AUGUSTO JOSÉ SAVEDRA LIMArepositorio.ifam.edu.br/jspui/bitstream/4321/330/1... · 2019. 11....

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO AMAZONAS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO TECNOLÓGICO AUGUSTO JOSÉ SAVEDRA LIMA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA À LUZ DO LETRAMENTO: REFLEXÕES E PROPOSTA Manaus AM 2019

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  • INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO AMAZONAS

    PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

    MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO TECNOLÓGICO

    AUGUSTO JOSÉ SAVEDRA LIMA

    FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA

    PORTUGUESA À LUZ DO LETRAMENTO: REFLEXÕES E

    PROPOSTA

    Manaus – AM

    2019

  • 1

    AUGUSTO JOSÉ SAVEDRA LIMA

    FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA

    PORTUGUESA À LUZ DO LETRAMENTO: REFLEXÕES E

    PROPOSTA

    Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em

    Ensino Tecnológico do Instituto Federal de Educação,

    Ciência e Tecnologia do Amazonas para a obtenção do

    título de Mestre em Ensino Tecnológico, sob orientação

    do prof. Dr. Nilton Paulo Ponciano e coorientação da

    profa. Dra. Marta de Faria e Cunha Monteiro.

    Área de Concentração: Processos e Recursos para o

    Ensino Tecnológico.

    Linha de Pesquisa: Processos Formativos de Professores

    no Ensino Tecnológico.

    Manaus – AM

    2019

  • Elaborada por Márcia Auzier CRB 11/597

    L732f Lima, Augusto José Savedra.

    Formação continuada de professores de língua portuguesa à luz do

    letramento: reflexões e proposta. / Augusto José Savedra Lima. – 2019.

    182 p. : il.

    Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino Tecnológico). – Instituto

    Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Campus Manaus

    Centro, 2019.

    Orientador: Prof. Dr. Nilton Paulo Ponciano.

    Coorientadora: Profa. Dra. Marta de Faria e Cunha Monteiro.

    1. Ensino tecnológico. 2. Formação continuada. 3. Letramento. 4.

    História oral. I. Ponciano, Nilton Paulo. (Orient.) II. Monteiro, Marta de

    Faria e Cunha. (Coorient.) III. Instituto Federal de Educação, Ciência e

    Tecnologia do Amazonas. IV. Título.

    CDD 371.33

  • 4

    A Deus; à minha família: Eliana Maria Savedra

    (mãe) e José Lúcio Ribeiro Lima (pai); aos meus

    irmãos Jander Lúcio Savedra Lima, Andreia Viana

    Pereira, Clédson Luís Ribeiro dos Santos (in

    memoriam); à minha cunhada Elzaní Marinho

    Batalha; aos meus sobrinhos Maíra Cristina Batalha

    Lima, João Lúcio Batalha Lima, Marília Yoná

    Batalha Lima; e aos amigos.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Ao prof. Nilton Paulo Ponciano pelo acolhimento e confiança; pelas orientações, exigências e

    partilhas; pelo respeito e amizade.

    À profa. Marta de Faria e Cunha Monteiro por acreditar em mim desde nosso primeiro

    contato; por suas sábias orientações; por seu exemplo acadêmico e humano.

    Aos meus pais por tudo! Em especial, pelo que não se pode dizer em palavras, mas que se é

    compreendido no coração.

    A Marcos Roberto dos Santos, companheiro sempre presente.

    Ao prof. Amarildo Menezes Gonzaga pelos muitos ensinamentos; em particular, por dizer,

    com sua postura, que a esperança persiste, por nos encher de força moral para seguir.

    Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) pelas

    oportunidades concedidas para a realização do mestrado.

    Ao IFAM – Campus Parintins por acolher a pesquisa e dar anuência para o desenvolvimento

    das ações planejadas.

    Aos professores de Língua Portuguesa, participantes da pesquisa, por me permitirem aprender

    com eles.

    Aos professores em formação continuada do Curso de Especialização em Investigações

    Educacionais do IFAM – Campus Manaus Centro pela participação no processo de

    implementação de meu produto educacional.

    A Heliamara Paixão de Souza e Edson Castelo Branco Feitosa Júnior, amigos que fiz no

    mestrado, pela força em todos os momentos.

    Aos colegas do mestrado, Adelcimara Miranda, Denise Barroso, Suelem Rodrigues, Eliane

    Valentim, Franciane Soares, Henrique Lima, Janny Christiny Lima, Lucielen Nascimento,

    Marcella Sarah de Farias e Márcio Nascimento, pelos momentos de construção e partilha de

    conhecimento.

    Aos professores do curso de mestrado, em especial, aos professores das disciplinas que cursei:

    Amarildo Menezes Gonzaga, Ana Cláudia Ribeiro de Souza, Andréa Pereira Mendonça,

    Cinara Calvi Anic Cabral, João dos Santos Cabral Neto e Rosa Oliveira Marins Azevedo.

    À prof. Lucilene da Silva Paes, ser humano maravilhoso, sempre disposta ajudar.

    Ao Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Processos Formativos de Professores no Ensino

    Tecnológico (GEPROFET) pelos momentos de aprendizagem.

    À Coordenação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) que

    contribuiu para facilitar a caminhada neste estudo.

    Aos colegas de trabalho, professores e técnicos do IFAM – Campus Parintins, pelo incentivo

    durante o processo de elaboração da dissertação.

  • 6

    A teoria sem a prática vira “verbalismo”,

    assim como a prática sem teoria vira

    ativismo. No entanto, quando se une a prática

    com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora

    e modificadora da realidade.

    (Paulo Freire)

  • 7

    RESUMO

    Esta dissertação trata da formação continuada de professores de Língua Portuguesa, em diálogo com a

    teoria do letramento, e é consequência da pesquisa realizada no curso de Mestrado Profissional em

    Ensino Tecnológico – MPET, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas -

    IFAM / Campus Manaus Centro - CMC. A pesquisa teve como objetivo geral investigar em que

    aspectos narrativas de professores de Língua Portuguesa refletem suas práticas como agentes de

    letramentos. Assim, este trabalho teve quatro desdobramentos, os objetivos específicos: depreender

    práticas de professores de Língua Portuguesa a partir de suas narrativas; discutir as concepções de

    professores de Língua Portuguesa sobre letramento tomando como base suas narrativas; identificar nas

    narrativas de professores de Língua Portuguesa práticas como agente de letramento; e elaborar uma

    proposta de formação continuada para professores de Língua Portuguesa à luz do letramento. Para

    alcançar esses propósitos, optou-se pela História Oral como percurso metodológico, lançando-se mão

    das narrativas dos participantes, a fim de se gerar os dados, com base nas entrevistas gravadas e

    direcionadas por um roteiro geral e roteiros individuais. Assim, emergiram, no processo de análise dos

    dados, quatro categorias divididas em subcategorias: a) perfil do professor de Língua Portuguesa do

    Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM / Campus Parintins –

    IFAM CPA; b) práticas e concepções dos participantes da pesquisa referentes ao ensino-aprendizagem

    de leitura e escrita; c) práticas como agente de letramento; e d) formação continuada à luz do

    letramento. Os resultados evidenciaram: a preocupação dos participantes em pensar uma formação

    continuada, pois compreendem a dinamicidade do ensino; a atenção aos planos e estratégias traçados

    para a sala de aula; o significado dado por eles à prática do professor; sua capacidade mobilizadora

    para construir espaços para realização de suas atividades; e a reflexão que fazem sobre seu fazer

    pedagógico. Apontaram, ainda, os saberes docentes, a pesquisa e a reflexão como possibilidades

    formativas para esses profissionais, levando-se em conta as teorias sobre a formação continuada de

    professores, o letramento e os gêneros textuais/discursivos. Considerando-se a base teórica deste

    trabalho, o percurso investigativo e seus resultados, construiu-se o produto educacional, um curso de

    formação, intitulado Formação continuada para professores de Língua Portuguesa: reflexões e uma

    proposta à luz do letramento, em formato digital – e-book, que se encontra estruturado em revisão da

    literatura, textos-base para vivenciar o processo formativo, roteiros sugeridos para os encontros de

    formação e relatos de quem vivenciou o processo de teste para implementação do produto.

    Palavras-chaves: Formação continuada de professores de Língua Portuguesa. Letramento. História

    Oral.

  • 8

    ABSTRACT

    This dissertation deals with the continued development of Portuguese language teachers, in dialogue

    with the literacy theory, and it’s a consequence of the research carried out in the Professional Master's

    Degree in Technological Teaching - MPET, at the Federal Institute of Education, Science and

    Technology of Amazonas - IFAM / Campus Manaus Centro - CMC. The research had as general

    objective to investigate in which narrative aspects of Portuguese Language teachers reflect their

    practices as agents of literacy. Thus, this work had four unfolding, the specific objectives:

    understanding the practices of Portuguese language teachers from their narratives; discussing the

    conceptions of Portuguese language teachers about literacy based on their narratives; identifying in the

    narratives of Portuguese Language teachers practices as agent of literacy; and elaborating a proposal

    of continued development for Portuguese Language teachers in the light of the literacy. To reach these

    goals, Oral History was chosen as a methodological way, using the participants' narratives in order to

    generate the data, based on interviews recorded and directed by a general script and individual scripts.

    Thus, in the data analysis process, four categories wich were divided in subcategories: a) profile of the

    Portuguese Language teacher of the Federal Institute of Education, Science and Technology of

    Amazonas - IFAM / Campus Parintins - IFAM CPA; b) practices and conceptions of the participants

    of the research regarding teaching-learning of reading and writing; c) practices as a literacy agent; and

    d) continued development in the light of literacy. The results evidenced: the concern of the participants

    in a continued development, because they understand the dynamism of the teaching; the attention to

    the plans and strategies devised for the classroom; the meaning given by them to the teacher's practice;

    your mobilizing capacity to organize spaces to carry out their activities; and the reflection they do

    about their pedagogical work. They also pointed out the teaching knowledge, research and reflection

    as development possibilities for these professionals, considering the theories about the continued

    development of teachers, literacy and textual / discursive genres. According to the theoretical basis of

    this work, the research course and its results, the educational product was built, a development course

    entitled Continued development for Portuguese language teachers: reflections and a proposal in the

    light of literacy, in digital format - e-book, which is structured in a review of the literature, basic texts

    to experience the development process, suggested scripts for development meetings and narratives of

    those who experienced the test process for product implementation.

    Key-words: Continued development for Portuguese language teachers. Literacy. Oral History.

  • 9

    Lista de Quadros

    Quadro 1 – Etapas no processo investigativo com História Oral.................. 65

    Quadro 2 – Perfil dos Participante...................................................... 67

    Quadro 3 – Partes do Plano de Ensino da disciplina Oficinal de Produção

    Textual........................................................................................ 115

    Quadro 4 – Textos-base do e-book do CEIE................................................. 118

    Quadro 5 – Esquematização das discussões a partir do uso dos roteiros...... 119

    Quadro 6 – Critério de avaliativos................................................................ 139

    Quadro 7 – Perfil dos PFC do CEIE.............................................................. 140

    Quadro 8 – Autoavaliação dos PFC.............................................................. 140

    Quadro 9 – Momentos de participação no Encontro Pedagógico do IFAM-

    CPA (2019/1).............................................................................. 146

    Quadro 10 – Conteúdos tratados no primeiro encontro: dia 4 de fevereiro de

    2019, das 8h às 12h..................................................................... 147

    Quadro 11 – Tópicos tratados no terceiro encontro: dia 05/02/2019, das 8h

    às 12h.......................................................................................... 148

    Quadro 12 – Considerações dos participantes da pesquisa sobre o produto

    educacional................................................................................. 150

  • 10

    Lista de Abreviaturas e Siglas

    AC Análise da Conversa

    CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

    CDD Cessão de Direito de Depoimento

    CEIE Curso de Especialização em Investigações Educacionais

    DIPESP Diretoria de Pesquisa e Pós-graduação

    EM Etnometodologia

    EPT Educação Profissional e Tecnológica

    GEPROFET Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Processos Formativos de

    Professores no Ensino Tecnológico

    HO História Oral

    IFAM-CMC Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas –

    Campus Manaus Centro

    IFAM-CPA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas –

    Campus Parintins

    LA Linguística Aplicada

    MPET Mestrado Profissional em Ensino Tecnológico do IFAM-CMC

    PFC Professores em formação continuada

    RGE Roteiro Geral de Entrevista

    RIE Roteiro Individual de Entrevista

    TCLE Temo de Consentimento Livre e Esclarecido

  • 11

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13

    1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO ................................................................................... 18 1.1 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA À LUZ DO

    LETRAMENTO ................................................................................................................................... 18

    1.1.1 Formação de professores de Língua Portuguesa: possibilidades no contexto brasileiro à

    luz do letramento ................................................................................................................................ 22

    1.1.2 Formação continuada de professores de Língua Portuguesa sob a ótica dos saberes

    docentes, da pesquisa e da reflexão: possibilidades ......................................................................... 26

    1.2 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E

    LETRAMENTOS – ASSIM, NO PLURAL ........................................................................................ 32

    1.2.1 Letramentos múltiplos e multiletramentos ............................................................................. 36

    1.2.2 Eventos e práticas de letramento, em sala de aula ................................................................. 42

    1.3 GÊNEROS TEXTUAIS/DISCURSIVOS ...................................................................................... 45

    1.4 A AGÊNCIA DO PROFESSOR DE LÍNGUA: AGENTIVIDADE DE PROFESSORES ........... 50

    2 PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................................... 58 2.1 PARTICIPANTES DA PESQUISA .............................................................................................. 65

    2.2 TÉCNICA ....................................................................................................................................... 66

    2.3 ROTEIRO GERAL DE ENTREVISTA (RGE) E ROTEIRO INDIVIDUAL DE ENTREVISTA

    (RIE) ..................................................................................................................................................... 67

    2.4 FICHA DE ENTREVISTA E CADERNO DE CAMPO ............................................................... 68

    2.5 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................................... 69

    3 TRATAMENTO ANALÍTICO DOS DADOS ................................................................ 74 3.1 PERFIL DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA DO IFAM-CPA ................................ 74

    3.1.1 Ser professor de Língua Portuguesa ........................................................................................ 74

    3.1.2 Ser Professor de Língua Portuguesa no IFAM-CPA ............................................................. 76

    3.1.3 Visão de si no exercício da docência ........................................................................................ 77

    3.1.4 O tempo para tornar-se Professor de Língua Portuguesa ..................................................... 78

    3.2 PRÁTICAS E CONCEPÇÕES DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA REFERENTES AO

    ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA E ESCRITA ................................................................. 80

    3.2.1 O ensino-aprendizagem de leitura e escrita ............................................................................ 81

    3.2.2 O trabalho com a oralidade ...................................................................................................... 82

    3.2.3 Os gêneros textuais/discursivos em sala de aula ..................................................................... 83

    3.2.4 A concepção de letramento ....................................................................................................... 92

    3.2.5 Práticas como agente de letramento ........................................................................................ 94

    3.3 FORMAÇÃO CONTINUADA À LUZ DO LETRAMENTO ...................................................... 99

    3.3.1 A formação de professores de Língua Portuguesa à luz do letramento ............................. 100

    4 O MEMORIAL COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO CONTINUADA: VIVÊNCIAS

    À LUZ DO LETRAMENTO ............................................................................................. 104 4.1 A GÊNESE DO TRABALHO COM O GÊNERO MEMORIAL NO CEIE ............................... 104

    4.2 O GÊNERO MEMORIAL E A PRÁTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE

    PROFESSORES ................................................................................................................................. 106

  • 12

    4.2.1 O gênero de formação em Investigações Educacionais: eventos e práticas de letramento,

    do planejamento à avaliação ........................................................................................................... 112

    4.2.1.1 O plano de ensino ................................................................................................................... 112

    4.2.1.2 O planejamento das aulas ...................................................................................................... 115

    4.2.1.3 Os roteiros das aulas .............................................................................................................. 118

    4.3 AS VIVÊNCIAS DOS PROFESSORES EM FORMAÇÃO CONTINUADA (PFC): RELATOS

    ............................................................................................................................................................ 125

    4.3.1 Do estranhamento no primeiro contato ................................................................................. 126

    4.3.2 Alguns significados da disciplina para os professores em formação continuada .............. 127

    4.3.3 Memorial de formação continuada no CEIE: alguns destaques ......................................... 130

    4 3.3.1 O processo formativo a partir do gênero memorial de formação .......................................... 135

    4.4 A AVALIAÇÃO NO PROCESSO FORMATIVO NO CEIE ..................................................... 138

    4.4.1 A autoavaliação dos professores em formação continuada no CEIE ................................. 139

    4.4.2 A avaliação “geral” do processo de formação continuada no CEIE .................................. 140

    4.5 O PRODUTO EDUCACIONAL: PROPOSTA-PROTÓTIPO À LUZ DO LETRAMENTO .... 142

    4.5.1 A avaliação dos professores em formação continuada do CEIE sobre a implementação do

    produto educacional ......................................................................................................................... 142

    4.5.2 O parecer dos professores de Língua Portuguesa participantes da pesquisa sobre a

    proposta-protótipo ........................................................................................................................... 144

    CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 151

    REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 158

    APÊNDICE A – PRODUTO EDUCACIONAL .............................................................. 167

    APÊNDICE B – CONVITE PARA PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA ....................... 168

    APÊNDICE C – ROTEIRO GERAL PARA ENTREVISTA - RGE ............................ 169

    APÊNDICE D – ROTEIRO INDIVIDUAL PARA ENTREVISTA - RIE.................... 170

    APÊNDICE E – FICHA DE ENTREVISTA ................................................................... 171

    APÊNDICE F – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

    PARTICIPANTES DA PESQUISA .................................................................................. 172

    APÊNDICE G – CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL .............. 174

    APÊNDICE H – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

    (TCLE) - PROFESSORES EM FORMAÇÃO CONTINUADA DO CEIE .................. 175

    APÊNDICE I – FICHA DE COLABORADOR - PROFESSOR EM FORMAÇÃO

    CONTINUADA DO CEIE ................................................................................................. 177

    APÊNDICE J – ANOTAÇÕES DIÁRIAS DAS VIVÊNCIAS NA DISCIPLINA

    OFICINA DE PRODUÇÃO TEXTUAL .......................................................................... 178

    APÊNDICE K – RELATO DE VIVÊNCIAS NAS AULAS DA DISCIPLINA OFICINA

    DE PRODUÇÃO TEXTUAL ............................................................................................ 179

    APÊNDICE L – FICHA DE AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA OFICINA DE

    PRODUÇÃO TEXTUAL ................................................................................................... 180

    APÊNDICE M – PARECER SOBRE PROPOSTA-PROTÓTIPO DE PRODUTO

    EDUCACIONAL PARA FORMAÇÃO CONTINUADA À LUZ DO LETRAMENTO

    .............................................................................................................................................. 181

  • 13

    INTRODUÇÃO

    Nunca se saberá como isto deve ser contado, se na

    primeira ou na segunda pessoa, usando a terceira do

    plural ou inventando constantemente formas que não

    servirão para nada. Se fosse possível dizer: eu viram

    subir a lua, ou: em mim nos dói o fundo dos olhos, e

    principalmente assim: tu mulher loura eram as nuvens

    que continuam correndo diante de meus teus seus nossos

    vossos seus rostos.

    (Júlio Cortázar)

    Esta dissertação, situada na linha de pesquisa 1 – Processos Formativos de

    Professores no Ensino Tecnológico, do curso de Mestrado Profissional em Ensino

    Tecnológico – MPET, teve como ponto de partida duas motivações. A primeira, por eu

    acreditar na escola como agência de formação de cidadãos que se utilizam da leitura e da

    escrita como práticas sociais, sendo isso diretamente ligado à ação docente. A segunda,

    levando em consideração aspectos da primeira, por compreender que o ensino-aprendizagem

    contextualizado, significativo e auxiliar para a formação desses cidadãos envolva a formação

    do professor como agente de letramento, quer seja sua formação inicial, quer seja sua

    formação continuada.

    A essas motivações, que julgo pessoais e acadêmicas, agrego o desejo de poder

    contribuir para a discussão a respeito da formação do professor de Língua Portuguesa e seu

    fazer no contexto atual, no recorte da formação continuada de professores à luz do letramento,

    considerando, para isso, o saber desses profissionais, sua capacidade investigativa e a reflexão

    sobre suas ações.

    Ainda, posso dizer ser este trabalho o fruto de minhas vivências e inquietações

    enquanto professor de Língua Portuguesa do Instituto Federal de Educação, Ciência e

    Tecnologia do Amazonas - IFAM, com história profissional em escolas públicas do município

    de Parintins nas redes municipal e estadual de ensino.

    Enfatizo que já na graduação me via cheio de dúvidas sobre como deveria agir no

    exercício de minha profissão. Fascinava-me ver os professores do curso de Letras e de outros

    cursos conversarem sobre teorias antigas e novas, sobre como compreender o homem e o

    meio no qual ele está inserido, a partir dos estudos da área de formação de cada um. À época,

  • 14

    já tinha construído uma ideia do que era ser professor, advinda das vivências enquanto aluno e

    professor da Secretaria Municipal de Educação de Parintins – Semed/PMP e da Secretaria de

    Educação e Qualidade de Ensino – Seduc/AM, mesmo que tivesse apenas dois anos

    ministrando aulas.

    Às vezes, na universidade, alguns professores falavam de como ser professor e de

    como contribuir para a formação de cidadãos críticos e reflexivos. Muitos deles apresentavam

    pontos de vista distantes e próximos ao mesmo tempo, o que, para mim, era não somente uma

    forma singular e ingênua de ver e interpretar o mundo, mas também, muitas vezes, uma

    maneira de mostrar seu alto nível de conhecimento frente a suas turmas e seus colegas.

    Outros, por sua vez, apresentavam uma postura diferenciada, mostravam-se engajados em

    suscitar nos acadêmicos um espírito investigador e inquieto diante das realidades. Estes me

    inspiravam mais que os outros, com certeza.

    Nesse confronto entre realidades de docentes da academia e a vivência docente, na

    ideia de repensar o que era ser professor e seu papel social, vi a necessidade de ressignificar a

    mim mesmo e minhas práticas docentes, pois não era suficiente ir para a sala de aula e

    “despejar” uma gama de conteúdo nos alunos e aparentar ser o detentor do saber. Era preciso

    tornar o fazer docente significativo tanto para mim quanto para os alunos.

    Isso tudo me fazia, a cada instante, pensar por uma visão freiriana1, mesmo que não

    me atentasse para essa realidade, pois o meu desejo sempre foi o de colaborar para a

    emancipação dos alunos, de cooperar na construção de seus conhecimentos, de instigá-los a

    investir em seu potencial. Tais aspectos povoaram minha a mente e me trouxeram até aqui

    com a certeza de ser essa caminhada apenas parte do percurso que almejo para mim.

    Antes mesmo de ser servidor público no Instituto Federal de Educação, Ciência e

    Tecnologia do Amazonas – Campus Parintins, doravante IFAM-CPA, desenvolvia trabalhos

    voltados a esse propósito nas escolas da rede municipal e estadual em que trabalhava.

    Ao ingressar no Instituto em 2010, procurei analisar como o IFAM-CPA implementa

    os cursos técnicos de nível médio, cuja realização se dá nas formas subsequente e integrada,

    que foram ofertados pelo campus à época. Logo, percebi que os cursos técnicos na forma

    subsequente visam oportunizar uma formação profissional em nível médio a detentores de

    certificado de conclusão deste nível de ensino, enquanto que a forma integrada está voltada

    1 Ao dizer da concepção freiriana, refiro-me ao postulado de Paulo Reglus Neves Freire, educador, pedagogo e filósofo brasileiro, influenciador do movimento chamado pedagogia crítica.

  • 15

    aos concludentes do ensino fundamental, os quais darão sequência à educação básica em nível

    médio ao mesmo tempo em que farão um curso técnico.

    A preocupação em analisar como se caracterizam os cursos se deu por conta da

    exigência de planejar minhas práticas em atenção aos Planos de Cursos das turmas para as

    quais fui designado e da necessidade de apresentar uma proposta para o ensino-aprendizagem

    de leitura e escrita que contribuísse para um ensino cidadão.

    Então, ao refletir sobre meu fazer docente, percebi a necessidade de retroalimentação

    para robusteza em minhas práticas docentes; ainda, que conjecturar sobre o meu fazer docente

    não é uma atividade tão simples, e a experiência mostrou-me o trabalho à luz do letramento

    como opção significativa para refletir sobre o meu próprio fazer e romper com práticas

    descontextualizadas, as quais não contribuem para a formação do cidadão atuante em

    sociedade.

    Apesar de ter uma vasta literatura sobre a formação de professores de Língua

    Portuguesa e letramento, julguei relevante realizar estudo com estes temas para discuti-los na

    vertente da região amazônica, com suas especificidades contextuais, realidades amazonenses,

    ainda pouco conhecidas por muitos brasileiros.

    Diante disso, saliento que, com a intenção de contribuir para essa discussão,

    enveredei pela literatura sobre a formação continuada de professores de Língua Portuguesa e

    no letramento. Essas leituras levaram-me a um mundo que, para mim, se mostrou novo, com

    passagens pelas tendências e dimensões da formação do professor, pelos gêneros

    textuais/discursivos e pela agentividade de professores. Isso tudo em um diálogo mediado

    pela História Oral como percurso metodológico.

    Apresentadas as razões e justificativas, ressalto que todo esse empreendimento me

    instigou a refletir sobre qual a contribuição que eu poderia dar para a formação de

    professores, levando-os a problematizar sua prática, e como fazer isso. Logo, duas questões

    nortearam a pesquisa:

    Em que aspectos as narrativas de professores de Língua Portuguesa refletem

    suas práticas como agentes de letramentos?

    Qual a contribuição de uma investigação desta natureza para a construção de

    uma proposta de formação continuada para estes professores?

  • 16

    Assim, instigado por esses questionamentos, tracei como objetivo geral investigar em

    que aspectos narrativas de professores de Língua Portuguesa refletem suas práticas como

    agentes de letramentos.

    Saliento que os dois questionamentos foram oportunos, já que buscavam responder à

    minha inquietação e satisfaziam às exigências do Mestrado Profissional em Ensino

    Tecnológico, que, para conclusão do curso, requer um processo investigativo que culmine em

    um produto educacional. Em suma, apresento neste trabalho uma dissertação de mestrado e

    uma proposta de formação continuada para professores.

    Logo, por meio das questões de pesquisa e da delimitação do objetivo geral dela,

    estabeleci os seguintes objetivos específicos:

    Depreender práticas de professores de Língua Portuguesa a partir de suas

    narrativas;

    Discutir as concepções de professores de Língua Portuguesa sobre letramento

    a partir de suas narrativas;

    Identificar nas narrativas de professores de Língua Portuguesa práticas como

    agente de letramento;

    Elaborar uma proposta de formação continuada para professores de Língua

    Portuguesa à luz do letramento.

    Realizada as apresentações da motivação da pesquisa, sua relevância, as questões

    norteadoras, bem como os objetivos que a orientam, coloco agora em evidência a organização

    do trabalho.

    Dando sequência a esta Introdução, trago o Capítulo 1 – Enquadramento Teórico, a

    teoria que subjaz o trabalho, em quatro seções. Na primeira, discorro sobre a Formação

    continuada de professores de Língua Portuguesa à luz do letramento; na segunda, sobre a

    Formação continuada de professores de Língua Portuguesa, letramentos – assim, no plural; na

    terceira, sobre gêneros textuais/discursivos; e, na quarta, sobre a agência do professor de

    língua: agentividade de professores.

    No Capítulo 2 – Percurso metodológico, são apresentados a metodologia adotada, os

    participantes da pesquisa, a técnica utilizada, os procedimentos adotados para a geração e a

    análise dos dados.

  • 17

    No Capítulo 3 – Tratamento analítico dos dados, estão as análises e interpretações

    dos dados gerados no processo investigativo, a partir das categorias e subcategorias que deles

    emergiram, bem como as respostas para as questões de pesquisa que nortearam o trabalho.

    No Capítulo 4 – O memorial como espaço de formação continuada: vivências à luz

    do letramento, trago algumas vivências de quem participou da implementação do produto

    educacional voltado à formação de professores de Língua Portuguesa à luz do letramento,

    evidenciando a gênese da proposta, o planejamento, a estranheza do primeiro contato com a

    pesquisa, o processo formativo para os participantes e a avaliação realizada.

    Concluído este trabalho, nas Considerações Finais apresento reflexões pessoais

    oriundas da pesquisa, e discorro sobre a proposta para formação de professores de Língua

    Portuguesa à luz do letramento. Em seguida, há as Referências, o Anexo e os Apêndices,

    respectivamente.

  • 18

    1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO

    Este capítulo está dividido em quatro seções, nas quais discorro sobre a formação

    continuada de professores de Língua Portuguesa à luz do letramento, letramentos, gêneros

    textuais/discursivos e agência do professor de língua: agentividade de professores, que

    norteiam esta investigação sobre os aspectos nas narrativas de professores de Língua

    Portuguesa que refletem suas práticas como agentes de letramentos.

    1.1 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA À

    LUZ DO LETRAMENTO

    Na busca da literatura sobre formação de professores de Língua Portuguesa à luz do

    letramento, no interstício dos últimos seis anos, ou seja, entre 2013 e 2018, encontrei

    produções no Google Acadêmico e na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de

    Pessoal de Nível Superior – CAPES. Na consulta realizada a cada seis meses desde o início

    desta investigação, em junho de 2017, buscando por “formação de professores de Língua

    Portuguesa à luz do letramento”, encontrei produções que se aproximavam desses termos.

    Os resultados obtidos, em sua maioria, mostraram-se voltados ao ensino de língua

    materna, alfabetização e letramento, aos estudos do letramento, letramento e ensino de línguas

    em geral, letramento e ensino de língua estrangeira, mas nenhum estudo específico com o

    tema formação continuada de professores de Língua Portuguesa à luz do letramento. Esse

    fato instigou-me, ainda mais, a seguir com esta pesquisa.

    É preciso enfatizar que, durante minha história acadêmica e de professor de Língua

    Portuguesa, venho percebendo a diversidade de discursos de como melhorar a educação no

    país e as propostas oriundas dela. Acredito que muitos desses discursos são movidos pela

    vontade de se construir uma sociedade justa para todos, enquanto outros nem tanto assim;

    inclusive, há quem veja soluções das mais diversas, como a multiplicação das escolas, as

    reformas ou a importação de propostas pedagógicas e o investimento na formação de

    professores.

    Aqui, sem a intenção de recomendar soluções para resolver os males da educação no

    Brasil, mas como forma de aumentar as discussões sobre a educação brasileira, mais

    especificamente sobre a formação continuada de professores, me propus à investigação sobre

  • 19

    a formação de professores de Língua Portuguesa à luz do letramento. A intenção, assim, é dar

    ênfase à formação desses professores como agentes de letramento, considerando as suas

    práticas no exercício de suas atividades e a compreensão que eles têm sobre o letramento.

    Inicialmente, faço uma breve consideração sobre o professor de Língua Portuguesa

    que trabalha na Educação Profissional e Tecnológica, visto que sou servidor público no

    IFAM-CPA. Saliento que ser professor de Língua Portuguesa, em minha concepção,

    independe do nível ou modalidade educacional em que se esteja agindo, é estar disposto a

    ressignificar sua prática e a si mesmo, pois não basta ir à sala de aula e despejar uma gama de

    conteúdos em cima dos alunos e aparentar ser o detentor do saber; o oposto, é preciso tornar o

    fazer docente uma oportunidade de ensino-aprendizagem para todos os alunos e para o

    próprio professor.

    Em referência à formação de professores para a Educação Profissional e Tecnológica

    – EPT, Pena (2011, p. 112) constata uma escassez de pesquisas no campo da formação,

    afirmando que há

    [...] a necessidade e relevância de se voltar o olhar sobre a formação docente

    para a educação profissional, não somente por tratar-se de um campo ainda

    pouco pesquisado, mas também pelas possibilidades que estudos nessa

    direção podem oferecer para a ampliação do conhecimento sobre o processo

    de formação e atuação dos professores nessa modalidade de ensino, bem

    como para um maior entendimento sobre a docência nessa realidade

    específica. Os resultados de tais estudos poderão constituir-se em elementos

    importantes para a compreensão do trabalho docente nos Institutos Federais,

    no contexto da nova institucionalidade decorrente do atual processo de

    expansão de Rede Federal de Educação Profissional, Científica e

    Tecnológica no Brasil.

    As considerações de Pena (2011) fortalecem meu entendimento de que há muito para

    ser pesquisado sobre formação de professores e de que investigar as especificidades também é

    relevante, como é o caso do professor de Língua Portuguesa como agente de letramento.

    Sigo aliando-me ao pensamento de Imbernón (2011), quando discorre sobre a

    mudança que se deve fazer nas tradicionais posturas docentes frente ao contexto político,

    advogando o professor como agente dessas mudanças e ressaltando as mudanças do século

    XX (na educação, muito influenciadas pelo caráter educacional do século XIX) ao século

    XXI, com destaque às novas formas de pensar, sentir e agir em decorrência das

    transformações científicas, nos meios de comunicação e na tecnologia.

    Do posicionamento de Imbernón (2011), sou adepto de que as mudanças ocorridas

  • 20

    nos dois últimos séculos afetaram os campos educacionais e que a concepção docente como

    um mero transmissor de conhecimentos deve ser ultrapassada, assumindo, desta forma, o

    professor uma nova manifestação profissional em toda sua complexidade, em outras palavras,

    o professor necessita se preparar para tempos de mudanças e incertezas.

    No que se refere a essas mudanças, menciono, ainda, Monte Mór (2012). A autora,

    em sua pesquisa, comenta sobre as mudanças ocorridas em diversas áreas sociais, como da

    linguagem, do trabalho, do conhecimento e da participação social, e como tais mudanças têm

    influenciado a vida pessoal e as relações entre cidadãos e trabalhadores. Isso leva a pensar

    sobre a escola atual, o seu fazer contextualizado ou não.

    Monte Mór (2012, p. 1) alerta para a visão que os jovens têm da escola, evidenciando

    “[...] o desinteresse [desses jovens] ao descrever uma escola que está distante de suas

    necessidades e que trabalha conteúdos que já não correspondem aos interesses desses jovens

    ou os façam sentir social ou culturalmente incluídos em seus meios.”. Dessa afirmação, é

    possível entender que a escola necessita estar próxima à realidade dos alunos, pois, caso ela

    não faça parte da vida deles, contribui para os altos índices de evasão, dificultando a formação

    de cidadãos críticos.

    Assim, pode-se inferir que a escola deve estar atenta aos acontecimentos na

    sociedade e ter como um de seus objetivos principais a formação do aluno para atuar em seu

    meio. Sobre essa formação, Rojo (2009, p. 89) afirma ser o ensino para “[...] a aquisição de

    conhecimentos básicos (ditos ‘competências e habilidades’), a preparação científica e a

    capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação.”, o que fugiria

    da prática de repasse de informações e acúmulo de conhecimentos, sem mostrar um ensino

    voltado à formação de cidadão críticos, diferente do repasse de informações. Nesse processo

    educacional, a linguagem ocupa o centro da atividade escolar, e sobre isso apresento as

    palavras de Moita Lopes e Rojo (2004, p. 46):

    É preciso, então, trazer a linguagem para o centro de atenção na vida escolar,

    tendo em vista o papel do discurso nas sociedades densamente

    semiotizadas em que vivemos. São muitos os discursos que nos chegam e

    são muitas as necessidades de lidar com eles no mundo do trabalho e fora

    dele, não só para o desempenho profissional, como também para saber fazer

    escolhas éticas entre discursos em competição e saber lidar com as incertezas

    e diferenças características de nossas sociedades atuais. Ensinar a usar e a

    entender como a linguagem funciona no mundo atual é tarefa crucial da

    escola na construção da cidadania, a menos que queiramos deixar grande

    parte da população, excluída das benesses do mundo contemporâneo das

    comunicações rápidas, da tecnoinformação e da possibilidade de se expor e

    fazer escolhas entre discursos contrastantes da vida social (grifos das

  • 21

    autoras).

    Direcionando o dito para as práticas dos professores de Língua Portuguesa, isso os

    leva a refletir sobre as ações em sala de aula, as quais, diante do contexto social atual,

    merecem atenção se o objetivo for um ensino-aprendizagem local e situado que esteja ligado

    ao contexto mais amplo de um mundo globalizado, afinal, é necessário dar conta das

    demandas do trabalho, do dia a dia, do exercício da cidadania em uma sociedade globalizada e

    permeada pelos mais diversificados discursos.

    Diante desse entendimento, acredito que não se possa mais pensar a prática do

    professor de Língua Portuguesa para o ensino-aprendizagem de leitura e escrita vendo essas

    finalidades em si mesmas e sem consequências, pois, como afirma Silva (2011, p. 20):

    [...] apenas decodificar palavras é insuficiente para a participação em

    práticas sociais que envolvem a língua escrita, é necessário algo mais: saber

    utilizar a leitura e a escrita de acordo com as contínuas exigências sociais.

    Esse algo mais é o que se vem designando letramento.

    Acredito que se faça necessário pensar a prática docente para as práticas sociais de

    leitura e escrita, a prática à luz do letramento.

    Termino esta seção para ressaltar que muito há para ser investigado sobre a formação

    continuada de professores de Língua Portuguesa, principalmente, por conta das exigências

    sociais da contemporaneidade. Assim, seguirei, nas próximas subseções de fundamentação

    teórica, discorrendo sobre as tendências de formação de professores no Brasil, letramento,

    gêneros textuais/discursivos e agentividade de professores.

    1.1.1 Formação de professores de Língua Portuguesa: possibilidades no contexto

    brasileiro à luz do letramento

    A literatura sobre a formação de professores aponta que, para se constituir professor,

    é necessário investimento em formação e que, no Brasil, as tendências da contemporaneidade

    seguem ao menos quatro perspectivas como observado por Ghedin (2009). Então, partindo da

    discussão dessas quatro tendências, a fim de se pensar as possibilidades de formação

    continuada de professores de Língua Portuguesa à luz do letramento, destaco o fato de que,

    quando conceitua tendências de formação de professores, Ghedin (2009, p. 2) afirma que:

  • 22

    Cada tendência apresenta um conjunto de características diferenciadas e são

    estas que nos possibilitam identificar que há, pelo menos, mais do que uma

    que procura propor uma formação, ou proporcionar e desenvolver uma

    determinada perspectiva de formação.

    O autor segue dizendo que, ao discutir essas tendências, busca “[...] superar o

    dualismo da relação entre sujeito e objeto na construção do conhecimento do professor [...]”

    (GHEDIN, 2009, p. 3) e que elas são, na verdade, “[...] um conjunto de conceitos que podem

    ser identificados como chaves [...]”. (GHEDIN, 2009, p. 3).

    Ghedin (2009, p. 4) enfatiza as ideologias que orientam práticas de formação, de

    modo a fazer compreender até mesmo como os professores recebem este processo no qual são

    objetos e sujeitos e, desta forma, segundo ele:

    Nós identificamos até o momento quatro tendências na formação de

    professores no Brasil contemporâneo, ou na produção de pesquisa em outros

    países, que também influenciam o pensamento pedagógico da formação de

    professores em nosso país. Apresentamos essas tendências a partir de seus

    conceitos centrais que são: saber docente, reflexão sobre a prática, pesquisa

    no ensino e competências da formação.

    A partir dessas quatro possibilidades, Ghedin (2009) busca enfatizar ciência,

    filosofia, metodologia e política como constituintes dessas tendências para formação de

    professores, atentando para o fato de que há sempre uma proposta de formação humana,

    quando se fala em formação de professor.

    Entendo que, ao discorrer sobre essas quatro tendências, o autor apresenta caminhos

    para se pensar na construção de uma proposta de formação continuada para professores de

    Língua Portuguesa, pois, quando observados os saberes, a reflexão, a pesquisa e as

    competências como processos de formação destes profissionais, constata-se a possibilidade de

    cientificamente construir propostas de formação docente, o que vem ao encontro do último

    objetivo desta investigação. Diante disto, com a finalidade de apresentar meu raciocínio,

    exponho o que entendo sobre essas quatro tendências.

    Sobre a primeira tendência, centrada no saber docente, vejo que, no processo de

    formação docente, o saber é visto como conhecimento e pode ser concebido como fruto de

    experiências sistematizadas e refletidas, visto que, segundo Ghedin (2009, p. 6):

    [...] é um conhecimento reelaborado a partir da prática e na prática de

    formar-se permanentemente. [...] O professor precisa do saber e este saber é

    sinônimo de um conjunto de conteúdos que o professor precisa dominar para

    tornar-se o profissional da educação.

  • 23

    Este fator, o conhecimento reelaborado a partir da prática, ajudou-me a perceber

    teoricamente que, no próprio ambiente escolar, as experiências nele vividas oportunizam a

    construção de conhecimento do fazer docente e permitem ao professor “[...] intervir

    politicamente na organização da sociedade, considerando os limites históricos sociais e

    políticos [...]” (GHEDIN, 2009, p. 6), bem como refletir sobre sua própria ação. Ghedin

    (2009, p. 6) declara ainda que:

    Este saber formado pelos saberes que vêm da própria prática, portanto, da

    experiência de estar sendo professor, são elaborados pelo professor à medida

    que constrói sua profissionalidade. O conceito de saber aqui é sinônimo de

    conhecimento, é sinônimo de experiência sistematizada e refletida, portanto

    é um conhecimento reelaborado a partir da prática e na prática de formar-se

    permanentemente.

    Aqui, chamo a atenção para a necessidade de os professores – não apenas os de

    Língua Portuguesa, mas todos os professores – refletirem sobre seu próprio saber e seu agir

    no exercício de sua profissão, como também para o saber com limites e possibilidades, pois

    creio que o saber docente não seja apenas o único capaz de resolver todos os problemas

    existentes na educação, mas sim um ponto de partida.

    Em relação à segunda tendência apresentada por Ghedin (2009), a formação do

    professor reflexivo, a literatura enfatiza a reflexão do professor sobre o que se faz, como se

    faz e por que se faz o que se faz.

    Antes de seguir, saliento que não se trata de comparar e/ou estabelecer hierarquia

    entre as tendências, mas de perceber as possibilidades em cada uma delas. Assim, alerto para

    o fato de que não é o bastante ter o saber docente frente à realidade brasileira fortemente

    influenciada pelos conceitos de visão de formação de homem e de educação, mas também é

    imprescindível aos professores romper com as ideologias hegemônicas. Desta forma, como

    afirma Ghedin (2009, p. 8),

    O profissional que trabalha com ensino não pode jamais abrir mão da

    reflexão, enquanto processo que pensa o próprio pensamento, portanto uma

    tomada de consciência de si mesmo. Um processo de reflexão significa um

    pensar sobre o modo de agir, sobre a ação e, também pensar-se no próprio

    momento que se está agindo, registrar esta experiência em ação, torná-la

    significativa no sentido de atribuir sentido ao que fazemos.

    Entendo que a reflexão não comece do nada, mas sim da problematização sobre o

  • 24

    estado das coisas e sobre os contextos em que o professor está inserido. No caso de

    professores de Língua Portuguesa, e também de outros, que tudo tenha início em sua prática.

    Desse modo, compreendo que a reflexão seja ressignificar a concepção que se tem de

    ser professor e de seu fazer pedagógico. Um constante vigiar das ações frente ao confronto do

    posicionamento e das ideologias que constituem as orientações apresentadas no universo da

    educação formal. Quanto a isso, Ghedin (2009, p. 10) propõe a seguinte reflexão:

    [...] não é somente saber dizer de um conjunto de saberes, vai além, pois

    propõe uma teoria interpretativa, [...] propõe também uma pedagogia, quer

    dizer, um modo de formar, de educar, de orientar um conjunto de ações

    humanas na construção e significação de sua existência.

    Após observar na literatura algumas discussões acerca do professor reflexivo, percebi

    a presença da dimensão de pesquisador, figura evidenciada na terceira tendência de formação

    docente (GHEDIN, 2009).

    Assim, nesse processo formativo docente, norteado pela ação de pesquisar, a

    pesquisa é vista por Ghedin (2009, p. 11) como um princípio educacional, por ser

    [...] aquele elemento que possibilita ao professor na relação com o saber já

    consolidado e com a reflexão que ele elabora a partir da prática e da

    experiência, um elemento que possibilita ao professor elaborar os próprios

    conhecimentos de modo sistemático. Quer dizer que lhe possibilita construir

    metódica e radicalmente um modo de compreender, de explicar e de

    interpretar o mundo.

    Observa-se o professor como construtor de seu próprio conhecimento, o que foge de

    uma concepção pouco ou nada crítica de formação para este profissional2. Nessa tendência

    formativa, o professor não se vê como um repetidor de informações, como um instrutor ou

    detentor o saber, mas como profissional crítico e construtor de conhecimento no processo de

    ensino-aprendizagem.

    Embora não seja o objetivo discutir em profundidade o papel da pesquisa na

    formação docente, enfatizo que a vejo como um meio utilizado pelo professor para gerar

    conhecimento e que por meio dela o docente também aprenda docente aprenda, conforme de

    Ghedin (2009, p. 14):

    [...] reunir adequadamente as informações para que elas se tornem úteis para

    nosso conhecimento. Isso significa aprender a pensar sobre o sentido e o

    2 Compreendo, neste texto, a formação pouco ou nada crítica como aquela de caráter tecnicista, behaviorista e

    instrucional, sem me dar ao julgamento de valor destes.

  • 25

    significado das coisas para que, na interpretação destes sentidos e destes

    significados, postos na informação e nos conceitos, possam nos permitir

    elaborar um sistema intelectivo que permita ampliar a inteligência e o

    cérebro pelo conhecimento. A medida que reelaboramos as informações e

    interpretamos os dados é que conhecemos as coisas.

    Essa terceira tendência trata de um processo de formação no qual se “[...]

    compreende os professores como sujeitos que podem construir conhecimentos sobre a

    docência, a partir da problematização de seus contextos, no âmbito escolar” (AZEVEDO,

    2014, p. 71). A pesquisa no processo de formação docente possibilita, como afirma Ghedin

    (2009, p. 17):

    [...] a reelaborar o conhecimento, para aprender a reinterpretar a realidade e

    aprender a reunir as informações para traduzi-las num conhecimento próprio

    e pessoal, que é um modo de interpretar o mundo, a realidade e propor novas

    formas de agir e de ser do/no mundo.

    A quarta e última tendência de processos formativos de professores refere-se à teoria

    das competências, que não se mostra alinhada ao processo formativo de professores à luz do

    letramento, pois, segundo Ghedin (2009, p. 20), pode ser vista na forma de:

    [...] um neobehaviorismo e de um neotecnicismo revestido de uma nova

    roupagem que utiliza o conceito de saber e de reflexão como suporte para

    reduzir a formação à prática.

    Penso que, compreendendo-se o behaviorismo e o tecnicismo como formações de

    mão de obra de caráter não crítico e em nada reflexivo, pode-se inferir que este modelo de

    formação docente enfatiza os professores como se fossem eles os responsáveis pelos males na

    educação, retirando de quem é de direito a responsabilidade por ela estar como se encontra,

    sendo assim “Culpabilizar os professores é um modo, uma maneira de desviar o problema de

    fato de onde ele está” (GHEDIN, 2009, p. 22).

    Das tendências comentadas, vale destacar que julgo haver uma interação entre elas e

    delas com a formação docente com base no letramento, mas com aspectos distintos para se

    compreender os processos formativos de professores na contemporaneidade brasileira3.

    Entendo que Ghedin (2009) chama a atenção para as possibilidades de se discutir a

    3 Informo que, para pensar o processo formativo à luz do letramento e as bases dele, relacionei, em parte, como

    possibilidade, o foco desta dissertação para a investigação, a autonomia docente e capacidade reflexiva e os

    saberes docentes, logo, passarei, a partir da próxima subseção, a relacionar o letramento ao processo de formação

    de professores pelos saberes, pela reflexão e pela pesquisa.

  • 26

    formação docente, principalmente, para uma reflexão sobre elas, considerando a formação do

    ser humano que se pretende. Trata-se de um convite a pensar e repensar a formação docente e

    suas consequências, a partir das quatro tendências apresentadas.

    Diante do exposto sobre as tendências de formação de professores na atualidade

    brasileira, compreendo que pensar a formação continuada de professores de Língua

    Portuguesa como agentes de letramento perpasse pela discussão sobre os saberes docentes, o

    papel da pesquisa para o constituir-se professor e sobre a reflexão como aspecto de formação.

    É no que se refere a estas três tendências que sigo discorrendo na próxima seção, a fim de

    apresentar a relação delas com o letramento.

    1.1.2 Formação continuada de professores de Língua Portuguesa sob a ótica dos saberes

    docentes, da pesquisa e da reflexão: possibilidades

    Acredito não poder sugerir uma formação para professores sem considerar as

    Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2015), que servem de norte para pensar esta

    empreitada. Assim, menciono que esta pesquisa dialoga com o disposto nas Diretrizes

    Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura,

    cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a

    formação continuada, mais especificamente à formação continuada quanto ao vínculo entre a

    educação escolar, o trabalho e as práticas sociais do professor de Língua Portuguesa.

    Ressalto, no decorrer deste processo investigativo, também o previsto no inciso X, do

    parágrafo quinto, do artigo 3º:

    [...] a compreensão da formação continuada como componente essencial da

    profissionalização inspirado nos diferentes saberes e na experiência docente,

    integrando-a ao cotidiano da instituição educativa, bem como ao projeto

    pedagógico da instituição de educação básica. (BRASIL, 2015, p. 5).

    Ainda sobre formação continuada, sem aqui me deter à duração dos cursos e/ou a

    suas características, destaco que como normatizado pelo artigo 16:

    A formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e

    profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e

    valores, e envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões

    pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima

    exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como

    principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de

  • 27

    aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético e político do profissional

    docente. (BRASIL, 2015, p. 13, grifo meu).

    Trazendo para o centro do debate três possibilidades de se pensar a formação

    continuada de professores de Língua Portuguesa à luz do letramento, inicio pela discussão

    sobre os saberes docentes, em seguida, faço considerações sobre a pesquisa como

    possibilidade de formação e finalizo dando destaque à reflexão na proposta de formação de

    professores.

    Amparo-me como referência em Tardif (2014) e suas questões sobre a natureza do

    saber do professor, a fim de apresentar essa base teórica como possibilidade de se pensar a

    formação do professor de Língua Portuguesa a partir dos saberes que o constituem.

    Tardif (2014) define o saber docente como um saber plural, formado pela união de

    saberes da formação profissional, que são transmitidos pelas instituições de formação de

    professores; saberes disciplinares, entendidos como saberes sociais definidos e selecionados

    pela instituição universitária e incorporados na prática docente; saberes curriculares,

    referentes aos objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar

    categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos; e saberes experienciais, sendo

    estes oriundos da experiência docente e por ela validados, por meio de experiências

    individuais e coletivas.

    Nessa perspectiva teórica, Tardif (2014) compreende o saber do professor na

    interação entre o individual e o social que é evidenciada pelo autor como se fosse “[...] seis

    fios condutores” (TARDIF, 2014, p. 16).

    O primeiro fio condutor a que se refere o autor são o saber e o trabalho. Esse fio

    corresponde à íntima relação entre o trabalho na escola e na sala de aula. O segundo é a

    diversidade do saber, cuja ideia defende que o saber dos professores é plural, um saber-fazer

    de origem social; o terceiro fio é a temporalidade do saber, que corresponde ao próprio saber

    adquirido em momentos diferentes da vida e da carreira profissional (TARDIF, 2014).

    Chamo a atenção ao terceiro fio condutor, a temporalidade do saber, já que, de

    acordo com Tardif (2014), refere-se a um tempo de vida e a um tempo de carreira no qual o

    eu como pessoa, imerso no universo do trabalho, constitui-se no eu como profissional, em

    uma perspectiva não linear, pois, em relação à temporalidade intrínseca ao tempo de vida e ao

    tempo profissional, um tempo plural fundante da construção e reconstrução dos saberes,

    Tardif (2014, p. 106) assevera que:

  • 28

    Compreender os saberes dos professores é compreender, portanto, sua

    evolução e suas transformações e sedimentações sucessivas ao longo da

    história de vida e de uma carreira; história e carreira que remetem a várias

    camadas de socialização e de recomeços.

    O quarto dos fios condutores é a experiência de trabalho como fundamento do saber,

    ou seja, refere-se aos saberes originados da experiência do trabalho, é o saber do próprio

    trabalho sobre saberes. O quinto fio condutor refere-se aos saberes humanos a respeito de

    seres humanos, isto é, expressa a ideia de trabalho em que o trabalhador se relaciona com o

    seu objeto de trabalho por meio da interação humana. O sexto e último fio condutor está

    relacionado aos saberes e à formação profissional, em outras palavras, à necessidade de se

    repensar a formação de professores, considerando-se seus saberes e as realidades específicas

    de seu trabalho cotidiano (TARDIF, 2014).

    Desta forma, considerando o saber docente como plural e buscando perceber o que

    emerge de suas práticas como agentes de letramento e da concepção que eles têm de

    letramento, creio ser viável pensar na formação continuada para docentes a partir dos saberes

    dos professores de Língua Portuguesa, a fim de se superar a mera transmissão de informações,

    entendendo-se que:

    [...] a prática pode ser vista como um processo de aprendizagem através do

    qual os professores retraduzem sua formação e a adaptam à profissão,

    eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a

    realidade vivida e conservando o que pode servir-lhes de uma maneira ou de

    outra. A experiência provoca, assim, um efeito de retomada crítica

    (retroalimentação) dos saberes adquiridos antes ou fora da prática

    profissional. Ela filtra e seleciona os outros saberes, permitindo assim aos

    professores reverem seus saberes, julgá-los e avaliá-los e, portanto, objetivar

    um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos ao processo

    de validação constituído pela prática cotidiana (TARDIF, 2014, p. 53).

    Quanto à pesquisa e a formação docente, passo a comentar o termo “pesquisa” e seu

    significado, a fim de situar o papel da pesquisa na prática docente. Trago, então, à discussão

    Fagundes (2011), que enfatiza que já no século XVI o termo “pesquisa” pode ser constatado

    no livro Recherches de la France (1560), de Étienne Pasquier. Inicialmente, o termo era mais

    usado no plural do que no singular e veio a tornar-se mais presente tanto nas Artes ou

    Ciências, como na Medicina e na História a partir dos séculos XVII e XVIII. A autora

    acrescenta que o conceito de pesquisa sofreu alterações e/ou adaptações em sua história

    (research, recherche, ricerca, etc.) oriundas do conceito comum de “buscar”.

    Para Fagundes (2011, p. 38), “[...] junto à palavra ‘pesquisa’, outras palavras vieram

  • 29

    a ter uso regular, notadamente ‘investigação’ [...] que se ampliou para além de seu contexto

    legal original. Outro termo que também se fundiu à palavra ‘pesquisa’ foi ‘experimento’". A

    pesquisa podia ser vista como estoque de conhecimento financiado muitas vezes pelo

    governo, em um lugar apropriado, como as academias com seus experimentos e investigações,

    o que estabelece uma profunda relação com o conhecimento científico. (FAGUNDES, 2011).

    Ainda de acordo Fagundes (2011, p. 42), a pesquisa científica é, inicialmente, “[...]

    aquela que se relaciona ao método, ao progresso do conhecimento, à experimentação, à

    investigação, ao sujeito moderno e às categorias essenciais do pensamento”. Logo, pesquisa

    científica passou a influenciar os demais tipos de pesquisas existentes.

    Como dito, realizei um breve comentário sobre a pesquisa com o propósito de abrir a

    discussão para o fato de que ela sofreu e vem sofrendo alterações com o passar do tempo,

    afinal, a linguagem é dinâmica e os contextos de uso, imensuráveis. Desse modo, por conta da

    dinamicidade das relações sociais e da língua, novos contextos surgiram dentro e fora da

    academia em referência ao pesquisar, tanto que a sala de aula se tornou local investigativo.

    Assim, superando uma certa ingenuidade e com um olhar mais crítico, tornou-se possível ao

    pesquisador, como diz Fagundes (2011, p. 50):

    [...] desenvolver uma prática de pesquisa em que ele tente se aproximar e

    compreender as representações simbólicas dos sujeitos pesquisados,

    considerando-os senhores de suas próprias concepções de mundo e gestores

    de juízos diante desse mundo no qual o conhecimento vai se construindo

    mediante as demandas que vão surgindo nele.

    Em um contexto contemporâneo, é possível perceber que o professor passa a ser o

    pesquisador de sua sala de aula, de sua prática, extrapolando a visão que o tem como um

    instrutor e/ou multiplicador de informações. O professor pode se tornar crítico e construtor de

    saberes e, nas palavras de Becker (2010, p. 13), transformar-se em um:

    [...] professor que não reduziu sua função às realizações de uma máquina de

    ensinar ou aos procedimentos burocratizados de um “ensinador”, constrói e,

    sobretudo, reconstrói conhecimentos. É o que faz um pesquisador, pois um

    conhecimento nunca inicia do zero e nunca é levado a termo de forma

    definitiva. Ele assim procede não para ser pesquisador, mas para ser

    plenamente professor. Nesse sentido, pesquisar faz parte da função docente.

    Faz parte da nova concepção de professor.

    Sob esse olhar, creio que este profissional da educação se torne um agente de

    letramento a partir de sua mobilização investigativa, pois, como pesquisador de sua prática,

  • 30

    irá construindo reflexões, possibilitando que ele se refaça constantemente, sem que se encerre

    ao acabar uma pesquisa, ao contrário, que ele se torne um ciclo, influenciando na concepção

    de si mesmo e de seu fazer pedagógico. Aí, então, o importante papel da pesquisa no processo

    de ensino-aprendizagem.

    Destaco que a “[...] ideia de professor pesquisador está muito associada à ideia de

    profissional crítico reflexivo.” (ANDRÉ, 2016, p. 20), a qual está ligada à autonomia, pois a

    pretensão é formar pessoas que “[...] pensem por si mesmas, [...] implementem ações e

    tenham argumentos para defender suas escolhas e ações. Ao exercer a sua autonomia, [...] vão

    se sentir cada vez mais livres das amarras do poder político e econômico” (ANDRÉ, 2016, p.

    20).

    Compreendo que, nesse caso, busque o professor por meio da reflexão encontrar

    formas para sua interação na vida social e profissional, pois essa formação crítica e reflexiva

    unirá seu potencial observacional à sua capacidade de resolver os problemas, em uma visão de

    valorizar a relação professor-aluno e comunidade escolar como um todo, afinal, como declara

    André (2016, p. 18):

    Queremos, sobretudo, que os professores estejam bem-preparados para

    propiciar melhores condições de aprendizagem ao aluno, a fim de que esse

    possa se apropriar da cultura e dos conhecimentos necessários a uma

    inserção crítica e criativa na realidade que o circunda, e assim possa fazer

    suas escolhas com determinação e liberdade.

    Após discorrer sobre os saberes docentes e a pesquisa como possibilidades

    formativas docentes, sigo destacando outro viés, o da reflexão, o qual “[...] ganha notoriedade

    por permitir ao professor um modo de agir sobre a ação e em todo o significado de atribuir

    sentido ao que fazemos” (SANTOS; GONZAGA, 2018).

    Os aspectos relacionados ao professor reflexivo e apontados na literatura, como, por

    exemplo, por Alarcão (2010), são a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão

    sobre a reflexão realizada, que são três características básicas do processo de formação do

    professor via reflexão.

    Em uma tentativa de descrever de forma sucinta o processo, posso dizer que refletir

    na ação e sobre a ação tem seu processo formativo construído na terceira característica, na

    metarreflexão, afinal, como assegura Alarcão (2010, p. 54):

    Refletimos no decurso da nossa própria ação, sem interrompermos, embora

  • 31

    com breves instantes de distanciamento, e reformulamos o que estamos a

    fazer enquanto estamos a realizá-lo, tal como fazemos na interação verbal

    em uma situação de conversação.

    A reflexão sobre a ação pressupõe um distanciamento da ação.

    Reconstruímos mentalmente a ação para tentar analisá-la retrospectivamente.

    Para que a dimensão formadora atinja um alto grau formativo e um valor

    epistêmico, resultando em aquisição de conhecimentos a disponibilizar em

    situações futuras, importa que esse processo seja acompanhado por uma

    meta-narração, sistematizadora das aprendizagens ocorridas. É o processo da

    metarreflexão de que nos fala Schön, ao pôr em relevância a reflexão sobre a

    reflexão na ação.

    Diante disso, vale atentar para o fato de que “[...] a reflexão depende do

    conhecimento profissional que se possua, o qual está em relação com o repertório de casos

    que foram sendo acumulados ao longo da experiência” (CONTRERAS, 2002, p. 121).

    Entendo, assim, que a repetição desses casos não implica realizar a mesma ação, ou melhor,

    não significa que, para fatos semelhantes, o docente irá agir da mesma forma, mas que uma

    nova reflexão será demandada, quiçá uma pesquisa por parte do professor, o que aproxima

    significativamente esta possibilidade formativa da anteriormente comentada.

    Pensar na formação por este viés à luz do letramento significa, então, formar um

    profissional crítico e reflexivo e pensar em uma ação que supere os limites do observar a ação

    do professor desprovido de base teórica e contextualização. Como enfatiza Ghedin (2005),

    seria, assim, ultrapassar três questões fundamentais, que são críticas ao conceito de professor

    reflexivo, a saber: do prático-reflexivo à epistemologia da práxis; da epistemologia da prática

    à uma autonomia emancipadora da crítica e da epistemologia da prática docente à prática da

    epistemologia crítica.

    Desse modo, faz-se preciso explicar a ultrapassagem do prático-reflexivo, pois é

    necessário pensar a ação com base teórica, a epistemologia da práxis, uma prática dialética de

    forma a se compreender as razões da ação em um contexto social; já a epistemologia da

    prática à uma autonomia emancipadora da crítica, é necessária visto que a autonomia docente

    emana de sua participação em um contexto social e político a ultrapassando o espaço restrito

    da sala de aula; enquanto a epistemologia da prática docente à prática da epistemologia crítica

    é justificada como “[...] modelo explicativo e compreensivo do trabalho do professor como

    profissional que dá sentido e significado ao seu fazer num dado contexto histórico [...]”

    (GHEDIN, 2005, p. 130), afinal, toda ação docente situa-se em um contexto histórico, social,

    político e econômico.

    Diante do exposto sobre os saberes docentes, pesquisa e reflexão como questões que

  • 32

    devem permear a formação do professor de Língua Portuguesa à luz do letramento, destaco-as

    como importante na construção da proposta apresentada ao final deste trabalho (APÊNDICE

    A), pois, nos saberes docentes, vejo a valorização e a validação de práticas cotidianas

    retomadas de forma crítica e reflexiva como resultado da experiência adquirida antes e na

    prática. Na pesquisa, percebo o potencial mobilizador investigativo capaz de influenciar a

    concepção docente construída de si e do seu fazer como profissional, ao mesmo tempo,

    enxergo na reflexão a autonomia do professor como fruto de uma análise crítica do contexto

    em que está inserido.

    Uma vez feitas as considerações sobre a formação continuada e a apresentação do

    ponto de vista que se tem na pesquisa sobre ela, passo na próxima seção a discorrer sobre

    letramento e outros conceitos que se fazem pertinentes para este trabalho.

    1.2 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E

    LETRAMENTOS – ASSIM, NO PLURAL

    Não é a pretensão, neste momento, realizar uma exposição de caráter histórico dos

    estudos sobre letramento, mas apresentá-lo de forma a deixar claro a vertente que subjaz o

    entendimento que se tem dele nesta pesquisa. Desta maneira, sigo com algumas considerações

    sobre o conceito – não necessariamente de forma linear quanto às publicações de teóricos e

    estudiosos, mas sequencial quanto ao processo de conceituação e compreensão de letramento

    – observando que, como declara Euzébio (2011, p. 28):

    [...] o termo letramento é objeto de investigação de linguistas e educadores

    no Brasil; o termo foi introduzido no país por Mary Kato em 1986 com a

    obra No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística; entretanto a

    estudiosa o fez ainda com o sentido muito próximo à erudição. (grifos da

    autora).

    Nessa obra, Kato (1986), ao discorrer sobre letramento, observa a escola como a

    responsável pela inserção do indivíduo no mundo da escrita, tornando-o cidadão letrado, de

    forma que ele tome a escrita como forma de suprir necessidades individuais de crescer

    cognitivamente. Para a autora, a “[...] chamada norma padrão, ou língua falada culta, é

    consequência do letramento, motivo porque, indiretamente, é função da escola desenvolver no

    aluno o domínio da linguagem falada institucionalmente aceita” (1986, p. 7).

    Complementando Euzébio (2011), encontramos em Pedralli (2011, p. 66-67) que:

  • 33

    Nesse uso que faz do termo, porém, tal autora não contempla os significados

    que letramento ganhou em nível nacional nos últimos anos; ou seja, as

    dimensões antropológica, política e sociológica do termo não estavam

    contempladas no emprego que Mary Kato fez dele na década de 1980.

    Como se vê, inicialmente, o conceito de letramento estava dissociado das práticas

    sociais, isto é, de aspectos social, histórico e cultural. De acordo com Dias (2012, p. 92),

    Em sua origem, o termo letramento estava vinculado a níveis de

    escolarização. Com o movimento conhecido internacionalmente como Novos

    estudos do letramento, o termo foi ressignificado: passou a fazer referência

    aos usos da leitura e da escrita implicando os contextos social e histórico-

    cultural envolvidos nesses mesmos usos. (grifos do autor).

    No Brasil, há na literatura registros que apresentam uma diferença entre alfabetização

    e letramento, em virtude disso, recorrendo a Tfouni (1988, p. 9), mostro a distinção:

    A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de

    habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isto é

    levado a efeito, em geral, através do processo de escolarização, e, portanto,

    da instrução formal. A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do

    individual.

    O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição

    da escrita. [...] tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado,

    mas também quem não é alfabetizado, e, neste sentido, desliga-se de

    verificar o individual e centraliza-se no social mais amplo.

    Vê-se, assim, que a autora desloca do individual para o coletivo a compreensão que

    se tem de letramento. Anos mais tarde, a autora reafirma seu posicionamento, dando ênfase ao

    social e ao histórico, quando diz que “[...] a alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por

    um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da

    aquisição de um sistema escrito em uma sociedade” (TFOUNI, 2005, p. 20).

    Nesse processo de construção de concepções sobre o letramento, Kleiman (1995) o

    define como práticas de leitura e escrita e faz, também, uma análise de concepções

    dominantes de letramento, relacionando o termo com a situação de ensino e aprendizagem da

    língua escrita, como se pode constatar na citação abaixo:

    Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que

    usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em

    contextos específicos, para objetivos específicos [...]. As práticas específicas

    da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o

    letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao

    longo da dicotomia alfabetizado ou não alfabetizado, passam a ser, em

    função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que

  • 34

    desenvolve alguns tipos de habilidades, mas não outros, e que determina

    uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (KLEIMAN, 1995, p.

    19, grifo da autora).

    Outra informação acerca do conceito exposto por Kleiman (1998, p.181) enfatiza o

    letramento “[...] como as práticas e eventos relacionados com uso, função e impacto social da

    escrita”, assim, o olhar está na própria prática e evento em que se faz uso de leitura e escrita,

    bem como nas suas consequências.

    A cada pesquisa sobre letramento, observa-se que o conceito toma maior abrangência

    e novos olhares, tanto que, no final da década de 1990, Kleiman (1998) inseriu as práticas

    sociais de leitura e escrita em si mesmas e destacou os eventos em que tais práticas ocorrem

    como traço distintivo de letramento. Já em meados da década de 2000, Tfouni (2005) concebe

    letramento como práticas sociais e históricas de inserção da escrita na sociedade e o impacto

    disso na própria sociedade.

    Para a discussão que aqui me proponho a realizar, tomo como referencial a

    concepção de letramento de Soares (2002), a qual está muito próxima à de Kleiman (1998):

    Embora mantendo esse foco nas práticas sociais de leitura e de escrita, este

    texto fundamenta-se numa concepção de letramento como sendo não as

    próprias práticas de leitura e escrita, e/ou os eventos relacionados com o uso

    e função dessas práticas, ou ainda o impacto ou as consequências da escrita

    sobre a sociedade, mas, para além de tudo isso, o estado ou condição de

    quem exerce as práticas sociais de leitura e de escrita, de quem participa de

    eventos em que a escrita é parte integrante da interação entre pessoas e do

    processo de interpretação dessa interação – os eventos de letramento.

    (SOARES, 2002, p. 145).

    A conceituação de letramento feita por Soares (2002) é reforçada por Buzato (2007)

    e por Rojo (2009). Buzato (2007, p. 153) afirma que letramento, em sua essência, envolve

    “[...] práticas sociais, plurais e situadas, que combinam oralidade e escrita de formas

    diferentes em eventos de natureza diferente, e cujos efeitos ou consequências são

    condicionados pelo tipo de prática e pelas finalidades específicas a que se destinam [...]”, e

    Rojo assegura que:

    [..] o termo letramento busca recobrir os usos e práticas sociais de linguagem

    que envolvem a escrita de uma ou outra maneira, sejam elas valorizadas ou

    não valorizadas, locais ou globais recobrindo contextos sociais diversos -

    família, igreja, trabalho, mídias, escola etc. (2009, p. 98, grifo da autora).

    Expostas as definições de letramento, torna-se possível inferir que o ensino-

  • 35

    aprendizagem de Língua Portuguesa à luz do letramento é relevante para o exercício da

    cidadania e para a inclusão social, bem como para a mudança de postura frente a certas

    realidades. Para isso, penso que o professor deva romper com práticas cristalizadas que não

    colaborem na construção do pensamento crítico e reflexivo dos alunos. Assim, ao professor,

    caberia tornar-se um agente de letramento, conceito este sobre o qual discorrerei mais à

    frente.

    Para sequenciar a discussão, enfatizo a dimensão tomada pelo termo “letramento” e

    suas ressignificações, a fim de discorrer sobre letramentos – no plural, novos letramentos, e

    multiletramentos, conceitos relevantes para a prática do professor de Língua Portuguesa e de

    outros também. Assim, sigo a discussão atento às palavras de Leite e Botelho (2011, p. 2) ao

    mencionarem que:

    [...] o conceito de letramento é bastante abrangente. E podemos afirmar que,

    devido às mudanças sociais ocorridas em nossa sociedade e as novas

    exigências sobre os conhecimentos da leitura e da escrita, esse termo vem

    sofrendo ressignificações.

    Letramentos, assim no plural, passou a ser utilizado por conta das mudanças sociais,

    culturais e históricas, o que traz em seu bojo novas exigências sobre a leitura e a escrita, por

    isso, não cabia mais pensar em letramento, no singular, como encontrado em Kalantzis e Cope

    (2012). Logo, pensar o letramento, no plural, letramentos, também caracteriza um professor

    consciente das mudanças ocorridas na sociedade, o que implica modificações sociais,

    culturais, políticas, históricas, como mencionado anteriormente.

    Quanto ao termo “Novos Letramentos”, Soares (2003) declara que, no Brasil, os

    estudos sobre letramento não chegaram a ser exatamente novos da forma como ocorreu nos

    Estados Unidos e na Inglaterra, visto que o termo literacy já existia nos dois países com

    significado muito próximo à alfabetização. A autora ressalta ainda que naqueles países se

    podia, sim, compreendê-lo como um novo estudo. Aqui, evidencio esta particularidade, a fim

    de esclarecer que, ao utilizar durante a investigação o termo “Novos Letramentos”, faço-o

    para inseri-lo como forma de referência aos demais pesquisadores brasileiros do tema.

    Compreendo que os Novos Letramentos estão alinhados à teoria sociocultural e

    consideram o uso das tecnologias da comunicação e informação e que são estudos situados

    em uma perspectiva mais contemporânea. Sobre o tema, Rojo (2009, p. 102) diz que são:

    [...] as abordagens mais recentes dos letramentos, em especial aquelas

    ligadas aos novos estudos do letramento (NEL/NLS), têm apontado para a

  • 36

    heterogeneidade das práticas sociais de leitura, escrita e uso da

    língua/linguagem em geral em sociedades letradas e têm insistido no caráter

    sociocultural e situado das práticas de letramento.

    Mattos (2011) corrobora essa assertiva, salientando uma mudança rápida e contínua

    no mundo, o que o torna, nos termos de Lankshear e Knobel (2003, p. 155), mais

    "tecnologizado" ou "digitalizado". Mattos (2011, p. 33) assevera, ainda, que:

    A presença de culturas diferentes em nosso próprio país e em nossa própria

    comunidade também fica cada vez mais evidente. A educação, como não

    poderia deixar de ser, também tem sido fortemente influenciada pela

    globalização e pela presença da tecnologia. As novas tecnologias trouxeram

    a necessidade de se adquirir novas habilidades, [...] chamaram de “novos

    letramentos” (grifo do autor).

    As palavras de Lankshear e Knobel (2003), Rojo (2009) e Mattos (2011) evidenciam

    mudanças nas relações das sociedades contemporâneas, em particular na educação e no

    processo de ensino-aprendizagem, o que reforça a ideia de estar a escola atenta aos anseios,

    quereres e necessidades do cidadão de hoje. Assim, não se pode deixar de considerar as

    discussões sobre os Novos Letrame