Aula 5 - Santos - 589-2065-1-PB

download Aula 5 - Santos - 589-2065-1-PB

of 16

Transcript of Aula 5 - Santos - 589-2065-1-PB

  • 127

    artig

    o

    Rodrigo Salles Pereira dos Santos

    REDES DE PRODUO GLOBAIS (RPGS): cOntRIBUIES cOncEItUAIS PARA A PESqUISA Em cIncIAS SOcIAIS1

    Resumo O objetivo deste artigo apresentar um modelo terico-metodolgico apropriado investigao emprica de contextos intera-tivos complexos em cincias sociais a partir do texto fundador da abordagem, publicado nesta edio. O modelo das re-des de produo globais (RPGs) avana na compreenso daqueles contextos ao prover uma abordagem multicntrica, isto , ca-paz de lidar com a variedade dos agentes econmicos, polticos e sociais que carac-terizam os fenmenos econmicos globais. Assim, o artigo apresenta a referida abor-dagem e destaca suas principais contribui-es conceituais no que concerne s di-menses econmica, poltica e social da organizao global das atividades de pro-duo, circulao e consumo de bens e servios. Nesse sentido, as questes relati-vas criao, aumento e captura de valor; s formas de acmulo e exerccio do po-der; e, sobretudo, aquelas concernentes s relaes sociais nas quais as atividades econmicas esto imersas so considera-das centrais.

    PalavRas-chave Redes de produo globais. Agentes. Valor. Poder. Enraizamento.

    abstRact The aim of this paper is to present a theo-retical-methodological model appropriate to the empirical investigation of complex interactive contexts in social sciences - from the founding text of the approach, published in this issue. The global produc-tion networks (GPNs) approach advances the understanding of those contexts to pro-vide a multi-centric approach, which is able to handle the variety of the economic, political and social agents that characterize the global economic phenomena. Thus, this paper presents this approach and high-lights its main conceptual contributions in relation to the economic, political and so-cial dimensions of the global organization of activities of production, circulation and consumption of goods and services. In this sense, these are the central issues: value creation, enhancement and capture; the forms of accumulation and exercise of power; and especially those pertaining to the social relations in which economic ac-tivities are embedded.

    KeywoRdsGlobal production networks. Agents. Va-lue. Power. Embeddedness.

  • 128 R. Ps Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011

    1 Introduo

    A publicao do artigo de Henderson et al. (2002) nesta edio da Revista Ps Cincias Sociais oportuniza ao pblico leitor em ln-gua portuguesa o primeiro contato com um quadro terico e um ferramental analtico de grande valia para a anlise dos padres e for-mas das interaes concretas entre firmas, Estado e sociedade excepcionalmente cap-tados pela cincia social brasileira (CARNEI-RO, 2008; RAMALHO, 2005).

    O artigo de Henderson et al. (2002), Global production networks and the analysis of eco-nomic development, o que se pode chamar de manifesto fundador da abordagem das re-des de produo globais (RPGs)2, estabelecen-do suas categorias conceituais (valor, poder e enraizamento) e dimenses (firmas, setores, redes e instituies) essenciais.

    No referido artigo, publicado original-mente na Review of International Political Economy, os autores transcenderam, de um lado, as posies fundamentalmente teri-cas3 que marcaram o debate acerca da glo-balizao em seus passos iniciais; e de ou-tro, as principais abordagens conducentes pesquisa emprica sobre a organizao glo-bal das atividades de produo, circulao e consumo de bens e servios no que con-

    cerne especificamente dimenso econmi-ca do fenmeno.

    Desde meados da dcada de 1990, a par-tir da publicao de Gereffi e Korzeniewicz (1994), o referencial terico-metodolgico das global commodity chains (GCCs) ou ca-deias de commodity globais (CCGs)4 deu azo a uma profuso de trabalhos setoriais orbi-tando uma ou mais mercadorias. Dessa for-ma, a atividade de pesquisa conduzida sob a gide intelectual das CCGs, ao enfatizar a es-cala analtica global, disponibilizou descri-es, at ento raras, dos modos concretos de reorganizao das atividades econmicas no contexto da integrao funcional e dis-persa que caracteriza a globalizao econ-mica (GEREFFI, 1994, p. 96).

    A maior amplitude descritiva obtida atravs da simples integrao sequencial e interdependente de atividades de produo, distribuio e consumo assim como as im-portantes implicaes polticas carreadas por esse referencial influindo, por exemplo, em aes da Organizao Internacional do Tra-balho (OIT) (HENDERSON et al., 2002, p. 441) , foram, no entanto, obliteradas principal-mente pela centralidade analtica do agen-te econmico (firma), em detrimento de uma ampla variedade de agentes sociais e do Esta-do, principalmente.

    1. Este artigo se apia em parte da discusso do primeiro captulo da tese de doutoramento do autor ( ver SANTOS, 2010), apresentada ao Programa de Ps Graduao em Sociologia e Antropologia (UFRJ) da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Agradeo s contribuies do Prof. Dr. Jos Ricardo Ramalho (UFRJ), orientador da tese; do Prof. Dr. Huw Beynon (Cardiff University) e; dos membros da banca Prof. Dr. Cristiano Monteiro (UFF) e Prof. Dr. Marcelo Carneiro (UFMA).2. O contato e a incorporao da literatura das RPGs ocorreram durante o Doutorado Sandwich (2008-2009), realizado na Cardiff University, Pas de Gales, sob a superviso do Prof. Dr. Huw Beynon. O autor agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), que o contemplou com uma bolsa de pesquisa ao longo do perodo.3. As posies hiperglobalista, ctica e transformacionista, nos termos de Held e McGrew (2001).4. Posteriormente redefinidas nos termos do modelo das global value chains (GVCs) ou cadeias de valor globais (CVGs). Para uma discusso crtica das caractersticas de cada um destes modelos terico-metodo-lgicos e sua comparao com a abordagem das RPGs, ver Santos (2010), captulo 1.

  • Redes de produo globais (RPGs) 129

    Ao substituir o Estado pela firma em especial, as corporaes multinacio-nais (MNC) e transnacionais (TNCs) co-mo agente analtico privilegiado na anli-se da dimenso econmica da globalizao, o paradigma das CCGs converteu-se, funda-mentalmente, em um modelo explicativo da ao e relao exclusivamente econmicas. (WEBER, 2003) Nesse sentido, foi limitada a sua integrao pesquisa emprica empre-endida sobre a globalizao econmica no mbito das cincias sociais pesquisa es-ta que se defronta com a multiplicidade dos agentes e suas estratgias em contextos in-terativos complexos.

    O objetivo deste artigo, introdutrio ao texto de Henderson et al. (2002) publicado nesta edio, , nesse sentido, apresentar um modelo de investigao emprica tanto teoricamente sofisticado quanto analitica-mente fecundo. O modelo das RPGs avan-a na compreenso destes contextos inte-rativos ao prover uma abordagem multi-cntrica, ou seja, capaz de lidar com a va-riedade dos agentes econmicos, polticos e sociais e; de outro, ao afirmar a impor-tncia analtica da espacialidade de sua agncia (multiescalaridade). Nesse sentido, as RPGs trazem ao centro da anlise a di-menso global de fenmenos tais como o desenvolvimento, o trabalho e o meio am-biente5, proporcionando maiores escopo e plasticidade analtica.

    Entretanto, o artigo destaca fundamen-talmente, certas contribuies-chave da abordagem das RPGs para a pesquisa em ci-ncias sociais no que concerne s dimen-ses econmica, poltica e social da orga-nizao global das atividades de produo, circulao e consumo de bens e servios. Nesse sentido, as questes relativas cria-o, aumento e captura de valor; s formas de acmulo e exerccio do poder; e, sobre-tudo, aquelas concernentes s relaes so-ciais nas quais as atividades econmicas es-to imersas so consideradas centrais.

    2 o paradigma das redes de produo globais (RPGs)

    O paradigma das redes de produo glo-bais (RPGs) surgiu no incio dos anos 2000 na Escola de Meio Ambiente e Desenvolvi-mento (SED) da Universidade de Manches-ter, Reino Unido. Os autores da chamada Escola de Manchester desenvolveram esta abordagem no mbito do debate sobre a re-lao entre sistemas transnacionais de pro-duo6 e desenvolvimento econmico.

    Este quadro conceitual emergente foi posto em prtica com o projeto de pesquisa Making the Connections: global production networks in Britain, east Asia and eastern Europe, liderado pelo Prof. Peter Dicken7 e financiado pelo Conselho de Pesquisa Eco-nmica e Social (ERSC) do Reino Unido. Es-

    5. Faz-se aqui, referncia aos temas-chave que estruturam a investigao realizada no mbito do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (DTA), na UFRJ.6. A noo de sistemas transnacionais de produo se apropria aqui, do sentido que lhe emprestam Coe & Hess (2007), ou seja, conjuntos de atividades econmicas funcionalmente integradas, embora territorialmen-te dispersas, cujos modelos analticos seriam, dentre outros, a cadeia de valor, a cadeia de commodity glo-bal, a cadeia de valor global e a rede de produo global. Gereffi (1994, p. 96) tambm emprega a noo.7. A contribuio seminal de Dicken para o debate sobre a globalizao econmica, Global Shift, foi pu-blicada em 1986, e j se encontra em sua sexta edio em lngua inglesa com o subttulo Mapping the Changing Contours of the World Economy (2011). A traduo para a lngua portuguesa, realizada a partir da quinta edio (2007), foi empreendida por Teresa Cristina Felix de Sousa, com consultoria, superviso

  • 130 R. Ps Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011

    te projeto enfocou a transformao das re-laes econmicas entre a Europa Ocidental particularmente o Reino Unido e a Alema-nha, de um lado, e o Leste Asitico e a Euro-pa Oriental, de outro.

    Para Dicken (2007, p. 7), mudanas qua-litativas associadas aos processos de produ-o, distribuio e consumo de bens e ser-vios que caracterizam a globalizao eco-nmica estariam moldando essa transfor-mao. E essas mudanas engendrariam, por sua vez, redes de produo globais, isto , formas genricas de organizao econmica global (COE; DICKEN; HESS, 2008, p. 272) que conectariam estes territrios. Mais espe-cificamente, a Escola de Manchester define a rede de produo global como:

    [...] um quadro conceitual que capaz de apreender as dimenses social e econmica globais, regionais e locais dos processos en-volvidos em muitas (embora de modo algum todas as) formas da globalizao econmi-ca. Redes de produo o nexo de funes e operaes interligadas atravs das quais bens e servios so produzidos, distribudos e consumidos tornaram-se tanto organi-zacionalmente mais complexas quanto ca-da vez mais globais em sua extenso geo-grfica. Essas redes no apenas integram fir-mas (e partes de firmas) em estruturas que obscurecem fronteiras organizacionais tra-dicionais por meio do desenvolvimen-

    to de diversas formas de relaes de equi-dade e no-equidade , mas tambm inte-gram economias nacionais (ou partes dessas economias) de formas que possuem implica-es colossais para seu bem-estar. Ao mes-mo tempo, a natureza e a articulao preci-sas das redes de produo centradas na fir-ma so profundamente influenciadas pelos contextos sociopolticos dentro dos quais elas esto enraizadas. O processo especial-mente complexo porque enquanto os lti-mos so essencialmente especficos ao ter-ritrio (principalmente, embora no exclu-sivamente, ao nvel do Estado-nao), as re-des de produo em si no o so. Elas atra-vessam as fronteiras estatais de formas alta-mente diferenciadas, influenciadas em parte, por barreiras regulatrias e no-regulatrias e por condies socioculturais locais, para criar estruturas que so descontinuamente territoriais. (HENDERSON et al., 2002, p. 8)

    Os resultados empricos do projeto de pes-quisa foram divulgados em 2005 (DICKEN; HENDERSON, 2005). No entanto, seus funda-mentos tericos j vinham sendo desenvol-vidos anteriormente e s-lo-iam por toda a dcada, formando um corpo literrio funda-dor significativo (COE; DICKEN; HESS, 2008; COE; HESS, 2007; DICKEN, 2007; HESS; YEUNG, 2006; HESS, 2004; COE et al., 2004; HENDERSON et al., 2002).8

    e reviso tcnica de Helio Henkin. Esta edio foi publicada pela editora Bookman, de Porto Alegre, com o seguinte nome: Mudana Global: mapeando as novas fronteiras da economia mundial (2010). A tradu-o do artigo de Henderson et al. (2002) leva frente no entanto, a tarefa de divulgao da abordagem das RPGs, tornando sua trabalho fundador plenamente acessvel.8. Os autores fundadores so Henry Wai-Chung Yeung, Martin Hess, Neil M. Coe e Peter Dicken, da SED, e Jeffrey Henderson, membro do quadro docente da Manchester Business School (MBS) at 2008 e desde en-to, integrante do Centre for East Asian Studies (CEAS), da Universidade de Bristol, Reino Unido. Alguns dos principais autores que vm desenvolvendo o modelo das RPGs, tais como Gavin Bridge e Khalid Nadvi, da SED, e Richard Whitley, da MBS, continuam a justificar a denominao de Escola de Manchester. Desta lite-ratura fundadora, o nico trabalho ao qual o autor no obteve acesso foi Coe (2009).

  • Redes de produo globais (RPGs) 131

    A abordagem da rede de produo glo-bal se desenvolveu inicialmente, a partir da combinao de algumas ideias das aborda-gens das CCGs e das CVGs com as da teoria do ator-rede (TAR) e da literatura das varie-dades de capitalismo. No modelo das redes de produo globais, no entanto, os agen-tes e escalas dos sistemas transnacionais de produo so mltiplos, e as noes de valor e poder assumem novas dimenses em rela-o quelas empregadas pelas correntes que a precedem. Ademais, as RPGs foram res-ponsveis por introduzir a noo de enrai-zamento cara sociologia econmica no debate sobre a globalizao.

    Esta abordagem se distingue de suas congneres inicialmente, pela sua escolha terminolgica. A escolha de produo, em detrimento de commodity, deve-se a dois fa-tores. De um lado, o termo commodity refe-re-se a bens indiferenciados (padronizados)9

    o que no reflete a variedade contempo-rnea dos bens/servios disponveis em sis-temas transnacionais de produo. De ou-tro, o termo produo remete aos processos sociais envolvidos nas atividades de (re)pro-duo das formas e dos agentes das ativi-dades econmicas, rejeitando a reificao econmica ortodoxa e a desumanizao da mercadoria, das quais padecem as aborda-gens precedentes.

    No tocante opo por rede, em detri-mento do termo cadeia, h mltiplos fato-res envolvidos. Primeiramente, a rede evoca maior complexidade da integrao em de-trimento de encadeamento das atividades econmicas, formando gelosias de ativida-des. Outra vantagem da noo de rede sobre a de cadeia a sua amplitude, empiricamen-te mais adequada, sobre mercados interme-

    dirios e finais de bens e servios. Assim, o conceito de rede abre a possibilidade de con-siderar a influncia e multidirecionalidade dos fluxos de valor, poder e enraizamento, permitindo maior variao scio-espacial no que concerne ao economicamente rele-vante (WEBER, 2003), isto , influncia so-bre o processo de produo.

    O elemento fundamental no tocante complexidade e dimensionalidade das abor-dagens das redes de produo globais e das cadeias de commodities ou valor globais diz respeito autonomia dos agentes no interior da estrutura na qual se inserem. Fundamen-talmente, o poder quase ilimitado da firma l-der ou dominante nas CCG/CVGs estrutu-ra (coordenao) e macro-estrutura (contro-le) de governana produz configuraes de cadeia virtualmente imutveis via ao aut-noma dos agentes perifricos. Desse modo, a superagncia das firmas centrais produz a superestrutura da cadeia.

    Diferentemente, a noo de rede frag-menta a agncia, a partir da incorpora-o de uma multiplicidade de agentes-cha-ve em estruturas (esttica) e processos (di-nmica) assimtricos em funo de aes e relaes econmicas (valor), polticas (po-der), e sociais (enraizamento) em sentido la-to. Segundo Henderson et al. (2002), o mo-delo das RPGs reconhece que agentes diver-sos, oriundos igualmente de quadros scio--institucionais variados, possuem priorida-des diferentes e por isso, so dotados de au-tonomia. Desse modo, a lgica da rede in-fluencia, mas no determina a ao e as re-laes entre os agentes, o que altera funda-mentalmente suas implicaes para o re-sultado em termos de posicionamento dos agentes nas redes.

    9. No caso da indstria siderrgica, por exemplo, apenas alguns poucos produtos, o ferro gusa e placas de ao, por exemplo, podem ser considerados commodities propriamente.

  • 132 R. Ps Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011

    Alm disso, a noo de global, comum maioria dos modelos fundados nas noes de rede e de cadeia, tem origem em preo-cupaes com a preciso analtica do mo-delo. Os termos concorrentes, internacional e transnacional, derivam de discursos esta-do-cntricos, apresentando dificuldades em apreender processos inespecficos a lugares e suas relaes com processos especficos a estes ltimos (relaes global-locais). Nesse sentido, o paradigma das RPGs caracteri-zado pela multiescalaridade e pela multia-gncia assimtrica em termos de poder, va-lor e enraizamento.

    Dentre as inovaes analticas do mo-delo, este artigo introdutrio opta por cen-trar-se em sua dimenso multicntrica, e na possibilidade aberta por ela de discutir as relaes complexas entre os diversos tipos de agentes influentes em processos econ-micos, polticos e sociais complexos e seus recursos especficos, o valor, o poder e o en-raizamento.

    O modelo terico-metodolgico das RPGs atribui, ainda, privilgio analtico10 aos agentes polticos e, em especial, econ-micos em detrimento dos agentes sociais. Entretanto, a abertura analtica propiciada pelo modelo incorporao destes ltimos torna possvel, mediante investigao emp-rica, o estabelecimento de relaes de cau-salidade entre sua ao e fenmenos econ-micos complexos.

    3 categorias conceituais: valor, poder e enraizamento

    Henderson et al. (2002) estabelecem as categorias conceituais fundamentais para este modelo o valor, o poder e o enraiza-mento. Desse modo, apresentam uma evo-luo terico-metodolgica efetiva em re-lao aos seus predecessores e concorren-tes contemporneos por manter e complexi-ficar as categorias tradicionais (valor e po-der) de anlise dos fenmenos economica-mente relevantes (WEBER, 2003), oferecen-do uma tipologia de seus tipos e processos e por adicionar uma terceira categoria: a de enraizamento.

    3.1 valor

    A propriedade, o controle e a mobiliza-o de recursos econmicos dos mais diver-sos tipos so invariavelmente considera-dos como fontes cruciais das vantagens que os agentes econmicos desfrutam sobre os agentes polticos e, principalmente, sobre os agentes sociais no que diz respeito auto-nomia relativa de suas estratgias e aes. No que concerne propriamente importn-cia destes recursos e a de seus agentes re-presentativos econmicos, o paradigma das RPGs prope uma definio ampla do valor, compreendendo o conjunto das v-rias formas da renda econmica.

    10. O ponto de vista aqui adotado acerca da importncia relativa dos diferentes agentes no mbito deste modelo tripartite eminentemente emprico. Nesse sentido, a atribuio de prioridade analtica a certos agentes, em detrimento de outros, constitui essencialmente, uma questo de investigao. No entanto, considerada a matriz disciplinar do modelo das RPGs, a saber, oriundo da geografia econmica, este arti-go considera necessrio um exerccio de sociologizao das redes de produo, de modo a dar conta da maior fragmentao e capacidades diferenciais de controlar e mobilizar recursos econmicos, polticos e sociais por parte dos agentes sociais.

  • Redes de produo globais (RPGs) 133

    As chamadas formas do valor ou da ren-da chamam ateno para as diversas ex-presses assumidas pelos recursos econmi-cos. A firma constitui ento, o eixo sobre o qual recursos ou rendas tecnolgicas, rela-cionais, organizacionais, de marca e de po-ltica comercial se sobrepem ao ncleo de sua gerao de valor: o processo de traba-lho. Nesse sentido, o valor tambm, neste modelo, associado definio marxiana de mais-valia.11

    No entanto, a discusso de processos econmicos, polticos e sociais concretos, tipicamente multicntricos, pois que carac-terizados pela presena de mltiplos agen-tes, demanda a apreenso dos processos que se relacionam ao valor. Isto porque, uma anlise que pretenda captar a complexida-de da integrao funcional dispersa que ca-racteriza a globalizao econmica, como o modelo das RPGs, deve incorporar discus-so dos fenmenos estritamente econmi-cos uma compreenso dos fenmenos eco-nomicamente relevantes (WEBER, 2003), is-to , dos eventos que, ao incorporar agentes e relaes no econmicos, produzem efei-tos importantes no mbito da economia.

    Nesse sentido, o exame das fontes e ex-presses do valor complementada, no pa-radigma das RPGs, pela anlise dos planos da criao, da ampliao e da captura do valor. Os padres atravs dos quais o valor criado, ampliado e/ou capturado so nesse

    sentido, duplamente econmicos e econo-micamente relevantes. Nesse sentido, con-siderada a sua gerao material via proces-so de trabalho, e expressa, por exemplo, nos padres tecnolgico, organizacional, co-mercial, etc. de operao de firmas e setores, o valor pode ser tambm, ampliado e captu-rado seja por agentes econmicos e no--econmicos.

    Em primeiro lugar, no que concerne espe-cificamente criao de valor, o modelo des-taca o tema da converso da fora de traba-lho em trabalho real via processo de traba-lho, com nfase sobre suas condies de pro-duo e reproduo. Nesse sentido, importam em grande medida as estruturas de emprego e qualificao profissional, as condies de tra-balho12 e as tecnologias de produo, dentre outros temas-chave, que trazem tona a im-portncia dos agentes polticos e, principal-mente, sociais nas condies de criao do valor desfrutadas pela firma.

    De outro, a criao das diversas formas da renda influenciada pela gerao do va-lor em si diz respeito fundamentalmente, s condies de acesso a e controle sobre recursos econmicos de diferentes tipos e como as estruturas de mercado e regimes de competio valorizam os referidos recursos.

    Por sua vez, o aumento ou a ampliao de valor depende dos contextos institucio-nais influentes sobre a ao e as relaes en-tre os agentes econmicos e no econmi-

    11. A relao entre a gerao de valor via processo de trabalho e as diversas formas assumidas pela renda econmica concerne tambm pesquisa emprica, j que diz respeito, dentre outras questes, s formas ma-terial e imaterial do valor e s dimenses operacional e financeira do comportamento da firma, setorialmen-te diversificadas. A incorporao da noo marxiana de mais-valia no modelo reequilibra duplamente as fontes e as expresses do valor, assim como as esferas da produo e da circulao econmicas.12. A produo guseira na Amaznia Oriental, por exemplo, particularmente no que concerne s diferentes condies de trabalho que caracterizam seus principais sub-nodos carvoejamento, minerao de ferro e produo de gusa propriamente dita decisiva para a apreenso da RPG liderada pela norte-americana Nu-cor Co. porque representa um formato, possivelmente nico, de gerao e captura de valor (HENDERSON et al., 2002, p. 8), instituindo, possivelmente, um padro de acumulao oriental-amaznico.

  • 134 R. Ps Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011

    cos, importando questes acerca do nvel de transferncia de tecnologia intra e inter-re-des, o nvel de cooperao intra-rede com vistas sofisticao de produtos, o nvel de sofisticao dos processos de trabalho e o nvel de autonomia das firmas locais para a criao de valor (HENDERSON et al., 2002).

    Por fim, a captura de valor, envolve cer-tamente questes de poltica governamen-tal,13 por sua vez condicionados por ma-nifestaes da crtica social (CARNEIRO, 2008). Sendo assim, a captura de valor diz respeito essencialmente ao padro relacio-nal estabelecido entre agentes econmicos e no econmicos nas variadas dimenses em especial nos planos local, subnacional e nacional. A captura de valor incorpora tam-bm questes relativas propriedade da fir-ma que envolvem dicotomias relativas na-cionalidade (estrangeira x nacional14) e regi-me administrativo (privada x pblica) e de governana corporativa em escala nacional.

    O modelo das RPGs no considera, en-tretanto, quaisquer possibilidades de multi-plicao financeira do valor, cuja importn-cia progressiva para firmas industriais vem sendo demonstrada, ao menos conjuntural-mente, no que concerne elaborao de su-as decises de investimento e de operao. Nesse sentido, ainda h srias dvidas a res-peito de um processo de financeirizao em curso de firmas industriais, ao menos nos setores duros de bens intermedirios, como a minerao e a siderurgia (SANTOS, 2010).

    No entanto, no parece inverossmil que suas estratgias (nvel da agncia) e condies (nvel da estrutura) de crescimento ou conso-lidao, por exemplo, no sentido da estabi-lizao de mercados (PIORE; SABEL, 1984) passem, cada vez mais, por avaliaes e ope-raes financeiras como variveis de equil-brio e complemento s atividades operacio-nais que as firmas desempenham.

    3.2 Poder A categoria poder, apreendida pelo para-

    digma das CCGs/CVGs como controle e co-mo coordenao, tambm considerada de-cisiva para o modelo das RPGs. As fontes e formas do poder na rede so decisivas tan-to para o aumento quanto para a captura de valor. Esta categoria remete especificamen-te a um conjunto de agentes no econmi-cos, particularmente relacionados a esferas poltico-institucionais formais.

    No entanto, a capacidade que um ou mais agentes tm de influenciar o compor-tamento de outros agentes em um sentido previamente estabelecido partilhada de forma assimtrica entre seus diferentes ti-pos. Nesse sentido, agentes econmicos, po-lticos e sociais podem influenciar e ser in-fluenciados em contextos interativos. As-sim, o paradigma das RPGs estabelece fun-damentalmente, trs fontes/formas de po-der: corporativo, institucional e coletivo (HENDERSON et al., 2002, p. 450-1).

    13. A disputa em curso entre a mineradora brasileira Vale e o Departamento Nacional de Produo Mi-neral (DNPM) em torno da definio de novos valores para a Compensao Financeira pela Explorao de Recursos Minerais (CFEM) demonstra como, na minerao de ferro, por exemplo, a apropriao de royal-ties , nesse sentido, decisiva ( ver MONTEIRO, 2004).14. O processo de privatizao de setores-chave da economia brasileira, como a siderurgia e a minerao, ilustram a necessidade de anlises acuradas sobre a nacionalidade da propriedade e do controle aos nveis da firma e do setor (ver DOERING; SANTOS, 2011), mas tambm da economia como um todo, e seus efei-tos sobre o comportamento dos agentes econmicos.

  • Redes de produo globais (RPGs) 135

    Para os autores, o poder corporativo definido como capacidade de influncia eficaz sobre as decises corporativas (ao econmica) de outros agentes (econmicos). No entanto, a influncia do poder corpora-tivo suportado pelo acesso diferencial a recursos econmicos se expressa funda-mentalmente, nas relaes sociais e polti-cas tanto com agentes econmicos quanto no econmicos.

    O poder institucional exercido, dife-rentemente, por agentes no econmicos diversos, incluindo organizaes e agncias estatais, agncias interestatais, as institui-es de Bretton Woods, agncias da Orga-nizao das Naes Unidas (ONU) e agn-cias de classificao de risco. Sua ao, po-ltica e/ou simblica, influencia direta e in-diretamente, e de forma assimtrica, aes econmicas.

    O poder coletivo, por fim, exercido, tan-to direta quanto indiretamente, por agentes coletivos (sociais) com vistas a influenciar agentes econmicos e no econmicos (po-lticos e institucionais). As abordagens em termos de crtica (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009) e contestao social (HOMMEL; GO-DARD, 2001) apreendem, em consonncia, a influncia exercida pelos agentes sociais e suas coalizes15 sobre as estratgias e aes de agentes econmicos e polticos.

    Ainda que a modelagem espacial do pa-radigma das RPGs tenda a privilegiar certos agentes (econmicos) em detrimento de ou-

    tros, em funo de suas (i)mobilidades rela-tivas, a fixidez da ao local dos agentes so-ciais, quando combinada a formas especfi-cas de converso de suas estratgia e cos-moviso em interesses coletivos, capaz de proporcionar graus de poder bastante impre-vistos a estes agentes. Em dados contextos, pode inclusive bloquear a agncia de ope-radores econmicos no territrio.

    O municpio de So Lus, capital do es-tado do Maranho, no possui nenhuma si-derrgica implantada. No entanto, em 2004 um projeto siderrgico de grande porte ca-pitaneado pela Vale e pela chinesa Baosteel Group Co. constituiu um evento cultural que explicitou o confronto entre as formas corporativa, institucional e coletiva do po-der. O projeto foi contestado por um conjun-to de movimentos sociais dentre os mais notveis, o Movimento Reage So Lus e o Frum Carajs que se empenhou na des-construo do discurso desenvolvimentista das elites polticas e econmicas locais e es-taduais (LIMA, 2009), de modo que a refe-rida deciso de investimento fosse avaliada, tambm moralmente, em termos tcnicos propriamente ambientais e pblicos, espe-cificamente sociais.

    Concretamente, a imagem construda de um evento futuro a instalao de um par-que siderrgico alterou fundamentalmen-te, as capacidades relativas de ao de in-divduos, grupos, organizaes e institui-es envolvidos na disputa de poder. A ao

    15. Indivduos, grupos, organizaes e instituies no econmicas, isto , no concebidas em funo de uma motivao econmica dominante, importam, em uma variedade de situaes concretas. Por exemplo, camadas mdias urbanas e sua preocupao contempornea com os efeitos socioambientais de empreen-dimentos industriais constituem coalizes anti-desenvolvimentistas, por sua vez capazes de influenciar decises empresariais de operao e, mesmo de investimento. Dessa forma operam tambm, grupos de in-teresse organizacionalmente constitudos com vistas representao de categorias profissionais e popula-es tradicionais, como pescadores artesanais, agricultores familiares, metalrgicos, grupos indgenas e quilombolas, etc.

  • 136 R. Ps Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011

    de grupos de interesse (por exemplo, a clas-se mdia urbana de So Lus) e de organiza-es sociais (como o Movimento Reage So Lus) que a representam, em associao com camadas populares potencialmente impacta-das, acabou por transformar o risco poten-cial em uma imagem socialmente penetrante apta a produzir efeitos prticos em termos de bloqueio da agncia de agentes poderosos, como a Baosteel e a Vale.

    Em outros termos, os movimentos so-ciais, isto , os agentes economicamente re-levantes representados pelo Movimento Re-age So Lus, mediando e construindo um projeto desenvolvimentista-preservacio-nista, transmutaram uma cosmoviso ur-bana em interesse coletivo. Ao faz-lo, fo-ram capazes de atrair indivduos e organi-zaes polticos relevantes, particularmente em mbito estadual, em uma ampla coali-zo. O resultado foi o bloqueio de uma de-ciso de investimento. O exerccio do poder coletivo adquiriu preeminncia, nesse caso, sobre o poder institucional, e sobreps-se s estratgias dos agentes econmicos (cor-porativos).

    3.3 enraizamento

    Finalmente, aes, organizaes e insti-tuies econmicas so, por definio, for-mas especficas de relaes sociais e, por-tanto, esto enraizadas em configuraes

    sociais. O enraizamento (embeddedness)16 , ento, concebido como a capacidade de in-fluncia das relaes sociais lato sensu so-bre a atividade econmica e seus agentes. (HESS, 2004)

    Assim, a herana scio-cultural dos agen-tes ou seja, suas relaes com os territrios dos quais se originam , a natureza de sua in-sero em uma ou mais redes, assim como os tecidos sociais nos quais estes se inserem in-fluenciam de modo crucial o seu comporta-mento. Os pontos de partida e de chegada da ao econmica concreta so interligados por trajetrias hbridas (inerciais, embora mut-veis), em parte reflexivas dos contextos s-cio-culturais nos quais se produz a ao eco-nmica (dependncia de trajetria), assim co-mo so influenciados pela configurao sin-crnica das redes .

    Na formulao original das RPGs, Hen-derson et al. fazem referncia a duas formas bsicas de enraizamento: territorial, que se refere s diferentes formas de ancoragem espacial e; de rede, concernente s relaes inter-firmas em rede (2002, p. 452). A es-tas formas, Hess (2004)17 soma uma tercei-ra, particularmente importante, o enraiza-mento social, que se refere histria e s origens scio-culturais dos agentes eco-nmicos e no econmicos a partir da pers-pectiva aqui adotada.

    O primeiro tipo, o enraizamento territo-rial, constitui uma relao de condiciona-

    16. O trabalho de Mark Granovetter (1985) estabeleceu a idia de que a ao econmica enraizada em redes de relaes sociais contnuas. Desde ento, o lxico de redes e enraizamento domina a sociologia econmica, os estudos organizacionais e a gesto estratgica, concorrendo para a produo de trabalhos tericos e empricos sobre a relao entre enraizamento de rede e a formao e desempenho da firma ( ver HESS; YEUNG, 2006). Hess e Yeung (2006, p. 1193) assumem as perspectivas de rede e enraizamento na economia e sociologia das organizaes de meados dos anos 1980 como uma das quatro matrizes terico--conceituais do paradigma das RPGs.17. Essa novidade em face dos demais trabalhos fundadores desta abordagem, muitos deles posterio-res a esta publicao no foi at o momento, no entanto, incorporada explicitamente ao modelo for-mal das RPGs.

  • Redes de produo globais (RPGs) 137

    mento mtuo entre a ao econmica e as dinmicas sociais, polticas e econmicas localizadas. A partir desta definio, Coe et al. (2004) chamam ateno para os graus e formas diversos de enraizamento territorial aos quais os agentes se encontram subme-tidos. Desse modo, a distino entre agen-tes locais e no locais (extralocais)18 impor-ta diretamente para os processos de distri-buio de valor e de poder.

    O enraizamento territorial refere-se importncia do plano de destino (anco-ragem territorial ou de lugar) na modela-gem da atividade econmica. Hess afirma que as dinmicas econmicas e sociais j existentes podem ser absorvidas19 por e res-tringir ou constranger os agentes econmi-cos na rede. Sustenta tambm que proces-sos de enraizamento territorial podem criar novas redes de relaes sociais e econmi-cas, reorganizando os agentes existentes e/ou atraindo novos agentes, assim concor-rendo para a transformao de todo o siste-ma econmico.

    A intensidade e modo do enraizamento territorial importam para o desenvolvimen-to porque possibilitam e restringem, em combinaes diversas, as redes e seus agen-tes, influenciando suas aes principal-mente suas decises locacionais (atrao x repulso). Organizaes polticas (governos em diferentes nveis) e sociais (associaes de representao de interesses de trabalha-dores, por exemplo) so agentes de enraiza-mento territorial cruciais. Por fim, o enrai-zamento territorial um processo dinmi-

    co, podendo implicar no limite, em rever-so desenraizamento territorial. Os pro-cessos do valor so especialmente afetados, portanto, pela intensidade e modo do en-raizamento territorial.

    O enraizamento de rede refere-se im-portncia das relaes entre agentes in-dividuais ou coletivos na rede indepen-dentemente das relaes temporais (com a sua prpria histria) e espaciais (ancora-gem territorial especfica). Essas relaes podem ser classificadas quanto arquite-tura, forma (formal x informal), durao e equilbrio (estvel x instvel) (HENDER-SON et al., 2002, p. 453), e so impactantes nas esferas do enraizamento individual20 do agente rede e do enraizamento estrutural da rede (estrutura e evoluo da rede co-mo um todo). No primeiro caso, centra-se no agente individual (em especial a firma) e no segundo, na rede (incorporando agentes no econmicos).

    Hess acredita que o enraizamento de re-de produto da construo de confiana entre os agentes. Isto , acredita que as pro-priedades de externalidade e coercividade da rede derivam de uma variante especfica confiana das relaes econmicas en-tre agentes. Mesmo em mbito intra-firma, a confiana parte fundamental das rela-es entre unidades de firmas, tanto quanto em arranjos coletivos, como os de tipo joint venture. (HESS, 2004)

    O enraizamento social refere-se, por sua vez, importncia do plano de origem (ou cdigo gentico) que modela a ao indi-

    18. Na primeira categoria enquadram-se, por exemplo, a fora de trabalho e o Estado, e na ltima, as TNCs e o capital financeiro. A fora de trabalho, por exemplo, permanece atada a mercados locais de trabalho, embora se internacionalize via alianas inter-institucionais e organizaes internacionais.19. A absoro exemplificada pela integrao de clusters de pequenas e mdias empresas (com redes so-ciais e mercados de trabalho locais) e das redes de subcontratao e subsidiarizao de firmas lderes.20. Hess refere-se a este subtipo como relacional, embora seja, na verdade, individual.

  • 138 R. Ps Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011

    vidual e coletiva. A noo de social en-tendida em sentido amplo (cultural, polti-co, etc.). Hess afirma que este modo de en-raizamento se assemelha ao sentido original do conceito, proposto por Karl Polanyi. Isto significa, para Hess, a influncia da histria constitutiva (scio-cultural) do agente sobre o seu comportamento. Ele critica tambm a inespecificidade da noo de cultura e a concebe amplamente como a herana de um agente que o conecta sociedade da qual es-te emana. Para ele, as formaes culturais tanto possibilitam (enable) como restringem (constrain) os agentes (a ao) assim como as estruturas de rede. O enraizamento social tambm refletiria a estrutura regulatria e institucional21 que afeta (e por vezes, deter-mina) o comportamento tanto em nvel in-dividual quanto ao nvel da firma.

    4 concluso

    O principal postulado subjacente dis-cusso aqui empreendida diz respeito na-tureza matricial dos fenmenos econmicos de grande magnitude, capazes de polarizar uma srie diversa de agentes econmi-cos, polticos e sociais em torno de recur-sos especficos e complementares. O mode-lo das RPGs, dentre outras inovaes anal-ticas no tratadas no artigo, explicita a na-tureza dos referidos recursos valor, poder e enraizamento.

    Nesse sentido, o modelo prov uma es-trutura terico-metodolgica apta a dar conta das interaes complexas entre agen-

    tes diversificados operando sobre recursos igualmente variados sobre os quais reivin-dicam legitimidade privilegiada e sua mo-bilizao contextual. As redes de produo globais tm, pois a possibilidade de superar as matrizes unitrias de explicao dos fe-nmenos econmicos, representadas ora pe-la firma, ora pelo Estado.

    Nesse sentido, o artigo centrou-se nas referidas categorias conceituais de modo a explicitar sua contribuio para a pesquisa na rea de cincias sociais, destacando, em particular, o papel dos agentes sociais em inmeros processos definidos como econ-micos, mas essencialmente relacionados formao, acmulo e mobilizao do valor, do poder e do enraizamento.

    Estes agentes, a partir de seus recursos especficos e complementares exercem uma influncia constante e profunda sobre as es-tratgias e aes dos agentes econmicos e polticos. A especificidade de sua influncia, assim como a fragmentao desta em uma mirade de agentes concretos certamente so desafios a serem transpostos no mbito da pesquisa emprica. No entanto, esta in-fluncia, pois que especfica e fragmentada, no menos decisiva na compreenso dos fenmenos multidimensionais com frequ-ncia considerados estritamente econmi-cos dos quais tratam as cincias sociais.

    Aqui, a despeito da assimetria estru-tural postulada pelo modelo das RPGs en-tre os agentes econmicos e no econmi-cos, considera-se que um critrio eminen-temente emprico que deve nortear a nfa-

    21. Um dos desafios epistemolgicos do modelo diz respeito incorporao das variedades de capitalismo em seu quadro. A variao das economias nacionais concretas (organizaes empresariais e industriais, es-truturas institucionais, nveis de integrao economia global), permanece ou um problema estrutural inexplorado ou um pano de fundo contextual. O modelo das redes de produo globais busca dar conta das variedades de capitalismo atravs de uma anlise em termos de enraizamento social (HESS; YEUNG, 2006).

  • Redes de produo globais (RPGs) 139

    se analtica sobre determinadas dimenses dos fenmenos econmicos que relacionam tais agentes diversificados nas diversas es-calas espaciais. No contexto brasileiro con-temporneo, a apreenso da dimenso so-cial de tais fenmenos, em particular no que concerne a sua relevncia econmica, pare-ce ser bastante promissora.

  • 140 R. Ps Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011

    Nota sobRe o autoR

    Rodrigo Salles Pereira dos Santos doutor em Cincias Humanas (Sociologia) pelo PPGSA/UFRJ e Pesquisador do Grupo de Pesquisa De-senvolvimento, Trabalho e Ambiente (DTA), li-derado pelo Prof. Dr. Jos Ricardo Ramalho e pela Profa. Dra. Neide Esterci (UFRJ).

    RefeRNcIas

    BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, . O novo esp-rito do capitalismo. So Paulo: Martins Fon-tes, 2009.

    CARNEIRO, M. D. S. Crtica social e responsa-bilizao empresarial: anlise das estratgias para a legitimao da produo siderrgica na Amaznia Oriental. Cadernos CRH, v. 21, n. 53, p. 323-336, 2008.

    COE, N. M. et al. Globalizing regional develop-ment: a global production networks perspecti-ve. Transactions of the institute of british ge-ographers, n. 29, p. 468484, 2004.

    COE, N. M. Global Production Networks. In: KITCHIN, R.; THRIFT, N. (Eds.) The internatio-nal encyclopedia of human geography. Oxford: Elsevier, 2009. p. 556-562. v. 4.

    COE, N. M.; DICKEN, P.; HESS, M. Global pro-duction networks: realizing the potential. Journal of economic geography, n. 8, p. 271-295, 2008.

    COE, N. M.; HESS, M. Global production ne-tworks: debates and challenges. GPERG workshop on global production networks, University of Manchester, 25-26 jan. 2007.

    DICKEN, P. Global shift: mapping the chan-ging contours of the world economy. 5a. edi-o. London: Sage, 2007.

    DICKEN, P.; HENDERSON, J. Making the Con-nections: global production networks in Bri-tain, East Asia and Eastern Europe. Full rese-arch report. Impresso, 2005.

    DOERING, H.; SANTOS, R. S. P. Post-Develop-mentalist State and Steel Sector: is it possible to talk about a new Brazilian developmental path? Society for Latin American Studies, University of Saint Andrews, 8-10 abr. 2011.

    GEREFFI, G.; KORZENIEWICZ, M. Commodity chains and global capitalism. Praeger: West-port, 1994.

    GRANOVETTER, M. Economic action and so-cial structure: the problem of embeddedness. American journal of sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985.

    HELD, D.; MCGREW, A. Globalization. In: KRIE-GER, J. The oxford companion to politics of the world. Oxford University Press, 2001.

    HENDERSON, J.; DICKEN, P.; HESS, M.; COE, N. M.; YEUNG, H. W-C. Global Production Ne-tworks and the Analysis of Economic Develop-ment. Review of International Political Eco-nomy, 9: p. 436-464, 2002.

    HESS, M. Global Production Networks: dealing with diversity. In: TACHIKI, Dennis; HAAK, Ren (Eds.), Regional strategies in a global economy: multinational corporations in East Asia. Munich: Iudicium, 2004.

    HESS, M.; YEUNG, H. W-C. Whiter global pro-duction networks in economic geography? Past, present, and future. Environment and planning A, v. 38, n. 7, p. 1193-1204, 2006.

    HOMMEL, T.; GODARD, O. Contestation sociale et stratgies de dveloppement industriel: ap-plication du modle de la Gestion Contestable la production industrielle dOGM. Cahier cole polytechnique, laboratoire dconomtrie, n. 15, 2001. Disponvel em: < http://ceco.polyte-chnique.fr/>. Acesso em: dez. 2008.

    LIMA, R. J. C. Movimentos sociais, desenvol-vimento e capital social: a experincia do Rea-ge So Lus. In: SANTANA JR., H. et al. (Org.). Ecos dos conflitos scio-ambientais: a RESEX de Tau-Mirim. So Lus: EDUFMA, 2009. p. 225-253.

  • Redes de produo globais (RPGs) 141

    MONTEIRO, M. A. Amaznia: minerao, tri-butao e desenvolvimento regional. Novos Cadernos NAEA, Belm, v. 7, n. 2, p. 159-186, 2004.

    PIORE, M. J.; SABEL, C. F. The second indus-trial divide: possibilities for prosperity. New York: Basic Books, 1984.

    RAMALHO, J. R. Novas conjunturas indus-triais e participao local em estratgias de de-senvolvimento. Dados - Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 147-178, 2005.

    SANTOS, R. S. P. A Forja de Vulcano: siderur-gia e desenvolvimento na Amaznia Oriental e no Rio de Janeiro. 2010. Tese (Tese de Doutora-do em Sociologia e Antropologia) Universi-dade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

    WEBER, M. Ensaios sobre a teoria das Cin-cias Sociais. So Paulo: Editora Moraes, 2003.

    Recebido em: 15.04.11aprovado em: 08.06.11

  • 142 R. Ps Ci. Soc. v.8, n.15, jan./jun. 2011