Autobiografia

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Autobiografia Manuel Jorge Curso EFA Identidade Preciso ser um outro para ser eu mesmo Sou grão de rocha Sou o vento que a desgasta Sou pólen sem insecto Sou areia sustentando o sexo das árvores Existo onde me desconheço aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas ESS-S Escola Secundária de Sampaio Sesimbra INTRODUÇÃO Moçambique, considerada terra da boa gente, situa-se na zona austral e na costa oriental de África. Com uma supefície de 799.380 quilómetros quadrados, faz fronteira a norte com a Tanzania, a ocidente com o Malawi, Zambia, Zimbabwe e África do Sul, e a Sul com a Swazilandia e a África do Sul. A sua faixa costeira, é banhada pelo oceano Índico, numa extensão de 2.515 quilómetros. José Jorge, cidadão português, nascido em Portugal Continental, deslocado para a colónia de Moçambique em 1944, casou-se com Virigínia Jorge, nascida e criada nesta Província Ultramarina, onde se uniram pelo Santo Sacramento do matrimónio. Anos depois e já com dois filhos, resolveu o casal, após entendimento conjugal, continuar a procriação, dando a minha mãe à luz ao terceiro filho, baptizado com o nome de Manuel Jorge, às 13,00 horas do dia 10/05/1965, na Missão do Lifidzi, mais ou menos um ano após o início da luta de libertação nacional levada a cabo pela Frelimo Frente de Libertação de

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Autobiografia

Manuel Jorge

Curso EFA Identidade Preciso ser um outro para ser eu mesmo Sou grão de rocha Sou o vento que a desgasta Sou pólen sem insecto Sou areia sustentando o sexo das árvores Existo onde me desconheço aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas

ESS-S Escola Secundária de Sampaio – Sesimbra

INTRODUÇÃO

Moçambique, considerada terra da boa gente, situa-se na zona austral e

na costa oriental de África. Com uma supefície de 799.380 quilómetros

quadrados, faz fronteira a norte com a Tanzania, a ocidente com o Malawi,

Zambia, Zimbabwe e África do Sul, e a Sul com a Swazilandia e a África do

Sul. A sua faixa costeira, é banhada pelo oceano Índico, numa extensão de

2.515 quilómetros.

José Jorge, cidadão português, nascido em Portugal Continental,

deslocado para a colónia de Moçambique em 1944, casou-se com Virigínia

Jorge, nascida e criada nesta Província Ultramarina, onde se uniram pelo

Santo Sacramento do matrimónio.

Anos depois e já com dois filhos, resolveu o casal, após entendimento

conjugal, continuar a procriação, dando a minha mãe à luz ao terceiro filho,

baptizado com o nome de Manuel Jorge, às 13,00 horas do dia 10/05/1965,

na Missão do Lifidzi, mais ou menos um ano após o início da luta de

libertação nacional levada a cabo pela Frelimo – Frente de Libertação de

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Moçambique, que teve uma duração de sensivelmente 10 anos e a qual

culminou com a independência de Moçambique em 1975, formando-se

assim o primeiro governo pós colonialismo, com um programa de trabalho

orientado para a construção de uma sociedade pro-socialista.

Deixo reflectido em síntese neste portfolio parte da minha caminhada

pela viagem da vida, nomeadamente algumas etapas da infância, da

adolescência e enquanto adulto; o que aprendi, o que descobri, o que senti e

o que vivenciei.

Parte do aqui escrevo tem por objectivo responder às exigências do

programa a que me submeti para a aquisição de novas aprendizagens, o que

ficará reflectido a partir do final desta introdução.

1- A MINHA INFÂNCIA

Até 1970, vivi num recanto que considero paradisíaco, mais

precisamente Vila Velha de Ulongué, vila esta situada no distrito de

Angónia, uma localidade pacata a Noroeste de Moçambique, mais

precisamente na província de Tete (antigo distrito; visto Moçambique ser

uma Província Ultramarina).

Caracterizada por um microclima, encontramo-nos na zona mais

ocidental de Moçambique, muito verdejante e onde tudo o que se cultivava

dava os seus frutos. Campos enormes de longo verdejante, espairecendo até

aos sopés das montanhas que envolviam a vila como se fosse um abraço da

mãe natureza.

Por motivos logísticos, e como o meu pai era veterinário e tinha que se

deslocar frequentemente por várias zonas da província (distrito), quando fiz

os meus seis anos, fui morar para a Vila Nova, capital de distrito, que se

localizava sensivelmente a 10km da vila onde nasci, distância esta

percorrida por caminhos ermos, rodeados por florestas de árvores enormes,

onde nas suas copas se podiam observar algumas das mais belas criaturas da

natureza, nomeadamante babuinos, primatas da família dos símios.

Desta fase da minha infância, recordo-me das várias vezes que me

deslocava, junto dos meus pais e de um de meus irmãos (o do meio), às

quintas circundantes, onde se podiam observar as suas belas terras, umas

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cultivadas outras de pasto e onde também se podiam observar algumas

manadas de gado bovino que pastavam nesses prados. Era lindo!

Acompanhava também muitas vezes o meu pai quando ele se deslocava

para os tanques que existiam na zona, para os chamados banhos carracícidas

do gado bovino. Recordo-me das vezes que ficava com ele a contabilizar o

número de animais existentes nas variadas manadas. Aqui aprendi os

primeiros números, enquanto em conjunto com o meu pai contava os que

perfilavam por entre dois muros que os encaminhavam para o respectivo

tanque de banhos.

Em 1971, chegada a hora da entrada para o ensino primário, os meus

pais matricularam-me na escola primária de Vila Nova, onde frequentei a

pré-primária.

1972, a primeira das mudanças radicais na minha vida, pois fui morar

para a capital do distrito, cidade de Tete, onde continuei os meus estudos até

ao liceu e onde conclui o Curso Geral dos Liceus, o actual 9º ano.

2- A MINHA ADOLESCÊNCIA

Enquanto Ser, amigo da natureza e também aliado à curiosidade, vários

factores fizeram com que despertasse um indicador de que mais tarde seria a

minha directriz para um sonho que nunca se tornou realidade, pois o voo das

cegonhas pelos céus em redor da minha casa, ainda quando morava na Vila

Velha, “aguçavam-me o apetite” para algo que na altura me era de todo

desconhecido, o ser um dia piloto de linha aérea.

Enquanto aluno primário, fui adquirindo conhecimentos, naturalmente

virados para o ensino regular e pouco mais se fazia senão estudar, brincar e

algumas saidas para aqui e acolá, sempre na companhia dos meus pais.

Entretanto, o tempo foi passando e eis que chega a altura da entrada no

liceu, transição que coincide precisamente com o fim da ocupação colonial

de que eu na altura não fazia ideia do que era. Até à data e tudo o que tinha

aprendido era de que Moçambique seria uma Província Ultramarina de

Portugal.

1975, é declarada a independência de Moçambique, o que foi de facto

uma enorme confusão para mim, pois ouvia falar de terroristas, de

malandros que andavam pelas matas e que, de vez em quando, atacavam os

brancos que viviam em propriedades nas zonas mais remotas da provínica,

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longe das cidades capitais, e que eram vítimas da barbariedade criminal, o

que para mim não fazia sentido, pois até à independência nunca havia

sofrido nenhum “encontro imediato” com quem quer seja que lutava pela

ocupação colonial; ironia do destino.

Com o desenrolar dos tempos e, com a entrada do novo governo,

criaram-se novas estruturas de ensino, assente numa ideologia pro-socialista.

Fui adquirindo novos conhecimentos sobre a realidade da colonização.

Começo por perceber, de facto, o que era o passado e o que seria o presente,

restando-me por descobrir o futuro.

Entretanto, nos tempos disponíveis e principalmente nas férias, o meu

pai, pessoalmente muito conhecido de várias entidades, não só

governamentais, como mesmo a nível social, por exemplo pelos

comerciantes da cidade, preocupava-se em arranjar, sempre que possível,

uma ocupação para os filhos nas épocas de interrupção das aulas. Umas

vezes lá ia eu para uma oficina reparadora de automóveis, outras de

electrodmésticos, outras ainda para oficinas de reparação de rádios, onde,

em todas estas áreas, pude adquirir novos conhecimentos e aprendizagens.

Nos meus tempos de ócio, fazia caminhadas com os meus amigos da

altura pelas matas e montanhas circundantes, andávamos nós felizes e

contentes, pois podíamos assim passar bons momentos de contacto com a

fauna e flora existente nessas zonas.

As épocas das férias grandes (o período de férias maior do ano) eram

geralmente preenchidas com viagens e também visitas de estudo, não pela

escola, mas sim a título particular, pois, o meu pai era o meu guia e levava-

me a conhecer cidades e localidades que me eram desconhecidas até então,

tendo assim oportunidade de ficar a conhecer um dos maiores ex-líbris da

engenharia portuguesa em Moçambique e para o mundo, a barragem de

Cahora Bassa.

Por vezes, também fazíamos férias nos países vizinhos como o Malawi e

Zimbabwe.

Eis então chegados a 1976, ano em que surgem os primeiros indícios de

desestabilização pós-independência em Moçambique, cujo desenvolvimento

atinge a forma de uma guerra civil alargada a todo o país, sobretudo na

década de 80, opondo a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique e

a RENAMO - Resistência Nacional de Moçambique. A desestabilização

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provocada por estes conflitos internos é agravada por agressões militares

que a Rodésia (país vizinho) faz a Moçambique, tendo como justificação o

apoio que o governo Moçambicano dava aos guerrilheiros que lutavam

contra a ocupação branca. É de se considerar este tipo de referência visto a

Rodésia nesta altura já não ser colónia britânica, apesar do domínio

governamental continuar a ser maioritariamente branco, pois era governado

por um nacionalista de nome Douglas Ian Smith, primeiro-ministro, que

houvera declarado nem relação à coroa britânica unilateralmente a

independência em 11 de Novembro de 1965 ficando no governo até 1 de

Junho de 1979, data da segunda independência, declarada pelos

considerados os verdadeiros nacionalistas.

Neste interregno, o meu irmão do meio completava os 18 anos de idade,

o que se tornou um caso sério para a estabilidade emocional da minha

família, tendo os meus pais que envia-lo para Portugal, visto o mesmo andar

a ser seguido pelas autoridades locais no sentido de o alistar nas forças

armadas de Moçambique para posteriormente ser enviado para o combate

que se desenrolava entre as tropas governamentais e a RENAMO.

Apenas em 1992, com a assinatura do ‘Acordo Geral de Paz’ entre a

FRELIMO e a RENAMO, cessam as hostilidades e inicia-se um processo de

reconciliação.

Apesar deste “clima” de destabilização, lá se ia vivendo com mais ou

menos receio de que algo de mal nos pudesse acontecer.

Em 1984 desloco-me mais a minha família definitivamente para

Portugal.

Esta mudança é um novo traçado na caminhada da minha vida. Novas

aventuras e novas aprendizagens, voltam a cruzar-se no meu percurso de

vida.

3- A MINHA VIDA ADULTA

Em Portugal, sinto-me deslocado no tempo e no espaço, apesar de que,

de quando em vez, eu visitado o mesmo em épocas de férias, mas pesava

aqui o facto das minhas raízes se encontrarem a milhares de quilómetros.

Um dos meus objectivos foi sempre o de continuar os estudos, mas a

realidade da vida assim não o permitiu.

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Com o meu pai já com alguma idade, aposentado e ainda com dois filhos

para apoiar no seu crescimento como Homens, a vida torna-se um pouco

complicada para ele, pois era o único com rendimentos sustentáveis e sobre

o qual pesava a responsabilidade do sustento da família, composta por um

agregado de quatro elementos.

Com o sentido de responsabilidade apurado tive que arregaçar as

mangas e tentar entrar para o mercado de trabalho com o objectivo e espírito

de entreajuda, o que consegui com alguma facilidade; mais uma vez valeram

os conhecimentos do meu pai.

Vindo eu de África e já com alguns conhecimentos de mecânica auto

adquiridos na época de férias, consigo emprego num concessionário

automóvel com a designação de Auto Monumental do Areeiro, onde fico a

trabalhar no departamento de Tuneup (preparação e afinação de veículos de

competição) durante aproximadamente dois anos e meio, altura em que sou

chamado para o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório - finais de

1987.

Faço a recruta em Elvas onde em simultâneo e através do exército tiro a

carta de pesados com reboque, o que era uma mais-valia para mim, pois

dava muito valor a tudo o que conseguia obter e considerava-o como um

troféu pelo esforço e empenho dedicado.

Depois de terminada a recruta, sou transferido para Santa Margarida,

onde sita o Agrupamento Base, o maior centro de aquartelamentos do país.

Sou destacado para a 1ª BMI (Brigada Mista Independente), onde cumpro

18 meses de serviço militar e de onde saio com o devido reconhecimento

pelos meus préstimos como militar, pela ordem e disciplina, juntando assim

ao meu curriculum um diploma de louvor (um dos quatro militares

premiados de entre os 400 do batalhão).

Estamos no primeiro trimestre de 1989, mais uma página passada, novos

desafios se advinham.

Depois do cumprimento do serviço militar, eis que torno ao mercado de

trabalho, e como já possuía licença de condução para pesados com reboque,

e enquanto estava à espera de ser chamado para um concessionário Citroen,

empresa para a qual concorri para o lugar de recepcionista, consigo emprego

temporário numa empresa de distribuição de combustível em bombas de

abastecimento para automóveis. Permaneço dois/três meses. Aqui, adquiro

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novos conhecimentos de formas e técnicas para o abastecimento, inclusive

regras de segurança para o procedimento de descarga.

Próximo do terceiro trimestre do ano de 1998, eis que sou chamado pela

empresa concessionária de automóveis da marca Citroen, para a qual

concorri, onde sou admitido e aí permaneço sensivelmente 10 anos.

Faço pela empresa várias formações, como a de recepcionista e mais

tarde a de escriturário, tempos que me ficaram na memória gravados como

uma fase positiva da minha vida.

Eis que quando estou no “auge” digamos assim, de uma vida estável,

começa a manifestar-se, entretanto, a patologia de padeço (neuro-muscular),

e que me vai marcando ao longo dos tempos através de alguma mobilidade

reduzida.

Em 1999, nova reviravolta; a firma onde trabalho declara insolvência,

tendo eu que regressar ao mercado de emprego. Desta feita e ponderando já

um certo grau de incapacidade que possuía, e também no meu futuro,

consigo emprego numa clínica de diagnóstico como escriturário, da qual

faço parte dos quadros efectivos.

Entretanto, com o agravar da minha situação de saúde e visto ter iniciado

um processo de baixa por incapacidade temporária, eis que traço um novo

objectivo, o de continuar os estudos e para já, tendo como meta a conclusão

do 12º ano, com a complementaridade de um curso técnico, podendo assim

preencher com este feito mais uma página e um capítulo do livro da minha

vida.

14 de Setembro de 2009, o virar da página para o início do tão desejado

destino.

Matriculado na ESS (Escola Secundária de Sampaio) em Sesimbra, eis-

me na presença de mais uma aventura para um somatório de novos

conhecimentos e aprendizagens…

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