Aula 1 - Introdução e LINDB

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1 Introdução ao Direito Civil 1) Direito Positivo X Direito Natural: O Direito Positivo é o ordenamento jurídico num determinado país e numa determinada época. É o conjunto de normas em vigor num determinado Estado e período de tempo. Já o Direito Natural , que é sinônimo do jusnaturalismo, é a ideia abstrata do direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e suprema. Este tende a converter-se em direito positivo, ou a modificar o direito preexistente. De acordo com Caio Mário, não se pode falar em contraposição entre ambos, pois que, “se um é a fonte de inspiração do outro, não exprimem ideias antagônicas, mas, ao revés, tendem a uma convergência ideológica, ou, ao menos, devem procurá-la, o direito positivo amparando-se na sujeição ao direito natural para que a regra realize o ideal, e o direito natural inspirando o direito positivo para que esse se aproxima da perfeição”. 1.a) Direito Civil: Antigamente o Direito Civil era considerado uma “constituição do direito privado”, de modo que o patrimônio e a autonomia de vontade eram o grande objeto de proteção. Com a vinda da CRFB/88, que trouxe a ideia de ser o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, e passou o foco para a pessoa (dignidade da pessoa humana), influenciou também o Direito Civil. Esse movimento que alterou o paradigma do direito civil (do patrimônio para a pessoa ) passou a ser chamado de Constitucionalização do Direito Civil. Deve-se lembrar que o CCB/2002 nasceu de um projeto de revisão, acabado em 1974. 2) Situação Jurídica e Relação Jurídica:

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Introdução ao Direito Civil

1) Direito Positivo X Direito Natural:

O Direito Positivo é o ordenamento jurídico num determinado país e numa determinada época. É o conjunto de normas em vigor num determinado Estado e período de tempo.

Já o Direito Natural, que é sinônimo do jusnaturalismo, é a ideia abstrata do direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e suprema. Este tende a converter-se em direito positivo, ou a modificar o direito preexistente.

De acordo com Caio Mário, não se pode falar em contraposição entre ambos, pois que, “se um é a fonte de inspiração do outro, não exprimem ideias antagônicas, mas, ao revés, tendem a uma convergência ideológica, ou, ao menos, devem procurá-la, o direito positivo amparando-se na sujeição ao direito natural para que a regra realize o ideal, e o direito natural inspirando o direito positivo para que esse se aproxima da perfeição”.

1.a) Direito Civil:

Antigamente o Direito Civil era considerado uma “constituição do direito privado”, de modo que o patrimônio e a autonomia de vontade eram o grande objeto de proteção. Com a vinda da CRFB/88, que trouxe a ideia de ser o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, e passou o foco para a pessoa (dignidade da pessoa humana), influenciou também o Direito Civil. Esse movimento que alterou o paradigma do direito civil (do patrimônio para a pessoa) passou a ser chamado de Constitucionalização do Direito Civil.

Deve-se lembrar que o CCB/2002 nasceu de um projeto de revisão, acabado em 1974.

2) Situação Jurídica e Relação Jurídica:

Relação jurídica, para alguns, é a relação social qualificada pela norma jurídica, que surgirá no momento em que a relação se tornar relevante socialmente, por colocar em risco a harmonia e a tranquilidade social. Alguns autores entendem ser possível relação jurídica sem relação social, como nas relações tributárias (Miguel Reale e Leoni). A relação jurídica engloba 3 elementos: Sujeito, Objeto e Vínculo Jurídico.

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Já a Situação Jurídica, por sua vez, consiste em uma posição jurídica de vantagem que o ordenamento concretiza, podendo ser unissubjetiva ou plurissubjetiva (a relação jurídica é sempre plurissubjetiva).

Na relação jurídica sempre há um vínculo jurídico, entre dois sujeitos, envolvendo um objeto. No entanto, há uma divergência em relação aos sujeitos, quando se tratar de direitos reais e direitos da personalidade:

Teoria realista (Von Tuhr) – admite relação jurídica entre pessoa e coisa ou entre coisas. Esta teoria está ultrapassada. Ex: direitos da personalidade ou direitos reais.

Teoria personalista (Savigny) – os sujeitos sempre serão pessoas. Esta é a teoria que prevalece. Inviável relação entre pessoa e coisa ou entre coisas. Existem dois entendimentos dentro da teoria personalista para explicar o sujeito passivo no caso dos direitos da personalidade ou dos direitos reais:

Majoritário – o sujeito passivo é universal, erga omnes. O dever jurídico de abstenção é imposto a todos.

Minoritário (Prof. Fábio Azevedo) – nos direitos da personalidade e nos direitos reais, a lei não prevê uma relação jurídica. Ao contrário, estabelece uma situação jurídica para o titular, que só permitirá o surgimento de uma relação jurídica quando houver uma violação, momento em que será identificado o sujeito passivo.

3) Direito Objetivo e Direito Subjetivo:

O Direito Objetivo é o conjunto de normas impostas pelo Estado, de caráter geral, a cuja inobservância os indivíduos podem ser compelidos mediante coerção. Trata-se, portanto, de regra de conduta a ser seguida.

Este conjunto de regras jurídicas comportamentais gera para os indivíduos a faculdade de satisfazer determinadas pretensões e de praticar os atos destinados a alcançar tais objetivos, denominando-se Direito Subjetivo, ou seja, é a faculdade individual de agir de acordo com o direito objetivo, de invocar a sua proteção.

O Direito Subjetivo, portanto, é o direito objetivo titularizado. Portanto, o Direito Objetivo e o Subjetivo são lados opostos de uma mesma moeda. Não há direito subjetivo sem direito objetivo.

Assim, o Direito Objetivo impõe um atuar e a correspondente sanção; o Direito Subjetivo surge em decorrência do direito objetivo, criando uma faculdade para o titular exigir o cumprimento.

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3.1) Faculdade Jurídica e Faculdade Simples:

Faculdade Jurídica é o poder de agir, contido no direito subjetivo. É o conteúdo do Direito Subjetivo. É a possibilidade de exigir a realização do dever jurídico. As faculdades são aspectos do direito subjetivo. Ex: faculdades de usar, fruir e dispor contidas no direito subjetivo de propriedade.

Na Faculdade Simples há mera permissão para que o titular atue e crie situação jurídica ainda não existente. Ex: faculdade de casar ou não casar.

3.2) Direito Subjetivo e Direito Potestativo:

No Direito Subjetivo, quem o titulariza possui faculdades jurídicas que compõe esse direito subjetivo. Quem titulariza um direito subjetivo tem o poder de exigir de outrem o cumprimento de um dever, de uma prestação (bem da vida). Esse poder é chamado de pretensão. Assim, todo direito subjetivo gera uma relação de “poder” e “dever”.

Assim, para satisfazer certos direitos subjetivos, é necessária a anuência do devedor, ou seja, uma conduta do devedor. Daí, o devedor tem o dever jurídico. Esse dever jurídico será sem um comportamento humano de “dar, fazer ou não fazer”.

O Direito Subjetivo possui as seguintes características:

Corresponde a uma pretensão conferida ao titular paralelamente a um dever jurídico imposto a outrem;

Admite violação, pois o terceiro pode não se comportar de acordo com a pretensão do titular;

É coercível, podendo o sujeito ativo coagir o passivo a cumprir seu dever (dar, fazer ou não fazer);

O exercício depende da vontade do titular.

O Direito Potestativo representa uma situação em que o titular possui o poder de interferir na esfera jurídica alheia, de sujeitar terceiro ao seu querer (a este só haverá uma sujeição), criando, modificando ou extinguindo uma relação jurídica por sua vontade exclusiva (Ex.: Revogação de mandato; Extinção de Condomínio Voluntário; Divórcio).

Assim, todo direito potestativo gera uma relação de “poder” e “sujeição”. Aqui não há uma cobrança de “dar, fazer ou não fazer”, mas apenas impõe sua vontade à outa parte, que não pode resistir (estado de sujeição).

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O Direito Potestativo atribui ao seu titular o poder de produzir, mediante sua exclusiva declaração de vontade, a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica, com efeitos jurídicos em relação ao outro.

O Direito Potestativo possui as seguintes características:

Declaração unilateral de vontade, realizável por si só ou através de decisão judicial;

Estado de sujeição da outra parte; Influência em situação jurídica preexistente; Produção de efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos.

Os Direitos Subjetivos estão submetidos ao prazo prescricional. As ações terão natureza condenatória (dar, fazer ou não fazer).

Os Direitos Potestativos podem estar submetidos ao prazo decadencial. Existem direitos potestativos ao qual a lei não impõe prazo, e que podem ser exercidos a qualquer tempo (Ex.: Revogação de produção, divórcio). As ações terão natureza declaratória ou constitutiva.

Obs.: De um direito potestativo pode nascer um direito subjetivo (Ex.: Anulação de contrato por vício e dolo – a anulação é direito potestativo, mas a indenização que eventualmente tenha que ser paga será direito subjetivo).

3.3) Expectativa de Direito:

É um direito em formação, ainda dependente de algum elemento para se completar. Esse elemento pode ser um atuar do próprio titular da expectativa (direito potestativo), de um terceiro, ou de um acontecimento.

4) Dever Jurídico e Obrigação:

Dever jurídico é uma imposição em benefício de terceiro. Quando a lei impõe o dever de agir, o descumprimento acarretará contrariedade ao ordenamento jurídico. O dever jurídico decorre da lei e de toda relação jurídica obrigacional. Pode haver dever sem relação jurídica obrigacional.

A Obrigação surge do contrato, da declaração unilateral da vontade e do ato ilícito. Portanto, a obrigação exige a existência de sujeitos unidos pelo vínculo jurídico e natureza patrimonial. A lei não cria obrigações, mas sim deveres. A lei não define o que é a obrigação.

Obs.: Nesse sentido, vale lembrar que o art. 1º do CCB/2002 optou pelo uso do termo “dever”, por ser mais amplo, ao contrário do Código Civil antigo que utilizou o termo “obrigação”. Em toda obrigação há o dever do sujeito passivo em realizar sua prestação. Porém pode haver dever desvinculado de qualquer relação obrigacional, por não ter natureza patrimonial e ser imposto por lei.

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4.1) Ônus Jurídico:

No ônus, o sujeito não tem a obrigação de agir da forma prevista em lei. Sua atuação somente se voltará para seu próprio interesse e benefício. Trata-se de comportamento que se deve observar para atender a direito próprio (Ex.: ônus da prova), e se não observar tal comportamento, é o próprio titular que irá sofrer as consequências. Difere do dever, que representa um agir obrigatório em benefício alheio.

4.2)Poder Jurídico:

Representa a figura do poder-dever. É a atuação necessária no interesse de terceiro. Ex: poder familiar e relação tutor-tutelado.

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

1) Fontes do Direito:

As Fontes Materiais são os fatos e situações que nascem na própria sociedade. Os representantes do povo devem reconhecer as necessidades da sociedade e estruturar as relações sócias. Hübner Gallo as divide em:

Fontes Materiais Indiretas (Fontes Materiais “ stricto sensu ”): São os fatos sociais, derivados dos fatores do direito (moral, economia, geografia, etc.).

Fontes Materiais Diretas: Órgãos elaboradores do direito positivo.

Já as Fontes Formais são as modalidades pelas quais as regras se revelam para sociedade, ou seja, a forma pela qual a norma jurídica se exterioriza. Estas podem ser:

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Indireta: Esta não cria norma, mas fornece subsídios para o encontro desta. É a doutrina e jurisprudência (conjunto uniforme de decisões judiciais sobre uma indagação jurídica).

Direta: São as fontes formais propriamente ditas.

Entende-se que a Lei é Fonte Primária. A analogia, costumes e princípios gerais de direito são fontes secundárias. A doutrina, jurisprudência e equidade são fontes auxiliares (não é considerada fonte formal).

2) Característica das Leis:

a. Generalidade: Comando abstrato.

b. Imperatividade: Impõe dever, conduta.

Obs.: Sobre este ponto, vale ressaltar que as leis podem ser: Cogente/Taxastiva (imperatividade absoluta ou ordem pública), de

modo que não podem ser derrogadas pela vontade dos interessados, pois resguardam interesses fundamentais da sociedade, obrigando independente da vontade das partes.

Dispositivas (dotadas de imperatividade relativa), de modo que são permissivas ou suprem a falta de manifestação de vontade das partes. Essas dizem respeito aos interesses dos particulares. As normas Dispositivas se subdividem em:

Permissivas: Autoriza o interessado a derroga-la.

Supletivas: Aplica na falta de disposição em contrário das partes.

c. Autorizamento: Nasce direito subjetivo.

Obs.: Sobre o prisma do autorizamento, pode-se classificar as leis quanto á sanção: Perfeita ( Leges perfectae ): Prevê nulidade do ato na hipótese de sua

violação. Mais do que perfeita ( Leges plus quam perfectae ): Prevê, além da

nulidade, uma pena para os casos de violação. Menos do que perfeita ( Leges minus quam perfectae ): Determina

apenas penalidade quando a lei for descumprida, mas não se anula o ato (Ex.: art. 1523, I, c/c art. 1.641, I, CCB).

Imperfeita ( Leges Imperfectae ): Não considera nulo ou anulável ato que a contraria, nem comina castigo (Ex.: Art. 18, LC 95/98).

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d. Permanente: A lei não se exaure em uma só aplicação. No entanto, existem normas temporárias (Ex.: Disposições Transitórias e Leis Orçamentárias).

e. Emanação de autoridade competente.

Formação da Lei

I) Apresentação do Projeto: Iniciativa de lei – art. 61, CRFB.II) Exame pelas comissões técnicas, discussões e aprovação: Passado

pelo crivo das comissões competentes, deverá ir ao plenário para discussão e votação. No regime bicameral, é indispensável a aprovação do projeto pelas 2 casas.

III) Revisão do Projeto: Conforme o art. 64 e 65 da CRFB, o projeto iniciado em uma casa será revisado pela outra, e, se aprovado, será encaminhado ao Presidente da República. Se o rejeitar será arquivado, e se apresentar emenda, devolverá à casa de origem para apreciação (art. 65, § único).

IV) Sanção: Feita pelo Chefe do Executivo. Poderá ser expressa ou tácita, conforme art. 66, §1º e §3º. Na hipótese de veto, aplica-se o §§4º a 6º.

V) Promulgação: Declaração formal de existência da lei. É o momento que a lei passa a existir (art. 66, §5º).

VI) Publicação: Feita por órgão oficial e é indispensável para que a lei entre em vigor.

2.1) Vigência e Vigor:

Há quem faça distinção entre vigência e vigor das leis. Vigência seria o intervalo entre a publicação da lei e sua revogação. Vigor seria o momento a partir do qual a lei passa a ser obrigatória. A vacatio legis, assim, seria referente a data de entrada em vigor da lei, não tendo relação com a vigência.

Neste sentido, afirma-se que o art. 1º da LINDB usou de maneira correta o termo “vigor”, ao se referir ao atributo da norma que completa a vacatio legis.

Obs.: Maria Helena Diniz utiliza as expressões vigência em sentido lato e vigência em sentido estrito.

Após entrar em vigor, a lei irá produzir efeitos até a sua revogação (exceto no caso de leis excepcionais e temporárias – leis orçamentárias). Aplica-se o Princípio da Continuidade das Leis.

No Brasil, a LC 95/98 afirma que todas as leis novas devem ter cláusula de vigência. Porém, caso não tenham, prevalecerá a regra de 45 dias, conforme art. 1º da LINDB. Para a aplicação da lei brasileira fora do território nacional haverá o prazo de 3 meses, conforme art. 1º, §1º, LINDB.

Obs.: Vale ressaltar que os atos administrativos (decretos, resoluções e regulamentos) entram em vigor na data de sua publicação no órgão oficial de imprensa (art. 5º, Decreto n. 572/1890). Assim, quanto a esses não se aplica a LINDB.

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2.1.a) Vacatio Legis :

A contagem do prazo da vacatio legis se dará com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral (art. 8º, §1º, LINDB)1.

3) Revogação da Lei:

É a supressão da força obrigatória da lei, retirando-lhe eficácia. Só pode ser feita por outra lei. Poderá ocorrer a Ab-rogação (revogação total) ou a Derrogação (revogação parcial). Vale lembrar ainda que a revogação pode ser tácita ou expressa (art. 2º, §1º, LINDB).

A revogação poderá ser expressa ou tácita. Quando tácita poderá se dar por:

Critério Cronológico: Incompatibilidade das disposições novas com as já existentes.

Critério Hierárquico: Incompatibilidade com a mudança havida na Constituição ou outra lei superior.

Critério da Especialidade: Prevalência da lei especial sobre a geral.

Obs.: Via de regra a norma especial revoga a geral, quando disciplinar, de forma diversa, o mesmo assunto. Todavia, o art. 2º, §2º, da LINDB, estabelece que “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. Podem, assim, coexistir as normas de caráter geral e as de caráter especial, caso não haja incompatibilidade entre essas.

Portanto, não pode acolher de modo absoluto a fórmula “lei especial revoga a geral”, pois nem sempre isso acontece, podendo perfeitamente ocorrer que a especial introduza uma exceção ao princípio geral, que deve coexistir ao lado deste. Em caso de incompatibilidade, haverá revogação tanto da lei geral pela especial, com da lei especial pela geral.

3.a) Antinomias Jurídicas:

Antinomia é a presença de duas normas conflitantes, que imputam soluções incompatíveis a um caso. Nestes casos, existem 3 soluções para os choques entre as normas jurídicas (que não necessariamente se resolvem pela revogação – art. 2º, §2º, LINDB):

1 Quanto a tal fato, deve-se lembrar que o CCB/2002, em seu art. 132, §3º, determina a exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento. Assim, há divergência se o CCB entrou em vigor em 12/01/2003 (regra do CCB), ou em 11/01/2003 (regra da LINDB).

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Critério Cronológico: Norma posterior prevalece sobre norma anterior;

Critério da Especialidade: Norma especial prevalece sobre norma geral;

Critério Hierárquico: Norma superior prevalece sobre norma inferior.

Obs.: Se houver divergência entre o critério cronológico e o da especialidade, prevalece o da especialidade. Se houver divergência entre o critério da cronológico e o hierárquico, prevalece o hierárquico.

Quando a situação puder ser resolvida com bases nesses critérios, haverá Antinomia Aparente. Porém, quando o conflito não puder ser resolvido pelos aludidos critérios, haverá Antinomia Real (conflito entre critério hierárquico e da especialidade). Nestes casos, o conflito será solucionado por meio dos mecanismos destinados a suprir as lacunas da lei (art. 4º e 5º da LINDB).

4)Repristinação X Efeito Repristinatório:

Repristinação: É o fenômeno legislativo no qual há a entrada em vigor de uma norma efetivamente revogada, pela revogação da norma que a revogou. Esta não é a regra no direito brasileiro, pois a repristinação deve ser expressa na lei final, revogadora da lei revogadora, fazendo expressa menção de que a lei inicial volta a ter vigência (art. 2º, §3º, LINDB). Não se admite, assim, a repristinação tácita.

Nota-se, portanto, que nesta existem 3 leis em pauta.

Efeito Repristinatório: Advém do controle de constitucionalidade. O ato inconstitucional nasce eivado de nulidade. A decisão que reconhece a inconstitucionalidade é declaratória. Assim, a norma que nasce nula não poderia revogar a anterior validamente, pois norma nula não produz efeitos. Portanto, reentra em vigor a norma aparentemente revogada (corrente dominante), salvo nos casos de modulação dos efeitos, conforme art. 27 da Lei 9.868.

Nota-se, portanto, que nesta existem 2 leis em pauta.

Repristinação Efeito repristinatório

Envolve 3 leis Envolve 2 leis e decisão do STF

EXCEÇÃO REGRA

Somente admitida se houver previsão expressa na lei. Não se admite repristinação tácita.

É a regra da declaração de inconstitucionalidade de uma lei. Somente não haverá tal efeito se afastado expressamente pelo STF.

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5) Integração das Normas Jurídicas (art. 4º da LINDB e art. 126 do CPC):

De acordo com a Teoria do Ecletismo, a lei pode ter lacunas, mas o sistema (ordenamento jurídico) não possui lacunas.

Obs.: Quando o magistrado enquadra determinado fato a uma norma,

há o fenômeno da subsunção. Quando tal enquadramento não ocorre, deverá proceder à integração normativa.

Após a lei, deverá ser seguida a seguinte ordem de aplicação:

I) Analogia: Essa representa a supremacia da lei – aplica à hipótese não prevista em lei um dispositivo legal relativo ao caso semelhante (“ubi eadem ratio, ibi idem jus”). Tem como requisito a inexistência de dispositivo legal, a semelhança entre as relações reguladas, e identidade de fundamentos lógicos e jurídicos no ponto comum às duas situações.A analogia poderá ser:

o Analogia Legis – Aplicação de uma norma existente, destinada a reger caso semelhante ao previsto.

o Analogia Juris – Baseia-se em um conjunto de normas, para obter elementos que permitam a sua aplicabilidade ao caso concreto não previsto, mas similar. Para Miguel Reale e Paulo, isso seria a aplicação dos princípios gerais de direito.

Obs.: Não se confunde a aplicação analógica da lei com a interpretação extensiva: A Analogia tem como pressuposto básico a lacuna da lei. Assim, o caso que se quer enquadrar na ordem jurídica não encontra solução nem na letra, nem no espírito da lei. Acha-se um paradigma, ou seja, um caso análogo ao não previsto (Semelhança essencial e identidade de motivos). Já no caso da Interpretação Extensiva não há lacuna na lei, existe apenas uma impropriedade de linguagem (a “mens legis” revela um alcance maior, de modo que a letra da lei não condiz com seu espírito). Assim, amplia-se a significação das palavras até fazê-las coincidir com o espírito da lei.

II) Costume 2 : Trata-se de prática uniforme, constante, pública e geral de determinado ato. Existem 3 tipos de costumes:

o Secundum Legis – Eficácia obrigatória é reconhecida pela lei (art. 1.297, §1º; art. 596; art. 615, CCB).

o Praeter Legis – Suprir leis nos casos omissos (art. 4º LINDB).o Contram Legem – Se opõe à lei, porém não a revoga (apenas lei

revoga lei).

2 É composto pelo uso (elemento externo) e convicção jurídica (elemento interno).

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III) Princípios Gerais de Direito: Regras universalmente aceitas, que se encontram na consciência dos povos (Ex.: Boa-fé). Em sua maioria estão implícitos no sistema jurídico.

IMPORTANTE!!! Equidade 3 : Não constitui meio supletivo de lacuna da lei, sendo mero recurso auxiliar da aplicação desta (art. 127, CPC – O juiz só aplica equidade quando a lei permitir). Aplica-se em caso de conceitos vagos (equidade judicial) ou quando a lei formula várias alternativas (equidade legal) e deixa a escolha a critério do juiz (Ex.: art. 1.586, CCB).

Não se considera a Equidade como fonte formal, por não ter caráter de abstração e generalidade.

4) Interpretação da Norma Jurídica:

Interpretar significa revelar o sentido e fixar o alcance da norma jurídica.

Obs.: Vale observar que existem autores que defendem o princípio “in claris cessat interpretativo”, de modo que quando a lei for clara, não precisa ser interpretada, ou seja, apenas caberá interpretação declarativa. Porém, tal entendimento não é pacífico na doutrina.

Gramatical: Analisa de modo literal. Lógico: Busca o alcance, intenção do legislador. Sistemático: Interpreta em conjunto com outras leis, levando em

consideração todo o sistema de normas. Histórico: Antecedentes e processo legislativo (ratio legis). Sociológico (Teleológico): Exigências sociais (art. 5º, LINDB). Essa irá

levar em consideração a finalidade da norma, ou seja, os fins colimados pela lei, compatibilizados com as exigências atuais.

5) Conflito das Leis no Tempo:

As leis são elaboradas para, em regra, valer para o futuro. Porém, indaga-se sobre a aplicação ou não da lei nova às situações anteriormente constituídas.

Para solucionar tal questão, 2 critérios são utilizados: o das Disposições Transitórias e o da Irretroatividade das Normas.

3 Orlando Gomes dize que o juiz deve sempre julgar “com equidade”. Porém, isto não se confunde com julgar “por equidade”, que somente é aplicada quando a lei expressamente autorizar.

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As Disposições Transitórias são elaboradas pelo legislador, no próprio texto normativo, destinadas a evitar e a solucionar conflitos que poderão emergir do confronto da nova lei com a antiga, tendo vigência temporária.

Já o Critério da Irretroatividade das Normas (art. 6º, LINDB e art. 5º, XXXVI, CRFB) traz a ideia de que a lei não se aplica às situações anteriormente constituídas, assegurando a certeza, a segurança e a estabilidade do ordenamento jurídico-positivo. Conforme veremos, no direito brasileiro a irretroatividade é regra, mas admite-se a retroatividade em determinados casos.

Existem duas teorias principais sobre a matéria:

Teoria subjetiva, defendida por Gabba: Diferencia direito adquirido, expectativas de direito e faculdades jurídicas abstratas, para entender que somente o direito adquirido não pode ser prejudicado pela lei nova.

Teoria objetiva, defendida por Roubier: Distingue entre efeito retroativo e efeito imediato da lei. Será efeito retroativo quando tiver que ser aplicada ao passado e efeito imediato quando for aplicada no presente. Diferencia os fatos realizados das situações em curso, distinguindo estas em partes anteriores e partes posteriores. A aplicação da lei nova a situações em curso posteriores a nova lei não seria retroatividade, mas sim aplicação imediata.

Assim, no direito brasileiro a irretroatividade é a regra, de modo que a LINDB

(art. 6º, LINDB) e a CRFB (art. 5º, XXXVI, CRFB) adotaram a Teoria Subjetiva de Gabba (STF), de completo respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada.

Ato Jurídico Perfeito: Ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou;

Direito Adquirido: Direito que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular.

Coisa Julgada: Imutabilidade dos efeitos da sentença, não mais sujeita a recursos.

Entretanto, vale notar que o princípio da irretroatividade não tem caráter absoluto 4 , pois razões de política legislativa podem recomendar que, em determinada situação, a lei seja retroativa. Assim, há casos em que o interesse social, o progresso ou a equidade justificam tal efeito atribuído à lei nova.

Pode-se dizer que, em regra, a lei não retroage, apenas podendo retroagir quando não ofender tais institutos (ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada), além de ser expressa a aplicação retroativa pelo legislador.

4 Tal fato decorre da forte tendência de relativizar princípios e regras em sede de Direito.

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Na doutrina, diz-se que é justa a retroatividade quando não ofende tais institutos, e injusta quando ocorre tal ofensa. Assim, podemos classificar a retroatividade como5:

Retroatividade Máxima: Esta atinge o direito adquirido e afeta negócios jurídicos perfeitos, ou seja, atinge direitos já incorporados ao patrimônio do indivíduo.

Retroatividade Média: Faz com que a lei nova alcance os fatos pendentes, os direitos já existentes, mas ainda não integrados no patrimônio do titular. Atinge os efeitos pendentes de atos jurídicos verificados antes dela (Ex.: atinge as prestações vencidas e não adimplidas – lei que diminui a taxa de juros e se aplica aos já vencidos e não pagos).

Retroatividade Mínima: Quando a lei nova afeta apenas os efeitos dos atos anteriores, mas produzidos após a data em que ela entrou em vigor, ou seja, atinge apenas os efeitos dos fatos anteriores, verificados após a data em que ela entra em vigor (Ex.: prestações futuras de negócios firmados antes do advento da nova lei).

Obs.: A retroatividade máxima e média, em regra, não devem ser aplicadas no Brasil. Porém, os civilistas defendem que a retroatividade em grau mínimo não deva ser chamada de retroatividade, pois é mera aplicação imediata da lei, atingindo somente os fatos pendentes (levando em consideração a distinção que Paul Roubier faz sobre fatos pretéritos e fatos pendentes).

Porém, o STF já se posicionou no sentido de que a reotroatividade mínima não deve ser aplicável, já que o art. 5º, XXXVI, da CRFB, não prevê qualquer restrição em relação aos graus de reotratividade. Assim, para o STF, a retroatividade mínima é inconstitucional.

No entanto, entre a retroatividade e a irretroatividade existe uma situação intermediária: a da aplicabilidade imediata e geral da lei nova a relações que, nascidas embora sob a vigência da lei antiga, ainda não se aperfeiçoaram, não se consumaram 6 . Essa imediata e geral aplicação deve também respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, conforme o art. 6º da LINDB (Ex.: Lei que diminui a maioridade torna automaticamente maiores todos os que já tinha atingido a idade estabelecido. Porém, se aumentar a maioridade, deverá ser respeitada a maioridade de quem já a havia adquirido, aplicando-se apenas aos que não a tinha completado).

Obs.: A jurisprudência vem mitigando os efeitos da coisa julgada, permitindo, por exemplo, a investigação de paternidade quando a anterior ação foi julgada improcedente por insuficiência de provas,

5 Todas essas são retroatividades injustas.6 Alguns autores, inclusive o STF, dizem que isso é sinônimo da retroatividade mínima.

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sem o exame do mérito. Nesse sentido, o STJ entendeu que, em se tratando de ações de estado, a coisa julgada deve ser interpretada modus in rebus, buscando os fins sociais e às exigências do bem comum.

O STF (Informativo 622) confirmou a tendência de mitigação da coisa julgada, de modo que o princípio da segurança jurídica não poderia prevalecer sobre a dignidade da pessoa humana.

Obs.2: Art. 2.035 CCB: O art. 2.035 CC passou a prever a retroatividade mínima. Há quem sustente ser inconstitucional, justamente por ofender o art. 5º, XXXVI CRFB. Uma interpretação conforme à CRFB levaria à conclusão de que é possível a retroatividade, desde que não ofenda o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Conforme disposto no art. 1º da LINDB, salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar 45 dias após sua publicação. Há posicionamento doutrinário no sentido de que a própria lei pode estabelecer sua aplicação a casos pretéritos, devendo haver obediência, no entanto, ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CRFB e art. 6º, LINDB).

No entanto, na prática, os Julgadores vêm estabelecendo a retroatividade da lei, mesmo não havendo determinação expressa, nos casos em que a norma possui caráter de ordem pública e/ou cunho social (Ex.: Lei 8.441 – DPVAT; Lei 9.656 – dispõe sobre os planos de saúde).

6) Eficácia da Lei no Espaço:

Em razão da soberania estatal, a norma tem aplicação dentro do território delimitado pelas fronteiras do Estado. Trata-se do princípio da Territorialidade. Entretanto, no Brasil, esse princípio não é absoluto, admitindo-se, excepcionalmente que uma lei estrangeira tenha eficácia em seu território (extraterritorialidade), sem comprometer a soberania nacional.

Portanto, o Brasil adota a Territorialidade Moderada, sujeita a regras especiais, que determinam quando e em que casos pode ser invocado o direito alienígena.

De acordo com o art. 7º da LINDB prevalece a Lei do Domicílio 7 , ou seja, a lei do país onde a pessoa é domiciliada (Súmula 381 do STF). Porém, em determinados casos, o juiz aplicará o direito alienígena em vez do direito interno.

A regra da aplicação da Lei do Domicílio (não necessariamente a lei brasileira) será aplicada nas seguintes hipóteses:

7 O juiz ater-se-á à noção de domicílio do art. 70 e seguintes do CCB.

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Reger as relações jurídicas atinentes ao começo e ao fim da personalidade, ao nome, à capacidade e aos direitos de família (art. 7º);

Bens Móveis que o proprietário tiver consigo ou se destinarem ao transporte para outros lugares (art. 8º, §1º);

Regime de Bens do casamento (art. 7º, §4º); Penhor (art. 8º, §2º); Capacidade de Suceder (art. 10, §2º) e Sucessão causa mortis (art. 10); Competência da autoridade judiciária (art. 12)

Situações que excepcionam a regra da Lei do Domicílio:

Lei brasileira é aplicável aos nubentes que se casem no Brasil, ainda que sejam estrangeiros (art. 7º, §1º). Porém, tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal (art. 7º, §3º).

Casamento realizado perante autoridade diplomática ou consular quando ambos cônjuges forem co-nacionais (art. 7º, §2º), aplicando-se a lei do país celebrante.

Casamento de brasileiros realizados no exterior, realizado por autoridade consular brasileira, mesmo que domiciliados fora do Brasil, aplicará a lei brasileira.

Obs.: De acordo com o art. 12, §1º, só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.

6.1) Execução de Sentenças Estrangeiras:

Para serem executadas no Brasil, devem preencher os requisitos do art. 15 da LINDB, sendo que essas regras não se aplicam à carta rogatória e execução de título executivo extrajudicial oriundo do estrangeiro (art. 585, §2º, CPC):

a) Sentença proferida por juiz competente;b) Partes citadas ou revelia legal;c) Passado em julgado e revestida das formalidades para execução;d) Traduzida por intérprete autorizado;e) Homologação do STJ (art. 105, I, i, CRFB), que fará um juízo de

delibação (verifica o respeito à ordem pública e soberania nacional, conforme o art. 17 da LINDB), e não haverá reexame de mérito.