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1 ATUALIDADE DA REFORMA AGRÁRIA EM MINAS GERAIS: UMA ANÁLISE DOS TIPOS DE ASSENTAMENTOS RURAIS Fabiana Borges Victor Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA Núcleo de Estudos Agrários e Territoriais – NEAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU [email protected] Ricardo Luis de Freitas Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA Núcleo de Estudos Agrários e Territoriais – NEAT Universidade Federal de Uberlândia - UFU [email protected] Resumo Este trabalho discorre sobre a diversidade de assentamentos rurais no estado de Minas Gerais, segundo a Política Nacional de Reforma Agrária, que cria os assentamentos de Reforma Agrária – RA, e da Política Nacional de Crédito Fundiário e a criação dos assentamentos de Reforma Agrária de Mercado – RAM, considerando para tanto a localização no estado e o ano de criação, bem como o governo em que foi criado o assentamento. Essa discussão possibilita observar, entre outros fatores, a disputa entre campesinato, agronegócio e latifúndio, e o papel exercido pelo Estado. Para o desenvolvimento do estudo, são utilizados os dados do Banco de Dados da Luta pela Terra – DATALUTA, pesquisa que sistematiza os registros da luta pela terra no Brasil. Palavras-chave: Assentamentos rurais. Reforma Agrária. Reforma Agrária de Mercado. DATALUTA. Minas Gerais. Introdução Ao se propor uma análise da realidade do campo brasileiro, é possível compreender as inúmeras desigualdades sociais e econômicas ainda não superadas pelo país. Essa realidade se caracteriza pela concentração de terras e riquezas por parte do agronegócio e latifúndio, e pela falta da terra de trabalho aos pequenos agricultores, gerando consequentemente inúmeros conflitos no campo. Nesse processo, o acesso à terra é realizado por meio da criação dos assentamentos rurais, resultado principalmente da ação dos movimentos sociais a partir das ocupações de terras, pressionando o Estado a favor da população do campo que reivindica terra e reforma agrária. Promover a democratização do acesso à terra é responsabilidade do Estado, e torna-se então fundamental compreender a criação e formação dos

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ATUALIDADE DA REFORMA AGRÁRIA EM MINAS GERAIS: UMA ANÁLISE DOS TIPOS DE ASSENTAMENTOS RURAIS

Fabiana Borges Victor

Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA Núcleo de Estudos Agrários e Territoriais – NEAT

Universidade Federal de Uberlândia - UFU [email protected]

Ricardo Luis de Freitas

Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA Núcleo de Estudos Agrários e Territoriais – NEAT

Universidade Federal de Uberlândia - UFU [email protected]

Resumo Este trabalho discorre sobre a diversidade de assentamentos rurais no estado de Minas Gerais, segundo a Política Nacional de Reforma Agrária, que cria os assentamentos de Reforma Agrária – RA, e da Política Nacional de Crédito Fundiário e a criação dos assentamentos de Reforma Agrária de Mercado – RAM, considerando para tanto a localização no estado e o ano de criação, bem como o governo em que foi criado o assentamento. Essa discussão possibilita observar, entre outros fatores, a disputa entre campesinato, agronegócio e latifúndio, e o papel exercido pelo Estado. Para o desenvolvimento do estudo, são utilizados os dados do Banco de Dados da Luta pela Terra – DATALUTA, pesquisa que sistematiza os registros da luta pela terra no Brasil. Palavras-chave: Assentamentos rurais. Reforma Agrária. Reforma Agrária de Mercado. DATALUTA. Minas Gerais. Introdução Ao se propor uma análise da realidade do campo brasileiro, é possível compreender as

inúmeras desigualdades sociais e econômicas ainda não superadas pelo país. Essa

realidade se caracteriza pela concentração de terras e riquezas por parte do agronegócio

e latifúndio, e pela falta da terra de trabalho aos pequenos agricultores, gerando

consequentemente inúmeros conflitos no campo.

Nesse processo, o acesso à terra é realizado por meio da criação dos assentamentos

rurais, resultado principalmente da ação dos movimentos sociais a partir das ocupações

de terras, pressionando o Estado a favor da população do campo que reivindica terra e

reforma agrária. Promover a democratização do acesso à terra é responsabilidade do

Estado, e torna-se então fundamental compreender a criação e formação dos

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assentamentos rurais, bem como o papel exercido pelo governo a partir dos tipos de

programas e políticas públicas.

A proposta deste trabalho é o de contribuir com a discussão a respeito das tipologias dos

assentamentos rurais existentes no estado de Minas Gerais. É importante destacarmos a

existência da diversidade de assentamentos, seja em nível nacional e estadual. As

tipologias de assentamentos rurais dividem-se em duas políticas principais, a Política

Nacional de Reforma Agrária e a Política Nacional de Crédito Fundiário, que criam os

assentamentos de Reforma Agrária - RA e Reforma Agrária de Mercado - RAM,

respectivamente.

Iremos ao longo do trabalho estabelecer de maneira comparativa, a formação desses

assentamentos, tendo entre outros critérios de análise principalmente a localização e o

ano de criação. É preciso que consideremos como ponto de partida a intensa e dinâmica

territorialização e desterritorialização pela qual vivem os diferentes grupos que

compõem o campo brasileiro.

Para compreendermos as dinâmicas pelas quais o campesinato brasileiro está inserido, é

necessário analisarmos primeiramente a conceituação e a construção deste conceito.

Entender os contextos aos quais os camponeses estão inseridos é essencial para

indagarmos algumas questões no que tange ao desenvolvimento de políticas públicas

para o campo brasileiro.

O trabalho fundamenta-se em referencial teórico acerca da luta pela terra, reforma

agrária e assentamentos rurais, segundo OLIVEIRA (2001), CLEPS JR (2010),

FABRINI (2010), entre outros. São utilizados também como fonte de pesquisa os

registros do Banco de Dados da Luta perra Terra – DATALUTA, um projeto de

pesquisa e extensão desenvolvido desde 2005 em Minas Gerais, em cooperação com

outros estados brasileiros, que sistematiza os dados referentes às ocupações de terra,

assentamentos rurais, movimentos socioterritoriais, manifestações e estrutura

fundiária, temas estes envolvidos nos conflitos agrários. Para complementar o estudo,

as representações cartográficas auxiliam na espacialização dos tipos de assentamentos

rurais no estado de Minas Gerais.

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Campesinato e a luta pela conquista de seu território Como ponto de partida para esta análise abordaremos o conceito de campesinato para

compreendermos o modo que a classe se reproduz no sistema capitalista O campesinato

é uma classe social comumente confundida como um setor da economia. O camponês se

“insere na sociedade capitalista de maneira subordinada” (Oliveira, 1991), e que vive

sob os ditames e ordens do capital e que de certa maneira está dependente do sistema.

Para Oliveira (2001), [...] a luta pela terra desenvolvida pelos camponeses no Brasil é uma luta específica, moderna, característica particular do século XX. Entendo que o século passado foi, por excelência, uma época de formação e consolidação do campesinato brasileiro enquanto classe social. Assim, esses camponeses não são entraves ao desenvolvimento das forças produtivas, impedindo o desenvolvimento do capitalismo no campo; ao contrário, eles praticamente nunca tiveram acesso à terra, sendo pois desterrados, “sem terra”, que lutam para conseguir o acesso a terra. (OLIVEIRA 2001, p. 189)

Defendemos a atualidade de camponês cuja densidade histórica nos remete a um

passado de lutas. Com base no tripé terra, trabalho e família, os camponeses

estabelecem esses aspectos como valores morais, em outras palavras, são os marcos de

sua reprodução. “O desenvolvimento capitalista se faz movido pelas suas contradições.

Ele é, portanto, em si, contraditório e desigual. Isto significa que para seu

desenvolvimento ser possível, ele tem que desenvolver aqueles aspectos aparentemente

contraditórios a si mesmo” (Oliveira, 1991).

O campesinato que foi criado no Brasil, desenvolveu-se no interior de uma sociedade

que fazia parte do capitalismo mercantil europeu e se formou nas periferias do

latifúndio escravista. É válido lembrarmos que o conceito de camponês é anterior e que

está relacionado à realidade vivida na idade média europeia. Há uma diferença

substancial dos camponeses europeus com os que tivemos e temos em nosso país, “a

heterogeneidade dos camponeses é indubitável” Shanin (2005), principalmente sobre a

sua mobilidade espacial. Como lembra Marques (2008), o camponês brasileiro recebe

denominações diferentes conforme a sua história e região de origem

[...] caipira em São Paulo, Minas Gerais e Goiás; caiçara no litoral paulista; colono ou caboclo no sul - dependendo de sua origem, imigrante ou não. O mesmo também acontecia com os grandes proprietários de terra, que eram conhecidos como estancieiros, senhores de engenho etc (MARQUES, 2008 p. 60).

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O conceito de camponês começa a ganhar destaque nas ciências sociais brasileiras a

partir da década de 1950, com o surgimento das Ligas Camponesas no nordeste

brasileiro. As Ligas camponesas evidenciaram como elementos da questão agrária

brasileira a grande concentração de terra, a extrema desigualdade social e as

transformações nas relações de trabalho. Com as políticas modernizantes, papel

protagonizado pelo Estado, há um aumento da complexidade da problemática da

questão agrária brasileira.

Existem duas correntes presentes na Geografia Agrária brasileira (Fernandes, s/d),

“sobre os momentos vividos pelo campesinato”. Uma defende o fim do campesinato,

afirmando que esse seria absorvido pelo capital, não havendo possibilidade de sua

existência. A outra corrente de pensadores defende a “metamorfose” do campesinato,

processo pelo qual passariam a ser integrados totalmente ao mercado tornando-se então

agricultores familiares.

É importante sinalizarmos sobre as diferenças ideológicas dos paradigmas. A primeira

corrente baseia-se na questão agrária e a segunda no capitalismo agrário. Essas duas

ideologias se pautam em questões estruturais que foram desenvolvidas pelo capitalismo.

Trabalhamos com o conceito de camponês, como propõe Shanin (1979) e Oliveira

(1991) entendendo que o camponês está inserido no modo de produção capitalista e a

sua reprodução no interior desse sistema acontece. É necessário lembrarmos que o

camponês sempre esteve aliado ao mercado e ao pensarmos diferente dessa perspectiva

estaremos distorcendo a realidade. Segundo Shanin (2005), O que realmente se quer dizer é que os camponeses representam uma especificidade de características sociais econômicas, que se refletirão em qualquer sistema societário em que operem. Quer dizer também que a história camponesa se relaciona com as histórias societárias mais amplas, não como seu simples reflexo, mas com medidas importantes de autonomia. Em poucas palavras, significa que uma formação social dominada pelo capital, que abarque camponeses, difere daquelas em que não existem camponeses [...]. Finalmente, e o que é mais importante, essas conclusões não são simplesmente um exercício de lógica, mas são centrais para estratégias de pesquisa e ação política, pois implicam que os camponeses e sua dinâmica devem ser considerados tanto enquanto tais, como dentro dos contextos societários mais amplos, para maior compreensão do que são eles e do que é a sociedade em que vivem (SHANIN, 2005, p. 14).

Afirmamos que o conceito de campesinato agrega em si a complexidade histórica de

luta, é ele que possui uma abordagem a qual amplia e consegue abranger as

transformações, que tem ocorrido no campo brasileiro. Bombardi (2003) sinaliza as

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[...] questões fundamentais nesta análise no sentido da compreensão do significado de trabalharmos com o conceito de camponês. A primeira delas, que já foi discutida, está no âmbito econômico, ou seja, no fato do campesinato ser compreendido como uma classe social deste modo de produção e ser por ele continuamente reproduzida. A segunda está no plano político, da luta camponesa pela terra, que é tão atual quanto antiga [...] (BOMBARDI, 2003, s/p).

Outra definição que devemos considerar é a dos movimentos camponeses. É importante

incluir nesse contexto o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e a Via

Campesina, já que os camponeses também se posicionam. Embora na Via Campesina

há pouco acúmulo teórico devido a sua recente trajetória na construção de um

movimento articulado em escala internacional. Vale ressaltar que a preocupação com os

conceitos não são temas da agenda cotidiana da Via Campesina, e seu esforço é de

trabalhar com temas concretos como ações de luta e enfrentamentos sobre a atual

estrutura de desenvolvimento produtivo. Para a Via Campesina (2009),

Una persona campesina es un hombre o una mujer de la tierra que tiene una relación directa y especial con la tierra y la naturaleza a través de la producción de alimentos y/o otros productos agrícolas. Las campesinas y campesinos trabajan la tierra por si mismos; dependen sobre todo del trabajo en familia y otras formas a pequeña escala de organización del trabajo. Las campesinas y campesinos están tradicionalmente integrados en sus comunidades locales y cuidan el entorno natural local y los sistemas agroecológicos. El término de campesino o campesina puede aplicarse a cualquier persona que se ocupa de la agricultura, ganadería, la transhumancia, las artesanías relacionadas com la agricultura u otras ocupaciones similares. Esto incluye a las personas indígenas que trabajan la tierra. El término campesino también se aplica a las personas sin tierra. De acuerdo con La definición [1] de la Organización para la Alimentación y la Agricultura de la ONU (FAO 1984), las siguientes categorías de personas pueden considerarse sin tierra, y es probable que se enfrenten a dificultades para asegurar sus medios de vida: 1.Familias de agricultores con poca tierra o sin tierra. 2.‐ Familias no agrícolas en áreas rurales, con poca tierra o sin tierra, cuyos miembros se dedican a diversas actividades como la pesca, la artesanía para el mercado local o la porción servicios; 3. Otras familias de trashumantes, nómadas, campesinos que practican cultivos cambiantes, cazadores y recolectores y personas con medios de subsistencia parecidos (DECLARACIÓN DE LOS DERECHOS DE LAS CAMPESINAS Y CAMPESINOS, 2009).

É fato que enquanto o agronegócio e o latifúndio se mantiverem no centro do poder

político e econômico, haverá “crises”, ou seja, o atual sistema produtivo excludente que

sujeita milhares de camponeses à condição de pobreza favorece a existência de

conflitos. Os camponeses estabelecem uma relação de subordinação com a sociedade

capitalista. Para Fernandes; Welch (2008)

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[...] Essa contradição: contribuição-destruição é mais bem compreendida quando a análise considera que o campesinato não é parte integrante do agronegócio. Ele é subalterno a este modelo de desenvolvimento pelo fato de não possuir poder para impor outro modelo na correlação de forças com o capital (FERNANDES; WELCH 2008, p. 48).

Concordamos com Shanin (1979), em que “os camponeses se levantam em momentos

de crise”. Esses momentos acontecem na falta de acesso a alimentos, a terra, a água e ao

trabalho, etc. Durante anos a principal estratégia de luta dos camponeses era somente a

ocupação de latifúndios improdutivos.

Toda essa luta tem como resultado a criação de assentamentos rurais que representam o

território da recriação e reprodução do campesinato brasileiro. Embora seja uma luta, na

maioria das vezes marcada pela violência física, psicológica e simbólica, e como último

recurso para silenciar essa luta vê-se como violência extrema o assassinato dos

camponeses. Afirmamos que o resultado hoje das políticas de assentamentos se deve a

luta dos camponeses. No processo de enfrentamento entre agricultura camponesa e capitalista, os assentamentos de reforma agrária destacam-se como importante território camponês (fração do território) em que as novas e antigas sociabilidades são reavivadas e recriadas com a conquista da terra. Nos assentamentos, ergue-se um conjunto de saberes e conhecimentos secularmente acumulados, ou seja, saberes que estavam sendo erodidos e perdidos com a expulsão e expropriação dos camponeses e que são recriados e recuperados como estratégias de existência pela resistência dos camponeses (FABRINI 2010 p. 82).

Este conceito de camponês agrega em si uma abordagem histórica de luta de classes e a

partir disso vamos nos direcionando para desvendar a verdadeira natureza dos conflitos

no campo. Os camponeses, o agronegócio e o latifúndio é a materialização dos

diferentes graus de desenvolvimento que estão presentes no campo e que devido a essa

diversidade é possível originar as disputas territoriais marcadas por uma intensa

conflitividade. Embora o agronegócio possua todos os recursos que o capitalista investe

para garantir o domínio do território, os camponeses partem para o enfrentamento, no

caso da RA, organizando-se em movimentos de luta pela terra, na busca da conquista do

território camponês.

Tipologias de assentamentos rurais RA e RAM

O que temos hoje em todo o país de assentamentos rurais de Reforma Agrária, foram

criados especialmente pela luta dos trabalhadores sem-terra. O processo de organizar as

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pessoas para participar dos movimentos sociais rurais e em construir coletivamente um

pensamento que eles podem por meio da luta conquistar a terra e viver de maneira digna

em seu lote é o que permite que milhares de pessoas pobres que vivem no campo e nas

periferias da cidade, possam engajar na luta e conquistar a terra.

O controle territorial exercido pelo agronegócio e/ou latifundiário é questionado pela

luta dos camponeses, que no pós-ditadura tem conseguido avanços em termos de terras

conquistadas. É preciso destacar que na Reforma Agrária existem diferentes formas de

obtenção dos assentamentos rurais. Em Minas Gerais existem desapropriação,

reconhecimento/regularização, compra, doação e transferência. No estado de Minas

Gerais a maioria é obtido por meio da desapropriação e regularização, primeiro devido a

luta pela terra realizada pelos camponeses, concentrando-se principalmente nas

Mesorregiões Geográficas do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Noroeste de Minas e

Norte de Minas, e segundo pela luta dos grupos remanescentes de quilombolas,

localizando-se principalmente na Mesorregião Norte de Minas.

Inúmeros conflitos envolvendo a posse da terra têm sido registrados nos últimos anos.

Atualmente, essas Mesorregiões Geográficas se destacam pelo número de movimentos

de luta pela terra, 17 ao longo dos últimos 22 anos. Como resultado dessa luta temos a

criação do território camponês que para Haesbaert (2006)

O território, enquanto relação de apropriação e/ou domínio da sociedade sobre o seu espaço, não está relacionado apenas à fixidez e à estabilidade (como uma área de fronteiras bem definidas), mas incorpora como um de seus constituintes fundamentais o movimento, as diferentes formas de mobilidade [...] (HAESBAERT, 2006 p. 118).

Nesse contexto, os territórios que anteriormente estavam nas mãos de capitalistas e

especuladores imobiliários aguardando o aumento da valorização das terras e nada

produzindo, após a criação dos assentamentos tornaram-se espaços de novas

sociabilidades e de produção de alimentos. A seguir apresentamos no Mapa 01 a

localização dos assentamentos rurais de Reforma Agrária.

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Por outro lado, a Reforma Agrária de Mercado – RAM é desenvolvida numa

perspectiva diferente, baseada na compra de terra. Ela surge para combater as crescentes

ocupações de terras lideradas pelos movimentos sociais rurais. No ano de 1997, foi

criado o Programa Cédula da Terra no Brasil, considerado um programa complementar

à Política Nacional de Reforma Agrária e que contou com o apoio do Banco Mundial,

Governo Federal e elites agrárias que articularam em nível local a implantação dessa

proposta. Em 2001, o nome do projeto de Cédula da Terra muda para Banco da Terra.

Para a criação dos assentamentos RAM não ocorre uma participação ativa dos

agricultores familiares no processo de negociação e implantação do assentamento. As

reuniões e até mesmo a organização das associações iniciais são articuladas por agentes

externos, ou seja, não agricultores e sim políticos, proprietários de terras e até pessoas

ligadas ao Banco Mundial e ao Banco do Brasil, interessadas em ofertar o

financiamento para a compra da propriedade. O tempo que eles esperam para ter acesso

a um lote da fazenda é relativamente rápido se compararmos com os assentamentos do

INCRA, em geral, dois, três até quatro meses, tomando como base o período que vai

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desde a formação da associação à escolha da propriedade a ser comprada e a liberação

dos recursos para financiamento da propriedade.

Na sequência iremos descrever as linhas de créditos que foram criadas pelas políticas e

programas da RAM. O Programa Cédula da Terra – PCT era uma linha de crédito em

que os beneficiários recebiam financiamento específico destinado à obtenção dos

recursos fundiários e implantação da infraestrutura básica; quanto ao Banco da Terra –

BT, o financiamento das terras se dá por meio do Fundo de Terras e da Reforma

Agrária; o Crédito Fundiário – CF surge para substituir o Banco da Terra; o Combate a

Pobreza Rural – CPR visava oferecer financiamento aos trabalhadores rurais sem terra,

pequenos produtores rurais com acesso precário à terra e proprietários de minifúndios –

imóveis cuja área não alcança a dimensão da propriedade familiar; a Consolidação da

Agricultura Familiar – CAF tinha por finalidade a aquisição de imóveis rurais, com as

benfeitorias já existentes e investimentos em infraestrutura básica e para o início da

produção; Nossa Primeira Terra/Consolidação da Agricultura Familiar foi criado para

atender a demanda de jovens sem-terra ou filhos de agricultores familiares, na faixa

etária de 18 a 28 anos que queiram permanecer no meio rural e investir em uma

propriedade, o objetivo desse programa era o de contribuir para a solução dos problemas

do ordenamento agrário que agravam o êxodo rural.

No estado de Minas Gerais, temos a criação dos assentamentos RAM nas Mesorregiões

Geográficas Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Noroeste e Norte de Minas, Vales do

Jequitinhonha e Mucuri, Zona da Mata e Sul de Minas. Ao espacializarmos a

localização desses assentamentos, observamos que duas Mesorregiões destacam-se,

Zona da Mata e Sul de Minas.

A forma como é promovida a reforma agrária através do Banco Mundial reproduz com

mais intensidade a pobreza e o caos no campo mineiro. Além disso, ocorre a

desarticulação dos movimentos de luta pela terra, e a geração da dívida que o camponês

adquire, precisando produzir para pagar. Portanto, a região onde se tem pouca ou

nenhuma atuação dos movimentos sociais, é também onde se concentra o maior número

de assentamentos de Reforma Agrária de Mercado. Na sequência, apresentamos o mapa

de localização dos assentamentos RAM em Minas Gerais.

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A organização do espaço rural das Mesorregiões Zona da Mata e Sul de Minas foi

essencialmente constituída por pequenas propriedades rurais, colaborando assim para o

sucesso da implantação do projeto. Além disso, outro ponto importante é a ideologia de

que por meio do acesso à terra os problemas dessas pessoas serão resolvidos, o que é

muito presente no discurso dos responsáveis da articulação do projeto, mas o que

efetivamente acontece é a geração de mais dificuldades.

Desse modo, há um controle do Banco Mundial nesses territórios, pois o poder

econômico está incorporado ao processo de dominação e subordinação dos

trabalhadores ao capital. A ideia de produzir para poder atender ao mercado e quitar a

dívida é o elemento básico do dia a dia dos assentados por esse projeto.

A seguir apresentamos o Gráfico 01, que representa o número de assentamentos RA e

RAM por período de governo.

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Org.: FREITAS, R. L., 2012. Fonte: DATALUTA Anteriormente ao governo de José Sarney, tínhamos passado pelo período da ditadura

militar (1964-1985). O governo militar não tinha a realização da reforma agrária como

pauta de seus governos.

Depois do golpe militar de março de 1964, a pressuposição da revolução camponesa apareceu claramente na justificativa da raivosa repressão que se desencadeou sobre os trabalhadores do campo, particularmente os das Ligas Camponesas, sobre as lideranças sindicais e até mesmo sobre os partidos políticos que, especificamente a respeito tinham posição vacilante. As brutalidades cometidas por fazendeiros e a manipulação da CIA, e as sádicas e espantosas agressões cometidas [...] são algumas das indicações a respeito (MARTINS 1981 p. 93).

Durante o período do governo de José Sarney, temos a criação do 1º Plano de Reforma

Agrária, que em essência, restringiu-se a uma política paliativa de assentamentos e de

busca de alívio das tensões sociais no campo.

É possível afirmarmos que este 1° Plano foi implementado por meio de uma política de

modernização conservadora do setor agropecuário. Como todas as políticas anteriores,

esta baseava-se num modelo excludente, que visava ao crescimento da monocultura

para exportação, concentrando tanto a terra como a renda no campo. Importante

destacar que esse 1° Plano objetivava colocar em prática o Estatuto da Terra, indicando

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como programas do processo de reforma agrária, principalmente a desapropriação. No

entanto, pressões políticas da União Democrática Ruralista-UDR impediram que a

desapropriação de terras fosse realizada.

No governo de Collor/Itamar, temos um retrocesso no que se refere à criação de

assentamentos rurais. Continua a política de repressão e violência contra os camponeses

e para resolver assuntos relacionados à reforma agrária, em 1990 foi criada a Secretaria

Nacional de Reforma Agrária, que passava a ser gestora de várias funções que até então

eram delegadas ao INCRA. Em 1991, o governo extinguiu a Secretaria e, a partir daí, o

INCRA voltou a ser o único órgão a cuidar da reforma agrária, estando, contudo,

diretamente subordinado ao Ministro da Agricultura e Reforma Agrária.

No primeiro mandato de FHC, um fato repercutiu nacional e internacionalmente. Em

abril de 1996, 19 sem-terra morreram durante um confronto com a Polícia Militar

devido a um bloqueio realizado pelos camponeses, que exigiam do Poder Público

resposta às famílias acampadas; isso aconteceu no município de Eldorado dos Carajás,

no Pará. O caso ganhou repercussão internacional, e o presidente Fernando Henrique

Cardoso se viu pressionado a realizar desapropriações de terras em todo o Brasil, e

como resultado isso refletiu no estado mineiro. É no primeiro mandato de FHC que

ocorre a implantação dos assentamentos de Reforma Agrária de Mercado.

No segundo mandato de FHC a política que predominou foi a RAM, embora tivemos

em Minas Gerais assentamentos criados pela RA. É neste momento que o MST muda

sua estratégia de luta, antes a ação principal do movimento era a ocupação de

latifúndios, a partir de 1998 passa a ser também as manifestações. Antes, exigia terras

para semear. Agora, além de terras, pretende discutir as condições dos financiamentos

que o governo lhe proporciona. Como tem mostrado os resultados apresentados por

Cleps Jr. (2010), em que nos últimos anos

[...] foram registrados diversos atos em favor da Reforma Agrária e outros protestos contra a violência, ou pedindo a desapropriação, ou regularização de terras, renegociação de dívidas, incentivo à pequena produção, em defesa da soberania alimentar, contra a privatização da água e a construção de barragens e em defesa do meio ambiente. Estes atos culminaram em ocupações de prédios públicos, acampamentos, caminhadas, passeatas e bloqueios de ferrovia, balsa e rodovias. Também foram registrados diversos atos pelo país contra a impunidade, a injustiça e a violência no campo (p. 139).

Os dados nos mostram que neste segundo mandato o número de assentamentos RAM

foi o dobro de assentamentos da RA. A política que se desenvolveu foi a da não

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desapropriação e sim a de compra de terras financiada pelo Banco Mundial, para

impedir os conflitos (que ocorresse desapropriações) entre camponeses e latifundiários.

No primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a esperança dos movimentos de luta

pela terra é que se efetivasse a reforma agrária neste país, no entanto, o que houve foi

um retrocesso no número de assentamentos criados. Continuou inalterada a política de

financiamento de terras pelo Banco Mundial, mudando o nome de alguns programas e

criando novas linhas de crédito.

Em relação a RA, um instrumento passa a fazer parte dos números do governo Lula, a

regularização fundiária ou reconhecimento. Desse total de 107 assentamentos criados,

28 foram obtidos por regularização fundiária. Esses dados de fato revelam que nesse

período há um decréscimo do número de assentamentos criados pela RA.

Para o segundo mandato do governo Lula permanece o ritmo de decadência do número de

criação de assentamentos rurais. Os movimentos, entidades e intelectuais, afirmam que o

governo Lula em seus oito anos de mandato não realizou a reforma agrária e sim apenas

deu continuidade à política distributiva de terras em áreas especialmente de conflitos.

No governo Dilma, a Reforma Agrária apresenta o pior resultado dos últimos 16 anos.

Os números comprovam que a execução da Reforma Agrária não é prioridade do

governo atual, e o que tem sido feito de criação de assentamentos é em sua maioria

obtida por regularização.

Considerações finais

Neste trabalho procuramos analisar a tipologia de assentamentos rurais existentes no

estado de Minas Gerais, uma vez que esta expressa os conflitos entre campesinato,

latifúndio e agronegócio na disputa por terras.

Os mapas demonstram que nas regiões de expansão e controle territorial pelo

agronegócio, Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e Noroeste de Minas por exemplo, é

onde predominam os assentamentos de RA, devido principalmente às ações dos

movimentos sociais a partir das ocupações de terras em confronto contra as grandes

propriedades.

Entendemos a criação dos assentamentos rurais como uma resposta aos conflitos

agrários; depois de uma ocupação de terra, são anos de espera até que o assentamento

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seja criado, e essa demora é muitas vezes o fator que faz do pequeno produtor desistir, e

se inserir nos programas de Reforma Agrária de Mercado.

Em contrapartida, os assentamentos da RAM, pela perspectiva capitalista da compra da

terra, concentram-se nas regiões mineiras com menor atuação dos movimentos sociais,

até mesmo por se tratar de uma estratégia em amenizar os conflitos do campo. Mesmo

que famílias sejam assentadas e tenham acesso à terra para cultivo e trabalho, os

assentamentos do tipo RAM acabam por gerar o endividamento do pequeno produtor, e

não traz melhorias para essa referente população, que produz para pagar suas dívidas. A

Reforma Agrária de Mercado se tornou uma medida mais interessante ao governo, que

diz atender à população do campo que reivindica o acesso à terra, mas sem interferir ou

prejudicar as elites econômicas através das desapropriações da Reforma Agrária, como

muitos estudiosos já demonstraram. Ocorre de fato uma redução no papel do Estado, e a

maior participação dos bancos financiadores.

Vemos que a criação do assentamento rural é apenas a primeira medida. Os assentados

necessitam de apoio técnico e financeiro para produzir, e isso são ações que compete ao

governo proporcionar. São fatores que os próprios movimentos sociais do campo

apontam, pois não são realizadas apenas ocupações de terras, reivindicam também, por

meio das manifestações, melhores condições de produção e financiamento, exigem dos

governos estaduais a assistência técnica prometida. Tudo isso são fatores que

demonstram que a Reforma Agrária é necessária e fundamental para o desenvolvimento

efetivo do campo brasileiro.

Referências

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