Attali - Uma Breve História do Futuro

7
ATTALI UMA BREVE HISTÓRIA DO FUTURO

description

Attali - Uma Breve História do Futuro

Transcript of Attali - Uma Breve História do Futuro

ATTALI

UMA BREVE

HISTÓRIA DO

FUTURO

Uma breve história do futuro, Jacques Attali

Sobre o amanhã que nos espera

Economista e autor francês, Jacques Attali faz previsões alarmantes

em Uma Breve História do Futuro

Leonardo Trevisan

O Estado de São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008, Caderno 2

Jacques Attali:

Uma Breve História do Futuro

Tradução de Renata Cordeiro

Novo Século, 224 págs., R$ 45,90

Investigar o futuro é mania antiga. Aliás, o bicho homem sempre foi

muito atormentado pela idéia das previsões. Os métodos para domar

esse medo do amanhã, atávico à espécie, são muitos, incluindo

sacrifícios humanos, muito utilizados para acalmar os deuses que

mandam no que virá. Por outro lado, é curioso, mas nos últimos

tempos a prospecção do futuro misturou esse medo com a ansiedade

por progresso. As incertezas do amanhã, portanto, só devem

assustar os que não se preocupam com os avanços, com as

melhorias, principalmente as econômicas.

Jacques Attali, assessor de François Mitterand, ex-presidente do

Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, seguiu esse

caminho, o de pensar o futuro pela via da conquista do progresso.

Em Uma Breve História do Futuro - Capítulo Especial Sobre o Brasil,

publicado pela Novo Século Editora, ele identificou um momento

essencial para entender os mecanismos das previsões: por volta de

1300 a.C., depois que os egípcios consolidaram a idéia de império,

algumas tribos vindas da Ásia se instalam em ilhas do Mediterrâneo,

e, em vez de ficarem fechados em fortalezas pelas exigências da

agricultura, micênicos, fenícios e judeus passaram a pensar o tempo

todo em mudanças, que chamaram de “progresso”. Para esses,

comércio e dinheiro eram suas melhores armas e mares e portos seus

verdadeiros terrenos de caça.

Apesar de toda atenção à História, Attali garante que “hoje se decide

como será o mundo em 2050”. Ele está convencido de que as forças

de mercado dominam o planeta e o que chamou de “marcha

triunfante do dinheiro” tem tanto poder que acabará com tudo que

pode prejudicá-lo. Transformado em lei única do mundo, o mercado

formará na sua visão o “hiperimpério”, em que tudo será privado.

Porém, se a humanidade interromper a globalização “pela violência”

enfrentará grandes batalhas opondo Estados, grupos religiosos,

terroristas e piratas privados. Será o que Attali chamou de

“hiperconflito”. Já se a globalização puder ser contida sem ser

recusada, se o mercado for circunscrito sem ser abolido, se a

democracia for global, ele acredita que o mundo chegará à

“hiperdemocracia”, com todas as tecnologias usadas “no rumo da

abundância”. Para conhecer qual será o rumo dessa caminhada, se

sombria ou apenas feliz, Attali prospecta o futuro partindo de uma

certeza: as tribos, que instituíram os primeiros mercados e as

primeiras democracias 12 séculos antes de Cristo, formaram depois

uma sólida ordem comercial. Para ele, ainda estamos nessa ordem, e

sua história e leis serão também as do futuro. O corte cronológico

que interessa ao economista francês é o surgimento das primeiras

cidades-feira da cristandade no século 9º. Só as crises do próprio

mercado, ou guerras, levariam à substituição de um “núcleo” de

comércio por outro. Para Attali, desde então, nove “núcleos” se

sucederam: Bruges, Veneza, Antuérpia, Gênova, Amsterdã, Londres,

Boston, Nova York e, hoje, Los Angeles. Para Attali, o essencial da

história dos últimos sete séculos se explica pelas estratégias

empregadas pelas potências para tornarem-se “núcleo” dessa ordem

comercial.

Cada um desses núcleos acumulou sua especificidade de poder.

Veneza tomou o espaço de Bruges, pela posição geográfica

privilegiada, para receber a prata que acabara de ser descoberta nas

minas alemãs. Quando a prata alemã terminou e a pressão turca

aumentou, Antuérpia e depois Gênova substituíram Veneza. Londres,

que desde o 16 já lucrava com o algodão, tomará o lugar de Gênova.

A origem da riqueza inglesa está nos tratados de livre comércio

assinados até com a inimiga França em 1776. Nessa época, a libra já

era nova moeda do comércio mundial. A grande recessão de 1870

demole o poder de “núcleo” de Londres. De 1890 a 1929, Boston dará

as cartas pela grande explosão das máquinas. Depois da Grande

Depressão de 1929, Nova York ocupa o poder de núcleo, na grande

vitória da eletricidade. Depois que serviços viraram indústria, Attali

cria a expressão “objetos nômades”, os que ajudam as pessoas a

“viver em viagem”, o principal deles o computador.

Há novos donos no mundo. A Europa declina e a Ásia volta a subir:

entre 1980 e 2006 a parte dos EUA no PIB mundial permanece

inalterada em 21%, mas a da Europa cai de 28% para 21%,

enquanto a do leste asiático, incluindo China, Japão, Coréia, Taiwan,

Hong Kong, passa de 16% para 28%. A questão central para o futuro

é: como surgirá a décima cidade-núcleo. Há no horizonte 11 novas

potências: China, Índia, Rússia, Japão, Indonésia, Coréia, Austrália,

Canadá, República Sul-Africana, Brasil e México. Sobre a China a

percepção de que o Partido Comunista chinês será cada vez menos

capaz de organizar a vida urbana. Attali faz o vaticino de que o Brasil

estará à frente do Japão. Para gerir o tempo como mercadoria duas

indústrias devem crescer muito: seguros e entretenimento, uma vez

que “divertir-se será proteger-se do presente”. Quanto à

operacionalidade do futuro, Attali vê duas perspectivas. Primeiro,

uma fase mais sombria em que o capitalismo atingirá sua meta:

“Destruirá tudo que não for como ele.” Ele teme a tentação do

isolacionismo teocrático nos EUA e a inserção do cristianismo na

constituição européia como defesa à expansão islâmica. Porém,

depois, ele também considera que a hiperdemocracia poderá triunfar.

É preciso coragem para mexer com o futuro. O que mais assusta nele

não são as previsões, mas as convicções que as construíram. A maior

delas é a atual mistura entre progresso e felicidade. Aliás, vale

lembrar que essa mesma mistura já vitimou as previsões, tanto

otimistas como pessimistas, de muita gente.

posted by Paulo R. de Almeida at 11:08 AM

Prever o futuro, diz-se, é apanágio de oráculos e profetas, de pitonisas,

tirésias e cassandras, que nos mostram os caminhos do futuro, embora estes

sejam por vezes tão ínvios que o desejo de os trilhar se transforma em

desespero.

A futurologia é uma extrapolação de ideias e tendências contemporâneas que

nos permitem tentar perceber para onde caminhamos. Não se trata de prever

o futuro, isso é uma impossibilidade. Por mais perfeita que seja a previsão, o

futuro tem maneiras abruptas de sacudir as ideias e fazer nascer o

inesperado. Trata-se, antes de mais, de perceber qual o nosso estado das

coisas, e como poderão elas evoluir. A sua falibilidade diminui consoante a

proximidade temporal. Quanto mais próximo o futuro, mais provável a

previsão. E quanto mais longínquo, mais imprevisível se torna.

As agruras das previsões futuras são sublinhadas pelo facto de carruagens

puxadas por gansos não serem uma forma de voar, pela ausência de

automóveis de energia atómica nas estradas, pelos lamentos por a estação

espacial internacional se assemelhar mais a um amontoado de latas de

refrigerantes do que a um elegante toro a girar em órbita, completo com

hoteis para assegurar um momento tranquilo antes da partida para a lua.

E, claro, onde é que andam os jetpacks...?

As mais bem sucedidas futurologias são as que pegam nas tendências culturais

que ditam a caminhada humana e as extrapolam a médio prazo, e mantém

uma contínua evolução de acordo com os desvios das tendências. Observe-se,

por exemplo, a pertinência das obras de Toffler, que permitem compreender

tendências a médio prazo.

Breve História do Futuro, obra do francês Jacques Attali, segue fielmente

este princípio. Attali pega nas tendências sócio-económicas, políticas,

tecnológicas e culturais que caracterizam a nossa sociedade e projecta-os

num futuro próximo. Específicamente, o autor analisa as grandes correntes da

era contemporânea - o aquecimento global, os problemas ambientais, as

catástrofes naturais, as alterações geopolíticas, o declínio das grandes

potências, a emergência da àsia, a globalização económica, o carácter

rarefeito da economia, a perda de poder dos governos face à economia

transnacional, os movimentos sociais anti-globalização, o espectro do

terrorismo, a evolução tecnológica e científica, para traçar um quadro negro

do futuro que nos espera.

Attali centra a sua tese em três aspectos. Fala-nos do surigr de um

hiperimpério, a influência global dominante não de um governo, mas sim da

esfera económica, com o mundo empresarial a substituir o papel dos governos

e das estruturas tradicionais, um mundo onde a economia, potenciada pela

tecnologia, reina suprema. A complexidade, desprezo por valores que não os

do lucro e a desumanização face às exigências da economia levam o autor a

postular o surgir de um hiperconflito, não uma guerra global, mas sim uma

míriade de conflitos de várias intensidades. Estes podem ser uma reacção das

forças tradicionais face às exigências da contemporaniedade, conflitos pela

posse dos cada vez menores recursos naturais, ou conflitos económicos e

rivalidades empresariais que resvalam para o tiroteio. O caos tumultoso desta

era levará a humanidade ao lado mais luminoso da tese de Attali, o surgir da

hiperdemocracia, um utópico governo equilibrado à escala global, uma época

de calmaria após os exageros, os desvarios e os conflitos que levarão à ruína a

sociedade tal como a concebemos.

São ideias curiosas. Sem dúvida que o futuro está, neste momento único da

história da humanidade, cheio de desafios cuja resposta poderá pôr em causa

a sobrevivência da nossa espécie. Os prognósticos de Attali são tenebrosos, e

sabendo à partida que o futuro não se escreve por linhas direitas, desafiam a

credulidade. Mas as tendências que Attali identifica - o neoliberalismo

galopante, o carácter cada vez mais transnacional da economia, a perda de

poder e capacidade de actuação por parte dos governos, os

descontentamentos pelo estado das coisas simbolizados pelas agitações de

vária ordem que sacodem o mundo, a ameaça do terrorismo, a supremacia da

economia de mercado sobre as reais necessidades dos cidadãos, a tecnologia

cada vez mais avançada, o ressurgir dos fundamentalismos e a ameaça global

representada pelo aquecimento global, tudo são tendências que já modelam o

mundo contemporâneo.

Em rigor, as previsões de Breve História do Futuro não são bem previsões, são

retratos exagerados da sociedade contemporânea que nos permitem encarar

os desafios que nos esperam.

PUBL ICADO POR ARTUR ÀS 10:11 AM