Aurora - cap 5 - Semiótica e teoria comunicacional do direito

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CAPÍTULO V SEMIÓTICA E TEORIA COMUNICACIONAL DO DIREITO SUMÁRIO: 1. Língua, linguagem e fala; 1.1. O signo; 1.2. Suporte físico, significado e significação do direito positivo e da Ciência do Direito; 2. Semiótica e direito; 3. Teoria comunicacional do direito; 4. O direito como texto; 4.1. Texto e conteúdo; 4.2. Dialogismo - contexto e intertextualidade. 1. LÍNGUA, LINGUAGEM E FALA Os conceitos de “língua”, “linguagem” e “fala”, tornam-se indispensáveis à Teoria do Direito quando tomamos seu objeto como um corpo de linguagem produzido dentro de um contexto comunicacional. Sem a pretensão de uma análise mais rigorosa, mesmo porque esta não é a finalidade deste trabalho, dentre outras várias acepções, consideramos a língua como um sistema de signos em vigor em determinada comunidade, isto é, o código aceito e utilizado numa sociedade como instrumento de comunicação entre seus membros. Este código pode ser idiomático (ex: o português, o francês, o inglês, o alemão, etc.) ou não- idiomático (ex: expressão corporal, vestuário, mobiliário, arquitetura, pintura, música, etc.), desde que se preste à comunicação entre sujeitos 1 . Enquanto sistema convencional de signos, a língua é uma instituição social, isto significa que atos individuais isolados não têm o condão de modificá-la, sua alteração pressupõe uma evolução histórica 2 . Apesar de ser social, a língua é um depósito que está dentro de nós, imerso no inconsciente humano como um sistema de signos e de regras de utilização destes signos. 1 Para o estudo do direito interessa-nos a língua idiomática. 2 Diferente da língua é a sua gramática (da língua idiomática), consistente nas regras que a convencionam. A gramática de uma língua pode ser alterada de um dia para outro, não a língua.

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CAPÍTULO V

SEMIÓTICA E TEORIA COMUNICACIONAL DO DIREITO

SUMÁRIO: 1. Língua, linguagem e fala; 1.1. O signo; 1.2. Suporte físico, significado e significação do direito positivo e da Ciência do Direito; 2. Semiótica e direito; 3. Teoria comunicacional do direito; 4. O direito como texto; 4.1. Texto e conteúdo; 4.2. Dialogismo - contexto e intertextualidade.

1. LÍNGUA, LINGUAGEM E FALA

Os conceitos de “língua”, “linguagem” e “fala”, tornam-se

indispensáveis à Teoria do Direito quando tomamos seu objeto como um corpo de

linguagem produzido dentro de um contexto comunicacional.

Sem a pretensão de uma análise mais rigorosa, mesmo porque esta não

é a finalidade deste trabalho, dentre outras várias acepções, consideramos a língua como

um sistema de signos em vigor em determinada comunidade, isto é, o código aceito e

utilizado numa sociedade como instrumento de comunicação entre seus membros. Este

código pode ser idiomático (ex: o português, o francês, o inglês, o alemão, etc.) ou não-

idiomático (ex: expressão corporal, vestuário, mobiliário, arquitetura, pintura, música,

etc.), desde que se preste à comunicação entre sujeitos1.

Enquanto sistema convencional de signos, a língua é uma instituição

social, isto significa que atos individuais isolados não têm o condão de modificá-la, sua

alteração pressupõe uma evolução histórica2. Apesar de ser social, a língua é um

depósito que está dentro de nós, imerso no inconsciente humano como um sistema de

signos e de regras de utilização destes signos.

1 Para o estudo do direito interessa-nos a língua idiomática. 2 Diferente da língua é a sua gramática (da língua idiomática), consistente nas regras que a convencionam. A gramática de uma língua pode ser alterada de um dia para outro, não a língua.

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A diferença entre língua e fala aparece na obra de FERDINAND DE

SAUSSURE. Segundo o lingüista, consiste a fala num ato individual de seleção e

atualização da língua3. Seleção porque por meio dela o homem escolhe, dentre a

infinidade de signos e regras contidos em seu inconsciente (língua), as palavras e as

relações a serem estabelecidas entre elas, de forma que lhe parece mais apropriada. E

atualização porque ao utilizar-se deste ou daquele signo, bem como desta ou daquela

estruturação, os mantém presentes, como elementos de uma língua.

Enquanto a língua caracteriza-se como uma instituição social,

depositada no nosso inconsciente dentro de um processo histórico-evolutivo, a fala tem

caráter pessoal, ela traz consigo a “individualidade” manifesta nas escolhas daquele que

se utiliza da língua. A língua é algo estático que se movimenta (transforma) por meio da

fala. Já a fala é algo dinâmico, ela é a língua em movimento.

É com a prática da fala que a língua vai sendo depositada dentro de

nós e que ela se mantém viva no seio de uma sociedade. Enquanto a língua com suas

regras e signos determina a fala, as seleções da fala vão consolidando e modificando as

convenções sígnicas da língua, de modo que é impossível compreendê-las

dissociadamente.

A linguagem é o produto da fala, é o resultado da utilização da língua

por um sujeito. De modo mais abrangente podemos dizer que ela é a “capacidade do ser

humano para comunicar-se por intermédio de signos, cujo conjunto sistematizado é a

língua”4. Neste sentido, língua, fala e linguagem são conceitos conexos, tão interligados

que por vezes utilizamos o termo “linguagem” para referirmo-nos tanto à língua, quanto

à fala. Mas, por apreço à diferenciação, em termos mais simples, sintetiza-se que a

língua é a linguagem sem a fala e a fala é a linguagem sem a língua.

1.1. O signo

Falar em língua, linguagem e fala remete-nos a outro termo: o signo.

Num conceito mais genérico, o signo é tudo que representa algo para alguém, um

objeto, um desenho, um dado físico, um gesto, uma expressão facial, etc. Num conceito

3 Curso de lingüística geral, p. 18. 4 Direito tributário, linguagem e método, p. 32.

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mais específico, adotando-se as terminologias de EDMUND HUSSERL, o signo é uma

relação triádica entre: (i) um suporte físico; (ii) um significado; e (iii) uma

significação5.

O suporte físico é a parte material do signo, apreendida pelos nossos

sentidos, aquilo com o qual temos contato fisicamente (ex: os gestos da mímica; as

ondas sonoras da fala, as marcas de tinta no papel da escrita, as roupas do vestuário,

etc.). Ele refere-se a algo que está no mundo (concreto, imaginário, subjetivo, empírico,

atual, passado ou futuro), denominado de seu significado, entendido como a

representação individualizada do suporte físico. E, suscita na mente de quem o

interpreta uma noção, idéia ou conceito, que é sua significação6.

A palavra “gato”, por exemplo, é um signo: As marcas de tinta “G A

T O” gravadas no papel é o seu suporte físico. Este suporte físico refere-se a uma

realidade individualizada, por nós conhecida como “um mamífero, domesticado, da

espécie dos felinos” – seu significado. E, suscita na mente de quem o lê e o interpreta

um conceito (idéia), variável de pessoa para pessoa, de acordo com os valores inerentes

a cada um, que é a sua significação.

A ilustração abaixo ajuda-nos a visualizar melhor esta noção de signo:

significação

Signo

“GATO” suporte físico

significado

5 Há um grande descompasso entre os autores a respeito das denominações atribuídas aos termos (elementos) do signo e ao fato de ser tal relação triádia ou bilateral. CARNAP utiliza-se da terminologia indicador e indicado; SAUSSURE significante e significado; UBERTO ECO significante, referente e significado; PIRCE signo, objeto e interpretante; MORIS veículo sígnico, denotatum e designatum (PAULO DE BARROS CARVALHO, Apostila de Lógica Jurídica do Curso de Pós-Graduação da PUC-SP, p. 12-13). 6 PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário linguagem e método, p. 33-34

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Explicando: A palavra “GATO” que está no papel é o suporte físico; o

“gato” animal () é seu significado; e o “gato” que aparece na nossa cabeça quando

lemos a palavra é sua significação. O signo, nesta concepção, é um suporte físico que se

associa a um significado e que suscita uma significação, compondo o que se denomina

de triângulo semiótico, uma relação entre esses três elementos.

Trabalhando com os pressupostos do giro-lingüístico (fixados no

capítulo I deste trabalho) a idéia de significação e significado se misturam, pois a

realidade a que se refere qualquer suporte físico é construída pelo intérprete e, portanto,

sempre condicionada as suas vivências7. Da mesma forma, tanto o significado, quanto a

significação, materializam-se noutros suportes físicos, já que nenhuma realidade existe

senão pela linguagem. Mas, justamente, por ser o signo uma relação todos estes

conceitos estão intimamente ligados, de modo que um influi diretamente na existência

do outro8. Todo suporte físico suscita uma interpretação (significação), que constitui

uma realidade como seu significado, esta realidade, por sua vez, é também uma

linguagem, materializa-se num suporte físico, que suscita outra interpretação

(significação), numa semiose sem fim9.

Os signos podem ser de várias espécies. Muitos são os autores e

inúmeras são as classificações empregadas para diferenciá-los. Dentre elas, destaca-se a

proposta de CHARLES S. PEIRCE, que separa os signos em três tipos de acordo com a

relação estabelecida entre o suporte físico e seu significado: (i) índice; (ii) ícone; e (iii)

símbolo10. O índice mantém vínculo físico (natural) com o objeto que indica (ex:

fumaça é índice de fogo; febre é índice de infecção). O ícone tenta reproduzir o objeto

que representa (ex: foto; caricatura; filme; pintura). E, o símbolo é um signo

arbitrariamente construído, a relação que seu suporte físico mantém com o objeto que

representa é imposta de forma convencional pelos membros de uma sociedade (ex:

7 O significado de “fazenda”, por exemplo, depende da minha significação de “fazenda”, pois sem ela, a fazenda (objeto representado pelo signo) não existe para mim. 8 É, por isso, que alguns autores preferem explicar o signo como uma relação diádica (na terminologia de SAUSSURE, significante – no lugar de “suporte físico”; e significado). Outros se utilizam da diferenciação entre “significado denotativo” e “significado conotativo”. O primeiro, desprovido de valor; e o segundo articulando às vivências do intérprete (ROLAND BARTHES A retórica da imagem, p.41). O pôr-do-sol (suporte físico), por exemplo, denota o fim de mais um dia, mas pode conotar saudade, serenidade, solidão, dependendo de quem o interpreta. Preferimos não trabalhar com tal diferenciação, pois utilizamos “denotação” e “conotação” em outro sentido. 9 “Semiose” aqui entendida como o processo de um signo gerar outro. 10 PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário, linguagem e método, p. 35.

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placas de trânsito; palavras; sinais luminosos; bandeiras; brasões de família). Para nós,

interessa os signos desta última espécie (os símbolos), pois são eles, na forma

idiomática escrita (palavras11), que constituem nosso objeto de estudo, o direito

positivo.

Mas, o que nos interessa fixar neste tópico é a premissa de que toda

linguagem compõe-se, invariavelmente, por estes três elementos: suporte físico,

significado e significação, inerentes aos signos que a constitui. Imersos na concepção

do giro-lingüístico de que vivemos num mundo de linguagem, sendo o signo uma

relação (entre um suporte físico, um significado e uma significação) e a linguagem um

conjunto estruturado de signos, em última instância, podemos afirmar que vivemos num

mundo de relações, relações entre significados, significações e suportes físicos.

1.2. Suporte físico, significado e significação do direito positivo e da Ciência do Direito

Sendo constituídos por linguagem, tanto o direito positivo, quanto à

Ciência do Direito consubstanciam-se num conjunto estruturado de signos. Os signos do

direito positivo, no entanto, diferenciam-se dos signos da Ciência do Direito e estas

diferenças se reforçam quando examinamos os elementos do triângulo semiótico de

cada uma destas linguagens.

O direito positivo, enquanto corpo de linguagem voltado à região das

condutas intersubjetivas, com a finalidade de implementar certos valores almejados pela

sociedade, tem como suporte físico os enunciados prescritivos que o compõem

materialmente (ex: artigos, incisos e parágrafos de uma lei). Tais enunciados reportam-

se à conduta humana, mais especificamente às relações intersubjetivas, que é seu

significado. E, suscitam na mente daqueles que os interpretam a construção de normas

jurídicas, que se constituem na sua significação.

Diferentemente, a Ciência do Direito, enquanto corpo de linguagem

voltado ao direito positivo com finalidades cognitivas, tem como suporte físico os

enunciados descritivos que a compõem materialmente (ex: linhas e parágrafos de um

livro de doutrina). Tais enunciados reportam-se ao direito positivo, que é seu

11 CHARLES SANDES PIRCE ensina: “todas as palavras, sentenças, livros e outros signos convencionais são símbolos”. (Semiótica e filosofia, p. 126).

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significado. E, suscitam na mente de quem os interpreta uma série de proposições

descritivas (ex: juízos do tipo “S é P” construídos na mente de um aluno de direito

quando da leitura de um livro de doutrina – “a regra do art. 121 do Código Penal

prescreve que se matar alguém deve ser a pena de reclusão”). A ilustração abaixo

permite uma melhor comparação:

proposição descritiva

(significação)

S é P norma

jurídica (significação)

Explicando: A figura triangular 1 representa o direito positivo

enquanto signo, seu suporte físico são os enunciados prescritivos (), que têm como

objeto (significado) as condutas intersubjetivas (↔) e sua significação são as

normas jurídicas construídas na mente daqueles que os interpreta (HC). Quando quem

interpreta enuncia na forma descritiva as significações construídas de modo sistemático

e mediante um método próprio (operação identificada no gráfico pela seta pontilhada

superior), produz outro signo, a Ciência do Direito, (representado pela figura triangular

2). Seu suporte físico materializa-se na forma de enunciados descritivos (), que tem

como objeto (significado) o direito positivo (como indica a seta pontilhada inferior, em

direção ao triângulo semiótico 1) e sua significação são as proposições descritivas

construídas na mente daqueles que os interpreta (S é P). Logo temos: (i) no signo direito

positivo, os textos de lei como suporte físico; as condutas intersubjetivas por ele

reguladas como significado; e as normas jurídicas como significação; e (ii) no signo

enunciados prescritivos

(suporte físico)

↔condutas

intersubjetivas (significado)

HC

direito positivo

enuncia

Ciência do

Direito

2 direito positivo (significado)

enunciados descritivos

(suporte físico)

1

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Ciência do Direito, os livros doutrinários, as ondas sonoras produzidas numa

conferência como suporte físico; o direito positivo como significado; e as proposições

descritivas como significação.

A afirmação feita linhas acima, de que significação e significado se

misturam, dado que a realidade (significado) a que se refere qualquer suporte físico

acaba sendo aquela construída pelo intérprete (significação), é reforçada no exemplo

desta ilustração. Nota-se que, a significação do direito acaba por determinar o seu

significado, ou seja, o modo como as relações intersubjetivas são disciplinadas. A

“realidade” jurídica à qual o enunciado prescritivo faz referência, acaba sendo aquela

construída pelo intérprete. Da mesma forma, a interpretação da doutrina pelo aluno

(significação) influi no modo como a realidade “direito positivo” para ele se apresenta.

São todos conceitos interligados e, por isso, tão fáceis de serem misturados.

2. SEMIÓTICA E DIREITO

Semiótica é a Teoria Geral dos Signos, é a Ciência que se presta ao

estudo das unidades representativas do discurso. Sendo constituída por linguagem, cuja

unidade elementar é o signo, a Semiótica aparece como uma das técnicas mediante a

qual o direito positivo pode ser investigado.

Conforme leciona PAULO DE BARROS CARVALHO, PIRCE e

outro americano – CHARLES MORRIS – distinguem três planos na investigação dos

sistemas sígnicos: (i) sintático; (ii) semântico; (iii) pragmático12. No plano sintático

estudam-se as relações dos signos entre si, ou seja, os vínculos que se estabelecem entre

eles quando estruturados num discurso. No plano semântico, são examinadas as relações

do signo com a realidade que ele exprime (suporte físico e significado). E, no plano

pragmático, a atenção se volta às relações dos signos com seus utentes de linguagem,

isto é, ao modo como os emissores e os destinatários lidam com o signo no contexto

comunicacional.

A sintaxe da língua portuguesa, por exemplo, analisa as relações das

palavras na frase e das frases no discurso. A semântica preocupa-se com o significado

12 Direito tributário, linguagem e método, p. 36.

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destas palavras e frases. E, a pragmática examina o modo pelo qual as pessoas se

utilizam destas palavras e frases na realização para se comunicarem.

Aplicando esta técnica ao direito positivo, o estudo de seu plano

sintático, que tem a Lógica como forte instrumento, permite conhecer as relações

estruturais do sistema e de sua unidade, a norma jurídica. O ingresso no seu plano

semântico possibilita a análise dos conteúdos significativos atribuídos aos símbolos

positivados. É nele que lidamos com os problemas de vaguidade, ambigüidade e carga

valorativa das palavras e que estabelecemos a ponte que liga a linguagem normativa à

conduta intersubjetiva que ela regula. E, as investidas de ordem pragmática permitem

observar o modo como os sujeitos utilizam-se da linguagem jurídica para implantar

certos valores almejados socialmente. É nele que se investiga o manuseio dos textos

pelos tribunais, bem como questões de criação e aplicação de normas jurídicas13.

Em suma, o ângulo sintático conduz a uma análise estrutural, o

semântico a uma análise conceitual (de conteúdo) e o plano pragmático a uma análise

do uso da linguagem jurídica. Cada um destes planos caracteriza-se como um ponto de

vista sobre o direito, de modo que para conhecê-lo devemos percorrer todos eles.

O uso da Semiótica como técnica metodológica favorece o estudo

analítico. Não podemos esquecer, no entanto, que esta perspectiva está sempre envolta

por critérios ideológicos delimitados pelas vivências do intérprete, principalmente no

que diz respeito aos planos semânticos e pragmáticos, o que só reforça nossas

convicções a respeito da propriedade do método hermenêutico-analítico empregado no

estudo do direito positivo.

3. TEORIA COMUNICACIONAL DO DIREITO POSITIVO

Até agora tratamos do direito positivo como um corpo de linguagem

prescritiva, não podemos esquecer, no entanto, que esta linguagem encontra-se inserida

num contexto comunicacional, apresentando-se, assim, como um fenômeno de

comunicação. O direito, sob este ponto de vista, é um sistema de mensagens, insertas

num processo comunicacional, produzidas pelo homem e por ele utilizadas com a

finalidade de canalizar o comportamento inter-humano em direção a valores que a 13 Curso de Direito Tributário, p. 98.

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sociedade almeja realizar. Mas, o que nos interessa, agora, é saber por que o direito

positivo se manifesta lingüisticamente. Por que o direcionamento de condutas

intersubjetivas se dá no plano comunicacional? E, o que implica esta tomada de posição.

Como já vimos (no capítulo II deste trabalho) o direito é um objeto

cultural, que se materializa na forma idiomática escrita. O que, por vezes, bloqueia-nos

de vê-lo assim é o fato dele ser um instrumento de intervenção social e não de

intervenção no mundo físico. Esta dificuldade também se revela porque muitos não se

atentam para a separação entre os sistemas do direito positivo e da realidade social, não

o enxergando como uma linguagem prescritiva que toma como objeto a linguagem

social, a fim de manipulá-la. Sem esta separação o direito positivo é visto como um

objeto natural, que nasce e se modifica conforme surgem e se transformam as diversas

relações humanas, ou então, como objeto ideal, uma espécie de vetor agregado ao

homem que o direciona ao justo.

Tendo em conta ser o sistema social constituído por atos de

comunicação, sabemos que as pessoas só se relacionam entre si quando estão em

disposição de se entenderem, quando entre elas existe um sistema de signos que

assegure a interação. Sob este referencial, logo percebemos que não há outra maneira a

ser utilizada pela sociedade, para direcionar relações inter-humanas, que não seja por

atos de comunicação. Impor formas normativas ao comportamento social só é possível,

neste sentido, mediante um processo comunicacional, com a produção de uma

linguagem própria, que é a linguagem das normas. Ganha força, aqui, a observação de

LOURIVAL VILANOVA sempre lembrada por PAULO DE BARROS CARVALHO:

Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em

resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe

da qual é a linguagem do direito14. Neste sentido, é que entendemos o direito como

fenômeno comunicacional (sub-sistema do sistema social).

Especificando o conceito geral que fixamos quando tratamos da teoria

dos sistemas, de acordo com ROMAM JAKOBSON, a “comunicação” é a

“transmissão, por um agente emissor, de uma mensagem, veiculada por um canal, para

14 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 34.

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um agente receptor, segundo código comum e dentro de um contexto”15. O autor

identifica seis elementos do processo comunicacional: (i) remetente, que envia a

mensagem; (ii) destinatário, que a recebe; (iii) a mensagem; (iv) um contexto que a

envolve, comum ao remetente e ao destinatário; (v) um código, também comum ao

remetente e ao destinatário, no qual ela se verbalize (vi) um contato, canal físico que

conecte o receptor ao destinatário. A estes seis elementos PAULO DE BARROS

CARVALHO adiciona mais um: (vii) a conexão psicológica entre emissor e receptor16.

Na falta de um deles a comunicação não se instaura, de modo que não há sociedade e

nem direito.

A ilustração abaixo representa o processo comunicativo e seus

elementos17:

contexto

conexão psicológica

Explicando: Um sujeito emissor, por meio de um canal físico (ex:

papel, ondas sonoras, mãos), mediante um código devidamente estruturado (ex: língua

portuguesa) emite uma mensagem (a ser decodificada) a outro sujeito (destinatário), ao

qual se encontra psicologicamente conectado, inserido no seu contexto histórico-

cultural. A mensagem é possível de ser decodificada e compreendida pelo destinatário

por ser o código comum, por ele e o emissor vivenciarem o mesmo contexto e por

estarem conectados psicologicamente. Conforme representa a figura, a mensagem

(forma oval) está “imersa” no código (forma retangular pontiaguda mais escura,

15 Lingüística e comunicação, p. 123 16 Direito tributário, linguagem e método, p. 166-167 17 ULISSES INFANTE, Do texto ao texto, p. 214.

emissor destinatário

canal código

mensagem

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direcionada ao destinatário) e este “imerso” (gravado) no contato ou canal (forma

retangular pontiaguda mais clara, direcionada ao destinatário), todos eles, bem como

emissor e destinatário inserem-se no contexto (forma retangular que envolve toda a

representação) e estes dois últimos mantêm uma conexão psicológica (flexa arcada

superior).

Aplicando estes conceitos ao direito positivo temos: o agente

competente como emissor; os sujeitos das prescrições como destinatários; a norma

jurídica como a mensagem; as circunstâncias histórico-culturais que envolvem emissor

e receptor como contexto; a concentração subjetiva de ambos na expedição e recepção

da mensagem como a conexão psicológica; a língua portuguesa como código comum; o

diário oficial, enquanto suporte físico, onde se encontram gravadas as palavras na

forma de marcas de tintas no papel, como o canal que estabelece a conexão entre

emissor e destinatário.

Logo percebemos que sem um destes elementos o direito não existe.

Retira-se o agente competente (emissor) e a mensagem nem é produzida (não há

codificação). Retira-se o destinatário e a mensagem perde a sua função, pois não haverá

transmissão. Sem o canal não há contato entre emissor e destinatário e a mensagem

também não é transmitida (não há suporte físico para que ela se materialize). Sem um

contexto e uma conexão psicológica duas pessoas não se conectam, se há conexão é

porque esta se deu em alguma circunstância histórica e porque há um vínculo

psicológico unindo duas pessoas. Se o código não é comum torna-se impossível a

decodificação e a mensagem não aparece. Nestes termos o direito é comunicação e é

por este motivo que GREGORIO ROBLES DE MORCHON propõe uma Teoria

Comunicacional para o estudo do direito18.

Ao observarmos o direito como um fenômeno comunicacional fica

fácil de identificarmos e compreendermos os diversos enfoques que podem ser dados

ao seu estudo. Se tomarmos como objeto a emissão da mensagem, teremos uma Teoria

das Fontes do Direito, ou uma Teoria Política do Direito. Se nosso enfoque recair sobre

o contexto, provavelmente produziremos uma Teoria Histórica do Direito. Se a analise

tiver como objeto a conduta dos destinatários, a contribuição cientifica será uma Teoria

18 in Teoria del Derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho).

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Sociológica do Direito e assim por diante. Mas, como já vimos (no capítulo II) o estudo

do direito positivo pressupõe a decodificação do código no qual ele se materializa e

atém-se à mensagem legislada, pois é nela que se encontra o direcionamento dos

comportamentos intersubjetivos.

Trabalhar o direito como conjunto de normas jurídicas, enquanto

mensagem transmitida dentro de um processo comunicacional, também facilita

compreendermos a dificuldade de sua concretização, dado os vários fatores que influem

na codificação, transmissão e decodificação da mensagem e os obstáculos susceptíveis

a cada etapa do processo comunicacional. Em primeiro lugar, a existência de uma

mensagem jurídica pressupõe um emissor próprio, eleito pelo sistema como apto a

produzir normas jurídicas. É preciso também que este emissor tenha capacidade para

lidar com o código, ou seja, para estruturar-lhe de modo que seja compreendido pelo

destinatário. A transmissão da mensagem pressupõe boa qualidade do canal. Se, por

exemplo, as marcas de tinta estiverem borradas ou apagadas nada se transmite. No caso

da mensagem jurídica ainda há uma especialidade, pois o direito prescreve o canal

apropriado para veiculá-la. Outro obstáculo é o código, além da necessidade de ser

comum ao emissor e receptor, ele deve estar bem estruturado. Além de tudo isso, a

mensagem modifica-se de acordo com o contexto em que é decodificada e em razão de

fatores vivenciais de seu destinatário. Uma teoria comunicacional do direito permite-

nos esta visualização.

4. O DIREITO COMO TEXTO

Do processo comunicacional, o que temos acesso é o substrato

lingüístico, seu produto, base empírica para que o destinatário construa a mensagem

emitida. A mensagem não vem pronta, como muitos pressupõem, ela é o sentido do

código estruturado pelo emissor e só aparece na mente do destinatário, com sua

decodificação. Até a ilustração reproduzida acima dá-nos a impressão de que o

destinatário recebe a mensagem, como se ela viesse pronta, no entanto, o que acontece

em qualquer processo comunicacional não é isso. O destinatário tem acesso apenas ao

suporte fisco (canal ou contato), nele ele reconhece o código e mediante a existência de

um contexto constrói a mensagem na forma de significação.

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Com o direito positivo não é diferente. Tudo a que se tem acesso são

palavras, um conjunto de signos devidamente estruturados na forma de textos e todo o

esforço do destinatário volta-se para a construção do sentido destas palavras, para a

decodificação do código e compreensão da mensagem legislada.

Ao conjunto estruturado de signos pelo qual se viabiliza a

comunicação, dá-se o nome de linguagem (língua + fala). Daí a afirmação segundo a

qual o direito positivo se manifesta em linguagem. Fisicamente ele se apresenta na

forma idiomática escrita, é composto por signos arbitrariamente construídos e aceitos

por convenções lingüísticas (símbolos). Este é o seu dado empírico, por isso, qualquer

estudo jurídico que se pretenda tem como ponto de partida e de retorno a linguagem.

Para sabermos, por exemplo, que regras jurídicas disciplinam as

relações familiares, a compra e venda de bens, a constituição de uma sociedade, a

contratação de funcionários, etc., temos que nos dirigir aos Códigos Civil, Comercial e

à Consolidação de Leis Trabalhistas. E o que encontramos nos Códigos, e nas Leis

senão um aglomerado de palavras gravadas num papel? Tudo a que temos acesso, na

nossa experiência sensorial com o direito positivo, são palavras estruturadas em frases e

sistematizadas na forma de textos. Assim sendo, o trato com o direito positivo sempre

nos conduz ao manejo de textos19.

Não há outra saída para o jurista, o aplicador, o advogado, o estudante

de direito senão o manejo de textos. Quando o Poder Constituinte promulga a

Constituição Federal, produz um texto, quando o legislador edita uma Lei produz um

texto, quando a administração edita atos administrativos o faz mediante a produção de

textos, quando o juiz sentencia, produz um texto, o advogado, ao peticionar, produz um

texto, os particulares ao contratarem, também produzem um texto. A Constituição

Federal, os Códigos, as Leis, os Decretos, as resoluções, portarias, atos administrativos,

sentenças, acórdãos, contratos, regulamentos, etc., apresentam-se invariavelmente como

textos. Logo, não há outro modo de lidar com o direito que não seja o trato com textos.

É neste sentido que GREGORIO ROBLES MORCHON sustenta ser o “direito um

grande texto composto de múltiplos textos parciais”20.

19 GREGORIO ROBLES MORCHON, Teoria del Derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho), p. 69. 20 Idem, Idem, p. 70.

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No direito brasileiro estes textos são necessariamente escritos.

Pensemos em qualquer manifestação jurídica e logo percebemos que ela se encontra

reduzida a termo. Desde as manifestações mais complexas como a Constituição Federal

e os compêndios legislativos até as mais simples como as resoluções e portarias se

apresentam na forma de texto escrito, cuja função pragmática é direcionar

comportamentos intersubjetivos.

4.1. Texto e conteúdo

Toda linguagem só assim o é porque tem um sentido. Se voltarmos

nossa atenção ao texto, enquanto conjunto estruturado de símbolos, logo percebemos

que ele comporta três ângulos de análise atinentes à ontologia relacional dos signos que

o integram. Como já tivemos a oportunidade de estudar, ainda neste capítulo, os signos

compõem-se de um substrato material, que tem natureza física e lhes serve de suporte

(suporte físico); de uma dimensão ideal construída na mente daquele que o interpreta

(significação); e de um campo de referencial, isto é, alusivo aos objetos por ele

referidos com os quais mantém relação semântica (significado). Ao compreendermos o

texto como um conjunto de signos ordenados com o intuito comunicacional, facilmente

podemos visualizar estes três ângulos de observação.

Dos três planos que compõem as relações sígnicas de um texto,

aquele a que temos acesso é o seu suporte físico, que é a base para construção das

significações e o dado referencial dos significados. É nele que as manifestações

subjetivas do emissor da mensagem ganham objetividade e tornam-se intersubjetivas,

vale dizer, se materializam e podem ser conhecidas (interpretadas) por outros.

O suporte físico de um texto é o seu dado material empírico. Na

linguagem escrita são as marcas de tinta gravadas sobre um papel. É unicamente a estas

marcas de tinta que temos acesso quando lidamos com os textos escritos e é a partir

delas, por meio de um processo interpretativo, que construímos seu sentido. Aquele que

não sabe manusear tais marcas e que não consegue associá-las a um significado, não é

capaz de construir sentido algum, olha para aquele aglomerado de símbolos e só vê

marcas de tinta sobre o papel. Isto nos prova duas coisas: (i) primeiro que o sentido não

está no suporte físico, ele é construído na mente daquele que o interpreta; e (ii)

segundo, que não existe texto sem sentido. Não existe um suporte físico ao qual não

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possamos atribuir uma significação. Se não houver a possibilidade de interpretá-lo, ou

seja, de se construir um sentido, o suporte físico perde sua função e não podemos mais

falar na existência de signos.

Atentando para esta unicidade PAULO DE BARROS CARVALHO

faz uma distinção quanto ao uso do termo “texto”. Por muitas vezes a palavra é

utilizada para denotar o suporte físico, dado material ao qual temos acesso na

construção do sentido, por outras vezes, a mesma palavra é utilizada para referir ao

suporte físico e seu sentido. Verifica-se aqui, mais uma vez, o problema da

ambigüidade que impregna o uso das palavras. Por exemplo, quando se diz: “vamos

interpretar o texto” utiliza-se o termo “texto” na acepção de suporte físico,

diferentemente, quando se diz: “o texto é sobre direito positivo”, utiliza-se o mesmo

termo na acepção de suporte físico mais sua significação.

Para resolver este problema o autor propõe uma simples, mas precisa,

distinção entre texto em sentido estrito e texto em acepção ampla21. Stricto sensu o

“texto” restringe-se apenas ao suporte físico, dado material tomado como base empírica

para construção de significações (refere-se ao primeiro exemplo) aquilo que

GREGORIO ROBLES denomina de “texto bruto”22. Já em sentido amplo de “texto”

abrange sua implicitude, seu sentido (refere-se ao segundo exemplo).

Transportando estas considerações genéricas para a especificidade

dos textos do direito positivo, percebemos estes dois planos: (i) do texto em sentido

estrito, suporte físico, dado empírico do direito positivo; e (ii) do conteúdo normativo,

composto pelas significações construídas na mente daquele que interpreta seus

enunciados prescritivos.

A norma jurídica encontra-se no plano das significações, do conteúdo

dos textos do direito positivo. Ela existe na mente humana como resultado da

interpretação dos enunciados que compõem seu plano de expressão. Nos dizeres de

21 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 16. 22 Teoria del derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho), cap. 5. Conforme estudamos no cap. III, item 6 deste trabalho.

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PAULO DE BARROS CARVALHO ela é exatamente o juízo (ou pensamento) que a

leitura do texto provoca em nosso espírito23.

4.2. Dialogismo - contexto e intertextualidade

Todo texto (aqui utilizado na sua acepção ampla) é envolvido por um

contexto, isto é, encontra-se inserido num processo histórico-social onde atuam

determinadas formações ideológicas. Neste sentido, podemos dizer que não há texto

sem contexto.

O contexto é formado por todos os enunciados com os quais um texto

se relaciona. Nenhum texto é individual, todo discurso, inserto num processo

comunicacional, independente de sua dimensão, mantém relação com outros

discursos24, pois, segundo os pressupostos com os quais trabalhamos, nenhum

enunciado se volta para a realidade em si, senão para outros enunciados que os

circundam. Neste sentido, todo texto (em acepção ampla) é atravessado, ocupado por

textos alheios, de modo que para apreendermos seu sentido, não basta identificarmos o

significado das unidades que o compõem (signos), é preciso perceber as relações que ele

mantém com outros textos25.

As relações de sentido que se estabelecem entre dois textos são

denominadas de “dialogismo”26. Como todo texto é dialógico, isto é, mantém relações

com outros textos, o dialogismo acaba sendo, nas palavras de JOSÉ LUIZ FIORIN, o

princípio construtivo dos textos. Construímos um enunciado a partir de outros

enunciados e ele é compreendido porque mantém relação dialógica com outros

enunciados.

Qualquer relação dialógica é denominada intertextualidade. O direito

positivo como texto, relaciona-se cognoscitivamente com outros sistemas (social,

econômico, político, histórico, etc), que também são lingüísticos. Há, neste sentido, uma

intertextualidade externa (contexto não-jurídico) muito importante, pois, apesar do foco 23 Curso de direito tributário, p. 8. 24 Na Semiótica o termo “texto” é empregado para denotar o plano de expressão, enquanto o termo “discurso” é utilizado para denotar o plano de conteúdo (Diálogos com Barkhin – ed. UFPR – p. 32). 25 JOSÉ LUIZ FIORIN, Introdução ao pensamento de Barkhin, p. 23. 26 Podemos diferençar dois tipos de dialogismo: (i) o que se estabelece ente o texto produzido pelo emissor da mensagem e o construído pelo intérprete; (ii) o que se estabelece entre o texto e todos os outros que informam seu conteúdo.

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da análise jurídica não recair sobre seu contexto histórico-social, é esta relação dialógica

que molda as valorações do intérprete. Como sistema, as unidades do direito positivo

também se relacionam entre si. Há, neste sentido, uma intertextualidade interna

(contexto jurídico), na qual se justificam e fundamentam todas as construções

significativas da análise jurídica.

Atento à separação entre texto e contexto, PAULO DE BARROS

CARVALHO chama atenção para a possibilidade de termos dois pontos de vista sobre

o texto: (i) um interno; e (ii) outro externo. “Fala-se numa análise interna, recaindo

sobre os procedimentos e mecanismos que armam a estrutura do texto, e numa análise

externa, envolvendo a circunstância histórica e sociológica em que o texto foi

produzido”27. A primeira análise tem como foco o texto como produto do processo

comunicacional e a segunda recai sobre o texto enquanto instrumento de comunicação

entre dois sujeitos, abarcando as manifestações lingüísticas e extralingüísticas que o

envolvem.

Transpondo tais considerações para o direito positivo temos que: (i)

uma análise interna leva em conta seu contexto jurídico; e (ii) uma análise externa seu

contexto não jurídico. Nossa proposta é uma análise interna do texto jurídico. O

contexto histórico-social em que se encontra envolvida sua produção exerce total

influência na construção das significações jurídicas, mas não é ele que nos serve como

base para construção destas significações. Nossa forma de estudar o direito, conforme já

propunha KELSEN28, isola as manifestações normativas e as desassocia de qualquer

outra espécie de manifestação que não seja jurídica. É, portanto, uma análise interna aos

textos jurídicos. No entanto, tal análise não foge à noção externa. Para concebermos o

direito como ele é (numa visão culturalista), não podemos ignorar a existência de seu

contexto, mesmo que a análise sobre ele não recaia. Sem a contextualização, não há

como dizer qual é o direito, porque para o compreendermos atribuímos valores ao seu

suporte físico, e os valores são imprescindíveis de historicidade.

27 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 16. 28 Teoria pura do direito, p. 1.