AUTOESTIMA Afetividade e Transformacao Existencial
-
Author
marianamonteiro -
Category
Documents
-
view
238 -
download
1
Embed Size (px)
description
Transcript of AUTOESTIMA Afetividade e Transformacao Existencial
-
1
AUTOESTIMA
AFETIVIDADE E TRANSFORMAO EXISTENCIAL
Dedicatria
Dedico esta obra aos meus pais adotivos, Rosa e Jos (em
memria) que, principalmente no breve tempo de convivncia
em criana, me nutriram com valores virtuosos, exemplos
profcuos, amor e afeto, motivando minha autoestima e
minha capacidade de superao. s minhas amadas filhas,
Danielle e Carolline, por existirem e enriquecerem minha vida
afetiva, contribuindo para que eu me institusse uma pessoa
melhor.
-
2
Agradecimento
A todas as pessoas da minha famlia universal que, de algum
modo, me influenciaram positivamente e que fizeram e fazem
parte da minha histria, em todas as suas dimenses.
Antepassados, familiares, minha ex-esposa, Rita que me
auxiliou com comentrios e reviso , professores,
educadores, mentores, Anny Meiry minha companheira e
incentivadora , clientes, companheiros e companheiras de
trabalhos voluntrios, colegas, amigos e amigas de todos os
tempos e lugares.
-
3
Como se Fosse um Prefcio
Ou nos amamos, ou nos aniquilamos. Todos juntos. Jos ngelo Gaiarsa
A minha pretenso era que o prefcio desta obra fosse escrito pelo o Dr. Jos
ngelo Gaiarsa1, pela admirao que sempre nutri por este, querido, mestre um Rechiano
e humanista convicto , em razo de sua coerncia, arrebatadora, demonstrada no seu
programa da TV Bandeirantes, nos anos 1980 e 1990, ao qual eu assistia quase que
religiosamente. Em essncia, por afinidades e identificao de longa data, que vieram a
influenciar mudanas em minha vida.
Estive com Dr. Jos ngelo, pessoalmente, uma nica vez durante um seminrio
em So Paulo , quando uma conversa, breve, foi suficientemente marcante para que eu
pudesse sorver, com prazer, uma rara frao da sua sabedoria, humildade, desprendimento e
amor pelo seu ofcio. Enfim, porque foi dele a inspirao mais incisiva, para vir a tornar-me
psicoterapeuta. Anos depois, autorizou-me a divulgar seus textos em meu site, com um e-
mail muito carinhoso.
1 Jos ngelo Gaiarsa (1920/2010). Mdico psiquiatra, introdutor das tcnicas corporais em psicoterapia no Brasil. Alm da obra j
citada, escreveu inmeros livros, entre eles: Couraa Muscular e Carter, Educao Familiar e Escolar Para o Terceiro Milnio, Tratado Geral sobre a Fofoca, Sexo Tudo que Ningum Fala Sobre o Tema .
-
4
Resumindo, como ele passou para a dimenso espiritual em outubro de 2010
tempo em que eu ainda escrevia esta obra , no foi possvel solicitar o prefcio. Sendo
assim, resolvi homenage- lo, neste breve espao, compartilhando alguns valiosos
fragmentos de uma das suas reflexes:
preciso comear a trocar carcias, a proporcionar prazer, a fazer com o
outro todas as coisas boas que a gente tem vontade de fazer e no faz, porque
"no fica bem" mostrar bons sentimentos! No nosso mundo negociante e
competitivo, mostrar amor um mau negcio. O outro vai se aproveitar, explorar,
cobrar... Chega de negociar com sentimentos e sensaes. Vamos nos reforar
positivamente. o jeito o nico jeito de comearmos um novo tipo de convvio social, uma nova estrutura, um mundo melhor.
Freud ajudou a atrapalhar mostrando o quanto ns escondemos de ruim;
mas fcil ver que ns escondemos tambm tudo que bom em ns: a ternura, o
encantamento, o agrado em ver, em acariciar, em cooperar, a gentileza, a alegria,
o romantismo, a poesia, sobretudo o brincar com o outro. Tudo tem que ser srio,
respeitvel, comedido - fnebre, chato, restrit ivo, contido... Proponho um tema
para meditao profunda; a lio mais fundamental de toda a Psicologia
Dinmica:
S sabemos fazer o que foi feito conosco.
S conseguimos tratar bem os demais se fomos bem tratados.
S sabemos nos tratar bem se fomos bem tratados.
Se s fomos ignorados, s sabemos ignorar.
Se s fomos odiados, s sabemos odiar.
Se fomos malt ratados, s sabemos maltratar.
No h como fugir desta engrenagem de ao:
Ningum feliz sozinho.
Ou o mundo melhora para todos ou ele acaba.
Amar o prximo no mais idealis mo " mstico" de alguns.
Ou aprendemos a nos amar ou liquidaremos com a nossa espcie.
Ou aprendemos a nos tratar bem a nos acariciar ou nos destruiremos.
Carcias a prpria palavra bonita. Carcias... Olhar de encantamento descobrindo a divindade do outro meu espelho!
-
5
Apresentao
Quem acende uma luz
o primeiro a beneficiar-se da claridade. Gilbert Chesterton
Este um livro sobre autoestima e transformao existencial. Sobre mudana
aprendida, vivenciada e compartilhada ao longo do tempo. No o classifico como um livro
de autoajuda porque, em sua gnese, ele no se prope a dar respostas, regras ou verdades
definitivas. Pretende, apenas, provocar reflexes, mesmo quando sugere aes. Muito do
saber nele contido, foi de algum modo experimentado em minha jornada de superao, o
que no significa que devo ter aprendido tudo, uma vez que, a vida, um contnuo
aprendizado.
Quando escrevi meu primeiro livro: Cidadania, O Direito de Ser Feliz, o fiz de
modo bastante incisivo, atribuindo s minhas superaes, principalmente, os valores
apreendidos na breve convivncia, de dois a sete anos de idade, com meus pais adotivos,
Rosa e Jos, responsveis por avivarem, em mim, a existncia, e por moldarem o meu
carter e a base da minha personalidade. Isso, somado s minhas vivncias, ao
conhecimento adquirido com muito empenho por muitas e mltiplas leituras desde a
mais tenra idade (aprendi a ler entre trs e quatro anos), e, por fim, aos estudos e s
-
6
observaes constantes da vida. Elementos que, alm de motivar toda minha trajetria para
instituir-me cidado dotado de autoestima, me transformou em uma pessoa inquieta,
inquiridora e reativa a situaes limitadoras.
Este livro, de certo modo, segue a mesma vertente da obra citada, j que a ideia de
escrev- lo nasceu ao mesmo tempo, porquanto, em um dos seus captulos, fiz meno sobre
a importncia da autoestima para o exerccio qualificado da cidadania, o que me leva a
afirmar que: como se fora uma semente, h mais de uma dcada, este livro vinha
germinando.
Apesar de utilizar de alguns conceitos que so de uso corrente na rea teraputica e
comportamental, cuidei para que esta obra no fosse, apenas, uma mera repetio deles. Por
isso, imprimi caractersticas prprias que, normalmente, esto presentes em artigos que
escrevo, tais como, o hbito de sintetizar ideias para torn- las mais inteligveis aos olhos do
leitor e o uso de um tom, que eu denomino de mais coloquial. Isto pela convico de que,
seja qual for a verdade, ela simples, no havendo razo para complic-la, apenas, para
demonstrar erudio.
Mesmo em cenrios diferentes como a rua, abrigos e educandrios para menores
onde vivi enquanto criana e adolescente ou na minha lida como boia fria, trabalhador
braal e outros tantos labores ou, ainda, quando, mais frente, estudei filosofia, direito,
psicanlise e outras incontveis abordagens comportamentais, sociolgicas, religiosas e
espiritualistas. Nunca me contentei em ser mero expectador da histria, pelo contrrio,
sempre busquei intervir como sujeito de sua transformao, sem perder de vista minha
prpria mudana. Em razo disso, no pense voc, leitor, que vai encontrar nestes escritos
um tratado intelectualizado sobre o tema proposto, apenas encontrar um depoimento,
ntido e genuno, do que descobri na realidade provada em todos os seus sabores e nas mais
diversas fontes.
Em sntese, a base desse labor est relacionada ao fato de que, ao assumir ser
observador de mim mesmo e do ambiente minha volta, deixei de acreditar em verdades
absolutas, por entender que a capacidade de angariar conhecimento, pensar e aprender deve
ter, como fim, uma reflexo racional, realista e propositiva, contribuindo, de modo
significativo, para que formemos nossa prpria concepo do contexto em que estamos
-
7
inseridos e o papel que queremos ou devemos desempenhar nele. Os tolos acreditam no que
dizem os outros; os sbios no que veem e compreendem.
Escrevo e falo sobre autoestima em artigos e palestras motivacionais, a princpio,
como autodidata, precisamente, desde o ano de 1985. Portanto, so tambm esses saberes,
adquiridos ao longo dessa jornada, que amparam e qualificam a minha pretenso ao ousar
escrever esta obra e trat-la, no s teoricamente, mas, principalmente, sob o prisma do
aprendizado vivido no decorrer da minha trajetria, at os tempos atuais, onde, por vias
muitas vezes tortuosas, doloridas e outras nem tanto , acabei por descobrir que: o que me
moveu at aqui foi uma noo, em determinadas ocasies no muito clara, mas profunda,
do poder da autoestima.
Observem que o ousar, neste contexto, no significa apresentar algo
absolutamente novo, mas, apresentar um enfoque diferenciado, inteligvel e verificvel
de tudo quanto foi meu aprendizado at agora, estabelecendo novas conexes, dando uma
diferente amplitude a conceitos j existentes, ou reescrevendo-os e repensando-os sob a
tica singular da valorizao da criatura humana, em todas as suas mltiplas dimenses. E
mesmo que, em determinadas ocasies, alguns enfoques ou citaes possam soar
repetitivos, adianto que isto proposital, dado que, em certas circunstncias, a
recorrncia parte integrante da comunicao e do prprio exerccio de aprender.
O leitor encontrar, tambm, nesta obra, algumas referncias a conceitos, tanto da
psicanlise, quanto de abordagens comportamentais diferenciadas, tais como, a Anlise
Transacional, Programao Neurolingustica, Gestalt terapia, Logoterapia, Psicologia
Transpessoal e Humanista, entre outras. Isto por fora de que, como estudioso
comportamental, psicoterapeuta, consultor e conferencista motivacional, me considero
aberto a tudo quanto possa ser acrescentado para a compreenso da pessoa humana em
sua integralidade. Vale ressaltar, ainda, que a busca pelo conhecimento tal qual a
formao de um imenso quebra-cabea, onde, a cada dia, a cada saber adquirido, vamos
colocando novas peas, buscando dar nitidez quilo que, antes obscuro e no aparente,
queremos demonstrar ou, simplesmente, compreender.
Por fim, a verdade que o objetivo primeiro desta obra o de partilhar o saber
adquirido nesse aprendizado contnuo, que foi, e continua sendo, a minha existncia, pois, a
meu ver, todo conhecimento no experimentado e compartilhado intil, posto que,
-
8
quando ele apenas serve ao ego de quem o detm, acaba por diluir-se em si mesmo e
perecendo sem transformar-se em sabedoria. Assim, como toda semente tem como fim
germinar, crescer e frutificar, ns, criaturas humanas, temos como tarefa algo que, para
mim, vai alm do vo determinismo do nascer, crescer, envelhecer e morrer. Porquanto
creio que o nosso propsito superior o de aprender, amadurecer, evoluir e produzir bons
valores e exemplos.
A voc, que me d o prazer dessa leitura, desejo, apenas, que sinta e aceite este
escrito como um convite a uma reflexo construtiva e transformadora. Como uma boa,
simples e saborosa prosa de pessoa para pessoa, sem a pretenso da verdade absoluta.
Apenas a verdade em construo, deste que lhe escreve, uma vez que, como bem afirmou
Wilhelm Reich2, no livro Escuta, Z Ningum: A verdade que todo o mdico, sapateiro,
mecnico ou educador, que queira trabalhar e ganhar o seu po, deve reconhecer as suas
limitaes.
Creio que foi o historiador e ensasta escocs, Thomas Carlyle, que viveu na era
vitoriana, quem disse: O melhor efeito de qualquer livro quando ele impele o leitor
atividade. Eu acredito nisso, porque li muitos bons livros que me remeteram ao.
Sendo assim, espero que este livro cumpra tambm esse papel. Que o leitor encontre em
seu texto, ou subtexto, algo que possa gerar, no mnimo, uma boa reflexo. Desvend-lo,
ento, fundamental. Cada palavra contm mais que letras. Possui sons e setas.
2 Wilhelm Reich, (1897/1957), austro-americano, discpulo dissidente de Sigmund Freud, psiquiatra e psicanalista, que
muito contribuiu para o entendimento da psique humana. sua a frase: Amor, conhecimento e trabalho so as fontes da nossa vida. Deveriam tambm govern-la. Entre outras obras, destacam-se: Anlise do Carter; A Revoluo Sexual, A Funo do Orgasmo, O Assassinato de Cristo e Escuta Z Ningum.
-
9
Introduo
A autoestima a chave para entendermos
a ns mesmos e os outros. Nathaniel Branden
A autoestima uma necessidade essencial para a vida humana, que se quer saudvel
e equilibrada. Por isso, independentemente do estgio existencial de cada indivduo,
imprescindvel aprender sempre mais sobre ela, para desenvolv- la e aperfeio-la,
constantemente. Em sendo assim, o que sugiro, no decorrer deste livro, uma leitura sem
pressa e reflexiva para que esta tarefa torne-se motivadora e frutfera. Isto porque, para
mudar, melhorar ou equilibrar a autoestima, necessrio ter claro que essa mudana
acontece, primeiramente, no plano interno de cada indivduo, de dentro para fora, para,
depois, transformar-se em novos hbitos e condutas com repercusses externas. O que, em
outras palavras, significa dizer que, para apurar a autoestima, antes preciso investir no
autoconhecimento e no uso apropriado dos mecanismos mentais e de inteligncia, para,
assim, adotar novas e saudveis posturas diante da vida e do universo que a contm.
Na primeira parte, alm de chamar a ateno para fenmenos comportamentais
que nos afetam sobremaneira , como a cultura da autodesvalorizao e a banalizao
recorrente em voga na atualidade, trato tambm de elementos que considero como
predisposies para a ausncia de autoestima ou para que ela seja baixa situaes a que
todos, em algum grau, estiveram ou esto sujeitos desde o incio da sua vida.
Na segunda parte, alm da definio de autoestima e dos seus principais
componentes, discorro sobre o aprimoramento deles e das prticas que, se levadas a um
bom termo, podero resultar numa autoestima sadia e equilibrada.
Na terceira parte, reforo alguns princpios da autoestima, estabelecendo algumas
pontes para o seu aprimoramento, conectando-a, objetivamente, a situaes onde ela serve
de referncia e estmulo para condutas existenciais, saudveis e evolutivas.
De modo geral, cada assunto retratado nesta obra est aberto a um aprofundamento
maior. E mesmo aqueles conceitos que, por ventura, o leitor j tenha tido contato em outras
leituras sobre o tema, so aqui tratados sob a tica vivencial, ou seja, como os tenho
experimentado em minha existncia, assim como venho observando, profissionalmente, na
vida de um nmero bastante significativo de clientes, nestes mais de 17 anos de prtica
teraputica e motivacional.
-
10
Particularmente, j comprovei que a obteno do conhecimento, por si s, no
suscita, automaticamente, uma prtica que corresponda a ele, ou seja, inegvel a distncia
que separa a teoria da prtica. Da que, em meu processo de aprendizado que, de certo
modo, embasa este livro , muitas vezes, inverti esse caminho porque, primeiro, vivenciei
para depois vir a reconhecer a teoria que validava a minha prtica. Alis, em se tratando de
ideias, creio ser notrio que ningum dono delas. Principalmente quando se referem a
assuntos comportamentais, educacionais ou humansticos.
Tudo bem! As ideias esto a para serem divulgadas e compartilhadas. Nem tudo o que
pensamos verdadeiramente novo. possvel, at, que, neste preciso instante, em algum
outro lugar do universo, algum esteja pensando o mesmo que penso agora, tendo uma
ideia absolutamente similar minha. Desta forma, seria muita prepotncia algum acreditar
que s ele pensa desta ou daquela forma, j que, no plano superior das ideias, h um
inesgotvel e constante vir a ser. Logo, viver bastante simples. O complicado, talvez,
seja compreender o ser humano e a viso desvirtuada que ele, em geral, tem de si mesmo e
do universo ao qual faz parte. Algo como diz a cano de Renato Teixeira 3:
O maior mistrio haver mistrios.
Ai de mim, senhora natureza humana.
Olhar as coisas como so, quem dera!
E apreciar o simples que de tudo emana....
Alm dos captulos relacionados diretamente com o tema central, aqui abordado, o
leitor tambm encontrar, concomitantemente, abordagens sobre educao de filhos. Tema
que acredito ser importante, no s para provocar uma reflexo analtica sobre o modo
como a pessoa adulta foi educada, mas, para, igualmente, servir como elemento de reflexo,
tanto para aqueles que pretendem ser pais, quanto os que j esto na fase de educar seus
filhos. Isto porque entendo que extremamente importante dar ateno qualidade da
educao que repassada aos filhos, principalmente em seu aspecto afetivo-emocional,
3 Renato Teixeira, compositor e msico brasileiro, com uma vasta obra musical dedicada, por razes bvias, ao resgate
da autntica msica, caipira, denominada de raiz.
-
11
uma vez que esse um elemento chave na formao da autoestima deles e definidor dos
sucessos ou fracassos que viro a experimentar em suas vidas.
Essa abordagem tambm visa contribuir para a melhoria da prtica educativa de
professores e educadores, em geral, em funo de que estes tambm intervm na educao
de crianas, adolescentes e jovens.
Dedico tambm, na parte final desta obra, um breve captulo para informar sobre o
Renascimento. Para muitos, apenas uma tcnica respiratria, mas, que, em minha
experincia teraputica, acoplado a uma metodologia prpria, tem demonstrado uma
significativa amplitude na obteno de resultados eficientes, no cuidado de estados
depressivos, ansiedade, stress, traumas, bloqueios emocionais e fobias, como a sndrome do
pnico e outros tantos desconfortos.
Principalmente a partir da segunda parte deste livro, apesar dos captulos
obedecerem a certa ordem sequencial, alguns deles, s vezes, trazem um tema, em si
mesmos, podendo ser lidos e analisados, de modo destacado e singular, como se fossem
artigos. Que este livro lhe inspire aes transformadoras...
-
12
Desconstruir para Construir
Caminhos bons existem.
Mas, s vezes, preferimos os atalhos,
na esperana de chegar mais depressa. Willes
Na vida exterior, s vezes, necessrio pr a casa abaixo para reconstru- la em
bases mais fortes, para suportar as intempries. Feito isso, abrigamo-nos com mais
segurana e desfrutamos de maior conforto. Assim tambm com a nossa casa interior. Se
nos sentimos inseguros dentro dela, se somos alvo do medo, da apreenso, da frustrao,
enfim, se nos sentimos desconfortveis conosco sinal de que algo no est bem em nossa
estrutura, naquilo que nos mantm ou fortalece. Ento, nesse momento que necessitamos
parar e avaliar como, verdadeiramente, estamos interiormente. chegada a hora de
fazermos, a ns mesmos, determinadas indagaes acerca dos valores, princpios ou
crenas que tm norteado a nossa jornada existencial.
Caminhos bons existem. Mas, s vezes, preferimos os atalhos na esperana de
chegarmos mais depressa. Porm, ante o inesperado da desconhecida trilha, so esses
mesmos atalhos que, muitas vezes, fazem com que nos percamos de ns e da prpria vida,
algumas vezes, numa passagem de ida sem volta. fcil culpar o imprevisvel ou aos
outros pelas nossas quedas e fracassos. O mais difcil talvez seja responsabilizarmo-nos
pelas nossas prprias escolhas ou, no mnimo, termos a humildade de reconhecermos
nossos desacertos.
Desconstruir-se, ento, significa revelar-se, por inteiro, a si mesmo para,
conscientemente e com presteza, iniciar um processo de eliminao e desapego de tudo
quanto foi apreendido de negativo, em seu modelo vivencial e comportamental. Para
muitos, pode at ser penoso desligar-se de antigas crenas, vcios, deficincias, medos,
iluses e valores inapropriados, mas no h outro caminho, que no seja este, para pr fim
ao que causa sofrimento, inadequao ou frustraes, que comprometam o equilbrio e o
bem-estar desejado. O verdadeiro e profundo transformar-se passa, decisivamente, por
esta singular e extraordinria vivncia interior de superao de si mesmo, j que nesse
alojamento particular que reside a base de conduta de toda criatura.
Feito isto, inicia-se uma nova construo da vida, baseada em posturas
seletivamente conscientes, produtivas e saudveis, onde a humildade em aprender a cada
-
13
dia e a perseverana devem direcionar os fazeres de forma progressiva e constante. E, nesse
construir de novo, h de existir espao, no s para as realizaes do corpo e da
materialidade, posto que haja de se pensar em alimentar o esprito e tudo quanto seja
igualmente proveitoso e motivador para aqueles que se encontram sua volta, s vezes,
esperanosos por uma luz, que tambm os despertem para um novo, saudvel e prazeroso
modo de viver.
Em sntese, este texto de abertura como se fosse uma prvia definio da
destinao deste livro, que , ao mesmo tempo, um convite e uma contribuio para aquelas
pessoas que, com muita coragem e persistncia, desejam edificar conscientemente sua
nova casa, sua nova vida.
-
14
SUMRIO
Pginas
Dedicatria
02
Agradecimentos 03
Como se Fosse um Prefcio 04 Apresentao 06
Introduo 10 Desconstruir para Construir 13 Prefcio 15
Parte 1 O Que Influencia a Autoestima 17
Captulo I A cultura da Autodesvalorizao 18 Captulo II A Banalizao da Autoestima 23
Captulo III Causas da Baixa Autoestima 25 Captulo IV O Trauma do Nascimento 28
Captulo V A Rejeio Parental 33 Captulo VI A Influncia da Educao 36 Captulo VII Educao Crtica 38
Captulo VIII Consideraes Sobre Pais Crticos 49 Captulo IX Educao Nutritiva 51
Captulo X Consideraes Sobre Pais Nutritivos 55 Captulo XI Educando Filhos com Autoestima 56 Captulo XII Sistema de Crenas Limitadoras 59
Parte 2 O Foco na Autoestima
Captulo I A Essncia do Amor por si Mesmo 63 Captulo II Um Sentimento Interior 65 Captulo III O Valor da Autoestima 68 Captulo IV A Manifestao da Autoestima 70
Captulo V O Princpio da Auto Aceitao 72 Captulo VI Autovalorizao 75 Captulo VII Autoconfiana 79
Captulo VIII O Respeito por Si Mesmo 83 Captulo IX Ser Auto Responsvel 87
Captulo X Afetividade e Autoestima 90 Captulo XI A Repercusso da Autoestima 100
Parte 3 A Teia da Transformao Existencial 107
Captulo I Desaprender para Aprender 108 Captulo II Observar a Si Mesmo 110
-
15
Captulo III Autoconhecimento 113
Captulo IV Autoconscincia e Conscincia 115 Captulo V Escolhas Conscientes 119
Captulo VI Tempo e Vida 123 Captulo VII Automerecimento 127 Captulo VIII Proatividade e Autoestima 129
Captulo IX Autoestima e Cidadania 133 Captulo X Vcios e Autoestima 137
Captulo XI Autoestima e Espiritualidade 144 Captulo XII Terapia do Renascimento 147
Eplogo A Essencialidade da Autoestima 156 Uma Histria Para No Esquecer 158
Como se Fosse um Glossrio 163
Bibliografia 167
-
16
Parte 1
O Que Influencia a Autoestima
Na busca por uma autoestima saudvel e elevada, antes de procurarmos o novo, que
devemos aprender, faz-se necessrio que compreendamos o velho, que devemos
desaprender.
-
17
CAPTULO I
A Cultura da Autodesvalorizao
O homem o nico animal a sentir pena de si mesmo.
D. H. Lawrence
Depois de muito observar a realidade, nua e crua, do modo de viver dominante,
sinto-me vontade para dizer que grande parte dos indivduos foi, ou educada dentro de
um formato que no prepara para se viver com autonomia e ser bem sucedido, plenamente,
na vida. Sob a influncia desse padro limitador, registrado em nvel de subconsciente ou
de inconsciente, o sucesso, a realizao pessoal e outras conquistas de igual ou maior
quilate inclusive as coletivas , tornam-se, praticamente, inatingveis para uma grande
gama de pessoas. E o que resulta disso, entre outras dificuldades, o conformismo, a falta
de reatividade diante dos desafios, que so inerentes prpria existncia humana.
Em minha infncia e adolescncia, ouvi, e hoje ainda ouo de pais que, a priori,
deveriam estimular positivamente seus filhos, frases do tipo: viver bem no pra gente
como ns; filho de pobre nasce pobre e morre pobre; s consegue um bom emprego quem
apadrinhado; vida boa para poucos; s vence quem tem sorte na vida etc. Escutei,
tambm, quando adolescente, que estudar numa universidade era s para filhos de pais
ricos: ...e depois, vai estudar muito pra qu? Para ser operrio, no precisa estudo. Num
abrigo de menores, no qual passei muitos anos, ouvi de um inspetor: pobre s fica rico se
roubar. Dizia meu padrasto: esse nunca vai ser algum na vida... ainda vai virar bandido.
Em sntese, aprende-se, praticamente, desde o nascimento, que a vida sofrimento, que
tudo difcil e que os obstculos so, praticamente, intransponveis; que no vale a pena
tentar mudar nada, que sempre foi assim e sempre ser. Desde tempos imemoriais, so
tantos os preconceitos a regerem a vida das pessoas, que a maioria s consegue v-la como
um labirinto, farto em dificuldades.
esse processo deseducativo, com nuanas manipulativas e incapacitantes, o
gerador de muitos medos, registrados na mente subconsciente do indivduo. Desde o medo,
aparentemente infantil, do bicho-papo, passando, entre outros, pelo medo do castigo
-
18
divino, pelo medo de ousar, de adoecer ou de morrer. A pessoa levada a crer que vale
muito pouco e que est fadada, inevitavelmente, infelicidade, salvo se tiver alguma sorte
na vida. Ento, sob a influncia de toda essa bagagem negativa, torna-se fcil, para ela,
acreditar e moldar sua existncia, de forma que essas sentenas contraproducentes e
limitadoras se concretizem.
Em razo disso, minha constatao de que, salvo raras excees, essa herana,
indelvel e perversa, contribuiu, em muito, no passado e contribui, ainda, no presente, para
que um nmero considervel de pessoas no saiba demonstrar amor por si mesmo e nem
pelos outros. Essa influncia serve- lhes, do mesmo modo, para que se vejam destitudos de
qualidades e sintam-se fracos, inseguros, acomodados, pouco criativos e sem a coragem
necessria para superar dificuldades. E o que resta, ento, na maioria das vezes, o
sentimento ou a sensao de que no h muito a fazer para mudar a sua trajetria. Sendo
assim, amparada nessa crena autodesmotivadora, s resta a essa grande massa cumprir,
como dizem alguns, o seu destino, carregar a sua cruz, o seu fardo.
Nos dias atuais, o panorama narrado no mudou muito, pois so poucos os pais
que educam seus filhos estimulando-os para uma vida de autorrealizao, para uma
existncia onde a habilidade de ser feliz possa ser exercitada sem medo ou preconceitos.
Talvez, porque eles mesmos, os pais, tenham acumulado mais frustraes que sucessos
durante a vida, ou porque, conservadoramente (ou irresponsavelmente), prefiram apenas
transmitir o modelo defeituoso, tal como herdaram, ou, ainda, porque no se permitem
admitir a necessidade, urgente, de reverem seus valores e condutas, assumindo um novo
modo de viver e educar os filhos.
algo para pensar e agir. Infelizmente o jogo da manipulao continua... Alm
dos castigos morais ou fsicos e dos medos, por vezes, traumticos, usados,
inadequadamente, para impor limites, foram acrescentados, a esse perverso cabedal, outros
dispositivos deseducativos, tais como a televiso com suas programaes pseudo-
educativas , usada, tambm, como instrumento de substituio presena dos pais. Um
aparato de novidades tecnolgicas, como: os vdeo games, jogos de computadores, telefone
celular, internet e outras bugigangas, tem servido, tambm, como moeda de troca para
performances escolares duvidosas ou falsas mscaras de obedincia e aceitao.
-
19
Uma educao de plstico, sem valores ticos que proporcionem, pelo menos,
algum estmulo marcante para uma vida mais inclusiva e equilibrada. E o que resulta dessa
prtica que, alm da baixa autoestima, cuja consequncia o empecilho em sentirem-se
competentes para realizarem-se de modo satisfatrio, os indivduos criados sob ela tm,
ainda, dificuldade em relacionar-se, afetivamente, e de entender e aceitar o sucesso ou
realizao dos outros.
Nesse ltimo aspecto, o que observamos, por exemplo, que, quando algum
consegue se superar e conquistar algo melhor ou alguma posio de destaque em sua vida,
logo o seu carter, a sua competncia e honestidade so colocadas em dvida. A concluso
que, num universo onde a baixa autoestima impera, o sucesso alheio incomoda aqueles
que no tm ou no tiveram capacidade para conquist- lo. mais fcil invejar e
desqualificar o outro, do que perseguir os seus sonhos, do que perseverar na busca de um
objetivo mais elevado. E isso se deve falta de valor que a prpria pessoa dispensa a si
mesmo.
A maioria adota, cegamente, as sentenas assimiladas, s vezes desde a infncia,
como j mencionei. Sem lutar para vencer suas limitaes, por entenderem que no vale a
pena faz- lo, concluem alguns, lamentosamente, que a vida assim mesmo, como a
querer justificar seus fracassos. Outros preferem agarrar-se ideia de que so azarados: s
vence, na vida, quem tem sorte. At algumas ideias religiosas so interpretadas de maneira
equivocada, na busca de amparar esse fatalismo negativo: Deus quem quer assim.
possvel, ainda, que essa cultura da autodesvalorizao esteja entranhada nas premissas
da ideologia de dominao social. Posto que, historicamente, as chamadas elites ou
oligarquias econmicas, sociais e, at mesmo, religiosas, trataram de disseminar e manter
a ideia de que alguns no so to iguais quanto aos outros, perpetuando, assim, o
entendimento de que sempre existiram os superiores e os inferiores; os que mandam e os
que obedecem.
Diante desse quadro, a boa notcia a de que possvel reagir e desaprender esse
modelo de autodesvalorizao e, a partir da, redefinir e desenvolver uma nova postura
diante da vida e de tudo quanto lhe seja complexo e desafiador. Prova disso, sem nenhuma
nuana de vaidade, o meu exemplo pessoal. Nasci sob o efeito da rejeio paterna e,
logo a seguir, com um ano e meio de idade, fui abandonado, tambm, pela minha me.
-
20
Adotado, vivi com uma famlia de poucos recursos at os sete anos de idade, ocasio em
que minha me biolgica reapareceu e levou-me com ela, colocando-me merc de um
padrasto que me crivou de maus tratos e espancamentos, durante quase um ano. Por fora
disso, fugi inmeras vezes da casa materna e, por consequncia, vivi de 8 at quase 18 anos
de idade, entre a rua e instituies para crianas rfs ou abandonadas.
Desde ento, minha trajetria foi marcada por muitas lutas. Em primeiro lugar, pela
sobrevivncia propriamente dita, depois, pela conquista do meu espao no mundo e da
conquista de uma vida com a dignidade, o que minha autoestima sempre me fez acreditar
que eu merecia. Passei fome, frio, e tantas outras intempries, mas soube aprender com
essas experincias. E, mesmo quando percorri o quase que inevitvel descaminho dos
vcios, como lcool e outras drogas, o que prevaleceu foi minha autodeterminao e a
vontade de superar esses obstculos e retomar o que chamo de minha rota evolutiva.
Se no fui amado, o suficiente, pelos meus pais, no transformei essa ocorrncia
em justificativa para todos os meus fracassos, pelo contrrio, criei a certeza de que poderia
superar essa amarga carncia, demonstrando mais amor por mim mesmo, a cada instante e a
cada novo confronto existencial. Se, tambm, durante um largo perodo, driblei a
delinquncia, devo isso aos bons valores aprendidos na convivncia com a minha famlia
adotiva e a alguns preceitos assimilados no educandrio religioso, onde permaneci
internado de 8 a 13 anos de idade, em Curitiba, cidade onde passei minha infncia,
adolescncia e parte da minha vida adulta. Persistncia e determinao foram e continuam
sendo minhas mais poderosas armas, ante a qualquer desafio nesse que classifico como o
bom combate da vida.
Sei que outras pessoas, em circunstncias diferenciadas e, s vezes, mais dramticas
que as minhas, tambm conseguiram e tm conseguido superar esse modelo que classifico
como cruel. E independentemente do nome que tenham dado quilo que as motivou a
tornarem-se vencedoras, tenho a certeza de que a esteve presente um qu de autoestima,
pois, se trata de um recurso ou ferramenta imprescindvel para a sobrevivncia humana.
Voltando cultura da autodesvalorizao, creio que no cabem, aqui, anlises
sociolgicas ou antropolgicas para embasar essa minha concepo, porque a realidade
nossa volta, com toda a sua crueza, demonstra, a todo tempo, o quanto isto verdadeiro. A
questo fundamental que proponho uma reflexo que colabore para a construo de um
-
21
paradigma de autovalorizao pessoal, partindo do princpio de que todos tm qualidades,
competncias e aptides, no, apenas, deficincias ou limites. Portanto, independentemente
de que o modo aplicado educao do indivduo no tenha sido o mais adequado, vale
saber que as possibilidades para aprender a confrontar seus medos, inseguranas,
deficincias, desconfortos, inadequaes ou propenses negativas, esto disponveis para
serem acessadas. Sabendo, previamente, que tudo depender do grau de motivao de cada
um, em investir no desenvolvimento contnuo da sua autoestima e, assim, abrir-se, sem
reservas, a um viver consciente e s oportunidades, admirveis, nele contida.
-
22
Captulo II
A Banalizao da Autoestima
O grande engano do homem
acreditar que pode encontrar
bem-estar e felicidade,
fora de si mesmo. Willes
Creio que o leitor j deve ter percebido que a superficialidade, a banalidade e a
vulgaridade tm sido determinantes nos tempos atuais. Banaliza-se a violncia, a fome, a
misria, a explorao humana, as desigualdades e diferenas, em todos os seus quadrantes;
a guerra, a educao, a cultura, o amor, a sexualidade, a espiritualidade ou religiosidade,
enfim, a vida em todos os seus mltiplos valores e aspectos. Raros so os assuntos a
merecer tratamento com maior profundidade, principalmente quando se trata de temas
relacionados ao comportamento humano e s relaes interpessoais.
s vezes, neste setor, ocorre algo que classifico de paradoxal ou deveras curioso. Se
por um lado proliferam as publicaes conhecidas como de autoajuda, cada uma trazendo
em seu bojo receitas e mais receitas para vencer isso ou aquilo, ou de como encontrar a paz
interior, ser feliz, etc., por outro lado, multiplicam-se aquelas com rtulos chamativos e
exticos, mas, devido aos seus complexos enunciados, ningum entende nada. Talvez, por
ironia, alguns autores destas proezas, quando indagados sobre a prtica daquilo que
escreveram, no tenham conseguido convencer nem a si prprios, sobre a sua eficcia, uma
vez que no vivenciaram suas prprias receitas. Ento, salvo raras excees, a maioria peca
pela subjetividade, pelo modo confuso de suas frmulas ou, ainda, pelo modo fragmentado
de ver e analisar a criatura humana e as suas mltiplas facetas.
Em se tratando da autoestima tema principal deste livro , a banalizao ainda
maior, pois seguindo uma lgica de desinformao e manipulao do conhecimento e de
menosprezo pela inteligncia popular, a chamada mdia (o conjunto dos meios de
comunicao) tem conseguido, principalmente na televiso e nas revistas ditas femininas,
difundir ideias, distorcidas, do real significado da autoestima para a vida do ser humano.
-
23
Tem sido comum, igualmente, que artistas ou pseudoartistas de efmera fama,
desfiem conhecimentos rudimentares e suas receitas sobre como aumentar a autoestima,
associando-a a esttica corporal e outras futilidades. Campanhas publicitrias, feitas de
maneira irresponsvel e apelativa, tm vinculado a autoestima compra de um determinado
modelo de carro, celular, computador e seus assemelhados; ao uso de cosmticos, cirurgias
corretivas, roupas de grife, etc. Tudo pura balela imbecilizante e manipulativa! Um grande
engodo que nada tem a ver com a importncia e a profundidade da autoestima.
Vale alertar que so inmeras as dificuldades que enfrentamos em nossa rota
evolutiva, existencial e, entre elas, se destacam a ignorncia e o comodismo. quase que
imensurvel o nmero de pessoas vivendo sob a gide destes dois elementos. E o que elas
tm em comum a esperana de que alguma mgica ou milagre acontea e mude suas
vidas, sem que precisem despender o mnimo esforo.
Existe, ainda, um tipo de ignorncia que alimentado pela arrogncia. So pessoas
com algum tipo de conhecimento intelectual, mas, que, pelo ceticismo ou criticismo
exacerbado, se propem a desqualificar toda e qualquer opinio, que no comungue com a
sua. No caso da autoestima, convm estar com a mente aberta para compreender e separar
aquilo que mera banalizao, daquilo que verossmil e vivenciado. No existe mgica na
autoestima e nem , ela, a resoluo para todos os imbrglios humanos. Porm, com o seu
claro entendimento e o esforo necessrio para desenvolver novas condutas e aes, com
certeza, ela passar a ser um elemento de suma importncia na vida de toda pessoa e, at,
mesmo, na vida de coletividades interessadas em evoluir, de modo equilibrado e sustentvel
emocionalmente.
A autoestima, a princpio, funciona de dentro para fora e seus elementos e prticas
associam-se, de modo objetivo, muito mais a valores e condutas comportamentais, do que a
quaisquer outros fatores externos que, em ltima anlise, podem, apenas, caracterizar a sua
expresso, servir sua alavancagem ou impedi- la de vicejar, mas, nunca defini- la em seu
contedo, como vou esclarecer no decorrer deste livro.
A autoestima pode no ser tudo, pode no ser a soluo para todos os problemas
pessoais ou do mundo, mas, em termos existenciais, tudo que se pretenda saudvel,
harmnico e justo, no existe sem ela.
-
24
Captulo III
Causas da Baixa Autoestima
Conhece-te a ti mesmo,
torna-te consciente de tua ignorncia
e sers sbio. Scrates
Saber o porqu de cada fenmeno que ocorre em nossa existncia fundamental,
para que aprendamos a viver de maneira consciente e equilibrada, emocionalmente. Talvez
isso explique o motivo pelo qual, ao abordar a autoestima em minhas atividades
motivacionais e teraputicas, a pergunta que mais tenho ouvido seja a seguinte: por que
minha autoestima baixa? Vem da, ento, a razo de escrever este e outros captulos que
se desdobram para sem determinismos vos ou reducionismos estreitos , dar resposta a
esta questo, que reconheo ser importante para um nmero considervel de pessoas, que
procuram a transformao pessoal.
Assim como propor uma definio substantiva e exata da autoestima uma tarefa
que demanda esmero, definir as causas da sua ausncia ou do seu desequilbrio, tambm,
requer muito estudo, observao e acuidade. E isso ocorre por no haver um consenso entre
os estudiosos do assunto que, a meu ver, tm preferido no se ater s suas fontes e explic-
la de maneira reducionista, apenas pelos seus efeitos ou por algum dos elementos que a
compem.
De minha parte, amparado em minha ampla experincia e saberes, creio que o termo
mais coerente, a ser usado para tratar dessa questo, o de predisposies, pois, sem
sombra de dvida, elas influenciam, sobremaneira, a autoestima em sua origem e tudo o
que dela procede. Deste modo, tanto ao que se relaciona com a autoestima em si, quanto a
outros variados desconfortos existenciais e emocionais, agravados ou originados pela sua
falta, no h como ignorar a existncia de um nexo causal, psquico, antecedente. Isto ,
que haja um ou mais elementos que atuam, a priori, na sua formao. possvel, ainda,
que predisposies de carter gentico, hereditrio ou bioqumico, tambm tenham
influncia em seu contedo, mas, como no estou categorizado para falar do assunto, sob
esse prisma, fixo-me, apenas, nos seus aspectos psicoemocionais.
-
25
Um dado que tambm deve ser considerado no contexto desta abordagem o fato
de que alguns profissionais e estudiosos do comportamento humano ou da rea mdica tm
dado um enfoque secundrio autoestima, colocando-a num patamar de sintoma,
principalmente, quando se referem, por exemplo, a ocorrncias, tais como: depresso,
stress ou ansiedade. O que, a meu ver, traz, em si, um equvoco, pois, no exerccio da
prtica analtico-teraputica, tenho observado que, em diversas situaes, a falta de
autoestima um estado que, em muito, contribui para a origem ou potencializao desses
desconfortos.
Para melhor esclarecer a opinio, acima descrita, cito, sucintamente, um singular
exemplo: Carlos, desde o seu nascimento, foi rejeitado pelo pai em virtude deste ter
desejado uma filha mulher. Em razo dessa falta afetiva, ele desenvolveu uma viso
negativa de si mesmo, nunca se achando em condies de realizar algo que fosse mais
elevado e prazeroso, principalmente, porque temia o julgamento alheio. Pesava sobre ele a
desaprovao paterna e, por consequncia, a dos demais. Era como se ele raciocinasse da
seguinte forma:
Se no sou aceito por meu pai, como vou ser aceito pelos outros?
Na verdade, sempre que ele tinha de confrontar algum obstculo, que lhe exigia
maior grau de autoconfiana ou arrojo, sentia-se sem coragem e ficava deprimido. A
interpretao inicial dada por profissionais mdicos e psiclogos, que o atenderam por
algum tempo, foi de que a depresso era o que lhe causava a baixa autoestima. Eu, quando
o caso me foi entregue, fiz uma leitura inversa: a falta de autoestima, oriunda das causas j
mencionadas, que suscitava nele o sentimento de incapacidade, que o levava depresso.
E, assim, passei a focar a reconstruo da sua autoestima, como objeto da terapia e, por
meio de um trabalho de reparentalizao feito, principalmente, em relao ao pai que o
havia rejeitado, foi possvel nutrir e dar qualidade ao seu padro afetivo, resgatando,
gradativamente, sua autoestima e, consequentemente, solucionando sua depresso.
Ento, sob a perspectiva de que a autoestima, em desequilbrio, pode ser geradora
de desconfortos ou transtornos emocionais, ao invs de sintomas deles, me proponho a
discorrer, a seguir, sobre alguns elementos que considero como predisposies para a baixa
autoestima ou para a sua ausncia, propriamente dita. Alguns, por influenciarem-na
-
26
diretamente, condicionando a base de sua formao ou sustentao, outros por,
circunstancialmente, gerarem situaes que interferem, negativamente, em sua dinmica.
Entre eles destaco o Trauma do Nascimento, a Rejeio Parental, a Educao e o Sistema
de Crenas Limitadoras (SCL).
-
27
CAPTULO IV
O Trauma do Nascimento
A criana sabe de tudo.
Sente tudo. V at o fundo do corao. F. Leboyer
Na busca de explicaes, plausveis, para as causas da baixa ou falta de autoestima,
tenho observado que, pessoas que tiveram uma gestao ou um parto difcil, ou que, ainda
no tero materno, sofreram algum tipo de rejeio, tm maior predisposio para sentirem-
se desconfortveis na vida. Por possurem baixa autoestima, adoecem e deprimem-se com
maior facilidade; so ansiosas, e esto propensas a desenvolverem fobias, como transtorno
do medo e outras ocorrncias assemelhadas. quase inegvel que a maneira como a pessoa
foi gerada, nasceu e foi criada, afeta a sua existncia e o modo como se relaciona consigo
mesmo, com os outros ou com o mundo ao seu redor.
Um exemplo foi o caso de um cliente, de nome Jos, cujo pai era alcolatra e
maltratava sua me. Segundo seu relato, a me contou- lhe que, por fora do ambiente
tempestuoso em que vivia, durante sua gestao, por muitas vezes ela desejou abortar lhe,
pois, entendia que: sofrimento, por sofrimento, j bastava o dela. Assim, ele foi gestado
num clima de insegurana e sua vida intrauterina foi marcada pe lo desconforto, o mesmo
acontecendo durante o seu parto, que foi muito difcil e traumtico. Devido a estes fatores,
Jos cresceu e viveu at os 25 anos, tendo muita dificuldade para situar-se na vida. Tinha
constantes sensaes de medo e, quando tinha que enfrentar alguma dificuldade, como, por
exemplo, uma prova na escola, alternava entre momentos de grande ansiedade e outros de
profunda depresso. Contou-me que, nesses momentos, tinha sempre a sensao de que iria
morrer, faltava- lhe a respirao e a angstia era muito grande.
Submetido a sesses de Renascimento4, trouxe tona a memria de quando
estava no tero de sua me. L, segundo sua narrativa, sentia muito medo e, quando
visualizou seu nascimento, esse medo aumentou, assustadoramente. Era como se eu
preferisse ficar quietinho, no tero da minha me, para sempre, contou ele. Depois de
vrias sesses, onde venceu o medo de nascer, foi verificando que, no seu dia a dia,
sentia-se com mais coragem para viver. Passou a valorizar, sobremaneira, cada instante da
4 Ler na parte 3, captulo XII, sobre a teraputica do Renascimento.
-
28
sua vida, tornando-se uma pessoa alegre, bem humorada e extrovertida. Sentiu aumentar a
sua autoconfiana e, com algum, esforo voltou a estudar. Hoje, aps um processo de
reconstruo da sua autoestima, redefiniu sua relao com o pai, tornou-se um profissional,
bem sucedido, no campo da informtica, casou-se, tem um filho e vive bem.
Como no h mecanismos para descrever com preciso , o que sente uma
criana, enquanto habita o tero materno, numa situao de rejeio, s nos resta imaginar,
vivenciando a situao e os tipos de pensamentos que poderamos vir a ter, como, por
exemplo: no sou amado pelos meus pais; melhor seria no nascer; tenho medo de
viver; viver sofrer.
Ao analisar o nascimento sob a tica da criatura que nasce, entendo que, mesmo que
ele ocorra em condies consideradas adequadas, ainda assim, produz uma alta dose de
desconforto. Para ampliar a ideia desse fenmeno, chamo ateno para o que diz Frdrick
Leboyer5, mdico obstetra francs, em sua obra Nascer Sorrindo:
O que faz o horror do nascimento a intensidade, a amplitude da
experincia, sua variedade, sua riqueza sufocante. J dissemos que se acredita
que um recm-nascido no sente nada. Ele sente tudo. Tudo totalmente, sem
escolha, sem filtro, sem discriminao. A quantidade de sensaes que assola o
nascimento ultrapassa tudo o que podemos imaginar. uma experincia
sensorial to vasta que no podemos nem mesmo conceb-la. (1974, p.30-31).
Ento, nesse contexto, quando classifico o trauma do nascimento como uma
ocorrncia geradora de predisposio para a baixa autoestima, fao-o pela compreenso de
que o trauma adquirido ao nascer, quando no desintegrado, permanece no inconsciente do
indivduo, influenciando o seu modo de interagir com mundo sua volta. Essa concluso,
inclusive, respaldada por Otto Rank6, psicanalista contemporneo de Freud, que afirmou
serem, as circunstncias do nascimento, profundamente, gravadas na psique do beb e
suscetveis de reaparecerem, mesmo que de forma simblica, em pacientes com distrbios
psquicos.
5 Frdrick Leboyer, mdico obstetra francs, nascido em 1918, criador do mtodo denominado Parto sem Dor, autor do livro
Nascer Sorrindo, o ttulo traduzido, literalmente, do francs Por Um Nascimento Sem Violncia. 6 Otto Rank(1884/1939), austraco, psicanalista, professor e escritor. Foi colaborador muito prximo de Freud por mais de 20 anos.
Estudioso da psicanlise contribuiu em muito para a sua expanso. Entre as suas obras est o livro Trauma do Nascimento, publicado em ingls em 1929. Para Rank o trauma do nascimento era elemento muito mais importante do que o conflito edipiano de Freud, dai o rompimento entre eles.
-
29
Abordagem assemelhada tem Leonard Orr, psicoterapeuta norteamericano,
percussor do Renascimento, que, ao abordar o trauma do nascimento como um dos fatores
dominantes do inconsciente, que causam infelicidade, no livro de sua autoria Rebirthing in
the New Age (Renascimento na Nova Era), afirma:
Algumas pessoas cujas dores do nascimento foram bastante pronunciadas,
literalmente vivem o resto de suas vidas se desculpando pela prpria existncia.
Provavelmente 90 por cento dos nossos medos so originados do trauma do
nascimento. Impacincia, hostilidade e suscetibilidade para doenas e acidentes
podem s vezes ser traadas com o trauma do nascimento (1997, p.102).
Portanto, no causa espanto que, devido s impresses negativas adquiridas sob os
efeitos desse trauma, muitos indivduos se autocondicionem a um sistema de auto
depreciao que, por vezes, se traduzem em sentenas de conduta do tipo: a vida um
eterno sofrimento; nunca alcanarei aquilo que sonho; existe algo de errado comigo;
ningum me ama de verdade; no h prazer sem sofrimento; mudar difcil e
perigoso, etc.
Sob a luz do bom senso, no h como desqualificar o trauma do nascimento como
fato gerador de predisposies, de toda ordem, na existncia de qualquer indivduo. O que
falta, no entanto, um estudo mais abalizado deste que considero um momento de grande
significado no existir humano. Pensemos no que diz Leboyer, na obra j citada:
Os sentidos do recm-nascido funcionam, e como! Possuem toda a
acuidade e o frescor da juventude. O que so nossos sentidos e sensaes
comparados aos da criana? E as sensaes do nascimento tornam-se ainda
mais fortes pelo contraste com o que foi vivido antes. Os sentidos funcionavam
bem antes de a criana estar entre ns, no nosso mundo. Sem dvida, as
sensaes ainda no so organizadas em percepes ligadas umas s outras,
equilibradas. O que as faz ainda mais fortes, intolerveis e aflitivas (Brasiliense,
1974, p.31).
-
30
Breves Consideraes Sobre Gestao e Parto Considerando a gestao e o nascimento como elementos definidores de diversos
traos da vida do indivduo, creio que ambas as situaes devam ser tratadas de modo mais qualificado do que o habitual, nos tempos de hoje.
Cada vez mais, a preocupao esttica da me, antes e depois do parto, tem merecido maior ateno do que o evento em si. Alm do que, a forma do parto, na maioria
das vezes, tem sido decidida mais por aspectos puramente tcnicos, econmicos ou outros desprovidos de sentido lgico , do que pelas condies que seriam menos traumatizantes e mais prazerosas para o nascituro.
O parto visto pelo lado da medicina tradicional traz em seu contedo todo um acervo de recomendaes e tcnicas, que eu diria serem puramente frias e destitudas de
sensibilidade. Tal como a cesariana, que nada mais do que um procedimento tcnico-cirrgico, propriamente dito, onde o centro da ateno, quase que exclusivamente, a parturiente, quando, a meu ver, em nenhum momento deveriam ser ignorados os efeitos
psicoemocionais deste procedimento para com a criatura que est por nascer, ou seja, o foco do parto deveria ser igualmente voltado, tanto para a me quanto para o filho.
Houve um tempo em que o parto natural era, por assim dizer, a regra. A cesariana era uma exceo. Atualmente, o quadro inverso: o parto natural que a exceo. O Brasil, segundo pesquisas, o campeo do mundo em cesarianas. O ndice de cesarianas
quase trs vezes maior que o recomendado pela Organizao Mundial de Sade (OMS). De acordo com os dados da ltima pesquisa efetuada no pas, na rede pblica 43% dos partos
cesariana; na rede particular, esse nmero chega a 80%, enquanto que o recomendado pela OMS deveria, no geral, situar-se entre 5 a 15%, j includos os de alto risco. Esse quadro deve-se falta de conhecimento e preparo da gestante para decidir o seu parto, aos mdicos
e ao sistema hospitalar. O mdico, obstetra, Carlos Eduardo Czeresnia, do Hospital Albert Einstein So
Paulo , em declarao feita Revista Super Interessante, j h algum tempo, falou que os mdicos indicam a cirurgia por medo de processos, ou seja, a cesrea tornaria o obstetra mais defensvel se algo desse errado , por ele se ater a rgidos procedimentos
operatrios: Por isso, o mdico comea a criar medos na cabea da gestante, dar razes esdrxulas pra fazer uma cesrea, afirmou. Alm disso, existem convenincias
imprprias e interesses de ordem econmica a reger os partos. Como se v, no momento mais impactante da vida do indivduo seja em sua
dimenso fsica ou extrafsica , que o seu nascimento, nem sempre pais e obstetras esto
conscientes dos efeitos que esse pequeno lapso de tempo significa ou vir a significar para a totalidade dessa nova existncia. Esto mais ensimesmados, egoisticamente, em suas prprias contradies existenciais, em seus medos e desejos, do que preparados para
celebrar esse augusto momento com amor e afeto, resultando, da, muitas sequelas emocionais, que s o tempo dir quais sero as suas consequncias.
Em terapia, so inmeros os casos, comprovados, de pessoas que tiveram problemas em sua gestao, ou ao nascer, e que vieram a desenvolver alguma patologia ou desconforto emocional, entre eles: baixa autoestima, depresso, fobias e baixa imunidade corporal.
Observo que, em algumas ocasies, instituies mdicas ou assemelhadas tm promovido cursos ou seminrios destinados a mes gestantes, o que considero louvvel.
Porm, percebo que o centro de tais eventos so apenas as gestantes, faltando dar a devida
-
31
ateno criatura que est sendo gestada. Atm-se muito sobre os aspectos biofsicos, e
esquecem-se do preparo psicolgico de pais e mes, quanto ao nascituro: como trat- lo e estimul- lo, no que se refere necessidade da qualidade da ateno afetiva , que deve ser
suprida por eles. Ento, diante dessa perspectiva, creio serem necessrios cuidados e prticas, tais como, ensinar s mes a trabalharem suas ansiedades e tenses de modo natural, por meio da meditao, do relaxamento ou yoga, por exemplo. Buscar a harmonia
no lar, conversar com suavidade com quem est para nascer, ainda no tero , tecendo-lhe palavras amorosas, elogiosas e de boa aceitao. E, depois de nascido, aprimorar cuidados,
que vo alm dos bsicos necessrios, como toques, massagens, etc. Uma tcnica de massagem para bebs, muito recomendada, a Shantala7, que foi
muito difundida no ocidente pelo mdico, obstetra, francs, Frdrick Leboyer, que a
descobriu em Calcut, numa das suas viagens ndia. Enfim, para encerrar este captulo, recomendo principalmente s mes, o livro sobre esta que Leboyer chama de Arte
Tradicional de Massagens para Bebs, onde ele declara, com muito mpeto:
Sim, os bebs tm necessidade de leite. Mas muito mais de serem
amados [...] Serem levados, embalados, acariciados, pegos, massageados,
constitui para os bebs, alimentos to indispensveis, seno mais do que
vitaminas, sais minerais e protenas (Ground,1995, p.23).
7 Shantala foi o nome dado a essa Arte Tradicional de Massagem para Bebs, em homenagem a mulher paraltica que Frdrick
Leboyer viu, pela primeira vez, em Calcut, na ndia, massageando o seu beb. Nome tambm dado ao livro escrito e ilustrado por ele. No Brasil, editado pela Editora Ground.
-
32
CAPTULO V
Rejeio Parental
Nossos pais so apenas
os pais possveis... Willes
A rejeio parental outra ocorrncia que considero como elemento de
predisposio para a baixa autoestima, bem como, de outros desconfortos existenciais, j
citados, como: medo, ansiedade, depresso, etc. O adjetivo parental deve ser entendido,
aqui, como referente a pais ou seus substitutos, ou seja, alm dos pais, pessoas que,
principalmente durante a infncia e adolescncia, ocupem o lugar deles, tanto nos cuidados,
quanto na educao.
Nesse rol cabem, entre outros, os avs, tios, padrinhos, babs, professores e, at
mesmo, pessoas responsveis pelo ensino religioso. Alis, vale chamar a ateno dos pais
para a escolha de babs ou empregadas, que venham a cuidar da criana, nos primeiros
anos da infncia, uma vez que, a depender do tempo que passam com a criana, podem vir
a influir, cabalmente, em seu desenvolvimento psicoemocional. Na verdade, qualquer
pessoa que venha a substituir os pais, nesse perodo que vai de zero a oito anos,
aproximadamente, pode vir a influenciar a formao da personalidade da criana, de modo
positivo ou negativo. Todo cuidado pouco, inclusive com a televiso, comumente
denominada de a bab eletrnica.
A princpio, a rejeio parental poder ter sua origem no perodo gestacional,
mas, ela s ser sentida, em toda a sua extenso, aps o nascimento, pois, a partir da que
a criana ir vivenci-la de modo objetivo e sofrer seus efeitos. Inicialmente, poder sentir
a rejeio por meio da interpretao subliminar de diversas aes dos pais ou substitutos
ou, como descreve a Anlise Transacional8, por meio de mandatos verbais ou no verbais,
que so interpretados pela criana como ordem de conduta. Por exemplo: quando eles,
8 Anlise Transacional (AT) uma teoria da personalidade, criada pelo psiquiatra Dr. Eric Berne, de origem
canadense e residente nos EUA, no final da dcada de 1950. De acordo com a definio da International Transactional Analysis Association (ITAA), a Anlise Transacional uma teoria da personalidade e uma psicoterapia sistemtica, para o crescimento e a mudana pessoal; estuda a forma como as pessoas sentem, pensam, agem e se relacionam. Possui um conjunto de tcnicas de mudana positiva, que possibilita uma tomada de posio do ser humano, diante da vida. de
Eric Berne a frase: Todos ns nascemos prncipes e princesas, mas, s vezes, nossa infncia nos transforma em sapos.
-
33
pais ou substitutos, deixam a criana sozinha, constantemente ou no atendem suas
necessidades bsicas, como alimentao e higiene, etc. , ela poder sentir e interpretar esse
abandono como:
Eles no gostam de mim, eles no me querem.
Quando a criana ridicularizada ou desqualificada, quando exterioriza suas
emoes:
Eles no querem que eu sinta, eu no posso expressar minhas emoes.
Desse modo, o sentimento de no ser aceito ou de no poder expressar-se,
emocionalmente, ir integrar a formao do seu roteiro ou argumento de vida, o que,
conforme definio de Eric Berne, precursor da Anlise Transacional, uma programao
concebida na infncia, baseada nas influncias parentais, e logo esquecida ou reprimida,
mas que continuar com seus efeitos a influenciar a vida da pessoa.
Alm do abandono, propriamente dito, muitas outras atitudes, no s dos pais,
podem ser interpretadas pela criana como elemento de rejeio, seja no contexto da
educao familiar, escolar, religiosa ou social. Entre estas aes, destaco, apenas, duas para
tornar claro essa ocorrncia e alertar para os danos que elas podem causar formao da
autoestima da criana:
a) falta de ateno Crianas que, em sua infncia, no obtm a ateno. Nos
momentos que mais necessitam da presena dos pais, sentem-se rejeitadas ou
desqualificadas, da, o sentimento de que no so aceitas e nem so importantes para os
pais. Em razo disso, estaro propensas a buscar a ateno que lhes falta por meio de
atitudes, contraproducentes, de rebeldia, agressividade, ou, por exemplo, por feitos
autodestrutivos, como, ferirem-se ou, at mesmo, simularem doenas. O que, feito
frequentemente, poder tornar-se um comportamento contumaz, com graves consequncias
na adolescncia e na vida adulta, onde elas podero, com facilidade, enveredar pelos
descaminhos de outras condutas, inadequadas, dos vcios e da prpria delinquncia.
Nesse contexto, a ttulo de exemplo, convm citar um hbito muito em voga nos
dias de hoje, seja para remediar a tal da falta de tempo, usada pelos pais como desculpa
para justificar a ausncia na vida dos filhos, ou para livrar-se deles, mesmo.
Principalmente a partir de famlias de classe mdia, instituiu-se o que, na falta de um nome
mais adequado, chamo de abandono domstico, onde os pais, para desencargo de
-
34
conscincia, destinam um quarto para o filho e, l, instalam todo tipo de parafernlia
eletrnica, tais como, videogame, computador com acesso internet, televiso, etc. E o que
acontece que, mesmo em casa, ele passa mais tempo sozinho do que na companhia dos
pais.
O quarto passa a ser o seu abrigo, seu isolamento e, dali, ele estabelece sua rede de
contatos via internet ou celular , e os pais, na maioria das vezes, desconhecem seus
amigos ou com quem ele se relaciona. Da, a surpresa quando o descobrem praticando
delitos na escola ou em outro local. O trgico e irresponsvel nessa conduta que, muitos
pais, quando livres para se ensimesmarem frente televiso ou outros afazeres e
distraes, ainda se vangloriam deste feito. E quando se referem ao filho, em abandono no
quarto, costumam dizer:
Ele no nos incomoda. Nem parece que temos criana em casa!
b) comparao Pais, familiares e professores*, s vezes acreditam que comparar uma
criana a outra uma forma de motivao. Ledo engano. Aquela que comparada,
negativamente, sente-se rejeitada por no cumprir as expectativas que esperam dela e,
com base nessa frustrao, igualmente, poder desenvolver, entre outros sentimentos, o de
inferioridade ou inadequao. E mais: com a finalidade de obter o afeto e a aceitao que
necessita, poder sentir-se na obrigao de ser perfeita, o que, com o tempo, lhe
acarretar outros desconfortos.
No caso de comparao entre irmos, por exemplo, ela provoca danos psicolgicos
para os dois: um por sentir-se rejeitado, inferiorizado e outro por ter que se desdobrar,
compulsivamente, para no decepcionar os pais. Inmeros exemplos desse tipo de
problema ilustram meu arquivo de clientes. Lembro at que, em um desses casos, um
homem na faixa dos quarenta e cinco anos, certa vez, num momento de raiva, desabafou:
Essa maldita comparao arruinou minha vida, por muito tempo.
De acordo com o pensamento de Eric Berne, a forma de pensar, sentir e agir,
ensinada, conscientemente ou no, s crianas, pelos pais ou substitutos, desde a mais tenra
idade. E, em se tratando da rejeio parental, esta, por no possuir qualquer trao de
afetividade, influi cabalmente na qualidade da autoestima do indivduo. Na verdade, muitos
pais, por no analisarem, conscientemente, o modo como foram educados, repetem com os
-
35
filhos as mesmas aes desqualificadoras que sofreram dos seus pais. Criando, de tal modo,
um ciclo vicioso que se perpetua gerao ps-gerao, como se fosse uma espcie de
padro que no pode ser alterado, apenas seguido.
* Atualmente, os pais devem estar muito atentos qualidade ou formao pedaggica dos professores que estaro presentes na vida de seus filhos, desde a infncia. Isto para alm
dos professores das escolas formais, como, por exemplo, professores de ingls, religio, msica, natao, atletismo, esportes em geral e outros.
-
36
CAPTULO VI
A Influncia da Educao
O homem no nada alm daquilo que a educao faz dele... Emanuel Kant
Ainda no contexto das predisposies, no poderia deixar de mencionar mesmo
que de maneira um tanto resumida a educao como elemento de suma importncia na
formao da autoestima. Em alguns casos, por conter as situaes j elencadas
anteriormente, e, em outros, por possuir singularidades que so determinantes na
constituio da personalidade do indivduo.
Com o intuito de tornar compreensvel ao leitor caso tenha a pretenso de utilizar
esse saber para o seu prprio autoconhecimento ou para empreg-lo em outro contexto
educacional , esclareo que o termo educao, no mbito deste escrito, contempla a
soma de todo aprendizado familiar, religioso, escolar e social. A educao em sua
totalidade, cujo contedo vai moldar a formao do indivduo, desde a mais tenra idade,
principalmente, em seus aspectos psicoemocional e comportamental, includo, a, a noo
de valores, sentimentos, etc.
Tomando como fonte inspiradora alguns conceitos da Anlise Transacional (mtodo
analtico j citado), e acrescentando- lhes observaes colhidas na vivncia teraputica,
cheguei concluso de que, a priori, so dois os modelos de educao que, positiva ou
negativamente, esto presentes na base da autoestima de toda pessoa. So eles: a Educao
Crtica e a Educao Nutritiva.
Partindo do entendimento inicial de que esses dois modos educativos so decisivos
no desenvolvimento da personalidade dos indivduos, no h como fugir realidade de que
eles, tambm, interferem na formao e evoluo da autoestima. Outro dado a acrescentar,
antes de discorrer com maior objetividade sobre o assunto, o de que a influncia desses
modelos, pelo menos no tocante formao da autoestima, faz-se presente no perodo que
vai do nascimento at a adolescncia da pessoa, impactando com maior intensidade no
tempo compreendido de 0 a 8 anos de idade. A abrangncia ampliada desse perodo, por
mim aqui adicionada, se explica pelo fato de que: cada criatura interioriza, de forma
-
37
singular e em tempo distinto, aquilo que aprende ou vivencia. Por vezes, at na vida adulta
os pais, por meio de suas aes, continuam a nutrir, ou no, a autoestima de seus filhos.
-
38
CAPTULO VII
Educao Crtica
Todos ns nascemos prncipes
e princesas, mas, s vezes, nossa infncia nos transforma
em sapos.
Eric Berne
A Educao Crtica caracteriza-se, principalmente, por ser impositiva ou coercitiva.
Ou seja, sob esse prisma, ela imposta pelos pais ou seus substitutos, por meio de uma
gama variada de aes, tais como: castigos, coao fsica, chantagem emocional, crticas
exacerbadas, represso de sentimentos, comparaes negativas, instaurao de medos e
preconceitos.
Em termos de contedo, podemos dizer que a Educao Crtica se faz por meio
daquilo que se convencionou chamar em anlise transacional de mandatos verbais ou
no verbais negativos, que so sentidos, assimilados ou interpretados pela criana como
ordem de conduta. A distino que se faz entre estes dois tipos de mandatos (verbal e no
verbal) que: o primeiro direto, objetivo, e o segundo subentendido, tal como se
estivesse implcito na ao da qual feita a leitura pela criana. Exemplo: quando uma
criana se sente ignorada pelos pais, a leitura que ela poder fazer ser: eles no me
amam, ou, eu no sou importante para eles, ou, ainda, terei que me esforar muito para
que eles me amem.
Nesse sistema pode-se afirmar que a criana no educada, ela treinada para ser
obediente, para responder a comandos, sob as mais diversas formas de mandatos. Um
exemplo, aparentemente bobo, o uso da figura do bicho-papo como forma de ameaa
criana que no quer comer ou dormir. No imaginrio infantil, o bicho-papo mau e a
crena que se estabelece a de que ele vai causar- lhe algum dano, se ela no fizer o que o
pai ou a me querem. Para a criana nada de brincadeira, o que para amedrontar,
amedronta.
Seja no mbito da famlia, na escola ou ensino religioso, encontramos inmeros
exemplos de mandatos negativos, iguais ou assemelhados a estes:
Se desobedecer, vai apanhar quando seu pai chegar.
Se no comer, vai ficar doente.
-
39
Se no for bonzinho, Papai do Cu castiga.
Quem no fizer a lio, vai ficar de castigo.
Um exemplo, bem real: em uma aula de natao para crianas, ouvi um professor
falar para um aluno:
Se no bater rpido as mos, voc vai se afogar.
So inmeros os mandatos, inapropriados, utilizados nessa maneira de tentar educar
ou de estimular o aprendizado. Alm, claro, daqueles que trazem a ao direta de coero,
como: surras, espancamentos, castigos corporais etc.
Vale lembrar, ainda, que exemplos negativos, de parte dos pais, tambm podem
soar ao educando como norma de conduta. Por exemplo: se o pai mente ou falseia a
verdade perto do filho, isso pode ser entendido como permisso para que, em algum
momento, ele faa o mesmo. Exemplos de pais ou substitutos tanto podem educar, quanto
deseducar.
Para tornar mais clara a ideia dos males que essa prtica educativa pode acarretar,
no s no que diz respeito autoestima, mas, a outros desconfortos psicolgicos, vale,
como exemplo, o caso de uma cliente em terapia, relatado abaixo:
Portadora de compulso alimentar, Raquel no sabia o que fazer para combater tal
distrbio. Tinha ido a diversos profissionais: mdicos, nutricionistas e psiclogos; tomado
diversos medicamentos, sem resolver o problema, pois, continuava alimentando-se de
modo inadequado e engordando. Quando veio para a terapia, estava desesperada e com o
casamento em crise. Depois de algumas sesses analticas, ela concordou em submeter-se a
algumas sesses de renascimento. Numa delas, eis que comeou a chorar convulsivamente.
Perguntado sobre o porqu do choro, respondeu que, enquanto respirava, veio- lhe mente
uma lembrana de quando, por volta dos seis anos de idade, a me lhe impunha comer,
ameaando- lhe que, se ela no comesse, iria virar um palito adjetivo, para me, de pessoa
extremamente magra, fraca e feia . Segundo ela, depois de apurada anlise, esse era o
temor que, inconscientemente, fazia com que ela comesse, compulsivamente. Depois, de
passar por um processo de reparentalizao9 com a me e perdo-la por t- la induzido, de
9 A reparentalizao (reparenting) uma tcnica, criada por Jacqui Lee Schiff, utilizada no tratamento de psicoses,
tambm utilizada para redefinir em pensamentos e hbitos saudveis pessoas com desconfortos emocionais creditados
ocorrncias na primeira infncia. Eu uso o termo reparentalizao no sentido de reconciliar a pessoa com as figuras
parentais como me, pai ou substitutos.
-
40
certo modo, a desenvolver tal distrbio, e, tambm, de auto-reparentalizao10, sua
mudana teve incio. Ento, aps passar por um processo de redefinio de sua autoestima,
que motivou, inicialmente, sua reeducao alimentar, ela voltou ao peso adequado, adotou
novos hbitos saudveis e recuperou, segundo ela, sua alegria de viver. Fato este, tambm,
observado pela mudana no seu modo de vestir, antes conservador com cores mais
escuras e sbrias , depois mais jovial, com cores mais coloridas e alegres. Por fim, pode-se
dizer que ela adquiriu novo entusiasmo pela sua vida e, num breve tempo, reequilibrou seu
relacionamento com o esposo e os filhos.
A Educao Crtica depreciativa, ou seja, alguns pais apelam, equivocadamente,
para a desqualificao do filho, pensando que, assim, o motivaro para que realize alguma
tarefa a contento ou venha a corrigir alguma postura. Alguns at argumentam que, de vez
em quando, necessrio mexer com os brios ou nimo do filho para que ele reaja ou
motive-se. O que um crasso engano, pois, o que conseguem com essa prtica,
inadequada, , na maioria das vezes, ativar sentimentos de raiva, revolta, rejeio ou
incapacidade. Inmeros so os indivduos que carregam em si as marcas desse tipo de ao
dos seus progenitores. J ouvi, em terapia, de homens e mulheres, reclamos sobre pais e
mes que os depreciavam. E o resultado dessas desqualificaes foi que cresceram
alimentando sentimentos de incapacidade e inutilidade, resultando em uma autoestima
baixa e falta de reatividade diante das oportunidades na vida. Um exemplo:
Sandra era uma mulher trabalhadora, com valores bem definidos, esbelta e com uma
firmeza de carter, impar. Divorciada, criou com dedicao um casal de filhos. Mesmo
assim, no se sentia feliz, sua vida amorosa, desde o prprio casamento, nunca foi das
melhores. Sempre nutriu por si um sentimento de inferioridade e uma quantidade
considervel de medos. Ao falar sobre sua vida pregressa, relatou que, o que mais doa em
sua vida era, desde criana, ter ouvido, repetidamente de seu pai, que mulher nenhuma
prestava; que no serviam para nada. Seus irmos tambm desenvolveram o modelo
doentiamente machista e depreciativo do pai, em relao s mulheres, resultando em uma
convivncia difcil entre ela e eles. At os seus 43 anos ela no conseguira superar certo
sentimento de incapacidade. Com uma autoestima baixa, vivia sem ter muito apreo por ela
10
A autoreparentalizao deriva da reparentalizao, mas, trata-se da reconciliao parental que a pessoa promove consigo mesmo, ou seja, trata-se da autoaceitao positiva, onde a pessoa reconhece as suas potencialidades e qualidades com a finalidade de situar-se na vida de modo afirmativo.
-
41
mesma, mantendo em seus relacionamentos, ora atitudes mais agressivas e revoltosas, ora
de submisso.
Em terapia, comeou um processo, primeiramente, para reparentalizar-se com o pai,
e depois com a me. Segundo ela, a falta de reatividade da me, diante dos improprios que
o pai destinava s mulheres, ajudava a reforar os seus medos. Graas sua frrea vontade
e dedicao ao processo teraputico, foi, aos poucos, redescobrindo suas qualidades,
aprendendo a admirar suas conquistas, alm de desenvolver seu autorrespeito. Seus medos
foram, tambm, superados pelo resgate da sua autoestima e o fortalecimento da sua
autoconfiana.
Segundo ela, conhecer a razo dos seus medos, do seu sentimento de incapacidade e
da falta de autoconfiana foi fundamental para que ela, ao despedir-se do seu passado e
dos mandatos negativos que tanto influenciaram sua vida, resgatasse o amor por ela mesma
aprimorando seu senso de autovalorizao. Da em diante, seus relacionamentos, de modo
geral, ganharam qualidade e satisfao, e a relao com seus filhos foi enriquecida com
maior afetividade. A superproteo, que antes era geradora de muitos atritos, foi substituda
pela necessria autonomia que eles necessitavam para evolurem, de modo saudvel e
equilibrado.
Acrescento, ainda, a fim de dar pleno entendimento a esse tpico, que a Educao
Crtica, tal qual aqui abordada, , tambm, um forte elemento disseminador de sentimentos
de inadequao, uma vez que os meios coercitivos utilizados pelos pais ou seus
substitutos para obter obedincia a qualquer custo , por serem desprovidos de afetividade,
levam a criana a sentir-se deslocada e no aceita no meio em que vive. Alis, embora pais
ou substitutos, quando questionados sobre esse modelo precrio com qual tentam educar
seus filhos , repitam que tudo o que fazem para o bem da criana, ele, em si, no leva ao
fundamental desenvolvimento da afetividade e nem colabora com o aprimoramento do
pensamento ou da racionalidade, j que, para ser obediente, no necessrio pensar, s
treinar. E isso que acontece com boa parte das pessoas educadas nesse padro, salvo
quando, mais frente, a pessoa consegue se libertar dessa influncia limitadora.
-
42
Em sntese, pode-se afirmar que a Educao Crtica aponta, apenas, dois caminhos
ao indivduo: ou ele vai ser extremamente obediente, ou desobediente; submisso, ou
rebelde. E isso lhe trar, com certeza, inmeros desconfortos ou desarmonia em sua vida.
A ttulo de breve explicao, e no de justificativa, vale registrar que a maioria dos
pais ou substitutos comete essas aes, que deseducam, de modo inconsciente, devendo-se
isso falta de preparo e ao desconhecimento sobre a repercusso delas na existncia dos
filhos. Podemos dizer, inclusive, que muitos pais repassam, cegamente, apenas aquilo que
aprenderam em seu processo educativo, sem a mnima reflexo ou autocrtica sobre o
modelo de educao herdado ou, ainda, sobre como aperfeio- lo para que seja eficaz no
tempo presente.
Alm dos atos mais grosseiros utilizados nesse modelo que considero
deseducativo e deformador da personalidade do indivduo , enumero, a seguir, algumas
outras prticas, tambm usuais, como a superproteo, a obedincia condicionada ou
premiada, a chantagem comparativa11 e a responsabilizao prematura.
1. Superproteo
A superproteo est inserida no modo de Educao Crtica, uma vez que ela, sob a
mscara de proteger ou defender os filhos de situaes a serem superadas, traz, em seu
cerne, transferncias de medos, inseguranas ou fracassos dos pais.
Infelizmente, encontramos pais que por no terem superado certas inaptides,
carncias, temores ou frustraes , transferem a seus filhos a incumbncia de serem bem
sucedidos e no desapont-los, s vezes, at por fora de sentirem-se culpados por no
terem correspondido ao que seus prprios pais ambicionavam para eles. Da que, sob o
intuito de proteger os filhos, para o bem deles, acabam por impedi- los de enfrentar seus
prprios desafios e desenvolverem-se, espontaneamente.
Na faze da educao escolar, por exemplo, so comuns os pais que, praticamente,
fazem os deveres de casa do filho, para que ele no se submeta a cometer erros ou tirar
notas baixas. Alm disso, ao mesmo tempo em que o protegem, exigem, em troca,
excelncia em tudo que ele faa. O que, em sntese, resulta na perda da sua individualidade
e, por consequncia, em sua baixa autoestima. s vezes, mesmo que inconscientemente,
11
No captulo VI, h, tambm, uma referncia assemelhada a essa prtica inadequada.
-
43
muitos pais so os responsveis pelas dificuldades que o filho enfrenta na vida adulta, por
fora da proteo, exacerbada, dedicada a ele. Inclusive algumas fragilidades fsicas e
emocionais podem resultar da superproteo.
Em terapia contumaz ouvir queixas de pessoas com baixa autoconfiana e
insatisfeitas com o rumo de suas vidas que, segundo elas, no puderam escolher suas
prprias profisses e, at mesmo, seus relacionamentos. Isso pelo excesso de zelo dos pais
em determinar o que seria melhor para elas. Algumas pessoas, nunca puderam tomar
decises importantes ou ousar, diante de alguma circunstncia, por medo de contrariar os
pais.
Filhos criados assim, na maioria das vezes, so portadores de um modelo de
autodepreciao e dependentes. Por no conseguirem confiar em suas prprias ideias,
sentem-se incompetentes perante a vida: bloqueiam suas capacidades reativas, se
autoanulam, so ansiosos, se deprimem com facilidade e possuem propenses para vcios.
Existem casos, dramticos, de pessoas que desenvolveram hbitos autodestrutivos e at se
suicidaram por no suportarem a presso dos pais em suas escolhas profissionais ou
relacionais.
2. Obedincia Premiada ou Condicionada
A obedincia condicionada aquela exigida por meio da concesso ou trocas de
prmios, principalmente de natureza material, por feitos que, a priori, podiam ser
realizados de maneira incondicional, se os pais tivessem a habilidade de explicar a
importncia de certos afazeres para os filhos, evitando, assim, a chantagem que caracteriza,
em termos prticos, a compra da obedincia deles. Essa atitude nada tem de pedaggica,
uma vez que os filhos, assim educados, deixam de aprender a responsabilidade elemento
fundamental para ter autonomia na busca da autorrealizao futura.
Em se tratando da autoestima, essa prtica no a favorece, porquanto os filhos se
sentiro sempre compelidos a negociar suas condutas ou a prtica de valores. Alm do que,
isso dificultar o incremento de capacidades de superao que, em ltima instncia,
deveriam servir- lhes de suporte para uma formao sadia e produtiva. Como na vida real,
eles os filhos , no encontraro sempre quem lhes atenda as necessidades, propondo- lhes
trocas satisfatrias para cumprirem com suas responsabilidades, eles, provavelmente, iro
-
44
acumular frustraes por faltar- lhes o devido preparo e a necessria eficincia pessoal para
enfrentarem seus desafios existenciais e progredirem.
3. Jogo Comparativo
Como j comentei no captulo sobre a rejeio parental, o uso da comparao um
procedimento danoso autoestima. Mesmo assim, no incomum encontrarmos pais e
professores, principalmente, que atravs da comparao com outrem , busquem fazer
com que a criana atenda s suas expectativas de aprendizado, sejam elas comportamentais
ou no. No mbito da famlia, por exemplo, vemos, muitas vezes, pais comparando um
irmo com o outro, ou com o filho de algum parente ou amigo mais prximo.
Eis alguns exemplos de falas usadas, comumente, quando da prtica desse infeliz
modelo:
Seu irmo, sim, que inteligente.
Aquele, ali, um doce; este, aqui, um traste.
Voc deveria ser como seu primo: obediente, estudioso...
Esse, a, puxou o pai.
Aquela, ali, igualzinha me.
Voc devia seguir o exemplo do seu colega, ele faz tudo para agradar aos pais.
Estas so, apenas, algumas das inmeras falas negativas e usuais no processo
comparativo, dado que elas apenas se diferenciam na forma, sendo o contedo
manipulativo sempre o mesmo.
Na famlia, principalmente, essa abordagem, comparativa, alm da ideia falsa de ser
estimulante, prdiga em criar sentimentos de rejeio, raiva e rebeldia naquele que
comparado como inferior, pois o entendimento de que os pais gostam menos dele do que
daquele com o qual comparado. Por outro lado, aquele que comparado, positivamente,
pode, por medo da rejeio, vir a desenvolver atitudes compulsivas de obedincia cega, e
criar para si a ideia de que, para no desapontar seus pais ou substitutos, ele tem que ser
perfeito e seguir, sempre, os mandatos deles. Vale destacar que estas e outras repercusses
vo alm da infncia ou adolescncia. Vejamos, na prtica, como isso pode funcionar, em
termos de rejeio:
-
45
Marta, aos 45 anos de idade, veio para terapia por sentir-se deprimida e, segundo
ela, por no ver sentido em sua vida. Apesar de relutante, ela foi narrando alguns
acontecimentos da sua vida pregressa: o fim do seu casamento, as dificuldades com os
filhos, a raiva do ex-marido, seus medos, a dificuldade de entrega no novo relacionamento
e o acomodamento, geral, da sua vida.
Falava alto, sempre demonstrando irritao e uma revolta muito grande,
praticamente, com tudo. Aos poucos, apesar de no entregar-se, totalmente, prtica
respiratria do Renascimento, ela foi se soltando, mas sempre que eu perguntava- lhe sobre
o relacionamento com a sua me ela a elogiava, vagamente, e referia-se admirao que os
outros tinham por ela. Tudo transcorria muito lentamente, at o dia em que ela passou a
falar da sua irm que, a julgar por sua narrativa, era o exemplo de sucesso da famlia, bem
casada, com uma boa profisso, filhos etc.
Em determinada sesso, perguntei- lhe, repentinamente:
Voc no acha que sua insegurana proveniente das comparaes que a sua me fazia
de voc, em relao a sua irm?
Ao dizer- lhe isso, foi como se houvesse aberto as comportas de uma grande represa,
ela chorou, convulsivamente, por mais de dez minutos. E, a, comeou a falar como se
sentia, realmente, diante das desqualificaes que sofria da me e do pai (j falecido
poca da terapia) que, at ento, no havia sido mencionado diretamente nas sesses.
Aconteceu algo como se ela tivesse voltado no tempo. Vieram tona os sentimentos
recalcados de rejeio e de desaprovao dos pais, o que rendeu mais algumas sesses,
somente sobre esse assunto, ficando claro que se casara revelia dos pais, por pura
rebeldia, para atingi- los, e no porque desejasse faz- lo, conscientemente. Enfim, toda a sua
insegurana, mais o complexo de inferioridade e, sobre maneira, a sua baixa autoestima,
estavam relacionados prtica da comparao levada a efeito pelos seus pais.
Na sequncia do seu processo teraputico, depois de muito esforo e tempo, venceu
o medo e conseguiu conversar com sua me a respeito das comparaes. Falou das suas
angstias e raivas e de tudo quanto sofrera devido a elas. Segundo ela, foram mome ntos
difceis e bastante emocionais de pedidos de perdo, de ambas as partes: da me, pelo
tratamento inadequado dado a ela, e, da sua parte, pela raiva e outros sentimentos de igual
teor, acumulados. Mesmo assim, por mais difcil que tenha sido ela conseguiu se
-
46
reparentalizar com a me, que era a parte mais entranhada daquela infeliz simbiose. No que
se referia ao pai (j falecido), ela reconciliou-se com ele, atravs de uma prtica de perdo.
A reparent