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1 ATUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO RURAL EM MOÇAMBIQUE – ANÁLISE DAS POLÍTICAS AGRÁRIAS NO DISTRITO DE MALEMA Isaías Mutombo Mafavisse Universidade Federal de Goiás- UFG/Jataí-GO [email protected] Evandro César Clemente Universidade Federal de Goiás- UFG/Jataí-GO [email protected] Resumo O objetivo deste artigo é analisar a situação atual do desenvolvimento rural no Distrito de Malema, localizado em Moçambique no continente africano, procurando analisar o papel das políticas públicas do país na promoção do desenvolvimento rural enfocando as Políticas Agrárias e as respectivas ações de Implementação, com destaque para Estratégia de Desenvolvimento Rural (EDR). A EDR é uma política que melhor aborda o meio rural em Moçambique, de forma global e integrada. O estudo terá como recorte espacial o Distrito de Malema, que está localizado na porção Norte de Moçambique, no extremo ocidental da Província de Nampula. O país possui um grande potencial para desenvolver uma agricultura que possa apresentar maior produção e produtividade, porém apresenta baixa incorporação de mecanização e tecnologias no processo produtivo, sendo pouco irrigada. Palavras-chave: Agricultura. Políticas Públicas. Desenvolvimento Rural e Moçambique. Introdução O presente trabalho procura analisar e debater as implicações das Políticas Agrárias e respectivas Estratégias de Implementação que visam promover o desenvolvimento rural a partir de ações de redução da pobreza em Moçambique. Nesta análise optou-se por aprofundar os estudos acerca da política denominada Estratégia de Desenvolvimento Rural (EDR). Escolheu-se analisar com profundidade a EDR, por ser uma política que melhor aborda o meio rural, e de uma forma mais global e integrada no conjunto da economia e da sociedade, além de procurar refletir algumas dinâmicas das sociedades rurais. Neste sentido, pretendemos averiguar a situação da estrutura produtiva agrícola e a atuação do Estado a partir de ações e políticas públicas no Distrito de Malema, procurando compreender os motivos pelos quais ainda persistem sérios problemas que impedem melhorias no processo produtivo agrícola no Distrito citado. No âmbito das políticas de desenvolvimento rural, analisaremos também a Política Agrária, que é

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ATUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO RURAL EM MOÇAMBIQUE – ANÁLISE DAS

POLÍTICAS AGRÁRIAS NO DISTRITO DE MALEMA

Isaías Mutombo Mafavisse Universidade Federal de Goiás- UFG/Jataí-GO

[email protected]

Evandro César Clemente Universidade Federal de Goiás- UFG/Jataí-GO

[email protected] Resumo O objetivo deste artigo é analisar a situação atual do desenvolvimento rural no Distrito de Malema, localizado em Moçambique no continente africano, procurando analisar o papel das políticas públicas do país na promoção do desenvolvimento rural enfocando as Políticas Agrárias e as respectivas ações de Implementação, com destaque para Estratégia de Desenvolvimento Rural (EDR). A EDR é uma política que melhor aborda o meio rural em Moçambique, de forma global e integrada. O estudo terá como recorte espacial o Distrito de Malema, que está localizado na porção Norte de Moçambique, no extremo ocidental da Província de Nampula. O país possui um grande potencial para desenvolver uma agricultura que possa apresentar maior produção e produtividade, porém apresenta baixa incorporação de mecanização e tecnologias no processo produtivo, sendo pouco irrigada. Palavras-chave: Agricultura. Políticas Públicas. Desenvolvimento Rural e Moçambique. Introdução

O presente trabalho procura analisar e debater as implicações das Políticas Agrárias e

respectivas Estratégias de Implementação que visam promover o desenvolvimento rural

a partir de ações de redução da pobreza em Moçambique. Nesta análise optou-se por

aprofundar os estudos acerca da política denominada Estratégia de Desenvolvimento

Rural (EDR). Escolheu-se analisar com profundidade a EDR, por ser uma política que

melhor aborda o meio rural, e de uma forma mais global e integrada no conjunto da

economia e da sociedade, além de procurar refletir algumas dinâmicas das sociedades

rurais.

Neste sentido, pretendemos averiguar a situação da estrutura produtiva agrícola e a

atuação do Estado a partir de ações e políticas públicas no Distrito de Malema,

procurando compreender os motivos pelos quais ainda persistem sérios problemas que

impedem melhorias no processo produtivo agrícola no Distrito citado. No âmbito das

políticas de desenvolvimento rural, analisaremos também a Política Agrária, que é

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implementada a partir do Ministério da Agricultura de Moçambique. Tal política

enquadra a atividade agrária nos grandes objetivos, princípios e estratégias para a

materialização do desenvolvimento econômico do país.

Cabe ressaltar que, é de fundamental importância a inserção de melhorias na produção

agrícola de Moçambique, haja visto que o país ainda está longe de garantir a segurança

alimentar dos seus habitantes. Esta é uma situação contraditória, na medida em que o

país apresenta boas condições e recursos naturais para a produção agrícola, com terras e

água, mas que, por diversas razões, encontram-se sub-aproveitadas.

Esta pesquisa encontra-se em andamento, estando consubstanciada na revisão

bibliográfica, que possibilitou a obtenção de obras de referência, que permitiram a

sistematização teórica.

A escolha da região em estudo deriva do conhecimento prévio acerca das condições

agroclimáticas, e da rede hidrográfica do Distrito de Malema. A referida região é

conhecida em Moçambique como o “celeiro” da província de Nampula, pelo destaque

que apresenta na produção de cereais, sobretudo o milho, mas também com um grande

incremento do tabaco e algodão como culturas de rendimento, ou seja, produção voltada

para o mercado.

Em Moçambique a agricultura emprega 80,0% da população economicamente ativa

(INE, 2006)i. Existe o predomínio de pequenos agricultores em Moçambique que

praticam uma agricultura de subsistência, a qual ainda não possui significativa

incorporação tecnológica em seu processo produtivo, ficando, portanto, ainda muito

dependente das condições naturais, especialmente do regime de chuvas.

A agricultura em Moçambique apresenta baixa incorporação de mecanização e

tecnologias no processo produtivo, sendo pouco irrigada. Tais fatores explicam a pouca

produção e a baixa produtividade que caracteriza esse setor.

Devido à sua localização geográfica, Moçambique tem sido afetado ciclicamente por

calamidades naturais, como secas, cheias e ciclones, o que tem levado à perdas de safras

agrícolas. Por isso, é de fundamental importância a atuação do Estado através de ações e

políticas públicas visando promover melhorias no setor agrícola nacional, de modo a

gerar maior renda aos agricultores e também garantir a segurança alimentar da

população moçambicana.

Mesmo com a utilização de sistemas produtivos ainda bastante rudimentares na

produção agrícola, Moçambique possui um grande potencial para a médio e longo prazo

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aumentar a produtividade e a produção de sua agricultura. Porém, consideramos que é

importante incorporar melhorias nos processos produtivos agrícolas, portanto, é

necessário conduzir o processo de maneira que isso contribua efetivamente para o

desenvolvimento do país, assegurando a permanência e o crescimento dos empregos no

campo e também a melhoria da qualidade destes. Também consideramos fundamental

aumentar o rendimento auferido por trabalhadores e produtores agrícolas, em especial

os pequenos.

Assim o trabalho toma forma descritiva e analítica e para a sua materialização baseamo-

nos fundamentalmente na revisão bibliográfica e em dados de fonte secundária

coletados junto ao Instituto Nacional de Estatística (INE).

Breve caracterização de Moçambique

Moçambique está localizado no sudeste do continente africano. É banhado a leste pelo

Oceano Índico, a norte faz fronteira com a Tanzânia e a noroeste com o Malawi e

Zâmbia. A oeste faz fronteira com o Zimbabwe, África do Sul e Swazilândia, e a sul

com a África do Sul. O país situa – se na zona Intertropical do Hemisfério Sul, portanto,

uma área de clima tropical, sendo “atravessado” pelo Trópico de Capricórnio na parte

Meridional.

A situação geográfica de Moçambique é bem particular no contexto do continente

Africano, pois está localizado numa área que integra duas das grandes regiões naturais:

a África Oriental e África Austral.

A superfície total do país é de 799.380 km2, dos quais 13.000 km2 são ocupados pelas

águas superficiais interioranas que incluem os lagos, albufeiras e rios (BARCA, 1992

apud CUMBE, 2007).

O país está dividido em 11 províncias e uma capital, que é a cidade de Maputo. A região

Norte é constituída por três províncias (Cabo Delgado, Niassa e Nampula); a região do

Centro é constituída por quatro províncias (Zambezia, Sofala, Tete e Manica) e a região

Sul pelas províncias de Inhambane, Gaza, Maputo e Cidade de Maputo. Cada província,

por sua vez, está dividida em distritos e municípios, que perfazem um total de 128.

Cada distrito é governado a partir da capital distrital (vila sede) e é composto por vários

Postos Administrativos que representam as localidades que são constituidas por várias

comunidades.

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O país abrange três tipos de relevo: as planícies que ocupam cerca de 44.0% do

território, a região planáltica que parte dos 200 a 1.000 metros de altitude, região situada

basicamente entre o centro e o norte, com uma extensão de 51.0% do território e os

grandes planaltos e montanhas, situadas no interior, que ocupam cerca de 5.0% da área

total do país (MUCHANGOS, 1999).

Com um clima predominantemente tropical, o país possui enormes extensões de terras

aráveis propícias para o desenvolvimento de atividades agro-pecuárias. A sua flora é do

tipo denso, aberto e savana, sendo extremamente rica em animais de grande, médio e

pequeno porte, e de várias espécies de madeiras preciosas, algumas das quais bastante

apreciadas no mercado internacional.

O país é atravessado por vários rios de curso permanente, alguns dos quais nascem nos

países vizinhos, além de possuir vários lagos e lagoas naturais o que faz com que os

seus recursos hídricos sejam bastante invejáveis.

De acordo com os dados do Censo Populacional de 2007, Moçambique possui uma

população de 20.226.296 habitantes e esta vem crescendo a uma taxa média de 2,6%

por ano, sendo predominantemente rural (70.0%) (Censo, 2007)ii.

Importa sublinhar que da população Moçambicana que vive no campo, a sua maioria

dedica-se às atividades agropecuárias, que é a grande fonte de rendimentos das famílias.

Outra atividade que ocupa muitos moçambicanos, principalmente os residentes no

litoral moçambicano, é a pesca, atividade que pode ser encontrada também nas

populações residentes ao longo dos principais rios que atravessam o país e também nas

proximidades dos lagos.

Moçambique, portanto, é um país essencialmente agrário, pois significativa maioria da

sua população se dedica às atividades agropecuárias.

Na agricultura desenvolvem-se dois tipos de culturas fundamentais: a de produtos de

consumo (para subsistência) tais como cereais, leguminosas, verduras, tubérculos e

outras; e a cultura de produtos de rendimento (voltadas para o mercado), desenvolvendo

espécies como o algodão, o tabaco, a castanha de caju, o chá, a cana de açúcar, dentre

outras. Na pecuária, desenvolve-se a criação do gado bovino, caprino, suíno e aves.

A agricultura em Moçambique

Moçambique possui uma área total estimada em 36 milhões de hectares de terras

aráveis. Deste total, somente 9 milhões de hectares estão efetivamente em uso, de

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acordo com PROAGRI, apud MINAG (2007, p. 2). Isso demonstra um considerável

subaproveitamento das terras de um país que ainda possui considerável parcela de sua

população sem emprego e sem garantir a satisfação das necessidades básicas como a

segurança alimentar.

O Ministério da Agriculturaiii é principal órgão do aparelho de Estado que, em acordo

com aos princípios, objetivos e tarefas definidos pelo Governo, dirige, planifica e

assegura a execução das políticas nos domínios da terra, agricultura, pecuária, florestas,

fauna bravia e hidráulica.

A área agrária em Moçambique inclui três setores fundamentais: o sector agrícola, o

sector pecuário e o florestal.

Por conta de sua baixa produção, o setor agrícola apresenta uma fraca contribuição do

total do PIB (Produto Interno Bruto).

A contribuição da agricultura no PIB tem variado ao longo do tempo devido a diferenças na distribuição pluviométrica de campanha para campanha. Mas a contribuição baixou ligeiramente de cerca de 37% em 1990 para cerca de 30% em 2008 e 2009. Na década passada, a agricultura contribuía com cerca de 20-25%. A estabilidade na contribuição de cada sector da economia no PIB é surpreendente, dado o elevado crescimento econômico e a baixa produtividade agrícola (CUNGUARA, 20011 p. 8).

Diante dessa situação, a pobreza rural é atribuída principalmente ao limitado

desenvolvimento agrícola e aos baixos níveis de produtividade. Este cenário é também

explicado pela não mecanização e baixa irrigação da agricultura como afirma FOI

(2009) que dos cerca de 4 milhões de hectares da superfície agrícola em cultivo, menos

de 0,5% encontram-se irrigadas e, sobre a mecanização, o autor supracitado demonstra

que apenas 1.0% das explorações agrícolas mencionam o uso do trator e 1.0% o uso de

charrua. Como reflexo dessa situação, o país apresenta taxas de produtividade

extremamente baixas, sendo que nos últimos anos não houve nenhum sinal de tendência

positiva da mesma.

De acordo com a Política Agráriaiv a produção agrária em Moçambique é levada a cabo

por dois setores ou sistemas de produção principais: o setor familiar e o setor

empresarial.

O setor familiarv é constituído por cerca de 2,5 milhões de famílias que exploram cerca

de 90% da área atualmente cultivada, e representa um grande potencial produtorvi.

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O setor empresarial é constituído majoritariamente por empresas mistas e privadas. O

setor empresarial estatal está em processo de reestruturação a partir do fim do

“socialismo”vii no país.

Os dados estatísticos demonstram que a agricultura ocupa cerca de 3,3 milhões de

pequenos produtores do sector familiar, com a dimensão média de 1,1 ha de campos de

cultivo. Os índices de produção da maioria das culturas em Moçambique são baixos. O

uso de insumos modernos e da mecanização é bastante fraco, pois dos cerca de 3,3

milhões de produtores, apenas 3% deles utilizam fertilizantes ou pesticidas, 11% usa a

tração animal e apenas 5% usa sementes melhoradas. (PROAGRI I, 2004; Relatório da

Inspeção de Finanças, 2010 apud ORAM; ROSA, 2010).

A significativa importância da agricultura na geração de postos de trabalho e também

pela necessidade de garantir a segurança alimentar ao país, justifica um maior apoio do

Governo a tomar medidas para melhoria do setor.

De acordo com a Política Agrária, em Moçambique, os produtos mais importantes do

sector agrícola são: milho, arroz, açúcar, feijão, amendoim, mapira, mandioca,

mexoeira, algodão, caju, madeira, copra, chá e citrinos.

Na realidade, a agricultura em Moçambique tem atravessado uma série de crisesviii.

Assim, é necessário que o Estado estabeleça ações e políticas públicas estratégicas

visando garantir melhorias na produção agrícola no país, de modo que venha alcançar a

segurança alimentar, bem como gerar postos de trabalho no meio rural e aumentar a

renda e a qualidade dos já existentes. É importante salientar que Moçambique apresenta

grande oferta de terras e águas para a produção agrícola, que são subaproveitados, ao

mesmo tempo em que grande parte de sua população vive situações de desemprego e

carência alimentar. Dados demonstram que a utilização dos recursos hídricos no

desenvolvimento da agricultura se dá somente em cerca de 3,3 milhões de hectares de

terra (0,13%) que são irrigadas (PROAGRI, apud MINAG, 2007).

O clima de Moçambique é predominantemente tropical, todavia, ao longo do “corredor

de Nacala”, que atravessa a província de Nampula, localizam-se zonas com

características de clima semi-árido que incluem períodos rigorosos de seca entre maio e

outubro [...]. Os índices pluviométricos em Nampula são semelhantes às condições

prevalecentes no semi-árido do Nordeste brasileiro (SBSR, 2011, 4000). Por isso, a

principal infra-estrutura que deve receber maior atenção e investimentos por parte do

Governo para disponibilizá-las ao povo no campo são aquelas relacionadas ao

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desenvolvimento e à disponibilidade de tecnologias para irrigação. Diante dessa

realidade, compreendemos que é fundamental garantir acesso à água para que os

pequenos produtores do país possam auferir ganhos de produtividade em suas atividades

agropecuária.

Viabilizar a disponibilidade de água aos agricultores, sobretudo aos do setor familiar, é

indispensável para elevar a produção e a produtividade agrícola, e assim, elevar o nível

de oferta de matérias-primas e alimentos básicos, visando suprir a crescente demanda

interna por alimentos e que também gere excedentes exportáveis. Também é importante

que a inserção de tecnologia e o aumento da produção e da produtividade na agricultura

resulte em elevação da renda dos agricultores do setor familiar e dos trabalhadores

rurais.

De acordo com a Agenda 2025 (2003, p.50) a área irrigada no país é insignificante.

Portanto, uma necessidade do país e da região em foco, no caso de Malema é uma

política pública visando oferecer recursos e técnicas para que os agricultores do setor

familiar tenham acesso a sistemas de irrigação apropriados para viabilizar e melhorar a

sua produtividade agrícola e a sua renda.

Análise das Políticas Públicas voltadas para a agricultura em Moçambique

Como forma de contextualizar e compreender o significado das políticas públicas é

necessário resgatar o seu conceito. É fundamental começar por indicar alguns elementos

do conceito, delimitar a sua abrangência em termos de esfera de poder político (nível

nacional, provincial, distrital, municipal) e de conteúdo temático (política econômica,

social, etc)ix.

Neste contexto “políticas públicas” constituem diretrizes, princípios norteadores de ação

do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e

sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São políticas explicitadas,

sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de

financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos

públicos. Nem sempre há compatibilidades entre as intervenções e declarações de

vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não-ações”, as

omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e

orientações dos que ocupam cargosx.

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As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação, mas,

sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a

distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de

decisão, a repartição de custos e benefícios sociais.

Como o poder é uma relação social que envolve vários atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um mínimo de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser legitimadas e obter eficácia. Elaborar uma política pública significa definir quem decide o quê, quando, com que consequências e para quem. São definições relacionadas com a natureza do regime político em que se vive, com o grau de organização da sociedade civil e com a cultura política vigente. Nesse sentido, cabe distinguir “Políticas Públicas” de “Políticas Governamentais”. Nem sempre “políticas governamentais” são públicas, embora sejam estatais. Para serem “públicas”, é preciso considerar a quem se destinam os resultados ou benefícios, e se o seu processo de elaboração é submetido ao debate públicoxi.

As políticas públicas tratam de recursos públicos diretamente ou através de renúncia

fiscal (isenções e subsídios), ou de regular relações que envolvem interesses públicos.

Elas se realizam num campo extremamente contraditório em que se entrecruzam

interesses e visões de mundo conflitantes e onde os limites entre público e privado são

de difícil demarcação. Daí a necessidade do debate público, da transparência, da sua

elaboração em espaços públicos e não nos gabinetes governamentais.

As políticas públicas visam responder a demandas, principalmente dos setores

marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis. Essas demandas são

interpretadas por aqueles que ocupam o poder, mas influenciadas por uma agenda que

se cria na sociedade civil através da pressão e mobilização social.

Visam ampliar e efetivar direitos de cidadania, também gestados nas lutas sociais e que

passam a ser reconhecidos institucionalmente.

As políticas objetivam promover o desenvolvimento, criando alternativas de geração de

emprego e renda como forma compensatória dos ajustes criados por outras políticas de

cunho mais estratégico (econômicas). São necessárias para regular os conflitos entre os

diversos atores sociais que, mesmo hegemônicos, têm contradições de interesses que

não se resolvem por si mesmas ou pelo mercado e necessitam de mediação.

Em termos de Políticas Públicas voltadas a produção agropecuária, em Moçambique

tem-se a Política Agrária que estabelece diretrizes para a produção agrária e ao uso e

aproveitamento da terra no país. Tem como principal objetivo expandir a produção

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agrícola visando à segurança alimentar e promover o aumento dos níveis de produção e

comercialização dos produtos agrícolas de exportação.

A Política Agrária em Moçambique foi acompanhada por mudanças ou transformações

políticas e econômicas que o país experimentou após a independência nacionalxii.

O país durante o período imediatamente após a independência reforçou-se a opção

socialista. Os países socialistas, principalmente as ex União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas (URSS) e República Democrática da Alemanha (RDA), passaram a ser os

principais parceiros econômicos.

A estratégia de desenvolvimento formulada após a independência foi uma economia

socialista centralmente planificadaxiii.

As medidas econômicas que tinham por objetivo reestruturar a economia tiveram duas vertentes: a primeira procurava introduzir as novas formas de organização da produção e da sociedade, particularmente a estatização da economia e a socialização do meio rural através da cooperativizaçãoxiv e das aldeias comunais; a segunda pretendia superar os efeitos da saída dos empresários estrangeiros, mantendo as empresas em produção (MOSCA, 2005 p. 170).

A cooperativização era considerada a via para envolver os camponeses na coletivização

produtiva e social. Apenas estas duas formas de produção eram consideradas como

integrantes no sistema de planificação centralizada. Os produtores de pequena escala e o

setor privado não eram incorporados nos planos e, sem aportes de recursos, tiveram

dificuldades de reproduzir os ciclos produtivos. A agricultura foi considerada a base do

desenvolvimento do país. Assim, com a opção socialista, o setor estatal seria dominante

e determinante.

Foram criadas grandes empresas agrícolas à imagem dos sovkolz soviéticos e dos

Complexos Agro-Industriais de outros países socialistas (MOSCA, 2005).

Porém, os efeitos desta estratégia de desenvolvimento nesta tentativa de implantar a

economia socialista não foram eficazes e não teve sustentabilidade por muito tempo,

gerando desse modo uma crise no país, como refere Abrahamsson (1994), o efeito

conjunto desta política e a vulnerabilidade econômica que originou fizeram-se notar

claramente durante a primeira metade da década de 1980. A necessidade de mais

créditos e de uma ajuda alimentar considerável foi reforçada quando os parceiros de

cooperação mais importantes do leste foram obrigados a diminuir o seu apoio. A

FRELIMOxv escolheu novas alianças no mundo ocidental ao mesmo tempo que a

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economia política internacional modificou as regras do jogo e as condições da

cooperação.

A crise destas economias e sociedades, a conjuntura regional no contexto da guerra-fria

e o colapso da economia moçambicana, forçaram mudanças fundamentais. Com as

reformas na política externa e a adesão às instituições de Bretton Woods, iniciou-se a

negociação da dívida e a cooperação aumentou e a ajuda humanitária multiplicou-se.

Para que lhe fosse concedida a ajuda pelas instituições Financeiras Internacionais foi

imposta a Moçambique algumas condições, como faz referência Abrahamsson (1998),

umas das condições prévias para as negociações das antigas dívidas e para o acesso a

novos créditos foi a participação nas instituições Bretton Woods e a realização do

programa de reajustamento estrutural. O programa de reajustamento estrutural em

Moçambique foi designado por Programa de Reabilitação Econômica (PRExvi).

Em 1984 Moçambique solicitou a sua entrada como membro e três anos mais tarde

podia iniciar um programa de reabilitação econômica e social.

Existiram em Moçambique vários tipos de privatização, mas pelo enfoque do trabalho

vamos destacar algumas delas, quanto à formaxvii:

Constituição de empresas mistas em joint-ventures, sobretudo para a produção,

comercialização, transformação e exportação, como por exemplo na cultura do algodão.

• Parcelamento das terras e sua distribuição para agentes privados.

O fundamental do modelo socialista foi desmantelado. Recapitulando:

• O plano deixou de ser um instrumento de gestão e controle da economia e foi

substituído pelo mercado.

• O papel direto do Estado na economia deixou praticamente de existir e foi substituído

pelo setor privado.

• A propriedade estatal e coletiva deu lugar à propriedade privada, não obstante, a lei de

terras manteve este fator como propriedade do Estado.

• O padrão de acumulação centrou-se no setor privado, com fortes relações com o

exterior e a sua realização e distribuição localizaram-se em outros setores da economia e

nas cidades ou no exterior.

• A priorização inicial das culturas alimentares (embora que apenas no setor estatal)

deixou de existir. A preocupação fundamental em relação à produção camponesa foi a

captação dos excedentes de produção para o abastecimento das cidades através de

diversas formas de comercialização.

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A atual Política Agrária vigente no país teve início em 1983xviii e se intensificou com a

adesãoxix, por parte do país, de uma economia de mercado em substituição à economia

planificada do período em que o país experimentou o socialismo. A principal mudança

foi a acreditação e o fortalecimento do setor familiar e privado na produção agrária que

passou a concentrar a maior parte dos recursos. Assim, o setor familiar privado deveria

receber todo apoio em inputs e bens de consumo.

Desde 1986, Moçambique enveredou-se pela liberalização do mercado, com o

lançamento do PRE, que estabeleceu as bases para uma economia de mercado que

predomina no país até hoje (MINAG, 2006).

Em 1995, o Conselho de Ministros aprovou, através da resolução nº 11/95, de 31 de

Outubro, a Política Agrária e suas respectivas Estratégias de Implementação, documento

que se configura como o principal instrumento de orientação em relação às intervenções

que devem ser realizadas e as formas como tais devem ser conduzidas nas áreas de

Agricultura, Pecuária e Floresta na República de Moçambique.

Considerando que estes instrumentos de orientação (a Política Agrária e as respectivas

Estratégias de Implementação), foram aprovadas em 1995, três anos após o fim da

Guerra Civil, encerrada em 4 de Outubro de 1992, com a assinatura do Acordo de Paz,

na cidade Italiana de Roma, entre o Governo da FRELIMO e o então movimento

rebelde, a RENAMOxx. Esperava-se que, de lá para cá, com a implementação das

orientações contidas na Política Agrária, a situação agrária hoje, tivesse atingido um

nível de progresso e desenvolvimento considerável.

Os grandes objetivos da política agrária de desenvolvimento econômico do país visam a

segurança alimentar, o desenvolvimento econômico sustentável, a redução de taxas de

desemprego, e a redução dos níveis de pobreza absoluta (MOSCA, 2005). Estes

objetivos são operacionalizados em objetivos gerais de desenvolvimento agrário: a

transformação da agricultura de subsistência numa agricultura cada vez mais integrada

nas funções de produção, distribuição e processamento, tendente a alcançar:

O desenvolvimento de um setor agrário de subsistência que contribua também

com excedentes para o mercado;

O desenvolvimento de um setor empresarial eficiente e participativo no

desenvolvimento agrário.

Ainda estabelece que os objetivos adotados a curto e médio prazo são: atingir

progressivamente a auto-suficiência e reserva alimentar em produtos básicos; o

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fornecimento de matéria-prima à indústria nacional e contribuir para a melhoria da

balança de pagamento. É nesse contesto que se observa o esforço do Governo para o

alcance destes objetivos, a materialização na construção de cilos em alguns distritos que

apresentam maior produção agrícola para reserva e conservação dos alimentos de

excedentes de produção.

Para cada um dos objetivos são definidas estratégias sendo de destacar de forma

resumida os seguintes aspetos: o envolvimento das comunidades nas diversas áreas de

desenvolvimento sustentável do meio rural, o planejamento e desenvolvimento do uso e

aproveitamento da terra, linhas de crédito para atividade agrária, reabilitação de

infraestrutura, a promoção de exportação, incentivo ao investimento privado, formação

de técnicos agrários, a investigação agrária, a extensão rural, proteção de plantas, (na

vertente ambiental), potencial de irrigação, armazenamento e estabelecimento de feiras

agrícolas, entre outras.

Em termos de exemplos de instrumentos de planificação deste setor, ou que tratam de

ações e matérias ligadas à área agrária em Moçambique, temos a destacarxxi:

a) O Programa Nacional da Agricultura PROAGRI (I e II), instrumentos programáticos

de ações, que incluem componentes que vão desde a capacitação institucional, a

formação de pessoal, a investigação, até à extensão;

b) O Plano Diretor de Extensão Agrária, outro instrumento que visa à operacionalização

do programa da extensão do PROAGRI II e é baseada nas seguintes expectativas:

descentralização, desconcentração da provisão de serviços do MINAG, capacitação dos

produtores, terceirização dos serviços da extensão e parcerias;

c) A Estratégia da Revolução Verde que, apesar de ser bastante questionada, entretanto,

apresenta aspectos bastante substantivos, referentes à sua operacionalização. São

elementos enquadrados na própria Política Agrária;

d) A Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional, um instrumento extremamente

importante para a componente de Segurança Alimentar e Nutricional;

e) Outro instrumento a destacar é a Estratégia de Desenvolvimento Agrário, que

apresenta a área de extensão agrária como sendo das mais prioritárias do Ministério da

Agricultura.

Esta Política Agrária está contida dentro do Plano de Ação para Redução da Pobreza

Absoluta (PARPA), que constitui um instrumento de política abrangente e integrado

para a redução dos níveis de incidência da pobreza absoluta em Moçambique. Trata-se

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de um documento multidisciplinar elaborado por um grupo inter-setorial para garantir

que este plano reflita os objetivos das políticas setoriais que tenham impacto rápido na

redução da pobreza.

Os planos setoriais integrantes do PARPA enfocam o setor agrário como prioritário no

qual encontra-se desenhado o Programa Nacional para o Desenvolvimento Agrário

(PROAGRI), um instrumento de operacionalização do PARPA. O PROAGRI é um

programa de investimento público no setor agrícola em coordenação com outras ações,

nomeadamente, estradas e comércio, de modo a facilitar os processos de produção e

comercialização agrícola para o alívio da pobreza e garantia da segurança alimentar.

Estratégias de Desenvolvimento Rural em Moçambique

Para promover, coordenar, planificar, monitorar e apoiar a realização de ações

prioritárias que conduzam à melhoria das condições de vida da população dos Distritos

o Governo de Moçambique apresentou em 2007 o documento sobre a Estratégia de

Desenvolvimento Rural (EDR). Foi feito com base num outro intitulado Abordagem do

Desenvolvimento Rural aprovado pelo Conselho de Ministros em 2000. A EDR é o

documento que melhor aborda o meio rural, de uma forma mais global e integrada no

conjunto da economia e da sociedade e procura refletir algumas dinâmicas das

sociedades rurais. Para esta estratégia o “desenvolvimento rural significa transformação

da composição da estrutura social, econômica, política cultural e ambiental das áreas

rurais”... O desenvolvimento rural não é uma etapa curta de curto prazo, nem um mérito

somatório de objetivos e intenções, ou simples acumulação de recursos e capacidades

no campo. É um processo de mudança de longo prazo, cheio de variados conflitos,

compromissos e opções, muitos dos quais mutuamente exclusivos, que requerem

decisões seletivas”(MOSCA, 2011).

“Desenvolvimento rural é entendido na EDR como o processo da melhoria das

condições de vida, trabalho, lazer e bem-estar das pessoas que habitam nas áreas rurais”

(MOSCA, 2005).

A EDR faz uma análise mais profunda da realidade rural, referindo as dualidades e a

integração perversa dos pequenos produtores no conjunto da economia rural, sobretudo

em relação às empresas e culturas de exportação. Refere “as estratégias de

desenvolvimento rural com base nas especificidades regionais [...] (ibidem, 2005)”.

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O documento refere a necessidade de alteração do padrão dominante da acumulação, em

que se verifica uma transparência de recursos do campo para a cidade, afirmando que “o

padrão de acumulação de capital financeiro e produtivo na família rural necessita de ser

alterado, tomando em consideração a complexa mas crucial relação entre os sistemas de

(re)produção familiar e trabalho assalariado agrícola e não agrícola. A relação

emprego/trabalho por conta própria tem que passar para o centro das políticas, evitando-

se a visão voluntarista e ilusória de que todo o produtor familiar vive na subsistência ou

pode ser empresário”. Acrescenta a dependência do mercado rural em relação ao

urbano, enfatiza que o investimento no capital humano e capital social deve ir além do

tradicional capital financeiro e comercial, incluindo a melhoria da participação das

comunidades, a descentralização do poder de decisão e a responsabilização individual e

social, o capital intelectual e cultural. Defende ainda maior equidade na criação da

capacidade produtiva tomando em conta a diversidade regional e distrital na base das

vantagens comparativas. Sugere a importância de melhorar as infraestruturas físicas e

institucionais.

O documento considera que as diversas estratégias aplicadas nas últimas décadas, não

foram capazes de “mudar o padrão de acumulação no sentido de tornar as áreas rurais

economicamente competitivas, ambientalmente equilibradas e socialmente estáveis e

atrativas”. Segundo o mesmo Moçambique ainda continua num nível atrasado em

termos de desenvolvimento rural. As políticas e estratégias de desenvolvimento em

vigência no país continuam surtindo pouco efeito prático conforme salientam (ORAM;

ROSA, 2010). Assim, apesar de todos os recursos naturais que Moçambique dispõe,

com uma população muito jovem, ativa e trabalhadora, o seu posicionamento na escala

mundial não é nada agradável. Dos 177 países constantes na lista do PNUD (Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento), publicada em 2005, Moçambiquexxii

encontrava-se no 168º lugar. Na relação publicada em 2010, Moçambique subiu apenas

3 posições, colocando-se agora no 165º lugar. Esta posição ocupada por Moçambique

na escala do desenvolvimento humano em nível mundial é preocupante, na medida em

que Moçambique possui potencialidades enormes no seu solo, subsolo, nas suas

florestas, águas marítimas, lacustres e fluviais.

Ė de sublinhar que esta posição de Moçambique na escala de desenvolvimento humano

em nível mundial, coloca-o em último lugar no nível dos países da CPLP (Comunidade

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de Países da Língua Portuguesa), e em antepenúltimo lugar entre os países da SADC

(Southern Africa Development Community)xxiii.

Análise da agricultura no distrito de Malema

Malema é um Distrito que integra a Província de Nampula, que por sua vez, está

localizada na região norte de Moçambique. O referido Distrito está localizado no

extremo ocidental da Província de Nampula.

Abrange uma superfície de 6.386 km2 e abriga uma população recenseada no ano de

2007 de 164,898 habitantes, segundo dados do INE.

O Distrito é atravessado por numerosos cursos de água, sendo os principais deles: rio

Malema, rio Naluma, rio Niulo, rio Mutivaze, rio Nataleia e outros de menor

importância.

A densidade populacional do Distrito é de aproximadamente 27,11 habitantes por km2.

(INE, 2007).

A população é majoritariamente jovem (46,0%, abaixo dos 15 anos de idade), com

maioria feminina (taxa de masculinidade de 49,0%) e predominantemente rural (taxa de

urbanização de 26,0%).

O Distrito está dividido em três Postos Administrativos (Chiulo, Malema e Mutuali),

compostos pelas suas distintas localidades.

Assim como em todo o país, a agricultura é a principal atividade desenvolvida no

Distrito e emprega a maioria das famílias locais. As principais culturas alimentares do

setor familiar, para consumo e comercialização são mapira, milho, arroz, feijão-nhemba,

mandioca e amendoim, em ordem de importância. Hortícolas, algodão, castanha de caju

e tabaco também são cultivados, sendo que estas três últimas constituem as culturas de

rendimento (voltadas para o mercado) mais importantes. Na produção de culturas

alimentares, os principais fatores limitantes são: a má fertilidade do solo (mais de

60,0%), falta de alfaias (40,0%), de adubos e fertilizantes, escassez de sementes e a

insuficiência de mão de obra (20,0%) (MAE, 2005)xxiv.

Tais problemas decorrem do baixo investimento efetuado na agricultura e, as famílias

ainda utilizam métodos e técnicas bastante rudimentares (tradicionais), como a

adubação orgânica para aumentar a fertilidade dos solos, porém, a vantagem da

adubação orgânica é que ela não agride o meio ambiente, sendo uma técnica

considerada sustentável.

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Quanto à posse de terra, Malema é um Distrito com uma densidade populacional

moderada, como mostram os dados acima apresentados, o que faz com que haja algum

excedente de terra. Contudo, têm ocorrido conflitos pela posse deste recurso. A área

total cultivada pelo setor familiar é de 30.757 hectares, o que corresponde a cerca de

5.0% do total da área do Distrito. O acesso á terra é determinado pelas autoridades

tradicionais e pela administração do Distrito. Importante ressaltar, que em Moçambique

a terra é propriedade do Estadoxxv. Quando se diz que a terra é propriedade do Estado,

significa que os particulares apenas podem ter o Direito de Uso e Aproveitamento da

Terra (DUAT). Podem ser sim proprietários das obras (benfeitorias) construídas na

terra, mas isso nunca lhes dá o direito de propriedade sobre ela.

Para o caso das comunidades locais, quando alguém pretende obter uma parcela de

terra, lhe é exigido o parecer da comunidade, para que esta diga se a parcela em questão

está ou não ocupada. Se a parcela de terra não se encontra ocupada, só a partir daqui é

que se pode conceder ao requerente. Esta consulta evita futuros conflitos de terras.

A comunidade também fica alerta a pessoas estranhas que entram na comunidade e

assim podem evitar a usurpação de terra, através da constante vigilância e fiscalização.

Considerações finais

Procuramos neste trabalho analisar e demonstrar a realidade da agricultura de

Moçambique focalizando a situação do desenvolvimento rural tendo como recorte

territorial o Distrito de Malema, e as políticas públicas que vêm sendo implementadas

com o objetivo de desenvolver a agricultura e também combater a pobreza rural.

Podemos notar que a maior parte dos instrumentos legais orientadores do setor agrário

no país, são elaborados, tendo em conta a realidade socioeconômica do país, as

dificuldades, as fraquezas, as limitações e as potencialidades que diretamente

relacionam-se com a situação da pobreza no país. Todavia há muito caminho a percorrer

para solucionar os problemas que acometem o país em particular o Distrito de Malema.

Isso porque o Ministério da Agricultura, o órgão do aparelho do Estado que tutela pela

área agrária no país possui muitos instrumentos reguladores e de planificação para este

setor, entretanto, mesmo assim não conseguiu ainda satisfazer na íntegra os propósitos

para as quais foram delineados ou concebidos e, portanto, a sua implementação deve

estar a enfrentar vários constrangimentos sem, no entanto, estarem esclarecidos os

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motivos dessa falta de materialização dos propósitos destas diretrizes norteadores de

ação do poder público.

Mesmo com a utilização de sistemas produtivos rudimentares, responsáveis pela baixa

produtividade de sua agricultura, Moçambique possui um grande potencial para a médio

e longo prazo desenvolver sua agricultura. Porém, consideramos que é importante

aumentar a produtividade e a produção agrícola, mas também garantir que a agricultura

contribua efetivamente para o desenvolvimento do país, assegurando a permanência dos

empregos e a melhoria da qualidade destes e no rendimento auferido por trabalhadores e

produtores agrícolas, em especial os pequenos.

O meio rural é hoje dominado por uma agricultura pobre em tecnologias e baixa

produtividade. Esta realidade e a prospecção futura da Agricultura Moçambicana

apresenta-nos novos desafios.

Sendo assim, estamos prosseguindo com a investigação no Distrito de Malema,

procurando aprofundar nossa investigação em torno dos fatores que têm contribuído

para o fracasso da implementação dessas políticas públicas e do fraco desenvolvimento

rural observado em Moçambique.

Notas i Instituto Nacional de Estatística (INE). ii INE. III Recenseamento Geral da População e Habitação. Disponível em: <http://www.clubofmozambique.com/pt/sectionnews.php?secao=mocambique&id=14594&tipo=one> Acesso em: 22 Jun. 2012. iii Boletim da República de 27 de Abril de 2005 iv O principal instrumento de orientação em relação às intervenções que devem ser feitas e as formas como tais intervenções devem ser conduzidas nas áreas de Agricultura, Pecuária e Floresta na República de Moçambique. v A expressão setor familiar é abrangente, descreve uma situação heterogênea, incluindo vários sistemas de produção organizados em bases culturais diferentes, de pequena e média escala, que utilizam ou não recursos familiares, mas também mão-de-obra e outros recursos adicionais para manter ou aumentar a sua produção, conforme as necessidades internas da família e as oportunidades comerciais que se apresentam. vi De acordo com a Política Agrária o setor familiar que explora cerca de 90 por cento da área atualmente cultivada representa um grande potencial produtor, uma vez que será garantido o acesso a recursos novos para aumentar a sua produção e produtividade. vii Em Moçambique, o “socialismo” terminou em 1986 desde que o país enveredou-se pela liberalização do mercado, com o lançamento do PRE, que estabeleceu as bases para uma economia de mercado que predomina no país até hoje (MINAG, 2006). viii O sector da agricultura está a atravessar uma espécie de crise, pelo fato de não estar a registrar avanços significativos nos seus diversos sub-setores: investigação, extensão, capacitação institucional, comercialização, dentre outros e apresentar baixa produção e produtividade. ix TEIXEIRA, Elenaldo Celso. Políticas públicas no desenvolvimento local e na transformação da realidade. 2002. Disponível em: < http://www.fit.br/home/link/texto/politicas_publicas.pdf > Acesso em: 29 maio 2012. x Ibidem.

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xi (TEXEIRA, 2002). xii Moçambique alcançou a sua independência nacional a 25 de Junho de 1975. xiii Pode considerar-se que é a partir de 1977 que o Governo toma iniciativa de estruturar e de aplicar um modelo econômico. O Plano Estatal Central (PEC) começou a ser o instrumento de direção econômica. Veja-se (MOSCA, 2005 p. 190) xiv A cooperativização era concebida como uma forma de eliminar o “individualismo”, a dispersão e as dificuldades de controlo da população e, numa perspectiva positiva, facilitar as funções de prestação dos serviços essenciais (educação, saúde, água, melhoria de habitação, etc). Veja-se (MOSCA, 2005 p.176). xv Frente de Libertação de Moçambique. xvi O programa de Reabilitação Econômica começou a ser aplicado em Janeiro de 1987. Surge como um aprofundamento, com elementos de continuidade em relação às reformas iniciadas em 1983, tanto internamente como nas relações externas. Os objetivos oficiais eram travar a queda da atividade econômica do país e iniciar uma progressiva recuperação, até 1990, dos setores vitais da economia nacional. Veja-se (MOSCA, 2005 p. 309). xvii Publicado na Revista Internacional em Língua Portuguesa, III Série, Nº 21, pp.47-66. Lisboa, Associação das Universidades de Língua Portuguesa. xviii Inicio das reformas econômicas em Moçambique. xix Face a recusa da candidatura de Moçambique como membro efetivo do Comecon, iniciaram-se conversações com o FMI e o BM; a admissão do país nas IBW aconteceu em 1984. xx Resistência Nacional de Moçambique. xxi ORAM; ROSA (2010) xxii A nível Mundial, Moçambique está à frente de Burundi (166), Níger (167), República Democrática do Congo e do Zimbabwe, todos do continente africano, dois dos quais membros da SADC, que enfrentam crises internas, é o caso do Zimbabwe, que já foi a segunda economia da África Austral, depois da África do Sul, e da República Democrática do Congo, um país com enormes recursos naturais, mas que vive uma crise interna prolongada (ORAM; ROSA, 2010). xxiii Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. xxiv Ministério da Administração Estatal. xxv (Artigo 3, Lei de Terras 19/97 de 01 de Outubro). A Constituição da República de 1975 apenas referia que a terra e os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas territoriais e na plataforma continental são propriedade do Estado, e não estabelecia nenhuma limitação quanto à compra, venda ou outro tipo de transação. A lei de Terras de 1979 introduziu esta limitação, ao estabelecer no número 2 do artigo 1 que a “a terra não pode ser vendida ou por qualquer forma alienada, nem arrendada, hipotecada ou penhorada”.

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