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Resumo: Sem pretender estudar o direito italiano em comparação com o de qualquer outro país, o texto que segue enfoca alguns aspectos da legislação peninsular a respeito da greve nos serviços públicos essen- ciais, de modo a propiciar reflexões sobre a pertinência ou não de certos institutos à realidade brasileira, dada a anunciada iminência de intervenção legislativa a respeito da matéria entre nós. Iniciando com breves considerações sobre liberdade sindical e direito de greve, passa-se a mencionar a produção jurisprudencial anterior à regulamentação dada pela Lei n. 146, de 12 de junho de 1990, bem como os limites impostos por esta legislação ao exercício do direito de greve nos serviços públicos essenciais e as novidades introduzidas pela Lei n. 83, de 11 de abril de 2000, notadamente no que se refere à instituição das “Comissões de Garantia”. Sumário: 1 Introdução; 2 A liberdade sindical e o direito de greve; 3 A normatização; 3.1 Procedimentos preventivos; 3.2 Obrigações publici- tárias; 3.3 Princípio da rarefação; 3.4 Continuidade dos serviços indis- pensáveis; 4 A “Comissão de Garantia”; 5 As sanções; 6 Considera- ções finais. Palavras-chave: direito estrangeiro; liberdade sindical; greve; serviços públicos essenciais. *Juiz do Trabalho Titular da Vara do Trabalho de Aparecida. Aluno do Curso Master de “Diritto del lavoro, sindacale e della sicurezza sociale, junto à Universitá Européa di Roma. 1 INTRODUÇÃO Premido pelas circunstâncias – longas paralisações de serviços hospitalares e previdenciários, cri- se aérea, etc. – o executivo brasilei- ro finalmente parece propenso a enviar ao legislativo projeto de lei Fábio Prates da Fonseca* AUTONOMIA COLETIVA E SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS: A EXPERIÊNCIA ITALIANA para regulamentação específica do par. 1º, do art. 9º, da Constituição Federal em vigor (serviços ou ativi- dades essenciais), bem como do art. 16, da Lei n. 7.783/89, o qual se re- fere diretamente ao art. 37, VII, tam- bém da Carta Constitucional (gre- ve no serviço público civil). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 31, jul./dez. 2007.

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Resumo: Sem pretender estudar o direito italiano em comparação como de qualquer outro país, o texto que segue enfoca alguns aspectos dalegislação peninsular a respeito da greve nos serviços públicos essen-ciais, de modo a propiciar reflexões sobre a pertinência ou não decertos institutos à realidade brasileira, dada a anunciada iminência deintervenção legislativa a respeito da matéria entre nós.Iniciando com breves considerações sobre liberdade sindical e direitode greve, passa-se a mencionar a produção jurisprudencial anterior àregulamentação dada pela Lei n. 146, de 12 de junho de 1990, bemcomo os limites impostos por esta legislação ao exercício do direito degreve nos serviços públicos essenciais e as novidades introduzidaspela Lei n. 83, de 11 de abril de 2000, notadamente no que se refere àinstituição das “Comissões de Garantia”.

Sumário: 1 Introdução; 2 A liberdade sindical e o direito de greve; 3 Anormatização; 3.1 Procedimentos preventivos; 3.2 Obrigações publici-tárias; 3.3 Princípio da rarefação; 3.4 Continuidade dos serviços indis-pensáveis; 4 A “Comissão de Garantia”; 5 As sanções; 6 Considera-ções finais.

Palavras-chave: direito estrangeiro; liberdade sindical; greve; serviçospúblicos essenciais.

*Juiz do Trabalho Titular da Vara do Trabalho de Aparecida. Aluno do Curso Master de “Dirittodel lavoro, sindacale e della sicurezza sociale, junto à Universitá Européa di Roma.

1 INTRODUÇÃO

Premido pelas circunstâncias– longas paralisações de serviçoshospitalares e previdenciários, cri-se aérea, etc. – o executivo brasilei-ro finalmente parece propenso aenviar ao legislativo projeto de lei

Fábio Prates da Fonseca*

AUTONOMIA COLETIVA E SERVIÇOS PÚBLICOSESSENCIAIS: A EXPERIÊNCIA ITALIANA

para regulamentação específica dopar. 1º, do art. 9º, da ConstituiçãoFederal em vigor (serviços ou ativi-dades essenciais), bem como do art.16, da Lei n. 7.783/89, o qual se re-fere diretamente ao art. 37, VII, tam-bém da Carta Constitucional (gre-ve no serviço público civil).

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A análise da legislação italia-na datada de 1990 pode contribuirpara os debates que fatalmenteocorrerão entre nós durante a faselegislativa e também para a atua-ção jurisdicional que se seguirá, lem-brando que é da justiça do traba-lho a competência material para odeslinde dos conflitos emanadosdesta fonte (Emenda Constitucionaln. 45/2004).

A sistematização do institutoem tela não é simples. Como resul-tado da fragmentação de agentessociais típica da chamada socieda-de “pós-moderna”, os interessessubjetivos e objetivos em torno degreves nos serviços públicos essen-ciais são múltiplos e complexos. Deum lado, impõe-se o respeito à au-tonomia coletiva dos trabalhadores;de outro encontramos a limitaçãoorçamentária de interesse geral emrelação a concessão de reajustessalariais no setor público; postam-se de permeio as demandas dosusuários dos serviços indispensá-veis e as consequências sociais epolíticas de eventuais desaten-dimentos; há, ainda, o clássico con-flito entre capital e trabalho, mor-mente quando os serviços essenciaissão fornecidos por empresas priva-das concessionárias.

O enfrentamento de tais ques-tões no âmbito de uma sociedadebastante organizada e politizadacomo a italiana trouxe à tona as-pectos cruciais do relacionamentointerdisciplinar entre direito cons-titucional, direito administrativo,direito coletivo e individual do tra-balho, direito do consumidor e di-reito econômico em senso amplo.

No período entre a promul-gação da Constituição Republica-

na da Itália (1946) e o advento daLei n. 146/1990 o vácuo legislativodeu ensejo a intensa atuaçãojurisprudencial e a abundante re-gulamentação autônoma, tudo istovindo a servir de parâmetros parao legislador ordinário quando este,enfim, abalançou-se a regulamen-tar a matéria.

2 A LIBERDADE SINDICAL E ODIREITO DE GREVE

Em superação ao períodocorporativo fascista (1926-1944), aconstituição republicana italiana de1946 estabeleceu em seu art. 40 oreconhecimento da greve como di-reito, e não mais como ilícito penal.

Emergindo da inatividadeforçada a que se submeteu durantea segunda guerra mundial e já li-vre das amarras fascistas, osindicalismo obreiro – gestado porforças políticas - logrou se firmar apartir do pós-guerra como instru-mento de atuação da autonomia co-letiva privada, tanto no plano dasrelações trabalhistas como tambémna condição orgânica de expressãopolítica e cultural das classes tra-balhadoras, abarcando suas diver-sas tendências (Romani, 2000).

A par de circunstâncias his-tóricas e sociológicas próprias, cer-tamente contribuiu para tal relevoa adoção pela mesma carta consti-tucional do princípio da liberdadesindical plena (art. 39, primeiropar.), o qual sepultou a unicidadevigente no anterior corporativismo.

O forte poder de pressão dossindicatos obreiros sobre as instân-cias legislativas encontrou sua cul-minância com o advento da Lei n.300/1970 (chamado “Statuto dei

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Lavoratori”)1 , a qual tem por esco-po básico a sustentação da ação sin-dical no próprio local de trabalho,com interferência ativa sobre opoder diretivo e mesmo sobre o po-der disciplinar do empregador. Vemdesta legislação o sistema de repres-são aos empregadores que se com-portem de modo tal a impedir oudificultar a liberdade de atividadesindical, tipificada como condutasantisindicais (art. 28), como vem aser o obstáculo ou impedimento porparte do empregador ao exercíciodo direito de greve.

Conquanto até hoje a lei or-dinária não tenharegulamentado o di-reito de greve, comoprevisto no art. 40,da Constituição(“nell âmbito delleleggi que lo rego-lano”2 ) tal direitofoi largamente exer-citado pelas classestrabalhadoras italia-nas, impondo à ju-risprudência a indi-viduação em via interpretativa dasregras de coexistência entre grevee economia, elaborando a próprianoção de greve e os limites de seuexercício.

De todo modo, o direitopotestativo do trabalhador de sus-pender a execução da prestaçãolaboral, em expressão de sua auto-nomia coletiva (direito individualde exercício coletivo) jamais deixoude ser encarado pela doutrina, emúltima análise, como um dos prin-cipais instrumentos para a “remo-ção das desigualdades de fato, que1(Estatuto dos Trabalhadores).2(no âmbito das leis que o regulem).

“De todo modo, o direito potes-tativo do trabalhador de suspen-der a execução da prestaçãolaboral, em expressão de suaautonomia coletiva (direito in-dividual de exercício coletivo)jamais deixou de ser encaradopela doutrina, em última análise,como um dos principais instru-mentos para a “remoção dasdesigualdades de fato, que im-pedem o desenvolvimento dapessoa e a participação socialdos trabalhadores”, como reco-menda o princípio inserido noart. 3º, par. 2º, da carta consti-tucional”

impedem o desenvolvimentoda pessoa e a participação socialdos trabalhadores”, como recomen-da o princípio inserido no art. 3º,par. 2º, da carta constitucional(VALLEBONA, 2007).

Entretanto, um dos primeirose mais importantes comentadoresda Constituição de 1946 já obser-vara que a partir do momento emque a greve assumiu a condição dedireito, seria necessariamente for-çada a adaptar-se a condições e res-trições de exercício, as quais, nãosendo estabelecidas por lei, deve-riam ser traçadas, cedo ou tarde,

pela jurisprudênciadesenvolvida emtorno do ar t . 40 ,d a Constituição(CALAMANDREI,1952).

Neste ponto, fir-mou-se na corte cons-titucional o entendi-mento de que em setratando de certas ati-vidades “conduziriaao absurdo considerar

a existência de um direito suscetívelde desenvolver-se por um tempoindeterminado e além de qualquerlimite”. (entre outras: sentenças n. 123,de 28/12/1962, n. 1, de 14/01/1974...). Definiram-se, mediante talparâmetro e em linhas básicas, os li-mites externos para o exercício do di-reito de greve em relação aos traba-lhadores afeitos a serviços públicos es-senciais.

Com efeito, prospectou a Su-prema Corte a necessidade de co-tejar o direito constitucional ineren-te à autotutela da categoria obreira

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com as exigências de interesse ge-ral protegidas por princípios tam-bém constitucionalmente consagra-dos.

Afirmou-se, nesta sede, a no-ção de existência de limitações“desumibili dalla necessita di contem-perare le esigenze dell’autotutela dicategoria com le altre discendenti dainteressi generali i quali trovanodiretta protezione in principiconsacrati nella stessa Costituzionee cio per l’insopprimibile bisogno disalvaguardare dal danno dalmedesimo (sciopero) derivante ilnucleo degli interessi generalia s s o l u t a m e n t epreeminenti”3 (Sen-tença n. 124 de 28/12/1968). Tais inte-resses gerais tuteladospela Constituição sãoaqueles atendidospor serviços públicosessenciais, a cujos tra-balhadores foramjurisprudencialmenteprevistas condições erequisitos para o exer-cício da greve (cf. Sentença n. 31, de17/03/1969).

Assim, além das poucas nor-mas que tratavam de aspectos es-pecíficos, como as que limitavam asgreves no âmbito das instalaçõesnucleares (Lei n. 185/64) e do con-trole de vôo (Lei n. 242/80) e asproibiam para os policiais do Esta-do (Lei n. 121/81) e para os milita-res (Lei n. 382/78), restava apenasa construção jurisprudencial a res-peito das paralisações de serviçospúblicos essenciais. Fora de tais ati-

3(decorrentes da necessidade de contemperar a exigência de autotutela da categoria com asoutras descendentes dos interesses gerais e que encontram direta proteção em princípios consa-grados na mesma Constituição a isso pela insuprimível necessidade de salvaguardar dos danosque derivem da greve o núcleo dos interesses gerais absolutamente proeminentes).

“Os agentes sociais jamais de-mandaram regulamentação or-dinária do direito de greve. Atéos dias de hoje remanesce ape-nas o princípio de liberdade in-serido na Constituição. Nestesentido, algumas condições le-galmente impostas no Brasil(Lei nº 7.783/89), como, porexemplo, o pré-aviso (par. úni-co, do art. 3º) e indispensabi-lidade de assembléia (art. 4º)são consideradas inconstitu-cionais pela jurisprudência ita-liana, por representarem impo-sição de limites internos ofensi-vos ao princípio da autotutela”

vidades operavam – como aindahoje - somente os limites gerais dedefesa das pessoas e das instalações.

3 A NORMATIZAÇÃO

Os agentes sociais jamais de-mandaram regulamentação ordiná-ria do direito de greve. Até os diasde hoje remanesce apenas o princí-pio de liberdade inserido na Consti-tuição. Neste sentido, algumas con-dições legalmente impostas noBrasil (Lei n. 7.783/89), como, porexemplo, o pré-aviso (par. único,do art. 3º) e indispensabilidade de

assembléia (art. 4º)são consideradas in-constitucionais pelajurisprudência italia-na, por representa-rem imposição de li-mites internos ofensi-vos ao princípio daautotutela (v.g. Sen-tença n. 124, de28/12/1962, CorteConstitucional).

Já no que tange aos serviçospúblicos essenciais, o vácuo legis-lativo foi superado em 1.990, coma edição da Lei n. 146/90, a qualaduz a opção do legislador por re-gular de modo orgânico a matéria,após longos e complexos debatesnos quais jogaram papel fundamen-tal as próprias organizações sindi-cais, a ponto da doutrina qualificá-la de “lei-concertada” (PERONE,1996).

Com a peculiar grandilo-quência italiana, a lei em questão

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4(normas sobre o exercício do direito de greve nos serviços públicos essenciais e sobre a salvaguar-da do direito da pessoa constitucionalmente tutelados).5(em especial nos seguintes serviços).

se denominou no original normesull esercizio del dirito di scioperonei servizi publici essenziali e sullasalvaguardia dei diritto dellapersona costituzionalmente tute-lati4. Após dez anos de vigência daLei 146/90, nova intervençãolegislativa buscou ajustar os pontosfrágeis evidenciados pela prática,através da Lei n. 83/2000.

Já no art. 1º, par. 1º, da legis-lação de 1990, vem explícito o es-copo de harmonizar o exercício dodireito de greve com o gozo dos di-reitos da pessoa constitucionalmen-te tutelados. O parágrafo em ques-tão define a natureza dos serviçosconsiderados essenciais, como sen-do aqueles voltados a garantir ogozo do direito à vida, à saúde, àliberdade, à segurança, à liberda-de de circulação, à assistência eprevidência social, à instrução eà liberdade de comunicação.

Diferentemente do rol taxa-tivo dos direitos da pessoa contidono primeiro parágrafo, entende-secomo meramente exemplificativa aenumeração funcional posta noparágrafo segundo. Com efeito, aexpressão in particolare, nei se-guenti servizi5 (...) deixa evidente anão exaustividade do detalhamentoque se segue às atividades vinculadasa cada um dos direitos da pessoa.

Coerente com este critérioteleológico de identificação dos ser-viços públicos essenciais, a lei dei-xa assente, também em seu art. 1º,par. 1º, que para a essencialidadedos serviços não possui nenhumarelevância a natureza jurídica do

contrato de trabalho. O serviço pú-blico essencial pode ser prestadopor empresas particulares, median-te concessão ou convênio, não im-portando, assim, que o grevistamantenha contrato de trabalho oude emprego, que seja pública ouprivada a natureza de seu vínculocontratual.

Com a expressa declaração deirrelevância da natureza da relaçãojurídica, a Lei n. 146/90 de certomodo antecipa a unificação nor-mativa do contrato de trabalhopúblico e privado que seria pos-teriormente introduzida pela polê-mica reforma do emprego público(Lei n. 421, de 23/10/92 e DecretoLegislativo n. 29, de 03/02/93,entre outros diplomas legais)(GIUGNI, 2006).

Portanto, na trilha da juris-prudência anterior, o regulamentoestabelece taxativamente a nature-za dos direitos constitucionaisconsiderados de nível igual ou su-perior que possam, para garantia deseu gozo, impor limites ao direito degreve, principalmente no que tangeà prestação mínima indispensável.

3.1 Procedimentos preventivos

Nas greves em geral vige oprincípio da auto-regulamentaçãoquanto aos procedimentos, ou seja,é atribuído aos contratos coletivosde direito comum o mister deestabelecê-los em abstrato. Diz-seque os contratos coletivos sãoatípicos e de direito comum ante àausência de uma disciplina especí-fica que os afaste das normas sobre

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6(de resfriamento e de conciliação).

contratos em geral, previstas no có-digo civil italiano (arts. 1322 e1321).

Desta forma, cada categoriadispõe de antemão de regulamen-tos a serem observados em caso degreve, com previsões contratuaisrelativas a diversos aspectos, taiscomo a necessidade ou não de pré-aviso, os mecanismos de concilia-ção, etc. Note-se que em respeito aoprincípio da liberdade sindical e ànatureza civil dos contratos não háeficácia geral em relação aos sujei-tos coletivos não estipulantes.

Sem elidir a auto-regulamen-tação, a Lei n. 146/90 impõe aoscontratos coletivos dos setoresprestadores de serviços públicos es-senciais conteúdos necessários, sen-do o primeiro deles a obrigatoriedadede previsão de procedimentos “diraffredamento e di conciliazone”6 (par.2º, art. 2º).

A obrigação de resfriamentoe conciliação grava sobre ambas aspartes envolvidas no conflito, de-vendo ser exercitada antes da pro-clamação da greve (art. 2º, comredação dada pela Lei n. 83/2000). Via de regra os contratos sereportam ao contrato coletivo na-cional para os procedimentos deresfriamento, que se dão diretamen-te entre as partes contratantes, emâmbito negocial.

Já as tentativas preventivasde conciliação se dão mediante pro-cedimento administrativo, o qualse desenvolve junto às Prefeituras,em greves regionais, ou ao gover-no de uma determinada Comuna,caso o conflito se limite ao respecti-vo território e desde que, obviamen-

te, a própria Comuna não seja aparte empregadora. Os conflitos deâmbito nacional reclamam a me-diação do Ministério do Trabalho(art. 2º, par. 2º).

Como conseqüência de talobrigatoriedade, a greve proclama-da sem observância dos procedi-mentos preventivos será reputadailegal, acarretando ao ente pro-clamador as sanções previstas naprópria lei (cf. infra) . Igualmenteserá sancionado o empregador quenão participar dos procedimentosou que os torne ineficazes através decondutas inadequadas. Em tais hi-póteses a greve poderá ser legitima-mente proclamada, considerando-seexaurida “ab ovo” a fase prévia.

Lembrando ainda o ambien-te de pluralismo sindical, anote-seser admitida a adesão à greve porparte de outros sindicatos da mes-ma base, desde que não haja modi-ficação do objeto. Neste caso, os ter-ceiros aderentes se valem dos pro-cedimentos já observados peloproclamante original.

3.2 Obrigações publicitárias

Ainda impondo conteúdosobrigatórios limitativos, a legislaçãoem comento torna obrigatórios pro-cedimentos de comunicação, tam-bém a gravar sobre ambas as par-tes envolvidas no conflito.

Assim, como requisito de legi-timidade da greve o sujeito coletivoestá obrigado a expedir um pré-avi-so mínimo, não inferior a dez dias,consentida à disciplina do setor a fi-xação de um prazo superior (art. 2º,par. 5º).

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A função do aviso prévio estáexpressa na lei, a qual menciona queas finalidades são a de permitir àadministração ou à empresa pres-tadora do serviço destinatária doaviso a adoção de medidas paracontinuidade dos serviços mínimosindispensáveis e a de favorecer o de-senvolvimento de eventuais tenta-tivas de composição do conflito,além de permitir aos usuários autilização de serviços alternativos(art. 2º, par. 5º).

A comunicação do pré-avisodeve ser escrita, indicando a dura-ção, a modalidade e a motivação dagreve (art. 2º, par. 1º). São dois osdestinatários: a empresa ou admi-nistração que fornece os serviços ea autoridade competente para aprecettazione (cf. infra). A empre-sa ou administração dos serviçostêm a obrigação de comunicar aosusuários, na forma adequada e aomenos cinco dias antes do início dagreve, as modalidades dos serviçosque serão prestados durante a pa-ralisação.

Com o advento da Lei n. 83/2000, passou a ser considerada des-leal –e passível de sanções - a revo-gação sem justificativa da greve porparte do sindicato obreiro depois deinformados os usuários. O intentoé de evitar o chamado “effettoannuncio”7, com o qual o procla-mante exerce forte pressão sobre aparte contrária e sobre os usuários,sem efetivar a paralisação já anun-ciada e sem, portanto, risco de per-das retributivas.

Exceções taxativas à obriga-ção de pré-aviso são as greves emdefesa da ordem constitucional ou

7(efeito anúncio).

em protesto por graves eventos le-sivos à incolumidade ou segurançados trabalhadores (art. 2º, par. 7º).

A par do pré-aviso da grevee da comunicação de sua iminenteeclosão aos usuários, ao final dagreve novo comunicado aos usuá-rios deve ser feita por parte da em-presa, informando o número departicipantes da greve, a duraçãoe as medidas de serviço adotadasem seu curso (art. 5º).

Grava ainda sobre terceiros(serviço radiotelevisivo público ousubvencionado e jornais diários) aobrigação legal de veicular as co-municações dos sindicatos e dasempresas sobre a eclosão, a dura-ção, as medidas alternativas emodalidade da greve (cf. art. 2º, par. 6º).

A maior parte dos contratoscoletivos de categoria ou de empre-sa prevê que em caso de greve osdemais sindicatos obreiros da mes-ma base devem ser comunicados,para fins de “rarefação objetiva”(cf. infra).

3.3 Princípio da rarefação

Com o mesmo escopo de pro-teção ao cidadão usuário – normal-mente também trabalhador – a le-gislação em estudo cria mecanismospara impedir que a eventualcumulação ou sucessão de grevesno mesmo setor inviabilize a prote-ção dos direitos da pessoa consti-tucionalmente tutelados.

Aqui se encontram as previ-sões legais mais discutíveis no quetange à constitucionalidade, já quetraçam limites profundos ao exer-cício da autotutela e, por extensão,ao direito de greve.

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Dispõe a lei que no aviso pré-vio da greve já venha estipulada aduração da abstenção coletiva, in-clusive em relação às paralisaçõesdos trabalhadores autônomos (art.2º, par. 1º). A maior parte das dis-ciplinas setoriais prevê duraçãomáxima de 24 horas para a primei-ra ação de greve e de 48 horas paracada qual das ações sucessivas, comlimite máximo complessivo variá-vel. Considera-se fraudulenta aproclamação de uma primeira e fic-tícia greve de, digamos, 5 ou 10minutos, para beneficiar-se da du-ração máxima mais ampla consen-tida para as ações sucessivas.

Ao enfrentar argüição deinconstitucionalidade, a CorteConstitucional rejeitou-a, deixandoassente que tanto na greve econô-mica-contratual quanto na greveeconômica-política , são obrigató-rios o pré-aviso e a determinaçãode “durata”, tendo em conta que aforça de pressão da greve no servi-ço público essencial decorre maisdos potenciais danos infringidos aousuário do que à administração, oque justifica que a lei preveja comoúnicas exceções a tais obrigações asgreves em defesa da ordem consti-tucional ou de protesto por graveseventos lesivos da incolumidade eda segurança dos trabalhadores,conforme art. 2º, par. 7º, da Lei n.146/2000 (cf. Sentença n. 27, de 10de junho de 1993).

Além do estabelecimento daduração, a lei reenvia aos contra-tos coletivos – como conteúdo obri-gatório – a fixação de intervalosmínimos entre a efetivação de uma

8(de evitar que, por efeito de greves proclamadas em sucessão por sujeitos sindicais diversos eque incidam sobre o mesmo serviço final ou sobre a mesma bacia de utilização, fique objetiva-mente comprometida a continuidade dos serviços públicos).

greve e a proclamação da sucessi-va, com o expresso escopo “adevitare che, per effeto di scioperiproclamati in successione da sogettisindacali diversi e che incidonosullo stesso servizio finale o sullostesso bacino di utenza, siaoggettivamente compromessa lacontinuitá dei servizi pubblici”8

(art. 2º, par. 2º, introduzido pela Leinº 83/2000).

Tal regra de “rarefação ob-jetiva” visa fragmentar temporal-mente as proclamações de greve desindicatos distintos que atuam namesma base, de modo que a grevepatrocinada por um deles impeçapor um certo tempo o advento degreve proposta por outro em rela-ção ao mesmo serviço final. Am-plia-se, deste modo, a “rarefaçãosubjetiva” via de regra prevista nasdisciplinas setoriais e que impõeintervalos mínimos entre grevespromovidas pelo mesmo sindicato.

Cessada a greve, a prontareativação dos serviços é imposta àadministração ou à empresaprestadora (art. 2º, par. 6º), sendoque algumas disciplinas setoriaisnegociadas prevêem que os traba-lhadores devem prestar serviçosextraordinários ou suplementares,caso necessários para a imediatanormalização.

3.4 Continuidade dos serviços in-dispensáveis

A modalidade da greve –declarada na proclamação – deve-rá ser compatível com a garantia decontinuidade de prestação dos ser-viços indispensáveis, os quais, como

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visto, são de antemão acertadosentre as partes no âmbito dos con-tratos coletivos. Quanto a este as-pecto os contratos são dotados deeficácia geral, sujeitando também ostrabalhadores não sindicalizados eos sindicatos aderentes não estipu-lantes, já que a obrigação de“contemperamento” entre o exer-cício do direito de greve e os direi-tos da pessoa constitucionalmentetutelados não deriva do acordo, masdo próprio sistema constitucional(GIUGNI, 2006).

Assim, o direito de greve temseu exercício condicionado a ado-ção de medidas efetivas destinadasa consentir o fornecimento das pres-tações indispensáveis a garantir suafinalidade (art. 2º, par. 1º). As obri-gações correlatas recaem não ape-nas sobre os sujeitos que procla-mam a greve ou que a ela adiram,mas também sobre a administraçãoou empresa fornecedora do serviçoessencial (art. 2º, par. 3º). Mesmonos casos de desoneração dos requi-sitos de pré-aviso e “durata” (cf.supra) remanesce a obrigação daprestação indispensável, indepen-dentemente da dimensão ou dosmotivos da greve.

Disposto a não sacrificar emexcesso o direito de greve, a legisla-ção comanda que em geral as fon-tes coletivas limitem a noção deindispensabilidade ao máximo de50% dos serviços normais – levan-do em conta a disponibilidade deserviços alternativos – e à quota es-tritamente necessária não superiora 1/3 do pessoal habitualmenteutilizado (art. 13, par. 1º e art. 2º,par. 2º).

Evidente que os conteúdoscontratuais variam radicalmente

em face da peculiaridade de cadaramo de atividade. Há aqueles emque - seja pela natureza, seja pelaoferta de serviços alternativos - umamuito reduzida prestação é sufici-ente para suprir a indispensa-bilidade. Já em outras os contratosestipulam a chamada “franchigie”,ou seja, períodos de vedação totalde greves, notadamente em fériasde verão, natal e eleições, por partede categorias envolvidas no trans-porte público (VALLEBONA,2007).

O reenvio da regulamentaçãoàs fontes autônomas não exclui aatuação da autoridade política noscasos extremos em que haja neces-sidade urgente de tutelar a ordem ea segurança pública, se não contem-pladas eficazmente pela atuação daspartes envolvidas no conflito de greve.

Tal intervenção se dá atravésdo instituto da “precettazione”, oque em português poderia ser tra-duzido por preceituação (ato depreceituar, de estabelecer como pre-ceito, de prescrever, dar ordens einstruções – Dicionário Brasileiroda Língua Portuguesa – Mirador).

A Lei n. 146/90 em verdadeimportou para as situações de gre-ve instrumento de previsão geralcontida em uma lei de segurançapública datada de 1934 (n. 383/34). Conforme redação conferidapela Lei n. 83/2000, a preceituaçãoconsiste em uma ordem administra-tiva contendo as medidas necessá-rias a prevenir o prejuízo aos direi-tos da pessoa constitucionalmentetutelados, a serem adotadas quan-do subsiste o fundado perigo de umprejuízo grave e iminente a tais di-reitos que pode ser ocasionado pelainterrupção ou alteração do funcio-

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namento dos serviços públicos es-senciais conseqüente de uma grevede empregados ou de uma absten-ção coletiva de trabalhadores autô-nomos (art. 8º, par. 1º).

A precettazione não tem porfunção avaliar ou sancionar umagreve eventualmente ilegítima, masa de prevenir perigos graves e imi-nentes dela decorrentes, estandovoltada para a tutela da saúde esegurança da população. Operasobre um plano completamenteautônomo e distinto em relação aospoderes da Comissão de Garantia,da qual, todavia, provém via deregra a iniciativa de assinalar àautoridade competente a possibi-lidade de greve com situação deperigo (art. 8º, par. 1º, e art. 13).(VALLEBONA, 2007).

Os poderes de preceituaçãosão atribuídos ao Presidente doConselho de Ministros, ou a umMinistro por ele indicado, em con-flitos de relevância nacional ouinter-regional, ou aos Prefeitos nocaso de greves de âmbito restrito.São, em suma, as mesmas autori-dades perante as quais se proces-sam as conciliações administrativas(cf. supra). Como destinatários dosprocedimentos estão as organiza-ções proclamantes da greve ou abs-tenção coletiva, os grevistas singu-larmente considerados, a adminis-tração ou a empresa responsávelpelo fornecimento dos serviços, emcoerência com o princípio de quetodos devem colaborar para asse-gurar adequados níveis de funcio-namento do serviço compatíveiscom a salvaguarda dos direitos dapessoa constitucionalmente tutela-dos (art. 8º, par. 2º). As ordens de-vem ser amplamente comunicadaspela autoridade aos destinatários

e ao público em geral, por meioseficazes de publicidade descritos noart. 8º, par. 3º).

A autoridade deve, antes detudo, conclamar as partes a desis-tir dos comportamentos geradoresde perigo. Não atendida e configu-rado o risco, estará legitimada aexpedir as ordens de preceituação- ao menos 48 horas antes da para-lisação - devidamente motivadas elimitadas no tempo. Sem a facul-dade de impedir a greve, a autori-dade pode dispor seu diferimentopara outra data, unificando para-lisações já proclamadas ou reduzin-do a duração da abstenção (art. 8º,par. 2º, sendo prevalente a correntejurisprudencial que reputa ilegíti-ma a ordem de adiamento detodas as greves programadas -c f . Tribunale AmministrativoRegionale Lazio, Sentença 1.110/2005).

Sem efeito suspensivo (art. 10,par. 1º), os destinatários da pre-ceituação podem impugná-laperante os tribunais regionaisadministrativos no prazo de setedias a contar da publicação da or-dem. Ante o mero “fumus” de pro-cedência da impugnação o tribunaljá em primeira audiência pode sus-pender parcial ou totalmente a efi-cácia da ordem, em nome da rele-vância do direito de greve, o queconfirma que a “precettazione” énão apenas “extrema ratio”, comotambém deve ser contida no âmbi-to estritamente necessário ao seuobjetivo (VALLEBONA, 2007).

4 A COMISSÃO DE GARANTIA

No contexto dos serviços pú-blicos essenciais, a autonomia cole-

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tiva deixa de ser plena, assumindonatureza de autonomia “guidata”e “controllata”9 (CURZIO, 1992,“apud” GIUGNI, 2006). Com efei-to, aos limites diretamente ope-rantes negociados pelas partes noâmbito dos contratos coletivos, sesobrepõe uma avaliação de idonei-dade dos conteúdos, a cargo das“comissões de garantia” (art. 12, Lein. 146/1990).

Trata-se de mais um protago-nista, o qual se relaciona diretamen-te com a autonomia coletiva, coma autoridade “precettante” e comas associações de consumidores eusuários, visando“garantir” tanto odireito de grevequanto o atendimen-to das necessidadesgerais. A intençãodo legislador é certa-mente a de excluir arelação direta entreo conflito e o judi-ciário, ou seja, entreo juiz e os princípiosgerais abstratos, dedifícil individualização e concre-tização no ambiente de cada grevepeculiar.

A comissão de garantia éuma autoridade administrativa deindicação parlamentar compostade nove membros, escolhidos entreespecialistas em matéria de direitoconstitucional, direito do trabalhoe de relações industriais, nomeadospelo Presidente da República sobdesignação do Presidente da Câma-ra. Seus integrantes gozam de es-tabilidade e inamovibilidade nocurso do mandato e não se subor-dinam a qualquer autoridade polí-

9(guiada e controlada).

“Trata-se de mais um protago-nista, o qual se relaciona di-retamente com a autonomiacoletiva, com a autoridade“precettante” e com as associa-ções de consumidores e usuári-os, visando “garantir” tanto o di-reito de greve quanto o atendi-mento das necessidades gerais.A intenção do legislador é cer-tamente a de excluir a relaçãodireta entre o conflito e o judici-ário, ou seja, entre o juiz e osprincípios gerais abstratos, dedifícil individualização e concre-tização no ambiente de cadagreve peculiar.”

tica.

A principal tarefa da comis-são é a de avaliar a idoneidade dosacordos coletivos e dos códigos deregulamentação dos trabalhadoresautônomos quanto ao conteúdodas cláusulas limitativas de greveno serviço público essencial. Emcaso de avaliação negativa, a Co-missão deve formular proposta àspartes. Não havendo aceitação daproposta, a Comissão emana deli-berações próprias a respeito dasregras de exercício da greve, aptasa realizar a multicitada harmoniaentre os direitos constitucionais

( r e gulamentaçãoprovisória). Tais de-liberações são sem-pre provisórias por-que podem a qual-quer momento serrevogadas por acor-do entre os litigantes,desde que chancela-da sua idoneidadepela própria Comis-são, a qual deve an-tes do nulla osta ou-

vir o parecer das associações de con-sumidores operantes no plano na-cional ou local, conforme seja o ní-vel da greve (art. 13, par. 1º, a).

Balizou a jurisprudência, emrejeição de inconstitucionalidade,que a atribuição da disciplina dagreve a fontes diversas da lei nãoviola a reserva legal do art. 40, daConstituição, entendida como reser-va relativa, a qual “não exclui que adeterminação de certos limites ou mo-dalidades de exercício do direito degreve possa emanar não apenas dasfontes estatais subprimárias, mas tam-bém da contratação coletiva... não sen-

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do possível formular regras uniformespara individuação das prestações in-dispensáveis..., tais prestações varian-do segundo o tipo de serviço e de or-ganização empresarial ou administra-tiva que o fornece... razão pela qual afixação ‘ex ante’ dos critériosconteudísticos de parte da lei é sub-rogada ao controle sucessivo, deman-dado a um órgão público, o qual deveverificar a idoneidade dos acordos co-letivos a respeito do escopo indicadono art. 1º, par. 2º, da Lei n. 146/90”(Corte Constitucional, Sentença n.344, de 18/10/1996).

À Comissão é atribuído poderde sanção em caso de descum-primento das regras por ela apro-vadas ou dela dimanadas, bemcomo a iniciativa de invocar aprecettazione em caso de perigograve e iminente à ordem e segu-rança públicas. Sua tarefa avalia-tiva somente incide sobre acordosdefinitivos, e não sobre meras pro-postas apresentadas unilateralmen-te por qualquer das partes. Sãouníssonas as deliberações da Comis-são se declarando incompetentepara qualquer questão relativa àtitularidade negocial dos sujeitoscoletivos (cf. Deliberações n. 15, de24/07/91; n. 97, de 15/05/97, en-tre outras).

5 AS SANÇÕES

Previamente à instituição das“comissões de garantia”, ante a au-sência de regulamentação heterô-noma, não havia sanções aos sindi-catos contra a violação dos pactua-dos códigos de comportamento. Emrelação ao trabalhador grevista erapossível eventual punição en-doassociativa, restrita aos afiliados.Vigoravam, por outro lado, as san-

ções relativas aos crimes previstospelos arts. 330 e 333 do código pe-nal (abandono individual ou cole-tivo de um serviço público), expres-samente revogados pelo art. 11, daLei n. 146/90.

Com a profunda intervençãoadvinda da Lei n. 83/2000, atri-buiu-se à Comissão de Garantiapapel central na apuração das con-dutas irregulares e na imposiçãodas penalidades. Instada por qual-quer das partes, ou ainda de ofício,a Comissão – investida do poder deavaliar o comportamento das par-tes envolvidas no conflito sindical(art. 4º, par. 4º e art. 13) - dá inícioao procedimento administrativopróprio, notificando o acusado einstaurando o contraditório (atra-vés da Sentença n. 57, de 20/02/95, a Corte Constitucional firmoua necessidade de observância docontraditório perante a comissão degarantia). Avaliado negativamen-te o comportamento, são determi-nadas as sanções e os prazos decumprimento, tudo obviamentepassível de impugnação perante asvias judiciais.

Com relação ao trabalhadorque participa de uma greve ilegíti-ma, ou que atua ao desbordo deuma proclamação legítima, podemser cominadas sanções disciplina-res, com exceção do despedimento(art. 4º, par. 1º). Não se trata desanção afeita ao poder disciplinardo empregador, o qual sequer podeavaliá-la ou renunciar sua aplica-ção, a tempo e modo determinadospela comissão, sob pena de tambémele ser punido administrativa epecuniariamente.

Já as organizações obreirasque proclamem ou adiram à greve

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sem observância dos requisitos pró-prios (pré-aviso, comunicação es-crita da duração, modalidade e mo-tivação, garantia de prestação in-dispensável, aguardo dos procedi-mentos de conciliação) se sujeitama três ordens de apenamento, deíndole civil, administrativa e pecu-niária, a critério da “comissão degarantia”: a suspensão das licençasremuneradas dos sindicalistas; aperda das contribuições contratuaisem favor da previdência pública; aexclusão das negociações.

Os dirigentes responsáveispela administração pública, bemcomo os representantes legais dasempresas privadas fornecedoras deserviços essenciais, são sujeitos apenalidades administrativas (sus-pensão ou perda do cargo) epecuniárias quando não garantama prestação indispensável ou qual-quer obrigação disposta nos acordoscoletivos ou na regulamentação pro-visória ditada pela comissão de ga-rantia. Nas mesmas hipóteses sãosancionados civilmente os organis-mos associativos dos trabalhadoresautônomos, profissionais liberais epequenos empreendedores.

As penas impostas pela co-missão de garantia não excluemeventuais sanções civis e penais emcaso de prejuízos a terceiros.Como exemplo, cita-se o caso daincriminação por homicídio culpo-so dos responsáveis por greve ile-gítima no setor sanitário e queresulta diretamente da paralisa-ção a morte de um paciente(VALLEBONA, 2007).

Além da função consultivaacima mencionada, as associaçõesde consumidores e usuários dis-

põem de expressa e taxativalegitimação para agir em juízo con-tra os sindicatos obreiros que revo-guem injustificadamente uma gre-ve já proclamada e comunicada(“efetto annuncio”) e contra a em-presa que deixe de prestar eficazinformação ao público acerca dofornecimento dos serviços indispen-sáveis, seja no curso da greve ou nafase de reativação, ou, ainda, dian-te de qualquer transgressão preju-dicial aos direitos dos usuários deusufruir dos serviços públicos se-gundo “standard” de qualidade eeficiência (art. 7º).

Tais ações judiciais prescin-dem de procedimentos prévios con-ciliatórios, destinando-se via de re-gra a obter cautelarmente a cessa-ção da conduta lesiva ou a ressar-cimentos específicos, ainda que ape-nas a obtenção da publicação emjornais da sentença incriminatória,sendo o ressarcimento pecuniárioreservado ao usuário singular even-tualmente lesado.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A visão geral da lei acima re-ferida demonstra ter sido grande adificuldade enfrentada pelo legisla-dor em sua elaboração, dada a atua-ção dos diversos agentes sociaisenvolvidos. A atividade sindical ita-liana é tão intensa que o verbo“scioperare” (“grevear”???) temsua conjugação conhecida até pe-las crianças. No entanto, seja naItália seja no Brasil as greves temocorrido atualmente em maior nú-mero no serviço público do que noâmbito privado, incidindo no maisdas vezes sobre serviços de granderelevância social.

As limitações impostas aoprincípio da autotutela encontram

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sua justificativa na defesa de direitosconstitucionais de terceiros, quais se-jam os usuários dos serviços públi-cos essenciais. São freios e contrape-sos próprios do objetivo de“contemperare l’esercizio deldiritto de sciopero com il godimentodei diritto della persona, costituzio-nalmente tutelati” (art. 2º).

Não se olvide que a Organi-zação Internacional do Trabalho(OIT) através do Verbete 533, de seuComitê de Liberdade Sindical, dis-põe que o direito de greve pode serobjeto de restrições, inclusive deproibições, quando se tratar de fun-ção pública ou de serviços essenciais.No mesmo diapasão, a própria De-claração Universal dos Direitos doHomem, de 1948, prescreve que odireito de greve será exercido de con-formidade com as leis de cada país,sendo que elas podem prever limi-tações no interesse da segurançanacional ou da ordem pública, oupara proteção dos direitos e liberda-des de outrem (FREDIANI, 2001).

Em nosso país, alguns dosinterlocutores sindicais ainda nãoparecem convencidos de que a leipossa impor limites à greve alémdaqueles já previstos na norma ge-ral ditada pela Lei n. 7.783/89. Deoutra parte, o projeto que se pre-tende enviar ao Congresso apre-senta pontos retrógrados, comoaquele que impõe regras de vali-dade para assembléias, ressuci-tando a lei de greve do regime deexceção (Lei n. 4.330/64) e ferindode morte o princípio de autonomiainscrito no art. 9º, da Constituição.Por outro lado, os usuários não dis-põem de força de pressão organi-zada apta a influir no processolegislativo.

Em que pese a comumlatinidade, a tradição brasileira di-fere muito da italiana no que se re-fere aos conflitos trabalhistas. Já apartir da ausência de pluralismosindical e da pouca credibilidadedos nossos sindicatos corporativos,debilita-se a noção de autonomiacoletiva e, conseqüentemente, a hi-pótese de auto-regulamentação. Oestabelecimento de organismosheterônomos, como as “comissõesde garantia”, conflita com nossohábito de exclusiva e imediata sub-missão ao judiciário. As ordens im-postas aos grevistas através de atode autoridade (precettazione) se-rão sempre fonte de conflitos, comose pode inferir dos acontecimentosverificados na recente crise do con-trole aéreo.

Enfim, no setor público sequerdispomos de mecanismos formaisde negociação. A Convenção n.151/1978, da OIT, “relativa à pro-teção do direito de organização eaos processos de fixação das con-dições de trabalho na função pú-blica” não foi ratificada pelo Bra-sil, ao contrário da Itália, que a re-conheceu no ano de 1985.

Qualquer legislação sobregreve nos serviço públicos essenciaisanterior ao advento de reforma sin-dical e sem o prévio reconhecimen-to de eficácia das fontes negociaisparece estar fadada ao fracasso noque tange ao objetivo de “contem-peramento” entre o direito de gre-ve e os direitos da pessoa constitu-cionalmente tutelados.

Seriam os institutos postos nalegislação italiana aceitos no Brasil?Para isto, seria antes de tudo neces-sário que os protagonistas princi-

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pais entendam com clareza que nãose trata de elisão do direito de grevee nem de defesa do Estado, mas simde garantir que a paralisação – semprejuízo de sua função de luta – nãoatinja o núcleo essencial dos interes-ses de terceiros a ele alheios. Obvia-mente que não se pode encarar talquestão sob a mesma ótica utiliza-da nos conflitos clássicos entre capi-tal privado e trabalho.

Para a maioria da populaçãobrasileira interessa – ainda mais queo controle de vôo – o fornecimentode serviços essenciais de saúde, se-gurança e instrução. Os trabalha-dores públicos organizados bemcomo os empregados privados queprestam serviços essenciais devemencarar a inevitabilidade de impo-sição de certos conteúdos limitati-vos ao seu direito de greve, justa-mente em defesa dos interesses ge-rais – e não estatais - dos quais co-mungam os próprios obreiros.

Será fundamental, de outraparte, desonerar o judiciário da im-própria tarefa de determinar “aposteriori”, em cada greve concre-ta, as medidas de continuidade dos

serviços indispensáveis. Isto cabeantes de tudo às próprias partes, dasquais se espera o amadurecimentoque o momento e que a matéria exi-gem. Roma, abril de 2007.

REFERÊNCIAS

CALAMANDREI, Pietro. Il signi-ficato costituzionale del diritto disciopero. Riv. Giur. Lav., I, 221; orain Opere giuridiche.

FREDIANI, Yone. Greve nos ser-viços essenciais à luz da Consti-tuição Federal de 1988. LTr, 2001.

GIUGNI, Gino. Diritto Sindacale.Bari: Cacucci, 2006.

PERONE, Gian Carlo. A ação sin-dical nos Estados-Membros daUnião Européia. LTr, 1996.

ROMANI, Mário. Appunti sullevoluzione del sindacato. Roma:Edizione Lavoro, 2000.

VALLEBONA, Antonio. Le regoledello sciopero nei servizi pubbliciessenziali. Torino: G. Giappichelli,2007.

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