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RESUMO Introdução: A presença de microcistinas na água de abastecimento leva ao risco potencial de intoxicação aguda e crônica a pacientes submetidos à hemodiálise. Objetivo: Avaliar a capacidade de adsorção e o efeito de satu- ração dos diferentes tipos de carvão ativado granular – CAG (vegetal, mineral e animal) por microcistinas. Método: A partir das especificações de filtro de CAG utilizado em sistema de purificação de água, foram feitas simulações em escala de bancada. Uma solução em água deionizada contendo 1 e 10mg.L -1 de microcistinas dissolvidas foi passada através de colunas preenchidas com CAG, por um período equivalente a 11 dias de tratamento. A concentração de microcistinas foi determinada na água filtrada (passada pela coluna) através da técnica de imunoensaio do tipo ELISA. Resultados: Todos os tipos de CAG apresentaram resultados insatisfatórios para a remoção completa de 1 e 10mg.L -1 de microcistinas. O CAG-3 – animal apresentou o melhor resultado para a adsorção de microcistinas, não sendo verificados sinais de saturação, como os observados para os CAG de origem vegetal e mineral. Discussão e Conclusão: A água filtrada nos diferentes filtros de CAG apresentou resíduos dessa cianotoxina, portanto, impossibilitando o seu uso no tratamento dialítico e na fabricação de injetáveis. Assim, fazem-se necessários outros estudos visando avaliar todo o sistema de purificação de água para a remoção de microcistinas. (J Bras Nefrol 2004;26(3): 121-128) Descritores: Microcistinas. Adsorção. Carvão Ativado Granular. ABSTRACT Evaluation Of Microcystins Adsorption And Saturation By Granular Acti - vated Carbon Used In Water Purification Systems At Dialysis Center. Introduction: Microcystins (MCYSTs) in water supplies represent a risk of acute and chronic intoxications in hemodialysis patients. Objective: To investigate the effectiveness of MCYSTs adsorption and saturation effect by various granular acti - vated carbon – GAC (vegetal, mineral and animal). Method: As from the specifi - cations for a GAC filter used in a hemodialysis water performed on pilot test bench scale, a solution containing 1 and 10μg MCYSTs L -1 in deionized water was poured through the GAC filters, by one period equivalent to 11 days used in GAC filter of water treatment system at the hemodialysis center, and these toxins were quantified in filtered water (collected after the passage through the GAC filter) by immunoassay technique. Results: All carbon types tested presented unsatisfacto - ry results for total removal of 1 and 10μg MCYSTs L -1 . GAC-3 animal showed the best MCYSTs adsorption and was not observed saturation effect. The same was not observed for the vegetal and mineral carbon. Discussion and Conclusion: Filtered water in all GAC bench filters showed was considered improper for use in dialytic treatment and for injectable manufacture due to MCYSTs residual. There - fore, it is evident the need of more studies to appreciate all hemodialysis water treatment system for MCYSTs removal. (J Bras Nefrol 2004;26(3): 121-128) Keywords: Microcystins. Adsorption. Granular Activated Carbon. Ana Cláudia Pimentel de Oliveira Sandra Maria Feliciano de Oliveira e Azevedo Laboratório de Ecofisiologia e Toxicologia de Cianobactérias – IBCCF – CCS – Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ. Recebido em 17/11/2003 Aprovado em 04/05/2004 Avaliação da Capacidade de Adsorção e Saturação de Microcistinas Por Carvão Ativado Granular Utilizados em Sistema de Purificação de Água de Centro de Diálise Parte da Tese "EFEITOS DE FATORES FÍSICOS, QUÍMICOS E BIOLÓGICOS NA DEGRADAÇÃO E REMOÇÃO DE MICROCISTINAS" para obtenção do grau de doutor em Ciências Biológicas – área de concentração em Biotecnologia Vegetal, defendida em fevereiro/2003 no Programa de Biotecnologia Vegetal da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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RESUMO

Introdução: A presença de microcistinas na água de abastecimento leva aorisco potencial de intoxicação aguda e crônica a pacientes submetidos àhemodiálise. Objetivo: Avaliar a capacidade de adsorção e o efeito de satu-ração dos diferentes tipos de carvão ativado granular – CAG (vegetal, minerale animal) por microcistinas. Método: A partir das especificações de filtro deCAG utilizado em sistema de purificação de água, foram feitas simulações emescala de bancada. Uma solução em água deionizada contendo 1 e 10mg.L-1

de microcistinas dissolvidas foi passada através de colunas preenchidas comCAG, por um período equivalente a 11 dias de tratamento. A concentração demicrocistinas foi determinada na água filtrada (passada pela coluna) através datécnica de imunoensaio do tipo ELISA. Resultados: Todos os tipos de CAGapresentaram resultados insatisfatórios para a remoção completa de 1 e10mg.L-1 de microcistinas. O CAG-3 – animal apresentou o melhor resultadopara a adsorção de microcistinas, não sendo verificados sinais de saturação,como os observados para os CAG de origem vegetal e mineral. Discussão eConclusão: A água filtrada nos diferentes filtros de CAG apresentou resíduosdessa cianotoxina, portanto, impossibilitando o seu uso no tratamento dialíticoe na fabricação de injetáveis. Assim, fazem-se necessários outros estudosvisando avaliar todo o sistema de purificação de água para a remoção demicrocistinas. (J Bras Nefrol 2004;26(3): 121-128)

Descritores: Microcistinas. Adsorção. Carvão Ativado Granular.

ABSTRACT

Evaluation Of Microcystins Adsorption And Saturation By Granular Acti -vated Carbon Used In Water Purification Systems At Dialysis Center.

I n t r o d u c t i o n : Microcystins (MCYSTs) in water supplies represent a risk of acuteand chronic intoxications in hemodialysis patients. O b j e c t i v e : To investigate theeffectiveness of MCYSTs adsorption and saturation effect by various granular acti -vated carbon – GAC (vegetal, mineral and animal). M e t h o d : As from the specifi -cations for a GAC filter used in a hemodialysis water performed on pilot test benchscale, a solution containing 1 and 10µg MCYSTs L- 1 in deionized water waspoured through the GAC filters, by one period equivalent to 11 days used in GACfilter of water treatment system at the hemodialysis center, and these toxins werequantified in filtered water (collected after the passage through the GAC filter) byimmunoassay technique. R e s u l t s : All carbon types tested presented unsatisfacto -ry results for total removal of 1 and 10µg MCYSTs L- 1. GAC-3 animal showed thebest MCYSTs adsorption and was not observed saturation effect. The same wasnot observed for the vegetal and mineral carbon. Discussion and Conclusion:Filtered water in all GAC bench filters showed was considered improper for use indialytic treatment and for injectable manufacture due to MCYSTs residual. There -fore, it is evident the need of more studies to appreciate all hemodialysis watertreatment system for MCYSTs removal. (J Bras Nefrol 2004;26(3): 121-128)

Keywords: Microcystins. Adsorption. Granular Activated Carbon.

Ana Cláudia Pimentelde Oliveira

Sandra Maria Felicianode Oliveira e Azevedo

Laboratório de Ecofisiologia eToxicologia de Cianobactérias –

IBCCF – CCS – UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, RJ.

Recebido em 17/11/2003Aprovado em 04/05/2004

Avaliação da Capacidade de Adsorção e Saturação deMicrocistinas Por Carvão Ativado Granular Utilizados em

Sistema de Purificação de Água de Centro de Diálise

Parte da Tese "EFEITOS DE FATORES FÍSICOS, QUÍMICOS E BIOLÓGICOS NA DEGRADAÇÃO E REMOÇÃO DEMICROCISTINAS" para obtenção do grau de doutor em Ciências Biológicas – área de concentração em Biotecnologia Vegetal,defendida em fevereiro/2003 no Programa de Biotecnologia Vegetal da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Avaliação da Capacidade de Absorção e Saturação deMicrocistinas Por Carvão Ativado Granular

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INTRODUÇÃO

As microcistinas são produzidas por váriosgêneros de cianobactérias que vêm ocorrendo com grandefreqüência em corpos d’água utilizados como fonte deabastecimento público, devido ao crescente processo deeutrofização antrópica. Estas toxinas são reconhecidascomo inibidoras potentes e específicas de proteínas fosfa-tases dos tipos 1 e 2A, e atuam como promotoras detumores hepáticos1.

Os procedimentos convencionais de tratamento deágua, como floculação, sedimentação, filtração em areia ecloração, não são eficientes para a remoção completa decélulas de cianobactérias sem promover a lise celular, composterior liberação das cianotoxinas para a coluna d’água,assim como para a remoção de microcistinas dissolvidas2 , 3.

O uso de carvão ativado tem se mostrado apenasparcialmente efetivo na remoção de microcistinas da águatratada4-6. Estudo do processo de tratamento convencionalde água combinado com o carvão ativado relata aremoção de apenas 80% de microcistinas, tendo-se umaconcentração residual de 0,1-0,5µg.L -1 na água tratada6.

As propriedades de adsorção do carvão ativadoestão relacionadas a fatores como estrutura interna, volu-me e distribuição dos poros, química de superfície, modode ativação, tempo de contato com o adsorvato e índice deiodo e fenol, que permitem uma informação específica,mas não deve ser utilizada como um parâmetro único deefetividade na capacidade de adsorção de microcistinas7,8.

O tipo de estrutura dos poros também interfere naeficiência de adsorção. O carvão ativado de origem vege-tal (casca de côco) apresenta estrutura cilíndrica, enquan-to o de origem mineral apresenta estrutura cônica. Com-parando carvões desses dois tipos, com o mesmo volumede poros, verificou-se que a estrutura cônica favorecia amaior eficiência na adsorção de moléculas grandes epequenas, enquanto a estrutura cilíndrica muitas vezesnão se apresentava efetiva devido à obstrução da entradado poro com moléculas maiores ou partículas coloidais9.

A concentração de matéria orgânica dissolvidatambém é um fator que interfere na capacidade deadsorção de microcistinas pelo carvão ativado10.

Vários agravos à saúde humana têm sido atribuídosà presença de cianobactérias ou de cianotoxina na águapotável em todo o mundo. No Brasil, Caruaru, PE, em1996, vários pacientes em tratamento de hemodiálise apre-sentaram sintomas típicos de hepatotoxicoses, acarretandoa morte de mais de 60 pessoas. Este passou a ser o primeirorelato confirmado de morte humana decorrente de intoxi-cação por cianotoxinas. Foi detectada a presença demicrocistinas no sangue e no fígado dos pacientes hemodi-alizados, assim como no carvão ativado utilizado no sis-

tema de purificação de água da clínica de hemodiálise1 1 - 1 3.Baseado em estudos de toxicidade oral14, foi esta-

belecido como limite máximo de microcistinas em águapotável para consumo oral a concentração de 1µg.L-1,sendo este valor adotado pela Organização Mundial daSaúde em seu Guidelines for Drinking Water Quality –WHO15 e também inserido na Portaria de potabilidade daágua no 1469/00 do Ministério da Saúde do Brasil16. Noentanto, a água utilizada para a fabricação de injetáveis eem centros de diálise não deve apresentar microcistinasmesmo em baixas concentrações, pois há riscos de intoxi-cações agudas e crônicas.

Não há relatos de trabalhos que avaliem a toxici-dade crônica de microcistinas via intravenosa. No entan-to, são vários os estudos sobre os efeitos da toxicidadecrônica dessa molécula via oral. Estes mencionam que oconsumo de água contendo microcistinas, durante longoperíodo, promoveu sérias lesões nas células do fígado decamundongos, evidenciando o aparecimento de tumoreshepáticos17,18, podendo-se, também, verificar morte devi-do a problemas respiratórios17.

Em testes utilizando-se camundongos, foi verifi-cado que o grau de intoxicação é dependente da via decontato. A toxicidade de microcistina-LR via intraperi-tonial apresentou-se de 30-100 vezes mais tóxica que overificado via oral1 9.

Deste modo, o tratamento da água e a rotina dedesinfecção dos componentes do sistema de purificação deágua para hemodiálise são de extrema importância devidoaos riscos potenciais de intoxicações crônicas pormicrocistinas. A eficiência do sistema de purificação deágua, que consiste em filtros de areia, resina de troca iôni-ca, carvão ativado granular e osmose reversa dependerá dacapacidade do sistema e da natureza da água a ser tratada2 0.

As normas de qualidade de água para hemod-iálise mais seguidas são as da Association for Advance -ment of Medical Instrumentation2 1 – AAMI, que estab-eleceu como concentração máxima aceitável de conta-minantes tóxicos na água usada na hemodiálise, aredução de 1/10 do sugerido pela legislação para a águapotável. No entanto, estas normas não fazem nenhumamenção quanto à concentração de microcistinas na águautilizada no tratamento dialítico.

Frente a tais conhecimentos e acreditando que aqua-lidade de água é uma condição fundamental no trata-mento dialítico, este trabalho visou corroborar com subsí-dios para uma melhora da qualidade de água oferecida apacientes hemodializados. Para tanto, foi analisada acapacidade de adsorção e o efeito de saturação pormicrocistinas de diferen-tes tipos de carvão ativado gran-ular utilizados em sistemas de purificação de água de cen-tros de diálise brasileiros.

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MÉTODO

A eficiência do processo de adsorção (remoção) eo efeito de saturação (perda na capacidade de adsorção)por microcistinas foi testada utilizando-se carvão ativadogranular (CAG) de origem vegetal (casca de côco), mine-ral e animal (osso de boi) descritos na tabela 1.

Todos os tipos de CAG analisados encontram-sedisponíveis comercialmente. No entanto, somente os deorigem vegetal (CAG-1) e mineral (CAG-2) são normal-mente utilizados nos sistemas de purificação de água doscentros de diálise brasileiros.

Microcistinas

As microcistinas foram obtidas a partir de cultivosunialgais da espécie Microcystis aeruginosa (cepa NPLJ-4). As células, ao atingirem a fase exponencial de cresci-mento, foram concentradas e sofreram um processo decongelamento e descongelamento, favorecendo a lisecelular. Esse concentrado de células lisadas foi filtradoem filtro de fibra de vidro para a retirada da matériaorgânica particulada, e a fração dissolvida contendomicrocistinas foi utilizada no teste.

Avaliação da capacidade de adsorção e saturação doCAG por microcistinas

A partir das especificações de um filtro de carvãoativado utilizado em sistema de purificação de água parahemodiálise do Centro de Diálise do Hospital ClementinoFraga Filho – UFRJ (RJ – Brasil), foram feitas simulaçõesem escala de bancada, estabelecendo-se condições físicassimilares entre os filtros descritas na tabela 2.

As concentrações de microcistinas utilizadasforam de 1 e 10µg.L - 1. Essas concentrações foramdeterminadas de acordo com o estabelecido pela por-taria 1469/00 do Ministério da Saúde do Brasil paraágua potável. Para cada uma das concentrações demicrocistinas testadas, foi tomado o seguinte procedi-mento: uma solução em água deionizada contendo oconcentrado de microcistinas foi passada através dosfiltros de carvão, e as concentrações de microcistinasquantificadas na água filtrada (coletada após a pas-sagem pelo filtro de CAG). Os volumes amostrados daágua filtrada foram de 0,12, 0,25, 0,50, 1,00, 1,25, 2,50,3,75, 5,00, 6,25, 8,75, 11,25 e 13,75 litros.

Considerando as simulações realizadas entre os fil-tros de bancada e o do sistema de purificação de água (tabela2), pode-se verificar que o volume total de água filtrada nofiltro de bancada (13,75L) corresponde a 11 dias de utiliza-ção do filtro de carvão ativado tomado como modelo.

A quantificação de microcistinas foi determinadaatravés do método de imunoensaio do tipo ELISA, uti-lizando-se “kits” específicos para microcistinas (Envi-rologix Inc.®), com pelo menos duas repetições poramostra. O resultado final da concentração foi expressoem equivalentes de microcistina-LR. Este método apre-senta limite de detecção de 0,16µg.L - 1. Cada condiçãoexperimental foi analisada em triplicata.

Análise estatística

A capacidade dos diferentes tipos de carvão ati-vado granular para a adsorção de microcistinas e o efeitode saturação foram analisados estatisticamente utilizan-do-se ANOVA e o teste-t para amostras independentescom nível de significância de 5% (p< 0,05).

RESULTADOS

Os dados apresentados na figura 1-A evidencia-ram que os CAG-1 e CAG-2 não foram eficientes para aadsorção completa de 1µg.L - 1 de microcistinas. O CAG-2 de origem mineral apresentou, na primeiraamostragem, a adsorção de apenas 81,3% da concen-tração inicial de 1µg.L - 1 de microcistinas. Após a pas-sagem do volume total (13,75L), esse percentual deadsorção não apresentou diferenças estatísticas emrelação à primeira amostragem, indicando que não ocor-reu saturação do CAG-2 (tabela 3). O mesmo foi obser-vado para o carvão de origem vegetal – CAG-1, que,embora tenha apresentado uma pequena redução nacapacidade de adsorção ao longo do teste (figura 1-B),essa não foi estatisticamente significante (tabela 3).

O carvão ativado de origem animal (CAG-3)mostrou-se o mais eficiente para a adsorção de 1µg.L - 1

de microcistinas. Em todos os volumes amostrados, asconcentrações de microcistinas determinadas na águafiltrada estavam abaixo do limite de detecção do métodode imunoensaio do tipo ELISA – 0,16µg.L - 1 (figura 1-Be tabela 3). Todavia, essas concentrações não são con-sideradas nulas para microcistinas, como o observado nacondição do controle do kit.

Para a concentração de 10µg.L - 1 de microcisti-nas, o CAG-3 também foi o que apresentou melhorcapacidade de adsorção, removendo, em média, 97,8%das microcistinas (figura 2-A e B). As concentraçõesde microcistinas nos diferentes volumes amostrados deágua filtrada não apresentaram grandes variações,ficando, em média, com valores de 0,22µg.L - 1, indi-cando novamente a incapacidade do CAG-3 pararemoção completa de 10µg.L - 1 de microcistinas. A

Avaliação da Capacidade de Absorção e Saturação deMicrocistinas Por Carvão Ativado Granular

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análise estatística dos dados mostrou que não houvevariação significativa na capacidade de adsorçãodessas moléculas entre a primeira e última amos-tragem, evidenciando que não ocorreu saturação doCAG-3 (tabela 4).

As maiores concentrações de microcistinas foramdeterminadas na água filtrada no carvão de origem vege-tal – casca de côco CAG-1 (figura 2). Em todos os volu-mes amostrados, foram detectadas concentrações demicrocistinas acima de 1µg.L -1, sendo, no último volumeamostrado, determinado 4,33µg.L -1 de microcistinas, evi-denciando a saturação do CAG-1 para a remoção de10µg.L-1 de microcistinas (tabela 4).

O CAG-2 de origem mineral também não apresen-tou remoção efetiva de 10µg.L-1 de microcistinas paragarantir a utilização da água em tratamento dialítico, massua capacidade de adsorção foi estatisticamente superior àdeterminada para o CAG-1 (figura 2 e tabela 4).

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

As concentrações de microcistinas determinadasna água filtrada nos filtros preenchidos com CAG deorigem vegetal, mineral e animal, nesta condição experi-mental, indicam que a água filtrada deve ser considerada

Tabela 2. Dados das condições físicas similares estabelecidas entre os filtros de carvão ativa-do granular (CAG) do centro de diálise e o de bancada.

Filtro do Filtro de bancada

Especificações Centro de Vegetal Mineral Animal

Diálise CAG-1 CAG-2 CAG-3

Diâmetro (cm) 40,64 2,50 2,50 2,50

Altura (cm) 121,92 10,70 10,70 10,70

Espaço de CAG (cm) 56,92 4,50 4,50 4,50

Tempo de contato (minuto) 2,21 0,15 0,15 0,29

Vazão (L/minuto) 33,33 8,97 8,97 4,56

Tabela 1. Propriedades físico-químicas dos tipos de carvão ativado granular testados paraavaliar a capacidade de adsorção e saturação por microcistinas.

Especificações Vegetal Mineral Animal

(casca de côco) ( * ) (osso de boi)

CAG-1 CAG-2 CAG-3

Cinzas (%) 10 * 82-85

Umidade (%) 10 * 5

pH Alcalino * Alcalino

Iodo (mg I2/g CA) 900 * 200

Dureza (%) 90 * *

Tamanho do poro Microporos Mesoporos Mesoporos

Modo ativação 800-900oC * 675oC

Tamanho da partícula 5-0,5

Mesh – (mm) 3,33-0,7 1,65-0,42 O,83-0,3

2,36-0,41

0,8-0,3

* dados não disponibilizados pelo fabricante/fornecedor.

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Tabela 4. Tratamento estatístico dado as médias das concentrações de equivalentes de microcisti-na-LR (µg.L- 1) determinadas em todos os volumes amostrados de água filtrada para avaliar acapacidade de adsorção e saturação do carvão ativado granular por 10µg.L- 1 de microcistinas.

Volume CarvãoAtivado Granular

(L) Vegetal – CAG1 Mineral – CAG2 Animal – CAG3

0,12 *1,758 0,778 0,201

0,25 2,878 1,226 0,183

0,50 2,879 1,136

1,00 2,650 1,458 0.211

1,25 2,664 1,379 0,209

2,50 3,233 1,389 0,199

3,75 2,653 1,335 0,228

5,00 3,644 1,429 0,209

6,25 2,830 1,298 0,265

8,75 2,743 1,752 0,211

11,25 3,655 1,795 0,276

13,75 *4,331# 1,773# 0,244#

* mesma coluna – estatisticamente diferente (p< 0,05)

# mesma linha – estatisticamente diferente (p< 0,05)

Tabela 3. Tratamento estatístico dado as médias das concentrações de equivalentes de microcisti-na-LR (µg.L- 1) determinadas em todos os volumes amostrados de água filtrada para avaliar acapacidade de adsorção e saturação do carvão ativado granular por 1µg.L- 1 de microcistinas.

Volume CarvãoAtivado Granular

(L) Vegetal – CAG1 Mineral – CAG2 Animal – CAG3

0,12 0,223 0,187 ALD

0,25 0,253 0,199 ALD

0,50 0,233 0,202 ALD

1,00 0,236 0,198 ALD

1,25 0,292 0,206 ALD

2,50 0,310 0,209 ALD

3,75 0,305 0,234 ALD

5,00 0,296 0,207 ALD

6,25 0,279 0,216 ALD

8,75 0,342 0,219 ALD

11,25 0,377 0,215 ALD

13,75 0,367 0,217 ALD

ALD – Abaixo do limite de detecção do método de imunoensaio do tipo Elisa – 0,16µg.L-1.

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imprópria para o uso no tratamento dialítico e na fabri-cação de injetáveis devido às concentrações residuais demicrocistinas, por conseqüência aos riscos potenciais àsaúde pública originados pela intoxicação aguda ou crôni-ca por essa molécula.

A melhor capacidade de remoção de microcistinasdeterminada para o carvão de origem animal (osso de boi)pode ser atribuída aos fatores como a natureza química,tamanho dos poros e partículas e o tempo de contato comessa cianotoxina (tabelas 1 e 2).

Os CAG de origem vegetal e mineral mostraram-se eficientes para a remoção de 1µg.L-1 de microcistinas,apenas para a condição de potabilidade, de acordo com arecomendação da Organização Mundial da Saúde – OMSe o estabelecido pela Portaria 1469/00 do Ministério daSaúde do Brasil, que limita em até 1µg.L-1 de microcisti-nas na água para consumo oral. O mesmo não foi deter-minado para a remoção de 10µg.L -1 de microcistinas,podendo-se, ainda, verificar o efeito de saturação para oCAG de origem vegetal – casca de côco; provavelmenteessa condição foi favorecida pelas características físico-químicas desse CAG e também pela concentração dematéria orgânica dissolvida na água.

Em teste realizado com águas naturais contendoentre 5 e 6,5mg.L-1 de carbono orgânico, contaminadasartificialmente com microcistinas, pode-se verificar que acapacidade de adsorção do carvão ativado granular foi deaproximadamente 90% até 12.000m3 de água tratada10. Apartir desse volume, a eficiência de remoção demicrocistinas caiu para aproximadamente 63%. Essaredução foi atribuída à saturação do carvão pela matériaorgânica dissolvida presente na água.

O tempo de contato do adsorvente (CAG) com o

adsorvato (microcistinas) estabelecido em nossos testesfoi obtido sem a ação de força externa. Portanto, as dife-renças apresentadas na capacidade de adsorção demicrocistinas para os CAG de origem vegetal e mineralnão podem ser atribuídas ao tempo de contato, pois osmesmos foram iguais (tabela 2), o que pode ter favoreci-do a melhor capacidade apresentada pelo CAG animalpara a adsorção dessa cianotoxina, em função, também,de suas melhores características físico-químicas.

A capacidade de adsorção determinada para osdiferentes tipos de CAG testados enfatizam o já obser-vado por Carmichael e cols.1 2, que verificaram a inefi-ciência do sistema de purificação de água de uma clíni-ca de hemodiálise brasileira (Caruaru, PE) para aremoção de microcistinas da água tratada com doseestimada de 19,5µg.L - 1.

Nos centros de hemodiálise brasileiros, o tempode uso do carvão ativado segue a recomendação do fa-bricante. Entretanto, é de responsabilidade desseserviço a qualidade da água utilizada no tratamentodialítico. Portanto, é imprescindível que a adminis-tração dos centros de diálise mantenha contato con-stante com a companhia de abastecimento público,tomando ciência das condições físico-químicas emicrobiológicas da água potável recebida pela rede dedistribuição a ser utilizada no tratamento dialítico.

Frente aos dados obtidos, fica evidente a necessi-dade de avaliação periódica do sistema de purificação deágua pelos centros de diálise quanto à capacidade deremoção de microcistinas. Faz-se, também, necessária arealização de estudos para avaliar os efeitos toxicológicose clínicos de intoxicações por microcistinas em dosescrônicas via venosa ou intraperitonial.

Figura 1. (A) Concentração de equivalentes de microcistina-LR na água filtrada, após a passagem de solução contendo 1µg.L-1 nosdiferentes tipos de CAG; (B) Percentual de adsorção de equivalentes de microcistina-LR.

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Acredita-se que a eficiência do processo deremoção dessa molécula pode ser aprimorada adotando-se condições adequadas como a escolha do tipo de CAG,maior tempo de contato do adsorvato com o adsorventee limitação no tempo de uso. A prática de sistema depurificação de água com dois filtros de CAG também éuma condição que deve ser considerada na capacitaçãodo sistema para a remoção completa de microcistinas,viabilizando o sistema para a produção de água emcondições adequadas para uso no tratamento dialítico.

Faz-se, também, necessária a realização de estudosvisando avaliar de forma conjunta a eficiência do sistemade purificação de água para a remoção de microcistinas.

AGRADECIMENTOS

À professora Dra Valéria Freitas Magalhães daUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pelarevisão do trabalho, e aos professores Dr. Luís OtávioAzevedo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Dr.Alvimar G. Delgado do Hospital Universitário Clementi-no Fraga Filho (UFRJ) pelas colaborações para a realiza-ção do trabalho. Suporte financeiro: CNPq, Pronex/CNPqproc. 66.1421/1996-1.

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Avaliação da Capacidade de Absorção e Saturação deMicrocistinas Por Carvão Ativado Granular

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