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Avaliação da capacidade de simulação da precipitação
diária máxima e horária máxima dos modelos
climáticos regionais para Portugal Continental.
Um contributo para a análise do risco de cheias num quadro de
alterações climáticas.
André Ribeiro Mendes
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Civil
Júri
Presidente: Doutor António Jorge Silva Guerreiro Monteiro
Orientador: Doutor Rodrigo de Almada Cardoso Proença de Oliveira
Vogal: Doutor Rui José Raposo Rodrigues
Setembro de 2011
ii
The ENSEMBLES data used in this work was funded by the EU FP6 Integrated Project
ENSEMBLES (Contract number 505539) whose support is gratefully acknowledged.
iii
Instituto Superior Técnico Lisboa, Setembro de 2011
Avaliação da capacidade de simulação da precipitação diária máxima e horária
máxima dos modelos climáticos regionais para Portugal Continental. Um contributo
para a análise do risco de cheias num quadro de alterações climáticas.
Nome: André Ribeiro Mendes
Mestrado Integrado em Engenharia Civil – Perfil de Hidráulica e Recursos Hídricos
Orientador: Doutor Rodrigo de Almada Cardoso Proença de Oliveira
Resumo
A presente dissertação pretende contribuir para a análise de risco de cheias em
Portugal para o século XXI, tendo em conta as alterações climáticas.
A partir dos resultados das simulações climáticas do projecto europeu ENSEMBLES,
estudou-se a precipitação horária máxima e a precipitação diária máxima com período
de retorno de 100 anos. Seleccionou-se um conjunto de seis modelos que revelaram
ajustar-se bem nos parâmetros em estudo no período de referência considerado
(1960/61 a 1989/90), para elaborar as projecções para o século XXI.
As projecções dizem respeito a três períodos, compreendidos pelos anos hidrológicos
de 2000/01 a 2029/30, 2030/31 a 2059/60, e 2060/61 a 2089/90, e consistem em
mapas de isolinhas de precipitação horária máxima e diária máxima com período de
retorno de 100 anos.
Constata-se que os exercícios de simulação considerados simulam de forma
satisfatória a precipitação diária máxima, contudo, o mesmo não se verifica para a
precipitação horária, cujos máximos são da ordem de metade a um terço do
expectável. Alternativamente, admite-se estacionaridade na relação entre estas duas
variáveis de modo a poder apresentar-se projecções de precipitação horária máxima.
As projecções dos vários exercícios de simulação para o primeiro período são
díspares, não sendo possível retirar conclusões, contudo, as projecções para o final do
século são já bastante claras: indicam aumento dos máximos de precipitação,
notoriamente no Centro e Sul do país.
Palavras-chave; alterações climáticas, modelação climática, ENSEMBLES,
precipitação horária máxima, precipitação diária máxima.
iv
Instituto Superior Técnico Lisbon, September, 2011
Evaluation of climate models capability to simulate daily and hourly maximum
precipitation in Portugal. A contribution to flood risk analysis in a climate change
scenario.
Name: André Ribeiro Mendes
Integrated Master (MSc) in Civil Engineering – Hydraulics and Water Resources
Supervisor: Rodrigo de Almada Cardoso Proença de Oliveira, PhD
Abstract
The present work aims to contribute to flood risk analysis in mainland Portugal in the
21nd century, due to climate change.
The starting point is the ENSEMBLES climate simulations of hourly precipitation and
daily precipitation. From these variables, the maximum value of the 100 years return
value was studied. From the initial ensemble, six runs were selected for their ability in
simulate the studied variables in the control period, 1960/61 to 1989/90, when
compared to record data.
The projections were made to three periods of the 21nd century: 2000/01 to 2029/30,
2030/31 to 2059/60, and 2060/61 to 2089/90, and consist in daily and hourly maximum
precipitation maps with 100 years return value.
In the control period, the daily maximum precipitation matches the expected values, but
the hourly precipitation simulated by the models is about one half to one third of the
values in the record data, so stationarity between the hourly and the daily maximum
precipitation ratio is admitted, to make projections of hourly maximum precipitation.
The projections for the first period are inconclusive, due to the runs present different
results, yet, for the end of the century, the results are clear: they show increase of
precipitation in the Centre and South of mainland Portugal.
Keywords; climate change, climate modelling, ENSEMBLES, hourly maximum
precipitation, daily maximum precipitation
v
Índice geral
Índice de figuras-------------------------------------------------------------------------------------------- vii
Índice de quadros ------------------------------------------------------------------------------------------- ix
Lista de Abreviaturas -------------------------------------------------------------------------------------- xi
1. Introdução ---------------------------------------------------------------------------------------------- 7
1.1. Âmbito e objectivo ------------------------------------------------------------------------------ 7
1.1.1. O risco de cheias ------------------------------------------------------------------------- 7
1.1.2. Os custos das cheias-------------------------------------------------------------------- 8
1.1.3. A directiva das cheias ------------------------------------------------------------------- 9
1.2. Metodologia -------------------------------------------------------------------------------------- 9
1.3. Organização do texto ------------------------------------------------------------------------- 10
1.4. O fenómeno das alterações climáticas -------------------------------------------------- 10
1.4.1. O „efeito de estufa‟ ---------------------------------------------------------------------- 13
1.4.2. A temperatura ---------------------------------------------------------------------------- 14
1.5. Cenários de emissões e modelos climáticos ------------------------------------------ 16
1.5.1. Cenários de emissões ----------------------------------------------------------------- 16
1.5.2. Modelos climáticos ---------------------------------------------------------------------- 19
2. Alterações climáticas e o ciclo hidrológico --------------------------------------------------- 24
2.1. A influência das alterações climáticas na precipitação ----------------------------- 24
2.1.1. Vapor de água na troposfera --------------------------------------------------------- 26
2.1.2. Alterações na precipitação anual --------------------------------------------------- 29
2.1.3. Alterações regionais de precipitação ---------------------------------------------- 31
2.1.4. Alterações nos extremos de precipitação ---------------------------------------- 35
2.2. Alguns cenários de temperatura e precipitação para Portugal ------------------- 40
2.3. Impactes e principais consequências das alterações climáticas para Portugal -
------------------------------------------------------------------------------------------------------ 44
3. Breve caracterização climática e hidrológica de Portugal continental ---------------- 47
3.1. Caracterização --------------------------------------------------------------------------------- 47
3.2. Precipitações intensas de curta duração ----------------------------------------------- 50
3.3. Cheias em Portugal Continental ----------------------------------------------------------- 52
4. Selecção dos exercícios de simulação climática ------------------------------------------- 55
4.1. Projectos de modelação climática -------------------------------------------------------- 55
4.2. Pré-selecção dos exercícios de simulação climática -------------------------------- 57
4.3. Validação dos resultados dos exercícios de simulação ---------------------------- 62
4.3.1. Metodologia ------------------------------------------------------------------------------- 62
vi
4.3.2. Precipitação diária ---------------------------------------------------------------------- 63
4.3.3. Precipitação horária -------------------------------------------------------------------- 66
4.3.4. Rácios entre precipitação horária máxima e diária máxima com período
de retorno de 100 anos ---------------------------------------------------------------------------- 71
5. Cenários de valores máximos de precipitação ---------------------------------------------- 73
5.1. Alterações na precipitação diária máxima com período de retorno de 100
anos ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 73
5.2. Alterações na precipitação horária máxima com período de retorno de 100
anos ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 75
5.3. Alterações no rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária
máxima ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 78
6. Conclusões -------------------------------------------------------------------------------------------- 81
7. Referências bibliográficas ------------------------------------------------------------------------- 83
vii
Índice de figuras
Figura 1 – Riscos económicos potenciais devido a cheias na UE. --------------------------- 8
Figura 2 – Média móvel de 5 anos do custo normalizado a 2006 das cheias na UE no
período 1970-2005, em dólares; a linha horizontal representa a média. In Barredo
(2009). --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9
Figura 3 - Série de temperatura média continental, marítima e combinada, entre 1947
e 2009 . ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 15
Figura 4 – Previsão das emissões globais de GEE, para as actuais políticas climáticas.
Representam-se os 6 cenários do SRES (linhas coloridas), o percentil 80 dos cenários
publicados após o SRES (área a cinzento). As linhas a tracejado representam a
totalidade dos cenários pós-SRES. In: Pacauri & Reisinger (2007). ------------------------ 18
Figura 5 – À esquerda: Resultados dos modelos relativos ao aquecimento superficial
(em relação ao período 1989-1999) para os cenários SRES A2, A1B, e B1, como
continuação das simulações do séc. XX; a linha a laranja representa a simulação na
qual as emissões foram mantidas constantes em relação ao ano 2000; as barras a
meio da figura indicam as melhores estimativas (linha sólida no interior de cada barra),
e o intervalo provável para os seis cenários SRES representados, para o período
2090-2099, em relação ao período 1980-1999. Á direita: Projecção das alterações na
temperatura superficial para o início e para o fim do século XXI, em relação ao período
1980-1999. In: Pacauri & Reisinger (2007). -------------------------------------------------------- 19
Figura 6 - Esquema de um Modelo Atmosférico Global, NOAA. ----------------------------- 21
Figura 7 – Anomalia média global do vapor de água observada e das simulações com
o modelo AGCM GFDL AM2-LM2, em relação ao período 1987-2000. In: Soden et al.
(2005). -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 28
Figura 8 – Anomalias de precipitação continental global anual entre 1900 e 2005, em
relação ao período 1981-2000, com base no GHCN. As curvas coloridas representam
variações decenais de acordo com vários modelos climáticos. In: IPCC (2007). ------- 30
Figura 9 – Alterações nos valores registados e simulados de precipitação continental
anual de 1925 a 1999. À esquerda, anomalias observadas de precipitação por bandas
de latitude de 10º (linha preta); média das anomalias de precipitação anual de um
conjunto de 50 simulações (linha azul); as linhas azul e vermelha a tracejado indicam
as tendências; o sombreado verde identifica as bandas com tendência de aumento; o
sombreado amarelo identifica as bandas com tendência decrescente; o sombreado
cinzento identifica as bandas nas quais as tendências observadas e simuladas
diferem. À direita: o mapa indica as bandas de 10º de latitude nas quais o sinal das
tendências é igual; zonas com dados insuficientes a branco. In: Zhang, et al. (2007). 32
Figura 10 – a), b) e c): número de dias com precipitação igual ou superior a 10 mm nas
estações Beja , Santarém e Vila Real, respectivamente d), e) e f): o mesmo, mas para
20 mm/dia. --------------------------------------------------------------------------------------------------- 34
Figura 11 – Regiões nas quais foram documentadas alterações acentuadas de
precipitação intensa e muito intensa nas últimas décadas, quando comparadas com as
alterações na precipitação anual e/ou sazonal. As alterações na frequência de
precipitação intensa são sempre superiores às alterações nos totais de precipitação, e
viii
em algumas regiõesm o aumento da precipitação intensa ocorreu sem se verificar
alteração (ou verificando-se diminuição) nos totais. In: Groisman et al. (2005). --------- 37
Figura 12 – Comparação entre os valores diários de precipitação observados (ECA&D)
e os resultados de sete modelos regionais ENSEMBLES na Península Ibérica, para o
período 1961-1990, incluindo o melhor resultado do projecto PRUDENCE. A seta
representa o percentil 95 da precipitação acumulada. In: Boberg et al. (2009). --------- 38
Figura 13 – Distribuição de precipitação diária em função do tipo de clima, baseado em
estações meteorológicas com a mesma precipitação média sazonal. A barra azul
representa as estações situadas em regiões cujo espectro de temperaturas é dos -3ºC
aos 19ºC; a barra rosa, dos 19ºC aos 29ºC; a barra vermelha, dos 29ºC aos35ºC. In
Karl & Treberth (2003). ----------------------------------------------------------------------------------- 40
Figura 14 – Alterações anuais e sazonais na precipitação, em percentagem, para
intensidades superiores a 10 mm/dia no período 2010-2035 face ao período de
controlo 1961-90 para o modelo HadRM GGa2,: a) anual, b) Inverno (DJF), c)
Primavera (MAM), d) Verão (JJA), e) Outono (SON). In Miranda et al. (2002). ---------- 43
Figura 15 – Variação face ao período de controlo (1961-90) da precipitação diária de
1991 a 2100 simulada pelo modelo DMI HIRHAM, em períodos de 30 anos, na
Península Ibérica. In Boberg et al. (2009). --------------------------------------------------------- 44
Figura 16 – Precipitação anual média por região hidrográfica. In: PNA (2001). --------- 48
Figura 17 – Precipitação média mensal em Portugal Continental. In: PNA (2001).----- 49
Figura 18 – Distribuição espacial do escoamento anual médio em Portugal Continental.
In (PNA, 2001) ---------------------------------------------------------------------------------------------- 51
Figura 19 – Balanço hídrico de Portugal Continental. In (PNA, 2001). --------------------- 51
Figura 20 – À esquerda: Precipitação máxima diária em Portugal Continental com um
período de retorno de 100 anos. In Brandão e Rodrigues (1998). À direita: Isolinhas da
relação entre precipitação de 1h com a diária para o período de retorno de 100 anos.
Proposta de Brandão et al. (2001). ------------------------------------------------------------------- 52
Figura 21 - Zonas de ocorrência de cheia em Portugal Continental (pontos azuis). In:
(PNA, 2001). ------------------------------------------------------------------------------------------------ 54
Figura 22 – Cartogramas do valor máximo da precipitação diária máxima anual, no
período 1961-1990, para os registos históricos e para as seis corridas seleccionados.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 61
Figura 23 - Superfícies de pdma para o período 1961-90, dos modelos 6, 7, 9, 10, 12 e
13 do Ensembles. ----------------------------------------------------------------------------------------- 61
Figura 25 – Isolinhas da precipitação diária com período de retorno de 100 anos, para
as seis corridas em estudo. ----------------------------------------------------------------------------- 64
Figura 25 – Estimativa da precipitação diária máxima anual para um período de
retorno de 100 anos por Nicolau (2002) ------------------------------------------------------------- 64
Figura 26 - Abaixo, identificação dos pontos seleccionados para validação espacial; à
direita, gráficos box and whiskers das séries de precipitação 1961-90 para os valores
reais (SNIRH, id. 0) e para os modelos 6, 7, 9, 10, 12 e 13, para cada um dos seis
ix
pontos considerados (representa-se os máximos, mínimos, média e percentis 25 e 75;
as cruzes a vermelho representam os outliers). -------------------------------------------------- 65
Figura 27 – Precipitação de 1h com período de retorno de 100 anos (Brandão et al,
2001). --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 66
Figura 28 - Cartogramas de precipitação horária máxima no período 1961-1990, para
as corridas 7, 9, 10, 12 e 13. --------------------------------------------------------------------------- 67
Figura 29 - Comparação por Box and Whiskers dos máximos anuais de precipitação
horária apresentados pelos modelos em estudo, para seis pontos em Portugal
Continental, no período 1961-90. --------------------------------------------------------------------- 68
Figura 30 – Isolinhas da relação entre precipitação horária e precipitação diária
máxima com período de retorno de 100 anos, Brandão et al (2001). ----------------------- 69
Figura 31 – Em baixo: igual à Figura 30. À direita: isolinhas da relação entre
precipitação de 1 hora e diária, no período 1961-1990, para seis modelos do projecto
ENSEMBLES. ---------------------------------------------------------------------------------------------- 72
Figura 32 – À esquerda: isolinhas da precipitação diária máxima com período de
retorno de 100 anos, para cada um dos seis exercícios em estudo, de acordo com as
simulações do período 1961-1990. À direita: alterações da mesma variável nos três
períodos do séc. XXI em estudo. ---------------------------------------------------------------------- 74
Figura 33 - À esquerda: isolinhas da precipitação horária com período de retorno de
100 anos, para cada um dos seis modelos em estudo, de acordo com as simulações
do período 1961-1990. À direita: Alterações nos três períodos do séc. XXI em estudo.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 76
Figura 34 - Rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária máxima com
período de retorno 100 anos --------------------------------------------------------------------------- 80
Índice de quadros
Quadro 1 - Variação percentual de precipitação para os diferentes períodos de
alteração substancial das taxas globais, para Portugal Continental, e variação no
período 1900-1999. Valores em relação ao período 1961-1990. A partir de IPCC
(2001). -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 33
Quadro 2- Recordes de precipitação diária na Europa para o período 1946-1999. In
Klein Tank et al. (2002). --------------------------------------------------------------------------------- 39
Quadro 3 – O regime dos rios nacionais. In: Ramos & Reis (2001)- ------------------------ 49
Quadro 4 – Corridas do Ensembles consideradas no presente trabalho. ----------------- 58
Quadro 5- Distribuição por RH das estações udométricas consideradas. ----------------- 58
Quadro 6 - Análise individual qualitativa das corridas do Ensembles em relação aos
dados do SNIRH. ------------------------------------------------------------------------------------------ 59
Quadro 7 - Lista de exercícios de simulação seleccionados. --------------------------------- 60
Quadro 8 - Postos do SNIRH usados na validação espacial. --------------------------------- 62
x
Quadro 9 - Pontos do Ensembles usados na validação espacial. --------------------------- 62
Quadro 10 – Síntese dos resultados de precipitação horária para o período 1961-1990,
de acordo com os exercícios de simulação 7, 9, 10, 12 e 13, para os seis pontos em
estudo. -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 67
Quadro 11 – Valores de α para os seis pontos em estudo. ------------------------------------ 69
Quadro 12 – Precipitação horária com período de retorno de 100 anos, para os seis
pontos em estudo, de acordo com Brandão et al. (2001), com os resultados das
corridas 7, 9, 10, 12 e 13 do ENSEMBLES, e com a estimativa a partir da Figura 30 e
o Quadro 11. A verde, destaca-se os resultados que estão num intervalo de ± 5 mm
face aos resultados de Brandão et al. (2001), e a vermelho os que estão fora desse
intervalo. Precipitação em mm. ------------------------------------------------------------------------ 70
Quadro 13 – Síntese dos resultados dos exercícios de simulação climática para
precipitação horária máxima com período de retorno de 100 anos, para os pontos A a
F. A vermelho representa-se diminuição da precipitação horária superior a 1 mm, face
ao período de referência; a azul representa-se aumento superior a 1mm no máximo; e
a cinzento representa-se alteração entre +1 mm e -1mm. Precipitação em mm. ------- 77
Quadro 14 - Projecções da precipitação horária máxima com período de retorno de
100 anos, com base no rácio entre precipitação horária e diária proposto por Brandão
et al. (2001), para os seis pontos A a F. A azul, evidencia-se os resultados que
projectam aumento significativo, superior a 5 mm, a vermelho os resultados que
projectam diminuição significativa, superior a 5 mm, e a cinzento os resultados que
ficam no intervalo ± 5 mm. Projecções face ao período 1961-1990. Precipitação em
mm. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 78
Quadro 15 – Síntese dos resultados dos exercícios de simulação climática para o rácio
entre precipitação horária e precipitação diária, com período de retorno de 100 anos. A
vermelho representa-se diminuição do rácio superior a 0.01, face ao período de
referência; a azul representa-se aumento superior a -0.01; e a cinzento representa-se
alteração entre +0.01 e -0.01. -------------------------------------------------------------------------- 79
xi
Lista de Abreviaturas
AGCM – Modelo climático global atmosférico;
AOGCM – Modelo de circulação global atmosférico e oceânico acoplado
CC – Clausius-Clapeyron, relação de;
GCM – Modelo climático global;
GEE – gás com efeito de estufa;
IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change;
NAO – Oscilação do Atlântico Norte;
RCM – Modelo climático regional.
7
1. Introdução
1.1. Âmbito e objectivo
Os eventos de precipitação extrema têm uma influência enorme na sociedade,
estando associados a cheias e erosão, podendo ter impacto nos sistemas de
transporte e na segurança das pessoas (Lenderink & van Meijgaard, 2010),
constituindo, a par das secas, a maior preocupação com o clima no Sul da Europa
(Easterling, Evans, Groisman, Karl, Kunkel & Ambenje, 2000).
Dadas as projecções do aumento de precipitação e de fenómenos de precipitação
intensa em muitos locais, a ocorrência de alguns eventos pouco usuais tem
alimentado a discussão sobre a sua ligação às alterações climáticas (van Aalst, 2006).
Os registos de precipitação, disponíveis para muitos locais do globo, desde meados do
séc. XIX, demonstram que estão a ocorrer alterações na quantidade, intensidade,
frequência e tipo de precipitação, contudo, não foi ainda possível confirmar que tal se
deve à influência humana no clima (Zhang et al., 2007).
No presente trabalho pretende obter-se uma estimativa da alteração na intensidade de
precipitação devida a alterações climáticas, de origem antropogénica, para o século
XXI, recorrendo aos resultados dos modelos computacionais do projecto europeu
ENSEMBLES. Tal estimativa, ao ser aplicada às técnicas de estabelecimento de
caudais de ponta de cheia, permite considerar o factor alterações climáticas para o
estudo dos sistemas fluviais. Pretende-se ainda resumir alguma da discussão sobre
este tema, com especial ênfase para os resultados relativos a Portugal Continental.
O presente trabalho, por ser baseado nos mais recentes resultados de simulações
computacionais para o clima do séc. XXI, pretende contribuir para a avaliação dos
riscos futuros de inundação em território nacional.
1.1.1. O risco de cheias
A Europa possui um vasto espectro de condições climáticas, e a precipitação varia
entre os 300 mm na costa Leste espanhola até aos 3000 mm nos Alpes e em algumas
partes da Escócia (EuroFlood, 1994). Dado os fortes impactes dos diferentes regimes
hidrológicos na União Europeia e os potenciais problemas resultantes das alterações
climáticas, tem sido uma prioridade da Comissão Europeia o estabelecimento de
políticas da água baseadas nos estudos mais recentes, promovidos pela própria
Comissão.
As regiões mais vulneráveis a alterações nos padrões de precipitação são o Sul da
Europa e a bacia do Mediterrâneo, devido à possível intensificação das secas nos
meses quentes, e de precipitação intensa nos meses de Inverno; as zonas costeiras,
deltas e leitos de cheia, devido ao aumento do nível do mar, à precipitação intensa,
cheias e tempestades. As consequências podem ser de vários tipos, mas
principalmente, a nível de saúde e qualidade de vida, económicas, e para a fauna e
flora.
8
Figura 1 – Riscos económicos potenciais devido a cheias na UE.
Fonte: http://floods.jrc.ec.europa.eu/flood-risk.html
Para Portugal Continental, o risco potencial devido a cheias é relativamente pouco
elevado face aos restantes países Europeus (Figura 1), devido à topografia
acidentada, economia pouco desenvolvida e baixo valor imobiliário dos imóveis
situados em leito de cheia. Destaca-se o Norte Litoral e o troço final do rio Tejo, com
prejuízos potenciais avaliados entre os 10 e os 80 milhões de Euros.
1.1.2. Os custos das cheias
No período 1970-2006, o custo anual normalizado1 das cheias em 31 países
europeus2 foi cerca de 4000 milhões de dólares, em relação a 2006 (Barredo , 2009)
(Figura 2), não existindo tendência temporal clara. Contudo, num cenário hipotético
sem alterações climáticas, os prejuízos causados pelas cheias continuariam a
aumentar como consequência de factores económicos e sociais (Barredo, 2009).
As causas foram principalmente devidas a factores sociais, como o aumento da
população e da riqueza, do que a factores climáticos (Barredo, 2009).
De acordo com os cenários climáticos mais recentes, para as próximas décadas, as
alterações climáticas podem, com elevada probabilidade, causar um aumento dos
prejuízos das cheias na Europa (Dankers & Feyen, 2008).
1 Barredo (2009) normalizou os custos das cheias considerando os efeitos das alterações na
população, riqueza nacional, e inflação de cada país; removendo as diferenças de preços entre países ajustando os prejuízos através da paridade de poder de compra. 2 União Europeia, Noruega, Suíça, Croácia e Macedónia.
9
Figura 2 – Média móvel de 5 anos do custo normalizado a 2006 das cheias na UE no período 1970-2005, em dólares; a linha horizontal representa a média. In Barredo (2009).
O projecto PESETA (Projection of Economic Impacts of Climate Change in Sectors of
the European Union based on Bottom-up Analysis) avalia os potenciais impactos das
alterações climáticas na economia europeia, a partir dos resultados do projecto
PRUDENCE. Comparativamente ao período 1961-1990, para os cenários de aumento
de temperatura média de 2.5ºC e 3.9ºC o PESETA prevê diminuição dos prejuízos no
Norte, Centro e Alentejo de Portugal Continental, e aumento no Algarve, no período
2071-2100.
1.1.3. A directiva das cheias
Para os próximos anos, destaca-se a Directiva 2007/60/EC, conhecida como directiva
das cheias (flood directive), proposta pela Comissão a 18/01/2006, e publicada no
Jornal Oficial a 06/11/2007. O propósito da directiva é reduzir e gerir os riscos das
cheias para a saúde e bem-estar das populações, património e actividades
económicas. Para esse efeito, a directiva obriga os Estados Membros a realizar uma
avaliação preliminar até 2011 que identifique as bacias hidrográficas e as áreas
costeiras em risco de cheia. Posteriormente, até 2013, será necessário elaborar
mapas de risco de cheia, e até 2015, estabelecer planos de gestão de risco focados
na prevenção e protecção. O website da Directiva pode ser consultado em:
http://ec.europa.eu/environment/water/flood_risk/index.htm
1.2. Metodologia
No presente trabalho recorreu-se aos resultados dos modelos climáticos integrantes
do projecto europeu ENSEMBLES, de modo a produzir estimativas de alterações na
precipitação intensa no século XXI em Portugal Continental. As variáveis estudadas
são a precipitação diária e a precipitação horária, designando-se como precipitação
diária a precipitação ocorrida entre a meia-noite de dois dias consecutivos, ou entre as
9h00 de cada dois dias consecutivos, definições que se consideram equivalentes.
Estudaram-se quatro períodos temporais, compreendidos pelos anos hidrológicos de
1960/61 a 1989/90, 2000/01 a 2029/30, 2030/31 a 2059/60, e 2060/61 a 2089/90,
sendo o primeiro, o período de referência, e os restantes, os períodos do séc. XXI para
os quais se apresentam projecções.
10
Das séries de precipitação retiradas do portal do ENSEMBLES (http://www.ensembles-
eu.org/) para os referidos períodos, seleccionaram-se os máximos anuais dos
exercícios de simulação disponíveis à data.
No período de referência, comparou-se os valores de precipitação diária com os
registos existentes no portal do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos
(SNIRH – http://www.snirh.pt/), seleccionando-se os exercícios com melhores
resultados.
As projecções, são referentes aos exercícios seleccionados, e consistem na
precipitação horária e diária associada ao período de retorno de 100 anos, e ao rácio
entre estas.
1.3. Organização do texto
O texto encontra-se dividido em 6 partes, ou capítulos. Na primeira parte, introdutória,
apresenta-se o conceito de alterações climáticas, quais os cenários de emissões de
gases com efeito de estufa actualmente considerados pela comunidade científica
mundial, e o modo como são integrados nos modelos climáticos.
A segunda parte, aborda a influência das alterações climáticas no ciclo hidrológico,
nomeadamente, o que tem sido detectado, e quais as alterações expectáveis, a nível
global e regional. Apresenta-se ainda os principais impactes e consequências das
alterações expectáveis para Portugal Continental, nomeadamente, os principais
cenários de alterações na precipitação.
No terceiro capítulo, apresenta-se uma síntese do clima e da hidrologia nacional,
referindo-se quais as zonas com ocorrências de cheias mais frequentes, assim como a
sua génese, e principais impactes.
No capítulo 4, apresentam-se os exercícios de simulação em estudo, e o estudo que
permitiu seleccionar os que melhor se adaptam à realidade climática nacional.
No capítulo 5 apresenta-se os cenários de alterações na precipitação horária máxima
e na precipitação diária máxima previsíveis para o século XXI, com base nos modelos
seleccionados.
Por fim, no capítulo 6, apresentam-se as conclusões gerais do estudo, e as propostas
de trabalhos futuros.
1.4. O fenómeno das alterações climáticas
As alterações climáticas são, porventura, o maior desafio ambiental que a
Humanidade vai enfrentar este século (Beniston et al., 2007), que para além dos
óbvios impactes ambientais, deverá ainda ter repercussões importantes ao nível
económico e social (Parry, Canziani, Palutikof, van der Linden & Hanson, 2007). São
de esperar alterações importantes no ciclo hidrológico e no ciclo de energia globais à
medida que as temperaturas aumentam. As maiores ameaças à sociedade manifestar-
se-ão a nível local, através de alterações nos extremos climáticos locais e dos eventos
climáticos. Tornou-se evidente nos últimos anos que as populações europeias são
particularmente vulneráveis a alterações na frequência e intensidade de eventos
extremos, tais como ondas de calor, precipitação intensa, secas e tempestades
(Beniston et al., 2007).
11
Ao longo das últimas duas décadas foi-se tornando evidente que o clima global se
encontra em alteração, e que as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) pelo
Homem são as principais responsáveis. O actual consenso científico é de que o
aquecimento registado nos últimos 50 anos é devido a actividades humanas (vide
Cap.7 de IPCC, 2007). O aquecimento do sistema climático é inequívoco,
comprovando-se através das observações de aumento da temperatura média global
do ar e dos oceanos, do derretimento de gelo e neve generalizado e do aumento do
nível médio do mar (IPCC WGI, 2007). O actual consenso científico indica que as
alterações nas temperaturas são fundamentalmente devidas às emissões humanas, e
atendendo a que tal processo já foi desencadeado, que a maioria dos GEE permanece
na atmosfera durante largas décadas e que a sociedade responde de forma lenta à
urgência presente, é de esperar que as alterações climáticas se intensifiquem. De
facto, as emissões humanas continuam a aumentar, e não é provável que estabilizem
num futuro próximo (vide capítulo 1.5).
Consequentemente, a comunidade científica tem dado bastante ênfase ao estudo de
alterações nos padrões de frequência ou intensidade de fenómenos meteorológicos
extremos (furacões, cheias, secas, entre outros) de modo a testar as teorias relativas
às alterações climáticas (Huntington, 2006). Quase todos os Invernos, algures na
Europa, ocorrem cheias de alguma severidade, com consequências para as
propriedades privadas, para sistemas de comunicação e para as actividades
económicas, para além da ameaça às comunidades humanas. E para além disso,
quase todos os Verões ocorrem tempestades na Europa que produzem precipitação
intensa, aumento súbito do nível das águas e cheias em meio urbano.
Actualmente, uma das questões mais importantes em hidrologia é: se o clima aquecer
no futuro, ocorrerá uma intensificação do ciclo da água, e se sim, qual será a natureza
dessa intensificação (Huntington, 2006) ? O interesse dessa questão deve-se a que
uma intensificação do ciclo da água poderá conduzir a alterações na disponibilidade
de recursos hídricos, ao aumento da frequência de tempestades tropicais, cheias, e
secas, e a uma amplificação do aquecimento pelo aumento da evaporação
(Huntington, 2006). De facto, estima-se que o clima terrestre já ultrapassou as
fronteiras da variabilidade natural (IPCC-TAR, 2001), e que tal tem sido constante
desde os anos 1980 (Karl & Trenberth, 2003).
Uma das consequências possíveis do aquecimento global é a alteração dos padrões
de precipitação, tendo sido sugerido que ocorrem mais dias de precipitação ao longo
do ano à medida que as temperaturas aumentam, e também que a quantidade de
precipitação anual será mais elevada, e os fenómenos de precipitação terão maior
intensidade (Koning & Franses, 2005). A base teórica na qual se baseia a expectativa
de intensificação do ciclo hidrológico consiste na relação de Clausius-Clapeyron, que
afirma que a humidade específica aumenta aproximadamente de forma exponencial
com a temperatura (Huntington, 2006).
Os problemas decorrentes das cheias, apesar de estas estarem associadas a
fenómenos climáticos geralmente extremos, devem-se à indevida vazão dos cursos de
água, por vezes originados por construções junto a estes, e também à ocupação das
zonas de inundação natural dos cursos de água (PNA, 2001).
Estes eventos demonstram o modo como os seres humanos falharam na sua tentativa
de dominar a Natureza. Contudo, a crença nas nossas capacidades é tal, que não é
12
expectável, para o cidadão comum, a ocorrência de cheias numa sociedade moderna
(EuroFlood, 1994). No entanto, construímos as nossas cidades em leito de cheia, pois
as áreas planas são as mais adequadas para os usos habitacionais, comerciais, e
industriais. Na Europa, sempre se construiu ao longo de rios e/ou junto à costa, e em
Portugal, historicamente, os povoados estabeleceram-se na margem Norte dos cursos
de água, durante a reconquista cristã.
O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) foi estabelecido em 1988 pela
Organização Meteorológica Mundial (WMO) e pelo Programa das Nações Unidas para
o Ambiente (UNEP) com o objectivo de analisar de forma objectiva a melhor
informação científica, técnica e socioeconómica sobre as alterações climáticas,
recorrendo principalmente à literatura científica com peer-review. Essa enorme base
de conhecimento é desenvolvida por centenas de peritos de todas as regiões do
mundo, de modo a oferecer uma sinopse equilibrada das principais opiniões, sendo
orientada para o apoio à definição de políticas, não prescrevendo as medidas a tomar.
Os governos desempenham um papel fundamental na elaboração dos documentos,
aprovando linha a linha o que é publicado. Deste modo, os relatórios do IPCC
constituem a mais avançada perspectiva disponível sobre o tema das alterações
climáticas, pelo consenso com que são elaborados, e pela multiplicidade de estudos
que os suportam.
Idealmente, as previsões sobre alterações climáticas devem ser guiadas por princípios
físicos conhecidos incontestáveis através de simulações de modelos, combinadas com
as actuais observações climáticas (Allen & Ingram, 2002). Essa abordagem já
produziu projecções aceitáveis sobre as alterações a nível da temperatura global
média, contudo, o estudo de alterações a nível regional, quer de temperatura, quer de
alterações no ciclo hidrológico, traz novos desafios pela sua complexidade, sendo o
ENSEMBLES o mais recente de vários projectos que procuram criar cenários do que
se pode esperar para o séc. XXI.
De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (WMO), o clima pode ser
definido como sendo a descrição estatística, em termos da média e da variabilidade,
das características meteorológicas ao longo de um vasto período de tempo, em
norma, 30 anos.
As alterações climáticas podem ser definidas como as modificações no clima passíveis
de ser identificadas (por exemplo, recorrendo a testes estatísticos) por alterações na
média e/ou na variabilidade das suas propriedades, e que persistem por um largo
período de tempo, pelo menos da ordem de dezenas de anos (IPCC WGI, 2007). As
causas podem ser tanto a variabilidade natural como as actividades humanas. Os
condutores dos processos de alteração são as variações de concentrações de certos
gases atmosféricos, indutores de efeito de estufa; e aerossóis, com capacidade de
influenciar significativamente a capacidade de reflexão ou absorção (consoante o
aerossol) da atmosfera. Quando as emissões são resultado directo das actividades
humanas pode dizer-se que as alterações climáticas são de causa antropogénica, a
somar à inerente variabilidade climática natural (EuroFlood, 1994).
Por outro lado, a United Nations Framework Convention on Climate Change (UNCCC)
define alterações climáticas como a alteração do clima induzida directa ou
indirectamente pela acção humana, alterando a composição da atmosfera, a adicionar
à variabilidade climática natural observada num período de tempo comparável.
13
Geralmente, o clima é definido como sendo o estado do tempo médio, portanto, uma
alteração climática pressupõe uma mudança do padrão estatístico de uma série
observada de um dado parâmetro meteorológico. A principal distinção entre clima e
meteorologia é a natureza caótica do estado do tempo (IPCC WGI, 2007). A
ocorrência das Estações é devida às alterações nos padrões geográficos de absorção
e radiação de energia sob a forma de calor ao longo da Terra, possuindo os gases
com efeito de estufa (GEE) a capacidade de aumentar a capacidade de
absorção/acumulação de energia junto da superfície terrestre (IPCC WGI, 2007).
A detecção de alterações climáticas consiste na demonstração de que o clima se
alterou em algum parâmetro estatístico, sem apresentar o motivo pelo qual tal se
sucedeu. A atribuição de causas para alterações climáticas é o processo de establecer
quais as causas mais prováveis para a alteração detectada, com algum nível de
confiança (IPCC WGI, 2007).
Na impossibilidade de se seguir uma abordagem tradicional de atribuição de causas
(pela impossibilidade de realizar experiências controladas com o clima), a atribuição
de culpa aos factores antropogénicos pelas alterações climáticas deve seguir o
seguinte procedimento: detecção que o clima se alterou; demonstração de que essas
alterações são coerentes com as simulações com modelos computacionais que
incluem o factor antropogénico; demonstração de que as alterações detectadas não
são consistentes com explicações alternativas plausíveis baseadas em alterações
recentes no clima, que excluem a importância do factor antropogénico (IPCC WGI,
2007).
Os riscos adicionais devidos às alterações climáticas não devem ser analisados ou
considerados de forma isolada, mas integrados em esforços mais profundos de
redução do risco associado a desastres naturais.
1.4.1. O „efeito de estufa‟
Desde o início da revolução industrial, a Humanidade já lançou para a atmosfera
aproximadamente metade do carbono capturado pelo planeta ao longo de milhões de
anos (vide conceito de curva de produção/extracção de petróleo de M. King Hubbert,
1903-1989).
Admite-se que a evolução da temperatura média no sistema climático a longo prazo é
controlada pela adição de energia solar, e pela subtracção (para o exterior) da energia
sob a forma de radiação infra-vermelha. O conceito de balanço de energia é,
basicamente, o resultado desse input e output. Estima-se que a taxa de absorção de
energia pelo planeta seja da ordem de 235 a 240 W/m2 (a tecnologia utilizada
actualmente, a medição por satélite, ainda não permite obter valores mais exactos),
sendo também o valor médio da energia radiada para o espaço, sob a forma de
radiação infravermelha.
Enquanto a radiação proveniente do Sol é predominantemente de onda-curta, a
radiação proveniente da Terra é maioritariamente de onda-longa, ou infravermelha. A
atmosfera possui uma elevada capacidade de absorção de radiação infravermelha
(devido ao seu conteúdo em vapor de água, dióxido de carbono, e outros gases),
excepto nos comprimentos de onda compreendidos entre os 8.5 e os 13.0 μm – a
„janela atmosférica‟. A opacidade da atmosfera à radiação infra-vermelha
14
relativamente à sua transparência à radiação de onda-curta é habitualmente
designada por „efeito de estufa‟ (Barry & Chorley, 1992).
O efeito de estufa resulta da capacidade de absorção de certos constituintes da
atmosfera, notoriamente o vapor de água, o dióxido de carbono e alguns gases
residuais (como o metano, o óxido nitroso, e o ozono troposférico), que absorvem
energia nos comprimentos de onda da „janela atmosférica‟, para além dos restantes
comprimentos de onda. Estima-se que entre 1765 e 1990 o aumento da concentração
de CO2 na atmosfera tenha produzido um efeito radiactivo de 1.5 W/m2, e que o de
todos os gases residuais tenha sido de 2.5 W/m2 3 (Barry & Chorley, 1992).
O vapor de água atmosférico é um GEE crítico, e um estudo recente do Goddard
Institute for Space Studies da NASA indica que este é o principal componente do efeito
de estufa (com um peso de 49% na quantidade de calor retida na atmosfera), e não o
dióxido de carbono (19%). As nuvens contribuem com cerca de 25% na retenção de
calor, e outros constituintes da atmosfera com cerca de 7% 4 (Schmidt et al., 2010).
As alterações ao sistema climático são produzidas pelos „agentes forçadores‟, que
podem ser radiativos ou não-radiativos. Os agentes não-radiativos são os que afectam
o clima pela sua influência na geometria da superfície terrestre (como a localização e
dimensão das cadeias montanhosas, das bacias oceânicas, entre outros). Os agentes
radiativos são os que dizem respeito à radiação solar, que podendo sofrer alterações
no curto prazo ou no longo prazo (os ciclos solares podem variar entre as poucas
dezenas de anos e os vários milhões), são fundamentais no estudo das alterações
climáticas de curto prazo. Os agentes de forçamento radiativo internos são os que
estão envolvidos em alterações na composição da atmosfera, nebulosidade,
aerossóis, e no albedo. Apesar de serem susceptíveis a alterações no longo prazo, é a
sua susceptibilidade a alterações antropogénicas de curto prazo que os torna
particularmente interessantes (Barry & Chorley, 1992).
É na interacção entre o forçamento radiativo solar de curto prazo e os agentes de for-
çamento radiativo internos que se centra o estudo das alterações climáticas de curto
prazo, atendendo ao complexo sistema de mecanismos de feedback, ou re-alimenta-
ção, positivos e negativos (Barry & Chorley, 1992).
1.4.2. A temperatura
A variável que melhor pode ser estudada pelos registos climáticos recentes é a tempe-
ratura média global, pois a qualidade dos registos é maior em relação às restantes
variáveis globais (Allen & Ingram, 2002). O mais recente relatório do IPCC, o Assess-
ment Report 4, apresenta uma análise das observações instrumentais dos anteriores
157 anos que permite concluir que as temperaturas junto à superfície subiram de
forma global, com algumas variações regionais significativas5 (IPCC WGI, 2007) -
Figura 3.
O aumento da temperatura registado nas últimas décadas é generalizado ao longo do
globo, sendo maior no Hemisfério Norte (Hansen, Rued y, Sato & Lo, 2010). De
3 O valor da constante solar (energia solar recebida no topo da atmosfera) é cerca de 1370
W/m2.
4 http://www.nature.com/nclimate/2010/101102/full/nclimate1005.html
5 http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/ch1s1-3-2.html
15
acordo com o Centro Alemão para Computação Climática (DKRZ), o aquecimento dos
últimos 20 anos pode ser atribuído com 95% de certeza a causas antropogénicas por
oposição à variabilidade climática.
Figura 3 - Série de temperatura média continental, marítima e combinada, entre 1947 e 2009 6.
A temperatura média global subiu 0.6º 0.2ºC no período de 1861 a 2000, não tendo
este valor qualquer precedente no último milénio (JRC, 2005). No período 1906-2005,
(IPCC WGI, 2007) aponta que a referida variável aumentou em cerca de 0.74oC. Os
anos mais quentes da série apresentada pelo IPCC são 1998 e 2005 (sendo estatisti-
camente independentes), e 11 dos anos mais quentes da série situam-se nos últimos
12 anos da série. O aquecimento no último século ocorreu em duas fases, de 1910 até
aos anos de 1940 (0.35oC), e de forma mais intensa desde os anos de 1970 até ao
presente (0.55oC).
O maior aquecimento é registado nas áreas continentais interiores, na América do
Norte e na Ásia, apesar de se registar nesses locais uma grande variabilidade. No
entanto, os sinais mais evidentes de aquecimento ocorrem a latitudes médias e bai-
xas, particularmente nos oceanos tropicais. A falta de aquecimento significativo em
cerca de 20% da superfície terrestre, e o aquecimento reforçado noutros locais, pode
ser resultado de alterações na circulação atmosférica (IPCC WGI, 2007).
Globalmente, a década de 90 do século XX terá sido a mais quente no milénio anterior
(van Aalst, 2006). De acordo com o GISS, a década de 2001 a 2010 terá sido a mais
quente, em termos globais, desde que existem registos (1880). Um estudo recente da
NASA sobre as alterações na temperatura global superficial pode ser consultado em:
http://pubs.giss.nasa.gov/docs/2010/2010_Hansen_etal.pdf.
Os registos desde os anos 50 permitem concluir que a troposfera (até cerca de 10 km
de altitude) tem aquecido a uma taxa ligeiramente superior à camada terrestre,
enquanto a estratosfera (de aprox. 10 km a 30 km de altitude) tem arrefecido de forma
notória desde 1979.
6 In Folland, C. (2009), African Rainfall and Global Climate Variability and Change, Met office
Fadley Center, Exeter
16
Observações desde 1961 mostram que a temperatura média dos oceanos tem
aumentado, pelo menos até aos 3000 metros de profundidade, e que os oceanos têm
absorvido cerca de 80% do calor adicionado ao sistema climático.
Alguns estudos sugerem que a variação intra-anual de temperatura tem decrescido de
forma significativa, e que muito do aquecimento observado nas latitudes intermédias e
altas no séc. XX tem ocorrido na época fria (JRC, 2005). No período 1946-1999, o
aquecimento observado na Europa é geralmente superior no período nocturno do que
no diurno, o que leva a uma diminuição da gama de temperatura diária (Klein Tank,
Wijngaard & van Engelen, 2002). A duração da época sem gelo aumentou em muitas
regiões a latitudes médias e altas em ambos os hemisférios. No Hemisfério Norte, em
particular, nota-se a antecipação da Primavera (IPCC WGI, 2007).
O European Center for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF) revela que se
atingiram novos recordes de temperatura média sobre áreas terrestres no Hemisfério
Norte extratropical em Julho de 2010, e que os anteriores meses de Maio e Junho
também foram mais quentes que o usual. Ainda sobre o mês de Julho de 2010, de
acordo com (NOAA, 2010), a nível global este foi o segundo mais quente (temperatura
sobre terra e oceanos) desde que há registos (1880), depois do correspondente mês
em 1998, com uma temperatura média superficial de 16.5oC, cerca de 0.66oC acima
da média do séc. XX. Considerando apenas a temperatura média terrestre, esta terá
sido 1.03oC superior à média do séc. XX (14.3oC), enquanto a média superficial oceâ-
nica foi 0.54oC superior (média de 16.4oC no séc. XX). 7
AEMET (2010) reporta que as temperaturas médias no Verão de 2010 em Espanha
foram 1.4ºC superiores ao valor médio do período 1971-2000, sendo o oitavo trimestre
mais quente desde 1971 (nos últimos 10 anos ocorram 5 destes trimestres).
Diversos estudos baseados nos registos, e a generalidade das projecções com base
em modelos climáticos indicam que alterações na intensidade de precipitação são
mais prováveis à medida que a temperatura global aumenta (Groisman, Knight,
Easterling, Karl, Hegerl & Razuvaev, 2005).
1.5. Cenários de emissões e modelos climáticos
1.5.1. Cenários de emissões
Os cenários de emissões permitem a avaliação das consequências ambientais e cli-
máticas das emissões futuras de gases com efeito de estufa (GEE), e a avaliação de
diferentes estratégias de mitigação e avaliação. Em 1992 o IPCC criou uma série de
cenários de emissões de GEE com o propósito de serem usados no desenvolvimento
de modelos de circulação global, denominados cenários IS92, servindo de base ao
IPCC Second Assessment Report (SAR), de 1995. Em 1996, foi criado uma nova série
de cenários, que incluem melhor definição do histórico de emissões e informação mais
actualizada sobre a estrutura económica mundial, considerando diferentes tendências
na expansão tecnológica e trilhos de desenvolvimento económico, incluindo o estrei-
tamento da diferença entre países desenvolvidos, e países em vias de desenvolvi-
mento. Estes cenários são descritos pelo Special Report on Emission Scenarios
7 http://www.ecmwf.int/publications/cms/get/ecmwfnews/1281953353922
17
(SRES), e são usados no Third e Fourth Assessment Report (TAR e AR4), de 2001 e
2007, respectivamente.
O SRES consiste em quarenta cenários diferentes, cada um com diferentes assump-
ções do futuro nível de poluição por GEE, ocupação do solo, nível de desenvolvimento
económico e tecnológico, entre outros, e a maioria inclui aumento de consumo de
combustíveis fósseis. Os cenários de emissões encontram-se organizados em quatro
famílias, cada uma com características semelhantes entre os cenários que as com-
põem: A1, A2, B1, e B2. Nenhum dos cenários contempla o efeito de medidas de con-
trolo climático, tais como o Protocolo de Quioto e tem sido discutido se os cenários
SRES utilizados no AR4 de 2007 estarão obsoletos, dadas as emissões desde o ano
2000: a taxa de crescimento global de emissões após 2000 situa-se nos 3%, enquanto
a taxa considerada nos referidos cenários se situa entre os 1.4% e os 3.4%, o que
pode levantar a questão de se os cenários não serão demasiado conservativos. Con-
tudo, tratando-se de previsões a longo prazo, existe a possibilidade de a taxa da actual
década se diluir na tendência de longo prazo.
Por outro lado, alguns dos críticos dos cenários acusam-nos de sobrestimar as futuras
taxas de emissões, por incorrecta avaliação do desenvolvimento futuro dos actuais
países em vias de desenvolvimento, sobrevalorizando-a.
Para cada família, os cenários agrupam-se conforme consideram, ou não, um desen-
volvimento global harmonizado, a nível de população, produto interno bruto (PIB),
energia.
Sucintamente (IPCC, 2000),
- A família A1 descreve um futuro de crescimento económico muito acelerado,
com um pico populacional global a meados do século, e posterior declínio populacio-
nal; introdução rápida de novas e mais eficientes tecnologias; aumento da interacção
social e cultural, convergência no PIB per capita. O cenário subdivide-se noutros três,
conforme o desenvolvimento tecnológico é baseado em energia fóssil (A1F1), não fós-
sil (A1T), ou um intermédio de ambos (A1B).
- A família A2 descreve um mundo fortemente heterogéneo, com preservação
das identidades locais, pouca convergência entre diferentes regiões, aumento contí-
nuo da população global, desenvolvimento económico orientado a nível regional. Con-
sequentemente, o cenário prediz um desenvolvimento tecnológico e económico é
fragmento, e mais lento do que nos restantes cenários.
- A família B1 descreve um mundo convergente, com desenvolvimento popula-
cional semelhante ao da família A1, contudo, com forte desenvolvimento de uma eco-
nomia baseada nos serviços e na informação, com redução na intensidade de uso de
materiais e introdução de tecnologias limpas e eficientes.
- A família B2 consiste num mundo cuja procura da sustentabilidade econó-
mica, social e ambiental tem ênfase nas soluções locais. A população cresce de forma
contínua, contudo, a uma taxa inferior do que a família A2, com níveis de desenvolvi-
mento económico intermédios, e alteração tecnológica menos rápida e mais diversifi-
cada do que nas famílias B1 e A1.
18
No geral, os cenários pressupõem que as forças motrizes das emissões futuras de
GEE serão as alterações demográficas, o desenvolvimento social e económico, e o
tipo e intensidade das alterações tecnológicas.
Nas Figura 4 e Figura 5, representam-se os cenários de emissões de GEE, e as
projecções de alteração nos valores de temperatura superficial, ao longo do séc. XXI,
respectivamente.
Verifica-se, de acordo com os referidos cenários, que na melhor das hipóteses as
emissões continuarão a aumentar até meados do século, e que provavelmente se
manterão acima dos valores de 2000, situando-se o aquecimento no final do século
XXI entre os 2º C e os 4º C, em relação ao final do século XX.
Figura 4 – Previsão das emissões globais de GEE, para as actuais políticas climáticas. Representam-se os 6 cenários do SRES (linhas coloridas), o percentil 80 dos cenários publicados após o SRES (área a cinzento). As
linhas a tracejado representam a totalidade dos cenários pós-SRES. In: Pacauri & Reisinger (2007)8.
8 http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/mains3.html
19
Figura 5 – À esquerda: Resultados dos modelos relativos ao aquecimento superficial (em relação ao período
1989-1999) para os cenários SRES A2, A1B, e B1, como continuação das simulações do séc. XX; a linha a laranja representa a simulação na qual as emissões foram mantidas constantes em relação ao ano 2000; as barras a meio da figura indicam as melhores estimativas (linha sólida no interior de cada barra), e o intervalo
provável para os seis cenários SRES representados, para o período 2090-2099, em relação ao período 1980-1999. Á direita: Projecção das alterações na temperatura superficial para o início e para o fim do século XXI, em relação ao período 1980-1999. In: Pacauri & Reisinger (2007)
9.
1.5.2. Modelos climáticos
Os modelos climáticos calculam o estado do tempo em grelhas com espaçamentos de
alguns graus de latitude e longitude, ou algumas centenas de quilómetros, com resul-
tados satisfatórios para eventos de escala global. Por outro lado, todas as aplicações
devem ter em conta as incertezas da informação, que são, principalmente, os cenários
de emissões futuras, as técnicas de downscalling, e a falta de dados consistentes.
O clima regional, e em particular a precipitação, são geralmente afectados por proces-
sos a escalas espaciais consideravelmente inferiores às escalas típicas dos modelos
climáticos acoplados (coupled climate models). De modo a obter informação sobre o
clima a tais escalas, podem ser usadas três técnicas (de “regionalização”):
a) simulações “time-slice” com modelos de circulação geral da atmosfera (AGCM);
b) downscalling dinâmico recorrendo a modelos climáticos regionais;
c) métodos de downscalling estatístico.
As actuais políticas ambientais, de gestão de recursos naturais, e de mitigação de
impactes das alterações climáticas assentam nos resultados dos modelos climáticos,
pois estes possibilitam o estudo do modo como o clima da Terra responde a pequenas
alterações quer na intensidade da recepção de energia solar, que na adição pelo
Homem de GEE na atmosfera, através de simulações numéricas baseadas em leis
físicas.
A representação da evolução do clima a nível global ou regional (GCM, ou RCM, res-
pectivamente) é feita através de equações matemáticas que pretendem descrever, de
forma aproximada, os principais processos físicos e químicos. Enquanto algumas
representações são bastante aproximadas aos processos que pretendem representar,
9 http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/figure-3-2.html
20
outras, pelo contrário, são bastante incipientes, devido ao processo ser demasiado
complexo para ser simulado em computador em tempo útil, ou por não se conhecer de
forma suficientemente detalhada alguns processos naturais. As variáveis mais
comummente representadas são:
Na atmosfera: a temperatura atmosférica, a pressão atmosférica, os campos de
ventos e nuvens, o vapor de água, a precipitação;
Nos oceanos: a salinidade, temperatura, correntes.
Os GCM actuais já são capazes de reproduzir de forma fiável a distribuição sazonal de
pressão e temperatura, consistindo em representações matemáticas de processos
físicos na atmosfera e oceano, e a sua interacção.
Um conceito fundamental é o de hierarquia dos modelos climáticos, em função da sua
complexidade, dimensão das variáveis consideradas, e de resolução espacial, pode-se
optar por diferentes tipos de modelos, conforme o problema que se pretende estudar.
As componentes do sistema climático mais importantes para as alterações climáticas e
suas consequências são: a atmosfera, os oceanos, a biosfera terrestre, os glaciares e
superfícies geladas, e a topografia (IPCC, 1997). De modo a avaliar o impacto da
Humanidade no sistema climático, é necessário estimar os efeitos dos processos-
chave que actuam no sistema, e as interacções entre estes. Os referidos processos
climáticos podem ser representados através de termos matemáticos baseados nas leis
físicas, tais como a conservação de massa, momento, e energia, e a implementação
em computador da formulação matemática é o que se define como “modelo”. Se o
modelo incluir um número suficiente de componentes do sistema climático, pode ser
designado por “modelo climático”.
A resolução espacial do modelo é dada pelo espaçamento entre pontos de cálculo da
grelha, nos quais são representadas as quantidades físicas que variam continuamente
no espaço (e.g., a precipitação). Nos modelos mais complexos, como os AOGCM
(atmosphere-ocean coupled general circulation models), tais quantidades são repre-
sentadas numa grelha tridimensional (latitude, longitude, altitude), com resoluções
horizontais típicas das centenas de quilómetros. Concretamente, a resolução típica
dos modelos GCM passou dos 500 km no primeiro relatório do IPCC (datado de 1990),
para cerca de 100 km no quarto relatório (2007). Actualmente, os GCM possuem
resoluções formais típicas dos 100 a 200 km (grid-scales), pelo que permitem o estudo
satisfatório de características climáticas de larga escala, como a circulação geral
atmosférica e oceânica, e os regimes subcontinentais de precipitação e temperatura,
por exemplo. Contudo, a sua resolução real é da ordem de 6 a 8 larguras de grelha, ou
seja, da ordem de 1000 km (Rummukainen, 2010), o que não permite o estudo de
aspectos climáticos importantes a nível regional, como as precipitações intensas.
Contudo, mesmo os modelos mais avançados possuem resoluções espaciais muito
inferiores à escala de alguns elementos fundamentais do sistema climático (e.g., as
nuvens, a topografia). Os modelos disponíveis que permitem a consideração deta-
lhada desses elementos são demasiado exigentes computacionalmente para a tecno-
logia disponível, pelo que os modelos climáticos representam de forma grosseira
esses processos na sua grelha. A formulação do efeito de um processo de pequena
escala na grelha do modelo é designado por “parametrização” (IPCC SAR WGI: Sec-
ção 1.6.1), (Rummukainen, 2010), aplicável, por exemplo, às correntes oceânicas, ou
21
ao vento, cuja elaboração pode influenciar de forma muito acentuada o comporta-
mento do modelo. Os modelos climáticos possuem limitações espaciais e temporais,
pelo que os processos físicos que ocorrem em escalas pequenas necessitam de ser
parametrizados, através de relações semi-empíricas (ENSEMBLES, 2009).
A maioria dos modelos usados pelo IPCC, e os dois modelos globais utilizados pelo
ENSEMBLES, são do tipo AOGCM (Figura 6), que resolvem as equações relativas à
atmosfera e aos oceanos aproximando os seus domínios a grelhas volumétricas, ou
boxes, ligadas por fluxos, e a cada uma é atribuída um valor médio para propriedades
como a temperatura, humidade (atmosfera), salinidade (oceano). O tamanho da box
corresponde à resolução espacial do modelo, e costuma-se assumir que o realismo
das simulações climáticas aumenta com o aumento da resolução destes.
Figura 6 - Esquema de um Modelo Atmosférico Global, NOAA.
Nos AOGCM‟s é descrita a circulação oceânica, o modo como transporta a energia
solar absorvida ao longo da Terra, e o modo como ocorrem trocas de calor e humi-
dade com a atmosfera. Geralmente também incluem modelos que descrevem o modo
como a vegetação, o solo, o gelo e a neve trocam energia e humidade com a atmos-
fera.
Num modelo simples, que não considere feedback a qualquer alteração, o aumento de
40% de CO2 na atmosfera (valor que se estima ser o aumento antropogénico nos últi-
mos 150 anos) resultaria num aumento de cerca de 0.5 °C da temperatura média glo-
bal, de modo a recuperar o balanço de energia. Contudo, acredita-se que o aumento
da temperatura afecte outros elementos do sistema climático, como as nuvens e o
vapor de água. Esses outros impactes, indirectos, podem amplificar o aquecimento
devido somente ao aumento de CO2 na atmosfera, ou reduzi-lo. Essa amplificação é
sobretudo devida ao aumento de vapor de água, o principal GEE da Terra, e diminui-
ção das nuvens de baixa e média altitude, causando então um aumento da absorção
de radiação solar pelo sistema, resultando num maior aquecimento.
Os RCM complementam os GCM, de modo a adicionar maior detalhe aos modelos
climáticos globais, possuindo, actualmente, resoluções típicas dos 25 a 50 km. A
impossibilidade tecnológica de aumentar a resolução dos modelos globais de modo a
aprimorar o estudo regional, levou ao desenvolvimento de outros métodos, como o
downscaling, sendo os principais tipos de dowscaling o estatístico e o dinâmico. O
22
dowscaling estatístico consiste na procura de relações estatísticas robustas entre
variáveis climáticas de larga escala, como a pressão média na superfície oceânica, e
outras variáveis locais, como a temperatura, ou a pressão. O dowscaling dinâmico,
através de RCM, consiste nos mesmos processos físicos e dinâmicos climáticos
empregues nos GCM, que podem ser aplicados, por exemplo, num GCM com resolu-
ção variável, mais detalhada na área de interesse (Rummukainen, 2010).
A premissa inicial na modelação regional é que os dados resultantes dos GCM podem
ser usados como condição de fronteira, ou forçamento (to force, ou to drive, na litera-
tura anglo-saxónica) nos RCM, sobre uma dada área, dado que o clima numa qual-
quer região do mundo, é afectado pelo clima no resto do globo. As condições de fron-
teira básicas são a temperatura, a humidade, os campos de ventos, e as temperaturas
superficiais marítimas.
A qualidade das simulações depende não só do modelo per se, mas também da quali-
dade dos dados usados como condição de fronteira. Um dos modos de afinar os
modelos é recorrendo a condições meteorológicas observadas, e não resultantes de
GCM (Rummukainen, 2010).
A natureza não linear do sistema climático torna as previsões climáticas dinâmicas
sensíveis à incerteza resultante das condições iniciais, e ao modelo em uso. A incer-
teza na formulação do modelo é devida à incapacidade dos modelos dinâmicos em
simular com detalhe todos os aspectos do sistema climático pelo que os processos de
escala inferior à resolução do modelo têm de ser parametrizados, através de relações
semi-empíricas (ENSEMBLES, 2009).
Um grupo de simulações comparáveis é designado, na literatura anglo-saxónica, por
ensemble. A utilização de ensembles permite o aumento da fiabilidade das estimativas
das propriedades em estudo, pois consiste, simplesmente, no aumento da amostra, e
a variação de resultados ao longo dos vários modelos que compõe o ensemble per-
mitem estimar a incerteza. Os ensembles produzidos com o mesmo modelo mas com
diferentes condições iniciais apenas caracterizam a incerteza associada à variabili-
dade numérica interna do modelo, enquanto os ensembles multi-modelo incluem a
simulação por diferentes modelos (Stocker, Dahe, Plattner, Tignor, & Midgley, 2010).
As maiores fontes de incerteza na definição dos modelos climáticos são:
- Incertezas associadas às diferentes classes de erros dos modelos, incluindo a asso-
ciada à estrutura de modelação, e aos parâmetros que controlam os resultados dos
processos cuja escala é inferior à da grelha;
- Condições iniciais (e.g., temperatura oceânica);
- Downscaling dinâmico entre GCM e RCM, e dos RCM para os modelos de impactes;
- Downscaling estatístico, tipicamente de GCM para ponto;
- Incertezas associadas às observações climáticas, incluindo os padrões de distribui-
ção dos constituintes atmosféricos (e.g., a distribuição da concentração de Ozono)
- Expressão das emissões de GEE em concentração atmosférica;
- Os cenários sócio-económicos nos quais os cenários de emissões são baseados;
23
- As respostas dos sistemas sócio-económicos às alterações no clima, nomeadamente
através das emissões antropogénicas de GEE.
As projecções dos RCM fornecem cenários plausíveis de alterações ao nível regional,
consistentes com as mudanças em larga escala. No entanto, dependem da grande
incerteza associada às projecções dos GCM. O IPCC admite que a maior fonte de
incerteza nos modelos é o feedback das nuvens de baixa altitude, nomeadamente no
modo como a nebulosidade se altera com o aquecimento, sendo que todos os mode-
los climáticos usados pelo IPCC reduzem a nebulosidade a baixa e média altitude com
o aquecimento do sistema climático, resultando num feedback positivo (Treberth &
Fasullo, 2009).
24
2. Alterações climáticas e o ciclo hidrológico
2.1. A influência das alterações climáticas na precipitação
Uma das principais consequências das alterações climáticas será a sua influência no
ciclo hidrológico. Ao longo deste capítulo discute-se os princípios físicos que governam
o clima, citando alguns dos principais estudos sobre detecção e previsão de alterações
no ciclo hidrológico, e as suas consequências. Apesar de se pretender focar a área
geográfica de Portugal Continental, não se deixa de citar os resultados mais impor-
tantes para a Europa e para o Mundo.
Existe muita informação recolhida em estações hidrométricas e meteorológicas ao
longo do último século e meio, um pouco por todo o mundo. No entanto, a qualidade
dos dados é muitas vezes limitada, devido a vários problemas: séries temporais
interrompidas durante alguns anos, evolução dos métodos de recolha de dados. Os
resultados mais fiáveis são os que dizem respeito à temperatura e ao nível do mar
(EuroFlood, 1994).
A análise de registos de diversas variáveis (temperaturas, precipitação, nível médio
das águas do mar, entre outros) permitem detectar alterações em retrospectiva e,
eventualmente, detectar tendências em relação a um período neutro, em termos de
factores antropogénicos: o período pré-industrial. Como resultado das diferentes
técnicas e instrumentos usados a nível global, das dificuldades inerentes ao registo de
fenómenos naturais, o registo e análise da precipitação está longe de ser trivial (IPCC-
TAR, 2001). As estações pluviométricas são incapazes de registar a totalidade da
precipitação ocorrida, devido ao vento, eventos pouco intensos, e precipitação sólida.
A utilização de satélites para estimar precipitação apenas se generalizou nas últimas
três décadas, pelo que não possibilita o estudo de variações inter-decenais. O estudo
da evolução da precipitação deve ser alargado a outras variáveis dela dependentes
(IPCC-TAR, 2001).
Já foi possível detectar alterações em vários parâmetros climáticos, tais como, a
temperatura do ar à superfície terrestre, pressão atmosférica ao nível do mar,
temperatura atmosférica, espessura da tropopausa e quantidade de calor retido nos
oceanos. Contudo, ainda não foram detectadas alterações de origem antropogénica
na precipitação à escala global, em parte porque alterações em diferentes regiões se
cancelam entre si, reduzindo desse modo a evidência de alterações generalizadas em
termos médios (Zhang et al., 2007).
A realização de simulações climáticas sobre períodos com registos permite testar
hipóteses sobre as causas das alterações climáticas, e de acordo com IPCC (2007), a
explicação das alterações na precipitação média em algumas regiões não é obtida
apenas com a inclusão, nas simulações, dos efeitos das erupções vulcânicas,
sugerindo que a diferença é o efeito da influência antropogénica.
Com base no aumento da temperatura média global, é expectável alteração em
diversas variáveis climáticas, nomeadamente, aumento da evaporação global, e como
consequência, do conteúdo de vapor de água na baixa troposfera, e da precipitação,
ou seja, intensificação do ciclo hidrológico (van Aalst, 2006), (Huntington, 2006), (Held
& Soden, 2006), (IPCC WGI, 2007). Contudo, serão de esperar diferenças
substanciais entre diferentes regiões, por exemplo, um aumento maior de precipitação
25
nas latitudes mais a Norte, e nas latitudes intermédias durante o Inverno (EuroFlood,
1994), (Zhang et al., 2007).
Enquanto as alterações dos padrões médios podem ter diversas consequências per si,
o maior impacte das AC pode residir nas alterações na variabilidade climática e nos
extremos meteorológicos, nos quais já foi possível identificar algumas perturbações
(van Aalst, 2006).
A frequência dos extremos altera-se de forma não-linear com as alterações na média
da distribuição, pelo que uma pequena alteração na média pode resultar numa grande
alteração na frequência dos extremos, contudo, uma alteração na variância da
distribuição terá um efeito maior na frequência dos extremos do que uma alteração na
média (Katz & Brown, 1992).
A precipitação é um campo mais difícil de modelar do que a temperatura pois a sua
distribuição está associada a processos cuja escala é mais pequena, não resolúveis
com modelos de grande escala. Como consequência, os resultados relativos à
precipitação variam muito mais de modelo para modelo do que os relativos à
temperatura. Modelos teóricos, simulações de modelos climáticos e evidências
empíricas demonstram que um clima mais quente, através do aumento do vapor de
água, conduz a precipitações mais intensas mesmo quando a precipitação anual
acumulada diminui ligeiramente, e é de esperar eventos ainda mais extremos quando
o total de precipitação aumenta. Portanto, um clima mais quente conduz ao aumento
do risco de seca (quando não chove) e de cheias (quando chove), em locais e/ou
instantes distintos. Os modelos que permitem simular a precipitação são capazes de
predizer as principais características dos padrões observados, desde que se considere
as características regionais relevantes (EuroFlood, 1994).
As principais alterações na precipitação devidas às alterações climáticas são, com
grande probabilidade, a intensidade, frequência e duração dos eventos (Trenberth,
Dai, Rasmussen, & Parsons, 2003), (Meehl, Zwiers, Evans, Knutson, Mearns, &
Whetton, 2000)
Através da queima de sulfatos, pó mineral, e carbono negro, a Humanidade é
responsável pela produção de aerossóis com o potencial de afectar localmente o ciclo
da água, inicialmente pela supressão de precipitação nas áreas mais poluídas, e
através da redução da recepção de radiação solar à superfície (Huntington, 2006). O
principal mecanismo responsável pela diminuição da precipitação localmente é o
aumento da concentração de partículas aerossóis, que aumentam a concentração do
núcleo de condensação das nuvens, reduzindo o tamanho médio das gotas de chuva,
o que resulta numa menor coalescência entre as gotas (Ramanathan, Krutzen, Kiehl &
Rosenfeld, 2001). Contudo, a redução da incidência de radiação solar à superfície
diminui a evaporação, e consequentemente, a precipitação. O potencial para
diminuição da evaporação e aumento da precipitação sobre terra é apenas possível se
ocorrer advecção de ar húmido a partir dos oceanos para terra (Wild, Ohmura, Gilgen
& Rosenfeld, 2004) pelo que é ainda incerto se o efeito global dos aerossóis será o de
redistribuição da precipitação, afectando zonas fortemente poluídas, ou se o
enfraquecimento geral do ciclo hidrológico (Huntington, 2006).
A precipitação forma-se, geralmente, no ar ascendente que se expande e desse modo
arrefece. A força ascensional pode resultar do ar a elevar-se sobre montanhas, do ar
26
quente a sobrepor-se ao ar frio (frente quente), do ar frio a penetrar sobre o ar quente
(frente fria), convecção sobre uma superfície quente localizada, entre outros. Como
referido, uma das consequências do aquecimento induzido pelo Homem através do
efeito de estufa é o aumento da evaporação, no caso de disponibilidade hídrica
(sempre presente nos oceanos e outras superfícies líquidas). O calor usado na
evaporação provoca um menor aquecimento do ar, o que explica o motivo de os
Verões tenderem a ser quentes e secos ou frescos e húmidos.
Nas latitudes intermédias, a quantidade de vapor de água presente na atmosfera é
cerca de 25 mm, sendo este um valor próximo da média global. Contudo, a eficiência
dos mecanismos de precipitação não é muito elevada: destes 25 mm, apenas cerca de
30%, pode realmente precipitar, ou seja, cerca de 7.5 mm. Por outro lado, a
precipitação média global estimada é de cerca de 2.8 mm dia -1, aproximadamente o
mesmo valor da taxa de evaporação global, que no Verão pode chegar aos 5 mm dia -1.
Então, a humidade necessária para os fenómenos de precipitação moderados ou
intensos não provém directamente da evaporação mas sim do transporte por
advecção, e tal se torna mais evidente se atendermos a que apenas chove 5% a 10%
do tempo.
2.1.1. Vapor de água na troposfera
A base teórica para a expectativa da intensificação do ciclo hidrológico reside na
relação de Clausius-Clapeyron, que permite relacionar a temperatura da atmosfera
com a sua capacidade de armazenamento de vapor de água. Dado que a precipitação
é resultado, fundamentalmente, de sistemas meteorológicos alimentados pelo vapor
de água presente na atmosfera, é de esperar que a intensidade de precipitação e o
risco de precipitações intensas aumente num clima mais quente. O aumento global da
capacidade de retenção de água na atmosfera num clima mais quente é fisicamente
consistente com o aumento da precipitação, e com o aumento da intensidade de
precipitação em algumas regiões (Meehl, Zwiers, Evans, Knutson, Mearns & Whetton,
2000).
Tem-se verificado o aquecimento generalizado dos oceanos, muito provavelmente por
causas antropogénicas, o que origina como consequência directa o aumento da
quantidade de vapor de água na atmosfera, sobre os oceanos (IPCC WGI, 2007).
Uma atmosfera mais quente possui um ponto de saturação em conteúdo de vapor de
água superior (Lenderink & van Meijgaard, 2009). Como tal, uma consequência do
aquecimento global, na baixa troposfera, é o aumento do vapor de água atmosférico (o
GEE dominante), e consequentemente, também do risco de precipitação intensa,
enquanto, por outro lado, a superfície continental torna-se mais seca, aumentado a
incidência e severidade das secas.
A adição de vapor de água à atmosfera aumenta o risco de eventos de precipitação
intensa (Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003), (Trenberth, 1999) mesmo
quando o total de precipitação se mantém constante, com perspectivas de eventos
ainda mais intensos no caso de aumento da precipitação total (Katz, 1999).
27
A humidade específica10 da troposfera aumenta com o aumento da temperatura
superficial, de forma aproximadamente exponencial, enquanto a humidade relativa11
se mantém aproximadamente constante, tal como tem sido observado à superfície, na
camada limite, e na baixa e média troposfera em alguns locais do hemisfério Norte (no
hemisfério Sul e na alta troposfera não existem dados fiáveis e em quantidade
suficiente); sendo um resultado robusto da simulação computacional (Lenderink & van
Meijgaard, 2009). Tal verifica-se principalmente nas latitudes mais elevadas, dado que
nestas o ar está mais frequentemente próximo da saturação, e nessas latitudes a
humidade relativa é, de facto, aproximadamente constante ao longo das mudanças de
temperatura sazonais. Nas latitudes mais baixas, a humidade relativa parece ser
pouco susceptível face a um aquecimento global, mesmo nos modelos de muito alta
resolução. O pressuposto de que a humidade relativa se mantém constante num clima
em aquecimento tem sido corroborado pelas observações (Soden, Wetherald,
Stenchikov & Robock, 2002).
A humidade específica à superfície aumentou de forma generalizada desde 1976
(IPCC WGI, 2007), associada ao aumento de temperatura, tanto continental como
oceânica. A coluna de vapor de água total sobre os oceanos aumentou cerca de 1.2 ±
0.3% por década entre 1988 e 2004, consistente com o aumento da temperatura
superficial oceânica, e enquanto a humidade relativa se mantém aproximadamente
constante. A coluna de vapor de água total terá aumentado cerca de 4% desde 1970,
com forte correlação com a temperatura superficial oceânica. Do mesmo modo, tem
sido identificado uma tendência de aumento da humidade específica da alta troposfera
no período 1982 a 2004, variável que provavelmente potencia o efeito de estufa.
De acordo com a relação de Clausius-Clapeyron, um clima mais quente implica o
aumento da quantidade de água na atmosfera, o que aumentará o potencial para a
libertação do calor latente durante a formação de sistemas de baixa pressão, e
portanto, possibilitando a intensificação dos sistemas e disponibilizando mais água
para precipitação (Christensen & Christensen, 2003). A referida relação, para a
pressão de saturação do vapor, tem a seguinte forma (Held & Soden, 2006):
(1)
onde,
es – pressão de saturação de vapor;
L – calor latente de vaporização;
R – constante de gás;
T – temperatura (K).
Nas temperaturas típicas da baixa troposfera, α ≈ 0.07ºC-1, ou seja, a pressão de
saturação de vapor aumenta aproximadamente 7% por cada aumento de 1 ºC na
temperatura. Portanto, se a resposta de equilíbrio da temperatura da baixa-troposfera
for de 3 ºC para uma duplicação da concentração de CO2 na atmosfera (como se
10
Rácio da massa de vapor de água na atmosfera pela massa total do sistema 11
Rácio da pressão de vapor pela pressão de saturação de vapor
28
admite, actualmente), isto corresponde a um aumento de 20% de es (Held & Soden,
2006).
A hipótese de que a referida relação pode explicar as alterações futuras na
precipitação extrema baseia-se em (Lenderink & Meijgaard, 2008):
a) A humidade relativa da atmosfera continua relativamente constante à medida
que o clima se altera, resultando que a quantidade de água precipitável
aumente com o valor de saturação;
b) A precipitação intensa é principalmente determinada pela quantidade de água
precipitável na atmosfera;
c) A natureza da circulação atmosférica, que rege as causas da precipitação, não
se altera significativamente.
Enquanto os dois primeiros pontos são válidos à grande escala, o terceiro tem sido
questionado. Muitos GCM predizem alterações na circulação atmosférica global, e
consequentes alterações na precipitação. À escala da precipitação convectiva12, o
aumento do calor latente pode levar a uma intensificação da upward motion,
excedendo o efeito da relação de CC (Lenderink & Meijgaard, 2008).
A relação de CC não é verificada em todos os modelos climáticos, e não é verificada
de forma consistente nos registos a nível global (Lenderink & van Meijgaard, 2009),
não existindo demonstração conceptual de que os extremos de precipitação sigam
exactamente a relação.
As medições de vapor de água na atmosfera por satélite recorrendo ao Special Sensor
Microwave/Imager (SSM/I), desde 1988, mostram uma tendência significativa de
aumento do vapor precipitável na atmosfera de 1.2 0.3% por década, em média
sobre os oceanos, à escala global (IPCC WGI, 2007) - Figura 7. Soden et al. (2005)
demonstra que tal tendência é bem simulada pelos modelos atmosféricos que
consideram os valores de temperatura superficial do mar (SST) observados, cujo
aumento é considerado como sendo em grande parte devido a factores
antropogénicos. Usando o referido SSM/I nos oceanos tropicais, Allan & Soden (2008)
concluem que eventos de precipitação extremos ocorrem nos períodos quentes da
temperatura superficial marítima, e diminuem durante os períodos frios, e que as
simulações por modelos reproduzem bem os eventos de precipitação observados.
12
Eventos convectivos – ocorrências de precipitação convectiva numa area não superior a 10 km de largura, por um periodo inferior a cerca de meia hora.
Figura 7 – Anomalia média global do vapor de água observada e das simulações com o modelo AGCM
GFDL AM2-LM2, em relação ao período 1987-2000. In: Soden et al. (2005).
29
Apesar das variações regionais, e incerteza nos dados, (New, Hulme, & Jones, 2000)
referem que o conteúdo em vapor de água da atmosfera aumentou nas latitudes acima
dos 30ºN, durante o período 1975-1995, com base nos registos desse período.
Lenderink & van Meijgaard (2009) relacionaram registos de precipitação horária e
diária com os da temperatura média diária (representando a temperatura da massa de
ar) na Europa Central, concluindo que para eventos mais extremos de precipitação
horária e para temperaturas abaixo dos 10ºC, a relação de CC se verifica. Para
valores mais elevados de temperatura, encontraram uma relação de cerca de 14%/ºC;
e para eventos de precipitação moderados (como o percentil 75) não identificaram
qualquer relação. Para eventos de precipitação diária, a relação identificada pelos
autores era mais próxima, ou abaixo, da relação de CC.
Também se espera, como consequência do aumento dos GEE, o aumento do
transporte horizontal de vapor de água (Held & Soden, 2006), conduzindo a menor
disponibilidade nos subtrópicos e em parte dos trópicos, e a um aumento da
precipitação na região equatorial e nas latitudes mais elevadas. Simulações da
precipitação média continental referentes ao séc. XX mostram um aumento junto ao
equador e nas latitudes mais elevadas, e uma diminuição nas regiões subtropicais do
HN; as projecções referentes ao séc. XXI reflectem um efeito semelhante.
O rácio entre a quantidade de precipitação que advém da própria região e a que é
transportada por advecção para a região, é conhecido por rácio de „reciclagem‟,
variando substancialmente entre valores mínimos no Inverno, e máximos no Verão.
Em Portugal Continental, esse rácio numa escala de 1000 km, varia entre os 15% e os
20% (Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003).
2.1.2. Alterações na precipitação anual
Partindo do pressuposto que o vapor de água troposférico é controlado por uma
variação aproximadamente nula da humidade relativa (como discutido no subcapítulo
anterior), e pela relação de CC, seria de esperar um aumento exponencial na
precipitação global (e do ciclo hidrológico no geral) à medida que as temperaturas
aumentam. Contudo, tal não se tem verificado nos modelos climáticos (Allen & Ingram,
2002). Um dos resultados mais robustos em todos os modelos é o aumento da
evapotranspiração potencial num clima mais quente, e é de esperar que o aumento da
evaporação coíba o aumento da temperatura.
Allen & Ingram (2002), através de simulações com vários modelos atmosféricos
acoplados a modelos oceânicos, relacionaram o aquecimento médio global, próximo à
superfície, de equilíbrio e a longo prazo, ΔT, com o aumento de precipitação, ΔP, num
cenário de duplicação da concentração de CO2 na atmosfera. Aparentemente, a
precipitação média continental não segue simplesmente a resposta da temperatura
global ao forçamento, parecendo ser dominada pelo forçamento natural (solar e
vulcânico), que varia em menores escalas temporais; por outro lado, as alterações na
temperatura são dominadas pelo forçamento antropogénico (de clara tendência
crescente, sem oscilação). Os resultados aparentam indicar um aumento de 3.4% de
precipitação por ºC, bastante inferior aos 6.5% da relação de CC. Por outro lado, de
acordo com esses resultados, os efeitos do aumento de temperatura na precipitação
apenas começam a partir do aumento de 1.4º C.
30
Uma explicação possível é que a intensidade do ciclo hidrológico é controlada
principalmente pela disponibilidade de energia (Allen & Ingram, 2002), e não (ou pelo
menos, não somente) pela disponibilidade de vapor de água. Mais concretamente,
será controlada pela capacidade da troposfera de irradiar o calor latente libertado pela
precipitação.
A anomalia global anual de precipitação no período 1900-2005 estimada pelo Global
Historical Climatology Network (GHCN), em relação ao período 1981-2000 não
apresenta nenhuma tendência linear estatisticamente significativa no global dos 106
anos (IPCC WGI, 2007), contudo, ao longo da série, é possível identificar diferentes
tendências em diferentes períodos - Figura 8.
Figura 8 – Anomalias de precipitação continental global anual entre 1900 e 2005, em relação ao período 1981-2000, com base no GHCN. As curvas coloridas representam variações decenais de acordo com vários modelos
climáticos. In: IPCC (2007).
De acordo com os registos estudados por Dai, Fung & Del Genio (1997), a
precipitação continental anual global aumentou ligeiramente ao longo do séc. XX a
uma taxa aproximada de 1.1 mm por década, ou cerca de 2% ao longo do século,
sendo este um aumento estatisticamente significativo, contudo, não é uniforme no
tempo nem no espaço (IPCC-TAR, 2001). De acordo com os dados estudados pelos
autores, a nível global, a precipitação manteve-se relativamente estável, ou aumentou
ligeiramente, entre 1900 e o início da década de 1940; aumentou abruptamente de
meados da década de 40 até meados da década de 50; e no período subsequente
manteve-se bastante elevada, na maioria dos locais continentais, excepto nos
Trópicos; nas latitudes 40ºN – 60ºN, a tendência de aumento é mais pronunciada nos
meses de Março a Maio (Dai, Fung & Del Genio, 1997).
A actual importância do forçamento natural face à actual composição da atmosfera em
GEE, a falta de dados de precipitação sobre as massas oceânicas, e dado tendências
regionais opostas se cancelarem entre si, não tem sido possível identificar com
elevado grau de confiança uma tendência para a precipitação em grande escala até à
31
data, nem provar que as anomalias verificadas são devidas à acção humana sobre o
ambiente.
2.1.3. Alterações regionais de precipitação
O aumento de precipitação nos quantis de precipitação mais elevados tem sido
observado em vários estudos regionais (Dai, Fung & Del Genio, 1997), (Hulme,
Osborn & Johns, 1998), (IPCC TAR, 2001), e a teoria, modelação climática e as
evidências empíricas, todas apontam para que num clima mais quente, a intensidade
de precipitação aumente mesmo quando o total de precipitação se mantém constante,
com fortes perspectivas de eventos ainda mais intensos nos casos em que a
precipitação total anual aumente (Karl & Trenberth, 2003). Allen & Ingram (2002)
sugerem que a tendência geral é a de que a precipitação aumente nas regiões onde é
elevada, e que diminua onde a evaporação é elevada.
Os registos demonstram que o aumento de precipitação nas latitudes intermédias e
altas do HN ao longo do séc. XX é acompanhado por uma tendência de aumento de
eventos extremos (ou diminuição do seu período de retorno), contudo, não uniforme
(JRC, 2005).
Como referido, em termos globais a tendência apenas é significativa na primeira
metade do século, mas entre as latitudes 30ºN e 85ºN o aumento de precipitação terá
sido da ordem dos 7% a 12% (Hulme, Osborn & Johns, 1998).
Dai, Fung, & Del Genio (1997) analisaram dados de precipitação continental
procedente de estações meteorológicas a nível global referentes ao período 1900-88,
concluindo que a Oscilação do Atlântico Norte (NAO) será responsável por cerca de
10% da variabilidade da precipitação de Dezembro a Fevereiro observada nas regiões
circundantes do Atlântico Norte, e nos Invernos com índice NAO elevado, ocorrem
valores de precipitação abaixo do normal no Sul da Europa.
Os modelos estudados por Zhang et al. (2007) sugerem que causas antropogénicas
induziram um ligeiro aumento no valor médio de precipitação e uma redistribuição de
latitude da precipitação: aumento de precipitação a latitudes elevadas e diminuição
nas latitudes subtropicais - Figura 9.
Estes valores para a Europa encontram-se fortemente relacionados com valores
positivos da Oscilação do Atlântico Norte (NAO), com mais condições de anti-ciclone
no Sul da Europa, e Ventos do Oeste (Westerlies) mais intensos no Norte (IPCC-TAR,
2001). O Sul e algumas zonas centrais da Europa e Norte de África são caracterizados
por um Inverno (DJF) mais seco durante as fases positivas de NAO, enquanto o
oposto se verifica nas ilhas Britânicas, Escandinávia, e Noroeste da Rússia.
Klein Tank, Wijngaard & van Engelen (2002) detectaram uma tendência negativa na
quantidade de precipitação anual e no número de dias húmidos (precipitação superior
a 1 mm) no período 1946-1999 para os países do Sul da Europa, contrária à média
europeia, com maioria clara de estações pluviométricas com tendência crescente no
número de dias moderadamente e muito húmidos13 (IPCC WGI, 2007).
13
Entendendo-se como dia húmido, um dia com precipitação acumulada superior a 1 mm; dia moderadamente húmido, o percentil 75 dos dias húmidos; dia muito húmido, o percentil 95 dos dias húmidos.
32
A tendência no Mediterrâneo é a de diminuição do total de precipitação anual (Alpert,
et al., 2002), em particular, na zona central-ocidental. Os registos de precipitação de
1951-1995 mostram uma diminuição na média de cerca de 10-20% no total de
precipitação (Alpert et al., 2002).
Figura 9 – Alterações nos valores registados e simulados de precipitação continental anual de 1925 a 1999. À
esquerda, anomalias observadas de precipitação por bandas de latitude de 10º (linha preta); média das anomalias de precipitação anual de um conjunto de 50 simulações (linha azul); as linhas azul e vermelha a tracejado indicam as tendências; o sombreado verde identifica as bandas com tendência de aumento; o
sombreado amarelo identifica as bandas com tendência decrescente; o sombreado cinzento identifica as bandas nas quais as tendências observadas e simuladas diferem. À direita: o mapa indica as bandas de 10º de latitude nas quais o sinal das tendências é igual; zonas com dados insuficientes a branco. In: Zhang, et al.
(2007).
No último século, verifica-se uma tendência negativa na precipitação de Dezembro a
Fevereiro na Península Ibérica, particularmente a partir de 1980, tendo ocorrido secas
relativamente rigorosas em diversos Invernos (PNA, 2001).
Através do ECA&D, Klein Tank, Wijngaard & van Engelen (2002) estudaram o período
1946-1999, tendo concluído que para Portugal Continental, a tendência na
precipitação anual não possui significância ao nível de 25%, sendo relevante em
grande parte da Europa Central. Relativamente ao número de dia húmidos (> 1mm), a
tendência é negativa mas não significante ao nível de 5%, ou não significante na maior
parte do país, contudo, o extremo Sul apresenta uma tendência de diminuição superior
a 9% por década.
Dai, Fung, & Del Genio (1997) indicam que para a região de Portugal Continental, o
intervalo médio entre ocorrência de dois meses húmidos (>1 σ) é de cerca de 6 a 7
meses; enquanto o intervalo médio entre ocorrência de dois meses muito húmidos
(>1.5 σ) é de cerca de 50 meses. No Quadro 1 apresenta-se a anomalia de
precipitação para diferentes períodos do séc.XX, de acordo com IPCC (2001).
33
Quadro 1 - Variação percentual de precipitação para os diferentes períodos de alteração substancial das taxas globais, para Portugal Continental, e variação no período 1900-1999. Valores em relação ao período 1961-1990. A partir de IPCC (2001).
Período Tendência na precipitação anual
1910-1945 + 4 %/década
1946-1975 + 8 %/década
1976-1999 - 8 %/década
1900-1999 - 20 %/século
Na Figura 10 a), b) e c) apresenta-se número de dias com precipitação igual ou
superior a 10 mm para cada ano na segunda metade do séc. XX, para as estações
meteorológicas Beja (Sul de Portugal Continental), Santarém (Centro) e Vila Real
(Norte), de acordo com as informações disponibilizadas pelo ECA&D14. Na Figura 10
d), e) e f) apresenta-se o mesmo, mas para o número de dias com precipitação igual
ou superior a 20 mm. Os gráficos parecem evidenciar uma tendência de diminuição do
número de dias por ano com precipitação intensa e muito intensa de forma
generalizada ao longo do país, ao longo da segunda metade do século passado.
Mendes & Coelho (1993) analisaram séries de precipitação referentes ao ano agrícola
(de Setembro a Agosto) e às quatro estações, tendo constatado que do trinténio 1931-
60 para o trinténio 1961-90 o total anual não sofreu alteração substancial, contudo,
verificaram o decréscimo de precipitação na Primavera (de Março a Maio) e o aumento
da precipitação no Inverno (de Dezembro a Fevereiro).
Diversos autores concluem pela diminuição de precipitação no mês de Março (Corte-
Real, Qian & Xu, 1998), (Norrant & Douguédroit, 2006), (Guerreiro, Abreu & Lajinha,
2009) estando esta anticorrelacionada com o NAO (PNA, 2001). Norrant &
Douguédroit (2006) analisando dados entre o período 1950-2000 não encontraram
tendências significativas no total de precipitação, número de dias húmidos, e
precipitação média diária nos restantes meses (de Setembro a Maio).
Portela & Quintela (2001) recorreram à análise de séries de precipitação para 11
postos udométricos nas bacias hidrográficas dos rios Tejo e Douro , através de médias
móveis e de quebras de homogeneidade, tendo concluído pela:
- Diminuição, pouco acentuada, da precipitação anual em grande parte dos postos
analisados;
- Diminuição da precipitação no 2.º Trimestre (JFM) na generalidade dos postos (por
médias móveis de 15 anos) a partir de 1969/70, com particular ênfase no mês de
Março.
14 O projecto European Climate Assessment & Dataset (ECA&D) reúne séries diárias
de diversas variáveis monitorizadas num total de 3339 estações meteorológicas em 61
países. Para além da disponibilização dos dados (em http://eca.knmi.nl), o projecto
estuda alterações no estado do tempo e nos extremos climáticos. Com base nesta
informação, encontra-se disponibilizada uma grelha de informação ao nível diário de
observações de temperatura e precipitação, denominada E-OBS versão 3.0.
34
d) f) e)
a) c) b)
Figura 10 – a), b) e c): número de dias com precipitação igual ou superior a 10 mm nas estações Beja , Santarém e Vila Real, respectivamente d), e) e f): o mesmo, mas para 20 mm/dia.
Fonte: ECA&D.
35
2.1.4. Alterações nos extremos de precipitação
Apesar dos actuais modelos climáticos globais oceânicos e atmosféricos acoplados
(AOGCM) indicarem que um clima mais quente induzirá uma intensificação do ciclo
hidrológico global, ainda não é clara a existência de alterações nos extremos de
precipitação à escala regional (Christensen & Christensen, 2003), pois as alterações
nos extremos de precipitação são muito menos coerentes do que no caso da
temperatura. Contudo, de forma global, a contribuição percentual dos dias muito
húmidos (5% superior) para o total anual de precipitação é maior nas décadas mais
recentes, e o Mediterrâneo, apesar da diminuição na precipitação anual, tem registado
em muitos locais um aumento na fracção dos eventos mais intensos (IPCC WGI,
2007). Para Portugal, como discutido no subcapítulo anterior, denota-se uma
tendência ligeira de diminuição do número de dias com precipitação superior a 10 mm
e a 20 mm. As alterações nos extremos de precipitação devidas a gases com efeito de
estufa (GEE) são, em geral, assumidas como resultado da alteração da quantidade de
água precipitável na atmosfera (Lenderink & Meijgaard, 2008).
Um dos primeiros resultados dos primeiros modelos climáticos, e que foi reforçado nos
estudos posteriores, foi o aumento de intensidade de precipitação num clima mais
quente (Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003), (Groisman, Knight, Easterling,
Karl, Hegerl & Razuvaev, 2005), (Emori & Brown, 2005), (Pall, Allen & Stone, 2007),
acompanhada de diminuição da precipitação pouco intensa e moderada (Klein Tank &
Können, 2003), (Liu, Fu, Shiu, Chen & Wu, 2009), podendo os aumentos na
precipitação extrema ser superiores ao aumento da precipitação média (Meehl, Zwiers,
Evans, Knutson, Mearns & Whetton, 2000). Mesmo sem alteração no total de
precipitação, temperaturas mais altas conduzem a uma proporção maior do total de
precipitação nos eventos mais intensos de precipitação (Karl & Trenberth, 2003). Em
geral, considera-se que as alterações nos extremos de precipitação são de mais fácil
previsão do que alterações na precipitação média (Lenderink & van Meijgaard, 2009).
Como as intensidades de precipitação dos eventos extremos ultrapassam
sobremaneira as taxas de evaporação, e dependem da convergência de vapor de
água na baixa troposfera, então, a intensidade de precipitação também deveria
aumentar a uma taxa próxima do aumento de vapor de água na atmosfera, os
referidos 7% ºC-1 de aquecimento. Na verdade, esse valor até poderá ser superior,
pois o calor latente adicional libertado teria um efeito de realimentação positivo,
revigorando o fenómeno meteorológico (tempestade) que causa a precipitação
(Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003).
Os principais aspectos da precipitação em mutação são a quantidade e a frequência,
tornando-se necessário estudar, para além dos totais mensais/sazonais, a frequência
de ocorrência de precipitação, e os parâmetros da distribuição de intensidade (Katz,
1999). Retira-se mais informação para o estudo de extremos de precipitação pela
consideração de série temporais sub-diárias do que pelos totais diários, contudo, são
poucos os locais, a nível global, que dispõe de registos em quantidade suficiente
dessa variável. Na procura de evidência de alterações, o sinal de alterações na
precipitação intensa tende a ser mais forte do que em relação à precipitação média
(Allen & Ingram, 2002).
36
Goisman et al. (1999) e Katz (1999) demonstram de forma empírica e teórica,
respectivamente, que à medida que o total de precipitação aumenta, uma maior
proporção ocorre nos eventos mais intensos, no caso em que a frequência não se
altere. É de esperar que tal se verifique também no caso de aquecimento climático
global. Mesmo pequenos aumentos na magnitude dos eventos nas caudas da
distribuição podem ter impactos muito significativos no período de retorno dos eventos,
para uma dada magnitude. Contudo, enquanto o estudo dos registos possibilita a
avaliação das alterações, as causas destas apenas podem ser estudas através de
modelos físicos do sistema climático global, nomeadamente através de simulação
computacional.
Para além do aumento de intensidade, também tem sido registado a diminuição dos
períodos de retorno, contudo poucos locais possuem dados em quantidade suficiente
para se avaliar a fiabilidade dessa tendência (IPCC WGI, 2007). Huntingford, Jones,
Prudhomme, Lamb, Gash & Jones (2003) reportam, para o Reino Unido, que em 1860
as cheias com período de retorno de 20 anos correspondem, actualmente, a um
período de 5 anos, e que tal pode ser ainda mais significativo nas regiões tropicais.
Como referido no Cap. 2.1.1, já foi documentado para grande parte do globo o
aumento do conteúdo de vapor de água na atmosfera. Como consequência, verifica-se
um aumento da frequência de nuvens cumulonimbus (já observado nos EUA e na
antiga URSS), o que, por sua vez, se relaciona com o aumento generalizado de
tempestades (já documentada para a maior parte do território dos EUA), o que poderá
explicar o aumento generalizado da precipitação muito intensa observado nas regiões
extratropicais (Groisman, Knight, Easterling, Karl, Hegerl & Razuvaev, 2005). Mais,
nos climas húmidos o aumento da temperatura mínima no Verão está relacionada com
o aumento da probabilidade de ocorrência de estado do tempo extremamente
convectivo, com prováveis consequências na alteração da frequência de precipitação
intensa e muito intensa (Groisman et al., 2005).
As alterações nos extremos de precipitação foram primeiramente documentadas por
(Iwashina, Hulme, Jones & Basnett, 1999), que usaram dados relativos ao Japão e aos
E.U.A.
Goisman et al. (1999) assumiram um modelo simples de três parâmetros para a
distribuição dos totais de precipitação diária, tendo sido aplicado a dados de oito
países (Canadá, EUA, México, Noruega, Polónia, antiga URSS, China e Austrália),
com o propósito de testar a sensibilidade da probabilidade de precipitação intensa. Os
autores encontraram uma alteração na intensidade de precipitação desproporcionada
sempre que a média se alterava, resultado compatível com o estudo teórico de (Katz,
1999).
O aumento de precipitação intensa já foi documentado para diversos países um pouco
por todo o globo (EUA, Europa de Leste, Rússia, partes do Canadá, partes da
Austrália, Noruega, Norte do Japão, Sudeste da China, parte da África do Sul,
Nordeste do Brasil), quer em totais diários, como multi-diários, excedência do percentil
95%, e diminuição noutros locais (Sul do Japão, Nordeste da China, Etiópia, Eritreia,
África Oriental equatorial, Tailândia) (Easterling, Evans, Groisman, Karl, Kunkel, &
Ambenje, 2000). A tendência para a maioria dos países nos quais se verifica o
aumento ou diminuição significativos da precipitação sazonal ou mensal é que essa
alteração seja do mesmo sinal da quantidade de precipitação registada durante
37
eventos intensos ou muito intensos. Em alguns casos não se verifica alterações nos
totais sazonais, contudo, verifica-se um aumento na frequência de eventos muito
intensos com duração de um dia (e.g., Japão). No Reino Unido verifica-se o aumento
da precipitação intensa no Inverno, e diminuição nos eventos de Verão (Osborn,
Hulme, Jones & Basnett, 1999)
Na Figura 11 representa-se, respectivamente, os locais do globo onde já foram
detectadas alterações nos extremos de precipitação de intensidade superior às
alterações na média.
Alguns dos resultados mais comuns aos estudos referenciados são:
- Onde ocorrem alterações regionais estatisticamente significativas na estação
húmida, as alterações relativas na precipitação intensa são do mesmo sinal e mais
fortes do que a alteração na média;
- Verifica-se que em bastantes regiões, apesar de não ocorrerem alterações
significativas da precipitação média na estação húmida, ocorrem alterações
substanciais na precipitação intensa, e sempre de sinal positivo. Exemplos de regiões
onde tal se verifica são: Sibéria, África do Sul, e o Mediterrâneo Oriental.
Figura 11 – Regiões nas quais foram documentadas alterações acentuadas de precipitação intensa e muito intensa nas últimas décadas, quando comparadas com as alterações na precipitação anual e/ou sazonal. As alterações na frequência de precipitação intensa são sempre superiores às alterações nos totais de
precipitação, e em algumas regiõesm o aumento da precipitação intensa ocorreu sem se verificar alteração (ou verificando-se diminuição) nos totais. In: Groisman et al. (2005).
Lenderink & Meijgaard (2008) investigaram alterações nos extremos de precipitação
horária na Holanda, concluindo que estes aumentaram duas vezes mais com o
aumento da temperatura do que seria expectável pela relação de Clausius-Clapeyron,
quando a temperatura média diária excede os 12ºC. Os referidos autores conduziram
também uma série de simulações com um RCM de grande resolução, concluindo que
numa parte significativa da Europa a alteração na precipitação horária extrema pode
chegar a cerca de 14% por grau de aquecimento. À escala sub-horária, as maiores
intensidades de precipitação devem-se, usualmente, aos eventos convectivos
(Lenderink & Meijgaard, 2008), que os modelos climáticos não resolvem
explicitamente, considerando antes parametrizações implícitas.
38
Recorrendo a sete modelos regionais desenvolvidos no âmbito do projecto
ENSEMBLES, forçados com o cenário SRES A1B numa grelha horizontal de 25 km
Boberg, Berg, Thejll, Gutowski & Christensen (2009) usaram funções de densidade de
probabilidade para precipitação diária para fazer projecções da distribuição de
precipitação durante o séc. XXI em várias regiões da Europa, incluindo a Península
Ibérica. Os resultados globais apontam para uma diminuição da contribuição dos dias
de precipitação moderada para o total de precipitação, e o aumento substancial da
contribuição dos dias com precipitação intensa, face ao período de controlo (1961-
1990). Esta alteração na contribuição para o total de precipitação é da ordem de
1.1%ªC-1, longe da relação de CC.
Na Figura 12 representa-se a comparação obtida por Boberg et al. (2009) para os
dados do ECA&D com os resultados das sete simulações do ENSEMBLES para a
Península Ibérica, no período de controlo. Note-se que o percentil 95 da precipitação
acumulada corresponde ao bin15 de 70 mm.dia-1, bastante superior aos
correspondentes de outras regiões da Europa, o que indica que a intensidade de
precipitação é pouco homogénea, ocorrendo com grande probabilidade precipitação
intensas, em relação ao resto da Europa. No outro extremo, verifica-se que os
modelos em causa não representam com muita qualidade as precipitações pouco
intensas, ao contrário das restantes regiões. Os autores indicam o modelo DMI
HIRHAM como sendo o que melhor traduz os valores observados de precipitação
diária na Península Ibérica.
Figura 12 – Comparação entre os valores diários de precipitação observados (ECA&D) e os resultados de sete modelos regionais ENSEMBLES na Península Ibérica, para o período 1961-1990, incluindo o melhor resultado do projecto PRUDENCE. A seta representa o percentil 95 da precipitação acumulada. In: Boberg et al. (2009).
Em Espanha, os extremos da escala de intensidade de precipitação (de ligeira a
torrencial, num total de 6 categorias) aumentaram a sua contribuição para o total de
precipitação anual, e verifica-se que os fenómenos mais intensos tendem a ocorrer
nos anos de El-Niño (Alpert et al., 2002). Em Itália, em meados dos anos 90, a
precipitação torrencial (excedendo os 128 mm/dia) contribuía com 4% a 5% do total de
15
Os dados encontram-se agrupados por intervalos de precipitação (bin, em inglês).
39
precipitação anual, enquanto na década de 1950 apenas contribuía para cerca de 1%
do total; tendo portanto, aumentado com um factor de 4; a categoria de superior a 32
mm/dia passou, nesse mesmo período, de 23% para 32% do total (Alpert et al., 2002).
Liu, Fu, Shiu, Chen & Wu (2009) concluíram que as alterações na intensidade de
precipitação num determinado local estão mais relacionadas com a temperatura
global, do que com temperatura local, ou regional. Os autores analisaram dados do
Global Precipitation Climatology Project (GPCP) referentes ao período 1970-2007,
procurando evidências de alterações nos extremos de precipitação como função da
temperatura média global, tendo recorrido a um método que se foca nas diferenças
interanuais, e não em séries temporais, tendo concluído:
- A intensidade dos 10% eventos mais intensos aumenta em cerca de 95% por
cada grau Celsius de aumento da temperatura;
- Os eventos correspondentes aos percentis 30% a 60% diminuem de
intensidade em cerca de 20% ºC-1;
- O aumento global da intensidade de precipitação média é cerca de 23% ºC-1
(por oposição ao aumento de 7%ºC-1 da capacidade de retenção de água da
atmosfera estimada pela relação de CC);
O aumento da intensidade de precipitação superior aos 7% ºC-1 da capacidade de
retenção de água da atmosfera estimada pela relação de CC é qualitativamente
consistente com a hipótese de que a libertação de calor latente pelo aumento da
humidade conduzirá a mais precipitação.
Meehl et al. (2005) demonstram que os aumentos na intensidade de precipitação nos
trópicos estão relacionados com aumentos na quantidade de vapor de água na
atmosfera, enquanto nas latitudes intermédias o aumento na intensidade está
relacionado com alterações na circulação, que afectam a distribuição do aumento de
vapor de água na atmosfera.
Através do ECA&D e para o período 1946-1999, Klein Tank et al. (2002) não
identificaram alteração significativa (ao nível de 25%) no número de dias com
precipitação acumulada superior a 20 mm, contudo, no máximo de 5 dias os
resultados variam em sinal ao longo do país, sendo positivo na região de Lisboa,
negativo no Algarve e no Centro Norte – contudo, não significativo ao nível de 5% - e
não significativo no restante país. Apenas no Litoral Norte foi detectada tendência para
o número de dias muito húmidos (referente ao percentil 95 do período 1961-90), com
aumento superior a 3% por década. Os recordes de precipitação máxima diária no
período 1946-1999 ocorreram no Sul da Europa – Quadro 2.
Quadro 2- Recordes de precipitação diária na Europa para o período 1946-1999. In Klein Tank et al. (2002).
Valor Estação País Data
418 mm Génova Itália 28 Setembro 1992
313 mm Málaga – Aeroporto Espanha 27 Setembro 1957
263 mm Valência Espanha 17 Novembro 1956
240 mm Torrevieja Espanha 4 Setembro 1989
222 mm Perpignan França 12Novembro 1999
Karl & Trenberth (2003) produziram distribuições de precipitação diárias a partir de
conjuntos de estações meteorológicas com regimes de temperaturas semelhantes,
40
contudo, com a mesma precipitação média sazonal, num total de três climas
diferentes, concluindo que à medida que a temperatura sobe (e consequentemente,
também a capacidade de retenção de água da atmosfera), mais precipitação diária
pertence à categoria de intensa (superior a 40 mm.dia-1) e extrema (superior a 100
mm.dia-1) - Figura 13.
Figura 13 – Distribuição de precipitação diária em função do tipo de clima, baseado em estações
meteorológicas com a mesma precipitação média sazonal. A barra azul representa as estações situadas em regiões cujo espectro de temperaturas é dos -3ºC aos 19ºC; a barra rosa, dos 19ºC aos 29ºC; a barra vermelha, dos 29ºC aos35ºC. In Karl & Treberth (2003).
2.2. Alguns cenários de temperatura e precipitação para Portugal
Os modelos globais projectam, até ao final do séc. XXI, aumentos globais de
temperatura e alterações significativas da precipitação no território nacional
continental. Alguns GCM sugerem que os extremos de precipitação podem aumentar à
taxa prevista pela relação CC, contudo, esse resultado não é comum à maioria dos
modelos (Lenderink & van Meijgaard, 2010).
Várias projecções mostram que ao longo deste século o número de dias com
temperaturas elevadas e muito elevadas irá aumentar, e que o número de dias com
temperaturas baixas e muito baixas diminuirá, na generalidade dos locais. Do mesmo
modo, a intensidade e frequência de fenómenos de precipitação intensa é muito
provável que aumente em muitos locais, e que o período de retorno de eventos de
precipitação extrema diminua, conduzindo ao aumento da ocorrência de cheias e de
deslizamentos. Ainda, é de esperar que as regiões continentais interiores
desenvolvam um clima mais seco, aumentando o risco de secas e de fogos florestais
(van Aalst, 2006). Alguns trabalhos indicam que em algumas regiões específicas,
apesar da diminuição do total de precipitação, se pode verificar, paradoxalmente, um
aumento de precipitação extrema (Alpert et al., 2002). É de salientar que a
precipitação é um campo muito mais difícil de simular do que a temperatura, pois
depende muito de processos de pequena escala, impossíveis de modelar
correctamente com modelos de larga escala (baixa resolução) (Miranda, Coelho,
Tomé & Valente, 2002).
Como referido, Lenderink & Meijgaard (2008) encontraram uma relação de
dependência entre a precipitação extrema horária e a temperatura, de
aproximadamente 7%/ºC para temperaturas abaixo dos 10ºC, e de 14%/ºC para
41
temperaturas acima dos 10ºC, na estação de De Bilt (Holanda), extendendo, mediante
um RCM, esses resultados a uma extensa parte da Europa.
No TAR, os modelos apontam para uma alteração no ciclo hidrológico (por exemplo,
no total de precipitação) de cerca de 1%/ºC a 2%/ºC, para uma duplicação da
concentração de CO2 na atmosfera conducente a um aumento da temperatura média
global entre 1.5ºC e 4.5ºC (Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003).
Giorgi, Bi & Pal (2004), recorrendo aos resultados do projecto PRUDENCE, usaram
duas simulações para 2071-2100, uma para o cenário A2 (850 ppm de CO2 em 2100)
e outra para o B2 (600 ppm) do IPCC, e recorrendo ao RCM RegCM, e ao GCM
HadAM3H. Ambas as simulações apontam para diminuição da precipitação em
Portugal Continental no Inverno (DJF) e no Verão (JJA) face ao período de referência
(1961-1990). A diminuição no Inverno é resultado do aumento regional da circulação
anti-ciclónica, dado que os modelos apontam para o aumento do conteúdo em vapor
de água da atmosfera. A diminuição no Verão é resultado do desvio para Norte das
tempestades do Atlântico.
Em DJF, o cenário A2 aponta para um aumento a Norte do Tejo da ordem de 0 até 0.5
mm/dia, enquanto a Sul, aponta para uma diminuição da ordem de 0.1 mm/dia; o
cenário B2 aponta para diminuição de 0.1 mm/dia no Norte de Portugal, e diminuição
de 0.5 mm/dia no extremo Sul do país. Enquanto na Península Ibérica, a alteração
média percentual em DJF poderá ser da ordem de 0%:
- em MAM o cenário B2 aponta para diminuição de cerca de 14%, e o cenário
A2 diminuição de 30%;
- em JJA ambos os cenários apontam para diminuições entre 30% e 40%;
- em SON as alterações poderão chegar a 20%.
Em DJF tanto a intensidade média (em cada dia húmido), a média, e o número de dias
húmidos mantém-se inalterado ou ligeiramente negativo, nas restantes estações a
alteração poderá ser substancial:
- em MAM, a intensidade manter-se-á inalterada, contudo, o número de dias
húmidos poderá diminuir até 8 dias, e a precipitação média, poderá diminuir
mais de 30%;
- em JJA, a intensidade média poderá diminuir cerca de 10%, o número de dias
húmidos, cerca de 5 dias, e a precipitação média sazonal poderá diminuir mais
de 40%.
- em SON, a intensidade média poderá aumentar mais de 5%, o número de
dias húmidos poderá diminuir cerca de 5 dias, e a precipitação média poderá
diminuir mais de 10%.
Os resultados para JJA são bastante semelhantes entre os dois cenários, com
diminuição de 0.5 mm/dia a Norte, e diminuição de 0.1 mm/dia no Sul.
Beniston et al. (2007), recorrendo ao cenário A2 do IPCC, compararam eventos
registados no período 1961-90 com os resultados do projecto PRUDENCE para o
período 2071-2100 para diversos fenómenos: precipitação intensa, secas, ondas de
calor, entre outros, usando os RCM CHRM-H, HadRM3P-H, HadRM3H-H e HIRAM-H.
42
Os autores apontam para uma diminuição do valor de precipitação de 5 dias associado
a um período de retorno de 5 anos abaixo da latitude 45ºN, no Inverno, de acordo com
o padrão de alterações na precipitação média.
Os modelos HadCM3 GG e HadCM2 GGa2 16 citados no SIAM apresentam valores
simulados de precipitação muito mais irregulares do que a temperatura, assim como o
sinal das alterações varia de forma menos consistente entre os modelos (Miranda,
Coelho, Tomé & Valente, 2002). A partir do ano 2000, verifica-se uma tendência
decrescente ligeira na precipitação anual na zona de Portugal Continental, excepto
para o Sul no modelo HadCM2, com tendência não clara/existente. A simulação com
os mesmos modelos, mas considerando o efeito dos aerossóis de sulfato (GSa2 e
GS), produz diferenças importantes, nomeadamente, grande variação interdecenal da
precipitação.
Contudo, a generalidade dos modelos aponta para uma diminuição da precipitação em
Portugal Continental como resultado do aumento da concentração de GEE, no
entanto, de magnitude variável. Na região Norte, a diminuição pode ser da ordem de
50 mm a 200 mm por ano (Miranda et al., 2002) - Figura 14. Esses resultados estão de
acordo com o relatório do projecto ACACIA, que refere uma diminuição anual da
precipitação no Sul da Europa da ordem de 1% por década, ao longo do século XXI
(Miranda et al., 2002).
Relativamente à precipitação superior a 10 mm/dia, os referidos modelos apontam
para anomalias anuais de sinal variável ao longo do país, nomeadamente, com
diminuição nas imediações do conjunto Montejunto-Estrela e no Baixo Alentejo (entre
os 0 e os 50 mm) e aumentos nas restantes regiões (entre os 0 e os 200 mm) – Figura
14, em percentagem.
Em termos intra-anuais, a contribuição dos dias muito húmidos (superior a 10 mm/dia)
poderá aumentar significativamente no Inverno, no especialmente no Norte e Centro, e
na Serra de Monchique no Algarve. Algumas regiões podem mesmo chegar a um
aumento de 300 mm no Inverno, especialmente no Minho (Miranda et al., 2002). Nas
restantes Estações do ano, a alteração apontada é de + 50 mm a - 50 mm na
Primavera, e diminuição generalizada no Verão e Outono, principalmente nas áreas
que apresentam aumento no Inverno.
A principal conclusão a retirar é que a precipitação acumulada nos dias de eventos de
intensidade moderada (de 1 a 10 mm/dia) tende a diminuir, enquanto a precipitação
intensa ( ≥ 10 mm/dia) tende a concentrar-se no Inverno, sendo mais intensa. Note-se
que o número de dias com precipitação superior a 10 mm/dia tende a aumentar no
Inverno, mas não de forma proporcional à anomalia de precipitação acumulada
(Miranda et al, 2002). Os autores concluem então, que a quantidade de precipitação
por dia húmido tende a aumentar, podendo originar aumento da frequência de cheias.
Em termos percentuais, o aumento anual de precipitação poderá ser da ordem de até
120%, o aumento sazonal no Inverno pode chegar aos 160%.
Como referido no capítulo 2.1.4, Boberg et al. (2009) identificaram o modelo DMI
HIRHAM como sendo o que melhor traduz os valores observados de precipitação
16
Os modelos HadCM3 GG e HadCM2 GGa2 apenas consideram aumento da concentração de CO2 nas suas simulações, desprezando os restantes GEE, possuindo resolução de 50 km.
43
diária na PI, apresentando-se na Figura 15 os resultados desse modelo para o séc.
XXI. A estimativa do aumento normalizado médio da precipitação é da ordem dos
0.4%.ºC-1 para a Península Ibérica, abaixo da média europeia. Verifica-se que a
Península Ibérica é a única região do estudo cuja amplitude da diferença entre os
períodos de 30 anos do séc. XXI considerados e o período de controlo (1961-1990)
não aumenta ao longo do século, ou seja, o modelo DMI HIRHAM não antevê
alteração significativa na intensidade de precipitação na Península Ibérica. Nas
restantes regiões da Europa, em geral, é notório a diminuição da contribuição dos bins
mais baixos, e o aumento dos superiores.
No entanto, os autores salientam que estudaram valores de precipitação diária, cujas
intensidades são fortemente influenciadas pela precipitação de grande escala,
subestimando os eventos convectivos, mais intensos e que correspondem apenas a
uma pequena fracção do dia.
Figura 14 – Alterações anuais e sazonais na precipitação, em percentagem, para intensidades superiores a 10 mm/dia no período 2010-2035 face ao período de controlo 1961-90 para o modelo HadRM GGa2,: a) anual, b) Inverno (DJF), c) Primavera (MAM), d) Verão (JJA), e) Outono (SON). In Miranda et al. (2002).
44
Figura 15 – Variação face ao período de controlo (1961-90) da precipitação diária de 1991 a 2100 simulada pelo
modelo DMI HIRHAM, em períodos de 30 anos, na Península Ibérica. In Boberg et al. (2009).
A partir do cenário SRES A2, e de seis modelos RCM integrando resultados do
projecto PRUDENCE, Fowler, Ekström, Blenkinsop & Smith (2007) estimaram as
alterações na precipitação extrema na Europa para o período 2070-2100. Segundo
estes autores, vários modelos projectam que os maiores valores de precipitação
diários com período de retorno (T) de 5 anos ocorrerão no noroeste da Península
Ibérica, entre outros locais da Europa. Para precipitações diárias com T da ordem de 5
e 25 anos, a generalidade dos modelos prevê aumentos da ordem de 0% a 20% por
todo o país, podendo suplantar os 20% na região Norte. Pontualmente, alguns
modelos prevêem diminuições da ordem de 0% a 20% em algumas partes do Alentejo
e na região de Lisboa. Para precipitações de 10 dias, para os referidos T, a
generalidade dos modelos prevê aumentos desses valores para Portugal Continental,
com alguma variabilidade de resultados entre os vários modelos. Alguns projectam
diminuição da ordem dos 10% a 20% no Alentejo Litoral e região de Lisboa; e
aumentos que podem ir além dos 40% na região Norte do país.
2.3. Impactes e principais consequências das alterações climáticas para
Portugal
As alterações de longo prazo na precipitação extrema são de grande importância para
o bem-estar das populações, assim como para os ecossistemas. O aumento de
precipitação intensa pode conduzir ao aumento da frequência e magnitude das cheias,
enquanto a diminuição persistente de precipitação ligeira e moderada pode criar sérias
ameaças de seca (Liu, Fu, Shiu, Chen & Wu, 2009). Estatísticas produzidas por
seguradoras revelam que os incidentes resultantes do clima (particularmente as
cheias) são a segunda maior causa de perdas de vidas humanas, e geram alguns dos
maiores pagamentos por parte das seguradoras, a seguir aos terramotos (Beniston et
al., 2007).
45
Não existe uma estimativa fidedigna dos custos anuais das consequências das cheias
em Portugal, contudo, os efeitos mais correntes são o corte de vias de comunicação, a
inundação de campos agrícolas, de habitações, de estabelecimentos comerciais e
industriais, e a perda pontual de vidas humanas (PNA, 2001). No séc. XX, as cheias
foram o desastre natural mais mortífero em Portugal (Ramos & Reis, 2001).
As principais consequências das alterações climáticas identificadas pela Agência
Europeia do Ambiente para a Península Ibérica são (Parry, Palutikof, van der Linden &
Hanson, 2007):
- Redução de disponibilidade de recursos hídricos;
- Aumento da frequência e intensidade das secas;
- Perdas severas de Biodiversidade;
- Aumento da frequência dos fogos florestais;
- Redução do turismo no Verão;
- Redução das áreas adequadas para cultivo;
- Aumento do consumo de energia no Verão;
- Redução do potencial Hidroeléctrico;
- Aumento da salinidade e eutrofização de águas costeiras;
- Maiores efeitos na saúde das ondas de calor.
Para o Norte da Península Ibérica será ainda de esperar aumento da erosão costeira e
cheias, entre outros.
Os principais impactes expectáveis de alterações nos regimes de precipitação são
(Beniston et al., 2007):
- Na saúde, má qualidade da água, devido a cheias;
- Na agricultura, diminuição da produção das colheitas devido a seca ou cheias;
- Nas florestas, escassez de recursos hídricos;
- Nas cidades e outros locais habitados, e infra-estruturas, cheias,
deslizamentos, danos nos edifícios;
- Nos ecossistemas, erosão do solo, escassez de recursos hídricos.
O aumento de precipitação observado no séc. XX, principalmente nos quantis mais
elevados, pode ter influenciado a frequência das cheias (Huntington, 2006).
Enquanto Milly, Wetherald, Dunne & Delworth (2002) demonstram que o aumento da
frequência de cheias com valores acima do período de retorno de 100 anos em 29
bacias hidrológicas com mais de 200 000 km2 aumentou ao longo do séc. XX, diversos
outros estudos não encontraram evidências de aumento do escoamento nos quantis
mais elevados em diversas partes do mundo (EUA, Canadá, Escandinávia, Europa
Central – estudos citados em (Huntington, 2006)). Por outro lado, de acordo com
(IPCC WGI, 2007), onde ocorrem alterações significativas de temperatura, verificam-
se alterações consistentes com estas no escoamento monitorizado. Outros estudos,
com base em registos, relacionam directamente o aumento de temperatura com
variações no escoamento (Labar, Goddéris, Probst & Guyot, 2004).
46
Portanto, os modelos climáticos sugerem que o escoamento aumentará em regiões
onde a precipitação aumenta mais do que a evaporação, por exemplo, nas latitudes
mais elevadas (IPCC WGI, 2007).
Labar et al. (2004) referem que se verifica uma forte correlação positiva entre a
temperatura média anual e o escoamento médio, sugerindo que um aumento de 1oC
na temperatura global conduz a um aumento de 4% no escoamento. Tal dever-se-á a
uma evaporação mais intensa sobre os oceanos. Estes indicam ainda um
desfasamento de 15 anos da resposta ao escoamento face à temperatura. Contudo,
apesar do escoamento a nível global ter vindo a aumentar, na Europa, tem-se
verificado o oposto.
Estes estudos, associados aos relatórios que detectam o aumento do escoamento em
muitos rios de menor dimensão no Hemisfério Norte, e a diversos modelos
computacionais, evidenciam a ligação entre o fenómeno de aquecimento global e a
intensificação do ciclo hidrológico a latitudes elevadas. A latitudes intermédias e
subtropicais, alguns modelos demonstram a possibilidade de diminuição de
escoamento, o que poderá dever-se a uma sobreposição do aumento da
evapotranspiração face ao aumento da precipitação (Huntington, 2006).
As alterações nos padrões de temperaturas têm um efeito secundário no sistema
hidrológico e nos ecossistemas terrestres e marítimos: aumento do nível médio das
águas do mar (1 a 2 mm por ano ao longo do século XX (van Aalst, 2006)),
derretimento generalizado das massas glaciares, diminuição das superfícies cobertas
por neve, descongelamento de solo permafrost, alterações nas extensões de habitats
animais e vegetais (em altura), alteração do início da floração, dos padrões temporais
migratórios das aves e do surgimento dos insectos, e aumento da frequência do
branqueamento de corais (van Aalst, 2006).
47
3. Breve caracterização climática e hidrológica de Portugal
continental
3.1. Caracterização
O clima nacional é fortemente influenciado pelo Oceano Atlântico, com a precipitação
de Inverno resultando do deslocamento para Sul do Anti-ciclone dos Açores, deixando
o continente exposto a frentes vindas de Oeste. Uma sequência de formações
montanhosas (Gerês, Marão, Caramulo, Estrela e Malcata) cria uma barreira no
sentido NW-SE que concentra a precipitação na sua vertente Oeste (Santos, Forbes &
Moita, 2002).
Quanto à orografia, a Norte as bacias hidrográficas são tipicamente pequenas, com
relevo mais irregular. A Sul, as bacias possuem declives pouco acentuados.
O Norte possui um clima fortemente influenciado pelo regime do Atlântico, com
maiores precipitações, resultado de um clima mais húmido; sendo constituído por
pequenas bacias hidrográficas, com relevo mais irregular, e como tal, com maior
propensão a cheias rápidas. A Sul, as bacias hidrográficas possuem declives pouco
acentuados. O clima é seco, de influência mediterrânica, sendo os solos em geral
áridos. A fronteira Norte-Sul pode ser definida como correspondendo ao Rio Tejo.
A temperatura ao longo do país depende, essencialmente, da altitude, da latitude e da
proximidade do oceano, variando entre os 7º C na bacia hidrográfica do Douro, e os
19º C na bacia do Guadiana, sendo a média anual nacional (no Continente) cerca de
14ºC.
O padrão sazonal de temperaturas ao longo do país é claro: o mínimo médio mensal
ocorre, geralmente, em Janeiro ou Fevereiro, e o seu máximo a Julho ou Agosto,
sendo a amplitude térmica entre o Verão e o Inverno elevada, resultado da ocorrência
de situações de advecção de ar polar continental sobre a Península Ibérica no Inverno.
Paralelamente ao padrão sazonal de temperaturas, o mínimo do potencial de
evapotranspiração ocorre a Dezembro ou Janeiro, e o seu máximo a Julho ou Agosto.
A precipitação média anual sobre Portugal é cerca de 960 mm, correspondendo a um
volume anual médio de 85,7 km3 (PNA, 2001). Os registos de valores mais elevados
de precipitação mensal verificam-se, geralmente, nos meses de Dezembro ou Janeiro,
enquanto os mínimos podem ser encontrados nos meses de Julho ou Agosto.
Consequentemente, pode classificar-se os meses de Novembro a Abril como
constituindo um semestre húmido, concentrado cerca de 70% da precipitação (PNA,
2001). A Sul do rio Tejo, esse valor pode atingir os 80% (Santos et al., 2002).
Ademais, a precipitação pode variar significativamente de ano para ano. Registos
históricos mostram que a precipitação anual total variou entre 564 mm e 1466 mm nos
períodos 1941/42 – 1990/91. No mesmo período, verifica-se ainda que 75% dos
valores de precipitação se concentram no intervalo compreendido entre os 800 mm e
os 1100 mm. Esta variabilidade aumenta de Norte para Sul (PNA, 2001).
Apesar da dimensão do país, a distribuição espacial da precipitação apresenta
diferenças muito significativas, sendo o clima a Sul seco, e o clima a Norte húmido,
constituindo o rio Tejo como uma fronteira natural entre estes dois tipos de clima, onde
é notório o contraste de disponibilidades hídricas, com a margem Norte com maiores
48
disponibilidades (PNA, 2001). Na Figura 16 apresenta-se a precipitação anual média
por região hidrográfica.
O Noroeste e a Cordilheira Central (que divide o Norte do Sul do País) são as regiões
com maiores valores de precipitação (1200 a 3000 mm/ano), por serem as mais
montanhosas e serem frequentemente atravessadas por superfícies frontais ligadas a
depressões sub-polares. Por outro lado, o Nordeste e o Sul são as regiões mais secas
(400 a 900 mm/ano): o Nordeste, porque se encontra em situação de abrigo, rodeado
por barreiras montanhosas; o Sul, porque é afectado com maior frequência pelas altas
pressões subtropicais, como o anticiclone dos Açores (Ramos & Reis, 2001).
O regime de precipitação é bastante irregular, tanto em termos interanuais como
intermensais, sendo o ritmo mensal da precipitação mediterrâneo, com chuvas no
Outono e Inverno (Novembro a Março) e com um Verão extremamente seco (Ramos &
Reis, 2001). Na Figura 17 apresenta-se a precipitação média mensal em Portugal
Continental.
Consequentemente, o comportamento dos rios também é muito irregular, com uma
estiagem prolongada e com caudais de cheia que podem atingir valores muito
elevados, características que se tendem a acentuar de Noroeste para Sudeste (Ramos
& Reis, 2001).
Figura 16 – Precipitação anual média por região hidrográfica. In: PNA (2001).
49
Figura 17 – Precipitação média mensal em Portugal Continental. In: PNA (2001).
Quadro 3 – O regime dos rios nacionais. In: Ramos & Reis (2001)-
O regime de escoamento é influenciado pela variabilidade espacial e sazonal das
variáveis climáticas, particularmente da precipitação. Como consequência, o regime de
escoamento em Portugal é altamente irregular, de modo semelhante a outras regiões
do Sul da Europa (PNA, 2001). Na Figura 18 representa-se a distribuição espacial do
escoamento anual médio.
Os cursos de água do Sul possuem escoamentos específicos anuais 6 a 7 vezes
inferiores aos do Litoral Norte, contudo, a amplitude de caudal entre os anos menos
chuvosos e os anos mais chuvosos é mais de uma dezena de vezes superior –
Quadro 3.
Por contraste, no Norte, as bacias costeiras são bastante húmidas, em relação às
bacias interiores do Sul, mais secas.
A maioria do escoamento é devido à precipitação de Inverno, à qual se segue um
longo e seco período de Verão. Para além da variabilidade intra-anual, a variabilidade
inter-anual do escoamento também é pronunciada.
O escoamento médio anual nacional é estimado em 385 mm (ou 30.7 km3 / 74 000
hm3), resultando de 962 mm de precipitação aos quais se deduzem 577 mm de
Outubro Dezembro Fevereiro Abril Junho Agosto
Novembro Janeiro Março Maio Julho Setembro
Meses
50
evapotranspiração. Note-se que aproximadamente 43 000 hm3 de escoamento têm
origem em Espanha.
Em suma, o regime dos rios nacionais depende principalmente da variação temporal
da precipitação e acompanha de perto os contrastes regionais na distribuição
geográfica das chuvas (Ramos & Reis, 2001).
Em termos espaciais, os valores médios mais elevados de precipitação e escoamento
são observados nas bacias a Noroeste, principalmente na bacia do rio Lima (Figura
18). Os valores mais baixos ocorrem nas bacias a Sul: Sado e Guadiana. Como
consequência da variabilidade climática, o escoamento segue de modo geral um
comportamento semelhante ao da precipitação, mas com uma variabilidade regional
mais acentuada.
Em termos temporais, os valores mais elevados de escoamento são observados em
Fevereiro, cerca de dois meses após o pico de precipitação, em Dezembro (Figura
19). Um factor que pode explicar tal diferença temporal é a baixa humidade relativa do
solo no início do ano hidrológico, originando uma forte recarga dos aquíferos
subterrâneos durante as primeiras chuvadas. À medida que a humidade relativa do
solo aumenta, ao longo do Outono e Inverno, a taxa de recarga dos aquíferos diminui,
levando a um aumento do escoamento directo.
É de salientar que o país possui cinco bacias transfronteiriças (Minho, Lima, Douro,
Tejo e Guadiana), que ocupam cerca de 65% do território nacional, situando-se cerca
de 80% da sua área em território espanhol (EuroFlood, 1994).
3.2. Precipitações intensas de curta duração
Os períodos que interessam para a caracterização de eventos climatéricos indutores
de situação de cheia variam entre a meia hora e o mês (PNA, 2001). A rede de
medição de precipitação nacional disponibiliza um conjunto muito extenso de registos
de precipitação diária máxima relativos a um período de medição muito longo.
Contudo, as bases de dados disponíveis, regra geral, não possuem registos de
precipitação com duração inferior ao dia, variável indicada para a análise de cheias em
bacias hidrográficas de pequena e média dimensão, as predominantes no território
nacional.
Alternativamente, tem sido propostas por diversos autores relações de carácter local,
regional, ou mesmo nacional que possibilitam a estimação aproximada das
precipitações com duração inferior ao dia. Uma metodologia comum é a que recorre às
linhas de possibilidade udométrica, ou às curvas de duração-intensidade-frequência.
Portela (2006) apresenta uma síntese dos principais estudos nacionais, apresentando
ainda metodologias para obter precipitações intensas a partir da precipitação máxima
diária anual.
51
Figura 18 – Distribuição espacial do escoamento anual médio em Portugal Continental. In (PNA, 2001)
Figura 19 – Balanço hídrico de Portugal Continental. In (PNA, 2001).
Escoamento anual (mm)
0 – 300
300 – 400
400 – 600
600 – 1800
1800 – 2500
Limite de bacia hidrográfica
Áreas não abrangidas pela investigação
Rede hidrográfica
52
De acordo com os cartogramas de precipitação propostos por Brandão & Rodrigues
(1998) para período de retorno de 100 anos, os valores mais elevados de precipitação
ocorrem nas serras Algarvias e nas cabeceiras das bacias do Noroeste. Os valores da
precipitação máxima para uma duração de 30 minutos e período de retorno de 100
anos variam entre os 26 e os 66 mm, enquanto os valores de precipitação máxima
diária variam entre o 70 e os 310 mm – Figura 20, esquerda.
Na Figura 20 (direita) representa-se a proposta de Brandão, Rodrigues & Costa (2001)
para as isolinhas da relação entre precipitação de 1h com a diária para o período de
retorno de 100 anos em Portugal Continental, resultado da análise de 27 postos
udográficos.
3.3. Cheias em Portugal Continental
As cheias no vale do Tejo e do Douro são resultado de períodos de precipitação
longos, abrangendo vastas áreas. No mesmo período invernal, a ocorrência de vários
episódios de precipitação provoca um aumento do teor de água no solo, associada a
uma diminuição da sua capacidade de infiltração, e um aumento do volume
armazenado nas albufeiras. Após estas ocorrências de verificarem ao fim de algum
tempo, o caudal nos cursos de água aumenta para valores próximos da sua
capacidade de vazão, e um evento pluvioso mais intenso dá origem ao
transbordamento do curso de água (PNA, 2001).
Figura 20 – À esquerda: Precipitação máxima diária em Portugal Continental com um período de retorno de 100 anos. In Brandão e Rodrigues (1998). À direita: Isolinhas da relação entre precipitação de 1h com a
diária para o período de retorno de 100 anos. Proposta de Brandão et al. (2001).
53
Em Portugal continental, as denominadas “cheias progressivas” são resultado de
períodos de chuva abundante sobre grandes bacias hidrográficas, resultado da
circulação zonal de Oeste que se mantém por semanas. Afectam principalmente as
grandes bacias, como o Tejo e o Douro, provocando a inundação de grandes áreas.
Contudo, ao contrário das “cheias rápidas” (flash floods), não costumam ser um perigo
para a população.
Numa bacia de pequena dimensão, um evento intenso de pouca duração pode
provocar um aumento repentino de caudal, originando inundação no espaço de
poucas horas. Nesse tipo de bacias, o valor de caudal específico é elevado (PNA,
2001).
São exemplos de cheias rápidas que provocaram sérios danos em termos de vidas
humanas os eventos de 1967, 1983 e 1997 (Ramos & Reis, 2001), e 2001. As
características comuns a estes eventos foram:
- Afectaram bacias de drenagem pequenas;
- Foram provocadas por chuvadas fortes e concentradas, devidas a depressões
convectivas (gotas frias extremamente activas ou depressões estacionárias causadas
pela interacção entre as circulações polar e tropical);
A forma do hidrograma de cheia é função das características fisiográficas da bacia
hidrográfica (forma, relevo, densidade de drenagem), bem como das suas
características físicas (geologia, solo e coberto vegetal), dado a importância destes
nos processos de retenção de água na bacia (e no solo). A velocidade do escoamento
e o nível da água dependem das características geométricas e físicas da secção
transversal dos cursos de água, do transporte sólido e da proximidade de zonas com
influência de maré (PNA, 2001).
Os Planos de Bacia Hidrográfica permitiram estimar valores de caudal de cheia
específicos associados a um período de retorno de 10 anos entre 0.1 m3/s/km2 e os 4
m3/s/km2, correspondendo a 0.4 mm/h e 16 mm/h. Os valores de caudal específico
para a cheia centenária variam entre os 0.1 m3/s/km2 e os 10 m3/s/km2, ou seja, 0.4
mm/h e 40 mm/h.
Os valores associados a cheias com período de retorno de 100 anos nas bacias
hidrográficas na região de Lisboa são de 9 m3/s/km2 para áreas de bacia até 10 km2, e
de 4 m3/s/km2 para áreas de bacia da ordem dos 100 km2 (PNA, 2001). Os caudais
máximos de cheia na foz do Douro e do Tejo podem ultrapassar os 15 000 m3/s, e os
10 000 m3/s no Guadiana.
Nas cheias rápidas, para além dos factores naturais, diversas causas antropogénicas
contribuem para as catástrofes: desflorestação, impermeabilização dos solos,
urbanização caótica, entulhamento dos pequenos cursos de água (ou a sua
canalização), a construção de muros e aterros transversais ao sentido de escoamento
das linhas de água (funcionando como diques), entre outros (Ramos & Reis, 2001).
No PNA é apresentado um estudo que compila os locais onde ocorrem cheia,
representado na Figura 21.
Contudo, a gravidade do fenómeno não depende somente da intensidade deste, mas
também da rapidez do aumento do nível das águas, do estado de preparação das
populações e do seu grau de educação cívica (PNA, 2001).
54
Verifica-se que a maioria dos locais mais propensos a cheias se situa no Litoral, junto
à foz dos rios. Tal dever-se-á ao facto de ser na foz que o caudal é máximo, assim
como ao facto de os maiores aglomerados populacionais se situarem junto à costa, e
junto a rios. Outro factor importante poderá ser o nível do mar, e as cheias junto à foz
do rio serem um misto de cheia fluvial e costeira.
Figura 21 - Zonas de ocorrência de cheia em Portugal Continental (pontos azuis). In: (PNA, 2001).
55
4. Selecção dos exercícios de simulação climática
4.1. Projectos de modelação climática
O projecto imediatamente anterior ao ENSEMBLES foi o PRUDENCE (Prediction of
Regional Scenarios and Uncertainties for Defining European Climate Change Risks
and Effects), englobado no Quinto Programa Quadro, e executado entre 2001 e 2004.
Paralelamente, decorreram os programas MICE (Modelling the Impact of Climate
Extremes) e STARDEX (Statistical and Regional Dynamical Downscaling of Extremes
for European Regions).
O PRUDENCE recorreu a um total de quatro modelos AGCM, AOGCM de alta
resolução e oito RCM, de modo a estimar 22 campos no período 2071-2100 face a
1961-1990, recorrendo aos cenários SRES A2 e B2 do IPCC, e com resolução da
ordem dos 50 km.
O programa MICE, financiado pela Comissão Europeia propôs-se a avaliar os
potenciais impactos das alterações climáticas num vasto leque de sectores
económicos importantes para a economia da União. Para o efeito, focou-se nas
alterações dos extremos da temperatura, precipitação e vento.
O projecto ACACIA (A Concerted Action Towards a Comprehensive Climate Impacts
and Adaptations Assessment for the European Union) avaliou os impactos e possíveis
adaptações na Europa face às alterações climáticas, até 2080, tendo elaborado quatro
cenários.
O projecto SCENES (Water Scenarios for Europe and for Neighbouring States),
iniciado em 2006 e com final previsto para 2011, pretende desenvolver um conjunto de
cenários qualitativos e quantitativos sobre as disponibilidades hídricas até 2025. Com
tais cenários, é possível traçar estratégias de planeamento de recursos hídricos,
alertar as classes políticas e legisladoras, e os principais intervenientes para os
problemas emergentes, assim como permitir que as entidades gestoras de bacias
hidrográficas testem políticas locais e regionais contra as incertezas do planeamento a
longo prazo. O website do projecto é:
www.environment.fi/syke/scenes www.environment.fi/syke/scenes
O programa espanhol ESCENA (2008-2012) pretende gerar cenários climáticos de
alta resolução baseados em RCM, através de técnicas de downscalling dinâmico. A
área contemplada é a Península Ibérica e Marrocos, e os resultados serão
directamente comparáveis com os de outros projectos, como o PRUDENCE e o
ENSEMBLES, usando a mesma resolução que o ENSEMBLES (25km), correndo entre
o período 1950-2050. O projecto recorre a quatro modelos regionais associados a três
modelos globais, e três cenários de emissões (A1B, A2 e B1).17
O projecto ENSEMBLES foi financiado pela Comissão Europeia, tendo sido executado
entre Setembro de 2004 e Dezembro de 2009, sobre o Sexto Programa-Quadro para a
Investigação e o Desenvolvimento Económico, sendo liderado pelo britânico Met Office
e integrando 66 instituições de 20 países, maioritariamente europeus. O projecto teve
o intuito de fornecer aos investigadores, políticos, entidades económicas, e ao público
17
http://www.meteo.unican.es/en/node/72971
56
em geral, a melhor e mais actualizada informação climática, obtida pelos mais
recentes modelos climáticos e técnicas de análise. A principal competência do projecto
é munir os responsáveis pelas políticas climáticas com a melhor informação possível
de modo a orientar as estratégias a adoptar no combate às alterações climáticas. O
output é um conjunto de previsões para o restante século, que permitem concluir quais
os resultados mais prováveis, de entre o conjunto.
O projecto é composto por:
-Um sistema de previsão que devolve as primeiras projecções probabilísticas
das alterações de temperatura e precipitação ao longo deste século;
-Uma avaliação dos impactos das AC em diversos sectores;
-Estudo das respostas físicas, químicas, biológicas e antropogénicas ao
sistema climático, e como os representar nos modelos de modo a diminuir o grau de
incerteza nas previsões climáticas;
-O desenvolvimento da primeira base de dados de alta resolução de
monitorização de variáveis climáticas.
O propósito do projecto é elaborar vários modelos climáticos („ensembles’), de modo a
aumentar o rigor e a confiança nas previsões climáticas, permitindo a quantificação da
incerteza nas projecções.
Os objectivos específicos são:
- Desenvolver um sistema de previsão com base em vários modelos, para as
alterações climáticas, com base nos conhecimentos actuais sobre o assunto, em
modelos globais e regionais de alta resolução concebidos na Europa, com resultados
validados com base numa grelha de dados de alta resolução ao nível europeu,
produzindo desse modo e pela primeira vez uma estimativa probabilística da incerteza
do clima futuro ao nível sazonal, decenal e em escalas temporais maiores.
- Quantificar e reduzir a incerteza na representação dos factores físicos,
químicos, biológicos e antropogénicos
- Interligar os resultados do estudo com as suas aplicações directas:
agricultura, saúde, segurança alimentar, energia, recursos hídricos, seguros e gestão
de riscos meteorológicos.
No âmbito do ENSEMBLES, foi desenvolvida a primeira base de dados de alta
resolução de monitorização de variáveis climáticas da Europa (E-OBS), com registos
desde 1950, integrando actualmente o projecto European Reanalysis and
Observations for Monitoring (EURO4M). As variáveis que constituem o E-OBS são os
valores diários médios, mínimos e máximos de temperatura e precipitação. A
informação incluída no projecto ENSEMBLES pertence ao período 1950-2006, em
quatro grelhas de RCM diferentes, incluindo estimativas por interpolação.
Enquanto as simulações do IPCC sobrestimam o aquecimento médio global em cerca
de 0.2ºC, as projecções multi-modelo do ENSEMBLES produzem uma alteração da
média global consistente com as observações (ENSEMBLES, 2009, pág.26).
Resultados preliminares apontam que um aquecimento global de 2ºC terá impactos
significativos ao nível dos processos hidrológicos, levando a aumentos regionais de
57
precipitação e de escoamento total nas latitudes elevadas. Por outro lado, nas
latitudes intermédias, é espectável uma diminuição do escoamento, com potenciais
consequências sérias na segurança de abastecimento de água. O modelo LPJmL
estimou o balanço hídrico global ao longo do séc. XX, concluindo que as alterações
nos usos de solo antropogénicas foram responsáveis pelo aumento do escoamento
em cerca de 1.7% ao longo do século, e que a irrigação diminui o escoamento em
0.3%. Note-se que em alguns locais estes efeitos sobrepuseram-se às alterações na
precipitação.
O projecto CORDEX (Coordinated Regional Downscaling Experiment) é promovido
pelo WCRP (World Climate Research Programme) como propósito de gerar um
conjunto de projecções regionais de alta resolução para a maioria das regiões
continentais do globo, no período 1950-2100. Pretende-se que o CORDEX possa ser
inserido nas projecções do GCM CMIP5 (Coupled Model Intercomparison Project
Phase 5) do IPCC AR5.
4.2. Pré-selecção dos exercícios de simulação climática
No âmbito do projecto ENSEMBLES, quinze institutos Europeus correram modelos
RCM com a resolução espacial de 25 km e com condições de fronteira dadas por
cinco modelos GCM diferentes, todos eles recorrendo ao cenário de emissões A1B,
originando um total de 25 corridas.
Neste trabalho considerou-se, inicialmente, um total de 16 exercícios de simulação
(Quadro 4), a maioria tendo sido corridos entre 1950 e 2100, e, posteriormente,
seleccionou-se aqueles que melhor representam os registos históricos, em Portugal,
das variáveis em estudo, designadamente, a precipitação diária máxima e precipitação
horária máxima.
De modo a diluir eventuais outliers, opta-se por ajustar às séries de máximos a
distribuição de Gumbel (usada frequentemente para a modelação dos máximos de
amostras, sendo particularmente útil para estimar valores associados a períodos de
retorno elevados), e estimar os valores associados a vários períodos de retorno e
percentis, sendo que para o efeito, se consideram os máximos de séries de 30 anos
hidrológicos.
Os períodos considerados são: o período 1961-1990 como período de referência, e os
períodos 2001-2030, 2031-2060 e 2061-2090 como períodos de estudo, para os quais
se pretende apresentar projecções, principalmente ao nível do período de retorno de
100 anos. Os exercícios de simulação 9 e 10 apenas disponibilizam resultados até
meados do séc. XXI, pelo que apenas são referidos na projecção para 2001-2030, e a
corrida 6 não inclui valores de precipitação horária máxima.
Com o propósito de apresentar projecções para o séc. XXI, baseadas em resultados
que sejam consistentes nos vários exercícios de simulação, seleccionou-se do total de
dezasseis os que melhor traduzem a precipitação registada no período compreendido
pelos anos hidrológicos de 1961 a 1990.
58
Quadro 4 – Corridas do Ensembles consideradas no presente trabalho.
# GCM RCM Instituição
1 HadCM3Q16 RCA3 C4I
2 ARPEGE RM5.1 Aladin CNRM
3 ARPEGE HIRHAM DMI
4 ECHAM5-r3 HIRAM5 DMI
5 HadCM3Q0 CLM ETHZ
6 ECHAM5-r3 REGCM3 ICTP
7 ECHAM5-r3 RACMO KNMI
8 MIROC RACMO KNMI
9 BCM HIRHAM METNO
10 HadCM3Q0 HIRHAM METNO
11 HadCM3Q0 HadRM3Q0 Met Office
12 HadCM3Q3 HadRM3Q3 Met Office
13 HadCM3Q16 HadRM3Q16 Met Office
14 ECHAM5-r3 REMO MPI
15 ECHAM5-r3 RCA SMHI
16 HadCM3Q3 RCA SMHI
A selecção dos exercícios de simulação baseou-se, numa primeira fase, na
comparação dos valores extremos e médios de precipitação diária dos exercícios de
simulação, com os valores disponibilizados pelo SNIRH. A validação espacial dos
exercícios seleccionados é feita através de cartogramas de precipitação diária máxima
anual.
Existem 722 estações meteorológicas registadas no SNIRH com dados de
precipitação diária máxima disponível, contudo, destas apenas 229 possuem registos
contínuos entre os anos hidrológicos de 1961 e 1990. No Quadro 5 apresenta-se a
distribuição geográfica, por bacias hidrográficas, das estações udométricas
consideradas, e a correspondente superfície de precipitação diária máxima, no topo
esquerdo da Figura 22.
Quadro 5- Distribuição por RH das estações udométricas consideradas.
Região Hidrográfica N.º de Estações Udométricas
Consideradas
1 Minho e Lima 13
2 Cávado, Ave e Leça 22
3 Douro 67
4 Vouga, Mondego e Lis 16
5 Tejo e Ribeiras do Oeste 51
6 Sado e Mira 19
7 Guadiana 30
8 Ribeiras do Algarve 11
59
No Quadro 6 apresenta-se uma comparação qualitativa dos valores de precipitação
diária máxima anual, no período de referência, entre os 16 exercícios de simulação e
os dados do SNIRH. Apresentam-se, para cada exercício de simulação, os valores dos
máximos, médios e mínimos observados no período 1961-1990 (Quadro 6). Tal
análise permite excluir imediatamente as corridas mais desajustadas ao regime de
precipitação nacional.
Assim, selecciona-se as corridas 6, 7, 9, 10, 12, e 13 para uma avaliação mais
criteriosa da sua capacidade de reprodução do regime de precipitação.
Para as referidas corridas, apresenta-se na Figura 22 as superfícies de precipitação
diária máxima anual, interpoladas recorrendo ao método de Kriging, juntamente com a
superfície representativa dos registos disponibilizados pelo SNIRH.
De acordo com a informação disponibilizados pelo SNIRH, os máximos nacionais
ocorrem na zona do Minho, enquanto Trás-os-Montes apresenta valores
significativamente mais baixos, inferiores a 100 mm, assim como o Alentejo. O Centro-
Norte, e o Algarve apresentam valores intermédios, da ordem dos 100 a 140 mm.
Da análise da Figura 22, identifica-se os exercícios de simulação 7 e 12 como os
melhores para expressar a precipitação diária máxima anual a nível global,
principalmente no Centro e Norte. A Sul do Mondego nenhum dos exercícios de
simulação é muito satisfatório, especialmente para o Algarve.
Quadro 6 - Análise individual qualitativa das corridas do Ensembles em relação aos dados do SNIRH.
Corridas Máximos Médios Mínimos
1 -- -- -
2 -- -- +
3 - -- -
4 ++ -- --
5 + - --
6 ++ ++ ++
7 + ++ ++
8 -- -- --
9 ++ ++ ++
10 + ++ +
11 ++ - -
12 + + +
13 -- + -
14 + - -
15 -- -- +
16 + -- -
++ Bom ajuste
+ Ajuste razoável
- Mau ajuste
-- Ajuste muito mau
60
Quadro 7 - Lista de exercícios de simulação seleccionados.
# Instituição/ Modelo global/ Modelo regional
6 ICTP REGCM3 ECHAM5 r3
7 KNMI RACMO2 ECHAM5 r3
9 METNO HIRHAM BCM
10 METNO HIRHAM HadCM3Q0
12 METO HC HadRM3Q3 HadCM3Q3
13 METO HC HadRM3Q16 HadCM3Q16
61
Precipitação Diária Máxima Anual (mm)
1961-1990
Figura 22 – Cartogramas do valor máximo da precipitação diária máxima anual, no período 1961-1990, para os registos históricos e para as seis corridas seleccionados.
Corrida 12
Corrida 6
Corrida 7
Corrida 9
Corrida 10
Corrida 13
SNIRH
62
4.3. Validação dos resultados dos exercícios de simulação
4.3.1. Metodologia
No presente subcapítulo avalia-se a capacidade dos exercícios de simulação em explicar a
distribuição espacial da precipitação diária máxima e horária máxima, através da
consideração de seis pontos em Portugal Continental onde a proximidade entre estações do
SNIRH e pontos de cálculo dos exercícios de simulação pré-seleccionados se verifique.
Os mapas de precipitação diária máxima e horária máxima associados ao período de
retorno de 100 anos foram estimados assumindo a função de distribuição de probabilidade
de Gumbel. Para cada período de simulação considerado (1960/61-1989/90; 2000/01-
2029/30; 2030/31-2059/60; 2060/61-2089/90), obtiveram-se as séries de precipitação
máxima anual para cada um dos nós da grelha de cálculo do exercício de simulação e
calculou-se o valor associado ao período de retorno de 100 anos, assumindo a função de
distribuição de probabilidade de Gumbel. Os mapas foram obtidos por interpolação espacial
pelo método de Kriging dos valores calculados.
Os seis pontos escolhidos procuram representar o Norte, Centro e Sul, Litoral e Interior do
país, tendo sido denominados pelas letras A a F. No Quadro 8 identifica-se os postos
udométricos da rede do SNIRH considerados, e no Quadro 9 os pontos de cálculo das
corridas consideradas.
Quadro 8 - Postos do SNIRH usados na validação espacial.
Pontos Estação SNIRH Lat (ºN) Lon (ºW)
A ARADA (05H/03UG) 41.38 8.22
B VALES (05P/03G) 41.39 6.99
C PRAGANÇA (18C/01G) 39.20 9.06
D VALE DO PESO (17L/02UG) 39.34 7.65
E SÃO DOMINGOS (26F/01UG) 37.93 8.54
F SERPA (26L/01UG) 37.94 7.60
Quadro 9 - Pontos do Ensembles usados na validação espacial.
Pontos Corrida 6 Corridas 7, 9, 10, 12, 13
Lat (ºN) Lon (ºW) Lat (ºN) Lon (ºW)
A 41.31 8.29 41.34 8.27
B 41.38 7.01 41.43 7.07
C 39.28 9.10 39.23 9.07
D 39.36 7.58 39.40 7.65
E 37.94 8.62 37.99 8.48
F 37.90 7.70 38.01 7.61
63
Posteriormente, apresenta-se os rácios de precipitação horária e diária, comparáveis com os
resultados de Brandão et al. (2001).
4.3.2. Precipitação diária
Na Figura 25 apresenta-se as isolinhas da precipitação diária máxima associada ao período
de retorno de 100 anos, com base nos resultados das simulações do período compreendido
pelos anos hidrológicos de 1961 a 1990, e na Figura 25 as isolinhas de precipitação diária
máxima anual, para o mesmo período de retorno, estimadas por Nicolau (2002). Verifica-se
que a maioria das corridas se ajusta relativamente bem às isolinhas propostas pelo referido
autor, excepto no Sul do país, notoriamente no Algarve, onde a generalidade dos exercícios
de simulação subestima grosseiramente a variável em consideração.
Na Figura 26 representa-se os máximos, médias, mínimos, e os percentis 25 e 75 da
precipitação diária máxima anual, no período 1961 a 1990, dos dados disponibilizados pelo
SNIRH (id.0) e simulados pelo ENSEMBLES, para cada um dos seis pontos em estudo,
Verifica-se que as corridas 7 e 12 se ajustam relativamente bem em todos os pontos, assim
como a corrida 6, à excepção do ponto A. As restantes corridas apresentam variações
significativas na qualidade do ajuste ao longo dos pontos, em relação à situação de
referência (id.0). No ponto C, todos as corridas apresentam resultados satisfatórios.
64
Precipitação diária
(mm)
T = 100 anos
Corrida 10
Corrida 9
Corrida 6
Corrida 13
Corrida 12
Corrida 7
Figura 25 – Isolinhas da precipitação diária com período de retorno de 100 anos, para as seis corridas em estudo.
Figura 25 – Estimativa da precipitação diária máxima anual para um período de retorno de 100 anos por Nicolau (2002)
65
Figura 26 - Abaixo, identificação dos pontos seleccionados para validação espacial; à direita, gráficos box and whiskers das séries de precipitação 1961-90 para os valores reais (SNIRH, id. 0) e para os modelos 6, 7, 9, 10, 12 e 13, para cada um dos seis pontos considerados (representa-se os máximos, mínimos, média e percentis 25 e 75; as cruzes a vermelho representam os outliers).
66
4.3.3. Precipitação horária
A validação dos resultados de precipitação horária é bastante dificultada pela falta de
informação disponível (e recolhida). Opta-se por estudar as propostas de Brandão et al.
(2001), feitas para o período de retorno de 100 anos. Brandão et al. (2001) caracterizou as
precipitações intensas em Portugal Continental recorrendo aos dados de 27 postos
udométricos, com séries de registos entre 22 e 53 anos, na sua maioria.
A validação da adequabilidade das corridas em simular a precipitação horária foi feita, para
cada um dos seis pontos já referidos, aplicando a distribuição de Gumbel à série de
máximos anuais do período de referência, de modo a estimar os valores de precipitação
para vários períodos de retorno.
No Quadro 10 apresenta-se para cada ponto os percentis 80 e 95, os máximos das séries
de máximos anuais, e os valores de precipitação correspondentes aos períodos de retorno
de 5 e 100 anos, e na Figura 27 apresenta-se a superfície de precipitação horária máxima
proposta por Brandão et al. (2001), para períodos de retorno de 100 anos. Verifica-se que os
valores obtidos para todos os exercícios de simulação são significativamente inferiores, da
ordem de metade a um terço do valor
apresentado por Brandão. Tanto os máximos,
como os percentis apresentados pelos exercícios
de simulação são inferiores aos valores
expectáveis, concluindo-se então que a
qualidade de simulação da precipitação horária é
muito baixa.
Os exercícios de simulação apresentam
resultados bastante diferentes entre si: as
corridas 9 e 10 apresentam máximos horários
que excedem os 35 mm, no interior; as corridas
12 e 13 apresentam máximos que não excedem
os 20 mm, e a corrida 7 apresenta resultados
intermédios, identificando o Centro do país como
sendo o local com precipitação horária máxima.
Da análise dos pontos A a F, representada na
Figura 29, conclui-se os exercícios de simulação
apresentam resultados semelhantes entre si para
todos os pontos, destacando-se a corrida 10 por
apresentar valores sistematicamente superiores
aos restantes.
Figura 27 – Precipitação de 1h com período de
retorno de 100 anos (Brandão et al, 2001).
67
Quadro 10 – Síntese dos resultados de precipitação horária para o período 1961-1990, de acordo com os exercícios de simulação 7, 9, 10, 12 e 13, para os seis pontos em estudo.
Máximo p80 p95 T=5 T=100 Máximo p80 p95 T=5 T=100
7 15.4 10.2 13.5 10.8 15.9 14.2 7.3 12.3 8.3 14.6
9 26.9 13.6 19.8 15.0 25.1 15.9 10.9 14.4 10.8 18.5
10 23.8 18.2 22.2 17.3 27.2 20.3 13.2 18.3 13.3 23.6
12 14.2 12.3 12.8 11.9 15.8 13.7 8.9 9.5 8.8 13.4
13 13.1 10.1 11.2 10.1 13.3 8.2 6.0 6.9 6.0 8.6
7 16.1 8.5 14.9 9.9 17.6 17.9 8.0 11.6 9.1 16.1
9 12.2 9.0 11.3 9.2 14.1 46.4 11.3 16.0 15.1 34.3
10 29.6 11.0 14.8 12.9 24.1 24.8 14.3 21.5 15.1 27.2
12 13.5 9.9 11.6 9.7 14.8 15.8 11.3 14.0 11.3 16.8
13 11.7 7.7 8.6 7.7 11.8 8.7 6.6 7.6 6.6 9.7
7 13.8 7.6 10.6 8.0 13.6 17.6 8.5 11.5 8.9 16.2
9 16.1 8.5 12.0 9.0 15.7 25.1 8.5 16.7 10.6 22.4
10 44.5 9.6 11.9 13.7 31.1 27.0 8.6 15.7 11.0 22.5
12 12.3 8.7 11.3 9.0 13.7 10.3 8.4 9.1 8.1 11.6
Ponto E Ponto F
Precipitação Horária 1961-1990
Ponto A Ponto B
Ponto C Ponto D
Figura 28 - Cartogramas de precipitação horária
máxima no período 1961-1990, para as corridas 7, 9, 10, 12 e 13.
68
Figura 29 - Comparação por Box and Whiskers dos máximos anuais de precipitação horária apresentados pelos modelos em estudo, para seis pontos em Portugal Continental, no período 1961-90.
69
Dado os maus resultados de precipitação horária das corridas do ENSEMBLES, e em
face da necessidade de validar a capacidade de simulação de precipitações intensas
dos exercícios de simulação estudados neste trabalho, opta-se por aplicar a relação
entre precipitação horária e precipitação diária, com período de retorno de 100 anos,
proposta por (Brandão, Rodrigues, & Costa, 2001).
Existe pouca informação disponível, em Portugal, para determinação de precipitações
com duração inferiores ao dia. (Brandão & Rodrigues, 1998) citam os trabalhos de
Matos e Silva (1986), Godinho (1987, 1989) e Brandão (1995) como sendo marcos de
referência nesse domínio. Mais recentemente, aponta-se o estudo de (Brandão,
Rodrigues, & Costa, 2001).
O estudo será realizado para seis pontos de Portugal Continental, propondo-se então,
a utilização da estimativa de (Brandão, Rodrigues, & Costa, 2001), de acordo com a
seguinte conversão:
(2)
, factor de conversão da precipitação diária para precipitação horária, de acordo com
Brandão et al. (2001).
Para os seis pontos do ENSEMBLES em estudo, representa-se no Quadro 11 os
valores dos factor α correspondente.
Figura 30 – Isolinhas da relação entre precipitação horária e precipitação diária máxima com período de retorno de 100 anos, Brandão et al (2001).
Pontos α
A 0.32
B 0.41
C 0.32
D 0.41
E 0.42
F 0.47
Quadro 11 – Valores de α para os seis pontos em estudo.
70
Com base na Figura 30 estimou-se a precipitação horária com período de retorno de
100 anos, a partir da precipitação diária máxima anual no período 1961-1990,
ajustando a lei de Gumbel, apresentando-se os resultados no Quadro 12. Verifica-se
que a metodologia descrita permite obter resultados de precipitação horária
substancialmente melhores do que os resultados do ENSEMBLES, quando
comparados com a proposta de Brandão et al. (2001).
Resultado Estimativa Resultado Estimativa
A 41 - 64 16 42
B 35 - 47 15 34
C 45 - 39 18 24
D 43 - 36 16 39
E 45 - 37 14 41
F 46 - 39 16 42
Resultado Estimativa Resultado Estimativa
A 41 25 69 27 81
B 35 19 29 24 41
C 45 14 35 24 41
D 43 34 40 27 33
E 45 16 29 31 49
F 46 22 43 22 29
Resultado Estimativa Resultado Estimativa
A 41 17 59 13 50
B 35 11 36 9 38
C 45 14 31 12 29
D 43 14 48 10 34
E 45 15 30 9 37
F 46 15 31 11 33
PontosBrandão et
al (2001)
ENSEMBLES 12 ENSEMBLES 13
PontosBrandão et
al (2001)
ENSEMBLES 9 ENSEMBLES 10
PontosENSEMBLES 7
Precipitação Horária T=100 anos (mm)
Brandão et
al (2001)
ENSEMBLES 6
Quadro 12 – Precipitação horária com período de retorno de 100 anos, para os seis pontos em estudo, de acordo com Brandão et al. (2001), com os resultados das corridas 7, 9, 10, 12 e 13 do ENSEMBLES, e com a
estimativa a partir da Figura 30 e o Quadro 11. A verde, destaca-se os resultados que estão num intervalo de ± 5 mm face aos resultados de Brandão et al. (2001), e a vermelho os que estão fora desse intervalo. Precipitação em mm.
71
4.3.4. Rácios entre precipitação horária máxima e diária máxima com período de retorno de 100 anos
Na Figura 31, representam-se os rácios entre precipitação horária e diária, associados
ao período de retorno de 100 anos, com base nos máximos anuais de precipitação
horária e diária do período compreendido pelos anos hidrológicos de 1961 a 1990.
Tais rácios são directamente comparáveis com os apresentados por Brandão et al.
(2001). Os resultados dos exercícios de simulação em estudo e a proposta de
Brandão et al. (2001).
De modo geral, os rácios dos exercícios de simulação são significativamente inferiores
aos de Brandão et al. (2001), devido aos maus resultados de simulação de
precipitação horária.
Do rácio de Brandão et al. (2001) verifica-se que a razão mais baixa ocorre na Beira
Interior e no Minho, enquanto as razões mais elevadas ocorrem em Trás-os-Montes e
no Alentejo Central. Note-se que as corridas apresentam esse tipo de distribuição:
rácios mais elevados no Centro, Alentejo e Trás-os-Montes.
Os rácios mais elevados são apresentados pelos exercícios de simulação 9 e 10, e os
menores pelos exercícios 12 e 13.
72
Figura 31 – Em baixo: igual à Figura 30. À direita: isolinhas da relação entre precipitação de 1 hora e diária, no período 1961-
1990, para seis modelos do projecto ENSEMBLES.
73
5. Cenários de valores máximos de precipitação
5.1. Alterações na precipitação diária máxima com período de retorno de 100
anos
Apresenta-se na Figura 32 as projecções dos seis exercícios de simulação em estudo
para a evolução, ao longo do século XXI, da precipitação diária máxima com período
de retorno de 100 anos, face ao período 1961-1990.
No primeiro período, 2001-2030, as corridas apresentam resultados bastante
díspares. A maioria das corridas (quatro em seis) projecta diminuição no Interior Norte,
entre os -5% e os -25% na maioria dos locais, podendo chegar aos -50%. Na região
de Lisboa, cinco de seis corridas apontam para aumento, contudo, não são
concordante na intensidade do aumento, variando entre os +5% e os +50%. A maioria
dos exercícios de simulação indica aumento no Litoral Norte, entre os +5% e os +50%.
O Sul apresenta resultados muito pouco consistentes, apontando alguns exercícios
para forte incremento e outros para forte diminuição da precipitação extrema.
No segundo período, 2031-2060, as projecções são mais homogéneas face ao
primeiro. As tendências mais comuns entre os exercícios são o aumento da
precipitação no litoral ao longo de todo o país, maioritariamente entre os +5% e os
+25%. Tanto no Algarve como no Alentejo, as corridas apresentam diferentes
resultados, e três de quatro corridas apontam para não alteração substancial, ou
diminuição no Interior Norte. Notoriamente, várias zonas que determinados exercícios
mostravam no primeiro período como sendo de acentuada diminuição de precipitação,
vêm o sinal dessa alteração diminuído, ou mesmo invertido. Destaca-se, o Interior
Centro e o Interior Norte.
No terceiro período, 2061-2090, todos os exercícios de simulação apontam para
aumento no Litoral Norte, Centro, no Sul. A alteração da precipitação no Litoral Norte é
consensual entre os exercícios, situando-se entre os +5% e os +25%. As corridas 7 e
12, as que melhor se ajustam aos registos do período de controlo, apresentam
aumento de precipitação entre +25% e +50% para o Litoral Centro. Quanto ao Sul, os
resultados são pouco concordantes na intensidade da alteração, sendo esta
projectada entre os +5% e os +75%.
Apesar de no início do século os resultados não serem conclusivos, para o final do
século torna-se claro que as corridas projectam aumento significativo da precipitação
diária extrema. Os resultados são mais dispersos no primeiro período, apontando os
vários exercícios para resultados diferentes, contudo, nos períodos seguintes
identificam-se consistências, nomeadamente, o aumento da precipitação no Centro e
Sul do país.
As corridas 7 e 12, apontados como sendo as que melhor que se ajustam às isolinhas
de precipitação diária com período de retorno de 100 anos de Brandão et al. (2001),
apresentam resultados semelhantes no Litoral Centro e no Alentejo. No Litoral Centro,
ambos os exercícios projectam aumento de precipitação entre 5% e 25% no segundo
período em estudo, e entre 25% e 50% no final do século. Quanto ao primeiro período,
os resultados são discordantes: a corrida 7 apresenta grandes variações, entre os -
25% e os +50%, e a corrida 12 projecta aumento entre +5% e +25%. No Alentejo, as
corridas apontam para um aumento entre +5% a +50%. Quanto ao resto do país, os
resultados são discordantes, notoriamente no Algarve.
74
Precipitação
diária máxima
anual
T=100 anos
2031-2060
2001-2030
2061-2090
Corr
ida 6
1961-1990
Corr
ida 7
Corr
ida 1
2
Corr
ida 1
0
Corr
ida 9
C
orr
ida 1
3
Alterações na
precipitação diária
T= 100 anos
Figura 32 – À esquerda: isolinhas da precipitação diária máxima com período de retorno de 100 anos, para cada um dos seis exercícios em estudo, de acordo com as simulações do período 1961-1990. À direita: alterações da mesma variável nos três períodos do séc. XXI em estudo.
75
5.2. Alterações na precipitação horária máxima com período de retorno de 100
anos
Conforme referido no capítulo 4.3.3, a qualidade da simulação da precipitação horária
é inferior ao desejado, com resultados francamente subestimados. Uma análise de
tendências pode, no entanto, fornecer indicações úteis.
Comparando os resultados do primeiro período (2001-2030) com a situação de
referência constata-se que dos vários exercícios de simulação climática são pouco
consistentes para o Centro e Sul, mas fortemente concordantes para o Norte. As
alterações projectadas situam-se, na maioria do país, entre os -25% e os +25%.
Quatro de cinco exercícios projectam não alteração, ou alteração até -25% dos
extremos de precipitação horária no Norte.
Para a zona do Algarve, a maioria dos exercícios projecta aumento dos extremos de
precipitação horária, entre os +5% e os +75%. Por outro lado, na zona Centro a
maioria dos exercícios aponta não alteração ou alteração até -25%.
Quanto ao segundo período, 2031-2060, apenas três exercícios apresentam
resultados. Verifica-se não concordância entre eles, à excepção do Alentejo, para
onde se projectam alterações até +50%. No resto do país os resultados são opostos, e
portanto, não conclusivos.
No terceiro período, 2061-2090, os resultados são semelhantes ao segundo.
No Quadro 13 representa-se os resultados da precipitação horária máxima com
período de retorno de 100 anos, para cada um dos pontos A a F, acima definidos,
estimados a partir da precipitação diária máxima e do rácio entre a precipitação horária
máxima e a precipitação diária máxima proposta por Brandão et al. (2001) (Figura 30).
Os valores apresentados têm como base os períodos em estudo, em anos
hidrológicos: 1961 a 1990, 2001 a 2030, 2031 a 2060, 2061 a 2090. Para os períodos
do século XXI representa-se, por meio de um código de cores, se a alteração é
superior a 1 mm, inferior a -1 mm, ou entre este intervalo, face ao período de
referência, 1961 a 1990. Verifica-se que a generalidade dos exercícios apresenta, para
todos os pontos, um aumento da precipitação horária máxima associada a um período
de retorno de 100 anos, especialmente para o final do século, sendo os resultados
semelhantes para período de retorno de 25 anos (não representado).
76
Alteração na precipitação 1h
com período de retorno 100
anos
Precipitação 1h
com período de
retorno 100 anos
1961-1900
(mm)
Corr
ida 7
1961-1990
2001-2030
2031-2060
2061-2090
Corr
ida 9
C
orr
ida 1
0
Corr
ida 1
2
Corr
ida 1
3
Figura 33 - À esquerda: isolinhas da precipitação horária com período de retorno de 100 anos, para cada um dos seis modelos em estudo, de acordo com as simulações do período 1961-1990. À direita: Alterações nos três períodos do
séc. XXI em estudo.
77
Quadro 13 – Síntese dos resultados dos exercícios de simulação climática para precipitação horária máxima
com período de retorno de 100 anos, para os pontos A a F. A vermelho representa-se diminuição da precipitação horária superior a 1 mm, face ao período de referência; a azul representa-se aumento superior a 1mm no máximo; e a cinzento representa-se alteração entre +1 mm e -1mm. Precipitação em mm.
1961-90 2001-30 2031-60 2061-90 1961-90 2001-30 2031-60 2061-90
7 15.9 15.7 16.7 20.1 14.6 15.7 16.0 21.3
9 25.1 21.0 - - 18.5 16.0 - -
10 27.2 29.3 - - 23.6 23.3 - -
12 15.8 17.6 15.7 18.8 13.4 12.6 12.3 12.0
13 13.3 13.9 16.3 15.7 8.6 8.0 9.9 11.8
7 17.6 16.6 12.9 14.1 16.1 11.9 29.4 16.4
9 14.1 19.6 - - 34.3 24.0 - -
10 24.1 33.6 - - 27.2 27.0 - -
12 14.8 15.2 19.8 18.9 16.8 17.8 13.8 16.3
13 11.8 11.5 14.6 13.3 9.7 10.8 12.0 12.4
7 13.6 17.0 17.4 19.7 16.2 19.2 26.5 24.4
9 15.7 25.2 - - 22.4 31.9 - -
10 31.1 29.0 - - 22.5 34.2 - -
12 13.7 15.6 16.4 17.9 11.6 12.6 13.8 18.8
13 8.5 11.1 13.5 11.4 11.2 8.8 10.1 10.0
C D
E F
Legenda: +1 mm ≥ ΔP ≥ -1 mmΔP < -1 mm ΔP > +1 mm
A B
Aplicando a metodologia descrita em 4.3.3, nomeadamente, através da Figura 30 e do
Quadro 11, projectam-se os máximos de precipitação horária com período de retorno
de 100 anos - Quadro 14.
De forma semelhante às projecções de precipitação diária, os resultados para o
primeiro período, 2001 a 2030, não são conclusivos, dado os diferentes modelos
apontarem alteração com diferentes tendências. Contudo, para os períodos
subsequentes as projecções são mais homogéneas, apontando para um aumento
significativo no máximo de precipitação horária com período de retorno de 100 anos.
78
Quadro 14 - Projecções da precipitação horária máxima com período de retorno de 100 anos, com base no
rácio entre precipitação horária e diária proposto por Brandão et al. (2001), para os seis pontos A a F. A azul, evidencia-se os resultados que projectam aumento significativo, superior a 5 mm, a vermelho os resultados que projectam diminuição significativa, superior a 5 mm, e a cinzento os resultados que ficam no intervalo ± 5
mm. Projecções face ao período 1961-1990. Precipitação em mm.
1961-90 2001-30 2031-60 2061-90 1961-90 2001-30 2031-60 2061-90
7 42.5 52.4 48.4 42.4 33.8 30.4 36.1 33.8
9 68.9 74.7 - - 29.5 34.1 - -
10 80.8 69.0 - - 40.7 54.5 - -
12 58.6 62.7 67.7 76.3 36.3 33.2 44.0 44.6
13 49.8 53.6 53.7 60.1 37.8 32.8 38.9 44.6
7 23.7 34.1 30.6 34.7 38.6 31.4 46.3 44.5
9 34.8 32.1 - - 40.0 36.3 - -
10 41.4 39.2 - - 33.3 39.4 - -
12 31.2 37.2 36.9 39.1 47.9 47.8 54.6 46.6
13 29.2 34.9 36.4 32.7 34.4 43.3 42.0 38.6
7 40.7 58.2 44.7 38.2 41.7 59.4 75.5 59.5
9 28.8 33.6 - - 42.7 39.2 - -
10 49.2 43.5 - - 29.3 44.6 - -
12 29.6 43.4 39.5 37.9 31.1 38.8 41.8 39.2
13 37.3 27.1 41.1 39.5 33.2 18.7 26.4 32.2
C D
E F
Legenda: ΔP < -5 mm +5 mm ≥ ΔP ≥ -5 mm ΔP > +5 mm
A B
5.3. Alterações no rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária
máxima
Na Figura 34 representa-se as isolinhas dos rácios da precipitação horária com a
diária, associadas ao período de retorno de 100 anos, com base nas séries de
máximos anuais nos diversos períodos em estudo, para os cinco exercícios de
simulação climática com resultados horários.
Como já discutido, a má representação da precipitação horária pelos exercícios
associada à boa representação da precipitação diária resulta em rácios de
precipitação pouco adequados para a quantificação das tendências nos extremos de
precipitação, contudo, possui utilidade na identificação dessas tendências.
Analisando corrida a corrida, ao longo dos vários períodos em estudo, verifica-se que
a tendência predominante é a de não alteração, com aumento do rácio em alguns
locais. Nas zonas em que o rácio aumenta, uma parte mais substancial da quantidade
de precipitação total do dia (com período de retorno de 100 anos) concentrar-se-á em
períodos mais curtos, evidenciando intensificação da precipitação horária face à
precipitação diária, mesmo considerando que a precipitação diária aumente.
79
No Quadro 15 apresenta-se, em síntese, os resultados dos rácios para todos os
períodos em estudo. Verifica-se que não existe tendência coerente entre os vários
exercícios, para nenhum dos pontos em estudo.
Quadro 15 – Síntese dos resultados dos exercícios de simulação climática para o rácio entre precipitação horária e precipitação diária, com período de retorno de 100 anos. A vermelho representa-se diminuição do rácio superior a 0.01, face ao período de referência; a azul representa-se aumento superior a -0.01; e a cinzento
representa-se alteração entre +0.01 e -0.01.
1961-90 2001-30 2031-60 2061-90 1961-90 2001-30 2031-60 2061-90
7 0.120 0.096 0.110 0.152 0.176 0.212 0.181 0.259
9 0.117 0.090 - - 0.258 0.192 - -
10 0.108 0.136 - - 0.237 0.176 - -
12 0.086 0.090 0.074 0.079 0.151 0.156 0.115 0.110
13 0.086 0.083 0.097 0.084 0.093 0.100 0.104 0.108
7 0.238 0.156 0.135 0.130 0.171 0.156 0.261 0.151
9 0.129 0.195 - - 0.352 0.271 - -
10 0.186 0.274 - - 0.335 0.281 - -
12 0.152 0.131 0.172 0.154 0.144 0.153 0.104 0.143
13 0.129 0.105 0.128 0.130 0.116 0.103 0.117 0.131
7 0.140 0.123 0.164 0.216 0.182 0.152 0.165 0.193
9 0.229 0.315 - - 0.247 0.382 - -
10 0.266 0.280 - - 0.360 0.360 - -
12 0.194 0.151 0.174 0.199 0.176 0.153 0.156 0.225
13 0.096 0.172 0.138 0.121 0.158 0.221 0.180 0.147
Legenda: Δr < -0.01 +0.01 ≥ Δr ≥ -0.01 ΔP > +0.01
C D
E F
A B
80
Corr
ida 9
Corr
ida 7
1961-1990
2001-2030
2031-2060
2061-2090 C
orr
ida 1
0
Corr
ida 1
2
Corr
ida 1
3
Figura 34 - Rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária máxima com período de retorno 100 anos
81
6. Conclusões
Na presente dissertação exploraram-se os resultados das simulações de vários
exercícios de simulação climática integrados no projecto europeu ENSEMBLES,
nomeadamente, os resultados de precipitação horária e de precipitação diária, com o
objectivo de estimar as alterações previstas para essas variáveis ao longo do século
XXI, para Portugal Continental. As projecções apresentadas, sob forma de mapas de
isolinhas de precipitação, permitem considerar de forma objectiva o factor alterações
climáticas para a determinação de caudais de ponta de cheia.
Os resultados apresentados neste trabalho resultam da análise de um conjunto de
exercícios de simulação, concebidos e corridos independentemente, com diferentes
parametrizações, cujos resultados, por vezes e por esse mesmo motivo, nem sempre
são concordantes. Procura-se então, beneficiando do facto de serem vários os
exercícios em estudo, identificar os resultados em comum, considerando-se esses
como sendo projecções com elevada credibilidade.
Os principais resultados são os cartogramas de alteração de precipitação diária
máxima e horária máxima para três períodos do século XXI, face ao período 1961-
1990. A principal aplicação directa dos resultados é contribuir para a estimativa de
caudais de ponta de cheia para o séc. XXI.
Através da análise dos resultados de precipitação horária e diária dos exercícios de
simulação do ENSEMBLES, conclui-se que as corridas exprimem com alguma
qualidade os máximos de precipitação diária ao longo de todo o país, quer em valor
médio, quer em distribuição espacial, destacando-se com particular qualidade as
corridas 6, 7, 9, 10, 12 e 13. Contudo, tal não se verifica com os máximos de
precipitação horária. Os máximos apresentados pelas corridas são significativa e
consistentemente inferiores aos observados. Esta constatação dificulta a estimativa da
evolução futura dos máximos de precipitação horária, contudo, permite estudar a
evolução prevista pelos exercícios de simulação (alteração ou não, e com que sinal).
Consequentemente, em termos qualitativos, os rácios de precipitação horária máxima
por diária máxima são de pouca utilidade, restando apenas a análise de tendências.
A falta de qualidade dos resultados de precipitação horária contrasta com a qualidade
dos resultados de precipitação diária, e tal deve-se ao passo de cálculo temporal, time
step, dos exercícios de simulação climática. De facto, a precipitação horária não é um
output directo das corridas, sendo resultado da desagregação da precipitação diária.
Comprova-se no presente trabalho que as técnicas usadas no projecto ENSEMBLES
para desagregar a precipitação diária em horária não são adequadas, pelo menos,
para a região de Portugal Continental.
Procurou-se arranjar um método que estimasse com alguma qualidade a precipitação
horária a partir da precipitação de diária, tendo-se concluído pela aplicação da
proposta de Brandão et al. (2001) – representada na Figura 30 – sendo os resultados
para o período de retorno de 100 anos. Concluiu-se que a referida metodologia resulta
em estimativas da precipitação horária (com período de retorno de 100 anos)
substancialmente melhor do que os resultados do ENSEMBLES.
82
A aplicação da referida metodologia ao séc. XXI admite que o rácio entre a
precipitação horária e a diária não se altera, algo pouco verosímil, dado a
complexidade dos fenómenos climáticos e meteorológicos em causa.
Apesar de no início do século os resultados de precipitação diária não serem
conclusivos, com as corridas a projectarem sinais de alteração e magnitudes de
variação diferentes, para o final do século os resultados são mais concordantes,
projectando um aumento significativo dos valores extremos. Tal poderá dever-se à
sobreposição, no curto prazo, da variabilidade natural ao sinal de alteração climática.
Outro resultado importante seria uma conclusão sobre a alteração nos rácios de
precipitação horária máxima por precipitação diária máxima. Contudo, a fraca
qualidade dos dados de precipitação horária não permite retirar conclusões. Esses
resultados seriam particularmente úteis para tentar identificar, e eventualmente
estimar, alteração na distribuição da precipitação ao longo do dia. Tal permitiria
concluir se os eventos mais intensos a esperar se deveriam a precipitações mais
intensas, concentradas numa pequena fracção do dia, ou se resultariam da
acumulação de precipitação ao longo do dia, conclusão particularmente relevante para
as pequenas bacias hidrográficas. A alteração da distribuição da precipitação ao longo
do dia depende exclusivamente do comportamento dos sistemas macroclimáticos, de
difícil compreensão e modelação, sob efeito das alterações climáticas.
Em suma, a presente dissertação projecta o aumento dos máximos de precipitação
diária para o século XXI em Portugal Continental, de forma praticamente generalizada
para todo o país no fim do século. Quanto à precipitação horária, os resultados dos
exercícios de simulação não possuem qualidade suficiente para que as projecções
possam ser feitas com fiabilidade aceitável. As relações estabelecidas para outros
parâmetros, nomeadamente, a precipitação diária máxima, admitindo constância entre
estas relações para o séc. XXI, deixa antever aumento dos máximos de precipitação
horária.
Relativamente a trabalhos futuros, verifica-se nesta dissertação que a qualidade dos
métodos que os modelos climáticos usam para estimar a precipitação horária é
bastante abaixo do desejável, pelo menos para a região de Portugal Continental, pelo
que seria interessante desenvolver tais métodos, que não admitissem estacionaridade
do rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária máxima. Obtendo
cenários mais concretos tornar-se-á necessário estudar eventuais estratégias de
adaptação das estruturas existentes, assim como adaptar os critérios de projecto para
estruturas futuras.
83
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