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ESTAÇÃO INTERMODAL COMO GERADOR DE CENTRALIDADES METROPOLITANAS: O NÓ METROFERROVIÁRIO DA LUZ Autor: Lourenço Urbano Gimenes

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ESTAÇÃO INTERMODAL COMO GERADOR DECENTRALIDADES METROPOLITANAS: O NÓ

METROFERROVIÁRIO DA LUZ

Autor: Lourenço Urbano Gimenes

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1º Concurso de Monografia CBTU 2005 – A Cidade nos Trilhos

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RESUMO

A intermodalidade de transporte é uma parte crucial da organização das metrópolescontemporâneas, pois é na estação intermodal onde se dá o maior potencial de articulação funcionale espacial entre as diferentes escalas da metrópole – seja pela capacidade de transporte, pelaabrangência ou pela possibilidade de viabilizar centralidades através das características anteriores.Desta forma, organiza funções em escala local e as vincula a uma lógica metropolitana,relacionando-as a outras centralidades de forma complementar. A estação intermodal, portanto, aogerar centralidade, atua como nó de uma rede urbana potencialmente eficiente. Esta análise éproposta no capítulo 1 desta dissertação, no item 1.1, onde maior ênfase será dada ao sistemametroferroviário por sua característica de maior capacidade de transporte e conexões e possibilidadede implantação dentro de tecidos já urbanizados.

Em 1.2 e 1.3 propõe-se uma apresentação terminológica e conceitual dos termos que serãoempregados ao longo dos demais capítulos. Abordagens sobre mobilidade, acessibilidade, micro emacroacessibilidade, ambiente de mobilidade, nó e lugar são revistas a partir da visão de diversosautores e orientações, permitindo a elaboração precisa do conceito adotado neste trabalho.

Sendo a estação intermodal o equipamento que melhor responde a uma necessidade vital dametrópole – a eficiência do transporte de massas –, sua discussão é premente na realidadepaulistana. O capítulo 2 parte da suposição de que a estação da Luz, que será o maior nó detransporte intermodal com a efetivação do PITU2020, é potencial centralidade funcional baseada notransporte metroferroviário. O item 2.1 apresenta o bairro da Luz. Em 2.2, os transportes urbanossão mostrados como elemento essencial no crescimento de São Paulo desde a sua fundação, noséculo XVI, quando atuava como confluência de rotas comerciais. Em 2.3, o texto analisa ascentralidades já consolidadas da Região Metropolitana de São Paulo. Propõe-se mostrar como arelação entre as centralidades, por não ser amparada por rede de transporte adequada, não constituiatualmente uma rede eficiente.

O recorte proposto nesta monografia permitiu o estudo de casos onde o equipamento de transportecontribui para a viabilidade de centralidades, bem como para a consolidação do papel regional – e,às vezes, nacional e internacional – das cidades que o abrigam. Estudos de caso internacionaispermitem constatar como estações metroferroviárias podem organizar atividades econômicas emescalas diversas, característica que se propõe, neste trabalho, ser possível na Luz no futuro. Ocapítulo 3 retoma, no item 3.1, a importância da mobilidade como elemento estruturadormetropolitano e aprofunda o papel específico dos nós metroferroviários como geradores decentralidade. A base conceitual deste capítulo é extraída de textos dos autores Luca Bertolini e TejoSpit, de cuja obra são extraídos os estudos de caso (item 3.2), que foram aqui aprofundados eatualizados. Os limites de paralelismo entre esses casos e a Luz são abordados no item 3.3.

O capítulo 4 conclui a pesquisa com foco na região da Luz.

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SUMÁRIO

1 CONCEITUAÇÃO ........................................................................... 3

1.1 Mobilidade como atributo fundamental da dinâmica metropolitana.... 3

1.2 Terminologia ........................................................................................ 4

1.3 Nós e lugares da intermodalidade ........................................................ 6

2 A METRÓPOLE PAULISTANA E A REGIÃO DA LUZ ............ 8

2.1 Luz ....................................................................................................... 8

2.2 O transporte na estruturação da metrópole de São Paulo ..................... 14

2.3 RMSP: nós e lugares ............................................................................ 19

3 INTERMODALIDADE E CENTRALIDADE ............................... 24

3.1 Estações intermodais: equipamentos para a mobilidade e a

estruturação metropolitanas......................................................................... 24

3.2 Estudos de casos ................................................................................. 30

3.2.1 Utrecht Centraal ............................................................................ 31

3.2.2 Euralille ........................................................................................ 35

3.2.3 King’s Cross – Saint Pancras ....................................................... 39

3.3 Considerações sobre a luz: possibilidades e limites de paralelismo .. 43

4 CONCLUSÃO .................................................................................. 42

5 BIBLIOGRAFIA .............................................................................. 44

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1 CONCEITUAÇÃO

1.1 Mobilidade como atributo fundamental da dinâmica metropolitana

Aujour’hui, on observe une transformation profonde des rithmes de la vie cotidiennequi fait évoluer les pratiques de mobilité et pose des problèmes nouveaux à lagestion urbaine et à l’organisation des transports. (Bailly e Heurgon, 2001:5)

A evolução de padrões econômicos típicos das três últimas décadas do século XX têm influenciadodiretamente a vida urbana. De um lado, o intenso fluxo produtivo e financeiro internacional, umadas faces mais reconhecidas deste período, resulta em entidades de comando de uma economia quenão conhece restrições geográficas – as chamadas Cidades Mundiais (Sassen, 1998). De outro lado,os reflexos da internacionalização da economia são perceptíveis em escala urbana e regional atravésdas forças de concentração e dispersão de atividades que caracterizam a metrópole contemporânea.Esta reconcentração seletiva é possibilitada pelo desenvolvimento das redes de telecomunicação,mas é efetivada por redes de transporte coerentes com o significativo acréscimo de fluxo humanogerado.

O mito alarmista da década de 80 de que as cidades poderiam desaparecer através da evolução datecnologia de comunicação parece menos provável quanto mais esta tecnologia possibilita odesenvolvimento econômico e o adensamento de centralidades terciárias. As análises de declíniodemográfico e econômico de importantes cidades européias e americanas nos anos 60 e 70 criaramsobre as análises dos anos seguintes a expectativa de que a cidade perderia importância. Essaperspectiva messiânica desconsiderava, segundo Sassen (1998:13), que era o próprio topos o quetornava esta nova economia possível: seu componente mais significativo é a concentração de umainfra-estrutura extremamente diversificada e especializada, capaz de polarizar o gerenciamento dasempresas espalhadas por todo o mundo. O crescimento expressivo da economia terciária aliada àdescentralização das atividades de produção no mundo produziu, a partir da década de 80, cidadescom alta concentração de serviços financeiros, administrativos e gerenciais. Resultado disso é quedeterminadas cidades, em função de sua importância estratégica regional e internacional, sofrerammodificações econômicas bastante importantes e, conseqüentemente, formais e funcionais (Grahame Mavin, 2001:14). A metrópole contemporânea abandona a supremacia da forma para ganhar emtermos de função, deixa de ter espaço para ter tempo:

Na metrópole moderna o crescimento ilimitado produziu um organismo expandido,extenso, multifacetado e setorizado, onde o traçado viário buscava reforçar aestrutura e fazer face à dispersão; já na metrópole contemporânea, a forma e acontinuidade do tecido urbano deixam de ser metas para tornarem-se condicionantes.(...) A dinâmica que se instalou no território metropolitano contemporâneo está,aceleradamente, diluindo a forma urbana (Meyer, 2000).

Os limites físicos e administrativos das cidades são continuamente questionados pelo crescentefluxo de pessoas que faz da cidade uma rede de centralidades. A importância da comunicação e da

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mobilidade, ao mesmo tempo causas e conseqüências da dinâmica de uma reconcentração seletiva,traduz-se idealmente pela maior circulação de pessoas através de estações intermodaismetroferroviárias, que são os mais fortes elos físicos entre os centros econômicos da metrópole,como será demonstrado adiante.

A organização do transporte metropolitano de massa, segundo Meyer, Grostein e Biderman(2004:30), desempenhará um papel crucial no atual padrão de transformação da metrópole. Nestecenário, as estações intermodais assumem um papel importante para a efetivação e sustentação dasmudanças assinaladas. Por suas características, como será visto no capítulo 3.1, as estaçõesintermodais têm se provado motores eficazes para a criação de centralidades.

SÃO PAULO

Na década de 1980, a América Latina vivia uma crise da dívida e deterioração do comércio que lheimpôs um atraso adicional em relação ao bloco desenvolvido. A derrubada da reserva de mercadobrasileira e a retomada econômica da década de 1990 foram, assim, importantes para que o Brasil e,mais especificamente, a cidade de São Paulo, acordassem para uma vocação econômicadiferenciada.

Se for verdade que as tecnologias da informação, segundo Bailly e Heurgon (2001), procedem maispor adição que por substituição, o mesmo não poderia deixar de ocorrer com a transição entre ostipos de metrópole moderna e contemporânea apontados por Meyer (2000). O novo modelo nãoanula o anterior. Assim, se São Paulo demonstra uma vocação para o fluxo financeiro estratégicoem termos nacionais e, mesmo, latino-americanos, seus contrastes internos (principalmente ossociais) intensificados no seu período ‘moderno’ não poderiam ser imediatamente superados.

Os transportes urbanos, em São Paulo, sofreram um impacto muito grande com a mudança do perfileconômico da metrópole. A metrópole sempre cresceu em função de um parcelamento abusivo edesregrado e de uma política de transportes falha. Com o Plano Real, no início da década de 1990, oacesso a crédito motivou a rejeição sistemática ao ônibus. O metrô, durante muito temponegligenciado, vem recebendo ultimamente alguma atenção, mas seu atraso é notório secontemplada a escala da metrópole. Dentro dessa realidade, o Plano Integrado de TransportesUrbanos (PITU2020) tem se mostrado um instrumento bastante importante para a reestruturação dotransporte metropolitano. A compatibilização da rede da CPTM à rede de metrô, entre outrasprovidências previstas no plano, amplia a rede de transporte de alta capacidade e interliga centros esistemas antes desconexos.

Na reestruturação do transporte coletivo evidencia-se a estação da Luz, escolhida para setransformar no maior nó de transporte metropolitano brasileiro. Próxima do Centro Histórico, doeixo viário Norte-Sul e de vias de escala metropolitana (marginal do Tietê e Av. do Estado), abriga4 linhas de trem e 2 de metrô, além de contar com terminais de ônibus nas imediações e previsão delinhas inter-aeroportos. A importância da Luz será abordada no capítulo 2.

1.2 Terminologia

MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE

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Apesar de se tratarem de termos amplamente utilizados, os conceitos de mobilidade e acessibilidadeoferecem grande diversidade de interpretações de acordo com o universo técnico abordado ou ointeresse discursivo de cada autor.

Uma visão mais tradicional, ensina Vasconcellos (2001:40), define mobilidade como a “habilidade”humana de “movimentar-se em decorrência de condições físicas e econômicas individuais”. Naengenharia de transportes, mobilidade revela a quantidade média de viagens diárias de uma pessoaresidente numa determinada região, independente de onde ou como a viagem é feita. No livro ‘SãoPaulo Metrópole’, os autores definem mobilidade como sendo “o conjunto de deslocamentos dapopulação no território” (Meyer, Grostein e Biderman, 2004:28). No entanto, ao estabelecer que“mobilidade une lugares e não apenas pontos longínquos”, os autores sugerem que esse “conjuntode deslocamentos” não é apenas um dado inerte, restrito apenas a quem se desloca, mas estabelecerelação sutil entre a “população” e a função contida numa centralidade (“lugar”).

A acessibilidade, no estudo acima citado, é definida como ”a possibilidade física de realizaçãodesses deslocamentos”, e refere-se, principalmente, à disponibilidade de vias e meios de transporte.Assim, a acessibilidade seria o sustentáculo físico de uma dinâmica social e econômica expressapelo termo mobilidade. Essa definição de acessibilidade aproxima-se do conceito de acessibilidadeutilizado na engenharia de transportes, onde subdivide-se em dois termos: a macroacessibilidaderefere-se à facilidade de cruzar um território. Numa escala metropolitana, macroacessibilidade éassociada às redes viárias de transporte motorizado. A microacessibilidade refere-se à facilidade deaceder a um meio de transporte ou a um destino final a partir dele. A microacessibilidade é,portanto, um componente da macroacessibilidade, sendo que esta confunde-se com o próprioconceito de acessibilidade.

Já para Moseley (apud Vasconcelos, 2001:40), acessibilidade é a mobilidade destinada à satisfaçãode necessidades. Neste caso, acessibilidade não é apenas compreendida como facilidade de cruzar oespaço, mas a facilidade de chegar aos destinos. Em que pese seja mais completa que a noçãotradicional de mobilidade, esta visão ainda não dá conta da compreensão de um processo maisamplo de organização metropolitana.

O conceito de mobilidade de que se apropriarão os próximos capítulos refletem, principalmente, osentido expresso pela bibliografia estrangeira referenciada, e o conceito de acessibilidade conformesintetizado acima a partir da visão de Moseley. Portanto, mobilidade deverá ser entendido nestetexto como uma extensão do conceito de fluxos, enquanto capacidade de circulação qualificada numcontexto metropolitano. Ou seja, dentro do recorte do transporte de passageiros, mobilidade refere-se à capacidade, oportunidade e objetivo de deslocamento para ou entre centralidades econômicas, oque inclui a noção de acessibilidade.

À noção de mobilidade aqui empregada não se aplicam unidades de medida, uma vez que a análisese dá em nível abstrato e considera conjuntos variáveis de dados, cuja pertinência oscila de acordocom o objetivo de cada análise desejada. Portanto, problematizar acerca da contribuição quantitativada acessibilidade para uma maior mobilidade parece ser um raciocínio de muitas respostas. Damesma forma, relacionar aumento da quantidade, extensão e capilaridade dos modos de transportena metrópole a um aumento da mobilidade, apesar de sugerir implicação direta, não será umaequação convincente se não considerar questões sociais, geográficas, econômicas, políticas etc. Issoposto, sugere-se como possibilidade metodológica enfocar a análise num recorte menos abstrato,que é a estação modal como ambiente de mobilidade, como veremos a seguir.

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AMBIENTE DE MOBILIDADE

Elemento-chave desta dissertação, o conceito de ambiente de mobilidade é igualmente tratado deformas diferentes por autores diversos. Dear e Scott (apud Vasconcelos, 2001:34) chamam deambiente de circulação o espaço de transição entre o ‘espaço de produção’ e o ‘espaço dereprodução’. A distinção funcional entre as estruturas de produção/reprodução e de circulaçãoencontra no ambiente de circulação uma síntese. A noção de ambiente de circulação carece deespecificidade metropolitana e, sobretudo, diz respeito ao conjunto total dos elementos urbanos.

Uma abordagem mais adequada quanto a escala e função é proposta por Nigriello, Pereira e Metran(2002:93): pontos de articulação são “lugares do espaço urbano com demanda de transporte eadensamento significativos (...) em função do potencial de desenvolvimento a eles intrínseco. Neles,a articulação entre a rede de transporte e a concentração de atividades merece especial atençãoporque responde, ao mesmo tempo, a objetivos do planejamento urbano e do planejamento detransportes”.

Na mesma linha, Meyer, Grostein e Biderman (2004:164) denominam pólos de mobilidademetropolitana localizações urbanas precisas onde se articulam funções de abrangênciasmetropolitana e local através de (ou associado a) um pólo de transporte público de massa. O vínculoao transporte de massa, segundo os autores, diferencia esses pólos de outras formas de agregação defunções e de mera coesão territorial, pois é capaz de estruturar todo o território metropolitano.Assim, os pólos de mobilidade metropolitana são considerados “o antídoto para a dispersãofuncional e a descontinuidade territorial”.

Para Bertolini (1999), a acessibilidade combinada com características de localização é capaz dedeterminar condições urbanas e econômicas específicas. Para o autor Ambientes de mobilidade, sãofruto da combinação entre acessibilidade e proximidade, e podem ser definidos pelo conjunto decondições de naturezas diversas (capacidade, velocidade e horários de transporte, diversidade deserviços, densidades funcionais, qualidade do espaço público etc.) que influenciam a presença depessoas num determinado local.

1.3 Nós e lugares da intermodalidade

Nó e lugar são identidades, embora contraditórias, da estação intermodal enquanto entidadegeográfica e funcional. Ela é um nó, um ponto de acesso a trens e outros modos de transporteinterligados, e é um lugar, uma parte específica da cidade com uma concentração de infra-estrutura,edifícios diversificados e espaços livres.

Nó é um elemento funcional de caráter objetivo e representa i) a interface entre a cidade e um modode transporte de relevância e ii) a interface entre diversos modos de transporte num único ponto.Desta maneira, um nó é apreensível e qualificável pela quantidade de pessoas que transporta, aquantidade de modos de transporte que interliga e a qualidade da transferência entre esses modosem relação ao número de usuários (eficiência relativa).

Lugar é um elemento de definição complexa, pois apresenta abordagens objetivas e subjetivas queaplicam-se com exclusividade a uma realidade específica. É um ambiente físico, que encontra notermo ‘espaço’ um bom sinônimo, e é também um entorno físico, que pode ser compreendido pelotermo ‘atmosfera’. Adaptado ao objeto de estudo aqui tratado, lugar pode ser entendido como o‘pedaço da cidade’ onde se localiza a estação. O lugar de uma estação na cidade, tem limites

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incertos: a influência de uma estação pode transcender em muito o seu entorno imediato, da mesmaforma que elementos vizinhos podem ter relação muito frágil com ela. Quatro abordagens básicaspodem ser identificadas para a definição de lugar, sendo que nenhuma esgota, individualmente, aanálise pretendida. São elas:

1. Raio de alcance a pé: a área de influência de uma estação é definida por uma área circular cujoraio é passível de ser vencido a pé em situações cotidianas. Alguns autores sugerem raios de 500m,enquanto outros preferem medida em tempo ( como ‘caminhada de 10 minutos’). A vantagem desseparâmetro são suas imparcialidade e fácil aplicação. Contra essa abordagem pesa a correspondênciaquase sempre inadequada à realidade funcional da vizinhança, com a qual geralmente não coincide,nem reflete o fator tempo x distância em todas as situações (considerando-se barreiras e acidentesgeográficos).

2. Elementos funcional-históricos: a área de influência é determinada pela soma dos elementos eequipamentos funcionais de forte relação com a rede de transporte. Ao considerar só o passado e opresente, limita a compreensão do potencial da área.

3. Topográfico: costuma ser uma demarcação retangular arbitrária que retrata a área de influênciada estação na cidade. Delimita um recorte no mapa da cidade que abrange elementos urbanossignificativos escolhidos com base em critérios pouco objetivos, mas pautados pelo ‘bom senso’ dodelimitador e pela ‘relevância’ dos elementos escolhidos. Esta abordagem une parâmetros deusuário e parâmetros funcionais, mas a sua definição é delicada e não é passível de verificação.

4. Perímetro de desenvolvimento: área definida por um estudo ou planejamento existente.Vantagens dessa abordagem são sua aplicabilidade a uma realidade palpável; maior coincidência,com limites administrativos e coincidência razoável com fronteiras funcionais. Entre asdesvantagens, pode-se apontar que áreas sob a influência da estação, mas negligenciadas no plano,são desconsideradas; que a perspectiva do empreendedor é geralmente parcial, o que contamina ouniverso considerado; e, finalmente, caso o plano seja mal elaborado, viciado ou incompleto, não secompreende o recorte e não se pode aplicar o parâmetro.

ESTAÇÕES: AMBIENTES DE MOBILIDADE

Alguns impactos positivos do desempenho de redes de transporte sobre redes sócio-econômicas sãoevidentes. No papel de principais nós de transporte, estações são freqüentemente associadas a nósde atividades sócio-econômicas: atividades tendem a se concentrar ao redor de nós de transportecomo estações intermodais, criando ambientes de mobilidade de significativa importância para acidade. Enquanto nó e lugar, a estação e seu entorno participam de uma escala mais ampla, umsistema de competição e complementação numa escala regional e, algumas vezes, até internacional.

Os ambientes de mobilidade têm nas estações intermodais o seu condicionante mais forte, o quedemonstra que acessibilidade não é somente uma característica do nó de transporte (estaçãointermodal), mas também é do local de atividades. Assim, um ambiente de mobilidade consolidadoé um lugar aonde muitas pessoas diferentes conseguem chegar, e também onde muitas pessoaspodem fazer coisas diferentes. A aplicação do conceito de ambiente de mobilidade a estaçõesintermodais constitui um passo em direção à integração das considerações de mobilidade eacessibilidade. Em poucas palavras, a estação intermodal, sendo nó e um lugar acessíveis,concretiza-se como elemento fundamental de organização metropolitana.

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2 A METRÓPOLE PAULISTANA E A REGIÃO DA LUZ

2.1 Luz

CONTEXTO

Com essa conclusão, o estudo “Área da Luz” sintetiza o seu diagnóstico do Bairro da Luz:

A Z8-007 não é, hoje, um centro administrativo, mas dispõe de equipamentosadministrativos de âmbito municipal e metropolitano. Não é um pólo comercial ou deserviço, mas dispõe de estabelecimentos comerciais e de serviço que estendem suaatração a níveis municipais e metropolitanos. Não é um núcleo industrial, mas possuigrande número de indústrias, de tipos variados, pulverizadas pela área. Não é um centrode transporte, mas dispõe de um terminal de transportes suburbanos de passageiros. Nãoé um centro de lazer e cultura, mas dispõe de equipamentos de lazer e cultura, queatendem a cidade e a Metrópole. (César, 1977:128)

As dicotomias existentes hoje no bairro, tão bem sintetizadas na frase acima, não permitemcompreender a real importância da região para a história da cidade de São Paulo. Ou talvez permita,nas entrelinhas, compreender que o bairro tem um potencial inatingido ou um sucesso estancado. Éum pouco dos dois.

Os Campos do Guaré eram uma enorme várzea pantanosa entre os rios Tietê e Tamanduateí, a doisquilômetros do “triângulo” ao qual se restringia a vila de São Paulo. O Caminho do Guarécomeçava no Mosteiro de São Bento e atingia o rio Tietê, de onde os tropeiros seguiam em direçãoa Minas Gerais. No último ponto seco do Caminho construiu-se uma pequena capela, por volta de1583. Em 1603, a capela recebe a imagem de N. Sa. da Luz, cuja fama rebatiza a região.

Ocupada inicialmente por fazendas de gado, nos séculos XVII e XVIII a região viu crescer omovimento comercial dos tropeiros e feirantes. Por causa do descobrimento do ouro em MinasGerais, pelo Caminho do Guaré chegaram a passar dois terços dos habitantes de São Paulo, queabandonaram a vila em busca de trabalho. Nessa época, São Paulo não era mais do que uma vilamuito pobre no entroncamento de cinco rotas comerciais.

A tímida vila sobre a colina, lentamente beneficiada pelo transporte de mercadorias, passou ainstalar no Guaré funções institucionais que já não cabiam mais no Triângulo. Foi assim que, em1774, destinaram-se os terrenos em torno da capela para a fundação de um convento, tornando oGuaré o primeiro transbordamento urbano para fora da colina histórica. O acesso se dava pela R. daConstituição, atual Florêncio de Abreu, onde se instalavam algumas das primeiras casas de melhorpadrão construtivo da cidade. Testemunho do prestígio da área foi a iniciativa de instalar aí o nobreJardim Botânico, em 1790, que foi inaugurado em 1825 como Jardim Público, hoje chamado deParque da Luz. O Jardim era o orgulho dos paulistanos. Antes da inauguração do Jardim, achava-se

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já concluída uma das maiores obras do período colonial: o Aterrado de Sant’Anna vencia a várzea eviabilizava o crescimento do comércio na região. A Avenida Tiradentes, que substituiu o Caminhoda Luz sobre o aterro, compunha com seus canteiros ajardinados um cenário urbano altamentesofisticado onde instalaram-se ainda diversos outros equipamentos administrativos, religiosos eculturais no século XIX.

O café, a partir da segunda metade do século XIX, viria alterar profundamente o perfil de SãoPaulo, justamente a partir da Luz. Os cafezais penetraram rapidamente a partir do Vale do Paraíbaem direção ao Oeste Paulista, onde encontram solo fértil e adequado à sua cultura. As novasdistâncias e a produtividade dos cafezais revelam a ineficiência do transporte tradicional. Com ocrescimento da demanda pelo produto no mundo, cresce a pressão pela implantação de umaferrovia. Com inéditas garantias do governo imperial, viabiliza-se a construção da linha férrea. Em1856 autorizou-se ao Barão de Mauá a construção da ligação entre Santos e Jundiaí.

A linha da São Paulo Railway (SPR) seria implantada entre 1862 e 1867, com 139Km totais.Dispunha de concessão de 90 anos a contar da inauguração e exclusividade de acesso ao Porto deSantos por 30 anos iniciais. O propósito da ferrovia era apenas o transporte de café entre o interior eSantos através dos terrenos secos e planos da Mooca, Brás, Pari, Luz, Barra Funda e Lapa. Suaprimeira estação para passageiros ocupou terreno ao lado do Jardim Público, de fácil acesso aocentro. O tráfego na SPR superou largamente a previsão, tornando-a altamente lucrativa. A cômodaexclusividade de acesso a Santos não estimulou a companhia a expandir sua rede, uma vez quequalquer outro sistema seria tributário seu. Visando escoar a produção desde a origem, até 1880formam-se outras companhias: Companhia Paulista de Estrada de Ferro, Estrada de FerroSorocabana, Estrada de Ferro Ituana, Companhia Mogiana de Vias Férreas e Estrada de Ferro Rio-São Paulo.

O primeiro boom provocado pelo início de operação da ferrovia coincide com o governo de JoãoTeodoro (1872-1875). Nesse período, a cidade conheceu o que alguns historiadores chamam de‘segunda fundação de São Paulo’, dado o grau dos investimentos e melhorias implantados.Significativamente enriquecida pelo café, a cidade recebeu grandes obras de infra-estrutura básica eviária, sendo a região da Luz uma das mais beneficiadas. Em 1872 iniciou-se a ocupação a leste daTiradentes e criou-se a ligação entre as estações da Luz e do Norte. As ruas passaram a teriluminação a gás e abriramse os principais eixos viários dos Campos Elísios, o primeiro bairroprojetado, destinado às elites cafeeiras. O bairro conhece uma ‘epidemia de urbanização’ cujoepicentro é a estação da Luz: bonde a tração animal, sistema de esgoto e outros melhoramentosqualificam ainda mais a região e incentivam o parcelamento do entorno. Bairros operários ocupam abaixada do Tamanduateí e a orla ferroviária, e a atividade econômica ganha impulso com amudança do comércio de gêneros agrícolas do Piques para a área das estações. A ferrovia promovegrande desenvolvimento no bairro, estimulando a instalação de comércio variado e serviços para osviajantes, como hotéis e restaurantes, e tornando o bairro o mais bem equipado da cidade.

A partir da década de 1870, São Paulo conhece um crescimento sem precedentes. O crescimento de700% em pouco mais de 25 anos causou um aumento sensível de loteamentos de diversos padrões eproliferação de cortiços na Luz. Nesta época, cerca de 50% da população paulistana era deimigrantes italianos. A maioria, descontentes com a lavoura do café, retornava à Cidade ealimentava uma indústria incipiente à beira das linhas de trem. A construção do viaduto do Chá, em1892, permite a conexão do Centro com a República e origina novos empreendimentos para a classemais abastada. A Luz vislumbra sua estagnação: com o crescimento ao norte dificultado pelasindústrias, a descontinuidade do tecido urbano em relação à linha férrea, os freqüentes alagamentosdos rios e a má fama das fábricas, a elite abandona os Campos Elísios apenas 20 anos após suainauguração para ocupar Higienópolis e a Av. Paulista. Dois fatores retardam a percepção dos

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problemas estruturais da região: a inauguração da estação da Sorocabana, em 1902, e a inauguraçãoda nova estação da Luz, em 1901. Esta, luxuosíssima e próxima ao Jardim, passa a ser um doslocais de encontro da elite paulistana.

Paralelamente ao último suspiro de progresso simbolizado pelas novas estações, agravam-se osproblemas da área: o rebaixamento da linha da SPR estabeleceu a Av. Tiradentes como principaltransposição, sobrecarregando-a; a relação da ferrovia com a cidade, baseada em transporte decargas e viagens longas, agrava a desconexão entre a linha e o tecido urbano; este, aliado àinflexibilidade da ferrovia, assiste aos parcelamento e uso aleatórios e contribui para o seuisolamento do Centro, contradizendo a importância dos equipamentos estabelecidos e a nobreza dosCampos Elísios. Posteriormente, no final da década de 1920, a inauguração do Parque da ÁguaBranca passa a rivalizar diretamente com o Parque da Luz, dissolvendo sua importância como pólode lazer. Em 1929, com a derrocada da economia cafeeira, a ferrovia deixa de ser o sustentáculoeconômico da Cidade.

O automóvel, que a partir do início do século apresenta substancial crescimento, enxerga no Planode Avenidas de Prestes Maia, de 1930, seu maior estímulo. Propunha a sistematização da malhaviária para reestruturar e reforçar o centro, priorizando a macroacessibilidade metropolitana efluidez de tráfego. Na Luz, o Plano fez-se presente através da integração da Av. Tiradentes aochamado ‘Sistema Y’ que, interligado à marginal do Tietê, reforçou sua função estratégica numaescala alheia à das demais ruas do bairro e acelerou a necrose do bairro. Portanto, a reestruturaçãoviária da Metrópole, ao priorizar o automóvel e a macroacessibilidade, minou o dinamismoeconômico que caracterizou a Luz no final do século XIX.

Na década de 1950, amparada no conjunto de intervenções de Prestes Maia, a Cidade experimentauma radical expansão do modelo rodoviarista e nega a ferrovia como potencial elemento detransporte urbano. Os trens de longo percurso dão lugar aos trens de subúrbio e, somados aoterminal de ônibus, implantado em 1961 em frente à estação da Sorocabana, aumentam adesvalorização da área com a injeção de enorme massa de trabalhadores.

A partir de 1968, com a fundação do Metrô, e do plano de implantação da primeira linha cruzando aLuz, enxerga-se a possibilidade reconversão da área. Em 1974, com a inauguração da Linha 1, aprefeitura decide ‘congelar’ o bairro através da nova lei de zoneamento, caracterizando-o como Z8-007. A intenção era que o bairro não sofresse, novamente, uma ocupação indiscriminada quepudesse afetar seu significado histórico. Pretendia-se estancar a pressão imobiliária até que fossecriado um plano de renovação. Imaginava-se que a área pudesse ser a continuidade do Centro, umavez que contava com facilidade de acesso, disponibilidade de terrenos ociosos e públicos epossibilidade de adensamento baseada em infra-estruturas reais. O plano foi concluído em 1979 enão viu a maior parte de suas idéias implantadas. Pior: as restrições emergenciais da Z8-007 foramingenuamente mantidas e contribuíram para uma maior decadência do bairro.

Atualmente, a região encontra-se deteriorada do ponto de vista urbanístico, ambiental, econômico esocial, embora abrigue importantes pólos de comércio especializado. Pela estação da Luz chegamhoje à região cerca de 50mil passageiros por dia, número que será elevado a cerca de 300 mil napróxima década e poderá chegar a 500 mil na seguinte através da reformulação e modernização darede da CPTM e integração operacional, física e tarifária entre as linhas 1 e 4 do metrô, previstas noPITU-2020 e no Projeto Integração Centro. Esses dados, associados aos predicados históricos eculturais do bairro, reforçam a urgência em se planejar a estação e o bairro da Luz para absorver opotencial de centralidade que, mais uma vez, poderá voltar a desempenhar.

A ESTAÇÃO DA LUZ – BREVE HISTÓRICO

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Por ser um equipamento voltado iminentemente para o transporte de café, a linha da SPRestabelecia poucos pontos de contato com a cidade. Para o tráfego de passageiros, poucas estaçõesforam previstas. A primeira e principal delas, justamente por ser o ponto de maior proximidade aoCentro, foi a estação da Luz.

Ocupando uma grande faixa de 45m suprimida em 1860 do Jardim da Luz, construiu-seinicialmente uma modesta estação junto ao Jardim. No próprio ano da inauguração, em 1867, dada asimplicidade da construção e inadequação ao tráfego do entorno, exigem-se melhorias. A segundaestação, mera ampliação da primeira e de padrão também muito simples, rapidamente se vêsaturada.

A renovação da exclusividade de acesso a Santos, em 1897, obriga a SPR a modernizar todas assuas instalações. A lucrativa companhia não mediu esforços para equipar suas estações,especialmente a da Luz, com o que houvesse de mais luxuoso. Fez construir aí um edifíciomonumental totalmente com materiais importados da Inglaterra. O novo edifício, inaugurado em1901, desenvolve-se sobre a calha rebaixada da ferrovia. Desta forma, a linha não obstruía mais otráfego na Av. Tiradentes e escondia as composições que cruzavam a cidade. Voltada para o Jardimo edifício ostenta na ala oeste uma enorme torre com relógio que virou marco na cidade. Pretendia-se configurar uma imponente ‘porta de acesso’ para São Paulo que, aliada ao Jardim,impressionasse os visitantes que nela encontravam o símbolo da definitiva transformação da antigavila em um dos centros da economia nacional.

A estação representa o ápice da economia cafeeira, mas marca também o declínio velado da região,apesar de ter se tornado ponto de encontro da elite quando de sua inauguração. O rebaixamento dalinha, apesar de interessante como obra de engenharia, não previu conexão adequada entre seusflancos norte e sul.

Em 1946 um incêndio destrói boa parte do prédio. A reconstrução, de 1947 a 1951, prevê aampliação do edifício com intuito de absorver um tráfego de passageiros 20 vezes maior que àépoca de sua construção original. Em 1976 o Condephaat inicia o tombamento do complexo,concluído apenas em 1982. Em 1995, passa a fazer parte do patrimônio nacional. Atualmente, doisprojetos estão em andamento no edifício. Um deles se refere à instalação do centro cultural ‘Estaçãoda Luz da Nossa Língua’. O projeto previa um centro de estudo da língua portuguesa e o restaurodas fachadas do edifício, este concluído em 2004. O outro projeto é a adequação da infra-estruturada estação para atender ao acréscimo de passageiros nos próximos anos. As intervenções respondema três quesitos básicos: dois deles são o atendimento a demanda de mais de 35mil passageiros porhora nos horários de pico e a integração física e operacional adequada entre as linhas A, B, D e E daCPTM e as linhas 1 e 4 do Metrô; o outro quesito é a criação de melhor integração física e funcionalcom o entorno imediato, gerando uma renovação consistente que possa irradiar para toda a região.

AMBIENTE DE MOBILIDADE

Como pôde ser observado a partir do histórico exposto, existe uma clara vinculação entre osequipamentos de transporte, a estrutura produtiva e a configuração espacial em todas as fases dodesenvolvimento da região da Luz.

Uma análise da acessibilidade da área sugere que há um descompasso substancial entre a macro e amicroacessibilidade. A macroacessibilidade pode ser identificada por alguns elementos-chave comoas linhas férreas e de metrô, o terminal de ônibus Princesa Isabel e o eixo norte-sul da Tiradentes.

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Todos eles dizem respeito à lógica metropolitana e conectam-se a importantes vias de longoalcance, como as Marginais do rio Tietê, as avenidas Nove de Julho e Vinte e Três de Maio, aslinhas 2 e 3 do Metrô e as linhas F e C da CPTM.

Chegam atualmente, nas imediações da Luz, um total de 118 linhas de ônibus que alcançam bairrosde toda as regiões da cidade. Dessas linhas, 40 têm seus pontos finais distribuídos de maneirafragmentada nas ruas do bairro, outras 23 utilizam o terminal Princesa Isabel como término e 55passam pelo bairro com outros destinos.

A instalação da Rodoviária junto à Praça Júlio Prestes, na década de 60, saturou as estreitas ruas dobairro. Em 1982, com a inauguração do Terminal Tietê, a região viu-se livre do movimento deônibus que não serviam diretamente ao bairro.

Na estação Júlio Prestes circulam os trens da Linha B, com movimentação diária deaproximadamente 10.000 passageiros. A estação Luz, por sua vez, é atendida pelas Linhas A, D e Ecom movimentação diária de aproximadamente 180.000 pessoas ao longo de sua extensão. Lê-se naconfiguração das linhas (quantidade e localização de estações, destinos etc.) e na organizaçãoespacial (trajetos) uma mistura da sua antiga função de apoio à produção e da sua conversão emtransporte suburbano a partir da década de 50. As linhas da CPTM têm baixa eficácia, hoje, quantoà comunicação de centralidades metropolitanas. No entanto, as ações previstas no PITU2020 têmalterado a função dessas linhas, qualificando-as ao transporte intraurbano: intervalos menores,novas estações, maior conforto e conexão à rede metroviária. Ações que, em sua maior parte,privilegiam a macroacessibilidade. Há de se mencionar, também, os projetos existentes de tremexpresso entre aeroportos.

A linha 1 do Metrô apresenta duas estações na área: Luz e Tiradentes, próximas à estação da Luz eà Fatec, respectivamente. Essa linha atravessa dois dos mais importantes centros metropolitanos deSão Paulo (o Centro Histórico e Av. Paulista), além de passar por outros bairros funcionalmenteimportantes, alimentar o Terminal Rodoviário Tietê (o maior e mais importante do país) e conectar-se às linhas 2 e 3 do Metrô. Pela linha 1 circulam 1.089.002 passageiros/dia-útil dos quais 72.000embarcam na Estação da Luz e 16.500 na Estação Tiradentes1. A linha 4 (Luz-Vila Sônia), que seencontra hoje em obra, passará, pelo Centro e pela Av. Paulista. Adicionalmente, atravessará aregião de Pinheiros/Faria Lima, importante pólo funcional metropolitano. A linha 4 atenderá aomaior vetor de tráfego alimentador do Centro, hoje caracterizado pelo eixo Rebouças-Consolação, edeverá representar importante alternativa de substituição modal aos numerosos ônibus queconectam o Centro aos bairros e municípios a oeste. Com capacidade para 1 milhão depassageiros/dia, quando sua construção estiver completa e as redes do Metrô e da CPTM estivereminterligadas, estima-se que pela estação da Luz passarão de 300mil a 500mil passageiros por dia, oque representa um crescimento de 600% a 1000% do movimento estimado em 50mil passageiros noano 2000.

É notória a vocação da região da Luz, a partir dos dados acima expostos, como importante nó detransporte metropolitano, o que comprova a tese de que a macroacessibilidade do bairro ésignificativa. No entanto, o bairro é deficitário em microacessibilidade. Os numerosos ônibus ecarros que trafegam na região contam com um grande eixo viário, que é a avenida Tiradentes, masnão dispõem de vias adequadas de aproximação. Desta forma, a avenida Tiradentes relaciona-semal com as estreitas ruas dos antigos bairros que corta. Seu tráfego eminentemente de passagemimpõe ao bairro uma degradação severa e inibe a instalação de atividades variadas ao longo da via.Os edifícios instalados na Tiradentes, pela sua função, carecem de acesso adequado para pedestres e

1 Dados fornecidos pelo Metrô SP referentes à média diária do mês de maio/2005.

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não estabelecem relação eficaz com os demais edifícios da região, prejudicando a concretização desua vocação cultural e de lazer. Ainda, a existência de uma avenida de seção avantajada e de tráfegode passagem segrega os tecidos lindeiros ao oferecer transposições raras e extremamenteinadequadas.

Os trens da CPTM, embora tragam quantidade expressiva de passageiros para o bairro, contam compoucas estações e, portanto, apresentam baixa capilaridade de acesso. Esta condição desestimulasua utilização para transporte local associado a outros modos, como o Metrô e ônibus. Por estarrebaixada em relação ao nível da rua, e considerando as importantes diferenças de cota entre osbairros dos Campos Elísios-Santa Efigência e Bom Retiro, a trincheira dificulta a comunicaçãoentre eles e canaliza todo o tráfego de veículos e pedestres para poucos pontos de travessia. Serianecessária a reavaliação da transposição da linha da CPTM e da avenida Tiradentes de forma aminimizar, no bairro, o impacto dessas vias fundamentais para a estrutura de transportesmetropolitanos.

Quanto ao Metrô, apesar de fortalecer a acessibilidade da região tanto na escala macro quantomicro, perde na estação Tiradentes a oportunidade de efetivar sua capacidade em função dosproblemas da avenida Tiradentes acima mencionados. Os pedestres não têm acesso adequado amuitos dos outros equipamentos do bairro e o caráter agressivo da avenida não estimula a utilizaçãoda estação da Luz.

O entorno da estação da Luz é profícua em equipamentos culturais e de lazer. A Pinacoteca é hojeum dos principais museus da cidade, e o Museu de Arte Sacra abriga as mais preciosas obras de arteda história de São Paulo. A Sala São Paulo converteu-se em grande sucesso graças a uma boaocupação do edifício existente e a um marketing eficiente. Pode-se citar, ainda, a EstaçãoPinacoteca, o Conservatório Musical Tom Jobim e o próprio Parque da Luz como equipamentosculturais importantes.

É grande a presença de órgãos administrativos na área. Além disso, da área acessa-se facilmente ocomplexo do Anhembi e o Terminal Rodoviário Tietê, equipamentos de grande importânciafuncional. No entanto, a região não atrai empresas e, menos ainda, habitação de qualidade. Aproximidade do Centro, a infra-estrutura instalada, a oferta de transporte e a grande quantidade deconstruções obsoletas é uma realidade que sugere potencial de desenvolvimento. Porém, apesar dapresença de funções culturais qualificadas e da força do nó de transporte, a Luz não é, ainda, umambiente de mobilidade. A análise indica que um dos maiores entraves para um plenodesenvolvimento da área seja a péssima microacessibilidade da região.

FIGURA 1: ambiente demobilidade ou nó-lugar geradopela Estação da Luz. Nesteesquema, como exemplo,fundem-se o nó de transportecom uma somatória deinterpretações de lugar(funcional-histórica e perímetrode desenvolvimento).

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2.2 O transporte na estruturação da metrópole de São Paulo

O arranjo espacial da grande São Paulo repousa sobretudo nainfra-estrutura em vias de transporte. (Langenbuch,1971:334)

Mobilidade e acessibilidade são termos cuja aplicação a São Paulo confunde-se com a própriahistória da metrópole paulistana. Seu desenvolvimento urbano sempre esteve associado aos seusciclos produtivos e, estes, aos transportes como elemento “validador” da ocupação territorial.Conforme sugere Meyer (in Meyer e Izzo Jr, 1999:10), a estruturação física de São Paulo tem sido aexpressão da permanente adaptação ao território, visando sempre um bom desempenho de funçõesurbanas específicas. E acrescenta: “quando se torna evidente um conjunto de profundastransformações estruturais no seu sistema produtivo, é indispensável, para a compreensão eposterior enfrentamento de um novo panorama urbano, buscar esclarecer o percurso histórico dequestões que afetam a metrópole contemporânea”. Dando continuidade a esse embasamentohistórico, que no item anterior apresentou o recorte da Luz, trata-se a seguir da relação entretransporte, ocupação territorial e dinâmica produtiva em São Paulo.

No livro São Paulo Metrópole (2004), os autores anotam que a análise da metrópole sob o tema damobilidade precisa necessariamente contemplar a relação que se estabeleceu ao longo do processode formação da cidade e de sua metropolização. Com esta finalidade, propõe-se, nesta monografia,uma divisão em quatro etapas históricas baseadas na mobilidade e na produção econômica.

A CIDADE DAS ROTAS: da fundação à chegada da ferrovia (1554-1872)

É fato largamente explorado pela maior parte dos historiadores que São Paulo permanecia umvilarejo ainda muito depois de sua fundação. Embora seja verdade que a cidade resumia-se a umpequeno número de construções precárias, a idéia de que fosse insignificante não coincide com aimportância funcional que exercia numa escala muito maior que a urbana.

Já no século XVI, pelo caminho de Santos passavam tropeiros entre o sertão e o litoral. A cidadeservia-lhes de parada. No século seguinte, o movimento de tropas que cruzavam São Paulo aumentacom a descoberta de pedras preciosas no sertão e a demanda por índios. A partir de 1695, com adescoberta do ouro em Minas Gerais e no Centro Oeste, São Paulo se vê significativamenteesvaziada de habitantes, que partem para as minas. A vila vê crescer, porém, o movimento nasnovas estradas que se estendiam em diferentes direções e tinham nela sua confluência.

No final do século XVIII, cinco rotas convergem para São Paulo, trazendo o expressivo número deaté 4 tropas diariamente (Soukef Jr. e Mazzoco, 2000). O aumento do tráfego e a importânciaestratégica representada pela colina dos jesuítas promoveram a vila a entreposto comercial, cujasfeiras possibilitaram a acumulação de capitais. No século XIX, a penetração do café a partir do Valedo Paraíba serviu-se da cidade não só como local de negociação e transporte da mercadoria, mastambém se apropriou desse capital para o rápido estabelecimento da atividade cafeeira no estado.

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Avançando avidamente em direção às terras férteis do oeste, a cultura do café revelou ainadequação do transporte tradicional. Somado ao aumento da já mencionada demandainternacional pelo produto, iniciaram-se, na segunda metade do século XIX, os estudos paraimplantação de uma linha férrea até o porto de Santos. Nesta época, apesar da funcional da cidade, ariqueza do café permanecia nas fazendas e não repercutia diretamente na cidade, que já abrigava aFaculdade de Direito e comércio em expansão.

A CIDADE DO CAFÉ: da ferrovia e do bonde à política rodoviarista (1872-1930)

Com a instalação da São Paulo Railway, em 1867, e de outras linhas nos anos subseqüentes, houvesevera reorganização urbana em São Paulo. Com a facilidade de transporte, os fazendeiros passarama controlar as fazendas a partir da cidade.

O Triângulo histórico, que identificava até então o núcleo urbanizado, sente seu primeiro impulsode transbordamento. A atual rua Florêncio de Abreu, ao norte, recebeu as primeiras casas queindicavam o Guaré como nova frente de ocupação. Desde o início do século XIX, quando o JardimPúblico foi inaugurado, esse vetor norte apresentava-se como situação privilegiada. Durante ainstalação da ferrovia, chácaras que bordeavam a cidade passavam por acelerado processo deurbanização (Meyer e Izzo, 1999). O Triângulo começa, então, a perder função residencial e aconcentrar atividades comerciais, religiosas e administrativas. Implanta-se o primeiro bairroplanejado, os Campos Elísios (1872), onde instalaram-se as aristocráticas casas dos cafeicultores.

No governo de João Teodoro Xavier, iniciado em 1872, reforçou-se o caráter progressista datransformação urbana em andamento: ruas calçadas e iluminadas e articulação viária entre oTriângulo e as novas áreas de expansão. Neste período, conhecido como ‘segunda fundação’ dacidade, implantaram-se as primeiras linhas de bonde a tração animal. O bonde inaugurava otransporte público urbano através da Companhia de Carris de Ferro de São Paulo em outubro de1872 (Vana, 2005), em substituição às diligências e ao lombo de burro, e oferecia sustentação aosnovos núcleos de ocupação (Meyer, Grostein e Biderman, 2004). Em 5 anos de funcionamento, aslinhas de bonde formaram uma rede de 25km, com 82 carros.

A instalação da ferrovia e do bonde possibilitou a rápida urbanização dos arredores. SegundoLangenbuch (1971:78), um “novo período de desenvolvimento urbano” ocorre a partir de 1870. JáMeyer e Izzo (1999:20) apontam que “a nova infra-estrutura selou seu passado provinciano ecolonial e abriu a cidade para um embrionário ciclo metropolitano”. Vencido o limite geográficoatravés do Viaduto do Chá, expande-se ainda mais a zona residencial. Os arruamentos do Chá eSanta Efigênia (1879), Higienópolis e Paulista (1890 a 1895), e Jardins (1910) foram destinados àelite. Próximos ao centro, abrem-se bairros para a nova classe média como Consolação, SantaCecília, Vila Buarque e Liberdade, e nas várzeas dos rios e ao longo das ferrovias surgem bairrosoperários como Pari, Brás, Mooca, Ipiranga, Vila Prudente, Bom Retiro e Barra Funda. Estesúltimos criam situação propícia para a implantação das primeiras fábricas.

A ocupação do território através do loteamento de chácaras particulares implicou, por um lado, adescontinuidade do tecido urbano. Por outro lado, os impactos do impressionante crescimentodemográfico a partir de 1870 não implicaram o congestionamento da colina histórica, cuja vocaçãode centro comercial e administrativo foi acentuada pelo caráter residencial dos núcleos periféricos.Estes loteamentos tiveram ainda maior impulso com a instalação do bonde elétrico em 1900, quesustentou o adensamento de diversos bairros. Com uma rede capaz de quase quadruplicar emapenas dois anos (1900 a 1902), convém anotar que as linhas de bonde freqüentementeultrapassavam a mancha urbanizada, atuando como instrumento de indução especulativa deocupação.

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O trem, por sua vez, contribuía de maneira diferente para a organização na nova cidade.Abandonando as fazendas, muitos imigrantes italianos voltaram a São Paulo e dedicaram-se àindústria incipiente que se instalava junto à ferrovia.

A indústria possibilitou não só a ocupação de lotes de maior dimensão, fora da área maisdensamente urbanizada do Centro, como também os desvios da linha para dentro das indústrias, oque criou um sistema eficaz de carga e descarga. Assim, se o bonde atuava como elemento deindução de ocupação residencial e valorização de empreendimentos privados, o trem possibilitava aconsolidação da indústria que viria a se tornar a principal atividade econômica após a crise de 1929.A ligação quase exclusiva da ferrovia à produção econômica impediu que ela se integrasse à malhasocial urbana. Seus poucos pontos de conexão ao tecido serviam apenas a passageiros em viagenslongas, indiferentes ao trajeto intraurbano, o que determinou sua decadência gradual.

A partir da década de 20, o rodoviarismo viria a transformar radicalmente a cidade, reorganizando oterritório urbanizado e estruturando o novo território regional.

A CIDADE DO AUTOMÓVEL: do Plano de Avenidas à indústria (1930-1964)

O ocaso da economia cafeeira, com a crise de 1929, revelou a vulnerabilidade da infra-estruturaferroviária. Mesmo que servisse bem à indústria e a assentamentos periféricos relacionados a essaatividade, a substancial negação do espaço urbano impediu-a de se tornar meio de transporteintraurbano.

O bonde elétrico, principal meio de transporte municipal no início do século, assistiu aocrescimento da circulação de ônibus. O carro particular também aumentou significativamente suaparticipação no transporte urbano: entre 1924 e 1927 a frota mais que duplica, contando com quase14mil veículos neste último ano.

Com vistas ao grande crescimento das frotas de ônibus e automóveis, e prevendo a desarticulaçãocausada pelo arruamento indiscriminado promovido por especuladores incautos, a administraçãoelaborou grandes planos viários e urbanísticos. É o primeiro ciclo de ‘utopias viárias’, segundoVasconcelos (2000), que procuram imaginar um novo e amplo espaço urbano, e não simplesmenteatender às necessidades imediatas de fluidez. Essas ‘utopias’ incluem os planos de Ramos deAzevedo, Vitor Freire, Samuel das Neves, Bouvard e Prestes Maia, dentre os quais o último é omaior exemplo. O Plano de Avenidas de Prestes Maia, de 1930, propunha essencialmente aremodelação da cidade para o automóvel. O plano previa um sistema radio-concêntrico sugerindo avocação do transporte por ônibus e carros em detrimento de uma rede urbana sobre trilhos de altacapacidade. A implantação de boa parte do plano durante as décadas seguintes consolidou aimportância do transporte sobre pneus, ao contrário do que se observava na Europa, onde osinvestimentos em metrô iniciaram-se já no século XIX.

A prevalência da visão automobilística criou uma cidade extensa e pouco densa, especialmente nopós-guerra, quando o parque automobilístico passa a ser implantado. Entre 1930 e 1965, a cidadequintuplicou sua população e intensificou sua pressão sobre a periferia. A verticalização no Centroe nos distritos lindeiros (Santa Efigênia, Campos Elísios, Santa Cecília, Higienópolis, Consolação,Paraíso, Liberdade e outros) contrastava com a ocupação de baixa densidade dos demais bairros dacidade que, nesta época, ainda não sentiam claramente o efeito nocivo da desconexão doarruamento entre os bairros. De 1954 a 1963, a cidade duplicou sua área de ocupação às custas debaixas densidades e apoiada na implantação de rodovias e autoestradas. O transporte público que,na fase anterior, induzia à urbanização através do avanço das linhas de bonde e das estações

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suburbanas de trem, inverte seu papel e passa, com os ônibus, a buscar os núcleos que rapidamentese urbanizavam de maneira legal ou clandestina.

Na franja periférica, os ‘subúrbios-estação’ conheceram grande crescimento. Muito embora aferrovia já não tivesse o mesmo papel de induzir ocupação, sua influência era direta no provimentode transporte para o Centro, consolidando o papel de ‘subúrbio-dormitório’. A importância daferrovia é salientada por Langenbuch (1971:335) como elemento importante de estruturaçãometropolitana: “a estrutura viária (sobretudo as ferrovias, repita-se) constituiu o fator principal doarranjo espacial e configuração da Grande São Paulo”. A partir dos anos 50, com uma políticaagressiva de implantação de rodovias, os trens de longo percurso cedem ainda mais espaço aos desubúrbio. Um dos poucos impactos que se puderam sentir na zona central da Cidade foi atransformação do complexo Júlio Prestes–Luz em grande terminal metropolitano para transportesuburbano, cuja característica popular causou a perda definitiva da atratividade imobiliária do bairroe afastou o comércio e a habitação qualificados.

A partir do final dos anos 1950, restrições quanto à verticalização dão força ao espalhamentourbano. A criação de novas centralidades comerciais se dá de forma discreta, porém irreversívelfrente ao crescimento desagregador, à desarticulação do sistema de transporte público, à dissociaçãoentre emprego e residência e à saturação espacial do Centro. Este continua a ser o maior pólo deempregos e negócios, mas a ocupação comercial principalmente na região da avenida Paulistasugere um vetor sudoeste de crescimento, baseado exclusivamente no transporte rodoviário.

O COLAPSO: reestruturação produtiva sem transporte de massa (1964-2005)

Foi característica do governo militar, a partir do golpe de 1964, o grande investimento em infra-estrutura de grande porte. Essa postura fez-se sentir em diferentes campos, desde a construção dehidrelétricas até o crescimento da malha rodoviária nacional vinculada ao fomento da indústriaautomobilística. Adicionalmente, o governo militar investiu direta e indiretamente em diversasregiões do país, determinando retomada do crescimento industrial nacional na segunda metade dadécada de 1960. Com a perda da polarização industrial da Grande São Paulo, abriu-se maior espaçopara o desenvolvimento do incipiente setor terciário que viria a caracterizar essa metrópole nasdécadas seguintes.

A partir de 1967, a mística do planejamento técnico e integrado resultaram, na escala local, navalorização do planejamento urbano e de planos estratégicos de ordenação urbana. Em São Paulo,são desta época o Plano Urbanístico Básico (PUB 1968), o Plano Metropolitano deDesenvolvimento Integrado (PMDI 1970) e o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI1971). A gestão de Faria Lima (1965-1969) investiu sobretudo no planejamento do anel viário e naurbanização do vale do rio Tietê, embasado nas grandes transformações viárias previstas no PUB. Oponto central da proposta era uma malha de vias expressas como elemento fundamental do futurosistema de transportes, endossando a postura histórica de promover ocupação de baixa densidade.Ao ignorar as deficiências da infra-estrutura das periferias, o plano agravou a expulsão dapopulação de baixa renda para a periferia, ao mesmo tempo em que sua postura focada namacroacessibilidade piorou a ligação das vias locais às grandes estruturas viárias. De formasecundária aos 800Km de vias previstas no plano, o PUB propunha também a instalação tardia doMetrô de 400Km como equipamento de acesso ao centro consolidado.

A administração de Paulo Maluf (1969-1971) deu continuidade ao plano, seguindo a estratégiafederal de estimular a indústria automobilística através de grandes obras viárias. A restrição ao temada macroacessibilidade metropolitana impediu que os bairros cortados por essas vias fossem porelas beneficiados.

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O PDDI e a legislação de zoneamento de 1972, ao impor ainda menor densidade de ocupação,perpetuou o impulso perverso de expansão horizontal da cidade, especialmente a Sudoeste,desvinculada de sistemas de transporte de massa. A partir de 1973, com a crise do petróleo, ocenário muda drasticamente: suspendem-se os planos de vias expressas e intensificam-se osdiscursos em favor do transporte coletivo e do controle do crescimento urbano. O SISTRAN (1974-1976) promoveu a municipalização do trânsito e propôs um sistema de tronco-alimentação por umarede básica de tração elétrica (Metrô, tróleibus e trens de subúrbio) ao longo de grandes eixos,complementado por uma rede de ônibus a diesel. Pretendia-se maior facilidade gerencial eintegração tarifária dos sistemas. Somente na gestão de Olavo Setúbal enxergou-se no transportepúblico um real condicionador da dinâmica urbana, sendo característica o impulso da construção doMetrô.

Como resultado da política que priorizava o transporte motorizado individual, entre 1968 e 1979houve queda na oferta global e de qualidade dos transportes públicos. Por causa do atraso napriorização de investimentos no transporte metroferroviário, entre 1977 e 1997, de acordo com aspesquisas OD, há uma queda de 10% de participação do transporte coletivo nos deslocamentosurbanos. O custo do transporte público chegou ao patamar de 2 vezes o custo do transporteindividual, levando cerca de 2,3 vezes mais tempo de percurso. É evidente, portanto, a baixaeficiência e atratividade dos modos coletivos ao longo das últimas décadas.

A continuidade da política rodoviarista, principalmente nas administrações seguintes, marcou acidade com obras assistemáticas, de justificativa falha e efeitos duvidosos, como grandes avenidasde fundo de vale e túneis que encheram os olhos da população que via no conforto e status doautomóvel um grande incentivo ao contínuo abandono do transporte público. A reestruturaçãoprodutiva da metrópole paulistana já operava, na década de 80, de maneira clara: redução de porte epulverização da indústria urbana, desenvolvimento do setor financeiro e de serviços diversos, ecriação de uma lógica funcional policêntrica. Na década de 90 concluíram-se várias obras viáriasque destacaram-se pelo porte e localização. Guiadas pelos interesses do mercado imobiliário,potencializaram o processo de transformação funcional das áreas consolidadas que atravessaram(Meyer, Grostein e Biderman, 2004). Não por acaso, portanto, a maior parte dessas obras induziramaumento no crescimento a sudoeste da capital, consolidando importantes centralidades terciárias.

A infra-estrutura de transporte individual adequa-se, sob um olhar leigo, à atividade terciária daregião sudoeste. Isso é detectável pelo padrão dos edifícios e dos serviços, pela migração deempresas de outras centralidades e pela decisão de localização da empresa estar geralmentesubmetida à diretoria, que não utiliza o transporte público. Desta forma, é “compreensível” queestas centralidades tenham se desenvolvido até o presente sem o suporte de uma rede de transportepúblico. Seus efeitos, porém, fazem-se sentir na rápida obsolescência das grandes obras, que já nãocomportam o tráfego gerado. Assim, o desenvolvimento de pólos funcionais dependentes dotransporte individual impõe aumento natural do tráfego pela impossibilidade dos funcionários eusuários servirem-se do transporte público. O problema mostra-se tão grave, hoje, que chega a criardeseconomias severas às empresas aí instaladas.

Outras considerações são importantes para a caracterização da metrópole paulistana atual. Umadelas é a verificação da estagnação da população da Cidade, seja em função do crescimento atraentede cidades médias próximas, pelo alto custo de vida e operação comercial na Cidade, ou pelosgraves problemas de segurança e circulação.

A partir de 1995, como já foi destacado anteriormente, o Plano Integrado de Transportes Urbanospara 2020 (PITU2020) busca reverter o processo de abandono do transporte público metropolitano.O Metrô chegou ao final do século com apenas 49Km de linhas, transportando 2,3milhões de

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passageiros/dia. A CPTM, por sua vez, transporta apenas 900mil passageiros/dia numa total de275Km. Considerando toda a extensão da rede, o transporte ferroviário responde por 15 vezesmenos usuários que o metrô por conta de sua baixa conexão ao tecido urbano (poucas estações) ebaixa freqüência de trens. As simulações do PITU2020 prevêem o transporte de mais de 2milhõesde passageiros/dia em 2006 nas linhas da CPTM a partir da integração gradual das duas redes queresponderão, segundo Viegas, por quase a metade do transporte coletivo em São Paulo (in Umséculo de Luz, 2001). Cerca de 70% do fluxo da CPTM tem como destino a região central (BarraFunda, Luz e Brás), onde a Luz desempenha um forte protagonismo com a previsão de instalação dalinha 4 de Metrô (em obras).

2.3 RMSP: nós e lugares

Alguns ambientes de mobilidade podem ser mais favoráveis que outros para o desenvolvimento deatividades econômicas e sociais. Um primeiro passo para a elaboração de uma análise seriaidentificar os diferentes tipos de centralidades presentes num contexto urbano e regional,compreender a relação entre eles e avaliar que tipo de atividades ou equipamentos podem serimplantados para que essa característica se desenvolva com maior eficiência.

Porém, conforme observado nos itens 2.1 e 2.2, acima, exemplos como o bairro da Luz e a regiãosudoeste do Município denunciam que o conceito de ambiente de mobilidade não pode serdiretamente aplicado sobre essas realidades paulistanas, uma vez que reprentam nós que nãoalimentam lugares e lugares independentes de nós.

A partir do levantamento de ambientes de mobilidade possíveis, os atores públicos e privadosdevem definir suas prioridades de investimento de forma a promover complementação (porespecialização, por exemplo) e competição saudável entre esses ambientes, diversificando ascentralidades conectadas e estimulando o seu desenvolvimento individual e coletivo baseado noestabelecimento de uma rede funcional.

Serão expostos, a seguir, dados sobre a situação atual de São Paulo quanto ao descompasso entre arede de transporte e a distribuição de centralidades.

NÓS

Os estudos do PITU2020 avaliaram consistentemente o traçado das linhas sobre trilhos e pneus paraatender de forma hierarquizada ao maior número de lugares funcionalmente relevantes, existentesou potenciais, cuja concentração no Centro Expandido e especialmente a sudoeste é evidente. Aoorganizar uma estrutura em rede, esse plano atribui aos trilhos um papel decisivo na organizaçãometropolitana.

O transporte metroferroviário, que conta hoje com 333,6Km em 22 dos 39 municípios da RMSP(considerando os 275Km da CPTM e os 58,6Km do Metrô), deve atingir em 2020 444,8Km(Figueiredo, 2003). Apesar dos números sugerirem apenas 30% de acréscimo na rede, deve-seconsiderar que a conversão dos trens da CPTM em transporte intraurbano é gradual, pois implicaaumento da oferta de trens e estações. Assim, podemos considerar que a rede de transporte urbanosobre trilho aumentaria cerca de 900% em relação aos 43,6Km de Metrô em 1994.

A futura linha 4 do metrô transformará a estação da Luz no principal entroncamento ferroviário,com possibilidade de integração à rede rodoviária pela presença de importantes vias e terminaismetropolitanos no entorno. A leitura das imagens abaixo permite identificar outros entroncamentos

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relevantes. Um deles é a Lapa, cortada pelos trilhos da CPTM e com grande afluxo de ônibusmetropolitanos (notadamente de origem noroeste). Outro, de maior importância, é Pinheiros: alémda previsão de conexão entre a linha C da CPTM e a futura linha 4 do Metrô, Pinheiros é um dosprincipais pontos de chegada de ônibus intermunicipais dos quadrantes sudoeste e noroeste. Aestação Barra Funda é outro nó significativo pela presença da linha 3 do Metrô, das linhas A, B, D eE da CPTM, o terminal de ônibus intermunicipal e a previsão de parada do trem expresso entre osaeroportos de Cumbica e Viracopos.

Os triângulos formados pelos cruzamentos do Metrô entre as estações Sé, República e Luz e entreLuz, Clínicas e Paraíso delimitam áreas onde os ônibus têm boa capilaridade e existe implantadaboa infra-estrutura viária. Estes dois triângulos têm escala interna adequada para o deslocamento apé entre as três linhas de Metrô, situação incomum na Cidade.

A região sudoeste, que tem recebido nas últimas décadas as maiores intervenções viárias,priorizando os automóveis, é justamente a região onde, como causa e efeito dessas obras, surge omaior número de empreendimentos geradores de tráfego. Nesta região, o PITU2020 prevêintegração da rede metroferroviária através de VLP (Veículo Leve sobre Pneus) e capilarização pormicroônibus. Apesar de ser compreensível que o transporte sobre trilhos tenda a ligar as regiõesmais distantes ao Centro Expandido, a baixa participação do Metrô na área não desestimula,infelizmente, a utilização do transporte individual numa área de crescimento expressivo.

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FIGURA 2: conexões metropolitanas e os terminais de ônibus. Fonte: MEYER,GROSTEIN e BIDERMAN (2004)

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FIGURA 3: Redes metroviária erodoviária para 2020. Fonte:PITU2020

LUGARES

A diminuição dos empregos industriais (-12,3%) na RMSP entre 1987 e 1997 e o aumento dosempregos no comércio (+52,35%) e em serviços (+34,9%) concentrou na capital quase 20 vezesmais empresas terciárias que Guarulhos, o segundo maior pólo da RMSP (Brasil em Foco, 2005). Aeste dado somam-se as imagens abaixo, que mostram a expressiva concentração de empresas deserviço a sudoeste da capital, portanto cerne terciário da Metrópole.

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FIGURA 4: as manchas de concentração de empresas e desenvolvimento imobiliário configura comprecisão o vetor sudoeste. Fonte: MEYER, GROSTEIN e BIDERMAN (2004)

Este fenômeno é recente, já que começou a tomar corpo nos últimos 30 anos, tendo transbordando aavenida Paulista a partir dos anos 70 quando o crescimento da atividade terciária atingiu a região daavenida Faria Lima e foi estancado pelo rio Pinheiros. As obras viárias mencionadas no item 2.2deram suporte para o crescimento a sul da Faria Lima, alcançando a avenida Luís Carlos Berrini eapropriando-se da marginal do rio Pinheiros. A partir de 2000, aproveitando ainda o limitegeográfico deste rio e amparando-se na infra-estrutura viária das marginais, delineia-se um tímidocrescimento de serviços ao norte, em direção ao bairro da Lapa.

De uma maneira simplificada, e de forma a estabelecer uma análise entre centralidade econômica erede de transporte, propõe-se separar as centralidades paulistanas em 4 grupos: Centro Histórico,Paulista, Faria Lima/Itaim/Pinheiros, Berrini/Marginal Sul. O Centro Histórico e a Paulistaconcentram comércio, serviços e finanças numa área bastante irrigada por transporte de massa(Metrô e ônibus), além de oferecer estrutura viária abundante para o transporte individual (menosevidente no Centro Histórico). Nas últimas décadas, a fuga do setor de serviços em direção às

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avenidas Faria Lima e Berrini implicou grande desvalorização do Centro Histórico e relativa perdade atratividade da região da avenida Paulista. Ultimamente, porém, sua taxa de ociosidade tembaixado em detrimento de uma crescente vacância de conjuntos comerciais de última geração noItaim e Berrini. O Centro Histórico e a Paulista são centros de cultura e lazer, e detém nas suasimediações a maior parte dos equipamentos (museus, teatros etc.) de toda a Metrópole.

O centro Faria Lima/Pinheiros está comodamente estabelecido entre alguns dos bairros residenciaismais nobres da Cidade (os ‘Jardins’) e é a região que recebe maior afluxo de tráfego ao CentroExpandido. Tem grande diversidade de serviços e comércio, com contrastes como Largo da Batata(comércio popular) e Shopping Iguatemi e alameda Gabriel Monteiro da Silva (comércio de luxo).Conta com ampla e capilarizada rede de ônibus e importantes eixos viários, como a própria avenidaFaria Lima e as avenidas Rebouças e Cidade Jardim. A linha C da CPTM já serve a região quereceberá a linha 4 do Metrô, configurando importante nó de transporte de ônibus, trem e metrô. Noentanto, o bairro da Vila Olímpia, que tem recebido a maior parte dos edifícios de alto padrão daregião, apresenta sérios problemas de circulação pela excessiva demanda sobre malha viáriavinculada ao tecido anterior, residencial de baixa densidade.

A Berrini/Marginal Sul é uma centralidade construída a partir da especulação imobiliária, semplanejamento da administração pública. Este centro é tão pujante quanto são graves os problemas aele intrínsecos: expulsão de população de baixa renda, baixa oferta de transporte público e grandesinvestimentos em infra-estrutura viária (como a avenida Águas Espraiadas) inócua. Sériosproblemas de congestionamento aproximam sua realidade à da Vila Olímpia, fazendo deste centro opior em termos de acessibilidade e o menos inserido na rede de centralidades. A inadequação dalinha da CPTM é visível pela configuração dos espaços urbanos, que de nenhuma forma integramou contemplam esse equipamento.

Uma rápida análise destas centralidades indica que o setor terciário tem se desenvolvido à revelia deuma rede de transportes de massa, processo que talvez se altere, no futuro, com a incipienteocupação do trecho norte da marginal do rio Pinheiros. Se, por um lado, é improvável e atéindesejável que a vocação terciária do sudoeste se reverta, por outro lado há áreas amplamentesupridas por transportes de massa, como a Barra Funda e a Luz, que não concentram sequer umaparcela do potencial econômioco da Berrini. Os problemas dos nós de transporte que não alimentamcentralidades podem ser resumidos nos problemas que o próprio PITU2020 vem tentando resolver:a rede da CPTM carece de qualidade, freqüência, e integração. Outro problema desses nós reside nofato dos tecidos urbanos a eles lindeiros não oferecerem subsídios para uma adequadamicroacessibilidade. Além disso, não há demanda que justifique a ‘invenção’ de uma novacentralidade terciária.

Cabe, a partir do fracasso dos empreendedores que apostaram recentemente na vocação terciária daÁgua Branca (região bem provida de trilhos), por exemplo, indagar se a estação da Luz poderia, defato, viabilizar uma nova centralidade. No próximo capítulo será apresentado, através dos estudosde caso, como se dá a geração ou regeneração de centralidades a partir de estações intermodais.Como indício positivo, pode ser observado que a Luz não só detém um poderoso nó de transporte,como já apresenta equipamentos outros que podem configurar centralidade, além de estar próxima aum centro importante. Muito provavelmente não será conveniente a instalação de um centro deserviços no bairro, dada a saturação do mercado e o desenvolvimento das demais centralidadesnesse campo. Destacam-se, porém, a vocação comercial das ruas especializadas, os equipamentosculturais e educacionais já instalados e a possibilidade de aglutinamento funcional com o CentroHistórico.

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3 INTERMODALIDADE E CENTRALIDADE

Station areas are potential nodes in emerging transport and informationnetworks.(Spit e Bertolini, 1998:7)

Com o desenvolvimento dos conceitos de renovação e reabilitaçãourbana e com a análise das experiências implantadas, os complexos

ferroviários e os portos obsoletos, os bairros industriais abandonados,enfim, os degradados centros históricos têm a oportunidade de

reintegrar-se e projetar espaços propícios ao desenvolvimento de umanova urbanidade.(Meyer e Izzo, 1999:120)

A eficiência do transporte de massas encontra na estação intermodal de o equipamento que melhorresponde à necessidade de circulação da metrópole contemporânea. Ao mesmo tempo, a estaçãointermodal organiza funções em escala local e as vincula à estrutura geralmente policêntrica quecaracteriza esse tipo de metrópole, relacionando-as a funções e usos vinculados à mesma malha detransporte. Assim, é um elemento cuja função transcende o transporte e é crucial para a organizaçãoeconômica.

Este capítulo procura demonstrar, através de exemplos consolidados, como estações intermodaisbaseadas no sistema metroferroviário exercem um papel de extrema relevância na reestruturaçãourbana e metropolitana. Essas estações têm se tornado parte de uma estratégia bastante eficaz deconsolidação econômica das áreas onde se localizam. Nos três casos expostos, a transformação donó de transporte em centralidade, articulando as diferentes escalas envolvidas, consumiram tempo e,é claro, aportes financeiros altamente significativos, o que ratifica a importância da existência deum projeto urbano que considere a mobilidade como elemento primordial. Ainda mais importanteque analisar o que deu certo com o processo histórico de cada uma dessas centralidades, éindispensável considerar a SINGULARIDADE em que se desenvolveu cada caso. Aprender com oserros e ser muito cauteloso com a transposição desses exemplos para uma realidade diferente, comoa nossa, é indispensável para se chegar a uma análise coerente.

3.1 Estações intermodais: equipamentos para a mobilidade e a estruturaçãometropolitanas

O entorno de estações é um dos poucos lugares na metrópole contemporânea onde pessoas deinteresses muito distintos podem encontrar-se fisicamente. As oportunidades geradas por umequipamento com este poder são consideráveis, já que existe um grande potencial para interaçãofísica, social e econômica, entre os seus usuários.

O exemplo dos impactos urbanos de estações intermodais na Europa revela processos muitointeressantes. Estratégias de implantação e requalificação de estações têm tido importânciacrescente na atração ou expulsão de atividades econômicas, tanto em termos locais quanto emregionais ou internacionais. Existe, por este motivo, um esforço quase que conjunto pelodesenvolvimento de uma rede ferroviária de alta velocidade, no continente europeu, que produzanós de interconexão eficientes e plurimodais. A recente atenção à ferrovia como elementoestruturador de centralidades representa uma ‘nova era ferroviária’. Spit e Bertolini (1998:17)observam que

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baldeações intermodais de alta complexidade emergem através da conexão desistemas de transporte anteriormente separados (uma prioridade da política detransportes da União Européia). Sob estas condições, um meio de transporte podedominar, muito embora outros estejam representados.

A seguir, procura-se explicitar as razões da predominância das estações metroferroviárias comopontos de articulação de redes de transporte urbano.

PORTOS, AEROPORTOS E ESTAÇÕES

Assim como as primeiras estações ferroviárias foram construídas inicialmente dentro de uma redehermética, portos e aeroportos também têm origem em sistemas independentes entre si e comvariados graus de compatibilidade às malha e vida urbanas. Os terminais das redes ferroviária, aéreae marítima vêm se transformando, de maneira expressiva, em conexões intermodais de passageirose cargas. Além disso, em adição à sua função nodal, e de acordo com os conceitos introduzidos nocapítulo 1, esses terminais têm sido recentemente requalificados de forma a exercer o papel de lugarnuma cidade. Este aspecto é evocado, por exemplo, em termos como cidade-aeroporto, distritoportuário ou vizinhança de estação, que refletem, individualmente, uma determinada relação comseu entorno imediato, a região urbana e a abrangência de sua influência.

As estações metroferroviárias tendem estabelecer contato mais profícuo com a cidade, emdetrimento dos portos e aeroportos. Isso se dá pela facilidade de implantação (menor escala dosequipamentos e dos edifícios requeridos) e pela liberdade de implantação (menores restriçõesambientais, espaciais e técnicas). Outro aspecto evidente diz respeito ao alcance espacial, que émais restrito em estações (lidam com uma escala predominantemente regional), do que emaeroportos e portos (cujas escalas são predominantemente a nacional e a internacional). Aestimativa é que os trens de alta velocidade (TAV) poderiam responder por 80% a 90% de todas asviagens européias num alcance entre 160Km e 500Km e cerca de 50% até 800Km (Spit e Bertolini,1998:32). Uma desvantagem em relação aos terminais aéreos e marítimos seria a baixa capacidadede adaptação das configurações da rede metroferroviária, já que nos dois últimos a alteração doequipamento de transporte exige muito pouca modificação física do terminal: na rede ferroviária, otamanho da plataforma, a bitola dos trilhos, as dimensões dos túneis e as conexões subterrâneasentre estações são de difícil modificação.

Mais que questões físicas, no entanto, portos, aeroportos e estações têm entre si diferençassignificativas na relação espaço-tempo característica de cada modo. Conseqüentemente, suasdinâmicas de crescimento são pautadas pelo seu volume de atividades em escalas muito diferentes:aeroportos servem a negócios internacionais e viagens de lazer, além de transportar mercadorias dealtíssimo valor agregado; portos servem principalmente ao transporte de carga de baixo valor elimitado transporte de lazer, enquanto estações servem, principalmente, a usuários cotidianosurbanos e regionais e a carga de baixo valor agregado.

Um aspecto importante a se considerar na comparação aqui feita entre os modos é que, do ponto devista espacial, há uma diferença determinante: a localização dos terminais e a interação da cidadecom a própria rede. O entorno das estações tende a influir sobre o funcionamento das estaçõesferroviárias de forma muito mais expressiva que nos demais casos, o que torna a estação umelemento mais integrado à lógica urbana e imbricado ao seu desenvolvimento. Isto ocorre,

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basicamente, por causa de dois fatores: a implantação de uma estação de passageiros no meio dacidade qualifica-a como elemento urbano cotidiano, onde se abrigam funções não só destinadas aosusuários da rede, como também para qualquer usuário potencial do entorno; e a diversidade dosusuários é elevada, já que o sistema de transporte atende um leque de profissionais autônomos,liberais, executivos, estudantes, desempregados, operários etc.

REURBANIZAÇÃO DO ENTORNO DE ESTAÇÕES

As estações, como exposto acima, exercem um efeito mais considerável que outros tipos determinais sobre as cidades onde se localizam. Não só sua implantação é mais fácil, como os modosde transporte que abrange são mais numerosos e, principalmente, é capaz de gerar e alimentarcentralidades com maior desenvoltura.

Uma estação intermodal intraurbana pode interligar transportes de diferentes escalas: a local(metrô), a metropolitana (trem de subúrbio), a regional (trem), a nacional e a internacional (trem eTAV), que são modos de transporte análogos – sobre trilhos. Pode, ainda, interligar-se a terminaisde ônibus e trams, além de possibilitar interface com transporte motorizado individual através deestacionamentos e táxis conveniados e helicópteros. Quanto maior a quantidade de modos e aconectividade entre eles, maior será a concomitância de escalas de acesso e, conseqüentemente,maior a probabilidade do local onde se situa a estação desempenhar uma função central nametrópole, na região ou no país.

Mesmo que uma estação intermodal possa ser conseqüência de uma centralidade pré-existente, ouseja, tenha sido implantada para dar respaldo a uma centralidade herdada de outro momentohistórico, evidencia-se seu papel de potencializador das funções econômicas presentes ou futuras eda centralidade exercida num contexto mais abrangente do ponto de vista espacial. Assim, umaestação tem o poder de viabilizar o papel de determinado local dentro de uma lógica metropolitana,onde a tendência de multipolaridade, atualmente verificada nas grandes cidades, estabelece relaçõesora conflituosas, ora complementares entre seus centros. Em relação a esse aspecto, não pareceequivocado afirmar que quanto maior a conectividade entre os centros de uma determinadametrópole, maior a probabilidade de exercerem funções complementares: o isolamento físico entrecentros implica relativa independência funcional, de forma que cada um tenderá a ser o mais auto-suficiente possível. Isso os torna objeto de uma escolha de destino isolado e excludente, ao passoque centros fartamente comunicados tendem a ‘dividir’ especialidades complementares e alimentama consolidação de uma rede.

No entanto, embora essa desejada complementaridade seja louvável para o desenvolvimento decada um dos centros e da metrópole que os abriga, uma certa competitividade entre eles também énatural e compreensível. Os centros mais desenvolvidos ou dotados de equipamentos maisqualificados atraem funções mais rentáveis e consumidores melhor qualificados, aumentando opotencial e a viabilidade da área. O desafio de tornar cada centro mais atraente ao longo do tempoembala o esforço de crescimento da metrópole como um todo.

Os conceitos de competitividade e complementaridade sugerem que, enquanto os custos dereurbanização ou requalificação do entorno de uma determinada estação restringem-se a umuniverso razoavelmente limitado do ponto de vista espacial, as conseqüências e condicionantesdesse desenvolvimento operam em escala mais ampla, causando impacto na distribuição econômicae funcional da metrópole toda e consolidando-a economicamente dentro de uma rede nacional einternacional.

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As características inerentes aos entornos de estações e sua conseqüente centralidade não têmpassado despercebido aos olhos dos empreendedores imobiliários, o que será facilmente constatávelna análise futura dos estudos de caso.

MERCADO IMOBILIÁRIO

O entorno de estações, num primeiro momento, pode mostrar-se pouco atraente do ponto de vistafinanceiro, imobiliário e de investimento. Somente um enorme esforço conjunto entreempreendedores e governo pode viabilizar sua transformação em objetos potencialmente viáveis.Políticas de concentração de atividades econômicas nas adjacências de estações, por exemplo, temsido um instrumento comum nos países europeus: a diminuição da dependência do automóvelfavorece não só a qualidade do espaço, mas também a rapidez no acesso e a quantidade deconsumidores servidos.

O que antes eram apenas edifícios de apoio ao transporte ferroviário de carga passa a ser entendidopelo mercado imobiliário como possibilidade de adensamento. O nó de transporte tornou-se umpoderoso atrativo para a instalação de atividades diversas, favorecendo a criação de espaços paraescritórios, centros de convenções, lojas, hotéis e equipamentos de lazer, cultura e esporte. Amaioria dos empreendedores, investidores e consultores imobiliários entendem, no entanto, que oentorno de estações tem algumas vantagens e muitas desvantagens. É necessário, assim, que umasérie extensa de pré-requisitos seja atendida para minimizar as desvantagens:

• favorecer excelente acessibilidade por transporte público diversificado e também portransporte individual (este atrai um consumidor menos numeroso, mas mais poderoso);

• políticas públicas consistentes e direcionadas, principalmente em relação a benefícios parainstalação de novas atividades, financiamentos para os investidores e investimento em infra-estrutura;

• consideração de um mix abrangente de serviços, comércio, habitação e cultura,preferencialmente com pouca participação de equipamentos de grande porte. Deve-se, durante oplanejamento, atentar para a complementaridade em relação aos demais centros metropolitanosexistentes, de forma a criar a já mencionada complementaridade funcional. A estratégia deimplantação deve prever o equilíbrio entre atividades lucrativas e não lucrativas, de forma que estapossa ser compensada por aquela;

• os terrenos para o desenvolvimento devem estar disponíveis no tempo certo;

• o desenho deve favorecer a integração não só entre os edifícios novos, mas também emrelação aos preexistentes da área a serem mantidos e em relação àqueles das áreas lindeiras.

As desvantagens são evidentes. Para intervenções deste porte, chama a atenção o prazo deimplantação (da construção dos edifícios em si e, principalmente, da infra-estrutura necessária), oque submete o empreendimento a grandes flutuações do mercado imobiliário e da economia (microe macro), além de ficar à mercê de planejamentos vinculados a mandatos políticos. Outro problemaé o custo do desenvolvimento em relação ao retorno, que costuma gerar uma margem de lucropequena. Insuficiências de desenho urbano, acessibilidade e estacionamentos potencializam osriscos. Quanto à exeqüibilidade, os planos muitas vezes tropeçam em problemas legais em relação àaquisição da área para o empreendimento, uma vez que são geralmente muitos imóveis e pertencem

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a proprietários distintos, e em políticas de conservação de patrimônio, gerador de polêmicas quecostumam atrasar ou inviabilizar os empreendimentos.

A rápida obsolescência dos planejamentos por motivos diversos – reorientação política, demanda demercado, condicionantes macroeconômicos etc. – é outro risco eminente para a reurbanização deentorno de estações. O conhecimento sobre o problema torna-se freqüentemente desatualizadodurante o processo, de forma que ele precisa ser o mais flexível possível para incorporar novaslógicas econômicas, espaciais e de infra-estrutura.

O programa funcional do plano de desenvolvimento de uma área de estação deve ser embasado porestudos de implantação, viabilidade econômica e de mercado, já que, para cada área, aplica-se umarealidade muito particular. Isto indica, portanto, que nem todo entorno de estação é passível dedesenvolvimento imobiliário com sucesso.

DESENVOLVIMENTO

Conforme destacado anteriormente, devido à complexidade dos condicionantes e atores envolvidos,a reurbanização ou desenvolvimento do entorno de estações deve ser entendida e estudada caso acaso, considerando aspectos do nó de transporte, do lugar da cidade, dos contextos histórico,econômico e político e do processo de planejamento e implantação. Muito embora essaespecificidade deva ser sempre lembrada, é possível caracterizar esse desenvolvimento a partir deelementos comuns. Bruijin (apud Spit e Bertolini, 1998:60-63) propõe algumas característicasgenéricas para os planos de desenvolvimento mencionados:

Singularidade: cada área de estação tem suas especificidades, tanto em relação às suas qualidadesespaciais quanto em relação aos requisitos para o seu desenvolvimento. Isso cria limites paracomparações qualitativas e quantitativas, mas pode-se aprender com erros e acertos do processo,não do resultado.

Escala e complexidade: por definição, são projetos de grande escala tanto do ponto de vistafinanceiro, quanto de número de atores e agentes envolvidos. Conseqüentemente, sua complexidadeé enorme, afetando a organização e a abrangência/profundidade do impacto da implantação doplano.

Fragmentação: a larga escala envolvida e a lentidão no processo de decisão e implementaçãoimplicam que suas partes desenvolvem-se com certa autonomia. Esses projetos isolados, somados,são normalmente vistos como um plano único e completo. A fragmentação é um dos fatores queimpedem mensurar o fracasso ou o sucesso do plano como um todo.

Interdependência projetual: o plano geral é desdobrado em projetos menores dentro do territórioestudado, como exposto pelo tópico fragmentação, acima. Apesar de cada projeto ter seuscondicionantes técnicos e financeiros individuais, seu desenho deve se reportar a uma escala que osabrange todos e aos demais projetos desenvolvidos ao mesmo tempo. A interdependência interfereno sucesso do desenvolvimento – quanto mais intensa, maior a probabilidade do empreendimentoobter êxito.

Parcerias público-privado (PPP): atores públicos e privados participam ativamente doplanejamento e estão intimamente comprometidos entre si.

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Interesses funcionais conflituosos: o tempo de planejamento e implantação implica certa dose deincerteza na aplicação de soluções, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do ponto de vistaconceitual. A aplicação do plano, ao promover maior intensidade de uso do lugar, torna adisponibilidade de espaço restrita e escassa. As funções previstas terão interesses comuns naaglomeração, mas interesses conflituosos (de localização ou setorização, por exemplo) aparecerão edemandarão maior complexidade do projeto para resolvê-los.

A detecção das características básicas deste tipo de desenvolvimento, como feito acima por Bruijin,é um exercício eficiente e seguro para a compreensão de um plano para o entorno de estação. Demaneira complementar, encontram-se em Dust e Bertolini (2003) e em Bertolini (1999) algumasidéias que podem indicar um roteiro superficial para abordar o início de um plano:

• Alguns ambientes de mobilidade podem ser mais favoráveis que outros para o desenvolvimentode atividades econômicas e sociais. Um primeiro passo para a elaboração de um plano seriaidentificar os diferentes tipos de ambientes de mobilidade presentes num contexto urbano eregional, compreender a relação entre eles e avaliar que tipo de atividades ou equipamentospodem ser implantados para que essa característica se desenvolva com maior eficiência(analogamente ao desenvolvido no capítulo 2.3 desta monografia).

• A partir do levantamento de ambientes de mobilidade e atividades possíveis, o ator público devedefinir suas prioridades de investimento de forma a promover complementação (porespecialização, por exemplo) entre esses ambientes, diversificando as centralidades conectadas.Formas de controle e gestão (agências, comitês) independentes e específicas para cada plano sãodesejáveis, uma vez que o ator público é dependente dos atores privados para atingir seusobjetivos.

• Urbanistas e arquitetos participam do sucesso do plano ao desenhar seus equipamentos eedifícios de maneira responsável, integrada e criativa. Seus esforços devem concentrar-se nagarantia de qualidade e quantidade de acesso ao ambiente de mobilidade, na relação construtivae espacial entre os projetos desenvolvidos e com a interface dessa área e projetos com oremanescente e com a cidade em volta da área desenhada. Assim, é indispensável projetarresponsavelmente os caminhos dos usuários entre os edifícios, os tecidos, as escalas e os usos.

• Em relação ao planejamento do nó de transporte, para o desenvolvimento de formas híbridas einovativas de transporte público, deve-se considerar o ponto de origem e o ponto de chegadapara então prever as possíveis combinações modais. Os nós de transferência devem ter atençãoespecial em relação à qualidade do seu planejamento e projeto visando o conforto do usuário, jáque o tempo de espera, baldeação e tráfego intermediário é freqüentemente apontado como ofator mais negativo do transporte público.

• Além da simples função de comunicação entre centros econômicos e conexão de meios detransporte complementares, numerosas estações intermodais têm sido reformuladas paradesempenharem função de portais aos centros urbanos. Sua vocação original de ‘paradas detrem’ vem sendo crescentemente transformada com vistas a uma integração funcional e espacialcom o seu próprio entorno. Para tanto, têm sido dotadas de ‘atmosfera urbana’ interna(diversidade de funções complementares) e externa (qualificação dos acessos e interfacesfísicas), além de aspecto físico/estético chamativo e marcante que transformam essesequipamentos de transporte em verdadeiros elementos referenciais para a organização doentorno.

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O CONTEXTO EUROPEU

O transporte ferroviário teve um período de grande crescimento entre a primeira metade do séculoXIX e a virada para o século XX ( o transporte ferroviário exerceu função primordial para aRevolução Industrial e representava a única opção para transporte motorizado de longa distância),seguido de estagnação e relativo declínio. A partir da década de 1930, não se verifica crescimentoalgum das redes ferroviárias em escala mundial e após a Segunda Guerra o seu encurtamentodeveu-se ao rápido desenvolvimento do automóvel (mais flexível do ponto de vista físico e maispoderoso por causa do forte lobby da indústria automobilística) e do avião (mais rápido para longasdistâncias). Recentemente, pela saturação do sistema baseado no automóvel e através dodesenvolvimento de trens rápidos, é possível detectar uma retomada do trem. Investimentossignificativos nas redes de metrô em cidades de porte médio e grande atestam sua importância comoequipamento estratégico metropolitano.

A grande necessidade de transporte de massa nas metrópoles estimula o sistema metroferroviário ase firmar como principal modo de transporte urbano. Baseado nisso, a requalificação de áreas deestação ferroviária e a criação uma rede dessas áreas na Europa tem sido o reflexo de uma políticacomum no continente. No entanto, esses esforços tendem a concentrar-se exclusivamente noaspecto do nó ou do lugar, e a maioria desconsidera aspectos de processo e contexto (aspectosaplicados no item 3.1 à Luz).

Em 3.2, abaixo, são apresentados os casos de Utrecht Centraal, na Holanda, King’s Cross emLondres, Inglaterra, e Euralille, em Lille, França. Todos os casos foram divididos entre ambiente demobilidade (nó e lugar), contexto e processo. A seguir, em 3.3 serão discutidos o limites detransposição dos exemplos para a realidade do estudo de caso paulistano – a Luz.

3.2 Estudos de caso

Os estudos de caso apresentados a seguir são de estações intermodais européias cujos exemplosadequam-se ao propósito de análise do impacto urbano relacionado à sua implantação. Apesar darealidade japonesa oferecer uma condição ideal para análise de estações, os exemplos europeus sãomais completos pela abrangência de escalas: desde a local até a internacional, com suas respectivasespecificidades envolvidas. As escalas relacionam-se através de um único equipamento, o queenvolve não só diversidade de usuários como também diferenciação entre os possíveis impactos noseu entorno. Outro aspecto que nos leva à análise de exemplos europeus é que o desenvolvimentoda mobilidade urbana a partir de equipamentos de grande porte – as estações – faz parte de umprojeto de todo o bloco europeu: existe uma consciência geral, e não somente de países isolados,sobre a importância da mobilidade numa economia terciária.

É necessário enfatizar que cada processo de desenvolvimento de entorno de estação responde únicae exclusivamente a uma realidade determinada, e corresponde às especificidades dos condicionanteshistóricos, políticos, econômicos e sociais a ela aplicáveis. No entanto, como será visto no próximocapítulo, é possível detectar uma série de fatores pertinentes em comum aos processos estudados, oque permite estabelecer uma relação entre eles.

Para o levantamento dos casos a seguir, levaram-se em consideração os conceitos de nó, lugar eambiente de mobilidade, anteriormente apresentados, além de descrever os aspecto do contexto e doprocesso envolvidos.

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3.2.1 Utrecht Centraal

CONTEXTO

Dentro de limites administrativos e legislativos precisos, as instâncias governamentais holandesas(nacional, provincial e municipal) têm grande autonomia desde que os assuntos não interfiram nasdemais escalas de planejamento. O governo municipal é a instância mais importante da políticaholandesa, já que o planejamento físico das cidades é elaborado e operado em nível local. Alémdisso, é prática corrente a atuação das prefeituras como investidores imobiliários. No entanto,quando o planejamento físico envolve grandes estruturas, como é o caso da estação central deUtrecht, o financiamento e o planejamento passam a ser responsabilidade do governo federal.

Desde meados da década de 1980, o projeto de áreas de entorno de estações tem sido alvo dediversos estudos e iniciativas públicas e privadas. Uma política nacional de transporte e uso do solo(mobilidade e urbanização/adensamento) permitiu consolidar essa tendência, onde os principaiselementos foram uma política locacional, investimentos maciços em transporte público e odesenvolvimento de projetos urbanos de grande capacidade de qualificação do entorno. A políticalocacional, conhecida como ABC, incentivava a concentração de atividades geradoras de tráfego depassageiros no entorno de nós de transporte urbano, visando à diminuição do transporte motorizado.Na área do transporte, o orçamento nacional passou a destinar expressiva parcela de recursos aoplanejamento de transporte público ferroviário, tendo como expectativa dobrar o número depassageiros até 2010. Este programa nacional chegou a ser o mais generoso da Europa, prevendo omaior investimento por quilômetro de linha férrea. Já os grandes projetos urbanos seriamdesenvolvidos pelas municipalidades em parceria com investidores privados, e entre seus objetivosdestacam-se a geração de empregos e a concentração de atividades econômicas, evitando a evasãoda classe média e reforçando centralidades. O marketing urbano que envolve a implantação deprojetos urbanos-chave é endossado pelo governo holandês através de políticas fiscais e dotação derecursos paralelos a esses grandes empreendimentos, dentre os quais muitos são de reestruturaçãode entorno de estações. Um dos projetos mais ambiciosos é justamente o Utrecht Centraal, um dosmais complexos projetos de reurbanização do entorno de estações na Europa.

AMBIENTE DE MOBILIDADE

Apesar de ser uma cidade média (ca. 240mil habitantes), Utrecht tem uma posição central nosistema ferroviário holandês. Isso faz dela um importante ponto de conexão nacional e a segundamaior estação ferroviária no país.

A Holanda tem sido planejada, nos últimos anos, como um grande conglomerado de cidades-funcionais: Amsterdam seria a cidade-aeroporto, Rotterdam a cidade-porto e Utrecht a cidade-estação. O planejamento setorial vem sendo desenvolvido de maneira a potencializar cada umadessas atividades de forma complementar. Em Utrecht Centraal, de 110mil passageiros/dia em19972, a previsão é que em 2015 haja 205mil passageiros/dia3 e, em 2020, cerca de 360milpassageiros/dia (131,4milhões/ano)4. Uma quantidade significativa de passageiros utiliza a estação

2 Spit e Bertolini, 1998:903 idem4 www.utrecht.nl: 06/11/2004

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não apenas para conexões férreas, mas também para embarque e desembarque de ônibus e trams,táxis e estacionamento para carros e bicicletas.

Na década de 70, a estação passou por uma reforma radical. O resultado, porém, não atendeu àdemanda de tráfego esperada para os anos seguintes. No final da década de 80, uma segunda emaior adaptação da infra-estrutura da estação. Completada em meados da década de 90, a reformaotimizou as conexões intermodais e o aumento da capacidade de atendimento da estação. Apróxima reforma prevista, a ser empreendida a partir de 2006, prevê modificações ainda maisambiciosas: extensão das plataformas, novo edifício para a estação e serviços (com uma enormecobertura de mais de 80mil m2), estação de ônibus compacta, túnel para carros e bicicletainterligando os dois lados da linha férrea, novas plataformas para o TAV alemão e para o novosistema de trens regionais de Randstad. O novo equipamento será uma estação intermodal comconexões de alta qualidade entre os modos, programados conforme a logística do usuário e não dasempresas operadoras dos sistemas. A partir de um único guichê, o usuário terá acesso a trens, metrô,ônibus, trams, táxis e estacionamento conveniado.

O entorno da estação conheceu também momentos de grande mudança. Nos anos 60 e 70, o enormecentro de convenções Jaarbeurs mudou-se para o flanco oeste da linha, região que hoje conhecegrande crescimento. Construiu-se progressivamente, a partir de 1973, um enorme centro comercialdenominado Hoog Catharijne (HC). A leste da estação e junto ao centro histórico, este complexoabriga shopping center, escritórios, equipamentos esportivos e culturais e apartamentos.

Análises feitas dez anos após a instalação do Hoog Catharijne apontam o complexo como agente demanutenção da centralidade econômica do centro histórico e responsável pelo acréscimo deempregos na região (Spit e Bertolini, 1998). Sua função, como pôde ser constatado posteriormente,é complementar à do centro histórico: além de atender a uma demanda por espaços terciários, nãoconfigurou uma função competidora em relação ao centro vizinho. Outro aspecto positivo é que sualocalização determinou o padrão de transporte dos usuários sobre um modelo de massas, o queevitou a atração de uma quantidade expressiva de automóveis. No entanto, esse aparente sucessoeconômico não se estendeu para o entorno por causa de seus desenhos arquitetônico e urbanopobres: o complexo privou a cidade de uma conexão direta com a estação, eliminando qualqueracesso alternativo. Seus corredores labirínticos, projetados para serem um continuum das ruas dacidade, tornaram-se um abrigo para usuários de drogas e mendigos à noite. Um local perigoso quefoi totalmente fechado durante a noite a partir de abril de 2004. As ruas do entorno que não tinhamrelação direta com o complexo tiveram perda significativa de tráfego de pedestres, o que implicoufalência de lojas e perda de valor dos imóveis. Soma-se a isso a falta de empatia dos moradores emrelação ao projeto, já que o edifício não é compreendido como parte da cidade.

PROCESSO

Apesar do sucesso econômico representado pelas sucessivas fases de implantação do HC, suainsatisfatória adequação ao tecido lindeiro, a falta de identificação dos usuários com o projeto e osparcos investimentos privados no entorno nas últimas duas décadas culminaram, em 1986, no planode reestruturação da área, denominado Utrecht City Project (UCP).

O UCP, promovido pelo governo municipal em parceria com os proprietários do complexo, visavaresolver as falhas arquitetônicas e urbanísticas através da reversão dos efeitos de barreira e de ilhaevidenciados. Outros objetivos do plano eram: promover melhoria na qualidade dos espaços

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públicos, diversificar as atividades econômicas, diminuir a dependência do carro e, principalmente,fortalecer a área como centralidade terciária de alto padrão em escala local, e nacional.

O acordo entre os consorciados (proprietários e municipalidade) ocorreu em 1988, quando entãodeveria ser elaborado um plano diretor para a área. Entretanto, desentendimentos entre os atoresenvolvidos – entre os próprios consorciados e entre estes e a população – levaram o plano a umasucessão de atrasos. O governo nacional, responsável por parte expressiva do financiamento,também mostrava descrença quanto à viabilidade do projeto. À margem da discussão pública, oplano seguiu sua elaboração até sua apresentação em 1993, revelando maior comprometimento dogoverno municipal com os investidores, em detrimento da população. Além de grandes reformas deinfra-estrutura, principalmente na estação, o plano previa acréscimo de áreas destinadas aescritórios, lojas, restaurantes e hotéis, apartamentos, cassino, auditório, cinema, teatro e galerias dearte. O significativo acréscimo de área comercializável pagaria as caras reformas de infra-estruturaprevistas.

Através de um grupo ativo desde 1990, o BOCP, residentes locais e ambientalistas apresentaramsua própria análise do UCP. Para o BOCP, o plano deveria ser uma resposta à real demanda local, enão uma manipulação de orçamento. As reivindicações do grupo podem ser resumidas nosseguintes itens, de acordo com Spit e Bertolini (1998:102): o projeto deveria ser multifuncional; osespaços públicos não poderiam ser dominados por equipamentos de grande porte; o plano deveriarefletir as reais necessidades da área, ao invés de uma equação entre o que é imposto pelo governonacional e o que é exigido pelos incorporadores; os impactos do tráfego sobre a qualidade dosespaços públicos deveriam ser considerados com maior seriedade; características e funçõesexistentes deveriam ser protegidas e incentivadas; o ruído dos trens deveria ser controlado ao longoda linha no trecho urbano, de modo que as áreas residenciais não ficassem restritas a localidadesperiféricas; 10% das habitações deveriam ser destinadas a habitação social, incluindo apartamentospara deficientes e idosos; e estruturas existentes e em boa condição deveriam ter seu uso melhorado,sem serem demolidos.

Somado à falta de apoio popular e do governo nacional, a instabilidade do mercado imobiliário naépoca levou à suspensão do UCP.

O fracasso do UCP deu margem a uma parceria entre novos atores, visando superar os problemasdetectados nas tratativas e desenvolvimento do plano anterior. Os participantes do novo UCP eramagora as três maiores incorporadoras imobiliárias holandesas e o governo municipal (três dosmaiores interessados no plano – HC, Jaarbeurs e a companhia férrea – simplesmente ficaram fora dadiscussão). Desta vez, a municipalidade teria papel preponderante, garantindo o interesse públicosobre o privado, e detendo 51% das cotas e do financiamento. A primeira fase do plano, de pesquisae avaliação, foi concluída em 1995 com a apresentação de um projeto conceitual muito poucoousado. A expectativa de início das obras era 1996 e a conclusão em 2004. Os objetivos principaisdo plano eram a implantação de transportes públicos de alta qualidade e conseqüente redução dotransporte individual, elaboração de espaços públicos qualificados, fortalecimento da estruturaeconômica da cidade e região e concentração de atividades geradoras de emprego no entorno daestação. Tratava-se mais de um projeto de desenho urbano, dedicando pouca atenção a questõesprogramáticas, que pouco mudaram em relação ao plano anterior.

O aspecto superficial do segundo UCP significou um obstáculo tanto à aceitação popular, quanto aodesembaraço de financiamento do governo central. Somaram-se a esse impasse os sérios contrastesde interesses com os excluídos do processo, cuja necessidade de participação mostrava-se evidente.Em 1996, logo após o desse novo UCP, foi montado um novo grupo para elaboração de um planopara a área. As lições aprendidas nas duas experiências anteriores mostraram-se proveitosas e, em

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poucos meses, novas diretrizes foram publicadas. A intervenção proposta entendia que a melhorados espaços públicos seria a principal maneira para estruturar uma solução. As diretrizes previamalterações drásticas na estrutura da área: o HC seria parcialmente demolido e setores remanescentesseriam profundamente alterados. O Jaarbeurs, por sua vez, deveria buscar diversificar suasatividades com foco no lazer e na cultura. O desenvolvimento das diretrizes, conhecido como VSO,partia do princípio que o maior problema a ser enfrentado era o isolamento entre os dois lados dalinha férrea. Uma nova estação intermodal deveria qualificar um espaço de transição para o pedestreentre o Leste e o Oeste da cidade ao configurar um eixo que integrasse todos os principaisequipamentos. Outro elemento da proposta, o City Boulevard propunha a conversão de ruas nosdois lados da estação em amplas avenidas arborizadas ao longo dos canais existentes e conectadasentre si sob os trilhos.

Comparando-se com o programa dos planos anteriores, o projeto previa maior concentração deescritórios no setor Leste (a maior parte dos ca. 360mil m2 propostos), além de equipamentos comocinema e teatro de grande capacidade, centro de entretenimento, praças de alimentação e cassino,buscando um desenvolvimento até então inconsistente desta área. Junto ao centro, a Oeste,concentrava-se a maioria dos quase 1900 apartamentos projetados (ca. 220mil m2). Lojas erestaurantes somariam aproximadamente 52mil m2.

Apesar do consenso parecer ter sido alcançado com entusiasmo, o VSO gerou novas controvérsiasque acabaram por suspender também este plano. O mesmo grupo formado pela municipalidade, oJaarbeurs, o HC e a companhia férrea iniciaram então um novo plano diretor para a área. O planofoi apresentado, em 2002, em versão preliminar, quando a população optou pela opção denominadaSpacious City Center, um entorno de estação ‘bonito, atrativo e vitalizado, acessível e novamenteseguro para todos’5. Em meados de 2003 o plano diretor foi reapresentado à população comsoluções de zoneamento, acessibilidade e circulação, e condicionantes de densidades e gabaritos.Continha também estudos de viabilidade, estimativa de custos e estudo de impacto ambiental.Atualmente, com o desenho preliminar dos primeiros edifícios apresentados, a previsão é que asobras se iniciem em 2006.

FIGURA 5: esquema geral da última versão do UCP, 2003, mostrando a transposição da linhaférrea pelos dois principais elementos do projeto: a City Corridor, em vermelho, é uma ruaprincipalmente para pedestres e ciclistas, com equipamentos culturais e esportivos; em verde, a

5 http://www.utrecht.nl/: 06/11/04

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Center Boulevard conecta os três principais elementos do complexo (oHC, a estação e o Jaarbeurs)e é um eixo eminentemente comercial. Fonte: www.utrecht.nl

FIGURA 6: usos, densidades e gabaritos previstos. Usos comerciais ao longo do Boulevard, usosinstitucionais ao longo do Corridor. Fonte: www.utrecht.nl

3.2.2 Euralille

CONTEXTO

As iniciativas de requalificação de entorno de estações, na França, tiveram como mola propulsora odesenvolvimento consistente e gradual da rede nacional de TGV6. A partir do sucesso da linhaParis-Lyon no início década de 1980, cidades em todo o território Francês passaram a perseguir suainclusão no plano de expansão como uma maneira de impulsionar a economia local. A conexão àrede de transporte de alta velocidade deu origem a numerosos e ambiciosos planos de reurbanizaçãojunto às estações.

A realidade mostrou que o TGV serviu apenas como um catalisador de uma economia local ativapreexistente. A expectativa de que ele pudesse criar novos centros, da estaca zero, não se verificouem localidades não-metropolitanas.

Os atores do desenvolvimento do transporte de alta velocidade na França tinham interessesdivergentes. De um lado, à companhia férrea estatal (SNCF) interessava interligar a Paris osmaiores pólos geradores de tráfego. Do outro lado, governos locais e parceiros privadosesforçavam-se em desviar, ramificar e diluir a rede do TGV até os centros das cidades. Ambas aspartes obtiveram êxito relativo, curiosamente sem uma interferência forte do governo federal.

AMBIENTE DE MOBILIDADE

Lille-Flandres e Lille-Europe são duas estações que compõem o complexo nó de transporte emLille. O primeiro atende os TGVs de Paris e trens regionais, o segundo atende TAVs internacionais.Além dos TAVs e trens regionais, a estação intermodal agrega ainda metrô, ônibus, trams eestacionamento para mais de 6mil automóveis. Este importante nó de transporte situa Lille emposição privilegiada entre importantes capitais: a menos de 1 hora de Paris, 25 minutos de Bruxelas,e a 2 horas de Londres e Amsterdam, Lille é uma espécie de epicentro geográfico, excelentelocalização para o desenvolvimento de atividades terciárias.

Lille é o coração de uma região metropolitana de mais de 1,5 milhão de habitantes. O Euralilleapropriou-se de um vasto território de antiga reserva militar, vizinho ao centro histórico e a infra-estruturas de transporte (estradas e linhas férreas) que separam Lille das cidades vizinhas. O grandevazio existente compunha com a existente estação Lille-Flandres um espaço mal integrado à cidadee pouco atraente para o mercado imobiliário. A linha férrea e a estrada segregavam ainda uma árearesidencial, alheia à dinâmica do centro histórico.

A implantação do complexo Euralille previu que a região seria drasticamente transformadaem diversas escalas: promoveria a integração entre duas realidades muito diferentes,

6 Train à Grande Vitesse = Trem de Alta Velocidade (TAV) francês

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separadas pela cicatriz dos eixos de transporte; e seria transformada num centro com fácilacessibilidade (num raio de 30Km) e o centro de um triângulo determinado por Paris,Bruxelas e Londres. Em 2020, a expectativa é que se torne a cidade mais acessível daEuropa7.

O PROCESSO

O túnel do Canal da Macha, no início dos anos 80, foi o início de uma extensa negociaçãointernacional que originou a idéia de transformar Lille em ponto estratégico dessa ligação. Em1987, um passo importante foi dado em direção ao desenvolvimento de TAVs interligando aFrança, Holanda, Bélgica e Alemanha pela assinatura de um acordo multilateral envolvendo essespaíses. Os transportes estavam na ordem do dia. No final desse ano, a decisão de que Lille abrigariaa estação de TGV era oficial.

A ligação entre a duas estações (a existente Lille-Flandres e a nova Lille-Europe) seria promovidapela construção de um grande complexo com programa diversificado: escritórios, habitação, lojas,equipamentos públicos, culturais e esportivos e espaços abertos. Para a elaboração do projeto, foramconvidados, em 1988, 8 arquitetos de renome internacional para um concurso de idéias. A idéia nãoera comparar projetos, mas sim posturas, partidos. O holandês Rem Koolhaas foi escolhido foiporque, segundo o júri, tinha uma visão de uma cidade, não só de um projeto arquitetônico. Otrunfo do arquiteto foi apresentar uma noção de interconectividade funcional, espacial e visual paraa área, além de ressaltar sua importância estratégica como metrópole internacional emergente.

O plano, apresentado em 1990, foi recebido positivamente pelos órgãos político-administrativos epela população, com poucas ressalvas e fraca oposição. Após a aprovação do plano pelo governometropolitano, formou-se uma sociedade de economia mista presidida pelo prefeito de Lille, eaplicou-se à área o instrumento de ZAC (zone d’aménagement concerte), uma espécie de ‘operaçãourbana’.

Koolhaas jamais imaginou que um plano tão ambicioso como esse poderia ser concretizado. Noentanto, poucos planos do porte do Euralille podem ser vistos com tanta serenidade quanto aoprocesso de desenvolvimento do projeto e sua implantação, e poucos exemplos gozam de sucessotão expressivo. A implantação do complexo intermodal associado a uma oferta coerente de espaçosmultifuncionais determinou um desenvolvimento da cidade em várias escalas: localmente,fortaleceu o centro e promoveu relativa integração entre bairros antes desconexos; a posição dacidade como pólo de serviços na região tornou-se uma realidade incontestável, transbordando suainfluência para o âmbito nacional. O desenvolvimento como pólo terciário internacional, noentanto, ainda é tímido, ainda que o desenvolvimento nessa direção seja consistente.

Quanto à diversidade funcional oferecido pelo Euralille, pode-se dizer que houve sucessoimobiliário no seu aspecto geral. As áreas residenciais foram todas absorvidas pelo mercadoprevisto e os escritórios foram absorvidos de maneira satisfatória. O correto planejamento docomplexo previu que o desenvolvimento não deveria ser somente encarado como a efetivação deum grande nó de transporte, mas como encadeamento de funções coerentes. A diversidadefuncional buscada foi uma das chaves do sucesso deste empreendimento. Como observa Bertolini(s/d), “o exemplo do Euralille nos lembra que estruturas físicas são apenas um entre os váriosfatores para produção de atividades urbanas”, já que devem ser considerados outros fatores tais 7 Segundo o estudo FAST, Lille passaria da 11ª. posição de acessibilidade, em 1991, para a 1ª. 30 anos depois. ApudSpit e Bertolini (1998:73)

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como distribuição funcional interna e externa ao empreendimento, viabilidade de implantação(política e financeira) e conexão a uma realidade preexistente.

FIGURA 17: plano geral Euralille em suas duasetapas (1ª. em vermelho, Euralille2 em azul).Fonte: www.saem-euralille.fr

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FIGURA 8: programa previsto para o complexo.Fonte: www.saem-euralille.fr

3.2.3 King’s Cross – Saint Pancras

CONTEXTO

A Inglaterra não apresenta um planejamento de transportes expressivo em termos nacionais, deforma que iniciativas individuais de instâncias administrativas menores e as empresas sãoindependentes de um plano integrador. Contudo, observam-se na Inglaterra diversas iniciativas dedesenvolvimento de entorno de estações, entre as quais a grande maioria localiza-se na região deLondres e, mais especificamente, na cidade de Londres. Esses projetos devem-se à intervençãodireta de dois agentes principais: a companhia férrea (British Rail) e empreendedores imobiliários.

A British Rail (BR) persegue, desde 1978, formas alternativas de investimento para complementarseus lucros. Operar sistematicamente no mercado imobiliário para capitalizar-se e investir em novasestruturas de transporte. Os empreendedores imobiliários privados, por sua vez, há muito detectamoportunidades nas ocupações obsoletas da orla ferroviária.

A interação das estratégias desses dois agentes tem determinado onde, como e quandodesenvolvimentos imobiliários e de infra-estrutura tornam-se realidade no país. Esses planos,geralmente de grande porte e resultados vultosos, beneficiam a BR com parte expressiva dos lucros.O governo local age timidamente e, como única recompensa pela criação de solo vendável epermissão de construção, procura obter o máximo de benefício estrutural para a comunidade. Com adebilidade do mercado imobiliário no início da década de 1990, o processo de planejamentobaseado em empreendimentos independentes de diretrizes governamentais tem se enfraquecido.Principalmente em casos como o King’s Cross, onde o plano não envolve meramente uma operaçãoimobiliária, mas também a implantação de um equipamento de transporte de grande porte, osgovernos locais têm interferido de maneira mais decisiva.

AMBIENTE DE MOBILIDADE

A conexão King’s Cross/Saint Pancras é um dos nós de transporte mais intensamente solicitados emLondres. Mais passageiros utilizam esta estação que qualquer outra na Inglaterra, à exceção deOxford Circus, no coração de Londres. O nó engloba diversas plataformas em diversos níveis quearticulam: 1 linha de TAV internacional (chamado CTRL, através do Canal da Mancha, comconclusão prevista para 2007); 2 linhas de trem nacionais, incluindo TAV ( TAV com previsão para2007); trem rápido para os aeroportos de Stansted, Luton e Gatwick (previsão para 2007); 3 linhasde trem regionais; linhas de ônibus urbanos, regionais, nacionais e internacionais; ponto de táxidentro da estação; e não menos de 6 linhas de metrô.

O projeto das estações King’s Cross e Saint Pancras prevê, no horário de pico, 10 trensinternacionais, 36 trens nacionais e 48 trens regionais, totalizando expressivos 94 trens por hora nosdois sentidos, sem contar uma média de 240 trens do metrô por hora! Soma-se a esse emaranhadomodal dentro das estações a Euston Road, que faz parte do anel viário central de Londres e ofereceboa acessibilidade ao nó também por automóvel.

Os terrenos adjacentes às estações King’s Cross e Saint Pancras correspondem a um dos maioresestoques de terra disponíveis atualmente para reurbanização na Europa. Localizados na periferiaimediata do Centro, encontram-se ainda resquícios de ocupações industriais e de armazenagem e

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uma modesta reserva natural. Diversos equipamentos públicos e edifícios institucionais convivemcom alguns prédios de serviço ao longo da Euston Road, hotéis no perímetro da estação, lojas nasvias principais e, ao norte da área de intervenção, indústrias leves. Cerca de 16mil pessoas moramno entorno das duas estações (Spit e Bertolini, 1998).

O espaço urbano é considerado desordenado, com raros e fragmentados espaços públicos, e suareputação é atualmente das piores em Londres.

O PROCESSO

As complexas negociações para o plano de King’s Cross iniciaram-se há cerca de 18 anos eenvolveram os governos central e municipal, a comunidade, os empreendedores imobiliários e ascompanhias de transporte. Desde muito antes, no entanto, a área chama atenção: o Plano para oDesenvolvimento da Grande Londres (GLDP) identificou, em 1976, a região como possível pólo deescritórios vinculado ao nó de transporte. Uma revisão do plano, em 1984, propôs limites ao caráterterciário e induziu à instalação de habitações de interesse social e indústrias leves.

Em 1987, a BR convidou empreendedores privados a apresentarem propostas para a área de cercade 58ha. Nesta época, embora a BR mantivesse em segredo, planejava-se a chegada do CTRL aolocal.

O vencedor da concorrência foi o grupo London Regeneration Consortium (LRC), que apresentouum projeto do arquiteto Norman Foster. O projeto identificou três elementos principais: as antigasestações, o canal Regent’s Canal e uma quantidade considerável de edifícios históricos ou derelevância arquitetônica relacionados à ocupação ferroviária. A partir desses elementos, econsiderando todas as linhas realocadas para o subsolo, o projeto propunha a ocupação do espaçoentre as duas estações como elemento de integração física funcional, acolhendo e distribuindo osusuários; um grande parque no centro da área que abrigaria os principais edifícios remanescentes edaria ênfase ao canal, com acesso por barcos e atividades de lazer; e edifícios que promovessem atransição do tecido existente com o parque.

Após a apresentação do projeto ao Parlamento e ao governo local, imaginava-se que as autorizaçõese negociações seriam uma etapa rápida. No entanto, o processo ficou marcado pela instabilidade dasnegociações, atores e procedimentos.

Spit e Bertolini (1998) anotam que, na primeira fase (1987 a 1992), tanto o governo local quanto osempreendedores estavam interessados em acelerar o processo, muito embora os pontos de partidafossem muito. A aprovação do plano foi longa, com diversas interferências do governo comimposições ambientais e sociais, sempre aceitas pela LRC. No entanto, o excesso de restriçõesimpostas passou a afetar a viabilidade do empreendimento. Grupos locais, sob uma organizaçãodenominada King’s Cross Railway Lands Group (KXRLG), passou a exigir planos alternativos,tumultuando ainda mais o processo. O KXRLG e o Kings Cross Team (KXT) apresentaram 2propostas alternativas em 1991, esta mais realista, aquela mais radical.

Em 1992, o governo local anunciou seu interesse em homologar o projeto do LRC, sob algumascondições. No entanto, em 1993, um parecer da Union Railways (UR), subsidiária da BRresponsável pelo planejamento das linhas de TAV, pendia para o lado dos grupos locais: o parecersugeria que a estação existente seria suficiente para abrigar a linha internacional, descartando anecessidade de construção de um caro terminal subterrâneo adicional. O governo, acatando o

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parecer da UR, inviabilizou o projeto da LRC, inteiramente baseado na criação da linha subterrânea.Adicionalmente, em 1994 o mercado imobiliário entrou em crise, abalando a credibilidade daoperação proposta pelo LRC.

Outros estudos e relatórios indicaram a possibilidade de um uso temporário para a área. O governolocal comissionou, em 1993, o KXRLG a desenvolver uma proposta, que não obteve êxito político.

A situação só teve uma nova orientação quando da aprovação, em 1995, de uma verba do governonacional para viabilização de projetos de regeneração urbana no país. Logo se formou um novoconsórcio para coordenar a verba destinada ao local, o King’s Cross Partnership (KCP), formadopor todos os atores relevantes. No entanto, a tensão no processo emperra, até os dias de hoje, aefetivação do plano. A conclusão do CTRL está atrasada, o que impede a verificação do potencialdo nó de transporte. Quanto à reurbanização da área, a ambiciosa expectativa do projeto de Fosteracabou dando lugar a um plano mais realista, que aproveita o potencial instalado em Saint Pancraspara a instalação dos novos trens e mantém as linhas na superfície. O projeto, desenvolvido pelaincorporadora Argent St. George, será empreendido após a finalização das obras do CTRL, em2007.

FIGURA 9: projeto propostopela Argent St. George emjulho de 2004. Fonte:http://www.kxrlg.org.uk/news/network1.htm

3.3 Considerações sobre a luz: possibilidades e limites de paralelismo

É indispensável estabelecer limites para a comparação entre os exemplos expostos em 3.2 e a Luz.Mesmo que todos eles pertençam a uma realidade muito próxima entre si, a comparação entre elesdeve se basear no reconhecimento da SINGULARIDADE de cada caso. Assim, deve-se consideraras especificidades tangentes às suas características espaciais e funcionais, incluso os requisitoseconômicos e políticos para o desenvolvimento de cada caso. Isso cria limites para comparaçõesqualitativas e quantitativas, mas pode-se aprender com erros e acertos do processo, e não doresultado individual.

Relativo ao processo, Spit e Bertolini (1998) estabelecem tópicos de interesse para a elaboração deuma análise comparativa, que podem sugerir as possibilidades do paralelismo com a realidadepaulistana. São eles Flexibilidade, Hierarquia de Influência, Escala e Ambiente de Mobilidade:

1. Flexibilidade: À exceção da tranqüilidade observada no desenvolvimento do plano para oEuralille, a divergência entre atores é um problema freqüente em projetos de grande porte.

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Associado a isto, problemas financeiros e demais externalidades retardam o processo deplanejamento e submetem a iniciativa à rigorosa ação do tempo. Um processo longo implicamudanças tanto na percepção da realidade, quanto da real demanda planejada. Pensando nisso,deve-se perguntar em que medida um projeto urbano de escala tão significativa pode preverflexibilidade sem causar fissuras no processo.

2. Hierarquia de Influência: nesses planos, o argumento econômico é sempre o mais relevante. Aele estão subordinados os elementos ambientais-funcionais e a proposta de melhoria urbanística,que serve como instrumento. Se houver discrepâncias entre os elementos, será, provavelmente, oargumento econômico que conduzirá ao resultado concreto. Outro dado importante que merece sermencionado é o desenvolvimento imobiliário. Este age mais como condição para a implementaçãode um plano do que como incentivo a ele. Em São Paulo, a reconhecida força do mercadoimobiliário em determinar o sucesso ou fracasso de uma região, à revelia das condições políticas ede infra-estrutura, deve ser considerado ao mesmo tempo como oportunidade e como risco para oplano.

3. Escala: Metropolização é um conceito profundamente enraizado em processos desta natureza.Sem a consideração dessa escala, o projeto prova-se inócuo e ingênuo. Um plano para a região daLuz deverá contemplar a escala metropolitana, assumindo o papel de articulador de centralidadesque provavelmente terá a chance de desempenhar.

4. Ambientes de Mobilidade: A configuração de um ambiente de mobilidade é característicafreqüente de estações intermodais, e quanto mais abrangente e eficaz for o nó de transporte e quantomelhor qualificado for o seu entorno, maior será a sua dinâmica. Na Luz os maiores desafios pairamsobre a possibilidade de regeneração física do entorno e sobre a interface entre estação e espaçourbano. A quantidade de espaço para desenvolvimento de atividades econômicas e habitação deveser proporcional à capacidade do nó de transporte para provar a centralidade viável. Da mesmaforma, o nó de transporte não pode operar com ociosidade quanto à proporção de espaços eatividades no entorno. Assim, o ideal do mercado imobiliário de máxima densidade e o ideal doplanejamento de transporte de máxima flexibilidade de infra-estrutura devem chegar a um difícilequilíbrio. A multifuncionalidade é desejável por ser um elemento essencial para a atratividade,habitabilidade e segurança da área, além de garantir melhor distribuição e utilização do sistema detransporte e permitir melhores rendimentos na exploração imobiliária.

No entanto, a multifuncionalidade é complicada de se planejar por ser difícil determinar asproporções ideais para cada tipo de atividade. No próximo capítulo serão elencados condicionantesrelativos ao caso da Luz que indicam uma possível vocação funcional para a área, mas um projetoefetivo não é objeto deste estudo e deve embasar-se em estudos de viabilidade aprofundados.

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4 CONCLUSÃO

O percurso induzido pela organização dos capítulos apresentados mostra que a região da Luz, deacordo com o desenvolvimento histórico e a atual organização metropolitana, tem condições dereverter a atual decadência e tornar-se potente articulador de uma rede de centralidades naMetrópole. Neste sentido, Meyer, Grostein e Biderman apontam o ‘Pólo Luz’ como situaçãoexemplar de uma reordenação de São Paulo, já que:

o novo padrão de organização do território metropolitano está intrinsecamenteassociado à mobilidade e é comandado, em grande parte, por seus novos atributos –dispersão e continuidade. Esse novo modelo espacial requer uma infra-estrutura detransportes cuja eficiência repousa na capacidade de integrar as atividades (...) e criarfortes e eficientes pólos articuladores locais. (Meyer, Grsotein e Biderman, 2004:242).

Reverter a decadência da região da Luz, no entanto, é tarefa árdua. Não bastam, embora sejamessenciais, grandes projetos de infra-estrutura de transportes, como é o caso do PITU2020. Faz-senecessária especial atenção a questões que transcendem à mera instalação de um nó intermodal naestação da Luz, como adequação do tecido urbano onde ela se insere (microacessibilidade) eincentivo à ocupação diversificada do seu entorno. A quantidade e a qualidade dos empregos emoradia a serem estimulados na região deverão estar em consonância com as proporções da novaestação e se reportar, concomitantemente, às escalas local e metropolitana sem se submeter aosvícios do mercado imobiliário nem à freqüente ingenuidade do planejamento estatal.

Algumas considerações sintetizam as análises feitas ao longo desta dissertação:

• A metrópole paulistana está organizada em pólos funcionais que apresentam má comunicaçãoentre si, inibindo a eficiência da rede de centralidades. As centralidades mais recentes e maisrelevantes em São Paulo avançam sobre território mal servido por transporte de massas, eapresentam saturação no sistema viário.

• A estação da Luz é o principal nó de um plano abrangente em avançada fase de implantação, econgregará o maior número de linhas férreas da Metrópole. Conta, além disso, com bomabastecimento de vias expressas como a avenida Tiradentes e a Marginal do rio Tietê eterminais de ônibus nas proximidades. O afluxo de pessoas à estação Luz tende a sofrerexpressivo aumento;

• Problemas de microacessibilidade devem ser alvo de profundas investigações.

• A região da Luz situa-se nas imediações de um centro estabelecido e indica possibilidade deatuar como sua extensão funcional. Considerando que a economia terciária elegeu o vetorsudoeste, seria ingênuo supor que um centro de serviços adicional seria viável no bairro da Luzou que este venha a substituir aquele. A região tem vocação de lazer pela existência deequipamento relevante. O comércio já está consolidado na região e é representado por ruas decomércio especializado. Pelo acréscimo de circulação de passageiros, o comércio serábeneficiado e subsidiará a criação de serviços de apoio como alimentação, hotéis etc.Fundamental para o sucesso da possível nova centralidade seria a formação de pólohabitacional.

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• A estação da Luz se transformará, progressivamente, no irradiador de transformação de toda aregião central e deve ser considerada com tal importância. Como visto nos estudos de caso, o nóexerce papel de organização de todo o entorno, e o edifício intermodal deve prever transiçãofuncional e espacial entre o nó e o lugar, resultando no denominado ambiente de mobilidade. Oatual projeto para reformulação da estação e suas conexões é tímido neste sentido, devendo serrevisto. Caso contrário, corre-se o risco de sedimentar o caráter de passagem do bairro que,elevado a índices superiores aos atuais, agravaria sua deterioração.

Diante da exposição acima, e considerando que a estação intermodal baseada no transportemetroferroviário é capaz de gerar transformação urbana, fazem-se necessários dois projetosdistintos, porém vinculados. Um deles seria a readequação urbanística da região da Luz (melhorar amicroacessibilidade e planejar a ocupação equilibrada do território). Outro seria o reestudo doedifício da estação intermodal de forma a contemplar não só a real demanda de tráfego, mastambém a transição física e funcional entre o nó e o lugar que se alimentam.

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