barbarizando-se com esses modelos, antepusessem elas, enfim, a justiça ao parentesco, e nos livrassem da peste das parentelas, em matérias de governo. (p. 46).

124 – ando a catar a minha literatura de hoje (p. 93)

ando a catar minha literatura de hoje (p. 46)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 45

125 – Com tão cruel mania

ganharíeis, com razão, o crédito de mau, e não de reto, (p. 94).

Dados a tão cruel mania,

ganharíeis, com razão, conceito de maus, e não de retos, (p. 47).

126 – por esse vício lucraríeis a néscia reputação de original, mas nunca a de sábio, douto, ou consciencioso. (p. 94).

Por esse meio lucraríeis a néscia reputação de originais; mas nunca a de sábios, doutos, ou conscienciosos. (p. 47).

127 – venderíeis vossas almas e famas ao demônio da ambição, da

intriga e da servidão às paixões. (p. 94).

venderíeis as almas e famas ao demônio da ambição, da intriga e da

servidão às paixões mais detestáveis. (p. 47).

128 – Fazendo aos vossos colegas toda a honra, (p. 95).

Fazendo aos colegas toda a honra, (p. 47).

129 – prestai-lhes todo o crédito, a que sua dignidade houver direito; (p. 95).

prestai-lhes o crédito, a que sua dignidade houver direito; (p. 47).

130 – mas não tanto que delibereis

só de lhes ouvir, (p. 95).

mas não tanto que delibereis só de

os ouvir, (p. 47).

131 – Não prescindais, em suma, do conhecimento pessoal, (p. 95).

Não prescindais, em suma, do conhecimento próprio, (p. 47).

132 – De quanto no mundo tenho visto, o resumo se abrange nestas CINCO palavras: Não há justiça sem Deus. (p. 96).

De quanto no mundo tenho visto, o resumo se abrange nestas CINCO palavras: Não há justiça, onde não haja Deus. (p. 47).

133 – Mas seria perder tempo, se

não encontrardes a sua demonstração (p. 96).

Mas seria perder tempo, se já não

encontrastes a demonstração (p. 47).

134 – A Justiça humana cabe nessa regeneração um papel essencial. (p. 97).

A Justiça humana cabe, nessa regeneração, papel essencial. (p. 48).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

46 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

135 – com a influência dessa altíssima dignidade, (p. 97).

com a influência da altíssima dignidade, (p. 48).

136 – com a incompetência de quem não a exerceu. (p. 97).

com a incompetência de quem não a tem exercido. (p. 48).

137 – que me não será dado tratar.

(p. 98).

que me não será dado agora tratar.

(p. 48).

138 – Que perdereis, com essa omissão? Nada. (p. 98).

Mas que perdereis, com tal omissão? Nada. (p. 48).

139 – Lei e liberdade são as duas tábuas da vocação do advogado. (p. 98-99).

Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. (p. 48).

140 – Não se subtrair à defesa das causas impopulares, ou das perigosas, quando justas. (p. 99).

Não se subtrair à defesa das causas impopulares, ou à das perigosas, quando justas. (p. 49).

141 – Não fazer da banca balcão, e da ciência mercatura. (p. 100).

Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. (p. 49).

142 – a invasão germânica ocupava a terra de França, (p. 101).

a invasão germânica alagava terras de França, (p. 49).

143 – envolvia culpados e inocentes numa convulsão, que acreditaríeis haver despejado o inferno entre as nações da terra, dando a um

inaudito fenômeno humano proporções quase capazes de o equivocar, na sua espantosa imensidade, com um cataclismo cósmico. (p. 102).

envolvia culpados e inocentes numa série de convulsões, tal, que acreditaríeis haver-se despejado o inferno entre as nações da terra,

dando ao inaudito fenômeno humano proporções quase capazes de representar, na sua espantosa imensidade, um cataclismo cósmico. (p. 50).

144 – Parecia estar-se aniquilando o mundo. (p. 102).

Parecia estar-se desmanchando e aniquilando o mundo. (p. 50).

145 – a velha política, desalmada e a velha política, desalmada,

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 47

mercantil, (p. 102). mercantil e cínica, (p. 50).

146 – num ciclone de abominações inenarráveis, cujo turbilhão bem depressa viria abranger, como abrangeu, no círculo das suas tremendas comoções, e deixar revolvido o orbe inteiro (p. 103).

num ciclone de abominações inenarráveis, que bem depressa abrangeria, como abrangeu, na zona das suas tremendas comoções, os outros continentes e deixaria revolvido o orbe inteiro (p. 50).

147 – O bloco do inexorável mercantilismo (p. 103).

O Briaréu do inexorável mercantilismo (p. 50).

148 – o Brasil da hegemonia sul-americana, estabelecida com a guerra do Paraguai. (p. 104).

o Brasil “da hegemonia sul-americana”, entreluzida com a guerra do Paraguai. (p. 50).

149 – não cultivava essas veleidades. (p. 104)

não cultivava tais veleidades. (p. 50)

150 – Mas, de repente, agora, (p. 105).

mas, de súbito, agora, (p. 51)

151 – Porque a nossa política

descurou dos nossos interesses, e, com isso, delirando num acesso de frívolo despeito, (p. 105).

Porque a nossa política nos

descurou dos interesses, e, ante isso, delirando em acesso de frívolo despeito, (p. 51).

152 – ao escândalo de se dar à terra toda como a mais fútil das nações, uma nação que, (p. 107).

ao escândalo de se dar à terra toda como a mais fútil das nações, nação que, (p. 51).

153 – não vamos agora mostrar os punhos aos irmãos, com que

comungávamos, inda há pouco, nessa verdadeira cruzada. (p. 107).

não vamos agora mostrar os punhos contraídos aos irmãos, com que

comungávamos, há pouco, nessa verdadeira cruzada. (p. 52).

154 – o equilíbrio da nossa dignidade, por amor de uma disputa de estreito caráter comercial (p. 107-108).

o equilíbrio da dignidade, por amor de uma pendência de estreito caráter comercial (p. 52).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

48 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

155 – antes de averiguar (p. 108). antes de averiguarmos (p. 52).

156 – sem quebra da seriedade e decoro (p. 109).

sem quebra da seriedade e do decoro (p. 52).

157 – se neles quiséssemos brilhar melhor do que brilháramos nos atos

da guerra. (p. 109).

se neles quiséssemos brilhar melhor do que brilháramos nos atos da

guerra, e acabar sem contratempos ou dissabores. (p. 52).

158 – e, oferecida, incauta, ingênua, inerme, (p. 110).

e, oferecida, com está, incauta, ingênua, inerme, (p. 52).

159 – fartar a duas ou três (p. 110). fartar duas ou três (p. 52).

160 – o que lhe importa, é que dê começo a se governar a si mesmo; (p. 110).

o que lhe importa, é que dê começo a governar-se a si mesmo; (p. 53).

161 – porquanto nenhum dos

árbitros da paz e da guerra leva a sério uma nacionalidade adormecida (p. 110).

porquanto nenhum dos árbitros da

paz e da guerra leva em conta uma nacionalidade adormecida (p. 53).

162 – não pode aspirar seriamente, (p. 110).

não pode almejar seriamente, (p. 53).

163 – manter a sua independência do estrangeiro. (p. 110).

manter a sua independência para com o estrangeiro. (p. 53).

164 – essa ressurreição almejada.

(p. 111).

essa ressurreição ansiada. (p. 53).

165 – Assim Deus o queira, (p. 111).

Assim o queira Deus. (p. 53).

Page 49: ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS©s da...ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO: RUI E A LÍNGUA PORTUGUESA ... 5 O varão 5 O mestre

ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 49

2.2. A língua de rui, gramática da Oração aos Moços

De modo geral, a leitura da Oração aos Moços demons-

tra o crescente gramaticismo de Rui, depois da Réplica. A par

da ortodoxia gramatical mais extremada, é possível notar-se-

lhe certo empenho de modernidade, desde que não venha esta

implicar desaire do idioma.

Iremos a ver se as notas que seguem confirmam nossa

impressão.

I

É, sem dúvida, incontestável a predileção de Rui à pre-

sença do artigo antes dos pronomes possessivos, segundo a li-

ção dos escritores mais recentes:

...os meus cinquenta anos de consagração ao direito... (11)5

...no templo do seu ensino... (11)

...com a vossa admissão ao nosso sacerdócio (11)

...no sacrário do seu peito... (12)

...o aniquilamento da nossa miséria desamparada... (13)

...e aí o sentireis com a sua segunda vista... (14)

5 ADVERTÊNCIA IMPORTANTE: Indicam páginas da Oração aos Moços os números que não vierem acompanhados de notas respectivas no rodapé.

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

50 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

...com os nossos conviventes... (14)

...com os nossos descendentes e sobreviventes, com os nossos sucessores e pósteros... (14)

...a colação do vosso grau... (16)

...um como vínculo sagrado entre a vossa existência intelectual, que se enceta, e a do vosso padrinho em letras, que se acerca do

seu termo. (16)

Aí está o resultado de rápida colheita, apenas em meia

dúzia de páginas. Temos por escusado transcrever, para fun-

damentar a nossa observação, a totalidade dos exemplos reu-

nidos, os quais andam por uma centena. Ao contrário, aduzi-

mos todos os casos de omissão, como prova da sua relativa es-

cassez:

...quando sua visão tem por limite a do nervo ótico... (13)

Vosso coração, pois, ainda estará incontaminado... (14)

Desta, sobre tudo, é que ele nutre sua vida agitada e criadora. (14)

...pela grandeza da pátria e suas liberdades, no parlamento. (16)

...o espírito encontrou logo seu equilíbrio... (16)

...reconhecendo a escassez de minhas reservas de energia... (17)

Tenho o consolo de haver dado a meu país tudo o que me estava ao alcance... (17)

...se quereis honrar vossa vocação... (28)

...dispostos a cavar nos veios de vossa natureza... (28)

...a voz do Senhor, perguntando a seu servo... (30)

...a relativa exabundância de sua fertilidade... (32)

...impõe seus arbítrios à multidão... (35)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 51

Tomai a que vos indicarem vossos pressentimentos, gostos e ex-

plorações, no campo dessas nobres disciplinas... (39)

Preservai, juízes de amanhã, preservai vossas almas... (44)

...um dos mais memoráveis atos de sua vida... (51)

Mãos à obra da reivindicação de nossa perdida autonomia... (53)

E’ importante notar que, no MANUSCRITO, a maioria

dessas frases traziam o artigo, o que revela quanto lhe era es-

pontânea a tendência para o seu emprego. (Cf. os n.ºs 4, 10,

11, 37, 38, 50, 71, 88, 98, 115, 124).

Said Ali, seguro como sempre, informa que

...só de Camões para cá se torna, de século para século, cada vez mais notória a frequência do possessivo reforçado. Fernão Lopes

poucas vezes se socorria desta forma; e, seus escritos ela figura, ao lado dos exemplos de possessivo destituído de artigo, em pro-porção muito pequena: 5% aproximadamente. Já nos Lusíadas sobe a porcentagem a 30%, na linguagem de Vieira a 70% e fi-nalmente na de Herculano a mais de 90%. (ALI, 1931, p. 99 da 1ª Parte).

Aliás, Rui, quase sempre, fugia o possessivo, quer omi-

tindo-o simplesmente (cf., no MANUSCRITO, os nos

51, 56, 65,

74, 85, 128, 154), quer substituindo-o pelo dativo do pronome

pessoal, como nos mostra, ainda, o n.º 30 do MANUSCRITO. Eis

a redação habitual, na forma definitiva da Oração aos Moços:

...e dando-me a honra de vos ser eu paraninfo... (16)

Já o jurista começava a olhar com os primeiros toques de sauda-de para o instrumento, que, há dez lustros, lhe vibra entre os de-dos... (16)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

52 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

...antes que o naufrágio me arrancasse das mãos a bandeira sa-grada. (17)

...com que habilitar o mísero advogado a sustentar-lhes com al-ma, com dignidade, com sobrançaria, as desprezadas reivindica-ções. (17)

Assim que a benção do paraninfo não traz fel. Não lhe encontra-

reis no fundo nem rancor, nem azedume, nem despeito. (18)

desde que o tempo começou, lento lento, a me decantar o espírito do sedimento das paixões... (22)

Os governos investem contra a justiça, provocam e desrespeitam os tribunais; mas, por mais que lhes espumem contra as senten-ças... (45)

...sempre que a prova terminante vos esteja ao alcance da vista... (47)

Não é sonho, meus amigos: bem sinto eu, nas pulsações do san-gue, essa ressurreição ansiada. Oxalá não se me fechem os olhos, antes de lhe ver os primeiros indícios no horizonte. (53)

Procedendo assim, Rui guarda fidelidade ao que sobre o

assunto já ensinara no “Parecer” (BARBOSA, 1902, p. 13-14)

e confirmara na Réplica (BARBOSA, 1904, nº 262).

II

Com respeito ao uso do artigo depois de todo, a indicar

a totalidade numérica, sublinhe-se o mesmo desejo de não

despojar a língua de qualquer das suas variações gramaticais

consagradas pelos bons autores. Contudo, sua preferência,

segundo parece, inclina, ainda uma vez, para o gosto moderno.

(ALI, 1945, p. 53-62)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 53

1) – sem artigo:

Nem toda ira, pois, é maldade... (19)

Todo pai é conselheiro natural. (40)

2) – com artigo:

Todo o bom magistrado tem muito de heroico em si mesmo. (44)

No soneto “Lamento”, de Antero de Quental (193, p.

137), cuja linguagem espelha muito ao vivo o estado da língua

em sua época, lê-se o seguinte:

Deus é Pai! Pai de toda a criatura: E a todo o ser o seu amor assiste:

De seus filhos o mal sempre é lembrado...

Antes de possessivo, também só encontramos a forma

com artigo:

...ainda brilha em toda a sua rutilância o clarão da lâmpada sa-grada, ainda arde em toda a sua energia o centro de calor, a que se aquece a essência d’alma. (14)

Também na expressão “de toda a ordem”:

...consumando lesões de toda a ordem... (44)

E, ainda, em “todo o mundo”:

...e a lei processual, em todo o mundo civilizado...(43)

...bem outros era este país e todo o mundo ocidental... (49)

Todo o mundo vo-lo dará por líquido e certo. (33)

No “Discurso do Colégio Anchieta” (BARBOSA,

1924), escrito pouco tempo depois da Réplica:

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

54 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

E é com essas alturas que se apostou o clero católico, é com elas que se mede, alargando todo o dia a sua base, elevando todo o dia os seus topos... (p. 323).

E na formosa “Visita à Terra Natal” (BARBOSA,

1948), que é anterior à polêmica:

...me estendia os braços de toda a parte, no longo amplexo do horizonte. (p. 6)

...esse leve perfume de gosto, propriedade e elegância discreta, que, em toda a parte, é um sinal de educação... (p. 43).

III

Outrossim, até + a + artigo definido ocorre mais fre-

quentemente que até + artigo definido. Outro indício de mo-

dernidade gramatical?

Exemplos:

...alteia o voo soberbo, além das regiões siderais até aos páramos indevassáveis do infinito. (23)

...o segredo feliz, não só das minhas primeiras vitórias no traba-lho, mas de quantas vantagens alcancei jamais levar aos meus

concorrentes, em todo o andar dos anos, até à velhice. (32)

Nesta frase, aproveitam-se ambas as possibilidades que

a língua oferece:

Tudo assim, desde os astros, no céu, até os micróbios no sangue, desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados. (25)

Page 55: ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS©s da...ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO: RUI E A LÍNGUA PORTUGUESA ... 5 O varão 5 O mestre

ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 55

Acrescentem-se, a fim de se patentear quanto campeava

de preferida a combinação das duas preposições, estes exem-

plos de outras épocas:

...desde as porfias da escola até às meditações do gabinete. (BARBOSA, 1924, p. 283).

...suas vaias sobem nas escolas até à cátedra dos professores. (BARBOSA, 1924, p. 284).

...na região onde a consciência estende os seus pensamentos até às plagas da outra vida... (BARBOSA, 1948, p. 33).

IV

No MANUSCRITO (cf. nº 106), escrevera Rui:

Porque quanto mais armados estão de tais armas os poderosos,

mais inclinados é de recear que sejam à extorsão contra os me-nos ajudados da boa fortuna.

Ao rever o trabalho, cortou o adjetivo boa. Essa emen-

da, tê-la-ia ditado o sentimento do valor atual da palavra for-

tuna?

O certo é que

...era uso comum dos clássicos ajuntar os epítetos corresponden-tes às palavras que podiam tê-los, conforme os casos; diziam, pois: a boa fortuna, a má fortuna, boa ou triste ventura, o bom ou mau ou triste sucesso, o bom gosto ou mau, etc. Hoje, suprimin-

do-se o epíteto, sempre se estende o bom ou o mais favorável: a fortuna (isto é, a boa fortuna), o gosto, o sucesso, a ventura. (RI-BEIRO, 1905, nota 63)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

56 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Ao comentar essa nota da “Seleta Clássica”, assim a en-

riquece Mário Barreto:

O sentido primitivo da palavra fortuna é o sentido neutro e indi-ferente de “sorte” ou de “acaso”. Por isso é que os clássicos lhe ajuntavam um qualificativo que indicasse os sorrisos ou a car-ranca da sorte: a boa fortuna, a má fortuna, próspera e adversa fortuna. Dos dois sentidos opostos um desaparece. Vinga de or-

dinário o sentido otimista, o que só raramente sucede com o sen-tido depreciativo. Assim é que a palavra fortuna, na língua mo-derna, se emprega absolutamente, e sempre em acepção benéfi-ca: no sentido contrário, foi substituída por desfortuna, e infortú-nio. (BARRETO, 1924, 128-129)

Antônio Ferreira, o doutíssimo defensor da língua no

século XVI, explica, em “A Castro” (vs. 111-118, da edição de

Sousa da Silveira), esse sentido neutro da palavra fortuna:

Mas o espírito inquieto cos clamores Do povo, e rogos graves, que trabalham

Apartar est’amor, quebrar sua força, Me traziam medrosa, receando A volta da fortuna, que ora amiga, Ora imiga cruel, alça, e derriba...

De desfortuna também usou Rui na Oração aos Moços:

Então vim a perceber vivamente que imensa dúvida cada criatura da nossa espécie deve aos seus inimigos e desfortunas. (22)

O que ele, com escrúpulo, evitou, foi empregar a pala-

vra no sentido de haveres, riquezas, bens patrimoniais, sentido

recriminado (aliás, sem razão) pelos puristas mais exigentes.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 57

V

Esteia na melhor tradição a regência dos nomes e a dos

verbos. Nem uma só vez, transigiu Rui com sintaxes menos

puras, ainda que perpetradas esporadicamente por escritores de

nota. Abraçou sempre as construções, por assim dizer, univer-

sais nos mestres da língua.

No regime dos substantivos que “significam disposições

do ânimo, ou manifestações de disposições do ânimo em rela-

ção a um objeto" (DIAS, 1933, § 206, p. 157)6 vai encontrar-se

absoluta regularidade e obediência aos modelos castiços:

Porque o ódio ao mal é o amor ao bem, e a ira contra o mal, en-tusiasmo divino. (18)

Agora, alguns verbos:

Aspirar a:

...não me negou senão o a que eu não devia ter tido a inconsciên-cia de aspirar. (11)

Assistir a:

...assistira impassível à entronização dos cálculos dos governos sobre os direitos dos povos... (50)

Assistir (+ complemento adverbial):

...isto de me achar assistindo, assim, entre os de quem me vejo separado por distância tão vasta... (12)

6 Ver também, a respeito, BARRETO (1911, p. 348 e 1916, p. 22-26).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

58 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Associar-se com:

...associando-se hoje com a vossa admissão ao nosso sacerdó-cio... (11)

Comparar-se a:

Suas vitórias [as do trabalho] na reconstituição da criatura mal dotada só se comparam às da oração. (26)

Parece exata a distinção, posto que sutil entre comparar

a (=igualar, assemelhar) e comparar com (=confrontar, pôr em

cortejo as semelhanças, ou diferenças).

Deparar (bitransitivo) = apresentar, proporcionar:

...esta purificação gradual, que nos deparam as vicissitudes cru-éis da existência... (22)

Entrar a:

Menino ainda, assim que entrei no colégio... (32)

Em 1907 entrou, pela porta de Haia, ao concerto das nações. (51)

Juntar-se a e com:

Mas, quando o trabalho, se junta à oração, e a oração com o tra-balho... (26-27)

Aqui, como sucede tantas vezes, deixa Rui a lição com-

pleta. Cf., por exemplo, com respeito ao verbo parecer (-se),

que, nesta mesma Oração aos Moços (p. 25), aparece com a

preposição a:

Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam. –,

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 59

a duplicidade de regimes com que ele o usou nas “Orações do

Apóstolo” (BARBOSA, 1923, p. 229-230):

Todavia, pode-se dizer que não teve modelos, e que as raras su-gestões que acolheu de outros autores se parecem tanto às com-posições de Swift como o linho bruto com a cordoalha que dele se tece.

Também, lado a lado se põem os dois valores semânti-

cos de querer, neste passo da conferência sobre Osvaldo Cruz

(BARBOSA, 1924, p. 161):

Chefe de ideias – como por irrisão me chamaram, convencido estou, já hoje, de que acabarei sem que as minhas tenham o seu dia, porque a minha pátria ainda não as quis, nem lhes quer.

A propósito deste verbo, lembre-se que, apesar de haver

tentado defender, aliás, com pouca felicidade, o seu emprego

como transitivo direto na acepção de querer bem, (cf. Réplica,

nº 124) Rui não adotava a sintaxe repreensível. E, quando es-

creveu:

Querendo com amor o idioma que falamos... (Parecer, p. 3).

frase que deu pretexto a Carneiro Ribeiro para a censura que

lhe fez, em “A Redação do Projeto do Código Civil Brasilei-

ro”, cap. XVI, p. 127-141 –, logo se apressou ele em descul-

par-se com “a incorreta reprodução no trabalho da oficina” ti-

pográfica.

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

60 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Sem embargo de ter justificado a forma vitanda, não a

acolheu jamais, mesmo depois da Réplica. No discurso do Co-

légio Anchieta (op. cit., p. 277), redigido em 1903, lá está:

Toda a planta quer o húmus, de que se nutre, ao envoltório aéreo, onde respira, ao pedaço de azul celeste, que lhe sorri e a orvalha.

Prosperar (transitivo direto) = fazer prosperar:

...as leis do bom governo, que prosperam os Estados, moralizam as sociedades, e honram as nações. (17)

Reagir sobre (= influir em sentido contrário, ter ação

sobre):

...cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas... (26)

Rivalizar (transitivo direto):

...estimulando os outros a que vos rivalizem no ganho bendito. (30)

...nada lhe iguala a majestade, nada lhe rivaliza o poder. (38)

Semelhar a:

...a criação do homem pelo homem semelha às vezes, em mara-vilhas, à criação do homem pelo divino Criador. (27)

Soçobrar (transitivo direto):

...e, na América do Norte, poucos anos antes, a guerra civil lim-para da grande república o cativeiro negro, cuja agonia esteve a pique de a soçobrar despedaçada. (49)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 61

VI

No emprego do gerúndio não há também a menor eiva

de antivernaculidade. Quando não figura ele em sua função

historicamente legítima, isto é, a função adverbial, aparece

com nítido valor progressivo: preso a um substantivo ou pro-

nome da oração principal (e não a um verbo), indica “um fato

em desenvolvimento”, e não uma “qualidade permanente” do

ser.

Assim, numa frase como:

Vi dois homens brigando na rua,

aquele gerúndio “brigando” só aparentemente está preso ao

substantivo “homens”.

Na realidade, o que aí existe é uma oração adjetiva (que

estavam brigando na rua), na qual se omitiram o pronome re-

lativo e o verbo auxiliar.7 E o gerúndio corresponde a uma ex-

pressão de infinitivo precedido de a.

Depois dos estudos de Otoniel Mota, Said Ali e Cláudio

Brandão, ficou comprovada, pelo menos, a frequência com

que em autores portugueses ocorre o gerúndio como forma e-

quivalente do particípio presente latino.

7 Esta maneira de ver coincide com a de José Oiticica, expressa na última edição do seu “Manual de Análise” (p. 218).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

62 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Em lúcido resumo da questão, reconhece Clóvis Mon-

teiro (1943, p. 18-21) que “autores nossos têm abusado do

emprego do gerúndio com função adjetiva, como se fosse ele

sempre indispensável ou insubstituível.” Aí (parece-nos) é que

bate o ponto: – “...como se fosse ele sempre indispensável ou

insubstituível.” Temos que, exceto como forma progressiva, ou

em algumas construções que se cristalizaram na gíria adminis-

trativa (...assinou decreto, nomeando fulano de tal...) – repug-

na à índole do idioma o gerúndio que não modifique direta-

mente um VERBO anterior.

Mais uma vez, revela-se Rui extremado purista; exem-

plos:

1) – de gerúndio progressivo:

Vede Jesus despejando os vendilhões do templo, ou Jesus pro-vando a esponja amarga no Gólgota. (18)

Ouvi, no poema de Jó, a voz do Senhor, perguntando a seu servo onde estava, quando o louvavam as estrelas da manhã... (30)

2) – de gerúndio com função adverbial:

...e, negando-me a divina bondade um momento de tamanha ventura, não me negou senão o a que eu não devia ter tido a in-consciência de aspirar. (11)

Entrelaçando a colação do vosso grau com a comemoração jubi-

lar da minha, e dando-me a honra de vos ser eu paraninfo, urdis, desta maneira, no ingresso à carreira que adotastes, um como vínculo sagrado... (16)

...discernimos a quota de lucro, com que eles, não levando em tal o sentido, quase sempre nos favorecem. (22-23)

Page 63: ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS©s da...ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO: RUI E A LÍNGUA PORTUGUESA ... 5 O varão 5 O mestre

ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 63

Bem, poderia ser que, barbarizando-se com esses modelos, an-

tepusessem elas, enfim, a justiça ao parentesco... (46)

...e, em vos sentindo incapazes de uns [postos], buscar outros... (39)

Eram dois prenúncios de uma alvorada, que doirava os cimos do mundo cristão, anunciando futuras vitórias da liberdade. (49)

VII

Em matéria de colocação de pronomes átonos, escrupu-

liza Rui em não delirar do rigorismo gramatical mais severo.

De maneira geral, faz anteceder o pronome ao verbo, nos ca-

sos facultativos.

Não querendo alongar esta página, dispensamo-nos de

copiar os numerosos passos da Oração aos Moços (que todos

foram devidamente catalogados), onde se vê, sem exceção, o

pronome átono antes do verbo nas orações negativas e nas su-

bordinadas desenvolvidas de quaisquer espécies. Exagera-se

tanto a observância desse princípio – a anteposição nas ora-

ções subordinadas – que mesmo as orações de porque explica-

tivo,8 nas quais se faculta a posposição, trazem sistematica-

mente o pronome antes do verbo. Eis os lugares:

8 A rigor, tais orações são coordenadas, daí, a possibilidade da ênclise. Cf. ALI (1930, p. 61) e OITICICA (1940, p. 62, nota). Como observação curiosa, consigne-se que o primeiro autor que tratou de colocação dos pronomes átonos já preconizava a proposição nas orações de que e porque coordenativos; esse autor foi um velho gramático do Funchal, ANDRADE JR. (1850).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

64 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Não é trabalho digno de tal nome o do mau; porque a malícia do trabalhador o contamina. (26)

Não é oração aceitável a do ocioso; porque a ociosidade o dessa-gra. (26)

...e proponde-vos caprichar nelas com dobrado rigor; porque, pa-ra sermos fiéis no mundo, o devemos ser no pouco. (41)

Decisivo é o trecho seguinte, em virtude do afastamento

ente a conjunção e o pronome:

Que extraordinário, que imensurável, que, por assim dizer, estu-pendo e sobre-humano, logo, não será, em tais condições, o pa-pel da justiça! Maior que o da própria legislação. Porque, se dig-nos são os juízes, como parte suprema, que constituem, no exe-cutar das leis, – em sendo justas, lhes manterão eles a sua justiça, e, injustas, lhes poderão moderar, se não, até, no seu tanto, corri-gir a injustiça. (37)

Igual cuidado se patenteia nos casos de verbo antecedi-

do de advérbio:

...ainda me consentiu o encanto de vos falar... (11)

Até ontem lhe banhava ela de luz todo esse espaço... (13)

Comumente se acende em sentimentos desumanos e paixões cruéis. (19)

Então a palavra se eletriza... (20)

Na coordenação – diz Epifânio Dias – os pronomes átonos, quando pospostos ao verbo, repetem-se junto de cada verbo: de-pois de saudar-me e abraçar-me; quando antepostos, podem sub-

entender-se do primeiro verbo para o segundo e seguintes: de-pois de me saudar e abraçar. (DIAS, 1933, § 245, p. 178)

A ênfase é que (assim completa Daltro Santos a lição do mes-

tre português) “leva, às vezes, a repetir-se o pronome átono an-teposto”. (BARRETO & LAET, p. 28, nota 6)

Rui, como sempre, explora todos os recursos da língua:

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 65

a) – exemplos de pronome somente junto do primeiro

verbo:

...a lei se deslegitima, anula e torna inexistente... (36)

Destarte se incrementa e desmanda ele... (41)

Mas a geral habitualidade e a conveniência geral o entretêm, i-nocentam e universalizam. (41)

A intrepidez do juiz, como a bravura do soldado, o arrebatam e fascinam. (45)

b) – exemplos de repetição do pronome, junto de todos

os verbos:

...sempre o evangelizou com entusiasmo, o procurou com fervor e o adorou com sinceridade. (22)

...a que ponto o acerbo das paixões a expurga, a tempera, a nobi-lita, a regenera. (22)

Ao infinito impessoal precedido de preposição se ante-

põe, em regra, o pronome; (cf. o nº 160 do MANUSCRITO):

...o encanto de vos falar... (11)

...só os ignorantes estarão em termos de o governar. (34)

Os códigos se cansam debalde em o punir. (41)

...em lugar de os ouvir a todos... (42)

...ao escândalo de se dar em espetáculo à terra toda... (51)

Nas expressões dos verbos poder, saber, ir e outros, a-

companhados de infinitivo (Cf. ALI, 1930, p. 83 e BARRETO,

1916, p. 78), predominam, também, os casos de anteposição:

Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. (25)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

66 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

...de uma qualidade, ao menos, me posso abonar a mim mesmo... (40)

Ninguém vos saberá informar por quê, (33)

...pesai bem que vos ides consagrar à lei... (36)

...nas dificuldades em que se vão enlear os que professam a mis-são de sustentáculos e auxiliares da lei... (36)

Ninguém... se conseguirá evadir à saída. (25)

...e muito menos tentarei explaná-la. (40)

...os que intentais exercita-vos... (34)

É promíscuo o emprego nas expressões de auxiliar +

gerúndio:

Estou-vos abrindo o livro da minha vida. (21)

...frequentemente acaba o tempo convencendo-me... (23)

A natureza nos está mostrando com exemplos a verdade. (29)

Apontem-se, por termo, os seguintes lusismos:

Quantas [vezes] nos não vem conversar, afável e tranquila, ou

pressurosa e sobressaltada...? (15)

Já me não era pouco a graça... (17)

Mas, se o não soube imitar nas artes medrançosas de político... (17)

Se me não quiserdes aceitar como expressão fiel da realidade es-ta versão... (21-22)

...que nos não façam ainda maior bem. (22)

se o veto dos meus adversários, sistemático e pertinaz, me não

houvesse poupado aos tremendos riscos dessas alturas... (23)

...quando o torrão já lhe não está sorrindo entre o sereno da noite e os alvores do dia. (31)

Mas, se cair em erro, o pior é que se não corrija. (46)

...não sei se a emoção me não atalhará o juízo... (41)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 67

VIII

Em vez do esquema mandou-o despir as armas, ou

mandou-lhe despir as armas, ou mandou que ele despisse as

armas, encontramos em Rui o tipo menos comum, mas por i-

gual excelente: mandou-lhe que despisse as armas.

Exemplo:

Já o jurista começava a olhar com os primeiros toques de sauda-de para o instrumento, que, há dez lustros, lhe vibra entre os de-dos, lidando pelo direito, quando a consciência lhe mandou que despisse as modestas armas da sua luta... (16)

Sintaxe idêntica, com outro dos verbos que entram nes-

sas construções, é a destes versos de Cristóvão Falcão (SIL-

VEIRA, 1945, p. 83-84):

Quisera-o eu consolar,

mas em cujo poder ia não me deu a mais lugar que ouvir-lhe que dezia: “O’ Guiomar, Guiomar, em vós pus minha esperança...”

Tem-se afirmado que, nas construções dos verbos fazer,

deixar, mandar, ouvir e ver ligados a infinitivo, só tem cabi-

mento junto a eles o pronome lhe(s), no caso de ser o infinitivo

acompanhado de objeto direto: “Vi-lhe fazer um gesto.” (AS-

SIS, s/d., p. 1]

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

68 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Entretanto, Castilho, em bela passagem do Tratado de

metrificação portuguesa” (Lisboa, Tipografia Nacional, 1889,

p. 48), abona o emprego da forma lhes, pertencente para man-

dar, não obstante ser destituído de complemento o infinitivo

seguinte.

Exemplo:

Primeiro aprendeu a dar com um pobre lápis algumas retas e curvas sem significação; boquejou parte por parte, mas descone-xas e mortas as feições humanas, depois compôs a cabeça, nela

veio alvorecendo a vida; juntou o corpo e a atitude, compôs os grupos, mandou-lhes sentir, e falar; às plantas, que vegetassem; ao céu, que resplandecesse; às correntes, que fugissem; à nature-za inteira, que saísse do nada!

IX

Na frase

“Eu me abalanço a lhes dizer e redizer de não.” (12),

surpresa, à primeira vista, (como surpreendera, já o “tolerem-

me o arrojo...”, pouco antes empregado) o pronome lhes, pois

que, em toda a Oração aos Moços, o tratamento usado é o da

2ª pessoa do plural.

Todos sabemos que a mudança de tratamento corres-

ponde, em regra, a variações afetivas do escritor, que ora se

quer mostrar íntimo e compreensivo; ora afeta cerimônia, ou

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 69

sisudez; ora, agressivo, investe; ora suplica; ora castiga; ora

perdoa.

Soberbo exemplo de mudança de tratamento, ditada pe-

lo império tempestuoso da paixão, oferece-no-lo o príncipe do

Romantismo português, no drama “O Alfageme de Santarém”.

Quem fala é o padre Froilão, dirigindo-se a D. Nuno Álvares

Pereira, Condestável do Reino. Froilão, que fora preceptor de

D. Nuno, estava na suposição de que, com a aquiescência des-

te, ou pelo menos, com o seu conhecimento, é que fora preso,

por traidor, o velho Alfageme de Santarém. E, revoltado, ex-

probra-lhe publicamente o proceder.

Na violência da sua acusação, trata D. Nuno ora por vós

(quando se dirige à personalidade do poderoso Condestável),

ora por tu (quando, com a autoridade de antigo preceptor, se

dirige amargamente ao amado pupilo de outros tempos):

– “Ouvis bem, Nuno Álvares Pereira? Por traidor o Alfageme de Santarém, o marido de tua irmã!... E por ordem desse rei, que vós fizestes rei para nos libertar, para nos catar nossos foros, pa-

ra nos guardar justiça! Ouves isto, Nuno Álvares Pereira? Ouvis, senhor Condestável do Reino, senhor conde de Ourém? – Quan-tos mais títulos e honras e senhorios e mercês e grandezas ten-des, para vou eu chamar por eles todos, e vos dizer... para te en-vergonhar com eles todos, Nuno, e te dizer: “És tudo isso, Nuno, D. Nuno; olha agora o Alfageme, o homem do povo, e vê o que lhe fizeste!” (GARRET, p. 146)

Mas o presente caso de Rui, ao nosso parecer, tem outra

explicação; porque o lhes não se refere aos bacharelandos a

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

70 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

quem o orador falava, mas a um sujeito indeterminado, exata-

mente como Alexandre Herculano, logo no começo de “A

Dama-Pé-de-Cabra’:

Vós os que não credes em bruxas, nem em almas penadas, nem nas tropelias de Satanás, assentai-vos aqui ao lar, bem juntos ao pé de mim, e contar-vos-ei a história de D. Diogo Lopes, senhor de Biscaia.

E não me digam no fim: – “não pode ser” –. Pois eu sei cá inven-

tar coisas destas? Se a conto, é porque a li num livro muito ve-lho, quase tão velho como o nosso Portugal. (HERCULANO, 1877, II, p. 7)

2.3. A construção da frase. Tom explicativo

Na estrutura da frase de Rui, merecem comentados, em

especial, os seguintes aspectos:

I – variedade de processos sintáticos;

II – sábio doseamento do período longo com o curto;

III – predomínio da ordem inversa;

IV – tom acentuadamente explicativo.

I – A própria evidência escusa o fastio de carrear exem-

plos que documentem a variedade dos processos sintáticos.

Consigne-se tão somente a preferência da subordinação, mo-

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 71

dalidade mais adequada ao vigor da prosa oratória, por isso

que concorre para a maior amplidão e majestade do período.

Dentre as coordenadas, elegem-se por prediletas as adversati-

vas (mormente com senão) e as alternativas. A atenuar a reite-

ração dos conetivos, aparece, com relativa insistência, a justa-

posição.9 Baste um exemplo:

E quando lhe digo, na oração dominical: “Perdoai-nos, Senhor, as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos deve-dores”, julgo não lhe estar mentindo... (21)

II – Muito característica é a presença, em série, de duas,

três e, às vezes, quatro orações curtas, no meio de períodos

mais ou menos extensos; assim, avultam elas de valor expres-

sivo, não só pelo imprevisto da mudança, senão também pela

pausa maior com que se proferem.

Exemplos:

Era presunção, era temeridade, era inconsciência insistir na insa-

na pretensão da minha fraqueza. Só um predestinado poderia ar-rostar empresa tamanha. Desde 1892 me empenhava eu em lutar com esses mares e ventos. Não os venci. Venceram-me eles a mim. Era natural. Deus nos dá sempre mais do que merecemos. Já me não era pouco a graça (pela qual erguia as mãos ao céu) de abrir os olhos à realidade evidente da minha impotência, e poder recolher as velas, navegante desenganado, antes que o naufrágio me arrancasse das mãos a bandeira sagrada. (17)

9 A respeito desse processo de construção do período, veja-se Oiticica (1940, p. 248-250)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

72 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Estudante sou. Nada mais. Mau sabedor, fraco jurista, mesqui-nho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado. Nem isso mesmo sei se saberei bem. Mas, do que tenho logrado saber, o melhor devo às manhãs e madrugadas.

Muitas lendas se têm inventado, por aí, sobre excessos da minha

vida laboriosa. Deram, nos meus progressos intelectuais, larga parte ao uso em abuso do café e ao estímulo habitual dos pés mergulhados na água fria. Contos de imaginadores. Refratário sou ao café. Nunca recorro a ele como a estimulante cerebral. Nem uma só vez na minha vida busquei num pedilúvio o espan-talho do sono. (31)

III – No ímprobo labor de preservar a boa tradição lite-

rária, arrostou Rui o estigma de escritor rebuscado e artificial.

A verdade é que, não obstante haver cultivado com desvelo a

ordem inversa, sua frase jamais deixou de ser inteligível à

primeira leitura.

Escolhamos um, dentre os copiosíssimos exemplos de

inversão:

Quanto é pela minha parte, o melhor do que sou, bem assim o melhor do que me acontece, frequentemente acaba o tempo con-vencendo-me de que não me vem das doçuras da fortuna propí-cia, ou da verdadeira amizade, senão sim que o devo, principal-mente, às maquinações dos malévolos e às contradições da sorte madrasta. (23)

IV – O tom explicativo atravessa, de ponta a ponta, a

Oração aos Moços.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 73

Dir-se-ia que o orador, afeiçoado aos rigores da dialéti-

ca, se esmerava em apresentar os pensamentos de forma tal,

que não se lhes pudesse oferecer contestação. Com esclarecê-

los e avigorá-los, tornava-os convincentes e indiscutíveis, o

que lhe dava autoridade à pregação, e a íntima certeza de que

ela não deixaria de frutificar.

Exemplos: (com a palavra porque, depois de ponto e

vírgula, ou de ponto):

Mas a comoção foi salutar; porque o espírito encontrou logo seu equilíbrio na convicção de que, afinal, me chegava eu a conhecer a mim mesmo... (16-17)

Nem toda ira, pois, é maldade; porque a ira, se, as mais das ve-zes, rebenta agressiva e daninha, muitas outras, oportuna e ne-cessária, constitui o específico da cura. (19)

Não é trabalho digno de tal nome o do mau; porque a malícia do trabalhador o contamina. (26)

Não é oração aceitável a do ocioso; porque a ociosidade o dessa-gra. (26)

Um homem (nessas terras de promissão) que nunca se mostrou lido ou sabido em coisa nenhuma, tido e havido é por corrente moente no que quer que seja; porque assim o aclamam as trom-betas da política, do elogio mútuo, ou dos corrilhos pessoais, e o

povo subscreve a néscia atoarda. (33)

Moços, se vos ides medir com o direito e o crime na cadeira de juízes, começai, esquadrinhando as exigências aparentemente menos altas dos vossos cargos, e proponde-vos caprichar nelas com dobrado vigor; porque, para sermos fiéis no muito, o deve-mos ser no pouco. (41)

Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais a-tenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendi-

dos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

74 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recur-sos. (44)

Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se não corrija. E, se o próprio autor do erro o remediar, tanto melhor; porque tanto mais cresce, com a confissão, em crédito de justo, o magistrado, e tanto mais se soleniza a repara-

ção dada ao ofendido. (46)

Os “maus” só lhe inspiram tristeza e piedade. Só “o mal” é o que o inflama em ódio. Porque o ódio ao mal é amor do bem, e a ira contra o mal, entusiasmo divino. (18)

Que extraordinário, que imenso, que, por assim dizer, estupendo e sobre-humano, logo, não será, em tais condições, o papel da justiça! Maior que o da própria legislação. s, se dignos são os ju-ízes, como parte suprema, que constituem, no executar das leis, –

em sendo justas, lhes manterão eles a sua justiça, e, injusta, lhes poderão moderar, se não, até, no seu tanto, corrigir a injustiça. (37)

Veja-se, agora, a que ponto lhe ia o cuidado de ser ex-

plícito; aprecie-se a exegese que faz (e com que preocupação

de ser bem compreendido o faz) deste lugar de São Paulo:

“Bona est lex si ea legitime utatur” – :

Quereria dizer: Boa é a lei, quando executada com retidão. Isto é: boa será, em havendo no executor a virtude, que no legislador não havia. Porque só a moderação, a inteireza e a equidade, no aplicar das más leis, as poderiam, em certa medida, escoimar da

impureza, dureza e maldade, que encerraram. Ou, mais lisa e claramente, se bem o entendo, pretenderia significar o apóstolo das gentes que mais vale a lei má, quando “inexecutada”, ou “mal executada” (para o bem), que a boa lei, sofismada e não observada (contra ele). (37)

Ainda com partículas explicativas (isto é, a saber):

Vede agora os que intentais exercitar-vos na ciência das leis, e vir a ser seus intérpretes, se de tal jeito é que conceberíeis sabê-las e executá-las. Desse jeito; isto é: como as entendiam os polí-

ticos da Grécia, pintada pelo mestre de Platão. (34-35)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 75

– Mas, sendo uma oligarquia quem mande, isto é, um diminuto

número de homens, serão, ainda assim, respeitáveis “as leis”? (35)

Ora, senhores bacharelandos, pesai bem que vos ides consagrar à “lei”, num país onde a lei absolutamente não exprime o consen-timento “da maioria”, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que mandam, e desmandam em tudo; a saber: num país, onde, verdadeiramente, “não há lei”, não há, moral, política ou juridicamente falando. (36)

2.4. Ecos de um passado literário

Arcaização e classicismo, o preciosismo

A Rui, têm-no tachado, muitas vezes, de escritor precio-

so pela ancianidade da linguagem, condenando-o, assim àque-

la “fossilização em vida”, contra a qual, ferido da injustiça, ele

protestou tão amargamente da Réplica (nº 483). Se por escritor

arcaizante entendermos aquele que se acastela numa forma a-

nacrônica quase obsoleta, estranho ao gosto e ao sentimento da

sua época – uma voz solitária e distante –, logo sentiremos o

leviano, talvez o malévolo, da acusação. A sua gramática (já o

tentamos demonstrar) propende antes ao contemporâneo; é

límpida a inteligência de sua frase; o vocabulário – abundante

e culto –, literariamente vivo.

Grande pena do seu tempo, mas profundo conhecedor

dos autores portugueses de todos os tempos, logrou realizar o

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

76 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

que somente a poucos teria sido possível: explorou conscien-

temente o passado literário, como elemento ornamental de es-

tilo. Viu na vetustez uma garantia estética e – artista – não na

quis desprezar:

Guardadas as leis, talvez indefiníveis, mas sentidas e instintivas, do bom gosto, as da propriedade e conveniência no escolhê-los, as da moderação no ousá-los, as da oportunidade no tentá-los, as do tato no expô-los, de modo que a frase, onde se insinuam, ou

encravem, lhes alumie e patenteie o sentido, insigne serviço fa-zem os bons escritores à sua língua, reempossando-a no gozo de vocábulos e torneios antigos deixados esquecidos por injustos desprezos do tempo. (Réplica, nº 491)

A essas “leis, talvez indefiníveis, mas sentidas e instin-

tivas, do bom gosto, as da propriedade e conveniência no esco-

lhê-los...” – às do bom gosto, sobretudo – obedeceu com sin-

gular fervor, pouco lhe importando o rigorismo artificial das

fronteiras cronológicas.

Eclético, cultivou formas anteclássicas a par de formas

clássicas, gramática do século XIX ao lado de giros medievais.

Para criar beleza, não perguntava à língua quantos anos tinha:

Usado a buscar nas fontes antigas os veios preciosos do ouro fi-

no, que elas escondem ao modernismo pretensioso e ignaro, amo e uso também a linguagem de meu tempo, esforçando-me, entre-tanto, por lhe evitar os defeitos. (Réplica, nº 31)

Para ele, essas “fontes antigas” eram, quase sempre, os

seus queridos clássicos, especialmente os prosadores exempla-

res do século XVII.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 77

Vejamos alguns10

dos seus preciosismos sem idade:

ACERTAR + DE + INFINITIVO (= acontecer, suce-

der):

Uma vez que Alcibíades discutia com Péricles, em palestra regis-tada por Xenofonte, acertou de se debater o que seja “lei”, e quando exista, ou não exista. (35)

É sintaxe que vem do período anteclássico, frequente na

fase clássica e conservada como preciosismo até os nossos

dias:

Acertei passar hum hora, Hum serrado de centeo; E vi dentro gado alheo; Entrei polo lançar fora. (LOBO, 1928, p. 45)

Machado de Assis, que não era escritor rebuscado, não

lhe conseguiu fugir o império:

Menino escravo que [ela = índia] tinha Acerta de ali passar; Niâni atentando nele Chama-o para o seu lugar. (ASSIS, 1901, p. 212)

...cada um dos presentes acertou de contar uma anedota. (ASSIS, s/d., p. 150)

ASSIM QUE (= de sorte que):

Assim que não me ides ouvir de longe, como a quem se sente ar-

redado por centenas de quilômetros, mas de ao pé, de em meio a vós... (12)

10 Sem outro propósito senão o de mais comodamente se dispor a matéria, apresentam-se os tópicos em ordem alfabética.

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

78 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Assim que a benção do paraninfo não traz fel. (18)

Enxameiam nos clássicos exemplos dessa conjunção

consecutiva, que depois de ponto, entra também adverbialmen-

te em orações principais, com valor conclusivo. (DIAS, 1933,

p. 284, § 392).

CONSIDERAR EM:

...entrando eu a considerar com filosofia nas leis da natureza humana... (22)

Considerai, pois, nas dificuldades, em que se vão enlear os que

professam a missão de sustentáculos e auxiliares da “lei”, seus mestres e executores. (36)

CONVERSAR + OBJETO DIRETO:

Quantas [vezes] nos não vem conversar [uma imagem cara], afá-vel e tranquila, ou pressurosa e sobressaltada...? (15)

Acreditamos que aí venha empregado com a significa-

ção de “tratar com familiaridade, frequentar a intimidade, con-

viver”, segundo uso comum na fase clássica, persistente entre

românticos.

DENTRO EM:

...então (e por isso mesmo) é que mais à vista do coração esta-

mos; não só bem à sua vista, senão bem dentro nele. (12)

Lá está, nos números 367 e 368 da Réplica: “Assim se

escreveu e tem escrito, desde que existe o nosso idioma” – a

que se segue abundante exemplificação.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 79

“É dentro em locução prepositiva corrente no português

antigo”, confirma o insigne Mário Barreto (1911, p. 281, nota).

DIZER DE NÃO:

Eu me abalanço a lhes dizer e redizer de não. (12)

Fórmula de negar, que corresponde a dizer que não.

Prende-se possivelmente a uma equivalência românica geral

entre que e de. (Cf., em português, a dualidade mais de... mais

que, e ter de... ter que.)

A construção vem do período dos trovadores:

Se lh’al disser’, non me dirá de non. (VASCONCELOS, 1904, 1619)

e non diredes vos por én de non? (VASCONCELOS, 1904, 5329)

Tal companhon foi Deus filhar

no bom rei, a que Deus perdon, que jamais non disse de non a nulh’omen por lh’algo dar... (VASCONCELOS, 1904, 10245)

Aprendeu-a Rui provavelmente com Vieira, que lhe deu

a ela gasalhoso acolhimento:

Pois esta é a razão porque Deus, que nos trata como filhos, nos diz muitas vezes de não, e nos nega o que pedimos. (VIEIRA, 1944, I, p. 338)

...eu, diz o Anjo, não lhe posso conceder o partido, e é força

responder-lhe de não... (VIEIRA, 1944, II, p. 91)

Esse torneio, o dir de nò dos italianos, foi corrente nos

castelhano arcaico e chegou, nessa língua, até o século XVI.

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

80 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Eis sobre o assunto a informação do ilustre Hayard Keniston

(1933, p. 67): "The use of de for que is extremely rare in the

sixteen century". (Cf. tb. PIDAL, 1945, p. 124):

Loz, 182:

quien diria de no a tales convidadas? (possibly due to Italian in-fluence). Flo, 15: El Rey... siempre dezia de no. (the anecdote is toldo of Fernando V and may reflect archaic expression).11

Desacerta, portanto, Morais, repetido por Mário Barreto

(1922, tomo II, p. 89), ao dizer que “este é talvez um dos mui

raros italianismos de Vieira...”

HAVER (vários casos):

1) – ...até dardes com os tesoiros, que aí vos haja reservado, com ânimo benigno, a dadivosa Providência. (28)

Mas não primeiro que hajais buscado na experiência de outrem um pouco da que vos é mister... (39-40)

...onde vos venha ao encontro o dever, que a Providência vos haja reservado. (39)

Mas, a par disso, e na mesma página:

Experimentai-o como eu o tenho experimentado. (39)

...como eu as tenho resignado. (39)

O auxiliar haver, que na língua antiga alternava com ter

na formação dos tempos compostos, passou, no português con-

temporâneo, a pertencer quase exclusivamente “à linguagem

11 Chaves das siglas: Loz – Francisco Delicado, “Retrato de la Lozana Andaluza”; Flo – Melchor Santa Cruz, “Floresta Española”.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 81

seleta” (DIAS, 1933, p. 107, p. 139), como sinal de aristocrati-

zação do estilo. Sobre o que de “solene e arcaizante” existe

nesse uso, escreveu M. Paiva Boléo (1937, p. 26) interessantes

observações, a propósito da preferência que lhe votava Ale-

xandre Herculano.

2) – Não hajais medo a que a sorte vos ludibrie. (39)

...prestai-lhes o crédito, a que a sua dignidade houver direito. (47)

...e a lei processual, em todo o mundo civilizado, não houvesse por sagrado o homem... (43)

Sousa da Silveira (1937, p. 330, § 526, 2.a) anota: “usa-

díssimo no português de outrora, raro no atual.”

Sem dúvida, são excelentes as abonações clássicas:

Tende sempre mão em mim,

porque hei medo de empeçar e de cair. (VICENTE, in SILVEIRA, 1945, p. 279)

Hei medo de deixar nome de injusto. (FERREIRA, in SILVEI-RA, 1945, p. 199)

E, em Os lusíadas (CAMÕES, 1931):

Hão medo de perder autoridade. (X, 112)

...................................................... Que, havendo por verdade o que dizia, De nada a forte gente se temia. (I, 97)

E, ainda, nos seguintes lugares: II, 29; VII, 78.

3) – ...até o extremo de se haverem, quando lhes pica o orgulho, com os juízes vitalícios e inamovíveis de hoje, como se haveriam com os ouvidores e desembargadores d’El-Rei Nosso Senhor...

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

82 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

(45)

Na forma reflexa, com o valor de proceder, portar-se, é

antiquíssimo o verbo haver. Na Réplica (nº 281), Rui, que o

aponta como um dos substitutos de que dispõe o idioma para

evitar o peregrino agir, apresenta exemplos numerosos, firma-

dos por escritores de todos os séculos (de D. Duarte a Macha-

do de Assis). Contudo, o certo é que o fato tem progressiva-

mente escasseado em nossos dias.

NADO:

Não vos fieis muito de quem esperta já sol nascente, ou sol nado.

(29)

Arcaísmo muito usado por Castilho, e encontradiço,

com relativa raridade, em literatos brasileiros. Gonçalves Dias

(In: BANDEIRA, 1937, p. 76) chega a pô-lo na boca de um

índio velho, em conhecida passagem do “I-Juca Pirama”:

– Tardaste muito! Não era nado o sol, quanto partiste, E frouxo o seu calor já sinto agora!

A locução latina rem nata –, cousa nascida, deu origem, no português arcaico, a rem nada, simplificada em nada, alguma cousa, que, em orações negativas, tomou a acepção atual; esta,

generalizando-se, passou a ser o sentido único da palavra. Compare-se, no Cancioneiro da Ajuda, 7249, homem nado, alguém; 299, 3746: nulh’home nado, ninguém. (MAGNE, 1944, III, p. 270)

O A QUE, O A QUEM etc...

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 83

Eis torneios meramente literários, nos quais, com se evi-

tar o fraseado comum (é sistemático não aparecer o anteceden-

te “aquele”, ou “aquilo”), se dá ao período certa riqueza de a-

cabamento e nobre dignidade artística:

...e, negando-me a divina bondade um momento de tamanha ventura, não me negou senão o a que eu não devia ter tido a inconsciência de aspirar. (11)

Mergulhou-se, então, cada vez mais no estudo; e daí com estupenda mudança, começa a deixar ver o a que era destinada aquela extraordinária cabeça... (27)

Todos os pais aconselham, se bem que nem todos possam jurar pelo valor dos seus conselhos. Os meus serão os a que me julgo

obrigado, na situação em que momentaneamente estou, pelo vosso arbítrio, de pai espiritual dos meus afilhados em letras, nesta solenidade. (40)

Assim me perdoem, também, os a quem tenho agravado, os com quem houver sido injusto, violento, intolerante, maligno, ou descaridoso. (21)

...antes de averiguarmos se os culpados não se achariam aqui mesmo, entre os a quem se depara, nestas cegas agitações de

ódio a outros povos, a diversão mais oportuna dos nossos erros e misérias intestinas. (52)

PRÁTICA: (= conversação, fala):

Quantas outras não somos nós os que vamos chamar esses leais companheiros de além-mundo, e com eles renovar a prática interrompida... (15)

Afigura-se-nos, salvo melhor juízo, que a palavra esteja

usada no legítimo sentido antigo, como neste passo de André

de Resende:

Teve o prior prática com os religiosos antíguos e discretos, (=

ponderados, assisados) se o mandaria lá ir, assi por nom estar em

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

84 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

uso sair jamais frei Pedro fora do mõesteiro, como por nom parecer que folgavam de assoelhar (= divulgar) a santidade que das portas a dentro tinham. (RESENDE, 1947, p. 153)

PREDICATIVO:

Na construção do predicativo, prevalece o gosto clássico

de antecede-lo de “por”, preferentemente a outras preposições:

...ter-se por dogma que um homem... (34)

...os liberais tinham por artigo do seu programa cercear os

privilégios, já espantosos, da Fazenda Nacional. (44)

...e a lei processual, em todo o mundo civilizado, não houvesse por sagrado o homem, sobre quem recai acusação ainda inverificada. (43)

Mas todo o mundo vo-lo dará por líquido e certo. (33)

...quando sua visão tem por limite a do nervo ótico... (13)

Tenham por averiguado que, onde quer que o colocarem, dará conta o sujeito das mais árduas empresas... (33)

Agora, com “em”:

E, assim, está o coração, cada ano, cada dia, cada hora, sempre alimentando em contemplar o que não vê, por ter em dote dos céus a preexcelência de ver... (14)

Repare-se neste elegantíssimo uso de “à conta de”:

Ouvistes o aldrabar da mão oculta, que vos chama ao estudo? Abri, abri, sem detença. Nem, por vir muito cedo, lho levais a mal, lho tenhais à conta de importuna. (29)

A par disso, o emprego de “como”, espontâneo e

corrente:

...de havê-los como cidadãos perigosos... (34)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 85

Também não deixa de figurar o predicativo sem prepo-

sição. Por coincidência, nos dois exemplos que ocorrem, o

predicativo pertence para o verbo chamar, o que constitui um

lusismo dos mais característicos:

Como vedes, senhores, para me não chamarem a mim revolucionário, ando a catar minha literatura de hoje nos livros religiosos. (46)

– Sim; Vejo agora que errei em chamar “leis” às ordens de um tirano... (35)

PRIMEIRO QUE:

Ninguém, senhores meus, que empreenda uma jornada extraordinária, primeiro que meta o pé na estrada, se esquecerá

de entrar em conta com as suas forças por saber se a levarão ao cabo. (24)

Abraçai a (= estrada) que vos sentirdes indicada pelo conhecimento de vós mesmos. Mas não primeiro que hajais buscado na experiência de outrem um pouco da que vos é mister... (39-40)

Mas, quando se avizinha o volver da luz, muito antes que ela arraie a natureza, e ainda primeiro que alvoreça no firmamento,

já rompeu na terra em cânticos a alvorada... (29)

Ordinariamente, soma essa conjunção à mera ideia de

relação temporal algo da ideia de intenção, de coisa premedi-

tada. Tal matiz é visível nos dois primeiros trechos de Rui.

Um exemplo de primeiro que, no “Crisfal”: (In SIL-

VEIRA, 1945, p. 120)

Muito vos quis bem primeiro que de riquezas soubesse; pois meu amor verdadeiro,

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

86 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

de quem só sois interesse, quem me faz interesseiro.

SER + O + QUE etc.:

E não és tu só o que te vejas nessa condição... (34)

Quantas outras não somos nós os que vamos chamar esses leais companheiros de além-mundo...? (15)

Só o mal é o que o inflama em ódio. (18)

– Mas que é o que determina esse povo? O bem, ou o mal?... (35)

...onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mas impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que mandam, e desmandam em tudo... (36)

O falar hodierno – diz Said Ali (1931, p. 75 da Parte II) –, continuando embora a dar ao verbo da segunda oração terminações de 1ª, 2ª e 3ª pessoa de acordo com o sujeito do

verbo ser, difere todavia da praxe antiga em enunciar o relativo que prescindindo do antecedente o, a, os, as.

Rui manteve a sintaxe clássica, usada até os fins do sé-

culo XVIII.

2.5. Valores semânticos do vocabulário

Indignação, resistência e combate. Amor ao grandioso

e do sublime. Misticismo.

O vocabulário de Rui sugere, principalmente, essas qua-

tro atmosferas estilísticas que se apontam por subtítulo.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 87

A reunião íntima desse tom de indignação e de resistên-

cia e combate ao misticismo e ao amor da grandiosidade e do

sublime comunicam à sua prosa aquele profetismo bíblico, que

revoa pelas páginas da Oração aos Moços, num misto de per-

dão e intolerância, de suavidade e maldição.

1 – palavras ligadas, de qualquer modo, à ideia de “in-

dignação”:

corrupção política (18)

o inflama em ódio (18)

o Jesus iroso (18)

o Jesus do látego inexorável (18)

açoita os maus (18)

a hora da conta e do castigo (20)

expulsar do templo (20)

o renegado, o blasfemo, o profanador, o simoníaco (20)

exterminar da ciência (20)

o apedeuta, o plagiário, o charlatão (20)

banir da sociedade (20)

o imoral, o corruptor, o libertino (20)

varrer dos serviços do Estado (20)

o prevaricador, o concussionário e o ladrão público (20)

prostituição política (20)

rebenta...a indignação(21)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

88 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

[a ira...rebenta agressiva e daninha]12

golfa a cólera em borbotões (21)

baixos e abomináveis sofismas (44)

a peste das parentelas, em matérias de governo (46)

inexorável mercantilismo (50)

a velha política, desalmada, mercantil e cínica (50)

reinado ímpio da ambição e da força (50)

vil questão de interesses (51)

dos nossos erros e misérias (52)

nobre nação explorada! (53)

2 – palavras que, por uma forma ou por outra, sugerem

as ideias de “resistência e combate”:

o arrojo de afrontar (12)

não hajais medo (39)

fugir do medo (44)

e não conhecer cobardia (44)

a nada se dobre (44)

e de nada se tema (45)

não tergiverseis (45)

não receeis (45)

a intrepidez do juiz (45)

que os enfrentam (45)

a sua autoridade não torça à exigências (45)

não transijais (47)

regeneração (48)

12 Acréscimo a lápis.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 89

nem quebrar da verdade ante o poder (48-49)

Amigos meus, não! (51)

Ó, senhores, não, não e não! (51)

Daí não se retrocede facilmente (52)

sem quebra da seriedade e do decoro (52)

Não nos temamos (52)

3 – palavras que, direta ou indiretamente, encerram a

ideia de “grandiosidade” e sublimidade”:

solenidade imponente (11)

assombro fisiológico (13)

prodígio moral (13)

incomensurável desconhecido (13)

pela grandeza da pátria e sua liberdades (16)

jornada extraordinária (24)

o que as ciências cresceram, é incomensurável (28)

a distância é infinita (28)

Que extraordinário, que imensurável, que,

por assim dizer, estupendo e sobre-humano (37)

Essa elevação me impressiona (41)

proporções incalculáveis (41)

espantosa imensidade (5)

cataclismo cósmico (50)

tormentas catastróficas (50)

desmoronamento pavoroso (50)

movimento desvairado (51)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

90 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

4 – palavras que, com maior ou menor precisão, impli-

cam a ideia de “misticismo”:

grande benção (11)

ao nosso sacerdócio (11)

divina bondade (11)

altares (12)

campanários (12)

orações (12)

credo (12)

verdadeiro milagre (12)

Milagre do maior dos taumaturgos (12)13

Milagre de quem respira entre milagres (12)

Milagre de um santo (12)

sacrário do seu peito (12)

Milagre do coração (12)

a centelha divina (13)

lâmpada sagrada (14)

vínculo sagrado (16)

erguia as mãos ao céu (17)

bandeira sagrada (17)

bênção do paraninfo (18)

Via Dolorosa (18)

a esponja no Gólgota (18)

vendilhões do templo (18)

13 Na edição de 1949, foi repetida a frase "Milagre de quem respira entre milagres" no lugar desta.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 91

inspiração religiosa (19)

amor santo (19)

cólera da mansuetude (19)

face também celeste do amor (19)

o púlpito (19)

essas faúlhas da substância divina (19)

consciência religiosa (20)

cólera santa (20)

ira divina (20)

santidade suprema (20)

pela mais sacrílega das opressões (20)

o evangelizou com entusiasmo (22)

o adorou com sinceridade (22)

purificação gradual (22)

divino legislador (22)

catecúmeno (24)

bispos e pontífices (24)

o apóstolo das gentes (37)

carreiras quase sagradas (39)

jurar pelo valor dos seus conselhos (40)

essas três fés, esses três signos santos (39)

verdadeira cruzada (52)

E as referências ao nome de Deus:

Não quis Deus (11)

elevando ao Criador as mesmas orações (12)

outorgou-lhe o Senhor que ainda veja (13)

até Deus mesmo (13)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

92 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

e Deus assim o preserve (14)

Deus nos dá sempre mais do que merecemos (17)

do que o Deus vivo no de Pilatos (18)

mas da Providência, fatal nas suas soluções (18)

Vede Jesus... Jesus... Cristo... Jesus... Jesus... Jesus... Jesus... (18)

cólera que reflete a de Deus (19)

do celeste inimigo dos vendilhões... (20)14

Deus me é testemunha de que tudo tenho perdoado. (21)

Perdoai-nos, Senhor (21)

pelo contacto com Deus (26)

O Criador começa, e a criatura acaba a criação de si própria (26)

está em oração ao Senhor (26)

pelo divino Criador (27)

a dadivosa Providência (28)

a voz do Senhor (30)

levantardes mais cedo a Deus a oração do trabalho (30)

quando Deus quer (34)

Não há justiça, onde não haja Deus (47)

está clamando por Deus (48)

guardar fé em Deus (49)

só Deus sabe (50)

Assim o queira Deus. (53)

14 Acréscimo a lápis, no exemplar utilizado, da edição de 1949.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 93

2.6. O senso rítmico e a ênfase oratória. Sentimento de

simetria

Por mais que, muitas vezes, apresentem efeitos coinci-

dentes, não é lícito confundir RITMO e METRO. Enquanto este

se caracteriza pela regularidade do intervalo entre dois acentos

(há um número fixo de sílabas entre eles, número previsto para

cada espécie de verso), subordina-se aquele a condição mais

sutil: depende da duração desse intervalo, pouco importando o

número de sílabas entre um e outro. (Cf. GROOT, 1933, p.

326-332)

Muito mais complexa que a harmonia do verso, resulta-

do de uma limitação aos esquemas do METRO, é a harmonia da

prosa, por sua própria liberdade maior. Nesta, o que lhe dá ri-

queza rítmica é a sucessão das várias unidades melódicas, isto

é, pequenos grupos de forma musical determinada e com uma

significação própria dentro do sentido total da oração.

En la división de un texto en unidades melódicas influyen cir-cunstancias de orden lógico y emocional. El realzar y avalorar

los elementos semánticos de la oración favorece el aumento de unidades melódicas. Influye, además, como elemento idiomático particular, el sentimiento de la medida o compás predominante en la estructura rítmica de cada lengua. (TOMÁS, 1939, p. 3)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

94 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Em português, a unidade melódica mais frequente é a de 5 a

10 sílabas, principalmente a de 7, tipo lusitânico por excelên-

cia, particularmente adequado aos bailados de roda, o qual se

deve considerar de raiz nacional e popular. Há orações ritmi-

camente simples, com uma só unidade de entonação; e as há

compostas, com um ramo ascendente (prótase) e outro descen-

dente (apódose). Cada um desses ramos, por seu turno, pode

abranger várias unidades melódicas, em uma infinidade de

combinações.

A construção fonológica da prosa de Rui tende geral-

mente a criar efeitos de harmonia pela disposição simétrica

das unidades melódicas. Cultivou ele com tanto amor essa

qualidade rítmica da prosa, que acabou por endurentá-la em

paralelismos e antíteses, entrelaçamentos e repetições de

membros similicadentes, processos em que, como nenhum ou-

tro prosador de língua portuguesa, exceto Vieira, põe a harmo-

nia a serviço da ênfase oratória.

Antes de apreciarmos esses tão característicos recursos

rítmicos baseados na simetria, mostremos que ele por igual se

preocupou com inserir em sua prosa magníficos exemplos de

metros tradicionais; eis alguns:

Octossílabos:

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 95

...as grandes causas nacionais,

as grandes causas populares, as grandes causas sociais... (20)

...o vago mistério do espaço. (13)

Eneassílabos:

– A expressão da vontade do povo... (35)

Nem toda ira, pois, é maldade. (19)

Decassílabos:

Milagre do maior dos taumaturgos. (12)

Não há justiça, onde não haja Deus. (47)

Não cortejeis a popularidade. (47)

Confiai, senhores. Ousai. Reagi. (39)

Hendecassílabos:

Tão pouco medeia do Rio a S. Paulo. (16)

Os maus só lhe inspiram tristeza e piedade. (18)

Dodecassílabos:

Dele se retirou a centelha divina. (13)

...presente ao céu e à terra, a todos nós presente. (13)

...as grandes causas da consciência religiosa. (20)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

96 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

RITMO TERNÁRIO

A sequência de três unidades melódicas é uma das ca-

racterísticas mais salientes do estilo oratório de Rui,15

Atente-

se para esta abundante exemplificação16

:

1 – nos substantivos:

Pois não sabemos que, com os antepassados, vive ele da memó-ria, do luto e da saudade? (14)

...vive ele de fé, esperança e sonho? (14)

Ausência, pretérito e porvir, tudo lhe é atualidade, tudo presen-

ça. (14)

Pobres clientes estas, entre nós, sem armas, nem oiro, nem consideração... (17)

...com que habilitar o mísero advogado a sustentar-lhes com al-ma, com dignidade, com sobrançaria, as desprezadas reivindica-ções. (17)

Não lhe encontrareis no fundo nem rancor, nem azedume, nem despeito. (18)

Quando verbera o escândalo, a brutalidade, ou o orgulho, não é agrestia rude, mas exaltação virtuosa... (19)

...cólera que reflete a de Deus, face também celeste do amor, da misericórdia e da santidade. (19)

15 “La serie de unidades de cualquier texto presenta las medidas más diferentes sin la menor apariencia de orden y regularidad en sus combinaciones.” (TOMÁS, 1939, p. 6-7).

16 O modelo, já o dissemos, era Vieira: “...e logo perdeu a figura, a ferocidade e a peçonha.” (VIEIRA, 1944, II, 90). “...que não seja malsoante, áspero e duro.” (Ib.). “Tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um Não”. (Ib.). “Como havia de estar entre as infelicidades da miséria um Santo tão dotado da Natureza, tão favorecido da Fortuna e tão mimoso da Graça? (Idem, p. 206).

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 97

...exterminar da ciência o apedeuta, o plagiário, o charlatão?

(20)

...banir da sociedade o imoral, o corruptor, o libertino? (20)

...varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concussionário e o ladrão público? (20)

...precipitar do governo o negocismo, a prostituição política, ou a tirania? (20)

...arrancar a defesa da pátria à cobardia, à inconfidência, ou à traição? (20)

...não assenta um rancor, uma inimizade, uma vingança. (21)

Labutastes a semana toda, o vosso curso de cinco anos, com teo-rias, hipóteses e sistemas, / com princípios, teses e demonstra-ções, / com leis, códigos e jurisprudências, / com expositores, in-térpretes e escolas. (24)

Chegou o momento de... praticardes familiarmente com os vos-sos afetos, esperanças e propósitos. (24)

Eis ao que vem o padrinho, o velho, o abendiçoador. (24)

...mestre de humildade, arrependimento e desconfiança... (24)

O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. (25)

...não são para contempladas num discurso acadêmico, nem para escutadas entre doutores, lentes e sábios. (31)

Porque só a moderação, a inteireza e a equidade, no aplicar as más leis, as poderiam, em certa medida, escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerrarem. (37)

...e, tanto uma como a outra, imensas nas dificuldades, respon-sabilidades e utilidades. (39)

Deus, pátria, e trabalho. Metei no regaço essas três fés, esses três amores, esses três signos santos. (39)

Não hajais medo a que a sorte vos ludibrie. Mais pode que os seus azares a constância, a coragem e a virtude. (39)

Tomais a que vos indicarem vossos pressentimentos, gostos e explorações... (39)

Observar com clareza, com desinteresse, com seleção. (40)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

98 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

...e generalizando, com pausa, com critério, com desconfiança. (40)

Baste, porém, que se digam com isenção, com firmeza, com leal-dade... (41)

Não cultiveis sistemas, extravagâncias e singularidades. (47)

Por esse meio lucraríeis a néscia reputação de originais; mas

nunca a de sábios, doutos, ou conscienciosos. (47)

2 – nos adjetivos:

...torturando o réu com severidades inoportunas, descabidas, ou indecentes... (43)

Ora, senhores, esse poder eminencialmente necessário, vital e salvador... (38)

...o coração não é tão frívolo, tão exterior, tão carnal, quanto se cuida. (13)

...as que mais abundam em meios de corromper, as que exercem

as perseguições, administrativas, políticas e policiais, as que... (43)

O Brasil é a mais cobiçável das presas; e, oferecida, como está, incauta, ingênua, inerme, a todas as ambições... (52)

O mesmo se repete, com assiduidade impressionante, nos grupos nominais, quer nos de substantivo + adjetivo, ou adjetivo + substantivo, quer nos de substantivo + adjunto preposicionado; exemplos:

E, assim, está o coração, cada ano, cada dia, cada hora, sempre

alimentado em contemplar o que não vê... (14)

Preguei, demonstrei, honrei a verdade eleitoral, a verdade cons-titucional, a verdade republicana. (17)

Metei no regaço essas três fés, esses três amores, esse três sig-nos santos. (39)

Mau sabedor, fraco jurista, mesquinho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho es-tudado. (31)

...o Jesus iroso, o Jesus armado, o Jesus do látego inexorável? (18)

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 99

3 – nos verbos:

... a preexcelência de ver, ouvir e palpar o que os olhos não divi-

sam, os ouvidos não escutam, e o tato não sente. (14)

e a palavra sai, rechinando, esbraseando, chispando como o me-tal candente dos seios da fornalha. (21)

Gutierrez animou-o a orar, persistir, e esperar. (27)

Observar, deduzindo, induzindo, e generalizando... (40)

Observar, apurando, contrasteando, e guardando. (40)

Preguei, demonstrei, honrei... (17)

4 – na coordenação de orações:

Ora, [tudo é viver, / previvendo,] [é existir, / preexistindo,] [é

ver, / prevendo.] (14)

...o [que os olhos não divisam,] [os ouvidos não escutam,] [e o tato não sente.] (14)

...neste regaço interior, [onde os mortos renascem,] [prenascem os vindoiros], [e os distanciados se ajuntam...] (14)

[Era presunção,] [era temeridade,] [era inconsciência] insistir... (17)

...as leis do bom governo, [que prosperam os Estados,] [morali-

zam as sociedades,] [e honram as nações.] (17)

Todos os [que nos dessedentamos nessa fonte,] os [que nos saci-amos desse pão,] os [que adoramos esse ideal,] nela vamos bus-car a chama incorruptível. (20)

...uma carreira, que poderá ter discrepado, muitas vezes, do bem, mas sempre [o evangelizou com entusiasmo,] [o procurou com fervor,] [e o adorou com sinceridade.] (22)

Chegou o momento [de vos assentardes, mão por mão, com os

vossos sentimentos,] [de vos pordes à fala com a vossa consciên-cia,] [de praticardes familiarmente com os vossos afetos, espe-ranças e propósitos]. (24)

...pois essas entidades são... as que, [demitindo funcionários in-demissíveis], [rasgando contratos solenes], [consumando lesões

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

100 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

de toda a ordem] ... acumulam, continuamente, sobre o tesoiro público terríveis responsabilidades. (44)

(Cf. os nºs 26, 101 e 145 do MANUSCRITO.)

SÉRIES SIMÉTRICAS

Outro recurso esplêndido é o de oposições, recurso para

que apelou Rui em numerosos passos. Distinguiremos, por

amor da sistematização, três espécies de séries simétricas: as

antitéticas, as invertidas e as entrelaçadas.

1 – séries antitéticas17

:

...raro nos causam mal tamanho, que nos não faça, ainda maior bem. (22)

Uns nos querem mal, e fazem-nos bem. Outros nos almejam o bem, e nos trazem o mal. (23)

...nulo entre os grandes da inteligência, grande entre os experi-mentados na fraqueza humana. (24)

Não poucas vezes, pois, razão é lastimar o zelo dos amigos, e a-gradecer a malevolência dos opositores. Estes nos salvam, quan-do aqueles nos extraviam. (23)

A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nasci-mento; outra de sair, pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde que entrou, se consegui-rá evadir à saída. (24-25)

Não aprendeu nada, e sabe tudo. (33)

17 Em Vieira (1944, II, p. 337): “Aos homens deu Deus uso de razão, e não aos peixes: mas neste caso os homens tinham a razão sem o uso, e os peixes o uso sem a razão”.

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 101

E vai por esse tom fora a energia do seu estilo, tecido de

contrastes, quase a beirar o paradoxo, como neste genial tre-

cho:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigual-mente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta de-sigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inve-ja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. (25)

2 – séries invertidas:

...a doença de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fa-

zenda;... nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo, ou o Estado. (43)

Nest’alma, tantas vezes ferida e traspassada tantas vezes... (21)

...mas presente ao céu e à terra, a todos nós presente... (13)

Mas a geral habitualidade e a conveniência geral o entretêm, i-nocentam e universalizam. (41)

As mãos já se encontraram. Já num aperto se confundiram as mãos, que se procuravam. (16)

Mas, quando o trabalho se junta à oração, e a oração com o tra-balho... (26-27)

...vê no invisível, e até no infinito vê. (13)

...não pode almejar seriamente, nem seriamente manter a sua in-dependência para com o estrangeiro. (53)

Com o advogado, justiça militante, Justiça imperante, no magis-trado. (48)

3 – Agora, uma série entrelaçada, com variação sinoní-

mica:

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

102 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Para o coração, pois, não há passado, nem futuro, nem ausência. Ausência, pretérito e porvir, tudo lhe é atualidade, tudo presença. (14)

A REPETIÇÃO PARALELA

Fundamento de magnificência literária, meio que é de

dar ao período aquela amplidão majestosa dos oradores de es-

tirpe ciceroniana, a repetição paralela sobreexcele como uma

das notas típicas do estilo de Rui.

Como que no desejo de sentir-se a si outra vez, intensi-

fica-se o pensamento, reforça-se de novo, e amplia-se, sob o

império de uma necessidade íntima de repetir-se. A repetição

paralela deve Rui o tom apocalíptico dos seus mais altos mo-

mentos de eloquência.

Exemplos:

Mãos à obra da reivindicação de nossa perdida autonomia; mãos à obra da nossa reconstituição interior; mãos à obra de reconcili-armos a vida nacional com as instituições nacionais; mãos à obra de substituir pela verdade o simulacro político da nossa existên-cia entre as nações. (53)

Até onde chegam as vibrações do sentimento, até onde se per-

dem os surtos da poesia, até onde se somem os voos da crença: até Deus mesmo... (13)

A esses homens-panaceias, a esses empreiteiros de todas as em-preitadas, a esses aviadores de todas as encomendas, se escance-lam os portões da fama... (34)

Quantas vezes não entrevemos, nesse fundo obscuro e remotís-simo, uma imagem cara? Quantas vezes não a vemos assomar

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 103

nos longes da saudade...? Quantas nos não vem conversar...?

Quantas outras, não somos nós os que vamos chamar esses leais companheiros de além-mundo...? (15)

Como exemplo desse vigoroso tipo de construção, há de

legar-se à posteridade (é uma das mais soberbas páginas do i-

dioma!) o trecho magnífico em que o velho mestre, com gran-

dílocos acentos de profeta bíblico, prega a santidade da própria

ira, quando ela é a ira dos bons a fulminar os maus:

Quem, senão ela, há de expulsar do templo o renegado, o blas-femo, o profanador, o simoníaco? quem, senão ela, exterminar da ciência o apedeuta, o plagiário, o charlatão? quem, senão ela, banir da sociedade o imoral, o corruptor, o libertino? quem, se-

não ela, varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concus-sionário e o ladrão público? quem, senão ela, precipitar do go-verno o negocismo, a prostituição política, ou a tirania? quem, senão ela, arrancar a defesa da pátria à cobardia, à inconfidência, ou à traição? Quem, senão ela, ela a cólera do celeste inimigo dos vendilhões e dos hipócritas? a cólera do justo, crucifixo entre ladrões? a cólera do Verbo da verdade, negado pelo poder da mentira? a cólera da santidade suprema, justiçada pela mais sa-

crílega da opressões? (20)

Por derradeiro, não se deixe de mencionar esta curiosa

modalidade de repetição de sons finais, muito bem achada, e

de grande valor expressivo-fonético:

...e, tanto uma como a outra, imensas nas dificuldades, respon-sabilidade e utilidades. (39)

Nest’alma, tantas vezes ferida e traspassada tantas vezes, nem de agressões, nem de infamações, nem de preterições, nem de in-gratidões, nem de perseguições, nem de traições, nem de expa-triações perdura o menor rasto, a menor ideia de revindita. (21)

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

104 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Exatamente como Hermes Fontes (1908),18

que assim

terminou um de seus poemas:

– divagações... visões... impressões... sensações... (p. 9, poema "Estandarte")

E repetiu o processo, no soneto "Espera" (p. 104), de

modo mais completo:

– Esperança... Esperança... Esperança... Esperança...

Também não deveria ficar sem reparo, num capítulo

geral sobre REPETIÇÕES, a presença, em não poucos lugares,

do aposto redundante, com o qual, mais que ao ritmo, se serve

à ênfase:

Em verdade vos digo, jovens amigos meus, que o coincidir desta existência declinante com essas carreiras nascentes agora, o seu coincidir num ponto de intercessão tão magnificamente celebra-do, era mais do que eu merecia... (11)

...me não houvesse poupado aos tremendos riscos dessas alturas, “alturas de Satanás”, como as de que fala o Apocalipse... (23)

...um dos meus raros e modestos desvanecimentos é o de ser grande madrugador, madrugador impertinente... (32)

Pelo contrário, os que se tem por notório e incontestável excede-rem o nível da instrução ordinária, esses para nada servem. (34)

18 Veja-se Vieira (1944, II, p. 95): “tantas petições, tantas remissões, tanta provisões...”

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 105

CAPÍTULO III

CONCLUSÃO

Analisados todos esses processos estilísticos, não nos

será impossível tentar estabelecer a unidade do estilo de Rui

na Oração aos Moços e perscrutar a atmosfera espiritual que o

gerou.

A Oração aos Moços é um catecismo. Catecismo de

moral cívica, de moral social, de moral política. Nela se ca-

sam, em núpcias de ouro, o esplendor do pensamento e a ma-

turidade do estilo. Não só pelas galas excelsas de forma, se-

não, principalmente, pelo edificante do valor educativo, pode

haver-se como um magnífico testamento literário e humano: a

lição de um grande escritor e o exemplo de um grande cida-

dão. Mas, aqui, quem dá conselhos à mocidade que o idolatra-

va não é o jurista, nem o estadista, nem o polemista, nem o

jornalista sem rival em sua terra: é “o padrinho, o velho, o a-

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

106 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

bendiçoador, carregado de anos e de tradições, versado nas

longas lições do tempo...” (BARBOSA, 1921, p. 24), em suma

– o MESTRE; quem ensina aos moços que “o ódio ao mal é a-

mor do bem e a ira contra o mal, entusiasmo divino” (Ib., p.

18), mas, ao mesmo tempo, confessa não se “ter habituado a

maldizer, senão a perdoar, nem a descrer, senão a esperar,”

(Ib., p. 18) não é tampouco o sábio, nem o diplomata, nem o

constitucionalista insigne: é o missionário, o evangelizador, o

crente, numa palavra – o APÓSTOLO; quem, já no termo dos

seus dias, apesar de ter a alma “tantas vezes ferida e traspassa-

da tantas vezes” (Ib., p. 21) pela incompreensão dos seus con-

temporâneos, ainda conclama a juventude a “pôr mãos à obra

de substituir pela verdade o simulacro político da nossa exis-

tência entre as nações” (Ib., p. 53), não é, também, o interna-

cionalista glorioso, nem o artista da língua, nem o orador de

Haia: é o homem de luta, o patriota, o idealista impenitente,

em resumo – o LIDADOR.

As particularidades do estilo de Rui na Oração aos Mo-

ços parece confirmarem esse bosquejo de retrato psicológico:

1º – aquele preciosismo muito seu, o culto do passado literário, a ortodoxia gramatical, o tom explicativo de sua prosa não re-fletirão, por ventura, aspectos do seu espírito de guia, de mentor, de mestre, de alguém que outra coisa não desejou fazer na vida senão ensinar “com a doutrina e o exemplo, mas ainda mais com o exemplo que com a doutrina...”? (Id.,

1920, p. 205) Ensinar, no alto e amplo sentido da palavra, lhe

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 107

foi a sagrada vocação e o destino sagrado. Ele, consciente do

valor próprio e do valor das ideias que representava, timbra-ria de ser, em tudo, o modelo, o paradigma, o exemplo.

2º – o sentimento de simetria, revelado na sucessão dos grupos ternários, na regularidade das antíteses e no paralelismo das repetições; o amor do grandioso e do sublime, e os acentos místicos do seu vocabulário não lhe espelharão, acaso, a al-ma iluminada de crente e de poeta? Poeta e crente, porque, sonhando com estruturar a vida social na justiça e na liber-dade, fundava a liberdade e a justiça na consciência religio-

sa: “...a liberdade fortalecida pelo espírito religioso, o espíri-to religioso expandindo-se clarificado no seio da liberda-de...” (Id., 1907, p. 379) Só um poeta e um crente resumiria sua vida neste cântico:

Não há justiça, onde não haja Deus. (Id., 1921, p. 47)19

3 – por fim, o tom paternal do aconselhador; o tom indignado do patriota; o tom profético e levemente triste do lutador exaus-to; o ar de resistência e combate, que lhe transpira do voca-

bulário, não estarão, talvez, a dizer-nos algo do homem mo-ral, do homem que lutou, e sofreu, e se desencantou muitas vezes, mas perdoou sempre, e nunca perdeu a fé?

Queira Deus não tenhamos malbaratado, com o desacerto da inter-pretação, quanta de riqueza espiritual ganhamos, escrevendo este trabalho.

Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1949

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

19 Sobre a evolução do espírito religioso de Rui, cf. Correia (1945, p. 343-361).

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(Tentativa de interpretação estilística de Rui Barbosa)

108 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

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ATRAVÉS DA ORAÇÃO AOS MOÇOS

CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA 113

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