Auto-estima Das Mulheres Com o Feminismo

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Auto-estima das mulheres com o feminismo rumo a superação das desigualdades Isaura Isabel Conte MMC RS. (nov. 2007) Para o Movimento de Mulheres Camponesas, o debate sobre auto-estima das mulheres, também, está vinculado à classe social e ao recorte de gênero, ou seja, como se sentem estes seres por serem e se assumirem : pobres, mulheres e camponesas. Gebara (2001), de antemão, diz que a identidade da mulher é uma identidade subalterna. Então temos que perguntar POR QUÊ? Como se chegou a isto? Sempre foi assim? É porque as mulheres gostam de ser vítimas? Ais aí algumas breves reflexões, começando pelo título deste artigo. Em primeiro lugar, se enfoca o feminismo, porque para o MMC, é através dele que se tenta a superação das desigualdades existentes entre homens e mulheres. Não há dúvida que é necessário sair da condição de ‘ser menos 1 ’ da consideração de ser inferior, por parte do sexo feminino, que o patriarcado 2 se encarregou de construir nas mentes 1 Segundo Freire. 2 ? O patriarcado trás implícita a noção de relações hierarquizadas entre os seres com poderes desiguais. É ele que trás as ferramentas

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Auto-estima das mulheres com o feminismo rumo

a superação das desigualdades

Isaura Isabel Conte MMC RS. (nov. 2007)

Para o Movimento de Mulheres Camponesas, o debate sobre auto-

estima das mulheres, também, está vinculado à classe social e ao recorte de

gênero, ou seja, como se sentem estes seres por serem e se assumirem :

pobres, mulheres e camponesas. Gebara (2001), de antemão, diz que a

identidade da mulher é uma identidade subalterna. Então temos que

perguntar POR QUÊ? Como se chegou a isto? Sempre foi assim? É porque

as mulheres gostam de ser vítimas?

Ais aí algumas breves reflexões, começando pelo título deste artigo.

Em primeiro lugar, se enfoca o feminismo, porque para o MMC, é

através dele que se tenta a superação das desigualdades existentes entre

homens e mulheres. Não há dúvida que é necessário sair da condição de

‘ser menos1’ da consideração de ser inferior, por parte do sexo feminino,

que o patriarcado2 se encarregou de construir nas mentes humanas e nas

estruturas sociais.

Ainda segundo a mesma autora acima citada, a sociedade patriarcal,

constituída há mais de 10.000 anos, construiu uma hierarquia de culpa, a

qual é classista, racista e sexista. Com isto se quer dizer que sendo pobre,

mulher e negra, maior a culpabilidade pelos ‘pecados’ e desgraças do

mundo. Sente-se culpa pelo fato da própria existência como ser mulher,

negra, empobrecida... Sendo que com isso, se impõe e se aceita a

diminuição em todos os sentidos: de sofrer violência, de naturalizar as

formas de violência a ponto de não percebê-las, de naturalizar espaços de

poder e trabalhos diferenciados para homens e mulheres, etc.1 Segundo Freire.2 ? O patriarcado trás implícita a noção de relações hierarquizadas entre os seres com poderes desiguais. É ele que trás as ferramentas explicativas para as desigualdades transformadas em subordinação das mulheres. Richatz (2004), apud Safiotti (2001).

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Então, se as mulheres foram postas em lugares considerados

secundários, de menos valor, onde pouco podem se manifestar, junto a uma

cultura de obediência e submissão, como poderão ter auto-estima elevada?

Em se tratando de mulheres burguesas, dá para arriscar afirmar que não há

exceção, pois, o fato de serem mulheres, as coloca, igualmente, submissas

aos homens burgueses.

A auto-estima não vem do nada. Ela é construída e precisa condições

reais, não é um faz de conta. Talvez seja mais interna do que expressada

externamente. Arrumar o cabelo, pintar as unhas, passar batom até faz parte

da vida das mulheres, mas não é isto que define que uma mulher é ou está

feliz, de bem com a vida. A auto-estima tem a ver com que tipo de relação

as mulheres estabelecem e que condições dignas de vida têm. Não existe

auto-estima quando elas estão submetidas a condições de violência e

dominação, de inferioridade, de culpa, de miséria...

Nesta sociedade hierarquizada há um faz de conta: “ O de que todos

são iguais”. Inclusive está na lei, mas, já se ressalta o todos, o masculino,

onde as mulheres devem pensar que estão inclusas (mas não estão). É em

nome da neutralidade que elas desaparecem, são diluídas e tratadas como

se tivessem pênis. Por aí se percebe a dificuldade de dialogar com o

diferente, sendo o diferente, as mulheres, como se elas fossem um estorvo,

um incômodo.

Foi a organização feminista, como reação à invisibilidade imposta,

que começou a fazer as mulheres botarem a boca no trombone e

reivindicarem o que lhes é de direito. O debate do sexismo e da linguagem

sexista apareceu graças ao debate feminista que foi pautado através da luta

das mulheres, após milênios de massacre. Em período como a Idade média,

se chegou a uma verdadeira homofobia com relação ao sexo feminino. Foi

nesta época a perseguição maior, e, a conhecida ‘caça ás bruxas’, onde

milhares de mulheres no mundo todo foram condenadas á fogueira.

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Mas, voltando ao feminismo, segundo Gebara (2001), ele surge a

partir de movimentos de mulheres urbanas, de classe média na Europa

(após a segunda guerra mundial) e nos Estados Unidos (a partir da década

de 1960). Num primeiro momento aparece como reivindicação e, também,

pergunta: por que eu não tenho direito? O direito a que se referia era direito

a voto, a cidadania, a ser considerada pessoa. Vale ressaltar, entretanto, que

no século XIV e XV, na Itália, segundo Frei Betto (2001), pelo menos três

feministas3 elaboraram livros feministas denunciando a condição de

clausura das mulheres.

Através do movimento feminista, que se estabelece com mais força a

partir dos anos de 1970 na América Latina, que se começa, então, a querer

de volta tudo o que foi negado, inclusive poder. E, em se tratando de poder,

obviamente que deveria assustar os homens e que a igreja celibatária o

consideraria coisa do demônio. Não há estranhamento em verificar que por

parte do pensamento da igreja hegemônica, a excomungação do feminismo

até os dias atuais, porque: ele vem para revirar aquela paz falsa que se

implantou à custa da violência imposta às mulheres, e, normalizada pela

sociedade com um todo. Quando elas ousaram dizer ‘basta’ foi um Deus

nos acuda!

O feminismo nasceu do clamor das vozes sufocadas e proibidas das

mulheres durante séculos. Como mulheres cerceadas haveriam de ter auto-

estima? Como tinham força para viver se eram culpadas pelas tentações dos

homens, se seus corpos eram considerados demoníacos e impuros?

No Brasil o feminismo da chamada segunda fase, ainda conforme

Frei Betto (2001), surge no final da década de 1960 em diante, com

impulso de publicações de Simone de Beauvoir4 e de Betty Fridman5. Nesta

3 Trata-se de Lucrecia Marinelli (escreveu “A nobreza e a excelência da Mulher”);, Moderata Fonte (escreveu “Valor da Mulher”) e Arcângela Tarabotti (escreveu “ Anti-Sátira”)4 Beauvoir, feminista francesa que publica em 1949 “ O segundo sexo” e Fridman publica “ A mística feminina”, em 1963.5 Feminista estadunidense que esteve no Brasil na década de 1950 e reuniu-se às escondidas com um grupo de mulheres, entre elas Rose Marie Muraro. Segundo Muraro, houve uma grande perseguição por

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segunda fase, se passa da reivindicação de direito ao voto, ao direito ao

prazer, com as palavras de ordem: “o privado também é político”;

“diferentes, mas não desiguais”; “nosso corpo nos pertence”. Dos anos de

1970 a 1980, o movimento feminista centra força, também, na

redemocratização do país. Segundo Pañuelos en Rebeldía (2007), como

nesta época a Tologia da Libertação e o Movimento de Educação Popular

estavam em alta, nenhum deles chegou a pautar as questões específicas das

mulheres.

O movimento feminista surge como algo fora da lei e, desde logo

começa a ser combatido, por isso é subversivo e vai ganhando mais e mais

adeptas. A ONU6 foi pressionada e declarou em 1975, o Ano Internacional

da Mulher e, que, posteriormente, declarou de 1975 a 1985, a década da

Mulher em todo o mundo.Todas aquelas que, até então, não tinha voz e

vez, têm um instrumento que começa a lhe dar força e a fazer uma força

enorme coletiva, para a transformação das relações desiguais de gênero.

O movimento das esquerdas brasileiras após a ditadura militar (1964-

1980) não foi capaz de incluir em usa agenda, de forma efetiva, as questões

das mulheres, entendendo que tais questões se resolveriam

automaticamente com as transformações de cunho econômico, e, foi um

grande equívoco. Um grande número de mulheres passou a ser militantes

de partidos políticos e sindicatos, porém, como mulheres, nada mudava

dentro dessas estruturas, pensadas por homens. Vejamos a citação abaixo:

Agora me pergunto se a incapacidade do socialismo de abrir espaço para a agenda feminista – para realmente adotar esta agenda à medida que emerge naturalmente em cada história e cada cultura – seria uma das razões pelas quais o socialismo não poderia sobreviver como sistema (MÈSZARÓS, 2002, p. 290).

É oportuna a colocação do autor acima citado, entretanto, não há de

parte da imprensa e da burguesia para identificar tais feministas com suas idéias... 6 Organização das Nações Unidas.

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se concordar que o movimento feminista é algo que surge naturalmente na

história. Se fosse pela naturalidade e pela naturalização das coisas,

justamente ‘o deixa como está’ e, ‘não se mexe em time que está

ganhando’, que o feminismo jamais existiria. As mulheres feministas,

eram acusadas, pelos chamados esquerdistas, de dividirem a luta, de serem

contra o socialismo, de serem anti-revolucionárias, etc.

Segundo Pañuelos en Rebeldía (2007), foi com a volta de muitas

mulheres do exílio de países europeus, especialmente, que o feminismo

recebeu força na América Latina. Durante o período de exílio, elas

conseguiram encontrar companheiras feministas e, então, entender, a

importância de ter espaços específicos de debates sobre os temas que dizem

respeito às mulheres e seus corpos. Os debates em espaços e organizações

específicas de mulheres tem o intuito de analisar o porque e como se

construiu a dominação e como eliminá-la. E, neste sentido o MMC afirma

que é deste jeito que é possível construir e recuperar a auto-estima

individual e coletiva das mulheres.

É através do dar-se conta da opressão e da exploração que as

mulheres sofrem no cotidiano, encontrando formas de reação, através da

subversão, que se possibilita a Nova Sociedade, com as mulheres como ser

libertas, sem jugo.

Contudo, atualmente, se pode afirmar que com o clamor do olhar

para a diversidade neste século XXI, o feminismo vem criando força e se

alastrando tanto no Brasil, quanto em outros países, inclusive com ações e

críticas fortes ao capitalismo, pois quem mais sofre as conseqüências deste,

são as mulheres.

O capitalismo tem um jeito sutil e perverso de explorar e

subjugar as mulheres: seja concentrando poder, seja impondo

estereótipos de corpo, de pensamente, de consumo, que faz das

mulheres escravas ou culpadas por não poderem ostentar o ‘padrão’

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instituído. Atualmente a idéia de ‘estar na moda’ parece ser sinônimo

de ter auto-estima, o que é uma farsa que alimenta o capitalismo, e,

que geralmente, é para agradar o outro (homem).

Que auto-estima é essa onde as mulheres passam a ser enfeites para o

outro, concorrentes entre si? Porque precisam entrar nesse jogo? Não seria

por causa do sentimento de inferioridade?

Segundo Faria e Nobre(2002), o feminismo atual tem a

obrigação de se caracterizar como anti-racista e pela defesa do planeta,

sendo, também, anti-capitalista, pois é preciso construir uma outra

sociedade, com outros valores. De fato, não é possível nenhuma

perspectiva de equiparidade, e consequentemente, de auto-estima, até

que as relações ainda são balizadas por qualquer tipo de preconceito e

discriminação. O feminismo deve servir para questionar todo o poder

desigual, todas as injustiças cometidas ao longo da historia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FARIA, Nalu e NOBRE, Miriam (org). A Produção do Viver. SOF –

Sempreviva Organização Feminista. São Paulo, 2003.

FREI BETTO. A Marca do Batom, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32ª ed. Paz e Terra. RJ. 1989.

GEBARA, Ivone. Cultura e Relações de Gênero. Cepis, São Paulo, 2001.

MMC RS. Textos internos. Passo Fundo, 2006.

PAÑUELOS EM REBELDÍA. Hacia Una Pedagogia Feminista. Gêneros e

Educación Popular. America Libre. Buenos Aires, 2007.

RICHATZ, Teresina apud SAFIOTTI, H. Conceituando Gênero e

Patriarcado. PUC/SP,2004

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