Aula 3 - Althusser (1996)

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OS APARELHOS IDEOLOGICOS DE ESTADO 0 que e ,preciso acrescentar a «teoria mar- xista» do Estado e tpois outra coisa. Devemos agora com prudencia num terreno onde, de facto, os chissicos do marxismo nos precederam ha Iongo tempo, mas sem ter sistematizado, sob uma forma teorica, os progresses decisivos que as suas e os seus metodos e processos (demarches) implicaram. As suas experiencias e metodos P,ermaneceram de facto no terreno da pratica politica. De fad0, na sua , pratica ,politica, os clas- sicos do marxismo trataram o Estado como uma realidaije mais complexa do que a defini- que dele se da na «teoria marxista do Estado», mesmo completada como a apresen- tamos . Na sua pratica reconheceram esta com- 41

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AIEs

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  • OS APARELHOS IDEOLOGICOS DE ESTADO

    0 que e ,preciso acrescentar a teoria mar-xista do Estado e tpois outra coisa.

    Devemos agora avan~ar com prudencia num terreno onde, de facto, os chissicos do marxismo nos precederam ha Iongo tempo, mas sem ter sistematizado, sob uma forma teorica, os progresses decisivos que as suas experiencia~ e os seus metodos e processos (demarches) implicaram. As suas experiencias e metodos P,ermaneceram de facto no terreno da pratica politica.

    De fad0, na sua ,pratica ,politica, os clas-sicos do marxismo trataram o Estado como uma realidaije mais complexa do que a defini-~ao que dele se da na teoria marxista do Estado, mesmo completada como a apresen-

    ~ . tamos. Na sua pratica reconheceram esta com-

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  • plexidade, mas nao a exprimirlml numa teoria correspondente 1 ,

    Gostariamos de tentar esbo~ar muito esque-maticamente esta teoria correspondente. Para esse fim, prcpomos a tese seguinte.

    Par a se a van~ar na teo ria do Estado e indispensavel ter em conta, nao so a distin~ao entre poder de Estado e aparelho de Estado, mas tambem outra realidade que se situa manifestamente do lado do a;parelho (repres-sive) de Estado, mas nao se confunde com ele. Designaremos esta realidade pelo seu conceito: os aparelhos ideol6gicos de Estado.

    Que sao OS 8.iparelhos ideologicos de Estado (AIE)?

    Nao se confundem com o aparelho (repres-sive) de Estado. Lembremos que na teoria

    i Segundo o que conhecemos, Gramsci foi o unico que se aventurou nesta via. Teve a ideia singular de que o Estado nao se reduzia ao aparelho (repressive) de Estado, mas compreendia, como ele dizia, certo nu-mero de institui

  • - o AlE escolar _ ( o sistema das diferentes escO'la.s IPUblica.s e parti..cul.ares),

    - ._ ..t\IE familiar 1 , - o AlE juridico 2 , - o AlE politico ( o sistema politico de

    que fazem parte os diferentes partidos), - o AlE sindical, - o AlE da informa~iio (imprensa, radio-

    -televisiio, etc.), - o AlE ,cultural (Letras, Belas Artes,

    desportos, etc.).

    Dissemos: os AlE niio se confundem com o AJparelho (repressivo) de Estado. Em que consiste a diferen~a?

    Num primeiro momento podemos observar que, se existe 'U!fl- .AJparelho (repressivo) . de ~B:._qo, existe uma pl;;,roz{Jaae" "

  • tra.rio a condi~ de toda. a. distin~ entre piiollOO .Jt . .Pt"ivado. Podemos dizer a mesma coiSiP&rtmdo agora dos nossos .Apa.relhos ldeo-l6gioeos de Estaao. Pouco importa que as ins-titui~6es que os realizam sejam .:;pllblieas ou .privadas. 0 que im:porta e 0 seu funciona-mento. lnstitui~Oes privadas 'Podem perfeita-mente funcionar como Aparelhos ldwl6gicos

    de Estado. Uma analise um pouco mais pro-funda de qualquer dos AlE seria suficiente para prov.ar o que acabamos de dizer.

    Mas vamas ao essencial. 0 que distingue os AlE do Aparelho (repressivo) de Estado, e a diferen!;a fundamental seguinte: () Aparelho repressivg5Jg_$gtado funciona pela vioiericili, en(iuant~ os Aparelhos ldeol6gicos de Estado fu,'!l_,cjgryJ/f!l, pela ideologia>>.

    Podemos precisar rectifica:ndo esta distin-~ao. Diremos de facto que qualquer .A:parelho de Estado, seja Ele rep:essivo ou ideol6_sico, funciona simultaneamente pela violoocia e pela ideologia, mas com uma diferen!;a muito importante que impede a confusao dos Apare-lhos Ideol6gicos de Estado com o Aparelho (repre!".sivo) de Estado.

    E que em si mesmo o Aparelho (repressivo) de Estado funciona de uma mameira mass,iva-

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    mente prevalente peZa .1"~Prf3..~ij,o . (inclusive fi-~j;caT,~i~J?Q"i~ )unci~~e secluHiariailleiit~ Pel a ideo1ogia. (Nao ha aparelho rpuramente rerpres-s1Vo). Exemplos : o Exercito e a Polioia fund o-n am tamoom pela ideologia, simultaneamente. para assegurar a. s~ua propria coesao e repro-du!;ao e pelos valores que projectam no exterior.

    Da mesma maneira, mas inversamente, deve-mos dizer que, em si mesmos, os .A:parelhos Ideol6gicos de Estado funcionam Je-tim modo massivamente prevalente pela. idealogia) em-bora funcionando secundariamente pela . re-rpressao, mEs-mo que no limite, mas apenas no trmite, esl:a seja .. ba~sta:nte atenuada, dissimu-la;aa-'()}l- : ~J.[~si!!lb61i~a. (Nao hft apafellio pura-mente ideol6gico). Assim a eecola e as Igrejas educam por metodos apropriados de san!;Oes, de exclu~Oes, de selec!;ao, etc., nao s6 os seus oficiantes, mas as suas ovelhas. Assim a Fami-lia ... Ass~m o Aparelho IE cultural (a cen-sura, para s6 me.ncionar est a), etc.

    Sera util referir que esta determinac;ao do duplo funcionamento (de ma,neira prevalente, de ma.neil\a secundaria) pela repressao e pela ideologia, consoante se trata do Aparelho (re-'Pressivo) de Estado ou dos Aparelhos Ideo-l6gicos de Estado, permite comprem.der o facto

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  • de constantemente se tecerem combinac;6es muito subtis explicitas ou tacitas entre o jogo do Aparelho (repressivo) do Estado e o jogo dos A.parelhos Ideol6gicos de Estado? A vida quotidiana oferece-nos inumeros exemplos disto que e preciso estudar em pormenor para irmos mais alem da simples observac;ao.

    Esta observac;ao obre-nos a via da com-preensao do que co.nstitui a unidade do cor.po aparentemente dispar dos AlE. Se os AlE funcionam de maneira massivamente .preva-lente pela ideologia, o que unifica a sua diver-sidade e precisamente este funcionamento, JHl medida em que a ideol()gia pela qual funcio-mim e sempre unificada apesat das suas con-tradig6es e da sua diyer~idade, na idcologia dominante, que e a da classe dominante ... Se quisermos considerar que em principia a classe dominante detem o .poder de Estado (de uma forma franca ou, na maioria das vezes, por meio de Alia,ngas de classe ou de fracc;oes de classes), e disp6e portanto do Apa-relho (repressivo) de Estado, podemos admitir que a mesma classe dominante e activa nos Aparelhos ideol6gicos de Estado. E claro, agir por leis e decretos no Apareiho. ( repressivo) de Estado e agir por intermedio da ideologia

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    dominante nos Aparelhos ideol6gicos de Estado sao duas coisas diferentes. Sera .predso entrar no pormenor desta diferenc;a, -mas ela nao podera esconder a realidade de uma profunda identidade. A partir do que sabemos, nenhuma cla.sse pode duravelrn,ente deter; Q_P.Qrje; de'ii:s~ tfido scm exercer 8lmultancamente a ;~ hege-mmfia sabre e no-s Aparelhos I deol6gicos de Estado. Dou urn unico exemplo e prova: a preo-cup~[O lancinante de Lenine de revolucionar o Aparelho ideol6gico de Estado escolar (entre outros) para permitir ao proletariado sovie-tico, que tinha tornado o poder de Estado, asse-gurar o futuro da ditadura do proletariado e a pas sa gem ao socialismo 1

    Esta ultima nota permite-nos compreender que os Aparelhos Ideol6gicos de . ~stado podem ser nao so o alt:o mas tambem o iocalcfiTuta de classes . e por vezes de formas renl~ida~ da lutade-classes. A classe (ou a alianc;a de classes) no poder nao domina tao facilmente

    1 Num texto patetico datado de 1937, Kroupskala conta a hist6ria dos esfor~os desesperados de LenJne e daquilo que ela consldera eomo o seu fracasso (cLt chemin parcouru).

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  • os AlE como o .Aparelho ( rlPressi vo) de Es-tado, e isto nao s6 IPOrque as antigas classes domina.ntes podem durante muito temvo con-servar neles posigoes fortes, mas .tambem !pOT-que a resistencia da.s classes exploradas pode encontrar meios e ocasioes de se exprimir neles, quer utilizando as contrad.ig6es existen-tes (nos AlE), quer conquistando pela luta (nos AlE) posi~6es de combate 1

    Resumaanos as nossas notas.

    1 0 que .aqui e dito rapidamente, da luta de classes nos Aparelhos Ideol6gicos de Estado, esta evi-dentement.e Ionge de esgotar a questao da luta de classes.

    Para abordar esta questao e preciso ter presente no espirito dois principios.

    0 primeiro principia foi formulado por Marx no Prefacio a Contribu~ao: Quando se consideram tais perturbagoes (uma revolugiio social) e preciso distin-gulr sempre entre perturba~;ao material- que se pode constatar de uma mane ira cientificamente rigorosa-das condigoes de produgii.o econ6micas, e as formas juri-

    .. dicas, politicas, religiosas, artisticas ou filos6ficas nas quais os homens tomam consci~ncia deste conflito e o levam ate ao fim.:. Portanto, a . luta de classes exprime-se e exerce-se nas formas ideol6gicas e assim tambem nas formas ideol6gicas dos AIE. Mas a luta

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    Se a tese q.ue propusemos e funda.mentada, somos conduzidos a retomar, embora precisa.n-do-a num 1ponto, a teoria ma.rlcista clB.ssica do E.E isto em virtude do segundo principia: a luta de classeE~, ultra,passa os AIE prque esta enrai-zada em qualquer outra parte que nii.o na ideologia, na infraestrutura, nas relagoes de produgao que sao relagoes de exploragao e que constituem a base das relagoes de classe.

    J e ' 'IS~ L ! 0 T i~c~-;~ l 11. NO T RE D t~ NrE i

    i -RtJ.a --'~ lzgrets- ! !f/:38 t ~ S.umare - Sao- Pa. !. ~-- -v_J

  • muito sumar10, das nossas indicac;5es: qual e exactamente a medida do papel dos Aparelhos Ideol6gicos de Estado? Qual pode ser o fun-damento da sua importancia? Noutros termos, a gue. corresponde a func;iio destes Aparelhos Id_~Q.!g!s:os de Estado;-que niio fu:iicTonam pela repressiio, mas .pela ideologia?

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    SOBRE A REPRODUCAO DAS RELACOES DE PRODUCAO

    Podemos a;gora responder a nossa questao central que permaneceu em suspenso durante longas paginas : cmno e as.segurada a reprodu-rao das . rela.f;f>es de prrodftu;ao 'I

    Na linguagem da t6pica (.infraestrutura, superestrutura)' diremos: e, em grande parte assegura'da 1 pela superestrutura, juridico-poli-tica e ideol6gica.

    Mas visto que consideramos dndispensavel ultrapassar esta linguagem ainda descritiva,

    1 Em1: grande parte. Porque as rela~6es de produ-!;ii.o sao primeiro r eproduzidas pela materialidade do processo de produ~iio e do processo de circula~iio. Mas nao se pode esquecer que as rela!;OeS ideol6gicas estao imediatamente presentes nestes mesmos processos.

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