Atualidade de Marx para entender o trabalho na comunicação e na cultura

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67 Vol. 17, nº 1, janeiro-abril 2015 Entrevista Atualidade de Marx para entender o trabalho na comunicação e na cultura Christian Fuchs Professor do Instituto de Pesquisa em Comunicação e Media da Universidade de Westminster. É editor da revista TripleC: Communication, Capitalism & Critique (http://www.triple-c.at), cofundador do ICTs e da So- ciety Network (http://icts-and-society.net/), presidente da European Sociological Association’s Research Ne- twork 18 – Sociology of Communications and Media Research (http://www.europeansociology.org/resear- ch-networks/rn18-sociology-of-communications-and- media-research.html), e vice-presidente da EU COST Action Dynamics of Virtual Work (http://dynamicsofvir- tualwork.com/). Website: http://fuchs.uti.at, Twitter @ fuchschristian, Blog: http://fuchs.uti.at/blog Por Roseli Figaro Coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunica- ção e Trabalho da ECA-USP, com a colaboração dos pesquisadores Rafael Grohmann, Claudia Rebechi e Alexandre Suenaga. Entrevista realizada em setembro de 2014.

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Artigo do christian fuchs

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    Vol. 17, n 1, janeiro-abril 2015

    Entrevista

    Atualidade de Marx para entender o trabalho na comunicao e na cultura

    Christian FuchsProfessor do Instituto de Pesquisa em Comunicao e Media da Universidade de Westminster. editor da revista TripleC: Communication, Capitalism & Critique (http://www.triple-c.at), cofundador do ICTs e da So-ciety Network (http://icts-and-society.net/), presidente da European Sociological Associations Research Ne-twork 18 Sociology of Communications and Media Research (http://www.europeansociology.org/resear-ch-networks/rn18-sociology-of-communications-and-media-research.html), e vice-presidente da EU COST Action Dynamics of Virtual Work (http://dynamicsofvir-tualwork.com/). Website: http://fuchs.uti.at, Twitter @fuchschristian, Blog: http://fuchs.uti.at/blog

    Por Roseli FigaroCoordenadora do Centro de Pesquisa em Comunica-o e Trabalho da ECA-USP, com a colaborao dos pesquisadores Rafael Grohmann, Claudia Rebechi e Alexandre Suenaga.

    Entrevista realizada em setembro de 2014.

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    Como a globalizao e a cultura digital esto implementando novas relaes de trabalho?

    A Internet e a globalizao esto inseridas no capitalismo, no imperialismo e na diviso internacional do trabalho. Como resultado, as relaes de trabalho existentes so transformadas e outras emergem com a aparncia de novas, mas so tambm relaes de classe. Falamos da existncia de uma diviso interna-cional do trabalho digital que envolve vrias formas de trabalho, como o traba-lho assalariado, o trabalho no assalariado, trabalho precrio, trabalho escravo, trabalho agrcola, trabalho industrial, trabalho que produz contedo informa-cional, etc. O computador e a informatizao so fenmenos universais que podem afetar todas as dimenses do trabalho: a oferta de fora de trabalho pelos(as) trabalhadores(as), a procura do capitalista pela fora de trabalho, a relao contratual entre eles, os meios de produo (os objetos e instrumentos de trabalho), os produtos que os trabalhadores criam, a distribuio desses pro-dutos e o consumo. Eu tenho caracterizado e teorizado a diviso internacional do trabalho digital em meus livros1.

    O ponto que a diviso internacional do trabalho digital apenas outra expres-so da explorao capitalista pelo mundo todo. E a explorao no nova, mas to antiga quanto a sociedade de classes. E a luta contra a explorao continua sendo importante.

    Em seu livro Social Media: a critical introduction, um de seus pressupos-tos focaliza que, conceitualmente, Marx inventou a Internet. Voc afirma que nos Grundrisse, Karl Marx j havia antecipado as ideias de social ne-tworking, de networked information e de hypertext of global information. Esse seu ponto de vista certamente contraria reconhecidos estudiosos das Cincias Humanas que, embasados nos fundamentos de uma sociedade ps-moderna, consideram o pensamento de Marx datado. Diante disso, quais so os princi-pais argumentos que podem mostrar a plausibilidade de seu ponto de vista em contraponto queles que compreendem a racionalidade da Internet como algo essencialmente indito?

    Autores como Jean Baudrillard ou Marshall McLuhan afirmam que Marx no ti-nha nada importante a dizer sobre as tecnologias da comunicao. Eles e muitos outros pensadores burgueses querem criar a impresso de que Marx obsoleto na era da informao e da comunicao. Na minha perspectiva, tais afirma-es so completamente falsas e servem apenas s propostas ideolgicas do pensamento burgus. Marx desenvolveu um entendimento dialtico da tecno-logia, por exemplo no Livro I de O Capital2, no captulo Maquinaria e grande indstria, e no Grundrisse3, no chamado Fragment on Machines. A partir deles, ns podemos aplicar esse entendimento dialtico da tecnologia tambm

    1. Digital Labour and Karl Marx (2014), Culture and Economy in the Age of Social Media (2015), e em um artigo na revista Political Economy of Com-munication: http://www.polecom.org/index.php/polecom/article/view/19

    2. Conferir em Marx, Karl. O Capital. Livro I. cap. 13. Maquinaria e grande in-dstria. So Paulo: Boitem-po, 2013, p.445-577.

    3. Em portugus do Brasil, Grundisse, de Marx, so escritos do autor conheci-dos tambm como Esboos da crtica da economia po-ltica, e esto organizados em dois captulos: Captulo do dinheiro e Captulo do Capital, distribudos em 7 cadernos. Tanto em por-tugus quanto na edio do Fondo de Cultura Eco-nomica, em lngua espa-nhola, no h exatamente um subttulo denominado como em ingls referido por Fuchs.

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    na tecnologia contempornea. Marx, alm disso, no era apenas um excelente acadmico e poltico, mas tambm um excelente jornalista. Seus trabalhos como jornalista so modelos fundamentais para o jornalismo crtico atualmente. Infe-lizmente grande parte do jornalismo hoje carece de uma atitude crtica frente ao capitalismo. Seria de grande ajuda se os jornalistas lessem os escritos jorna-lsticos de Marx. Ele tambm deu muita ateno ao papel das comunicaes no capitalismo e na globalizao. Ele falou do contexto dos meios de comunicao e analisou especialmente o papel do telgrafo que na poca era um novo meio. E ele conceitualmente inventou a Internet no Grundrisse, como eu argumento no livro: Social Media: A Critical Introduction (2014).

    H tambm uma carncia de ateno mdia, comunicao, cultura e ao digital na produo terica marxista contempornea. J se passaram 37 anos desde que Dallas Smythe publicou sua tese seminal Communications: Blinds-pot of Western Marxism[Comunicaes: ponto cego do marxismo Ocidental], em 1977. E esse ponto cego ainda existe na teoria marxista. Quase todas as conferncias marxistas sobre teoria econmica tem pouco foco em mdia, comu-nicao, cultura e no digital. como se a maioria dos marxistas pensassem que esses fenmenos so apenas superestruturais, mas em verdade eles so partes importantes da realidade material do capitalismo. Tomem David Harvey como exemplo. Nos anos de 1970, ele no gostava da predominncia do conceito de tempo de trabalho na teoria marxista. Ento, ele trabalhou com geografia mar-xista e chamou a ateno dos marxistas para a noo de espao. Mas o foco no espao e na globalizao, assim como a geografia marxista, se tornou hoje uma nova ortodoxia que negligencia aspectos da comunicao. Harvey publicou at agora dois livros de apoio a O Capital, de Marx: um para o Volume 1 e outro para o Volume 2. Tenho certeza de que existe um para o Volume 3 sendo feito neste momento. Esses livros so, no meu ponto de vista, muito mais introdues geografia marxista de David Harvey do que trabalhos marxistas propriamente ditos. Ao menos o que sinto na maioria dos captulos. No h nada de errado com essa abordagem, mas ento o ttulo do livro deveria ser A interpretao de David Harvey sobre O Capital de Marx e no Livro de apoio para ler O Capital de Marx. No entanto, meu ponto principal de crtica que Harvey novamente no aborda a questo da comunicao, da cultura e da mdia em Marx e no salienta para o leitor como Marx importante para o entendimento desses fe-nmenos. Dados os pontos cegos da comunicao e mdia na [interpretao da] teoria marxista, eu atualmente trabalho em um novo livro chamado Reading Marxs Capital Volume 1 in the Information Age. A Media and Communication Studies-Perspective. um guia captulo-a-captulo e um livro de apoio para o Volume 1 de O Capital de Marx que pode ser lido por aqueles interessados em Marx e em comunicao/cultura/mdia/digital. Ns precisamos de estudos marxistas sobre mdia e comunicao, assim como precisamos dar mais ateno mdia e comunicao na teoria marxista. Eu encaro meu prprio trabalho como uma contribuio para ambos os campos. uma combinao de teoria

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    marxista e teorias da comunicao, da mdia, da cultura e do digital, uma fuso do marxismo e os estudos em comunicao e mdia.

    Em alguns de seus estudos voc explica que a relao entre diverso/entrete-nimento e trabalho (playlabour / ou playbour) assumida por empresas como a Google, por exemplo, uma estratgia de controle de seres humanos com o propsito de melhoria da produtividade e de acumulao do capital. Ao mesmo tempo, trata-se de uma ideologia que enaltece a democratizao do trabalho e, assim, procura criar uma expresso ilusria de que ns vivenciamos um mo-mento histrico sem alienao e sem explorao do trabalho. Tendo em vista essa anlise, quais usos da comunicao so feitos para reiterar essa lgica?

    A Internet e as tecnologias de comunicao mvel so um espao de organi-zao do play labour. Pense no Facebook: para a maioria de ns, usar o Face-book uma forma divertida de comunicao que nos ajuda a ficar e entrar em contato com outros. Assim, no nvel de valor de uso, o Facebook sem dvidas um meio social que nos ajuda a nos comunicar com outros. Porm, por trs desse carter social, se esconde o insocivel, a lgica particular da propriedade privada e da mercadoria: dados pessoais so transformados em commodity e vendidos para anunciantes. Google e Facebook so as maiores anunciantes do mundo e, de fato, ambas so companhias muito lucrativas. difcil para os usu-rios perceberem que ao fazerem uso dessas mdias esto trabalhando e que so explorados porque est em jogo um fetichismo inverso da mercadoria (esta forma de fetichismo da mercadoria descrita no captulo 11 do Digital Labour and Karl Marx): o carter social e divertido esconde o papel do trabalho, da classe, da mercadoria e da explorao. Ao mesmo tempo isso vem junto com ideologias que as empresas de comunicao usam para nos dizer que a mdia social apenas conexo, engajamento e participao. Eu chamo essa ideologia de ideologia do engajamento/conexo/compartilhamento4.

    De que forma a comunicao participa da vigilncia do lugar de trabalho e da vigilncia da fora de trabalho, os quais, conforme voc afirma, so mtodos que controlam trabalhadores a fim de assegurar que criem valor e mais valia no seu tempo de trabalho? E quais so as formas ou as possibilidades de resis-tncia dos trabalhadores frente s tecnologias da comunicao, empregadas nesses tipos de vigilncia?

    O capitalismo requer ambas as vigilncias: da corporao e do Estado. A vigiln-cia da comunicao no algo novo ou existe apenas agora, embora desde 11 de setembro, como Edward Snowden mostrou, essa vigilncia tenha sido esten-dida, intensificada e justificada pela ideologia que diz que a vigilncia ajudar

    4. Conferir no captulo 7 do livro Culture and Eco-nomy in the Age of Social Media, a ser lanado em 2015.

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    a vencer o terrorismo. A vigilncia econmica dos candidatos a empregos, dos trabalhadores, do espao de trabalho, dos competidores, da propriedade e dos consumidores um aspecto necessrio do capitalismo, uma forma especfica de controle. Marx j havia descrito essas formas de vigilncia como parte do capi-talismo, como eu demonstrei no artigo Como podemos definir vigilncia?, publicado pela Revista MATRIZes, em 2011, http://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/38311/41154. Outro artigo que trata do tema Political economy and surveillance theory, publicado em 2012, na Critical Sociology 39. O compu-tador e as bases digitais de dados permitem coletar, armazenar, processar, ana-lisar e entrecruzar dados e tornou-se tambm mtodo de vigilncia. O que pode ser feito contra a vigilncia? Ela deveria ser entendida como uma caracterstica inerente ao capitalismo. As lutas da classe trabalhadora, em suas diferentes for-mas, deveriam fazer da vigilncia um dos atributos para o aumento de salrio, para o salrio mnimo, para as horas de trabalho e para a renda bsica, etc. As regulaes de como e em que medida os capitalistas esto autorizados a fazer uso da vigilncia econmica varia de pas para pas. E com frequncia eles se utilizam de formas de vigilncia ilegais. O problema que a vigilncia tende a ser encoberta e aqueles que so vigiados no sabem como ela feita. Por isso, difcil detectar que se est sob vigilncia. Na minha perspectiva, importante que os sindicatos, os partidos de esquerda e os movimentos lutem por limites vigilncia de trabalhadores, consumidores e indivduos. Ns, no entanto, ne-cessitamos vigiar mais o capital, porque as corporaes e os ricos fazem todo o possvel para esconder suas fortunas, evitam pagar impostos, deslocalizam suas fortunas, rendas e lucros para parasos fiscais, etc. o que resulta em um aumento da desigualdade em nvel mundial. Os capitalistas exigem privacidade financei-ra, mas querem monitorar os trabalhadores, os indivduos e os consumidores o tanto quanto podem. Ns precisamos diretamente inverter essa lgica: necessi-tamos vigiar as corporaes e socializar [expandir] a privacidade para os traba-lhadores e consumidores. Eu chamo isso de conceito socialista da privacidade5.

    Em geral, as abordagens tericas que conferem ateno ao carter comunicati-vo do trabalho conseguem responder pergunta comunicao trabalho?

    Para Marx, trabalho [work] a criao de bens e servios para satisfazer as ne-cessidades humanas e o trabalho alienado [labour] conduz a relaes de classe. Se a comunicao uma necessidade humana, ento trabalho. Comunicao , em suas vrias formas, incorporada mercantilizao e alienao e, assim, torna-se trabalho [labour]6. Defendo que precisamos de uma abordagem cultu-ral-materialista inspirada por Raymond Williams com o intuito de entender a re-lao entre cultura e economia, comunicao e trabalho, ideologia e trabalho.

    5. Conferir o artigo Fuchs, Christian. Journal of Infor-mation, Communication and Ethics in Society, 2011. E tambm em Towards an alternative concept of privacy. Journal of Infor-mation, Communication and Ethics in Society 9 (4): 220-237.

    6. Esse um assunto com-plexo que o autor analisa em mais detalhes no livro Culture and economy in the age of social media (2015).

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    O que voc entende por trabalho cultural e por trabalho comunicacional?

    O primeiro captulo de meu livro Culture and economy in the age of social me-dia (2015) dedicado a essa questo. De um lado, h pesquisadores que tm uma compreenso limitada sobre o trabalho cultural e apenas incluem nessa definio os criadores de smbolos e contedos. A abordagem de David Hes-mondhalgh um exemplo. Por outro lado, h estudiosos como Vincent Mosco e Catherine McKercher, que em seu livro, The laboring of communication, de-finem trabalho cultural e comunicacional no apenas por aqueles que, no caso de bens culturais, como os autores, escrevem um livro, mas tambm por aqueles que imprimem esse livro. Sem os grficos, designers, editores e revisores, o livro no poderia existir. Eles so tal como os escritores explorados por empresas de comunicao capitalistas. Se voc pensar em algo como a Amazon, onde os leitores so convidados a escrever resenhas de livros, sem pagamento, torna-se evidente que hoje em dia consumidores/leitores tambm se tornam escritores e prossumidores que esto enredados na produo capitalista.

    Autores como Henry Jenkins e Clay Shirky dizem que a Internet um lugar privilegiado da cultura da participao. Para voc, o que uma verdadeira cultura da participao na Internet?

    O ponto que Jenkins e outros autores entendem participao como consumi-dores e usurios fazendo coisas na Internet a na mdia7. A mudana da comu-nicao de massa para o contedo gerado pelos usurios e pelo envolvimento dos fs definida como participao. Isto , de um lado, um conceito apolti-co de participao e, de outro, uma tentativa dos autores que amam a cultura comercial, os videogames, os reality shows, etc. de nos contar que h algo de progressista no capitalismo e na cultura popular mercantilizada. Eles terminam por fazer uma celebrao do capitalismo. O meu conceito de participao, cul-tura participativa, tecnologia participativa e internet participativa diferente. um conceito socialista que se volta para a noo de democracia participativa advinda da teoria poltica que v todos os domnios da vida como polticos e quer estender a participao democrtica de base a todos as esferas. Os pases capitalistas que afirmam serem democracias liberais, na verdade, so ditaduras econmicas no h democracia no local de trabalho. A democracia participa-tiva defende o controle das bases da economia. Em termos de mdia, cultura e comunicao, isso significa que uma cultura participativa e a comunicao par-ticipativa no vm junto com a forma mercadoria e o capitalismo. A cultura e a comunicao participativa no so algo que j conseguimos, mas algo pelo qual devemos lutar. So parte da luta pelo socialismo democrtico.

    7. O autor trata dessas questes em detalhe no captulo 7 do livro Foun-dations of critical media and information studies (2011) e nos captulos 3 e 5 do livro Social Media: a critical introduction (2014).

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    A pesquisadora Ursula Huws entende que o trabalho criativo ocupa uma posi-o contraditria nas economias globais, pois, de um lado, as empresas preci-sam equilibrar sua insacivel necessidade de ideias inovadoras com a tentativa de controlar a propriedade intelectual e de gerenciar a fora de trabalho criati-va. Por outro lado, os trabalhadores considerados criativos precisam encontrar um equilbrio entre o desejo de se expressar e o reconhecimento disso e a necessidade de ganhar a vida. Em face a esse cenrio, de que forma a comu-nicao digital aparece na configurao do trabalho criativo na sociedade capitalista?

    Estudos empricos tm mostrado que muitas formas de trabalho informacional possuem essa ambivalncia. Aqueles que realizam esse trabalho gostam do seu contedo e se identificam com ele. Mas, ao mesmo tempo, eles enfrentam con-dies precrias de trabalho, com longas horas de trabalho, baixa renda, falta de seguridade social, falta de sindicatos que os representem, etc. Muitos deles so freelancers precrios. O precariado parte do proletariado contemporneo. E para as mulheres a situao ainda pior que para os homens. Os meios digi-tais so, para muitos profissionais da informao, o principal meio de produo. Existem, certamente, formas montonas e repetitivas de trabalho informacio-nal. Pense em uma pessoa que trabalha em um call center que vende alguns produtos superfaturados de pssima qualidade telefonando para as pessoas, mentindo para elas e tentando convenc-las de que elas devem comprar aquela porcaria. Ningum gosta disso, mas alguns so obrigados a realizar trabalhos to horrveis. Em contraste, se voc pensar no trabalho de artistas, msicos, de-signers, etc., ento a identificao e fruio com esse trabalho tende a ser mui-to maior, embora haja tambm uma tendncia de industrializar tal trabalho. Enfim, a ambivalente do trabalho cultural devido terceirizao neoliberal e capitalista do trabalho, reduo dos custos de trabalho, a fim de maximizar os lucros, privatizar os riscos, transformar o trabalho assalariado em trabalho freelance, etc. A luta contra o trabalho precrio deve ser vista como parte da luta contra o capitalismo. Como um passo que necessrio, mas no suficiente, precisamos de uma renda bsica para todos os trabalhadores culturais que seja financiada pela taxao do capital.

    Em Digital Labour and Karl Marx, voc elabora uma agenda de pesquisa para estudos crticos na rea de Internet, com dez itens. Em qual/quais voc mais tem avanado?

    Digital Labour and Karl Marx uma anlise marxista de estudos de caso de trabalho: o trabalho dos mineradores de extrao de matrias-primas que for-mam as bases materiais das tecnologias de comunicao (captulo 6), trabalha-dores da rea de montagem da Foxconn na China (captulo 7), engenheiros de

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    software na ndia (captulo 8), trabalhos de software e hardware no Vale do Silcio (captulo 9), trabalhos de call center (captulo 10), trabalho digital em re-des sociais (captulo 10). Eu mostro, com esses exemplos, a importncia de Marx para compreendermos e criticarmos a explorao no trabalho digital. Mas, de fato, no h somente essas formas de trabalho digital. H 1728 formas lgicas de trabalho digital. Precisamos analisar todas as formas de trabalho digital8. Precisamos de um programa marxista interdisciplinar para analisar e estudar o trabalho digital. Mais e mais pessoas estudam o trabalho digital, e alguns deles usam a teoria marxista para isso. Mas nos estudos de mdia, comunicao e cultura, o trabalho ainda uma questo minoritria. Mais pessoas devem se engajar em tais estudos e utilizar a teoria marxiana e marxista para isso.

    A revista tripleC: Communication, Capitalism & Critique, que eu e Marisol San-doval editamos, um espao para os estudos marxistas de trabalho digital e outras formas de trabalho comunicacional. Acabamos de publicar uma edio especial9 que apresenta 13 artigos com um total de 350 pginas com foco em como teorizar sobre o trabalho digital. Eu recomendo aos interessados nos es-tudos sobre o trabalho digital ler esses artigos. Em 2012, eu e Vincent Mosco co-editamos uma edio especial na revista Marx is Back: The Importance of Marxist Theory and Research for Critical Communication Studies Today10. Mais e mais pessoas utilizam a abordagem marxista para estudar mdia, comunicao e o digital. Mas, ao mesmo tempo, tericos marxistas nos campos da cultura e da comunicao ainda so discriminados em termos de poder institucional, de financiamento, de visibilidade no pblico acadmico e geral, etc.

    Voc participa ou conhece alguma rede internacional de pesquisa sobre comu-nicao e trabalho? O que voc acha da proposta?

    H vrios espaos interessantes que tentam tornar visveis os estudos marxistas nas reas de comunicao, cultura, mdia e do digital. H a revista Triple C: Communication, Capitalism & Critique (http://www.triple-c.at), que aceita sub-misses que utilizem a teoria marxista para estudar comunicao, cultura, mdia e o digital. H redes de pesquisa, como a ICTs & Society Network (http://www.icts-and-society.net), que organizou quatro conferncias e possui uma lista de discusses, onde qualquer interessado em estudos marxistas das tecnologias da informao bem-vindo (para assinar, http://icts-and-society.net/subscribe-mailing-list/). Estamos preparando a 5 Conferncia The Internet and Social Media at a Crossroads: Capitalism or Commonism? Perspectives for Critical Po-litical Economy and Critical Theory, que ser em Viena, na ustria, de 03 a 07 de junho de 2015.

    H a European Sociological Associations Research Network 18 (RN18) Socio-logy of Communications and Media Research (http://www.europeansociology.

    8. O autor argumentou sobre esse tema nos cap-tulos 1 e 6 de Culture and economy in the age of so-cial media, bem como no artigo Digital Workers of the World Unite! A Fra-mework for Critically The-orising and Analysing Di-gital Labour (http://www.triple-c.at/index.php/tri-pleC/article/view/549), que escreveu com a colega Ma-risol Sandoval.

    9. Intitulada Philosophers of the World Unite! Theo-rising Digital Labour and Virtual Work - Definitions, Dimensions and Forms (http://www.triple-c.at/index.php/tripleC/issue/view/29) editada por Ma-risol Sandoval, Chrisitan Fuchs, Jernej A. Prodnik, Sebastian Sevignani, e Thomas Allmer.

    10. Conferir em (http://www.triple-c.at/ index.php/tripleC/issue/view/25), essa edio contou com 29 artigos, com 500 pginas.

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    org/research-networks/rn18-sociology-of-communications-and-media-research.html), que organiza uma conferncia por ano e tem uma lista de discusso com foco em estudos crticos em mdia e comunicao (para assinar http://lists.jaco-bs-university.de/mailman/listinfo/esa-rn18). A conferncia do prximo ano far parte do grande congresso da Associao Sociolgica Europeia, em Praga, de 25 a 28 de agosto de 2015. O nosso grupo ter como tema geral Sociologia crtica da mdia hoje

    H tambm a EU COST Network Dynamics of Virtual Work (http://dynamicso-fvirtualwork.com/), que organiza uma srie de workshops, conferncias e even-tos de doutoramentos. Ela acabou de organizar uma conferncia na Universida-de de Hartfordshire, cujo foco estava nas pesquisas sobre trabalho virtual. H a seo de Economia Poltica na International Association of Media and Commu-nication Research (IAMCR) (http://iamcr.org/s-wg/section/political-economy-section), que h dcadas organiza um painel como parte do congresso anual.

    Estes so alguns exemplos de instituies que tentam promover estudos mar-xistas nas reas de Internet, meios digitais, comunicao, cultura e mdia. Estou certo de que na Amrica Latina e Amrica do Sul, instituies como a revis-ta Eptic e a Unio Latino-americana de Economia Poltica da Informao da Comunicao e da Cultura - Ulepicc tambm esto dando contribuies muito importantes, pois oferecem possibilidades que vo alm do foco em ingls, que tambm necessrio. O ingls certamente , dentro da academia, a linguagem que a maioria das pessoas capaz de compreender, a fim de obter mais visibi-lidade. No entanto, necessrio que a economia poltica da comunicao e da cultura seja transmitida e publicada em quantas lnguas for possvel.