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Aula de Sapiência Abertura Ano Lectivo 2015 UCM, FGTI Pemba 1 “Nenhuma sociedade pode funcionar se os seus membros não mantêm uma atitude ética. Nenhum país pode sair da crise se as condutas imorais dos seus cidadãos e políticos abundam com impunidade… hoje, mais do que nunca precisamos a Ética” (Adela Cortina, Para que serve realmente…? A Ética) UM OLHAR ÉTICO À UNIVERSIDADE Há já umas décadas que o pensamento moral consolidou a teoria das responsabilidades sociais como a reflexão urgente que muitas das situações experimentadas pela humanidade, de modo muito especial após a segunda grande Guerra, impunham necessária. Acontecimentos como os conhecidos na Alemanha Nazista trouxeram à tona uma consciência nova: a capacidade destruidora da espécie humana que se tornou um deus perante o qual a ciência e a técnica se ajoelharam. O poder que o ser humano é capaz de gerir pode matar e dar vida. Durante séculos os critérios para tomar decisões num ou noutro sentido tinham sido, por assim dizer, herdados de geração em geração e poucas vezes eram questionados. A ciência, o conhecimento que dela deriva, sua manifestação técnica, em todas as actividades humanas, surgiram para estar ao serviço do homem e não para o submeterem. Assim pensaram os grandes filósofos gregos o sentido da ética, da filosofia moral. Mas os resultados da história do ser humano, muito apesar das suas vitórias, escureceram a esperança e levantaram interrogantes nunca antes postos. Experiências como o genocídio dos hebreus, os chamados Lager de Auschwitz-Birkenau, a manipulação da energia atómica ao serviço da guerra, que deixou na história os pontos negros das destruições de Hiroshima ou Nagasaki, a experimentação científica sobre seres humanos como foi o experimento Tuskegge (Alabama), por mencionar algumas das mais significativas, provocaram a reflexão dos chamados universos concentracionários: cômo produzir o máximo mal no menor dos espaços. Em 1936 Edmundo Husserl conferenciou umas lições de filosofia sob o título: crise das ciências europeias e fenomenologia transcendental. Nestas advertia sobre o risco de permitir que a ciência e a técnica continuassem seus jogos sem nenhum árbitro. Anos depois a fecundidade de seu pensamento se deixaria ver em quase todos os grandes filósofos provocando a que se tem chamado época ética do pensamento e na qual estamos inseridos. Sobreviventes da Soah, da perseguição e do genocídio, os pensadores hebreus levantaram ao mundo a voz da responsabilidade. Na declaração universal dos Direitos Humanos de 1948 se deixa sentir a sua influência. Nesta perspectiva Hans Jonas publica uma obra intitulada “O Principio da responsabilidade. Ensaio para uma ética da civilização tecnológica”. A ética não é mais uma alternativa, simples eleição para alcançar uma vida boa ou feliz. Agora a ética se torna numa urgência, pois está em jogo a possibilidade de ser humano e não desumano. A categoria da responsabilidade passará a ser central na mesma compreensão daquilo que o ser humano é. A Justiça, intimamente ligada à responsabilidade, ocupará o lugar mais elevado de todos os valores (Jonas, 2008). É assim que a ética se recupera para salvar ao ser humano de si mesmo, para salvar ao mundo e à vida. Se o ser humano é responsável pelas suas decisões, se deve dar conta daquilo que faz

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aula sobre Responsabilidade Social universitaria. Autor: Eduardo A. Roca (Direitos de autor)

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“Nenhuma sociedade pode funcionar se os seus membros não mantêm uma atitude

ética. Nenhum país pode sair da crise se as condutas imorais dos seus cidadãos e

políticos abundam com impunidade… hoje, mais do que nunca precisamos a Ética”

(Adela Cortina, Para que serve realmente…? A Ética)

UM OLHAR ÉTICO À UNIVERSIDADE

Há já umas décadas que o pensamento moral consolidou a teoria das responsabilidades sociais

como a reflexão urgente que muitas das situações experimentadas pela humanidade, de modo

muito especial após a segunda grande Guerra, impunham necessária. Acontecimentos como os

conhecidos na Alemanha Nazista trouxeram à tona uma consciência nova: a capacidade

destruidora da espécie humana que se tornou um deus perante o qual a ciência e a técnica se

ajoelharam. O poder que o ser humano é capaz de gerir pode matar e dar vida. Durante

séculos os critérios para tomar decisões num ou noutro sentido tinham sido, por assim dizer,

herdados de geração em geração e poucas vezes eram questionados. A ciência, o

conhecimento que dela deriva, sua manifestação técnica, em todas as actividades humanas,

surgiram para estar ao serviço do homem e não para o submeterem. Assim pensaram os

grandes filósofos gregos o sentido da ética, da filosofia moral. Mas os resultados da história do

ser humano, muito apesar das suas vitórias, escureceram a esperança e levantaram

interrogantes nunca antes postos.

Experiências como o genocídio dos hebreus, os chamados Lager de Auschwitz-Birkenau, a

manipulação da energia atómica ao serviço da guerra, que deixou na história os pontos negros

das destruições de Hiroshima ou Nagasaki, a experimentação científica sobre seres humanos

como foi o experimento Tuskegge (Alabama), por mencionar algumas das mais significativas,

provocaram a reflexão dos chamados universos concentracionários: cômo produzir o máximo

mal no menor dos espaços.

Em 1936 Edmundo Husserl conferenciou umas lições de filosofia sob o título: crise das ciências

europeias e fenomenologia transcendental. Nestas advertia sobre o risco de permitir que a

ciência e a técnica continuassem seus jogos sem nenhum árbitro. Anos depois a fecundidade

de seu pensamento se deixaria ver em quase todos os grandes filósofos provocando a que se

tem chamado época ética do pensamento e na qual estamos inseridos.

Sobreviventes da Soah, da perseguição e do genocídio, os pensadores hebreus levantaram ao

mundo a voz da responsabilidade. Na declaração universal dos Direitos Humanos de 1948 se

deixa sentir a sua influência. Nesta perspectiva Hans Jonas publica uma obra intitulada “O

Principio da responsabilidade. Ensaio para uma ética da civilização tecnológica”. A ética não é

mais uma alternativa, simples eleição para alcançar uma vida boa ou feliz. Agora a ética se

torna numa urgência, pois está em jogo a possibilidade de ser humano e não desumano. A

categoria da responsabilidade passará a ser central na mesma compreensão daquilo que o ser

humano é. A Justiça, intimamente ligada à responsabilidade, ocupará o lugar mais elevado de

todos os valores (Jonas, 2008).

É assim que a ética se recupera para salvar ao ser humano de si mesmo, para salvar ao mundo

e à vida. Se o ser humano é responsável pelas suas decisões, se deve dar conta daquilo que faz

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desde a sua liberdade e consciência, então todos os âmbitos das actividades humanas se

tornam éticos. A ética não é, pois, mais uma disciplina, é a atmosfera em que todas as

disciplinas devem respirar, para que nenhuma das actividades humanas submeta, domine e

destrua ao ser humano. Não haverá saber que possa ser entendido devidamente sem a ética,

pois ela é, no dizer de Aristóteles, o saber prático do ser humano que se pergunta cada dia e a

cada momento: o que deve ser feito? E se torna responsável por isso.

De entre todas as éticas aplicadas às actividades humanas, afecta a nós, como comunidade

universitária, a ética da educação que descreve uma responsabilidade específica que deve ser

assumida por todos os que formamos parte da mesma. Para exprimir seu significado nesta

aula de sapiência vou seguir as pegadas dos grandes, ou como dizia Albertino Mussato no

século XIII, vou subir a ombros de gigantes.

1. Profissionalidade e não apenas técnica

Adela Cortina é uma filósofa espanhola que propõe uma ética para a cidadania da

razão cordial. Sua perspectiva pretende possibilitar uma ética para as sociedades de

pluralismo moral em que vivemos: delineia uma ética de mínimos de justiça que

possam ser exigidos por e para todos e uma ética de máximos de vida boa ou feliz que

possa ser oferecida e partilhada para quem quiser. Apenas uma virtude antropológica

a possibilita: a capacidade para o diálogo que pode e deve ser real desde quatro

princípios: a sinceridade dos interlocutores, a inclusão de todos os afectados, a

reciprocidade dos participantes e a simetria dos interesses. Seu mínimo antropológico

é a máxima moral kantiana que afirma o ser humano como um fim em si mesmo e

nunca como um meio.

Quando tentamos compreender a razão cordial de Cortina no âmbito da educação

universitária algumas coisas importantes exigem ser pensadas. Um país não pode

pretender educar a qualquer preço. Certo discurso de qualidade educacional define-se

como promoção da competitividade económica que influencia o nível de prosperidade

de um país (Cortina, 2014, 129). Procura-se ademais abrir portas a postos de trabalho

de alta qualificação, o que vai impulsionar o crescimento económico e melhorar a

competitividade no mercado global. Desde esta perspectiva apenas a competitividade

garante o futuro (e o não competitivo fica imediatamente excluído). Como pano de

fundo encontramos a defesa da cultura científico técnica como a única que se deve

potencializar, esquecendo frequentemente que uma cultura precisa de um marco de

fins e valores no qual pensar a ciência e a técnica.

Desde os mínimos de justiça afirma Cortina: educar com qualidade significa formar

cidadãos justos, capazes de compartilhar valores morais próprios em sociedades

pluralistas e democráticas. Entre estes mínimos estão a liberdade (independência,

autonomia e participação significativa), a igualdade (de oportunidades e capacidades

básicas), a solidariedade (voluntariedade não prescrita para o bem do outro), o diálogo

(para resolver os conflitos sem violência) e o respeito (à postura diferente da minha

que represente um ponto de vista moral) (Cortina, Ibíd. 130-131; E. González Esteban,

2004)

Mas a qualidade supõe também formar bons profissionais: aqueles que sabem que

uma profissão “não é um simples meio de vida nem apenas um exercício técnico, mas

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algo bastante mais”. Em situações de injustiça, pobreza ou vulnerabilidade, faz

diferença, e muito, encontrar um bom profissional e não apenas um técnico bom.

Patrício Vitorino Langa, ao comentar alguns desafios do ensino superior em

Moçambique, escreve esta frase que transcrevo aqui: quando deixada ao critério das

forças do mercado, ao invés da diferenciação funcional do ensino superior, podemos

ter uma diferenciação nominal que perpetua a concorrência desleal e maior assimetria

de informação, principalmente para os utentes – os estudantes (Langa, 2014, 374)

Formar bons profissionais significa orientar toda a educação para a consecução de

bens importantes para a vida social. A ética recorda-nos que são estes bens os que

legitimam as profissões e ao mesmo tempo responsabiliza aos que as exercem. Quem

se forma na universidade se compromete a proporcionar um bem à sociedade, quem

forma na Universidade deve transmitir este compromisso aos formandos, quem

trabalha na Universidade garante o bem que a comunidade universitária precisa para

que este compromisso seja efectivo.

O decisivo aqui é descobrir a ética: podemos formar ou ser formados para a

especialização técnica que persegue um fim que não se questiona procurando apenas

os meios mais eficazes que o permitam alcançar para assim ser competitivos, mas

podemos formar e ser formados como bons cidadãos e bons profissionais que sabem

pôr as técnicas aprendidas ao serviço dos bons fins, dos bens que temos o

compromisso de entregar à sociedade, sendo responsáveis pelos meios que

implementamos para os conseguir assim como pelas consequências (Cortina, Ibid. 134-

135).

No texto que referimos A. Cortina deixa claras as razões pelas quais as sociedades não

podem sobreviver sem atitudes éticas. Uma profissão legitima-se pelo bem que está

chamada a dar à sociedade. Se motivos alheios levam a assumir uma profissão

esquecendo o fim que dá sentido à mesma, uma sociedade assim de-formada está

condenada. Não pode o médico ser negligente nem o advogado mentir e justificarem

seus actos por motivos alheios (Cortina, ibíd. 137). Quem se profissionaliza sem

conhecer nem amar o bem que está chamado a dar acabará por enganar, per-verter e

corromper-se. A Universidade tem a missão urgente de revitalizar as profissões,

recordar seus fins legítimos e os hábitos ou virtudes (excelências) necessários para os

alcançar.

A ética universitária deverá concentrar seu esforço em formar profissionais

responsáveis e virtuosos (excelentes), cientes de seu dever para com as pessoas

concretas a quem servem com os seus bens1. A proposta ética para a universidade

consiste em “introduzir nela a aspiração à excelência” (Cortina, ibíd. 139). Interessa

neste sentido ajudar a descobrir que “na vida não sobrevivem os mais fortes, mas

aqueles que entendem a necessidade de se apoiar mutuamente, que sabem cooperar

e por isso procuram ser excelentes” (Ibíd. 141)2.

1 Evitará de este modo a tentação de formar técnicos especialistas (aqueles que nos discernem os fins e

para os alcançar qualquer meio é válido) e a tentação da burocratização das profissões (aqueles que se conformam com o mínimo legal). 2 Sobre a excelência cfr. Patrício Vitorino Langa. Alguns desafios do ensino superior em Moçambique: do

conhecimento experiencial à necessidade de produção de conhecimento científico. Em AAVV (2014) Desafios para Moçambique 2014. Maputo: IESE pp. 378-379

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2. Ética para a excelência

Acabamos de fazer uma afirmação que pode surpreender mas ela pode ser

comprovada: as organizações éticas são mais competitivas pois merecem credibilidade

e confiança (Zambrano van Beverhoudt, 2007). Uma escola que permite

comportamentos antiéticos, como a falta de responsabilidade, a negligência, o abuso

ou a fraude, perde aos poucos a credibilidade e a confiança e a sociedade civil acaba

por retirar o seu apoio. Aquelas escolas que se caracterizam por manterem atitudes

éticas são credíveis e bem faladas.

Também nos referimos à categoria de excelência, entendida como virtude (areté) que

definimos como hábitos necessários para se alcançar os fins. A universidade deverá

definir, proteger e orientar toda a sua actividade para a consecução dos fins ou bens

internos e ao mesmo tempo deverá educar nos hábitos ou excelências necessários

para os alcançar.

Isto é o que queremos significar quando falamos de introduzir na Universidade “uma

aspiração pela excelência”, em definitiva, dar à ética seu lugar. Já dissemos que neste

sentido se trata de promover uma gestão de qualidade da actividade universitária (ou

qualquer outra) que não é especialização técnica mas inclusão da ética em todos os

níveis da organização que procure a excelência.

Tudo isto vem à tona porque de facto os desafios éticos são reais e são importantes:

comportamentos antiéticos são a causa da ineficiência e da falta de qualidade que

põem em crise a sempre necessária competitividade. Por este motivo a universidade

deverá justificar seu espaço para garantir a sua permanência o que apenas poderá

fazer se a sua gestão for excelente.

Toda universidade é uma comunidade de interesses espirituais que reúne docentes e

estudantes na tarefa de procurar a verdade e alicerçar os valores transcendentais do

ser humano. Naquilo que tem a ver com a educação, a ciência e a cultura, a

universidade deve assumir uma função directora. Três valores fundamentam o ensino

superior: o espírito de democracia, a justiça social e a solidariedade humana. Cada

universidade enunciará seus valores específicos em sua missão e visão, propondo o

marco particular de referência que fundamente suas actividades.

Há, pelo menos, três aspectos que podem garantir o fazer ético da universidade que

procura excelência (Zambrano van Beverhoudt, 2007):

a. Valores irrenunciáveis a serem garantidos e trabalhados: disposição ao

diálogo, tolerância, liberdade, solidariedade, justiça e paz.

b. Gestão de qualidade, que deverá ter em conta: enfoque ao cliente (satisfazer

necessidades, dar um bom produto), participação total (todos os integrantes

da organização deverão tornar-se responsáveis pela qualidade); medição

(fazer o seguimento da qualidade, pois só se controla o que se mede); apoio

sistemático (coordenar esforços); melhoramento continuado (prevenir e

inovar, pois sempre se poderá fazer melhor). Trata-se de provocar uma

mudança progressiva e constante nas atitudes dos implicados orientada para o

melhoramento continuado até que fique assumido como um hábito

(excelência) de comportamento.

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c. Excelência desde as relações (Morris): toda excelência depende das relações e

não dos êxitos individuais; depende do que se faz com os outros e do que se é

para os outros. Segundo Morris a excelência corporativa sustentável depende

de garantir quatro bases que respondem a quatro dimensões da experiencia

humana; destas depende o sucesso e a excelência da universidade:

Dimensões da experiencia humana

Bases da excelência humana

Intelectual Verdade

Estética Beleza

Moral Bondade

Espiritual Unidade

Seguindo a Morris vê-se que à base de excelência da bondade corresponde a

dimensão moral da experiência humana, “em consequência para alcançar

excelência se deve ser ético” (Zambrano van Beverhoudt, 2007, 56). Aliás a

qualidade depende dos comportamentos éticos.

3. Uma proposta: a RSU

Epifânia Langa e Nelsa Massingue (2014)3 reconhecem a importância da

Responsabilidade Social Corporativa no âmbito do desenvolvimento local e em relação

com a indústria extractiva que nos últimos anos está a florescer em Moçambique. O

conceito de responsabilidade continua abrangendo os diferentes âmbitos das

actividades humanas, cada vez mais presente e vinculante.

No âmbito da universidade está possivelmente menos desenvolvido. Faz-se necessário

um esclarecimento prévio sobre o significado correcto da Responsabilidade Social.

A Responsabilidade Social (RS) não é filantropia ou caridade, nem se identifica com

expressões como sensibilidade social, solidariedade ou compromisso. Esta confusão

explica porquê muitas vezes a responsabilidade se esgota em declarações de princípios

e boas intenções sem nunca chegar a concretizações. Também não é assistencialismo

nem pertence apenas aos órgãos de gerência de uma organização. E por suposto não

depende de tomadas de posição ideológicas ou políticas.

Seguindo a Vallaeys (2007. 2008) podemos definir a RS em três pontos:

a. RS é acatamento de normas éticas universais para gerir um desenvolvimento

mais humano e sustentável (boas praticas reconhecidas internacionalmente).

A RS é um modo novo de gestão organizacional baseado em standards éticos

reconhecidos internacionalmente para as boas práticas de administração

interna (gestão laboral e meioambiental)4 e em relação com a sociedade. A RS

está ligada ao desenvolvimento mais justo e sustentável.

3 AAVV. (2014) Desafios para Moçambique 2014. Maputo: IESE

4 A Responsabilidade entende-se hoje não apenas no seu sentido social, mas também no económico e

meio-ambiental.

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b. RS é gestão de impactos provocados pelas decisões e pelas actividades das

organizações: procura-se diagnosticar, cuidar e prevenir o impacto negativo e

maximizar o positivo.

c. RS é participação de todos os grupos afectados (stakeholders): integrará a

todos os grupos de interesse afectados pela actividade da organização directa

ou indirectamente.

A RS é pois uma política de gestão de toda a organização, exige uma

estratégia, objectivos, fins, acções e avaliação. Neste sentido trata-se de uma

manifestação nova da possibilidade de organização social cada vez mais

importante em nosso mundo: põe em jogo “a inteligência social de conjunto”

de uma sociedade civil organizada (Vallaeys, 2008). A RS é um instrumento de

gestão dos desafios que a mundialização provoca em todas as organizações:

Lamentamos os problemas meio ambientais? Comecemos por instituir um

sistema de gestão e educação ambiental em nossa casa de estudos.

Lamentamos o racismo e a segregação racial? Não esqueçamos implementar

uma política de boas maneiras e clima laboral sadio entre o pessoal da

universidade, que permita o acesso a incapacitados e a integração de

estudantes de toda classe social e origem sócio cultural. (Vallaeys, 2008, p.5

tradução nossa)

Adiantemos agora uma definição da Responsabilidade Social que tem a ver com a

Universidade (RSU): uma politica de melhoramento continuado da Universidade que

visa o cumprimento efectivo de sua missão social através de quatro processos (gestão

ética e ambiental da instituição; formação de cidadãos conscientes e solidários;

produção e difusão de conhecimentos socialmente pertinentes; participação social na

promoção do desenvolvimento mais justo e sustentável) (Vallaeys, Ibíd.)

Parece fácil pensar nos impactos negativos das actividades das grandes empresas e se

calhar se torna mais complexo descobri-los na Universidade, no entanto podemos

descrever quatro influências ou grupos de impacto:

a. Impactos organizacionais: laborais, ambientais, hábitos de vida no campus…

trata-se de comportamentos que afectam pessoas e famílias. Que atitudes e

comportamentos devemos implementar na universidade para viver de modo

responsável?

b. Impactos educativos: relacionados com os processos de ensino aprendizagem,

a construção de currículos derivados do perfil do estudante. A que tipo de

profissionais e pessoas se está a formar? Pode-se estruturar a formação para

formar cidadãos responsáveis do desenvolvimento sustentável?

c. Impactos cognitivos: relacionados com as orientações epistemológicas e

deontológicas, os enfoques teóricos e as linhas de investigação, processos de

produção e difusão do saber… quais são os conhecimentos que devem ser

produzidos para responder às carências de desenvolvimento?

d. Impactos sociais: relacionados com os grupos externos em conexão com a

universidade, sua participação no desenvolvimento. Qual é o papel que a

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universidade assume perante a sociedade para seu desenvolvimento? Com

quem e para que?

É possível descobrir os riscos de impacto negativo no âmbito da universidade:

Fonte: Vallaeys, 2008 (tradução nossa)

Impactos Universidad

Organizacionais (laborais e

ambientais)

Cognitivos (investigação, epistemologia)

Sociais (Extensão,

transferência, projecção

social)

Educativos (formação acadêmica)

• assistencialismo/ paternalismo

• indiferença social

• mercantilizaçao da extensão

• hiperespecialização (Inteligência cega)

• falta de formação ética e cidadã

• reduçao da formação pelo afã de emprego

• desligação universidade-sociedade

• irre`ponsabilidade científica

• saber fragmentado

• não trans nem inter disciplinariedade

• maltrato laboral

• falta de democracia e transparencia

• maus habitos ambientais

• incoherencias ética da instituiçao

Impactos Organizacionais

Impactos Cognitivos

Impactos Sociais

Impactos Educativos

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Do mesmo modo, a gestão responsável dos impactos universitários poderia oferecer este

esquema de impactos positivos:

Fonte: Vallaeys, 2008 (Tradução nossa)

Para se atingir o objectivo da RSU podem ser implementadas quatro políticas:

a. Gestão de qualidade (vida institucional exemplar) laboral e meio ambiental

b. Formação integral de cidadãos responsáveis capazes para participar no

desenvolvimento sustentável

c. Gestão social do conhecimento procurando superar a inacessibilidade social ao

mesmo assim como as irresponsabilidades social da ciência

d. Participação social solidária e eficiente (processos participativos com

comunidades para solução de problemas urgentes de desenvolvimento)

De este modo a RSU tem como prioridade fazer do Campus Universitario um lugar de

responsabilidades e sustentabilidade. Vários temas deverão formar parte da agenda

universitária: qual é a pegada ecológica universitária? Funcionam os comités de ética?

E a transparência institucional? (Vallaeys, 2008, 11)

A RSU será pois uma estratégia da Universidade que coloca em primeira ordem as

provocações da coerência (entre acções e discursos), a transparência (diagnose do que

realmente acontece na instituição) e prestação de contas (comunicação de resultados

•redes de capital social

•comunidades incluentes de aprendizagem

•projectos de desenvolvimento sustentáveis

•formaçao para acidadania e para a profissao responsável

•aprendizagem social solidario

•currículos socialmente consensuados

•promoçao da inter e trans disciplinariedade

•pertinencia social da investigaçao

•responsabilidade social da ciencia

•boas práticas laborais

•sistema de gestao ético e transparente

•boas práticas ambientais

Impactos Organizacionais

Impactos Cognitivos

Impactos Sociais

Impactos Educativos

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aos interessados). A universidade passa então a formar parte activa da avaliação sobre

o impacto das suas actividades sem cair na tentação de culpar a outros actores sociais.

Além disso os actuais líderes sociais frequentaram a universidade e em grande medida

pensam e agem como nela foram ensinados. A autocrítica universitária torna-se pois

em elemento prioritário, pois antes de enfrentar quaisquer problemas ou situações

das sociedades injustas a universidade deverá procurar se transformar a si mesma. As

próprias incoerências reproduzem as injustiças sociais (Vallaeys, 2008, 12).

Por último salientamos aqui um possível itinerário a seguir para possibilitar a mudança

da universidade em perspectiva de RS. O modelo de RSU adoptado deverá ser

comunicado para que possa ser aceite, querido e praticado. Propõe-se a mudança de

paradigma da extensão Universitária para a Responsabilização social universitária, isso

exige forte sensibilização. A prática de três habilidades de modo permanente indicará

o caminho aos actores universitários:

a. Perguntar-se: ao fazer o que fazemos, o que fazemos realmente? (desenvolver

assim a habilidade de investigar e diagnosticar os efeitos colaterais das acções

institucionais)

b. Falar o que se faz: transparência institucional e prestação de contas

c. Fazer o que se fala: coerência com as declarações de princípios, missão e visão

universitárias.

Eis o esquema para este itinerário como propõe Vallaeys:

Desde o contraste entre o que diagnosticamos e o que declaramos (o discurso –

missão) pode-se planificar as áreas a serem melhoradas, com a participação de todos os

DIAGNOSE

auto-diagnose Missão e Visão

contraste

PLANIFICAÇÃO

selecção de áreas de melhoramento e formulação de plano de acção

EXECUÇÃO

AVALIAÇÃO

COMUNICAÇÃO

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interessados e com espírito de melhora continuada. Este caminho, no entanto, não se fará sem

dor. A exigência de sermos responsáveis é precisamente isso, uma exigência.

Conclusões

Nesta segunda década do novo século a configuração do mundo vê-se modificada pelas mais

díspares forças. Há por todo lado sensações de imprevisibilidade e não somos capazes de

antever o futuro. Para muitos, estes tempos convulsos apresentam características

amedrontadoras. Porém também nestes tempos é possível enxergar acontecimentos positivos.

A ética parece ter um papel decisivo e até soteriológico.

A sociedade civil acorda, os bens que o ser humano, ao longo da história descobriu para si

mesmo levantam-se em muitos corações e uma razão mais plena, mais completa, se abre

espaço derrubando os muros em que se tinha encerrado. São os tempos da mudança de

paradigma, do declive da razão científico técnica e a emergência da razão cordial. A

Responsabilidade define o coração preocupado da humanidade pela injustiça, a desigualdade,

a violência de todo tipo, a corrupção e a mentira. A Responsabilidade é o momento da ética, e

a ética é o momento de todas as actividades humanas, que ainda não se perderam.

A Universidade pode ser um berço para acolher esta razão cordial que nasce. Fica para o ser

humano o desafio de aceitar a exigência de responsabilizar-se, o desafio de proteger e

defender os valores de uma ética mínima: o diálogo, a liberdade, a solidariedade, a justiça, a

paz, o respeito.

A ética é a filosofia prática, sua dimensão mais visível. Não pode ficar em declarações de

princípios, em boas intenções. Ela implica uma nova estrutura da vida, das instituições que a

compõem, de cada uma das actividades que o ser humano realiza para dar vida. Ela é também

projecto, estratégia, caminho. Mas não poderá acontecer sem a encarnação que cada um de

nós deve fazer, desde a liberdade verdadeira, do espírito que acompanha a historia e que

procura sem cessar um mundo mais justo e humano, mais igual e fraterno.

Pe. Eduardo A. Roca Oliver

Departamento de Ética, Cidadania e Desenvolvimento (Pemba)

FCSP Quelimane (Moçambique)

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