AVALIAÇÃO Da Aprendizagem - Luckesi (1)

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avaliação escolar

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educando - portanto, uma concepção construtiva da aprendizagem e, consequentemente, do desenvolvimento e da individuação do educando. A prática da avaliação, em virtude de subsidiara obtenção de resultados desejados e bem-sucedidos, dependede uma concepção pedagógica construtiva, seguida de uma execução consistente na obtenção desses resultados.

A avaliação subsidia uma intervenção, seja ela qual for,tendo em vista o seu sucesso; por isso se sustenta n uma concepção e numa ação voltada para o sucesso. Ao educador não interessa um resultado insatisfatório; ele deseja encontrar a soluçãopara o m elhor resultado possível de sua ação.

Infelizmente, nossa escola, de m odo geral, não tem investidono sucesso. A pedagogia tradicional - que tem fundam entado asnossas ações pedagógicas no cotidiano escolar e que não se propõecomo uma pedagogia construtiva - pe rmite-no s "dar aulas" e ficarà espera de que o educando tenha aprendido. Todavia, no contextode uma pedagogia construtiva, não podemos esperar que o educando tenha aprendido alguma coisa; devemos investir na construção dos resultados definidos e desejados. Por isso, somente umapedagogia construtiva sustenta uma prática da avaliação, e foi à luzdessa compreensão que apresentamos, nesta I a Parte, tanto umaproposta pedagógica construtiva como seus mediadores.

Servir-se dessa compreensão, ou de outra assemelhada, seráfundamental para que possamos transitar da prática dos examesescolares para a avaliação da aprendizagem na escola; assim

,como será fundamental para que saiamos do impasse do fracassoescolar, vivido no País como um todo.Não há como ocorrer uma mudança na prática do acompa

nhamento da aprendizagem dos educandos na escola sem efetivamudança de persp ectiva na prática pedagógica, dado que, com otemos sinalizado, o projeto pedagógico e sua execução consistente constituem a base, o estofo, da existência e da prática daavaliação da aprendizagem .

A avaliaçãoda aprendizagemcomo componentedo ato pedagógico

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Nota in trodutória à 2 a Parte

O ato de avaliar aaprendizagem

como componente doato pedagógico

Nesta parte do livro, vamos dedicar-nos propriamente à

avaliação da aprendizagem. Tudo sobre o que estudamos antesteve e tem como objetivo subsidiar o educador para que

compreenda que a avaliação da aprendizagem

não é um ato isolado e separado do ato pedagógico,mas, sim, um componente deste.

Po r isso, para que a compreendamos e a pratiquemos de modo

relativamente satisfatório, precisamos compreender os

recursos do ato pedagógico e apropriar-nos deles, inserindo

entre eles as compreensões e as práticas da avaliação.

Neste livro, não tivemos o desejo de repetir os tratamentosusualmente dados à avaliação da aprendizagem, como se ela fosse

uma disciplina isolada e à parte d o ato p edagógico. Os exames,

como veremos logo mais à frente, de fato são compreendidos e pra-I içados dessa forma. Para cumprir a sua essência, devem ser praticados co m essa configuração e não com outra, sob pena de

deixarem de ser exames, pois que, por si, são recursos de seleção

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e, para cumprirem o seu significado, desse modo devem ser praticados. A avaliação da apre ndizage m, por sua vez, não pod e serpraticada isoladamente, sob o risco de perd er sua dimensão pedagógica e passar a ser seletiva, à semelhança dos exames. Estestêm como objetivo classificar e selecionar candidatos, ao passo

que o ob jetivo da avaliação da aprend izagem é subsidiar o ensino

e a aprendizagem bem-sucedidos no interior de um p rojeto pedagógico. Trata-se de atos cujos objetivos são diferentes, ainda que,em nossa prática escolar cotidiana, usualmente esses atos sejamconfundidos como se fossem equivalentes.

A fim de compreender a avaliação da aprendizagem e aprender a praticá-la de forma operacional, o leitor encontrará nos seiscapítulos desta 2a Parte elucidações conceituais sobre avaliação emgeral e sobre avaliação da aprendizagem , estudos sobre os atos deexaminar e avaliar na escola e, ainda, sobre instrum entos de coleta

de dados para a avaliação, tanto sob um a abordagem crítica comosob uma abordagem construtiva. '

Nosso desejo é de que, com o estudo dessa parte do livro,os educadores percebam a avaliação como um mediador doprojeto político-pedagógico da escola. O ato de avaliar tem porfunção lembrar ao gestor que necessita de ser mais cuidadosodo que já tem feito em seu agir, se efetivamente deseja atingiros resultados almejados.

Avaliação daaprendizagem na

escola: investigaçãoe intervenção

Conhecer é poder. Essa afirmação foi feita por FrancisBacon (1561-1620) no nascimento da modernidade,

demonstrando que o conhecimento oferece ao ser humano opoder de realizar atos eficientes, isto é, ele subsidia a

construção consciente de resultados desejados.A modernidade e a contemporaneidade foram construídas

sobre esse alicerce, além de outros, evidentemente.

Quem detém o conhecimento detém o poder de fazer. Eleé um recurso que se soma a muitos outros; sem ele, porém , também nada se faz de form a qualitativamente elaborada. E usuporte p ara a ação adequada e satisfatória, o que se trad uz ecapacidade de construção dos resultados desejados. Sem conhe

cimentos não se chega aonde se deseja.Investigar para conhecer e conhecer para agir são dois al

goritmos básicos para a produção de resultados satisfatórios. Ocontrário disso é: sem investigação, não se tem conhecimente, sem conhecimentos, não se tem eficiência e qualidade.

Assumindo tais pressupostos, o objetivo deste capítulo é compreender o significado da avaliação da aprendizagem como um ato

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de investigar a qualidade do seu objeto d e estudo e, se necessário,intervir no processo da aprendizagem, tendo como suporte o ensino, na perspectiva de construir os resultados desejados.

Vamos, em primeiro lugar, estabelecer uma comp reensãodo que é o conhecimento, assim como do seu significado emgeral e do seu significado como recurso de ação eficiente, contexto

em que se insere a compreensão da avaliação da aprendizagemcomo recurso que dá suporte à construção de resultados escolares

bem-sucedidos. A avaliação como forma de conhecimento éapresentada, então, como a que subsidia a obtenção de resultados satisfatórios de det erm inad a ação, que aqui, no caso, é aapraridizagem do educando. Subsidia a obtenção dos resulta

do s desejados e definidos, e não de quaisquer resultados quesejam possíveis.

No que se segue, inicialm ente, abordaremos a ciência (conhecimento) como um modo de desvendar a realidade que oferece suporte a uma interven ção e ficiente (tecnologia) e, a seguir,tendo a compreensão da ciência como modelo, estudaremos oato de avaliar como um ato d e investigar e, se necessário, intervirpara a melhoria dos resultados em construção.

Importa manter presente a noção de, que a forma comocompreendemos a avaliação faz um a ponte com a form a comocompreendemos a ciência, ainda que cientes de que ciência e

avaliação investigam objetos diferentes - uma investiga a realidade, a outra a qualidade das coisas. Por isso, para compreendere praticar o modo de proce der da avaliação, importa minimamente compreender a forma de ser e de operar da ciência. Oobjetivo deste capítulo é estabelecer uma ponte entre essas duasáreas de conhecimentos, t orn and o a segunda melhor configuradaepistemológica e op eracionalmente.

1 A investigação e suasconsequênciaspara a ação hum ana

O que é investigar? Que consequênciasadvêm desse ato para a ação cotidiana de cada

um de nós? Essas são perguntas fundamentaispara compre ender a ciência e o seu significadoem nossa vida individual e coletiva, assimcomo para, através de um espelhamento, compreen der o ato de avaliar.

Respondendo a essas perguntas, daremosatenção a três tópicos: 1) o que é investigar eproduzir o conhecimento; 2) os limites da investigação; 3) os serviços do conhecimentopara a prática cotidiana tanto nas situaçõessimples como nas complexas.

1 1 Investigação e com preen sãoda realidade

O primeiro ponto importante nesse diálogoé a compreensão d o que é o conhecimento. Assumimos que ele elucida a realidade, transfor-

mando-a em algo compreensível. Ele permite"ver" o que a realidade é e como ela funciona.O term o investigar indica a possibilidade d e

conhecer alguma coisa que ainda não é conhecida; ou seja, significa produzir a compreensãode algo e, em decorrência, desvendar a tramadas relações que o constituem, o que implica

Sobre esse tema, cf.Cipriano Carlos Luckesi e

outros, O conhecimento

como compreensão domundo e como

fundamentação da ação ,capítulo 1 do livro Fazer

universidade: u ma proposta

metodológica (São Paulo,E d . Cortez, 2005,14 ed.,p. 47-78); cf. também

Cipriano Carlos Luckesi eElizete Passos,

Conhecimento,significado, processo eapropriação , capítulo 1 do

livro nt ro dução à il osof ia :

aprendendo a pensar (São

Paulo, E d. Cortez, 2004, 5«ed., p. 13-33). Vale a pena

ainda cf. A LV E S , Ru b em.F i lo so f ia d a c iêc ia :

introdução ao jogo e a suasregras. São Paulo:

Brasiliense, 1981.

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uma interpre tação da realidade - sua "leitura", para usar um a linguagem de Paulo Freire. A investigação torna a realidade inteligível. O que é obscuro torna-se claro, "iluminado", compreensível.

A interpretação da realidade, emergente do ato de conhecer, pode manifestar-se de diversas formas - como filosofia, teologia, literatura, artes... - , todavia a que aqui nos interessa

diretamente é a.forma científica, que tem por objetivo desvendarcomo as coisas se dão e como funcionam.

Ainda que a ciência ofereça um entendimento o mais abrangente possível sobre alguma coisa, devemos estar cientes de queela sempre será menor do que a totalidade da realidade estudada. Contudo , mesmo com essa limitação, esse entendimento,nascido da investigação científica, po de e deve ser eficiente; istoé, a ciência, além de propiciar a compreensão da realidade emsi mesma, possibilita agir com adequação, produzindo os resultados que desejamos.

Se tomamos um dicionário de língua portugu esa, verificamos que, para o te rmo conhecer , encontramos um conjuntovariado de significados, ainda que todos tenham em comum areferência à ideia de "compreensão da realidade". Entre essessignificados, podemos identificar um que nos auxilia em nossa

tarefa de entender o conhecimento com o um recurso que "ilumina" - traz à luz - a realidade. D iz um dicionário da língua na

cional: Conhecer é elucidar a realidade." O termo "elucidar"vem do latim e+lucere (prefixo e somado ao termo lucere), quesignifica esclarecer, trazer à luz, revelar o que se esconde. Desse

modo, etimologicamente, conhecer é tornar claro aquilo que éobscuro; isto é, tornar compreensível aquilo que ainda não o é.

U ma analogia com base na vida co tidiana ajuda-nos a compreender o que estamos tentando expor. Todos nós, um dia, j á

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vivemos a experiência de tran sitar de um espaço bem claro paraoutro escuro ou em p enumbra. U ma situação comum em queisso acontece se dá quando entramos atrasados em uma sala decinema. A situação ocorre m ais ou menos da seguinte forma: e ntramos na sala do cinema quando o filme já se iniciou, motivopelo qual as luzes já se encontram apagadas, e, então, avançamos

para dentro do espaço em p enum bra. De início, não enxergamosnada; após alguns instantes, porém, as retinas dos nossos olhoscomeçam a acomodar-se e passamos a enxergar vultos pouco definidos; decorrido um tempo a mais, vemos vultos definidos; umpouco mais de tempo e, agora, vemos pessoas na penumbra,assim co mo as poltronas ocupadas e as vazias. Co m essa percepção, já podemos locomover-nos e encontrar um lugar, o mais confortável possível, para nós nessa circunstância.

No escuro absoluto inicial da sala de cinema, nós não víamos

nada e não podíamos locomover-nos. Com o passar do tempo ecom a consequente acomodação da retina, começamos a distinguir pessoas e lugares, de modo que pudem os agir adequadamente. O escuro foi-se clareando, nossa vista fo i se acomodando,o espaço f oi se "iluminando", o que nos permitiu um a ação, comciência do que estávamos fazendo.

De modo semelhante a esse processo fisiológico dá-se o processo mental do conhecimento em geral e do conhecimento científico em particular, cujo resultado é o entendim ento que "ilumina"

a realidade, subsidiando uma ação adequada e eficiente.O que fazem os cientistas? Eles se servem de recursos me

todológicos sofisticados para a obtenção de dados, tendo em via formulação de hipóteses plausíveis que ofereçam um entenmen to da realidade.

O pap el da investigação é conseguir estabelecer uma compreensão - a mais plausível - da realidade. Marx dizia que, se a

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aparência (aqu ilo que vemos) coincidisse com a essên cia (aquiloque explica o que vem os), a ciência não faria sentido. A ciênciadesvenda o que se encontra "escondido" - obscuro - entre osfatos. Para q ue isso ocorra, os cientistas servem-se de cuidadosmetodológicos específicos que conduzem ao mais plausível conhecime nto da realidade investigada, ou seja, à compreensão da

realidade como é e como funciona.Diante da simplicidade dessa descrição, não podemos en-ganar-nos, julgando a pesquisa científica fácil e rápida de ser exe

cutada. O m odelo é simples, mas a busca é complexa. Por vezes,

são necessários anos de trabalho árduo e sucessivos investimentosmetodológicos em busca de uma resposta; porém, usualmente,sempre se chega a ela.

U m conhecimento produzido sempre subsidiará ações maisadequadas por parte do ser humano. Todavia cabe observar que,nos âmbitos mais complexos da ciência, nem semp re isso ocorrede imediato. Por vezes, a denominada pesquisa básica produzconhecimentos que somente num futuro próximo ou distantepoderão ser traduzidos em tecnologia, trazendo benefícios ao serhumano. O conhecimento pode tanto trazer uma solução imediata para impasses quanto guardar por longo temp o a potencialidade de transformar-se em recursos tecnológicos. No caso quenos interessa - da avaliação da aprendizagem - , importa que oconhecimento produzido subsidie de pronto possíveis encaminhamentos práticos, p ois a investigação, nesse caso, está a serviçode uma ação em curso, o ensino-aprendizagem, e por isso seuuso deve ser imediato, como veremos ao ocupar-nos do conceitodo ato de avaliar.

Em síntese, investigar é produzir uma compreensão da realidade, a melhor e mais abrangente; porém precisamos estar

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cientes de que a investigação nu nca trará o total e pleno entendimento daquilo que se dá à nossa frente. O conhecimento temlimites. Conquanto ressaltemos sua necessidade e imp ortância,vale a pena exp licitar que ele não é absoluto. Ainda assim, ele éfuncional, e, em consequência, subsidia ações adequadas, d iversas de quando agimos assentados na ignorância, um estado

em que permanecemos atrelados ao não saber - usando umametáfora -, "ao escuro .

No caso da avaliação da ap rendizagem, estaremos nos dedicando a ultrapassar a ignorância a respeito da qualidade do desempenho do educando, decorrente do ensino-aprendizagem.

1 2 Os limites do c onhe cimen to:o que é a realidade?

O que entendemos por "realidade" e a forma de abordá-la

impõem limites às interpretações que dela fazemos. Esse fatoobriga-nos a ser cuidadosos e humildes com o conhecimento queproduzimos e com o nosso saber. Ele é o mais seguro que temosno momento, mas não é absoluto.

Co m e feito, a "realidade" que conhecemos não é toda a realidade, mas aquela "vista por nós", a que cabe e m nossas lentes.A realidade, objeto de nossa investigação, é a pa rte de u m todoque conseguimos apreend er com os recursos metodológicos dosquais nos servimos. É a faceta que conseguimos abarcar, a qual,

não obstante sua parcialidade, se m ostra válida para oferecer-nosbase para nossa ação.

Etimologicamente, o term o "realidade" tem sua origem napalavra latina res, que significa coisa . A "realidade", no âmbitodo conhecimento, não é, todavia, uma coisa, um dado pronto,posto à nossa frente. Quando dizemos "realidade", fazemos menção à configuração das coisas que conseguimos delimitar por

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O termo olhar , aqui, estásendo empregado de forma

metafórica, expressando anossa capacidade e o nosso

modo de perceber, que

nunca serão plenos, por

terem sua base e mdeterminada perspectivadaquilo que é observado.

Para ajudar nacompreensão desse ponto,

podemos dizer, por

exemplo, que usamos umamáquina fotográfica para

registrar situações, mas umfotógrafo profissional usaessa mesma máquina não

só para registrar fatos,

situações, acontecimentos,

como também paraproduzir arte, a arte

fotográfica. Nós olhamos

uma situação, ele também;a diferença está em que nós

(leigos na arte defotografar) fazemos re tra to

e ele, profissional da área,

faz o tografia . O ato parece

ser o mesmo, mas o

resultado é bem diferenteem razão da perspectivasegundo a qual cada um

olha a realidade com omesmo equipamento.

meio de nosso "olhar", isto é, por meio donosso modo de concebê-las e observá-las.

A perspectiva segundo a qual vemos alguma coisa pode ser diferente da de outrapessoa, e esse fato possibilita a produção deinterpretações distintas, ou seja, de conheci

mentos diferentes. Nesse caso, não há umaperspectiva certa e outra errada, mas sim duasperspectivas na abordagem da mesma coisa,cuja validade dependerá da abordagem m etodológica utilizada.

No caso da medicina, temos várias correntes interpretativas da vida e da saúde, taiscomo alopatia, homeopatia, medicina natural... N o caso da física, hoje, temos pelo menos

dois grandes ramos de compreensão da realidade: a física clássica e a física quântica. Nocaso mais direto de nosso interesse, existemvariadas interpretações da aprendizagem.

Cada uma dessas abordagens produz conhecimentos válidos, ainda que, por vezes,

aparentemente incompatíveis uns com os outros. Ocorre que eles são produzidos tendo porbase pontos de partida (crenças, escolhas, v i -

sões filosóficas e metodologias) diferentes.Nesse contexto, muitas vezes o que chamamosde conhecimentos diferentes efetivamentepodem ser somente complementares e, juntos, podem oferecer um entendimento maisabrangente do mundo que nos cerca.

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Existe um a frase que d iz assim: "O mapa não é o territórioOu seja, o mapa é uma representação da realidade, e não a realidade mesma no seu pleno modo de ser.

De fato, a realidade mapeada sempre é maior e mais complexa que o mapa. Todavia isso não retira do mapa sua capacidadee qualidade na orientação dos que o utilizam para locomover-seno espaço, seja de um a cidade ou de u m território qualquer, ouainda, n o nosso caso, de um campo de conhecimentos.

Assim, metaforicamente, pode-se dizer que o conhecimentoda realidade corresponde a um mapa sobre ela, o que significque ele não abarca todas as suas nuanças, suas múltiplas facetas

e determinações, fato que não deve conduzir o cientista a contentar-se com o menos, fato que implica sempre na necessidade

da busca da mais amp la e signiticativa abordagem da realidade.Em de corrên cia dos limites do ato de conhecer, a história d

conhecimento revela não só modificações permanentes nos entendimentos e nos conceitos sobre alguma coisa, seja na filosofia,na teológica, na ciência ou em qualquer outro âmbito da cultura,como também nos constantes aperfeiçoamentos dos instrumentde observação (ou de coleta de dados), o que p ossibilita descriçõescada vez mais precisas do que se investiga e, consequentem ente,melhores e mais adequadas interpretações da realidade.

O que, por vezes, para nós é "a realidade", para outro nãoo é. Aquele que pode ser o nosso "mapa" pode não ser para ooutro. Os dados "empíricos da realidade" até podem ser os memos, mas as "leituras" (interpretações) produzidas sobre eles

podem ser diferentes, a depender da abordagem utilizada na i nvestigação, ou seja, da teoria com a qual o investigador aborda arealidade, assim como dos recursos técnicos que utiliza para co-letar os dados sobre o seu objeto de estudo.

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No campo da medicina, naturalistas e alopatas têm olharesdiferentes sobre os fármacos. Para os alopatas, os fármacos salvama vida; para os méd icos naturalistas, na maior parte das vezes, eles

são venenos para o organismo. Q ue t al uma terceira po ssibilidade,segundo a qual eles são utilizados quando necessários e, quandonão, segue-se a natureza? Olhares diferentes produzem intepre-tações diferenciadas da realidade, assim como modos de agir (tec

nologias) também diferenciados.Em suma, um conhecimento não é todo o conhecimento,

assim como "u m mapa não é o território", mas sempre um guiapara determinada ação. Mapas diferentes, no caso, guiam açõesdiferentes. A escolha de determinado "olhar" como ponto departida na construção e no uso do conhecimento depende de escolhas valorativas.

Nosso cotidiano está repleto de experiências em que osmesmos dados são interpretados sob óticas diferentes, com"olhares" distintos. Essas interpretações têrii suas'bases emcrenças diferenciadas sobre o m undo e sobre a vida, sobre osatos humanos e também sobre a aprendizagem que, epistemologicamente, recebem o nom e de cosmovisão.

Temos vivido essas experiências todos os dias no que se refere, por exemplo, às políticas nacionais e internacionais dos países - uma é a compreensã o dos mandatários e outr a é a do povo-, mas também no que se refere ao nosso cotidiano: uma é anossa compreensão, outra a dos nossos filhos; uma é a nossa compreensão de educadores, outr a a dos nossos estudantes; u m é oolhar dos físicos clássicos, outro o dos físicos quânticos; um é oolhar dos ambientalistas, outro o dos empresários que têm indústrias poluentes; um é o olhar do homem , outro o da mulher;e assim po r diante... Com isso queremos d izer que o olhar "faz"

a realidade em todos e quaisquer âmbitos da vida. Podemos olhara vida como alegria ou como tristeza; podemos conceber a aprendizagem como memorização ou como construção; podemos conceber a avaliação como form a de controle do educando ou comoforma de viabilizar satisfatoriamente sua ap rendizagem. Enfim,importa ter claro que nossa vida é dirigida po r nossos olhares sobre

a realidade, o que quer dizer, po r uma concepção teórica.Desse mod o, todo pesquisador deve ser cuidadoso com asescolhas iniciais que faz ao realizar pesquisas. Marx lembra a necessidade de servir-nos de uma m etodologia que aborde a realidade com base em múltiplos fatores intervenientes, o quepossibilitaria ao nosso conhecimento tornar-se o mais verdadeiroe abrangente possível.

Além desse ponto de partida, configurado pela abordagem,existem os limites da nossa capacidade d e observar a realidade, o

que envolve os recursos metodológicos de coleta de dados por nósutilizados - pois, sendo instrumentos, têm os seus limites, o queimplica em estarem sempre sendo aperfeiçoados tendo em vistapermitirem observações mais acuradas.

Quanto aos limites imp ostos à ciência pelos aspectos metodológicos, vale sinalizar pelo menos dois pontos que convém tê--los semp re presentes ao proce der a uma investigação: as variáveis (as determinações) que levamos em consideração no nosso

processo de conhecer e de produzir conhecimentos e os instrumentos que utilizamos para a coleta de dados a fim de descrever

nosso objeto de investigação.A realidade, em si, é comp lexa. Na constituição de determi

nada realidade, muitos são os fatores intervenientes. Considerando o ser humano, por exemplo, vemos que ele é, ao mesmotempo, biológico, psíquico, social, histórico e espiritual; além

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disso, existem os subfatores em cada uma dessas facetas: ao aspecto biológico vinculam-se os fatores anatómicos, fisiológicos,químicos, bioquímicos... e assim po r diante. Ma is ainda, a relaçãoentre esses múltiplos fatores determinantes produz manifestações diferenciadas. A modificação em u m deles altera o todo.

De modo semelhante, podemos tomar qualquer outro objeto de estudo e verificaremos que ele é complexo e que nós nãoconseguimos facilmente abarcar, e m nossa prática investigativa,todos os fatores (variáveis) presentes e intervenientes em determinada situação.

Então, como pesquisadores, cabe-nos levar em consideração a maior qua ntidade de variáveis possível, a im de evitar, aomáximo, distorções na interpretação da realidade. Contudo, porvezes, nem mesmo temos consciência de serem insuficientes asvariáveis que estamos levando em conta. Marx, em suas proposições epistemológicas, afirmava que um a explicação científicadeveria estar fundada em "múltiplas determ inações", exatamentena perspectiva d e superar, quanto possível, o limite das distorções em nossas interpre tações da realidade.

Quanto mais restritos forem os fatores determinantes quelevamos em consideração em determ inada pesquisa, tantomais rest rita será nossa interpretação da realidade. Quanto maisarticulada fo r nossa investigação com múltiplas variáveis, tantomaior será a possibilidade de estabelecermos razoável ou significativa interpretação da realidade.

Nessa linha, vale lembrar como exemplo o relato feito porMarx do estudo de uma situação fragilizada da economia francesa no século XIX . Os economistas franceses apresentavam aseca pela qual o seu território vinha passando como a causa dacrise económica instalada. Marx ressalta o fato de eles não teremse dado conta de observar que a economia de todos os outros

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países europeus também estava fragilizada, conjuntura quenão pode ria ser imputada à estiagem verificada na França, p oisnos outros países esse fator não existia. Ampliar os fatores quepermitem a compre ensão ou a explicação de determ inado fenómeno dá ao pesquisador condições de aproximar-se mais da realidade, em si complexa.

O exemplo revela que as variáveis da realidade levadas e mconta na investigação determinam a sua "leitura". U m olhar queintegre um número maior de variáveis, presentes e atuantes na realidade, produz uma compreensão mais compatível com a mesma.

Em síntese, conform e a abrangência das variáveis utilizadasnuma pesquisa, nossa interpretação da realidade será mais adequada ou menos adequada. Se estivermos utilizando uma únicaou poucas variáveis, podem os ter um a leitura bastante restritado qu e estamos estudando. Se estivermos atentos a um conjuntomaior de variáveis, certamente nossa leitura da realidade serátambém mais justa e adequada com a próp ria realidade.

Por outro lado, os instrumentos de coleta de dados sobre oobjeto em investigação são fundamentais para a abordagem darealidade, pois possibilitam sua descrição mais abrangente ou maisrestrita, mais precisa o u mais imprecisa. Se os instrumentos foremlimitados ou inadequados, nossa compreensão da realidade também será limitada ou distorcida. A realidade a ser observada e des

crita exige instrumentos de coleta de dados adequados a ela, ouseja, sua descrição está compro metida com a qualidade dos instrumentos de coleta de dados que forem utilizados.

Por exemplo, podemos recordar aqui que os estudos do sis

tema nervoso humano e suas funções, até há bem pouco tempo,eram realizados com base em observação de material proveniente de cadáveres. H oje, temos novos instrumentos de obser

vação para essa parte do corpo humano. Com base em recursos

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eletrônicos e em imagens, podemos observar um sistema nervosovivo, em funcionamento. Isso produz uma diferença enorme.

Quantas possibilidades novas esse fato traz para a ciência?Co m certeza, muitas. U ma coisa é descrever um sistema nervosoinerte e imaginar o seu funcionamento; outra, bem diferente, édescrevê-lo em seu funcionamento, como sistema vivo. Isso significa que a "realidade que observamos" depende de nossa capacidade de observação, ou seja, depende dos recursos técnicosde que dispomos para abordá-la e descrevê-la. Se nossos recursosforem rudimentares, nossa descrição também será rudimentar.Caso nossos recursos técnicos sejam refinados, também nossadescrição será mais apurada e precisa.

Em resumo, a realidade que observamos é a que "conseguimos observar", e a partir daí estabelecemos interpretações. Antesde alguma coisa ser conhecida, ela somente existia, mas não eraconhecida de determinado modo. Então, é o ato de consciênciaque dá a configuração da realidade que observamos - da formacomo nós a observamos, isto é, com os recursos técnicos de observação po r nós empregados. A realidade observada não é a realidade em si, mas sim a realidade configurada segundo nossacapacidade de observar.

Como veremos no Capítulo V desta 2a Parte, a maior partedos instrumentos que utilizamos para a coleta de dados sobre odesempenho de aprendizagem de nossos educandos são, infelizmente , de qu alidade insatisfatória, conduzind o a distorções em

nossos juízos.Nessa abordagem epistemológica, que viemos estabele

cendo sobre a amplitude e os limites do conhecimento, precisamos ainda distinguir dois fenómenos: "os dados empíricos derealidade" da "interpretação dos dados empíricos da realidade".

Dados empíricos são os fatos, acontecim entos, coisas, experiências...; interpretação é a compreensão que o pesquisador

estabelece sobre a realidade, tendo por baseos dados coletados. Marx distinguiu esses elementos, dizendo ser a realidade o concretoempírico e a interpreta ção que dela fazemosum concreto pensado. Nesse sentido, o pensado deveria ser a compreensão da realidade,a melh or e mais abrangente possível.

Diant e do exposto, poderíamos então dizerque o conhecimento é relativo? Resposta: é enão é, ao mesmo temp o. A objetividade e a validade do conhecimento que produzimos dependem dos recursos metodológicos por nósutilizados, sejam eles epistemológicos ou téc-

Marx trata dessa questão

nicos. Podemos afirmar que o conhecimento érelativo se, para formular esse juízo, nos servimos de um critério de universalidade abso

luta; nesse caso, um conhecimen to será válidocaso tenha um a validade universal, isto é, emqualquer tempo e espaço, não admitindo umaexceção sequer.

Ele não será relativo, todavia, se tomarmoscomo critério as possibilidades diversas de interpretação da realidade, tendo como base nossos recursos metodológicos. Sempre haverá u mfenómeno que foge à abrangência da equação

por nós estabelecida como a que expressa anossa compreensão da realidade, aqui e agora.Nossa equação de interpretação não consegueabranger todos os fenómenos de determinadacategoria, sem exceção, ainda que assim a ciência o deseje e busque agir dessa forma, pois essaé a garantia de sua validade.

na introdução do livro

O capi ta l , que tem diversas

traduções e variadasedições e por isso não cito

nhuma em específico.ne

Epistemológico tema ver com a abordagem

teórica da realidade, oolhar pelo qual o

investigador a interpreta;técnico refere-se aos

recursos de observação da

realidade e de coleta dosseus dados em píricos.

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Rubem Alves tem umalinda alegoria sobre isso, no

seu livro F i l o s o f i a da

c i ê c i a : introdução ao jogo

e suas regras (São Paulo,

E d. Brasiliense, 1981),quando compara a

metodologia de pesquisa a

um a rede para pescar. O s

peixes são apanhados em

conformidade com o

tamanho das malhas da

rede. Malhas grandes

deixam escapar os peixes

pequenos. Malhas miúdas,

por vezes, não suportam o

peso dos peixes grandes.

D e modo semelhante, osdados da realidade, na

investigação, serão

coletados segundo os

recursos técnicos utilizados.

Contudo, esse fato não suprime a objetivi-dade e a validade do conhecimento. Este éobjetivo e válido dentro dos contornos metodológicos em qu e foi construído, ou seja, tem umauniversalidade nesse contexto - o que suprimea compreensão de qu e, por si, ele é relativo.

Assim sendo, im por ta considerar qu e,quando dizemos "realidade", não estamos falando de um dado bruto, de uma afirmaçãoabsoluta, mas sim de um dado configuradopelo nosso olhar. Portanto, quando utilizamoso termo realidade para designar o objeto donosso conhecimento, temos de ter cautela ecompreender que ele não significa o "mundoexterior em si", mas "o mun do segundo nossa

capacidade de apreendê-lo" com os recursosmetodológicos disponíveis e u tilizados.Tal noção im plica assumir que nenh um

ato de conhecer nem o conhecimento dele decorrente são neutros - o qu e, em si, não significa não serem válidos. Neutralidade e validadesão categorias diversas. O conhecimento sofreas interferências das escolhas metodológicasque fazemos; contudo, no limite dessas escolhas- exatamente nos limites da nossa escolha metodológica a comp reensão produzida é objetiva e válida.

Mesmo com todos esses limites e exatamente no seu contorno, o ato de conhecer permite ao sujeito cognoscente um a compreensãodas conexões entre os elementos comp onentes

164

da realidade, formando um todo compreensível e, consequentemente, fundamentandoum a ação m ais eficiente e eficaz.

E m conclusão, convém estarmos cientes

de que o conhec imento da realidade por nósproduzido constitui a melhor leitura dela que

podemos fazer, ao mesmo tempo, que apresenta as limitações tanto do nosso modo deconcebê-la como dos recursos técnicos deobservação que utilizamo s.

Caso nossa concepção filosófica seja restritiva, o conhecimento que produzirmos tambémserá restritivo; caso nossos recursos técnicos deobservação sejam precários, também o seránossa leitura da realidade. O contrário tambémé verdadeiro: recursos metodológicos abrangentes produzem conhecimentos que fazem jus aoque é pesquisado.

Enfim, a realidade, na prática do conhecimento, é a "realidade que construímos concei-tualmente". Suas riquezas e limites dependerãodos nossos recursos metodológicos; daí a neces

sidade premente de a investigação estar sempre

em atividade construtiva. Essa circunstância nãonos deve desanimar. Ao contrário , deve desafiar--nos para a busca de novas abordagens e demais precisos recursos técnicos de observação.O co nhecimento e sua metodologia não têmfim, sua vocação é renovar-se e refinar-se sempre - o que faz sua grandiosidade.

O termo eficiente tem a

ver com a capacidade de

produzir resultados, e

eficaz com a possibilidade

de produzir resultados em

determinada perspectivadesejada. O primeiro

termo tem a ver com

produtividade em geral ,

o segundo com

produtividade para uma

determinada finalidade

específica .

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1 3 Intervenç ão eficiente deco rrentedo conhecimento

D o que vimos expondo até aqui, assumimos que conheceré u m ato de investigar a realidade, produzindo sua compreensão, o que, como consequên cia, possibilita sustentar uma açãoadequada e satisfatória à medida das amplitudes e limitesdesse conhecimento.

O terceiro ponto desse tratam ento do ato de investigar e conhecer refere-se exatamente à eficiência da ação, tendo comobase o conhecimento.

Ele oferece ao ser humano um recurso de ação eficientetanto no desvendamento qu anto na solução de impasses, dificuldades e resistências; isto é, oferece fundamentos para uma açãoprodutiva. Para exem plificar essa afirmação, vamos toma r variadas experiências da vida humana, desde as mais simples até asmais complexas. O objetivo é convencer-nos de que, p ara agir,necessitamos de conhecimento. Se não o temos, devemos produzi-lo ou então servir-nos dos conhecimentos dos outros, comoocorre na tram a cotidiana de nossa vida. Permanentemente recorremos aos conhecimentos especializados de profissionais po rnão termos a posse de todas as informações e habilidades necessárias para atender às diversas demandas da vida cotidiana. Eimpossível a qualquer um de nós abarcar todas as áreas de conhecimento que permitem a compreensão da realidade que noscerca; p or isso necessitamos da interação com os outros.

Iniciemos com um exemplo bem simples, já empregado emoutro momento. Suponhamos que eu, como certamente muitos devocês, leitores e leitoras deste livro, não saiba fazer u m bolo, masdeseje fazê-lo. Para atender a esse desejo, preciso adquirir conhecimentos. Pergunto a um vizinho como fazer o bolo ou comprouma revista de receitas, para obter as informações de qu e necessito.

Então, entro em contato com a informação; a seguir, dirijo--me ao mercad o, adq uiro os ingredientes e passo a fazer o bolo,seguindo os passos da prescrição. Certamente o primeiro boloque eu fizer não será suficientemente b om; então, busco maisinformações com quem sabe fazê-lo. Tomo novas lições. Comum pouco de tempo e de prática, estarei sabendo fazer um bolode modo relativamente adequado. Nessa simples situação, é oconhecimento que per mite uma prática satisfatória. Sem ele, poderia ter todas as outras condições, tais como ingred ientes, tigelas, batedeira, forno..., porém não teria como realizar o meudesejo, em razão de min ha ignorância sobre com o agir.

Agora, o exemp lo de uma situação mais complexa de eficiênciado conhecimento: o advento da Aids. Em 1979, identificou-se, nomundo, o primeiro caso dessa doença. Havia ignorância total sobre

esse novo fenómeno, que demolia a saúde das pessoas po r ele acometidas. De lá para cá, já se passaram em to rno de 30 anos de investigação e foram estabelecidos muitos conhecimentos sobre ascausas da doença e sobre as possibilidades de de belá-la.

No início, a Aids er a mortal . M as, à med ida que suas causas e os mecanismos de sua preve nção foram sendo compreendidos, e à medida que as drogas redutoras da quantidade devírus em circulação no corpo foram sendo produzidas, adoença fo i deixando de ser fatal para tornar-se crónica. Ho jum sujeito atingido pela Aids pode sobreviver muitos e muitosanos caso se submeta, com cuidado, aos tratamentos existentes. A med icina e a bioquímica farmacológica já d eram muitopassos desde então, e, com as compreensões atualmente existentes sobre esse fenómeno, as ações práticas tornaram-se etornam-se cada vez mais eficientes e eficazes. Esse fato histórico ilustra bastante bem quanto a investigação sobre algumacoisa possibilita uma ação m ais adequada e m relação a ela.

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U m terceiro exemplo, agora do cotidianomundial, relacionado com os efeitos benéficos de uma simples aprendizagem escolar.Em 26 de dezembro de 2004, ocorreu a dolorosa experiência do maremoto na região doSudeste Asiático, no Oceano Índico, com amorte de cerca de 290 mil pessoas, segundorelatos oficiais. Dias depois, em 3 de janeirode 2005, os jornais trouxeram um a notícia queilustra o que estamos expondo. A matéria jornalística trazia o título: "Menina salvou 100pessoas e dizia textualmente:

A presença de espíit o e os conhecimentos d egeografi a d e Ti l l y Sm i t h acabaram s a l v an d osua am í ia e a v ida de out ros cem tur i s tas napraia de M akhao, em Pukhet na Tai lândia .[ Ti l l y S m i t h estav a em veraneio n a Ta i l ân d i aco m seus pai s . ]

A o ver o ápi do recuo da água d o m ar, a meni-

na de 10 anos al ert ou seus pai s , que avi saram at o d o s para deixarem a p r a i a . M i n u t o s depois

um a ort e onda varr i a o ocal , mas sem deixar

v í i m as . Detal he: e l a h av i a estuda do o fenómeno dos tsunamis nas au jas de Geografia a penas

duas semana s antes da t ragéia na As ia .Humilde a pequena heroína deu créit o pelo

salvamento ao seu prof essor: O Sr. (An drew)Kearney n os ensinou sobre erremotos e como

eles podem causar tsunamis.Apesar de t er salv ado v idas , Ti l ly expli ca udo

com a s impl icidade de seus 10 anos: Eu estav a n a p r a i a , quando a água com eçou a ficar

engraçada. Tin ham bolhas e a s ondas s u m iram d e repente. Eu percebi o que estav a acon-

A Tarde Salvador, 3 jan. t ecendo e achei que era um tsunami. A í eu2005. Caderno 1, p. 14. avi sei a ma mãe.

168

U m simples conhecimento escolar sobre maremotos, oferecido a uma criança de 10 anos em sala de aula, salvou 100 pes

soas da devastação decorrente d e um fenómeno natural violento.U m último caso para ilustrar como o conhecimento to rna a

ação eficiente. U ma experiência bem corriqueira do cotidianvivida por m im, minha esposa e meu filho em uma viagem deférias para a região da Chapada Diamantina, na Bahia - um lugarde passeios p or trilhas entre pedras grandes e pequenas, arbustos, árvores, riachos, subidas e descidas.

Ocorreu o seguinte: desejávamos visitar um local chamado"Salão de Areia", situado nas proximidades da cidade de L ençóis,nessa região. O local é assim denominado p or ser constituído pograndes rochas em estado de d ecomposição, umas sobre as outras, formand o salas, corredores, túneis, passagens, frestas e janelas. Todavia, como as rochas estão situadas abaixo do nível d

chão, o espaço é dificilmente visível.Ao perguntar a um vend edor de garrafas de água e de refri

gerantes, que se encontrava no caminho para esse local, comose chegava ao "Salão de Areia", ele disse-nos: "Mais ou menospor essa direção", apontando com a mão em linha reta. E acres

centou: "E melhor ter um guia local."Aceitamos sua sugestão e tomamos um menino do lugar

como guia. Após andar em torno de 200 metros entre peque

nas curvas de trilha e arbustos, estávamos no "Salão de Areia".O que desejávamos estava ali, muito próximo de nós, mas escondido aos nossos olhos. O conhecimento simples de um menino levou-nos ao local. Era um conhecimento simples, masnós não o detínhamos ...

A lição é: sem o conhecimento, não chegamos a lugar algum;

muito menos a resultados satisfatórios decorrentes de nossa ação.

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Nessa linha, vale lembrar que "a ignorância é uma prisão eo conhecimento, em si, uma libertação". D e fato, é assim. O conhecimento não é tudo, mas sem ele não damos um passo àfrente, p or não termos a luz que ilumina o caminho. Marx diziametaforicamente que o conhecimento "abrevia as dores doparto", ainda que, s ozinho, não modifique a realidade. Afinal, ele

te m importância para todas as situações e momentos da vida,sejam simples ou complexos.A investigação e o conhecimento dela decorrente já subsi

diaram e continuam a subsidiar decisões práticas simples e complexas, com o po dem ser as envolvidas na tarefa de fazer um bolona cozinha de nossa casa ou ter o domínio teórico d o raio laser ede seu uso, assim com o da fissura dos núcleos atómicos e de seuuso tanto para atividades destrutivas (guerras) quanto construtivas e curativas (os procedimentos médicos radioativos); comopodem ser as relativas aos sistemas de comunicação e da infor-mática; como podem ser as complexas decisões políticas e eco

nómicas de uma nação ou as decisões sobre intervençõessanitárias em indivíduos e povos... e assim por diante.

Os exemplos p ode m mu ltiplicar-s e aos m ilhares nas maisvariadas áreas de conhecimento e práticas humanas. Conhecimento adequado e intervenção são dois fenómenos que caminham juntos, a fi m de satisfazer nossas necessidades diretas eimediatas, como tam bém nossos mais variados anseios de beleza,

alegria, satisfação e prazer.O conhecimento é libertador tanto para o ser huma no indi

vidual, em suas práticas cotidianas, quanto para o coletivo dospaíses e das nações, como riqueza ou como suporte para as r i -

quezas. Essa é um a compreensão política importante, que não

Sobre isso, poder-se-á lercom muito proveito o livrodo físico brasileiro José

Leite L opes intitulado

Ci êci a e i berta ção (Riode Janeiro, E d . Paz eTerra, 1978, 2* ed.). Vale apena também cf.B A S B A U M , Leôncio.Sociologia domater ial ismo. São Paulo:Símbolo, 1978.

2 Avaliação como

investigação e intervençãoe suas mod lid des

O ato de avaliar é um ato de investigar, conforme compreendido neste capítulo. Enquantoa ciência estuda como funciona a realidade, aavaliação estuda a sua qualidade. Ambas se servem de rigorosos recursos metodológicos: aciência descreve e interpreta a re alidade; a avaliação descreve-a e qu alifica-a.

Ao desvendar a qualidade da realidade, aavaliação oferecer á ao gestor de uma ação oude uma instituição bases consistentes para assuas decisões e o seu agir. Retomando meta

foricamente o que dissemos anteriormente, odesconhecimento é a escuridão, o conhecimento é a lu z que guia o caminhar. Sem os conhecimentos emergentes do ato de avaliar -como um ato de investigação científica -, aação pedagógica e seus resultados serãoaleatórios e, possivelmente, insatisfatórios.

cabe nos limites deste texto nem é nosso o bjetivo nestes esclarecimentos, mas deve ser le-vada a sério por todos nós.

A seguir, vamos fazer aplicações do exposto anteriormente - sobre investigação,conhecimento e ação eficiente - à prática da

avaliação em gera l e, a seguir, à avaliação daaprendizagem como ato de investigar e, senecessário, intervir.

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Nesse contexto, convém distinguir duas modalidades deavaliação: a utilizada para avaliar um objeto já configurado econcluído e a utilizada para avaliar um objeto em construção.Respectivamente, temos, então, a avaliação de certificação e a avaliação de acompanhamento de uma ação. Ainda que atreladospelo conceito básico de avaliação, são dois fenómenos diferentese dois conceitos distintos entre s i.

Essas duas modalidades de avaliação assemelham-se pe lo fatode ambas se dedicarem à investigação da qualidade do seu objetode estudo e distinguem-se pelo fato de a primeira - certificação -encerrar-se na qualificação do objeto com o qual trabalha e a segunda - acompanhamento - dedicar-se a acompanhar uma ativi-dade em sua dinâmica construtiva, tendo em vista a busca dosresultados desejados.

A primeira incide sobre um objeto já construído e a segunda, sobre u m objeto em construção. A primeira procede so

mente à investigação da qualidade do seu objeto de estudo; asegunda, além d e investigar a qualidade, subsidia, se necessário,a intervenção para a melhor ia dos resultados até o nível do critério preestabelecido. A primeira testemunha a qualidade do objeto de estudo, ao passo que a segunda subsidia o processo desua construção, ou seja, a busca dos resultados satisfatórios daação, a serviço da qual se encontra. Para usar um a linguagem conhecida no meio educacional, diz-se que a primeira é de produtoe a segunda, de processo.

A avaliação de certificação segue o ritual básico da investigaçãoda qualidade do seu objeto de estudo e tem como finalidade oferecer um testemunho sobre a qualidade do que foi investigado.

A avaliação de acompanhamento, centro de atenção destelivro, sob a denominação de avaliação operacional, investiga a qualidade dos resultados em andamento sucessivamente, primeiro sobo foco formativo - processo - e segundo sob o foco final de uma

172

ação - produto. Em primeiro lugar, ela subsidia a construção satisfatória dos resultados da ação em a ndamento e, na sequênciaao seu térm ino, certifica a qualidade do resultado final, que, emsi, deverá ser positivo, pois fo i para chegar a essa qualidade quea avaliação foi utilizada n o processo.

Do ponto de vista da certificação, na vida social e económicaexistem vários órgãos que dão testem unho d a qualidade de umproduto p ront o ou de uma instituição já instalada e produtiva.

O Inm etro é o órgão brasileiro oficial que cer tifica a qualidade de produtos industriais, assim com o a qualidade de empresas e de instituições. Para tanto, realiza uma investigação(auditoria) da qualidade do objeto de sua certificação - seja eleum produto, um a empresa ou instituição -, tendo p or critério asnormas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Té cnicas (AB NT ) ou por órgãos internacionais.

Nesse contexto, podemos lembrar ainda a certificação in

ternacional ISO (International Organization for Standardization), também dependente de uma investigação (auditoria) que,em caso positivo, testemunha a qualidade da empresa o u instituição que está sendo certificada.

As certificações profissionais no Brasil, como a da Ordemdos Advogados do Brasil (O AB) , das sociedades médicas (de Cardiologia, de O bstetrícia, de Infecto logia...) e de outras áreas, sãobtidas da mesma forma, ou seja, o interessado na certificaçãosubmete-se à investigação da qualidade do seu conhecimentoe desempenho em determ inada atividade e, então, caso seja

qualificado p ositivamente, recebe um certificado (testemunho)de que está apto a exercê-la.

O que, nesse contexto, significa a investigação da qualidade de um produto ou de uma instituição que servem d e basepara a certificação? Trata-se de uma pesquisa que usa recursosmetodológicos de coleta e interpretação de dados, segundo opadrões de uma investigação científica, por meio dos quais s

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obtidos e interpretados dados que garantem a validade do testemunho social oferecido. Se a investigação (auditoria), medianteos dados coletados, detecta um a qualidade insatisfatória, a certificação não é concedida.

A avaliação de acompanhamento também se caracteriza comoum a investigação da qualidade do seu objeto de estudo, tendo porbase uma coleta de dados realizada po r meio de recursos metodo

lógicos científicos. O que a diferencia da avaliação de certificaçãoé que atua tanto sobre o processo de construção em andamento naperspectiva do resultado final. E, no caso de uma qualificação negativa, após a investigação da qualidade dos resultados em andamento, subsidiará a intervenção para a correção o u a reorientaçãoda ação com a finalidade de chegar ao resultado desejado.

Em síntese, a avaliação de acompanhamento, num primeiromomento, incide sobre os resultados intermediários do processoda ação em execução; e, num segundo momen to, pe rmit e o olharsobre o resultado final da ação, o qual, em si, deverá ser positivo,pois para isso terão sido feitos investimentos, incluindo os decorrentes de tomadas de decisões subsidiadas pela investigaçãoavaliativa atrelada à ação.

Tendo presente esse entendimento, no que se refere à avaliação da aprendizagem, cabe o uso da avaliação de acompanhamento, uma vez que a aprendizagem é a, ação de aprenderrealizada pelo educando, cu jo resultado final é a aprendizagemsatisfatória, contando com o suporte do ensino - objeto da açãoe d o investimento do educador.

O estudante vem à escola para aprender e, para que issoocorra, precisa ser ensinado. Com o intuito de saber se estáaprendend o o suficiente e de forma adequada, importa avaliar aqualidade dos resultados em andamento que vem obtendo, afi m de subsidiar a construção do resultado final satisfatório. O useja, na avaliação da aprend izagem, incide sobre o acompanhamento do processo, tendo em vista a certificação final.

174

A semelhança entre essas duas práticas de avaliação é queambas são investigação, e a diferença fundam ental entre elas éque, para a avaliação d e certificação, o objeto é assumido com opronto e, para a avaliação de acompanham ento, o objeto é assu

mido no seu processo de construção, como be m se caracteriza oato de aprender, que tem como suporte o ato de ensinar.

A avaliação de produto realiza-se em dois passos: descrever e

qualificar a realidade. A avaliação de acompanhamento em três:descrever, qualificar e intervir na realidade, se necessário. Essespassos serão definidos no Capítulo IV desta 2 a Parte do livro.

3 Avaliação d aprendizagem como

investigação e intervenção

Estabelecidos os modos operacionais da ciência e os seus

usos na avaliação, dedicar-nos-emos nesta seção a introduzir a

compreensão da avaliação da aprendizagem como um ato deinvestigar e, se necessário, intervir, tendo em vista a obtençãodos resultados desejados da ação pedagógica. Vamos sinalizaraqui como a avaliação da aprendizagem, com essas características, se espelha no m odelo científico, ficando para o CapítuloIV, mais à frente, o tratamento do ato de avaliar a aprendizagem propriamente dito.

Na prática escolar, nosso objetivo é que nossos educandosaprendam e, po r aprender, se desenvolvam. A avaliação da aprendizagem está a serviço desse projeto de ação e configura-se comoum ato de investigar a qualidade da aprendizagem dos educandos,a fim de diagnosticar impasses e consequentemente, se necessário,propor soluções que viabilizem os resultados satisfatórios desejados.

Significa investigar e, com base nos conhecimentos produzidos,tomar decisões de intervenção quando necessário.

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A avaliação, em si, é dinâmica e construtiva, e seu objetivo,no caso da prática educativa, é dar suporte ao educador (gestorda sala de aula), para que aja da forma o mais adequada possível,tendo em vista a efetiva aprendizagem por parte do educando.A ação pedagógica produtiva assenta-se sobre o conhecimentoda realidade da aprendizagem d o educando, conhecimento esseque subsidia decisões, seja para considerar que a aprendizagem

já está satisfatória, seja para reorientá-la, se necessário, para aobtenção de um m elhor desempenho.Nesse contexto, o avaliador da aprendizagem agirá com o

um pesquisador. E, como em todo e qualqu er ato de investigar,necessitará:

1) conscientizar-se de que sua atividade tem por objetivo "iluminar"a realidade da aprendizagem do educando, conforme demonstramos anteriormente neste capítulo; ou seja, necessitará tercompreensão adequada do seu objeto de investigação;

2) estar comp rometido com um a visão pedagógica (uma teoria)que considere que o ser humano sempre pode aprender edesenvolver-se e, em consonância com ela, ter um plano deensino consistente e efetiva disposição de investir no educando para que aprenda;

3) ter ciência de que o conhecimento estabelecido com sua atividade de investigador dependerá:• de suas abordagens teóricas (o que significa que não

poderá olhar esse objeto sob todas as óticas possíveis, massim sob a ótica da teoria pedagógica assumida);

• das variáveis levadas em consideração (variáveis restritasou inadequadas produzirão conhecimentos restritos ou inadequados);

• dos instrumentos utilizados para a coleta de dados (instrumentos adequados e satisfatórios produzirão resultados

adequados e satisfatórios; instrumento s inadequados e insatisfatórios porém , p roduzirão resultados enganosos);

4) ter noção clara de que a prática avaliativa, no caso da aprendizagem, só faz sentido sendo, ao mesmo tempo, de acompanhamento (processo) e de certificação (testemunho final daaprendizagem satisfatória do educando).

A avaliação da aprendizagem só funcionará bem se houverclareza do que se deseja (pr ojeto político-pedagógico), se houverinvestimento e dedicação na produção dos resultados por partede quem realiza a ação (execução) e se a avaliação funcioncomo meio de investigar e, se necessário, intervir na realidadepedagógica, em busca do melhor resultado. Sem esses requisitos,a prática pedagógica permanecerá incompleta e a avaliação daprendizagem não poderá cumprir o seu verdadeiro papel.

U m a prática educativa que tem a avaliação como seu recurso subsidiário de construção dos resultados desejados deveestar fundada na crença de que tod o educando aprende e, poraprender, se desenvolve. Isso implica inves timento cotidianoem sua aprendizagem. Nesse caso, as dificuldades não deverão serfonte de desânimo, mas sim desafios que convidam o educadora investir mais e mais nos educandos. C om inves timento , todosaprendem e se desenvolvem.

Segundo as estatísticas, somente 5% da população mundialtêm alguma deficiência neurológica ou mental. Destarte, serraríssimos os estudantes com essas características que chegarãoàs nossas salas de aula, mesmo porque crianças e adolescentesque portam deficiência demandarão cuidados especiais, não oferecidos em salas de aula comuns.

Também poderão existir estudantes que não têm nenhumadeficiência reconhecida, mas portam marcas dos mais variadostraumas. No caso de os efeitos automáticos desses reveses da

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vida serem graves, o educador necessitará do auxílio de outrosprofissionais, tais como o orientador-pedagógico, o psicólogo e adireção da escola, para proceder a encaminhamentos necessáriose dessa forma minorar os efeitos negativos desses processossobre a aprendizagem escolar.

Lembramos, por fim, que o ato de avaliar, tendo como característica a investigação e, se necessário, a consequente inter

venção, estabelece uma ponte entre seu modo de ser e o modode agir da ciência e da tecnologia.

A ciência investiga e produz o conhecimento, ao passo quea tecnologia, num momento posterior, o aplica na solução dosproblemas e impasses humanos. De m odo semelhante, o ato deavaliar a aprendizagem, em primeiro lugar, envolve uma investigação sobre a qualidade dos resultados de uma ação em andamento, desvendando-a em sua satisfatoriedade (ou não), e a"seguir, se necessário, subsidia soluções com base nesse conheci

mento. O ato de avaliar - cujas nuanças serão tratadas nos capítulos que se seguem - constitui, por conseguinte, um atocientífico e assim deve ser praticado.

E m síntese, o ato de avaliar a aprendizagem, ainda quetenha muitos componentes metodológicos comprometidos, ésimples. Ele é o ato por meio do qual perguntamos ao nosso educando se aprendeu o que ensinamos. Se o educando aprendeu,ótimo; se não, vamos ensinar de novo, até que aprenda, pois oimportante é aprender. Todavia, esse ato simples envolve-se,

como veremos, num conjunto de fatores históricos, sociais e psicológicos que o tor na quase inviável. Para aprender - e efetiva-mente praticar - a avaliação da aprendizagem, necessitaremosfazer uma "desconstrução" (usando um termo da moda) de nossas crenças mais arraigadas e de nossos hábitos de ação; necessitaremos de transitar do senso comum para o senso crítico nesseâmbito de conhecimento.

Primeira constatação:a escola pratica mais

exames que avaliaçãoPara realizar mudan ças em nossas condutas, o primeiro

passo é tomar consciência, de modo crítico, do nosso agir

rotineiro. Padre Henrique Lima Vaz,um pensador brasileiro, diz que, quando algum padrão

de conduta já não nos ajuda mais a viver bem no cotidiano,

está na hora dele passar por um tribunal de razão , isto é,ser inventariado, criticado e reproposto.

Este capítulo tem por objetivo trazer à consciência umaconduta que se tornou habitual em nosso dia a dia escolar -

confundir os atos de examinar com os de avaliar aaprendizagem como se fossem equivalentes -,que já n ão nos ajuda mais em nossas atividades de

ensinar, esperando e desejando qu e essa constatação subsidie

um a nova configuração para o nosso agir.

Observando o que acontece com esses dois modos de agir -examinar e avaliar a aprendizagem - , torna-se possível estabele

cer as diferenças entre eles, de ta l maneira que possamos utilizarconscientemente um ou outro, sem confundi-los.

O presente capítulo destina-se ao levantamento do conjunto de características desses dois atos, possibilitando-nostomar consciência da confusão que ocorre em torno dos seus

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usos no cotidiano escolar, assim como no sistema de ensino e navida social. Fato q ue justifica nosso ponto de vista de que, hoje,na escola brasileira - pública ou particular, de ensino fundamental, médio ou superior -, praticamos predom inantemente exames

escolares, em vez de avaliação; todavia, de forma inadequada,usamos o ter mo "avaliação" para denominar essa prática.

Nos últimos 70 anos, fora do Brasil como den tro deste país,vagarosamente, fomos transitando do uso da expressão examinar

a aprendizagem para o uso de avaliar a aprendizagem do s estu

dantes, porém, na prática, continuamos a realizar exames - ouseja, mudamos a denominação sem mudar a prática. Então, nosdias atuais, em nossas escolas, efetivamente anunciamos umacoisa - avaliação - e fazemos outra - exame -, o que revela umequívoco tanto no entendimento quanto na prática.

Existe, de fato, uma parecença entre os dois atos que, a um

olhar superficial, parecem ser equivalentes, o que traz como consequência praticar exames e denominá-los dé, avaliação. Essesatos verdadeiramente têm em com um apenas o primeiro passo,

que é a exigência da descritiva da realidade do desempenho .doeducando; no m ais, são essencialmente distintos.

Cabe ter claro que a resistência a transitar do ato de examinarpara o ato de avaliar tem razões muito mais complexas e profundasque a parecença entre eles, como teremos op ortunidade de ver nocapítulo subsequente. Contudo, também não se pode deixar de

lado essa parecença, que pode nos enganar e tem nos enganado.No que se segue, neste capítulo, identificaremos e descre

veremos as características dos atos de exa minar e avaliar, as quaispodem não ser exaustivas, mas certamente são suficientes parao propósito de distinguir os dois atos.

A fim de realizar essa proposta, num primeiro momentoconfiguraremos, de modo comp arativo, os atos de examinar e

avaliar e, num segundo mom ento, em decorr ência das distinçõesestabelecidas entre os dois modos de agir, tornaremos comp reensível quanto nossa prática escolar, hoje, ainda é marcada pelopredomínio de exames escolares, denominados indevidamentede avaliação.

Vale ainda ressaltar que, quando, neste capítulo, tratarmosde avaliação, estaremos focados essencialmente na "avaliação deacompanhamento", em conform idade com a compreensão esta

belecida no capítulo anterior.

1 Características dos tos

de exa minar e avaliar na escola

As características dos atos de examinar e de avaliar serãoconfiguradas lado a lado, tendo por base comparativa as se

guintes variáveis: 1) tem pora lidade; 2) solução de prob lema3) expectativa dos resultados; 4) abrang ência das variáveis cosideradas; 5) momento do desempenho do educando; 6) função do exame e da avaliação; 7) consequência da função; 8)dimensão política do exame e da avaliação; 9) ato pedagógico.

Ao final deste capítulo, perceberemos com maior clareza a hi-pótese-guia, anunciada anteriormente e que lhe dá organicidadou seja a compreensão de que, hoje em nossa escola, o modo deacompanhar a aprendizagem dos nossos educandos está mais com

prometido com os exames escolares do que co m a avaliação.1) Quanto à temporalidade, os exames estão voltados para

o passado e a avaliação para o futuro.No caso, os exames escolares e académicos estão voltados

para o passado, o que significa que, numa prática de exame,

espera-se que o estudante manifeste aquilo que já aprendeu.

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Não importa o que ainda possa ou precise aprender, e sim queele seja classificado com base na aprendizagem manifestada aoresponder aos instrumentos de coleta de dados sobre o seu desempenho, aqui e agora.

Para o ato de examinar, vale somente o que o estudante co nseguiu assimilar e expressar até o momento presente, como desempenho resultante de sua dedicação aos estudos no tempoanterior àquele em que se submete às provas. Será premiado(aprovado) ou castigado (reprovado) em função do que conse

guiu aprender até o mom ento da prova.Ao exam inador interessa apenas o desempenho p resente do

educando, como decorr ente do que já aconteceu. Não lhe importa saber se ele p ode ap render ainda ou até aprender mais doque já aprendeu; importa-lhe somente o já aprendido. Com basçnesse dado, o estudante será classificado, de form a quase inape-

lável, pois que, n o cotidiano escolar, dificilmente a classificaçãode um estudante será modificada após seu registro, usualmentesobre a form a de nota ou conceito.

Diferentemente, o ato de avaliar está centrado no presente

e voltado para o futuro. Ao educador que avalia interessa investigar o desempenho presente do educando, tendo em vista o seufuturo que se expressa como a busca do seu m elhor aprendizadoe consequente desempenho. Por isso, interessa-lhe ter o diagnóstico ("o retrato") do que o estudante já aprendeu, mas tam

bém do que necessita aprender ainda, assim como lhe interessasaber, caso os resultados obtidos sejam insatisfatórios, quais osfatores condicionantes desse nível de aprendizagem - tais como:disfunção emocional do educando, carência de pré-requisitos,qualidade das atividades docentes, assim como do material di-dático utilizado, sem esquecer fatores como as condições físicase administrativas da escola em que o educando está matriculado,

o regime escolar. Todos esses fatores, e possivelmente outros,atuam sobre o processo de aprendizagem do educando. U meducador que avalia tem noção clara de que a aprendizagemnão depende exclusivamente do próprio educando nem , comexclusividade, d o próprio educador.

Direta e imediatamente, a aprendizagem depende da relação educador-educando, porém, para além deles, existem complexas variáveis que intervêm na produção dos resultados daaprendizagem do educando, positiva ou negativamente. Caso osresultados sejam negativos, para sua melhoria, as variáveis intervenientes precisam ser rem ovidas ou, ao menos, m odificadas.aprendizagem dos educandos dep ende de u m sistema de causas,

e não de uma causa única. Desse modo, as dificuldades podemter a ver com o educando, com o educador ou com as condiçõde ensino, com o currículo ou com outros fatores que transcen

dem a sala de aula.Para o avaliador da aprendizagem, o a pren dido interessa

somente como diagnóstico do estado do desempenho hoje; interessa como um re trato da aprendizagem no mom ento atual.O foco do avaliador é o prese nte, na perspectiva de con struçãdo futuro. Nesse caso, o passado serve exclusivamente comofonte explicativa do presente, que, por sua vez, serve de base

para o futuro.Assim sendo, quanto à variável temporalidade, os atos

de examinar e avaliar são opostos: o pr imeiro está voltadopara o passado e o segundo para o futuro. E isso tem umaimportância fundamental. O aprisionamento no passado nãopermite soluções para os impasses, pois, nesse caso, a atraçãopelo passado toma mais tempo e mais energia do que a atração para o futuro.

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Seria insano investir em atos de avaliação, caso nã o houvesse desejo de investir na melhoria para o futuro. Nenhumempresário faz avaliação da sua empresa em funcionamento exclusivamente para classificá-la em boa, m édia ou ruim: ele a avalia para encontrar a melhor solução para os impasses queenfrenta; ele a avalia com o olhar voltado para as possibilidadesfuturas de sucesso. O mesmo ocorre em nossas ações cotidianas;o mesmo deveria ocorrer na escola.

Em tudo o que fazemos, estamos em busca da construção damelhor qualidade dos resultados de nossa ação. Quando se praticaalgum tipo de avaliação, não se busca a classificação de algumacoisa, mas sim o seu diagnóstico que pode apontar para a necessi

dade de novos cuidados com uma ação em andamento.Na escola, infelizmente, por obra do senso comum im

pregnado em nosso inconsciente, praticamos exames, classifi

cando nossos educandos, fato que não subsidia gerir a me lhoriado seu desemp enho. ,Em síntese, quanto às dimensões do tempo, o ato de exa

minar tem o olhar fixado no passado e o de avaliar está voltadopara o futuro (ou m elhor, do presente para o futuro).

2) Quanto à busca de solução, os exames permanecem apri

sionados no problema e a avaliação volta-se para a solução.A variável busca de solução" está articulada com a anterior.

U ma vez que os exames estão voltados para o passado, permanecem atrelados ao problema. E então, permanece a aparência deque não existe solução possível para os impasses: "os educandosapresentam dificuldades de aprender", "por mais que se faça, osresultados são insatisfatórios", "o fracasso escolar é uma certeza ,

"condições de ensino dificultam uma intervenção significativa,tendo em vista a melhoria dos resultados"...

As frases mais comuns que ouvimos em nossas escolas, r elacionadas a esse entendimento, são do t ipo: "O s estudantes

já não são interessados como eram antigamente; por isso, nãoaprendem"; "Eu ensino, faço tudo o que é possível, mas elesnão aprendem"; "Com tantos estudantes numa turma, não hánada a fazer; muitos têm de ser reprovados mesm o"; "Não podemos aprovar quem não apren deu". De fato, com a filosofoculta sob essas expressões, não poderemos, de for ma alguma,investir na melho ria da aprendizagem. Nesse contexto, os exa

mes aparenteme nte revelam o problem a, porém, de fato, dãbase para essas e outras expressões que são mais lamúrias quediagnósticos verdadeiros.

A L ei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional diz queao educador cabe participar da elaboração do projeto político--pedagógico da escola, proceder ao planejamento do ensino ezelar para que a aprendizagem seja satisfatória. Todavia, com asposturas anteriormente indicadas, d ificilmente vamos zelar pelaaprendizagem, buscando soluções p ara os impasses; ao contrário,co m a lamentação expressa nessas falas, permaneceremos aprisionados nas dificuldades, parecendo que nada pode ser feitofim de m elhorar os resultados.

A avaliação está numa posição oposta a essa. Por voltar-separa o futuro, está vinculada à busca de solução. Só faz sentidotrabalhar com avaliação se estivermos desejosos d e buscar so

luções, visto que o ato de avaliar, em si, é subsidiário de solções. Se não for por um desejo claro de obter o melhorresultado de nossa ação, para que iríamos dedicar-nos à avaliação? Seria insano investir nosso tempo e nosso esforço emalgo que não teria outr a função senão somente revelar um problema. A essência do ato de avaliar é subsidiar soluções tendpor base um diagnóstico.

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Po r vezes, em ed ucação, prendem o-nos aos múltiplos levantamentos de dados sobre o desempenho do educando, daescola ou do sistema de ensino, mas não nos dedicamos a buscar e praticar soluções adequadas e construtivas. Por isso, nãoraro, anunciar avaliação ("De novo, avaliação? ") provo ca tédioem nós, já que estamos cansados de praticá-la e não ver as consequências que dela deveriam decorrer. O diagnóstico, decorrente do ato de avaliar, é o ponto de partida. Cabe ao gestorinvestir em soluções. A avaliação mostra a necessidade de umasolução nova, através da qualificação da realidade; cabe ao ges

to r investir nela.Os exames escolares estão aprisionados nos problemas da

aprendizagem e neles se perdem, tornando difícil qualquerpossibilidade de busca de solução para os impasses encontrados.A avaliação, ao contrário, p or voltar-se do presente para o futuro,está atenta às soluções. A função centra l do ato de avaliar é subsidiar soluções para os impasses diagnosticados, a f im de chegarde modo satisfatório aos resultados desejados.

Olhar para os atos de examinar e de avaliar na escola,

tendo como base a busca de solução", leva-nos mais uma veza compreender que se trata de atos opostos. Ambos revelamproblemas; contudo, o primeiro aprisiona-se neles e o outrosubsidia ultrapassá-los.

3) Quanto à expectativa do s resultados, os exames estãocentrados com exclusividade no produto final e a avaliação, noprocesso e no produto, ao mesmo tempo.

De forma compatível com a característica de "estarem voltados para o passado", os exames assentam-se com exclusividadesobre o desempenho final do examinado, ou seja, sobre a aprendizagem final à qual chegou o educando com os seus estudos.

Os exames assemelham-se à avaliação de certificação, ainda que nãosejam equivalentes a ela. N a prática escolar, os exames usualmenteocorrem no final de uma unidade de trabalhos pedagógicos, quepode ser u m bimestre, um semestre ou um ano letivo. No caso, nãointeressa o processo através do qual o estudante chegou ao desempenho, po r ele m anifestado, seja em um a prova escrita, em um a demonstração ou em uma entrevista, desde que o centro de atençãé o desempenho final e não o processo.

A situação é tão verdadeira, que, se u m estudante apresenta r respostas correias obtidas por meios fraudulentos e não fordescoberto nessa prática, as respostas são assumidas como certas,

pois se olha somente p ara o produto.Para melhor compreender a questão, vamos primeiro para

fora dos muros da escola: o vestibular como meio de acesso aoensino superior ou a prova realizada em qualquer concurso para

acesso a determinada atividade profissional numa emp resa ounuma instituição pública caracterizam-se como exames. Nessas

ocasiões, tem-se em conta somente o desempenho do examinando no momento em que ele está sendo examinado - nemantes nem depois. É com esse desempenho que será classificadono ranking seletivo.

Dentro da escola, o educando não está concorrendo a nada,mas os exames são praticados de igual forma, como se ele estivesse concorrendo a alguma coisa, p ois, com base em seus acer

tos e erros num teste, é classificado num a escala de notas ou deconceitos. Isto é, o que ocorre nos concursos é transposto paas atividades em sala de aula, ainda que sejam circunstânciasbem d iferentes. O candidato que se submete a um concurso estáem busca de um a vaga; na sala de aula, o estudante está somenteem busca da aprendizagem.

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A avaliação, diversamente dos exames, tem como centropredominante de atenção o processo de construção de um resultado, sem perder, em momento algum, a perspectiva do produto

final que dele decorre e sobre o qual, por meio da "avaliação deproduto", faz incidir a certificação. Há consciência da importân ciado produto final, mas também há consciência de que, para se chegar a ele, importa investimento no processo.

A avaliação, na modalidade de acompanhamento, trabalhaco m resultados intermediários e sucessivos, tendo em vista o resultado mais abrangente da ação que, em dado momen to, seráconsiderado como final. A questão funda mental não é o insucesso, sempre possível, mas sim como utilizar o conhecimentodo insucesso como base para um novo passo na aprendizagem,o que quer dizer para o sucesso.

Em síntese, no que se refere à expectativa de resultados óexame tem sua atenção centrada com exclusividade no produto

final da ação, ao passo que a avaliação se concentra no processo(acompanhamento) para chegar ao produto (certificação) - ouseja, a avaliação centra-se no processo sem esquecer o produto.O exame escolar espera o produto f inal, esquecendo-se doprocesso; a avaliação subsidia a sua construção, sem perder oproduto de vista.

4) Quanto à abrangência das variáveis consideradas, osexames simplificam a realidade, enquanto a avaliação tempresente a complexidade.

Os exames simplificam a realidade ao atribuir exclusivamente ao educando a responsabilidade pelos resultados daaprendizagem, sejam eles positivos ou negativos; e, no caso, oeducador é tomado simplesmente como se fosse neutro eisento de seus condicionantes psicológicos e culturais de exa

minador. Esse m odo de agir, na verdade, faz sentido na prática

dos exames, pois são seletivos e classificatórios, como veremos mais à frente, mas nãona sala de aula, onde se está em busca daaprendizagem.

Com efeito, os exames, quando transpostos ind evidamen te para sala de aula, nãolevam em consideração a complexidade dasvariáveis intervenientes no processo de ensino--aprendizagem e nos próp rios atos de testar aaprendizagem dos educandos.

O ato de examinar, quando utilizado nocontexto do ensino-aprendizagem na escola, genericamente falando, toma o educador e o educando como se fossem sujeitos existentes numvácuo de relações; como se existissem sem interferência das complexas relações com asquais cada um está em contato e que têm papéis determinantes; como se fossem sujeitosneutros, isentos das determinantes interferências administrativas, sociais, históricas, psicológicas, biológicas e espirituais presentes emtodos os seus atos.

Assim sendo, parece que o educador, aoelaborar o seu instrumento de coleta de dados

sobre o desempenho do educando, ao aplicá--lo e ao corrigi-lo, está isento de interfer ências,sejam elas quais forem. O mesmo ocorreco m o educando, que, no contexto dos exa

mes, é tomado como se fosse o único responsável pelos resultados do seu desempenho.

Há alguns bons anos atrásescrevi um texto, intitulado

Avaliação da aprendizagemescolar: do erro como fonte

de castigo ao erro como

fonte de virtude (hoje umcapítulo do meu livro

A va li ação da aprendi zagem

escolar São Paulo, Ed .Cortez, 1995), que abordaexatamente essa questão.Não importa que existam

insucessos; importa, sim,percebê-los e aprender com

eles o que fazer, a fim denão continuar a repeti-los.

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Caso se manifeste insatisfatório, a causa dessa insatisfatoriedaderepousa tão somente no fato de o educando não ter se ded icadosuficientemente aos estudos.

O estudante é tomado exclusivamente como um sujeitoque responde a um instrum ento de coleta de dados ou a umaarguição ou participa de uma atividade; e, aconteça o queacontecer, ele é o único responsável. Não se tem presente quesua aprendizagem depende de um conjunto de múltiplas variáveis intervenientes, para além do seu controle, nem se tempresente que sua atividade de responder a provas pode estar

determinada por fatores que estão para além de sua exclusivavontade de responder, o melhor que pud er ao instru men to aque está sendo subm etido. O u seja, no ato de examinar não selevam em conta, tanto no que se refere ao educador quanto*ao educando, os múltiplos e complexos condicionantes que se

fazem presentes nesse ato.No entanto, sabemos que, nessa circunstância, estão

presentes complexas e poderosas variáveis intervenientes.De imediato, ressaltam-se os fatores condicionantes psicológicos do educador e do educando. No caso do educador,ele está comp rom etido emocionalmente quando toma decisões sobre os instrumentos a serem elaborados, sobre omodo de aplicá-los, sobre os anseios e desejos decorrentes

das complexas experiências de sua vida passada e atual. Poroutro lado, o educando está, não menos que o educador,configurado p or suas complexas interações afetivas e cognitivas. Sociologicamente, ambos sofrem as determinações do seumeio: crenças, preconceitos, anseios, configurações sociocul-turais. Todos esses elementos se fazem presentes, produzindo

poderosa trama de relações que atuam no examinador e noexaminado.

Além disso, por trás do educador e do educando está o sis

tema de ensino com suas determinações próprias (que incluem aspolíticas educacionais, a estrutura do sistema de ensino, a escola

e suas configurações arquitetônicas, regimentais, curriculares epedagógicas); estão as famílias dos educandos com seus anseios

próprios, assim como as crenças sociais sobre o significado da escola na vida de cada um e na vida coletiva.

A prática de examinar simplifica essas complexas e pod erosas va riáveis, focando o olhar, de um lado , sobre o educador, queelabora um instrumento, o aplica e o corrige, e, de outro, sobre

o estudante, que está presente na sala de aula e responde ao instrumento posto à sua frente. Como se isso fosse tudo.

O ato de avaliar a aprendizagem na escola, ao contrário,

te m presente a complexidade da realidade. Po r estar voltadopara a melhoria do desempenho do educando, leva em conta complexidade das variáveis que intervêm na produção dosresultados considerados intermediários ou finais, pois somentatuando sobre elas e r eduzind o os seus efeitos é que a aprendizagem poderá vi r a ser satisfatória. Caso as variáveis qu e interferem negativamente nos resultados não sejam removidas,eles não virão a ser positivos.

Educador e educando são seres constituídos pela complexidade e deste modo devem ser encarados nos processos avaliativos. Simplificar essa comp lexidade significa não dar atenção aoser humano que está vivendo e atuando; no caso, o educador eo educando.

O foco do avaliador está centrado na busca do melhor resultado do ensino e da aprendizagem . Caso o resultado não seja

l ã d d d d d i d d t d i õ f ti

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positivo, ele não condena o educando nem o educador, mas investiga onde está o impasse, q ue variáveis estão interferindo des

favoravelmente na aprendizagem. Para tanto, tem presente acomplexidade da realidade.

Contudo, deve ficar estabelecido que ter em conta a complexidade para proceder ao ato de avaliar não significa considerarqualquer resultado como satisfatório: importa o melh or e o maissignificativo resultado. Não se pode contentar com a afirmaçãode que um estudante aprendeu "alguma coisa quando os resultados forem insatisfatórios. O estudante precisa aprender todoo necessário, que certamente é mais do que "alguma coisa . U mapedagogia compensatória - que, por questões ideológicas, assume que um estudante po bre, negro ou índio aprend eu, quandoefetivamente não aprendeu - exime o educador e o sistema d eensino de reconhecer as fragilidades existentes, o que, por suavez, suprime a necessidade de novos investimentos para sanar

os resultados negativos obtidos. Enfim, a pedagogia compensa

tória é um engano.A avaliação, como investigação, tem p or objetivo retrata r a

situação. Ela traz à luz a situação e seus impasses. E a partir daí,cabe ao gestor decidir o que fazer para sanar a situação do p ontode vista da m elhoria dos resultados, e não simplesmente assumir,compensatoriamente, que o estudante "deve ser aprovado paranão ser prejudicado".

Prejudicado ele já está, pelo fato de não ter sido bemensinado ou pelo fato do ensino ter se realizado em condições desfavoráveis, e o será mais ainda caso se admita queaprendeu, quando, na verdade, a aprendizagem ainda nãoocorreu, em d ecorrência das deficiências intervenientes . Sóa constatação da realidade como ela é - sem subterfúgios -

pode dar suporte a novas decisões, caso elas sejam efetivamente desejadas.

A decisão não consiste em pr omover ou não promover, massim em como encontrar os meios para sanar as carências deaprendizagem identificadas nos estudantes e como evitar suas

replicações futuras.Levar em consideração a complexidade da realidade na ava

liação implica no desejo de mu dar as condições da prática pedagógica como um todo, tendo em vista um resultado finalsatisfatório. Na avaliação da aprend izagem está em jogo a identificação tanto do nível de desempenho do educando quanto dofatores intervenientes nos resultados obtidos. Para mudar umarealidade, há que interferir em suas causas ou nos seus fatores condicionantes. Não adianta condenar (reprovar) o educando; isso significa permanecer no impasse. Importa encontrar a solução.

Enfim, quanto à complexidade das variáveis, o gestor queexamina simplifica a realidade e contenta-se co m isso, considerando que o educando é o único responsável pelo própriosucesso o u fracasso; porém, o gestor que avalia deseja os melhores resultados e, para tanto, está atento aos fatores intervnientes no ensino-aprendizagem que possibilitam seu sucesso

ou seu fracasso.

5) Quanto à abrangência do tempo em que o educando pode

manifestar o seu desempenho, os exames sã o pontuais e a avalia

ção é não pontual.

Como consequência das características anteriores, os examessã pontuais, "cortantes". É válido só o que ocorre no p resente, aquie agora, em d ecorrência de um passado de aprendizagens. O passado

é tomad o como o tempo em que o estudante teve oportunidade deaprender; se não ap rendeu, a responsabilidade é dele.

d d Toda iat i tá i l i t d

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Provas são recursos menos

sofisticados que os testes;

estes últimos exigemcuidadosa construção e

utilização. As provas foramdesenvolvidas quase de

modo empírico, com base

na experiência da práticaescolar, ao longo do tempo;

os testes foram configuradoscom o auxílio da

metodologia científica.

Nesse contexto, o estudante deve saber

responder às questões aqui e agora, no momento das provas ou dos testes; nã o importase sábia antes e se confundiu neste momentode responder ao instrumento, nem se poderávir a saber depois. É válido só aquilo que responder, pontualmente, aqui e agora, no momento da prova ou do teste, seja de formasatisfatória ou insatisfatória. U ma cena bas

tante conhecida de todos nós é a seguinte: porocasião dos exames, sejam eles praticados foraou dentro da sala de aula, usualmente, após terentregado a prova, o candidato ou estudantesai do ambiente onde participou da atividadeexaminativa e permanece ali p or algum tempo

refletindo sobre suas respostas.Nesse mesmo estado deiespírito, encon-

tra-se com outros colegas que se submeteram a igual experiência e então, por meio deum diálogo, se inicia a checagem daquilo quese acertou ou se err ou nas respostas. Sãoemitidas ou ouvidas falas iguais ou semelhantes às que se seguem: "Puxa, eu sabia isso;como fui deixar de responder?"; "Como nãome lembrei dessa resposta, tão simples?";"Meu Deus, a questão X era tão simples deresponder e eu me confundi. Como foi queisso aconteceu? E por aí seguem os comentários sobre aquilo que se sabia e não se respondeu adequadamente.

194

Todavia tais comentários servem exclusivamente para um d esabafo. Do ponto de vista do exame realizado, as lembranças e o bservações já não servem para nada, pois já não se pode re tomar aprovas a fim de consertá-las ou completá-las. Essa é a regra.

Como participantes de um exame, os estudantes teriam de terrecordado e manifestado o seu saber no momento exato em queresponderam à prova; depois disso, de nada mais servem as lem

branças e recordações. Em síntese, os exames são pontuais.A avaliação, ao contrário, é n ão pontual. Isso significa que o

ato de avaliar leva em consideração o que estava ocorrendo antes,o que está ocorrendo agora e o que ainda pode v ir a ocorrer nofuturo, p róximo ou distante.

Com o o ato de avaliar é construtivo, não se vincula somenteao instante atual, mas considera as variáveis presentes na situaçãoavaliada, assim como a persp ectiva de constr uir resultados maissatisfatórios no futuro. Tem um compromisso com o passado

(como vinha ocorrendo o desempenho?), com o presente (o queestá ocorrendo agora, como resultado de um passado?) e com ofuturo (o que poderá ocorrer amanhã ou depois, a partir de possíveis intervenções nessa situação?).

Na escola, um examinador poderá d izer a um estudante:"Você não sabe. Porém um avaliador dirá: "O qu e ocorreu

para que seu desempenho, neste momento, esteja sendo insatisfatório? ; ou: "Você ainda não sabe, mas poderá saber, setrabalharmos mais u m pouco. A fala do examinador é taxativae exclud ente, a do avaliador é inclusiva e construtiva, pelo fatode o exame ser pontual e a avaliação ser não pontual.

6) Quanto à função, os exames são classificatórios e a ava

liação é diagnostica.Em decorrência das características anteriores, os exames são

classificatórios ouj tanto o candidato num concurso qua nto l ifi tó i q q di q li d ãi

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classificatórios, ou seja: tanto o candidato num concurso qua ntoo estudante em sala de aula são situados numa escala.

A mais simples de todas as classificações escolares inclui somente dois níveis: aprovado ou reprovado. Todavia a maiscomum de todas as escalas classificatórias na prática educativaescolar é a de notas que variam de 0 a 10. Existe m, ainda, váriosoutros tipos de escalas: uma delas, muito utilizada nos cursos uni

versitários no Brasil após a reform a universitária de 1968, ser-via-se dos seguintes símbolos, com suas respectivas qualidades:(SR) sem rendimento, (I) inferior, (MI) médio inferior, (ME)médio, (MS) médio superior, (S) superior. Outra escala, tendopor base somente qualidades, está estabelecida da seguinteforma: inferior, regular, médio superior, excelente Outra ,ainda, a escala por letras: A, B, C, D, E. Mais recentemente,em consequência do ensino por objetivos, instituiu-se a seguinte escala: objetivos não construídos, objetivos em constru

ção, objetivos construídos.Cabe observar que, em todas essas escalas', quando utiliza

das na escola ou nos concursos, usualmente, existe u m ponto dereferência no qual e acima do qual ocorre a aprovação e abaixodo qual, a reprovação.

Todavia, nos concursos, existem casos de uso de escalas classificatórias sem a adoção de um ponto de referência - ou seja,enquanto houver vaga, todos os que se submeteram a uma provapodem ser admitidos, desde que não tenham obtido nota zero,numa estru tura de valores decrescentes.

A classificação, por sua essência, ao estabelecer um ran-queamento, inclui alguns - os aprovados - e exclui outros - osreprovados.

A avaliação, diferentemente dos exames, tem por carac

terística própria ser diagnostica, o que imp lica em não ser

classificatória, o que quer dizer que ao avaliador não interessa

colocar o seu objeto de estudo num ranking, que vai do maiorpara o menor, com um ponto de aprovação/reprovação. Interessa

somente constatar a qualidade da situação para, se necessário,proceder a uma intervenção.

Dizer que a avaliação é diagnóstica constitui um pleonasmo, uma tautologia. Toda avaliação pelo pr óprio fato de ser

avaliação, deve ser diagnostica. Trata-se de característica constitutiva sua. Contu do, mesmo sabendo disso, temos insistido (ecreio que vamos continuar insistindo) no uso dessa adjetivaçãoa fim de chamar a atenção dos educandos para a necessidade

efetiva da diferenciação entre os atos de avaliar e examinar,um a vez que, em si, o ato de avaliar é diagnóstico e o de exa

minar é classificatório. Aliás, vale observar q ue essa característica da avaliação é tão importante que, embora haja pequenas

nuanças, os termos utilizados pelos diversos autores para adjetivar a avaliação, em grande medida, se equivalem. BenjaminBloom e Philippe Perrenoud servem-se bastante d o termo for

mativa (avaliação formativa); Jussara Hoffmann emprega ote rmo mediadora (avaliação mediad ora); Celso Vasconcellosdenomina o seu olhar sobre a avaliação de dialético; José Eustáquio Romão denomina-a dialógica... Se nos aproximarm osdesses qualificativos com alguma profundidade, vamos verificarque todos eles, c om pequenas nuanças, querem dizer-nos quea avaliação é diagnostica, ou seja, subsidia uma intervençãoconstrutiva e criativa.

Diagnosticar significa retratar alguma coisa através dosdados empíricos que a constituem, isto é, a avaliação constaa qualidade da realidade, tendo p or base os seus dados, o que,de form a alguma, implica em sua classificação. A classificaçãoé estática - o objeto é situado em algum pon to da escala -, já

o diagnóstico é dinâmico, à medida que subsidia ogestor a in obtém é excluído A seletividade suprime anecessidade e a possi

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o diagnóstico é dinâmico, à medida que subsidia o gestor a investir na ação, tendo em vista a melhoria de sua qualidade.Classificar um objeto avaliado é uma escolha do avaliador, oque im plic a que não é constitu tiva da avaliação. U m objetoavaliado pode até ser classificado, porém não pertence à ava^liação essa car acterística.

O ato de avaliar, por ser diagnóstico, é construtivo, media

dor, dialético, dialógico, visto que, levando em consideração ascomplexas relações presentes na realidade avaliada e dela cons

tituintes, tem por objetivo subsidiar a obtenção de resultados omais satisfatórios possíveis, o que im plic a que a avaliação, porser avaliação, está a serviço do movim ento de construção de resultados satisfatórios, bem-sucedidos, diferen te dos exames queestão a serviço da classificação.

7) Quanto às consequências das funções de classificar ediagnosticar, os exames são seletivos e a avaliação é inclusiva.

O que significa o fato de os exames serem seletivos? Nosconcursos, significa simplesmente que, por serem classificatórios, são constitutivamente seletivos, o u seja, aprovam algunse re provam outros. E, quando utilizados no cotidiano escolar,

significa a exclusão de alguns ou de muitos,tque não são classificados como "aprovados".

Esse mod o de ser faz parte d o ato de examinar em si; é umapropriedade articulada diretamente com todas as anteriores con

figurações dos exames - voltados para o passado, centrados noproduto final, simplificadores da realidade, pontuais, classificatórios. Por serem classificatórios, implicam a seletividade, o queé natural numa situação de concurso; porém, na sala de aula, aseletividade é grave, pois atinge as raias da exclusão. Quemobtém a classificação mínima esperada é incluído, quem não a

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obtém é excluído. A seletividade suprime a necessidade e a possibilidade de futuros investime ntos nos excluídos.

Já a avaliação, po r ser diagnostica, é inclusiva, desde que é utilizada subsidiariamente no processo de ensinar e aprender, o queimplica na concepção de que ninguém pode ou deve permanecersem ap render. O ato de avaliar "traz para dentro".

Caso o estudante m anifeste não ter aprendido, é convidado

a "entrar na aprendizagem " e é auxiliado para que ela ocorraaquele que não tem uma conduta adequada é convidado e ajudado a adquiri-la.

Incluir significa "convidar a vir para dentro..." em variadascircunstâncias da vida. Numa roda de amigos, incluímos alguém quando o chamamos para dentro da roda. Na família,incluímos alguém quando o trazemos novam ente para dentrodas vivências e convivências familiares. No contexto da aprendizagem escolar, incluímos alguém quando lhe ensinamos o

que ainda não aprendeu; ele é convidado a adentrar a roda"dos que sabem ou saberão. Na escola, como um todo, alguém é incluído quando é admitido ao grupo, podendo conviver com todos em p é de igualdade.

No caso do ensino-aprendizagem na escola, significatomar o educando que apresenta alguma defasagem ou algumadificuldade, acolhê-lo nesse estado em que se encontra, tomarciência do impasse que está vivendo e oferecer-lhe suportepara que possa ultrapassá-lo. Lamuriar-se de u ma dificuldade

não traz solução.Incluir, então, significa convidar o outro para, juntos, ir em

busca de um a solução ou de um resultado que seja satisfatório. Paraincluir, em educação, o educador deve ir até onde o educando estáem suas dificuldades a fim de, e ntão, caminhar com ele ru mo aum a solução possível. Não basta julgá-lo de fora; importa, com ele,descobrir a defasagem e encontrar a solução.

A característicainclusivada avaliação decorre do fato de ela A li ção no esp ço dl de l

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A característica inclusiva da avaliação decorre do fato de elaser processual, não pontual, diagnostica, uma vez que seu objetivo é subsidiar a obtenção de um resultado mais satisfatório.Caso a avaliação não subsidie a inclusão, deixa de ser a valiação epassa a ser exame.

Em síntese, quanto às consequências da função dos atos deexaminar e avaliar, os exames são seletivos e a avaliação é inclu

siva. Expressam direções opostas.8) Quanto à participação na aprendizagem, politicamente,

os exames nas salas de aulas são antidemocráticos e a avaliaçãoé democrática.

À med ida mesma que os exames são constitutivamente sele

tivos, no espaço escolar, eles são antidemocráticos, à medida queexcluem parte dos estudantes que demandam aprendizagens, asquais, aparentemente, sã garantidas pela escola po r meio de seus

anúncios de prestação de serviço à sociedade. Todavia, nos concursos, a função seletiva encontra-se no seu devido lugar, pois,nessa situação, "democrático" significa garantir a cada um dos concorrentes a possibilidade equivalente de obter uma vaga a de pender de suas habilidades já conquistadas.

Porém, a condição democrática na escola, que está assentada no m elhor atendimento à aprendizag em de todos osestudantes, não pode admitir o uso dos exames no seu espaço, à med ida que eles, quando aí praticados, contradizemessa condição sendo seletivos e, por conseguinte, excludentes. A seleção e a consequente exclusão, quando praticadasem sala de aulas, expressam condutas antidemocráticas, poisnesse espaço todos devem aprender. Desse modo, nos concursos, os exames são democráticos, porém na sala de aulas,são antidemocráticos.

A avaliação, no espaço da sala de aulacomo em qualquer outro contexto onde hajaprocesso, por ser inclusiva, é democrática. Oobjetivo da ação pedagógica, no contexto dasala de aula, é que todos aprendam e se desenvolvam, o que implica que ninguém seja excluído. Aqueles que, em um primeiromomento, não apresentem os resultados espe

rados, se forem cuidados, poderão apresentá-los em um segundo ou em um terceiromomento. O que importa, então, para o educador que avalia, é a aprendizagem de todosos estudantes que se encontram na escola.

Assim, politicamente, se desejamos umaescola de fato democrática, ou seja, um a escola

que subsidia a formação dos educandos comosujeitos e como cidadãos em condições de igualdade, faz sentido utilizar a avaliação, evitandodentro d a sala de aula a confusão entre os atos

de avaliar e examinar.

9) Quanto ao ato pedagógico, os exames sãoautoritários e a avaliação dialógica.

Há muitos anos, em 1984,

Os exames, quando em sala de aula (e tam

bém fora dela), oferecem a possibilidade de seuuso dar-se de forma autoritária. O autoritarismofacilmente p ode manifestar-se no ato de examinar.Tentemos compreender essa constatação.

Com o uso dos exames, o educador ou ainstituição educacional têm a possibilidade

escrevi um artigo intituladoAvaliação educacional

escolar: para além do

autoritarismo (hoje umcapítulo do livro Av al ia ção

da apr endizagem escolar

São Paulo, Ed . Cortez,1995), cujo objetivo era e émostrar qu e efetivamente aavaliação pode e devecontribuir para a

democratização do ensinode qualidade na escola.Nesse texto pode s er lida

com proveito a exposiçãosobre como os exames, noespaço escolar, sãoantidemocráticos e a

avaliação democrática.

~] O i nk anterior relembra oartigo Avaliaçãoeducacional escolar: paraalém do autoritarismo .Nesse texto, trabalhei

algumas das muitas formaspelas quais se pode serautoritário por meio dosexames escolares.

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de aprovar ou reprovar estudantes; e paraisso eles têm sido em conteúdos secundários em termos designificados "só

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de aprovar ou reprovar estudantes; e para isso eles têm sidoutilizados. Para tanto, basta manipular as questões das provase testes em proveito das intenções que se tenham. Pode-se,

por exemplo, criar questões bastante complexas para que osestudantes não consigam responder a elas e, consequente

mente, sejam reprovados; ou pode-se, ao contrário, facilitarmuito as questões e as situações-problema propostas, de

modo que todos sejam aprovados sem que aprendizagens significativas tenham sido efetivadas. Ambas as posições revela m a poss ibilidade do uso autoritário dos exames. E, no caso,

o arbítrio está nas mãos da autoridade pedagógica ou institucional, que pode ultrapassar os limites da autoridade, che

gando ao autor itarism o.A autoridade pedagógica existe e é necessária, visto que o

educador está na sala de aula para ser o ad ulto da relação pedagógica, o que exerce a função de líder do processo de ensino--aprendizagem, dando a direção e o co ntorno dos atos e práticaspedagógicas. Autoritarismo é a exacerbação da autoridade; usar

esse lugar de educador para impor uma direção como se nãohouvesse outras possibilidades e o utros olhares p ara a mesma experiência; como se a realidade fosse simples e única, comp atívelsó com o olhar do educador naquele momento. Desse lugar, sóo educador tem razão, o educando nunca. Ele detém o poder, oeducando não.

A vida pessoal de cada um de nós, quando estudantes regulares na escola, fo i marcada p or muitas experiências autoritáriasem provas que se fixaram em nossa história psicológica, tais com o:ressentimentos por atos injustos nos processos examinativos; notas

baixas não merecidas; provas com conteú dos além e/ou diferentesdos ensinados; questões elaboradas com ambiguidades; armadilhaspara surpreender os "incautos"; utilização de questões com base

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em conteúdos secundários em termos de seus significados, sópara ver se os alunos estudaram ".

Nessas circunstâncias, a autoridade sempre terá razão. O educando, nunca. Questões duvidosas, comp licadas, incompreensíveissempre terão como resposta certa a que o educador assumir comotal. N ão há diálogo, e consequente negociação, seja sobre os conteúdos presentes nos instrumentos de coleta de dados sobre o desempenho do educando, seja sobre as respostas às questões. O únicoentendimento válido é o da autoridade.

Entr etant o o ato de avaliar, por ser construtivo, constitutivamente exige o diálogo, a negociação. Ele não oferece à autoridade pedagógica o exacerbado poder de aprovar oureprovar, mas sim um subsídio para construir, com o educando, os melhores resultados da ação pedagógica. E isso implica acolhimento, parceria, aliança e diálogo na busca de

objetivos com uns, desejados pelo educador e p elo educando.Afinal, o educando vai à escola para aprender e o educadorpara ensinar, sem esquecer que é o adulto da relação pedagógica, o líder da condução do ato pedagógico.

Acolhimento, diálogo e confrontação são recursos quedevem atuar conjuntamente, para que educador e educando possam trilhar na busca dos resultados desejados. A avaliação nãopõe nas m ãos do educador o poder de aprovar ou reprovar, massim o poder de partilhar eficientemente um caminho de aprendizagem, desenvolvimento e crescimento. Ela possibilita ao educador tomar decisões e p raticar intervenções a favor da melhoaprendizagem do educando.

O diálogo, em avaliação da ap rendizagem, torna-se fundamental para saber de onde cada um dos interlocutores - no caso,

o educador e o educando - está falando.

U mexemplo ajuda-nos a compreenderNumaconversa escola hoje genericamente falando no que se

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U m exemplo ajuda nos a compreender. Numa conversaem sala de aula de turma das séries iniciais, o educador fez aseguinte pergunta aos educandos: "Onde ficam os peixes?U m a criança respondeu: "N os museus." Sem dialogar, de imediato o educador julgaria: "E stá e rrado ." Com o diálogo, pódese saber de que p onto de vista o estudante estava dando aquelaresposta. Então, a professora perguntou-lhe: "Como você che

go u a essa conclus ão?" Ao que ele respo ndeu: "Professora,ontem fu i visitar um museu com minha mãe e v i muitos peixesembalsamados e outros fossilizados em pedaços de pedra."O.k. , disse a professora. "Porém, estou perguntando sobre

os peixes vivos. Onde eles ficam?" Então respondeu o estudan te: "A h, profes sora, os peixes vivos estão nas lagoas, nosrios, no m ar; também no aquário lá de casa.

O diálogo possibilita o entendim ento e a "negociação", eentão, nessa perspectiva, verificamos que não há erro, mas simoutro conhecimento, d iferente do que estaríamos esperando emresposta à nossa pergunta. ,

Sintetizando, qu anto ao ato pedagógico na escola, os atos deexaminar e avaliar também assumem duas direções distintas. Seobservarmos bem , são até mesmo opostas. A tradição, em nossaprática escolar, tem sido examinar o que usualmente tem impedido o diálogo entre educador e educando.' Todavia a avaliaçãonão pode existir sem o diálogo, visto que todos nós somos passíveis de percepções e entendimentos diferentes.

2 A escola pratica maiso exame que a avaliação

Te r presentes as características dos atos de examinar e avaliar perm ite-nos retoma r o pon to de vista que apresentamosno início deste capítulo. Nossa hipótese de trabalho era que na

escola, hoje, genericamente falando, no que serefere ao fenómeno da avaliação da aprendizagem, vivenciamos u m equívoco: denominamos avaliação, porém praticamos exames.

Tivemos op ortunidade de estabelecer ascaracterísticas do ato de examinar, assim comoas do ato de avaliar na escola, e pudemos ob

servar que elas diferenciam cada um dessesdois atos. Toma ndo as características arroladasde cada um deles, pudem os constatar que , naescola, hoje, nossa prática de acompanhar aaprendizagem do educando traz muito mais asmarcas do ato de examinar que as do ato deavaliar. Estamos operando ainda, predominantemente, com o desempenho final, a pontualidade na manifestação do desempenho, aclassificação do educando em uma escala, a exclusão temporária (ou definitiva) dos que nãoatingem o desempenho esperado. Como consequência disso, em nossa prática cotidiana,temos estado menos atentos às característicasdo ato de avaliar, qu e implica processualidade,não p ontualidade, dinamismo, inclusão, diálogo. Nossos instrume ntos de coleta de dados

têm sido elaborados de form a aleatória (comoveremos no Cap ítulo IV desta segunda par te),têm sido aplicados pontualmente e são corrigidos classificatoriamente; e, a depender daclassificação, não tem havido dúvida algumasobre a prática da exclusão pela reprovação.

Sobre esta questão, vale apena atentar para o fato d eque, muitas vezes, oresultado esperado pode

ser manipulado peloeducador em suas mudançasde humor. Por exemplo, seum professor ou professorasentirem-se em oposição aosestudantes de uma turmapor razões de convivência,poderão tornar seus critériosde aprovação/reprovaçãomais exigentes, o que lhespossibilita a obtenção de ummaior número dereprovados e, porconseguinte, o exercício de

uma espécie de castigo paraos meninos e/ou meninasrebeldes ou

desinteressados(as) , como

se costuma dizer.

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Em 1930Ralph Tylerum educadornorte- Antes de Ralph Tyler, M aria Mo ntessori, educadora italiana,

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Ao leitor interessado podeser útil cf. T Y L E R , Ralph.

Pri ncípi os b ásicos de

c u r r íu lo e ens ino . Porto

Alegre: Globo, 1974. Nessa

obra, o autor expõe suas

preocupações assim como o

método de ensino por

objetivo .

Em 1930, Ralph Tyler, um educador norte-americano preocupado com a realidade educacional em seu país, no qual, naquele momento,somente 30 de cada 100 crianças que entravamna escola eram aprovadas, perguntava-se: nãohaveria um recurso pedagógico que pudessemodificar esse quadro, de modo que todas as

crianças que entrassem na escola pudessem serbem-sucedidas? Foi com base na compreensãodessa fenomenologia que ele desenvolveu o "ensino por objetivos", cuja meta era oferecer aoeducador um recurso metodológico pelo qualpudesse caminhar para o sucesso e não para ofracasso na prática edu cativa.

Não vamos aqu i discutir a adequação, ounão, da proposta metodológica de Tyler, seja doponto de vista pedagógico, seja do ponto de vistapolítico. Interessa-nos somente observar ter sidoele quem, nesse contexto, iniciou um movimen to pró-avaliação da aprendizagem, em oposição aos exames escolares. Fo i ele quem, em1930, cunhou a expressão "avaliação da ap rendizagem escolar ; antes disso, a exp ressão usadaera exames escolares . Aliás, cabe ressaltar que

nós, no Brasil, somente começamos a mudar essaterminologia a partir dos anos 1970. A Le i de Di-retrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1961, ainda continha um capítulo sobreos exames escolares. Ao lado de mudar a tecnologia, necessitamos de mudar a pr ática.

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p y , , ,nos inícios do século XX, já havia decretado que, em sua prop ostpedagógica, os exames estavam abolidos. Menos drasticamenteque Montessori, mas be m antes de Tyler, o norte-americanoJohn Dewey também j á havia apontado a necessidade da pro-cessualidade do ensino-aprendizagem, usando as arguições comorecursos que possibilitavam o diagnóstico e a reorientação da

aprendizagem dos educandos. E, porém, a partir de Tyler que otermo "avaliação da aprendizagem " é cunhado e se expande p elomundo educacional. A metodologia proposta pelo autor era bas

tante simples, óbvia mesmo - como descreveremos a seguir - ,mas os educadores, p or estarem inseridos num mundo de crenças autoritárias e compulsivas no que co ncernia à prática educativa, não conseguiram facilmente enxergar o que ele via nempraticar o que ele propunha.

A tradição escolar, emergente desde o século XVI, co m o

nascimento da modernidade, sempre ensinou que um pouco decastigo é necessário para dar direção à criança. A educação, naescola ou fora dela, tradicionalmente teve um pano de fundo p unitivo. A ameaça e o castigo for am recursos disponíveis para oeducador "p ôr os educandos nos eixos", como se dizia e ainda sediz. As tradições religiosas, esp ecialmente a judaica, a católica ea protestante - só para citar as ocidentais -, nos seus diversosramos, sempre tiveram a marca do castigo como recurso peloqual a "divindade" controlava os seres hum anos. Nossa sociedade

e nossa prática educativa herdaram essa crença e esse mod elo.A sociedade ocidental moderna tem esse pano de fundo

como seu modo de ser. Basta observar o cotidiano nosso, depais e mães, para ver que, a todo instante, quando não conse

guimos a anuência de nossos filhos a alguma coisa, nos servimos de alguma ameaça de castigo: Se você não fizer isto

agora " (eacrescentamos a ameaça doque va iacontecer a qual julgarque ele não propôs grandecoisa porémimportaobservar

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agora... (e acrescentamos a ameaça do que va i acontecer, a qual,usualmente, envolve uma limitação, um impedimento, u m castigo...). Mas esse padrão de conduta está presente também nomodo de ser de adm inistradores de empree ndimento s privadosou públicos em geral, assim como nos educacionais em especial,

De modo semelhante está impregn ado em todos nós.Herdamos essa crença e ela se encontra incrustada em todos

os nossos poros e em nossas entranhas. Wilhelm Reich, um psiquiatra alemão da primeira metade do século XX, diz que nós;educadores, temos a "compulsão de educar" e essa crença inconsciente nos conduz a forçar o educando a ser com o desejamos

que ele seja; para tanto, usamos o recurso do castigo, em suasmais amplas e variadas possibilidades, o qual, na escola, pode irdesde a simples ameaça verbal até algumas práticas restritivasou mesmo punitivas; na vida social em geral, pode chegar aosmais requintados modos de tortura, como já sucedeu em várias

partes do mun do e em variados mom entos do tempo .Com o sinalizamos antes, a propo sta de Tylér era quase óbvia.

O aproveitamento não vem nem da ameaça nem do medo dareprovação, mas sim de um a orientação e/ou reorientação consis

tentes e constantes da aprendizagem, m ediante adequados p rocedimentos de ensino. A proposta do "ensino por objetivos",elaborada por ele, era bem simples: com base em tarefas preesta

belecidas, proceder ao ensino, servindo-se dos recursos necessários,e, no processo de ensinar e aprender, em dados momentos especí

ficos, diagnosticar se a aprendizagem se dera ou não. Em caso positivo, prosseguia-se para nova tarefa ou novo patam ar de ensino -novo conteúdo; em caso negativo, reorientava-se a aprendizagemdo estudante, visto ser essencial sua efetiva aprendizagem.

Com esse modelo simples, Tyler indicava um caminho desuperação da exclusão pela reprovação nos exames. Poder-se-á

julgar que ele não propôs grande coisa, porém importa observarque abriu as portas para a compreensão e proposição do verdadeirosignificado do ato de avaliar no co ntexto do en sino-aprendizagem.\im vez de aprovação/reprovação, ele propôs a construção dáaprendizagem.

A partir daí, o conceito de avaliação da aprendizagem foi-seexpandindo, na área da educação, tanto pelos Estados U nidoscomo por outras regiões do mundo. O movimento mais intensoem prol da avaliação em educação nos Estados U nidos, como emoutros países do mundo, deu-se em torno dos anos 1960. A che

gada ao nosso país do movimento da Tecnologia Educacional, nofim dos anos 1960 e início dos anos 1970, trouxe as preocup açõescom a avaliação da educação, em geral, e da aprendizagem, emparticular. F oi quando eu também iniciei atuar nessa área de conhecimentos e ação.

Com base em convénios firmados entre o gov erno brasileiroe o governo norte-americano em proveito da educação no Brasil,denominado Convénio M EC-U said, chegaram aqui não só aliteratura norte-americana sobre tecnologia educacional, mastambém muitos profissionais para oferecer con sultoria a órgãoseducativos nacionais e pa ra treinar educadores nessa área de práticas educacionais - "em expansão para os países em via de desenvolvimento", como se dizia na época.

É interessante observar que, em 1970, havia um manual detecnologia educacional, elaborado na Tallahassee University, quese destinava aos denominados "países em desenvolvimento", cunome - Manual de tecnologia educacional para os países em viade desenvolvimento - fazia jus à sua destinação. Só pelo título jáse pode perceber o modo pelo qual o colonialismo contemp orâneo punha suas garras de fora. Porém não nos interessa, neste

livro, entrar nessa discussão. Para o assunto que tratamos neste

livro, importa ter consciência de que o tem a da avaliação chegou No decurso dos 40 anos que já nos separam dos anos 1970,

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a nosso país fortemente por meio do movimento da tecnologiaeducacional. N o entanto, abordava-se pouco o tema da avaliaçãopropriamente dito; o que estava em pauta era a eficiência do ensino, e a abordagem da avaliação vinculava-se à p ossibilidade d egarantir essa eficiência, garantir o "custo-benefício", como se falava. A prática educativa deveria ter um controle experimental

sobre os efeitos de sua ação, o que equivalia a uma prática de"medidas antes e depois" da intervenção junto a um gru po deeducandos. Me didas antes e depois" caracterizam o mo delo experimental de investigação, proposto para verificar a mudança("os ganhos", como se dizia) entre uma primeira m edida do desempenho do educando, antes de uma intervenção qualquer, euma segunda m edida ao final d a intervenção.

Desde então, vagarosamente, fomos incorporando, em nossocotidiano escolar, a expressão "avaliação da aprendizagem", porém

não fomos, ao mesmo tempo, modificando nossa prática. Naescola, passamos a utilizar a denominação "avaliação", mas nãotraduzimos esse term o em p ráticas diárias. As práticas escolares

permaneceram predominantemente marcadas p or atos de exa

minar, apesar de estes serem denominados de avaliação.Em nossas escolas, atualmente, usamos termos tais como

sistema de avaliação", "instrumento s de avaliação", "práticas deavaliação", mas, de fato, diante de nossa prática cotidiana atual,os termos adequados ainda seriam sistemas de exames , "instrumentos de exames , "práticas de exames . Isso mostra queainda estamos mais vinculados ao mod elo dos exames que ao daavaliação, pois nossa prática de acompanhamento dos educandosem sala de aula ainda tem p or base a perspectiva da aprendizagem passada, da classificação, da seletividade, da prática p edagógica autoritária e, por isso, não dialógica.

210

q j p ,muitos estudos, pesquisas, proposições e treinamentos foramrealizados no País, porém ainda estamos aprisionados ao modelodos exames escolares. Nesse espaço de temp o, temos processado

mais compreensões novas que efetivas mudanças no cotidianoescolar. Os finais de bimestres ou trimestre s, assim como de anos

letivos, continuam sendo martirizantes para nossos educandos.

Os comentários dos estudantes entre si e com familiares continuam sendo: passei em todas", "fiquei em duas", "fiquei emtodas", "vou para recuperação", "fui reprovado".

A compreensão e a mudança dos conceitos são importantes,porém significam muito pouco ante a necessidade da mudançade condutas. Compreender intelectualmente é ponto de partidapara a mudança, porém permanecer só nessa compreensão émuito pouco para proceder às transformações necessárias. Importa comp reender e, ao mesmo temp o, agir. A prática da avaliação da aprendizagem exige um conceituai novo, assim comorecursos técnicos novos - entretanto, mais que tudo isso, exige

um a atitude nova, um m odo novo de ser: o m odo de ser do educador que avalia.

Estamos engatinhando nessa compreensão e nessa práticaeducativa, mas cabe observar que, ainda que lentamente, esta

mos avançando e importa continuar.O termo avaliação só veio a ser introduzido no contexto da

legislação educacional brasileira, em nível nacional, no ano d1996, com a nova Lei de Diretrize s e Bases da Educação. A Leide 1972 ainda se expressava em termos de "aferição do aproveitamento escolar , e a L ei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 trabalhava com o conceito de sistema deexames . As leis anteriores a essas duas, todas delimitavam asmodalidades e as práticas dos exames, e não da avaliação.

Há muito que fazer, não só em termos de estudos e pe squi Segunda constatação:

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sas, mas sobretud o, conforme sinalizado anter iorme nte, no quese refere à mudança de atitude. Este é o campo necessário e, talvez, o mais difícil de ser atingido; p or isso, carece de muita atenção e muitos cuidados. Necessita da nossa conversão comoeducadores, de nossa metanoia, como diziam os gregos, ou seja,da transformação do m odo de pensar e agir. Não basta aprender

e r epe tir novos conceitos; eles devem ser praticados.Para esse trânsito da prática de examinar para a prática de

avaliar na escola, precisamos do investimento de todos: políticos,pais, administradores da educação, professores, detentores dosmeios de comunicação, animadores de programas, redatores dejornais e revistas, comunicólogos em ge ral. Necessitamos de umacampanha m aciça e longa, para que autoridades, pais, educadores, estudantes compreendam que o importante n a vida é sabere usar a sabedoria a favor da vida, da melhor forma possível. Ser

aprovado é consequê ncia e não pon to de partida.Após ter trazido à consciência a confusão que temos feito,

em nosso cotidiano, entre os atos de examinar e avaliar, como sefossem iguais, cabe perguntar: escolhemos continuar a confundiras duas práticas ou escolhemos investir na aprendizagem de praticar avaliação e os exames, cada um em seu lugar e com sua i -

nalidade específica?

Segunda constatação:razões da resistência

a transitar do

ato de examinar parao de avaliar

No rastro do capítulo anterior, no qual constatamos que, emnossas escolas, hoje, na sua quase totalidade, há o predomínio

da prática de exames, denominada equivocadamente deavaliação, prosseguimos neste dando mais u m passo na

tomada de consciência dos impasses com os quais nosconfrontamos - no caso, a resistência, em nosso meio

profissional, a transitar dos exames para a avaliação. Trazerpara a consciência uma conduta repetitiva é ponto de partida

para o movimento de transformação.

O tema da avaliação da aprendizagem , como prá tica diversados exames, vem sendo abordado desde 1930 nos Estados U n i

dos, tendo como pon to de partida as comp reensões teóricas prop osições de Ra lph Tyler, e, no B rasil, desde o início dos anos

1970, há 40 anos, com a chegada dos prim eiros sinais da tecnlogia edu cacional.

Para a dimensão do tempo histórico, não são muitos essesanos, mas, em relação à vida de cada um de nós, são significativos.