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Avaliação da capacidade de simulação da precipitação diária máxima e horária máxima dos modelos climáticos regionais para Portugal Continental. Um contributo para a análise do risco de cheias num quadro de alterações climáticas. André Ribeiro Mendes Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil Júri Presidente: Doutor António Jorge Silva Guerreiro Monteiro Orientador: Doutor Rodrigo de Almada Cardoso Proença de Oliveira Vogal: Doutor Rui José Raposo Rodrigues Setembro de 2011

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Avaliação da capacidade de simulação da precipitação

diária máxima e horária máxima dos modelos

climáticos regionais para Portugal Continental.

Um contributo para a análise do risco de cheias num quadro de

alterações climáticas.

André Ribeiro Mendes

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Civil

Júri

Presidente: Doutor António Jorge Silva Guerreiro Monteiro

Orientador: Doutor Rodrigo de Almada Cardoso Proença de Oliveira

Vogal: Doutor Rui José Raposo Rodrigues

Setembro de 2011

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The ENSEMBLES data used in this work was funded by the EU FP6 Integrated Project

ENSEMBLES (Contract number 505539) whose support is gratefully acknowledged.

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Instituto Superior Técnico Lisboa, Setembro de 2011

Avaliação da capacidade de simulação da precipitação diária máxima e horária

máxima dos modelos climáticos regionais para Portugal Continental. Um contributo

para a análise do risco de cheias num quadro de alterações climáticas.

Nome: André Ribeiro Mendes

Mestrado Integrado em Engenharia Civil – Perfil de Hidráulica e Recursos Hídricos

Orientador: Doutor Rodrigo de Almada Cardoso Proença de Oliveira

Resumo

A presente dissertação pretende contribuir para a análise de risco de cheias em

Portugal para o século XXI, tendo em conta as alterações climáticas.

A partir dos resultados das simulações climáticas do projecto europeu ENSEMBLES,

estudou-se a precipitação horária máxima e a precipitação diária máxima com período

de retorno de 100 anos. Seleccionou-se um conjunto de seis modelos que revelaram

ajustar-se bem nos parâmetros em estudo no período de referência considerado

(1960/61 a 1989/90), para elaborar as projecções para o século XXI.

As projecções dizem respeito a três períodos, compreendidos pelos anos hidrológicos

de 2000/01 a 2029/30, 2030/31 a 2059/60, e 2060/61 a 2089/90, e consistem em

mapas de isolinhas de precipitação horária máxima e diária máxima com período de

retorno de 100 anos.

Constata-se que os exercícios de simulação considerados simulam de forma

satisfatória a precipitação diária máxima, contudo, o mesmo não se verifica para a

precipitação horária, cujos máximos são da ordem de metade a um terço do

expectável. Alternativamente, admite-se estacionaridade na relação entre estas duas

variáveis de modo a poder apresentar-se projecções de precipitação horária máxima.

As projecções dos vários exercícios de simulação para o primeiro período são

díspares, não sendo possível retirar conclusões, contudo, as projecções para o final do

século são já bastante claras: indicam aumento dos máximos de precipitação,

notoriamente no Centro e Sul do país.

Palavras-chave; alterações climáticas, modelação climática, ENSEMBLES,

precipitação horária máxima, precipitação diária máxima.

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Instituto Superior Técnico Lisbon, September, 2011

Evaluation of climate models capability to simulate daily and hourly maximum

precipitation in Portugal. A contribution to flood risk analysis in a climate change

scenario.

Name: André Ribeiro Mendes

Integrated Master (MSc) in Civil Engineering – Hydraulics and Water Resources

Supervisor: Rodrigo de Almada Cardoso Proença de Oliveira, PhD

Abstract

The present work aims to contribute to flood risk analysis in mainland Portugal in the

21nd century, due to climate change.

The starting point is the ENSEMBLES climate simulations of hourly precipitation and

daily precipitation. From these variables, the maximum value of the 100 years return

value was studied. From the initial ensemble, six runs were selected for their ability in

simulate the studied variables in the control period, 1960/61 to 1989/90, when

compared to record data.

The projections were made to three periods of the 21nd century: 2000/01 to 2029/30,

2030/31 to 2059/60, and 2060/61 to 2089/90, and consist in daily and hourly maximum

precipitation maps with 100 years return value.

In the control period, the daily maximum precipitation matches the expected values, but

the hourly precipitation simulated by the models is about one half to one third of the

values in the record data, so stationarity between the hourly and the daily maximum

precipitation ratio is admitted, to make projections of hourly maximum precipitation.

The projections for the first period are inconclusive, due to the runs present different

results, yet, for the end of the century, the results are clear: they show increase of

precipitation in the Centre and South of mainland Portugal.

Keywords; climate change, climate modelling, ENSEMBLES, hourly maximum

precipitation, daily maximum precipitation

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Índice geral

Índice de figuras-------------------------------------------------------------------------------------------- vii

Índice de quadros ------------------------------------------------------------------------------------------- ix

Lista de Abreviaturas -------------------------------------------------------------------------------------- xi

1. Introdução ---------------------------------------------------------------------------------------------- 7

1.1. Âmbito e objectivo ------------------------------------------------------------------------------ 7

1.1.1. O risco de cheias ------------------------------------------------------------------------- 7

1.1.2. Os custos das cheias-------------------------------------------------------------------- 8

1.1.3. A directiva das cheias ------------------------------------------------------------------- 9

1.2. Metodologia -------------------------------------------------------------------------------------- 9

1.3. Organização do texto ------------------------------------------------------------------------- 10

1.4. O fenómeno das alterações climáticas -------------------------------------------------- 10

1.4.1. O „efeito de estufa‟ ---------------------------------------------------------------------- 13

1.4.2. A temperatura ---------------------------------------------------------------------------- 14

1.5. Cenários de emissões e modelos climáticos ------------------------------------------ 16

1.5.1. Cenários de emissões ----------------------------------------------------------------- 16

1.5.2. Modelos climáticos ---------------------------------------------------------------------- 19

2. Alterações climáticas e o ciclo hidrológico --------------------------------------------------- 24

2.1. A influência das alterações climáticas na precipitação ----------------------------- 24

2.1.1. Vapor de água na troposfera --------------------------------------------------------- 26

2.1.2. Alterações na precipitação anual --------------------------------------------------- 29

2.1.3. Alterações regionais de precipitação ---------------------------------------------- 31

2.1.4. Alterações nos extremos de precipitação ---------------------------------------- 35

2.2. Alguns cenários de temperatura e precipitação para Portugal ------------------- 40

2.3. Impactes e principais consequências das alterações climáticas para Portugal -

------------------------------------------------------------------------------------------------------ 44

3. Breve caracterização climática e hidrológica de Portugal continental ---------------- 47

3.1. Caracterização --------------------------------------------------------------------------------- 47

3.2. Precipitações intensas de curta duração ----------------------------------------------- 50

3.3. Cheias em Portugal Continental ----------------------------------------------------------- 52

4. Selecção dos exercícios de simulação climática ------------------------------------------- 55

4.1. Projectos de modelação climática -------------------------------------------------------- 55

4.2. Pré-selecção dos exercícios de simulação climática -------------------------------- 57

4.3. Validação dos resultados dos exercícios de simulação ---------------------------- 62

4.3.1. Metodologia ------------------------------------------------------------------------------- 62

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4.3.2. Precipitação diária ---------------------------------------------------------------------- 63

4.3.3. Precipitação horária -------------------------------------------------------------------- 66

4.3.4. Rácios entre precipitação horária máxima e diária máxima com período

de retorno de 100 anos ---------------------------------------------------------------------------- 71

5. Cenários de valores máximos de precipitação ---------------------------------------------- 73

5.1. Alterações na precipitação diária máxima com período de retorno de 100

anos ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 73

5.2. Alterações na precipitação horária máxima com período de retorno de 100

anos ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 75

5.3. Alterações no rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária

máxima ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 78

6. Conclusões -------------------------------------------------------------------------------------------- 81

7. Referências bibliográficas ------------------------------------------------------------------------- 83

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Índice de figuras

Figura 1 – Riscos económicos potenciais devido a cheias na UE. --------------------------- 8

Figura 2 – Média móvel de 5 anos do custo normalizado a 2006 das cheias na UE no

período 1970-2005, em dólares; a linha horizontal representa a média. In Barredo

(2009). --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9

Figura 3 - Série de temperatura média continental, marítima e combinada, entre 1947

e 2009 . ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 15

Figura 4 – Previsão das emissões globais de GEE, para as actuais políticas climáticas.

Representam-se os 6 cenários do SRES (linhas coloridas), o percentil 80 dos cenários

publicados após o SRES (área a cinzento). As linhas a tracejado representam a

totalidade dos cenários pós-SRES. In: Pacauri & Reisinger (2007). ------------------------ 18

Figura 5 – À esquerda: Resultados dos modelos relativos ao aquecimento superficial

(em relação ao período 1989-1999) para os cenários SRES A2, A1B, e B1, como

continuação das simulações do séc. XX; a linha a laranja representa a simulação na

qual as emissões foram mantidas constantes em relação ao ano 2000; as barras a

meio da figura indicam as melhores estimativas (linha sólida no interior de cada barra),

e o intervalo provável para os seis cenários SRES representados, para o período

2090-2099, em relação ao período 1980-1999. Á direita: Projecção das alterações na

temperatura superficial para o início e para o fim do século XXI, em relação ao período

1980-1999. In: Pacauri & Reisinger (2007). -------------------------------------------------------- 19

Figura 6 - Esquema de um Modelo Atmosférico Global, NOAA. ----------------------------- 21

Figura 7 – Anomalia média global do vapor de água observada e das simulações com

o modelo AGCM GFDL AM2-LM2, em relação ao período 1987-2000. In: Soden et al.

(2005). -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 28

Figura 8 – Anomalias de precipitação continental global anual entre 1900 e 2005, em

relação ao período 1981-2000, com base no GHCN. As curvas coloridas representam

variações decenais de acordo com vários modelos climáticos. In: IPCC (2007). ------- 30

Figura 9 – Alterações nos valores registados e simulados de precipitação continental

anual de 1925 a 1999. À esquerda, anomalias observadas de precipitação por bandas

de latitude de 10º (linha preta); média das anomalias de precipitação anual de um

conjunto de 50 simulações (linha azul); as linhas azul e vermelha a tracejado indicam

as tendências; o sombreado verde identifica as bandas com tendência de aumento; o

sombreado amarelo identifica as bandas com tendência decrescente; o sombreado

cinzento identifica as bandas nas quais as tendências observadas e simuladas

diferem. À direita: o mapa indica as bandas de 10º de latitude nas quais o sinal das

tendências é igual; zonas com dados insuficientes a branco. In: Zhang, et al. (2007). 32

Figura 10 – a), b) e c): número de dias com precipitação igual ou superior a 10 mm nas

estações Beja , Santarém e Vila Real, respectivamente d), e) e f): o mesmo, mas para

20 mm/dia. --------------------------------------------------------------------------------------------------- 34

Figura 11 – Regiões nas quais foram documentadas alterações acentuadas de

precipitação intensa e muito intensa nas últimas décadas, quando comparadas com as

alterações na precipitação anual e/ou sazonal. As alterações na frequência de

precipitação intensa são sempre superiores às alterações nos totais de precipitação, e

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em algumas regiõesm o aumento da precipitação intensa ocorreu sem se verificar

alteração (ou verificando-se diminuição) nos totais. In: Groisman et al. (2005). --------- 37

Figura 12 – Comparação entre os valores diários de precipitação observados (ECA&D)

e os resultados de sete modelos regionais ENSEMBLES na Península Ibérica, para o

período 1961-1990, incluindo o melhor resultado do projecto PRUDENCE. A seta

representa o percentil 95 da precipitação acumulada. In: Boberg et al. (2009). --------- 38

Figura 13 – Distribuição de precipitação diária em função do tipo de clima, baseado em

estações meteorológicas com a mesma precipitação média sazonal. A barra azul

representa as estações situadas em regiões cujo espectro de temperaturas é dos -3ºC

aos 19ºC; a barra rosa, dos 19ºC aos 29ºC; a barra vermelha, dos 29ºC aos35ºC. In

Karl & Treberth (2003). ----------------------------------------------------------------------------------- 40

Figura 14 – Alterações anuais e sazonais na precipitação, em percentagem, para

intensidades superiores a 10 mm/dia no período 2010-2035 face ao período de

controlo 1961-90 para o modelo HadRM GGa2,: a) anual, b) Inverno (DJF), c)

Primavera (MAM), d) Verão (JJA), e) Outono (SON). In Miranda et al. (2002). ---------- 43

Figura 15 – Variação face ao período de controlo (1961-90) da precipitação diária de

1991 a 2100 simulada pelo modelo DMI HIRHAM, em períodos de 30 anos, na

Península Ibérica. In Boberg et al. (2009). --------------------------------------------------------- 44

Figura 16 – Precipitação anual média por região hidrográfica. In: PNA (2001). --------- 48

Figura 17 – Precipitação média mensal em Portugal Continental. In: PNA (2001).----- 49

Figura 18 – Distribuição espacial do escoamento anual médio em Portugal Continental.

In (PNA, 2001) ---------------------------------------------------------------------------------------------- 51

Figura 19 – Balanço hídrico de Portugal Continental. In (PNA, 2001). --------------------- 51

Figura 20 – À esquerda: Precipitação máxima diária em Portugal Continental com um

período de retorno de 100 anos. In Brandão e Rodrigues (1998). À direita: Isolinhas da

relação entre precipitação de 1h com a diária para o período de retorno de 100 anos.

Proposta de Brandão et al. (2001). ------------------------------------------------------------------- 52

Figura 21 - Zonas de ocorrência de cheia em Portugal Continental (pontos azuis). In:

(PNA, 2001). ------------------------------------------------------------------------------------------------ 54

Figura 22 – Cartogramas do valor máximo da precipitação diária máxima anual, no

período 1961-1990, para os registos históricos e para as seis corridas seleccionados.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 61

Figura 23 - Superfícies de pdma para o período 1961-90, dos modelos 6, 7, 9, 10, 12 e

13 do Ensembles. ----------------------------------------------------------------------------------------- 61

Figura 25 – Isolinhas da precipitação diária com período de retorno de 100 anos, para

as seis corridas em estudo. ----------------------------------------------------------------------------- 64

Figura 25 – Estimativa da precipitação diária máxima anual para um período de

retorno de 100 anos por Nicolau (2002) ------------------------------------------------------------- 64

Figura 26 - Abaixo, identificação dos pontos seleccionados para validação espacial; à

direita, gráficos box and whiskers das séries de precipitação 1961-90 para os valores

reais (SNIRH, id. 0) e para os modelos 6, 7, 9, 10, 12 e 13, para cada um dos seis

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pontos considerados (representa-se os máximos, mínimos, média e percentis 25 e 75;

as cruzes a vermelho representam os outliers). -------------------------------------------------- 65

Figura 27 – Precipitação de 1h com período de retorno de 100 anos (Brandão et al,

2001). --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 66

Figura 28 - Cartogramas de precipitação horária máxima no período 1961-1990, para

as corridas 7, 9, 10, 12 e 13. --------------------------------------------------------------------------- 67

Figura 29 - Comparação por Box and Whiskers dos máximos anuais de precipitação

horária apresentados pelos modelos em estudo, para seis pontos em Portugal

Continental, no período 1961-90. --------------------------------------------------------------------- 68

Figura 30 – Isolinhas da relação entre precipitação horária e precipitação diária

máxima com período de retorno de 100 anos, Brandão et al (2001). ----------------------- 69

Figura 31 – Em baixo: igual à Figura 30. À direita: isolinhas da relação entre

precipitação de 1 hora e diária, no período 1961-1990, para seis modelos do projecto

ENSEMBLES. ---------------------------------------------------------------------------------------------- 72

Figura 32 – À esquerda: isolinhas da precipitação diária máxima com período de

retorno de 100 anos, para cada um dos seis exercícios em estudo, de acordo com as

simulações do período 1961-1990. À direita: alterações da mesma variável nos três

períodos do séc. XXI em estudo. ---------------------------------------------------------------------- 74

Figura 33 - À esquerda: isolinhas da precipitação horária com período de retorno de

100 anos, para cada um dos seis modelos em estudo, de acordo com as simulações

do período 1961-1990. À direita: Alterações nos três períodos do séc. XXI em estudo.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 76

Figura 34 - Rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária máxima com

período de retorno 100 anos --------------------------------------------------------------------------- 80

Índice de quadros

Quadro 1 - Variação percentual de precipitação para os diferentes períodos de

alteração substancial das taxas globais, para Portugal Continental, e variação no

período 1900-1999. Valores em relação ao período 1961-1990. A partir de IPCC

(2001). -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 33

Quadro 2- Recordes de precipitação diária na Europa para o período 1946-1999. In

Klein Tank et al. (2002). --------------------------------------------------------------------------------- 39

Quadro 3 – O regime dos rios nacionais. In: Ramos & Reis (2001)- ------------------------ 49

Quadro 4 – Corridas do Ensembles consideradas no presente trabalho. ----------------- 58

Quadro 5- Distribuição por RH das estações udométricas consideradas. ----------------- 58

Quadro 6 - Análise individual qualitativa das corridas do Ensembles em relação aos

dados do SNIRH. ------------------------------------------------------------------------------------------ 59

Quadro 7 - Lista de exercícios de simulação seleccionados. --------------------------------- 60

Quadro 8 - Postos do SNIRH usados na validação espacial. --------------------------------- 62

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Quadro 9 - Pontos do Ensembles usados na validação espacial. --------------------------- 62

Quadro 10 – Síntese dos resultados de precipitação horária para o período 1961-1990,

de acordo com os exercícios de simulação 7, 9, 10, 12 e 13, para os seis pontos em

estudo. -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 67

Quadro 11 – Valores de α para os seis pontos em estudo. ------------------------------------ 69

Quadro 12 – Precipitação horária com período de retorno de 100 anos, para os seis

pontos em estudo, de acordo com Brandão et al. (2001), com os resultados das

corridas 7, 9, 10, 12 e 13 do ENSEMBLES, e com a estimativa a partir da Figura 30 e

o Quadro 11. A verde, destaca-se os resultados que estão num intervalo de ± 5 mm

face aos resultados de Brandão et al. (2001), e a vermelho os que estão fora desse

intervalo. Precipitação em mm. ------------------------------------------------------------------------ 70

Quadro 13 – Síntese dos resultados dos exercícios de simulação climática para

precipitação horária máxima com período de retorno de 100 anos, para os pontos A a

F. A vermelho representa-se diminuição da precipitação horária superior a 1 mm, face

ao período de referência; a azul representa-se aumento superior a 1mm no máximo; e

a cinzento representa-se alteração entre +1 mm e -1mm. Precipitação em mm. ------- 77

Quadro 14 - Projecções da precipitação horária máxima com período de retorno de

100 anos, com base no rácio entre precipitação horária e diária proposto por Brandão

et al. (2001), para os seis pontos A a F. A azul, evidencia-se os resultados que

projectam aumento significativo, superior a 5 mm, a vermelho os resultados que

projectam diminuição significativa, superior a 5 mm, e a cinzento os resultados que

ficam no intervalo ± 5 mm. Projecções face ao período 1961-1990. Precipitação em

mm. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 78

Quadro 15 – Síntese dos resultados dos exercícios de simulação climática para o rácio

entre precipitação horária e precipitação diária, com período de retorno de 100 anos. A

vermelho representa-se diminuição do rácio superior a 0.01, face ao período de

referência; a azul representa-se aumento superior a -0.01; e a cinzento representa-se

alteração entre +0.01 e -0.01. -------------------------------------------------------------------------- 79

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Lista de Abreviaturas

AGCM – Modelo climático global atmosférico;

AOGCM – Modelo de circulação global atmosférico e oceânico acoplado

CC – Clausius-Clapeyron, relação de;

GCM – Modelo climático global;

GEE – gás com efeito de estufa;

IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change;

NAO – Oscilação do Atlântico Norte;

RCM – Modelo climático regional.

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1. Introdução

1.1. Âmbito e objectivo

Os eventos de precipitação extrema têm uma influência enorme na sociedade,

estando associados a cheias e erosão, podendo ter impacto nos sistemas de

transporte e na segurança das pessoas (Lenderink & van Meijgaard, 2010),

constituindo, a par das secas, a maior preocupação com o clima no Sul da Europa

(Easterling, Evans, Groisman, Karl, Kunkel & Ambenje, 2000).

Dadas as projecções do aumento de precipitação e de fenómenos de precipitação

intensa em muitos locais, a ocorrência de alguns eventos pouco usuais tem

alimentado a discussão sobre a sua ligação às alterações climáticas (van Aalst, 2006).

Os registos de precipitação, disponíveis para muitos locais do globo, desde meados do

séc. XIX, demonstram que estão a ocorrer alterações na quantidade, intensidade,

frequência e tipo de precipitação, contudo, não foi ainda possível confirmar que tal se

deve à influência humana no clima (Zhang et al., 2007).

No presente trabalho pretende obter-se uma estimativa da alteração na intensidade de

precipitação devida a alterações climáticas, de origem antropogénica, para o século

XXI, recorrendo aos resultados dos modelos computacionais do projecto europeu

ENSEMBLES. Tal estimativa, ao ser aplicada às técnicas de estabelecimento de

caudais de ponta de cheia, permite considerar o factor alterações climáticas para o

estudo dos sistemas fluviais. Pretende-se ainda resumir alguma da discussão sobre

este tema, com especial ênfase para os resultados relativos a Portugal Continental.

O presente trabalho, por ser baseado nos mais recentes resultados de simulações

computacionais para o clima do séc. XXI, pretende contribuir para a avaliação dos

riscos futuros de inundação em território nacional.

1.1.1. O risco de cheias

A Europa possui um vasto espectro de condições climáticas, e a precipitação varia

entre os 300 mm na costa Leste espanhola até aos 3000 mm nos Alpes e em algumas

partes da Escócia (EuroFlood, 1994). Dado os fortes impactes dos diferentes regimes

hidrológicos na União Europeia e os potenciais problemas resultantes das alterações

climáticas, tem sido uma prioridade da Comissão Europeia o estabelecimento de

políticas da água baseadas nos estudos mais recentes, promovidos pela própria

Comissão.

As regiões mais vulneráveis a alterações nos padrões de precipitação são o Sul da

Europa e a bacia do Mediterrâneo, devido à possível intensificação das secas nos

meses quentes, e de precipitação intensa nos meses de Inverno; as zonas costeiras,

deltas e leitos de cheia, devido ao aumento do nível do mar, à precipitação intensa,

cheias e tempestades. As consequências podem ser de vários tipos, mas

principalmente, a nível de saúde e qualidade de vida, económicas, e para a fauna e

flora.

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Figura 1 – Riscos económicos potenciais devido a cheias na UE.

Fonte: http://floods.jrc.ec.europa.eu/flood-risk.html

Para Portugal Continental, o risco potencial devido a cheias é relativamente pouco

elevado face aos restantes países Europeus (Figura 1), devido à topografia

acidentada, economia pouco desenvolvida e baixo valor imobiliário dos imóveis

situados em leito de cheia. Destaca-se o Norte Litoral e o troço final do rio Tejo, com

prejuízos potenciais avaliados entre os 10 e os 80 milhões de Euros.

1.1.2. Os custos das cheias

No período 1970-2006, o custo anual normalizado1 das cheias em 31 países

europeus2 foi cerca de 4000 milhões de dólares, em relação a 2006 (Barredo , 2009)

(Figura 2), não existindo tendência temporal clara. Contudo, num cenário hipotético

sem alterações climáticas, os prejuízos causados pelas cheias continuariam a

aumentar como consequência de factores económicos e sociais (Barredo, 2009).

As causas foram principalmente devidas a factores sociais, como o aumento da

população e da riqueza, do que a factores climáticos (Barredo, 2009).

De acordo com os cenários climáticos mais recentes, para as próximas décadas, as

alterações climáticas podem, com elevada probabilidade, causar um aumento dos

prejuízos das cheias na Europa (Dankers & Feyen, 2008).

1 Barredo (2009) normalizou os custos das cheias considerando os efeitos das alterações na

população, riqueza nacional, e inflação de cada país; removendo as diferenças de preços entre países ajustando os prejuízos através da paridade de poder de compra. 2 União Europeia, Noruega, Suíça, Croácia e Macedónia.

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Figura 2 – Média móvel de 5 anos do custo normalizado a 2006 das cheias na UE no período 1970-2005, em dólares; a linha horizontal representa a média. In Barredo (2009).

O projecto PESETA (Projection of Economic Impacts of Climate Change in Sectors of

the European Union based on Bottom-up Analysis) avalia os potenciais impactos das

alterações climáticas na economia europeia, a partir dos resultados do projecto

PRUDENCE. Comparativamente ao período 1961-1990, para os cenários de aumento

de temperatura média de 2.5ºC e 3.9ºC o PESETA prevê diminuição dos prejuízos no

Norte, Centro e Alentejo de Portugal Continental, e aumento no Algarve, no período

2071-2100.

1.1.3. A directiva das cheias

Para os próximos anos, destaca-se a Directiva 2007/60/EC, conhecida como directiva

das cheias (flood directive), proposta pela Comissão a 18/01/2006, e publicada no

Jornal Oficial a 06/11/2007. O propósito da directiva é reduzir e gerir os riscos das

cheias para a saúde e bem-estar das populações, património e actividades

económicas. Para esse efeito, a directiva obriga os Estados Membros a realizar uma

avaliação preliminar até 2011 que identifique as bacias hidrográficas e as áreas

costeiras em risco de cheia. Posteriormente, até 2013, será necessário elaborar

mapas de risco de cheia, e até 2015, estabelecer planos de gestão de risco focados

na prevenção e protecção. O website da Directiva pode ser consultado em:

http://ec.europa.eu/environment/water/flood_risk/index.htm

1.2. Metodologia

No presente trabalho recorreu-se aos resultados dos modelos climáticos integrantes

do projecto europeu ENSEMBLES, de modo a produzir estimativas de alterações na

precipitação intensa no século XXI em Portugal Continental. As variáveis estudadas

são a precipitação diária e a precipitação horária, designando-se como precipitação

diária a precipitação ocorrida entre a meia-noite de dois dias consecutivos, ou entre as

9h00 de cada dois dias consecutivos, definições que se consideram equivalentes.

Estudaram-se quatro períodos temporais, compreendidos pelos anos hidrológicos de

1960/61 a 1989/90, 2000/01 a 2029/30, 2030/31 a 2059/60, e 2060/61 a 2089/90,

sendo o primeiro, o período de referência, e os restantes, os períodos do séc. XXI para

os quais se apresentam projecções.

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Das séries de precipitação retiradas do portal do ENSEMBLES (http://www.ensembles-

eu.org/) para os referidos períodos, seleccionaram-se os máximos anuais dos

exercícios de simulação disponíveis à data.

No período de referência, comparou-se os valores de precipitação diária com os

registos existentes no portal do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos

(SNIRH – http://www.snirh.pt/), seleccionando-se os exercícios com melhores

resultados.

As projecções, são referentes aos exercícios seleccionados, e consistem na

precipitação horária e diária associada ao período de retorno de 100 anos, e ao rácio

entre estas.

1.3. Organização do texto

O texto encontra-se dividido em 6 partes, ou capítulos. Na primeira parte, introdutória,

apresenta-se o conceito de alterações climáticas, quais os cenários de emissões de

gases com efeito de estufa actualmente considerados pela comunidade científica

mundial, e o modo como são integrados nos modelos climáticos.

A segunda parte, aborda a influência das alterações climáticas no ciclo hidrológico,

nomeadamente, o que tem sido detectado, e quais as alterações expectáveis, a nível

global e regional. Apresenta-se ainda os principais impactes e consequências das

alterações expectáveis para Portugal Continental, nomeadamente, os principais

cenários de alterações na precipitação.

No terceiro capítulo, apresenta-se uma síntese do clima e da hidrologia nacional,

referindo-se quais as zonas com ocorrências de cheias mais frequentes, assim como a

sua génese, e principais impactes.

No capítulo 4, apresentam-se os exercícios de simulação em estudo, e o estudo que

permitiu seleccionar os que melhor se adaptam à realidade climática nacional.

No capítulo 5 apresenta-se os cenários de alterações na precipitação horária máxima

e na precipitação diária máxima previsíveis para o século XXI, com base nos modelos

seleccionados.

Por fim, no capítulo 6, apresentam-se as conclusões gerais do estudo, e as propostas

de trabalhos futuros.

1.4. O fenómeno das alterações climáticas

As alterações climáticas são, porventura, o maior desafio ambiental que a

Humanidade vai enfrentar este século (Beniston et al., 2007), que para além dos

óbvios impactes ambientais, deverá ainda ter repercussões importantes ao nível

económico e social (Parry, Canziani, Palutikof, van der Linden & Hanson, 2007). São

de esperar alterações importantes no ciclo hidrológico e no ciclo de energia globais à

medida que as temperaturas aumentam. As maiores ameaças à sociedade manifestar-

se-ão a nível local, através de alterações nos extremos climáticos locais e dos eventos

climáticos. Tornou-se evidente nos últimos anos que as populações europeias são

particularmente vulneráveis a alterações na frequência e intensidade de eventos

extremos, tais como ondas de calor, precipitação intensa, secas e tempestades

(Beniston et al., 2007).

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Ao longo das últimas duas décadas foi-se tornando evidente que o clima global se

encontra em alteração, e que as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) pelo

Homem são as principais responsáveis. O actual consenso científico é de que o

aquecimento registado nos últimos 50 anos é devido a actividades humanas (vide

Cap.7 de IPCC, 2007). O aquecimento do sistema climático é inequívoco,

comprovando-se através das observações de aumento da temperatura média global

do ar e dos oceanos, do derretimento de gelo e neve generalizado e do aumento do

nível médio do mar (IPCC WGI, 2007). O actual consenso científico indica que as

alterações nas temperaturas são fundamentalmente devidas às emissões humanas, e

atendendo a que tal processo já foi desencadeado, que a maioria dos GEE permanece

na atmosfera durante largas décadas e que a sociedade responde de forma lenta à

urgência presente, é de esperar que as alterações climáticas se intensifiquem. De

facto, as emissões humanas continuam a aumentar, e não é provável que estabilizem

num futuro próximo (vide capítulo 1.5).

Consequentemente, a comunidade científica tem dado bastante ênfase ao estudo de

alterações nos padrões de frequência ou intensidade de fenómenos meteorológicos

extremos (furacões, cheias, secas, entre outros) de modo a testar as teorias relativas

às alterações climáticas (Huntington, 2006). Quase todos os Invernos, algures na

Europa, ocorrem cheias de alguma severidade, com consequências para as

propriedades privadas, para sistemas de comunicação e para as actividades

económicas, para além da ameaça às comunidades humanas. E para além disso,

quase todos os Verões ocorrem tempestades na Europa que produzem precipitação

intensa, aumento súbito do nível das águas e cheias em meio urbano.

Actualmente, uma das questões mais importantes em hidrologia é: se o clima aquecer

no futuro, ocorrerá uma intensificação do ciclo da água, e se sim, qual será a natureza

dessa intensificação (Huntington, 2006) ? O interesse dessa questão deve-se a que

uma intensificação do ciclo da água poderá conduzir a alterações na disponibilidade

de recursos hídricos, ao aumento da frequência de tempestades tropicais, cheias, e

secas, e a uma amplificação do aquecimento pelo aumento da evaporação

(Huntington, 2006). De facto, estima-se que o clima terrestre já ultrapassou as

fronteiras da variabilidade natural (IPCC-TAR, 2001), e que tal tem sido constante

desde os anos 1980 (Karl & Trenberth, 2003).

Uma das consequências possíveis do aquecimento global é a alteração dos padrões

de precipitação, tendo sido sugerido que ocorrem mais dias de precipitação ao longo

do ano à medida que as temperaturas aumentam, e também que a quantidade de

precipitação anual será mais elevada, e os fenómenos de precipitação terão maior

intensidade (Koning & Franses, 2005). A base teórica na qual se baseia a expectativa

de intensificação do ciclo hidrológico consiste na relação de Clausius-Clapeyron, que

afirma que a humidade específica aumenta aproximadamente de forma exponencial

com a temperatura (Huntington, 2006).

Os problemas decorrentes das cheias, apesar de estas estarem associadas a

fenómenos climáticos geralmente extremos, devem-se à indevida vazão dos cursos de

água, por vezes originados por construções junto a estes, e também à ocupação das

zonas de inundação natural dos cursos de água (PNA, 2001).

Estes eventos demonstram o modo como os seres humanos falharam na sua tentativa

de dominar a Natureza. Contudo, a crença nas nossas capacidades é tal, que não é

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expectável, para o cidadão comum, a ocorrência de cheias numa sociedade moderna

(EuroFlood, 1994). No entanto, construímos as nossas cidades em leito de cheia, pois

as áreas planas são as mais adequadas para os usos habitacionais, comerciais, e

industriais. Na Europa, sempre se construiu ao longo de rios e/ou junto à costa, e em

Portugal, historicamente, os povoados estabeleceram-se na margem Norte dos cursos

de água, durante a reconquista cristã.

O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) foi estabelecido em 1988 pela

Organização Meteorológica Mundial (WMO) e pelo Programa das Nações Unidas para

o Ambiente (UNEP) com o objectivo de analisar de forma objectiva a melhor

informação científica, técnica e socioeconómica sobre as alterações climáticas,

recorrendo principalmente à literatura científica com peer-review. Essa enorme base

de conhecimento é desenvolvida por centenas de peritos de todas as regiões do

mundo, de modo a oferecer uma sinopse equilibrada das principais opiniões, sendo

orientada para o apoio à definição de políticas, não prescrevendo as medidas a tomar.

Os governos desempenham um papel fundamental na elaboração dos documentos,

aprovando linha a linha o que é publicado. Deste modo, os relatórios do IPCC

constituem a mais avançada perspectiva disponível sobre o tema das alterações

climáticas, pelo consenso com que são elaborados, e pela multiplicidade de estudos

que os suportam.

Idealmente, as previsões sobre alterações climáticas devem ser guiadas por princípios

físicos conhecidos incontestáveis através de simulações de modelos, combinadas com

as actuais observações climáticas (Allen & Ingram, 2002). Essa abordagem já

produziu projecções aceitáveis sobre as alterações a nível da temperatura global

média, contudo, o estudo de alterações a nível regional, quer de temperatura, quer de

alterações no ciclo hidrológico, traz novos desafios pela sua complexidade, sendo o

ENSEMBLES o mais recente de vários projectos que procuram criar cenários do que

se pode esperar para o séc. XXI.

De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (WMO), o clima pode ser

definido como sendo a descrição estatística, em termos da média e da variabilidade,

das características meteorológicas ao longo de um vasto período de tempo, em

norma, 30 anos.

As alterações climáticas podem ser definidas como as modificações no clima passíveis

de ser identificadas (por exemplo, recorrendo a testes estatísticos) por alterações na

média e/ou na variabilidade das suas propriedades, e que persistem por um largo

período de tempo, pelo menos da ordem de dezenas de anos (IPCC WGI, 2007). As

causas podem ser tanto a variabilidade natural como as actividades humanas. Os

condutores dos processos de alteração são as variações de concentrações de certos

gases atmosféricos, indutores de efeito de estufa; e aerossóis, com capacidade de

influenciar significativamente a capacidade de reflexão ou absorção (consoante o

aerossol) da atmosfera. Quando as emissões são resultado directo das actividades

humanas pode dizer-se que as alterações climáticas são de causa antropogénica, a

somar à inerente variabilidade climática natural (EuroFlood, 1994).

Por outro lado, a United Nations Framework Convention on Climate Change (UNCCC)

define alterações climáticas como a alteração do clima induzida directa ou

indirectamente pela acção humana, alterando a composição da atmosfera, a adicionar

à variabilidade climática natural observada num período de tempo comparável.

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Geralmente, o clima é definido como sendo o estado do tempo médio, portanto, uma

alteração climática pressupõe uma mudança do padrão estatístico de uma série

observada de um dado parâmetro meteorológico. A principal distinção entre clima e

meteorologia é a natureza caótica do estado do tempo (IPCC WGI, 2007). A

ocorrência das Estações é devida às alterações nos padrões geográficos de absorção

e radiação de energia sob a forma de calor ao longo da Terra, possuindo os gases

com efeito de estufa (GEE) a capacidade de aumentar a capacidade de

absorção/acumulação de energia junto da superfície terrestre (IPCC WGI, 2007).

A detecção de alterações climáticas consiste na demonstração de que o clima se

alterou em algum parâmetro estatístico, sem apresentar o motivo pelo qual tal se

sucedeu. A atribuição de causas para alterações climáticas é o processo de establecer

quais as causas mais prováveis para a alteração detectada, com algum nível de

confiança (IPCC WGI, 2007).

Na impossibilidade de se seguir uma abordagem tradicional de atribuição de causas

(pela impossibilidade de realizar experiências controladas com o clima), a atribuição

de culpa aos factores antropogénicos pelas alterações climáticas deve seguir o

seguinte procedimento: detecção que o clima se alterou; demonstração de que essas

alterações são coerentes com as simulações com modelos computacionais que

incluem o factor antropogénico; demonstração de que as alterações detectadas não

são consistentes com explicações alternativas plausíveis baseadas em alterações

recentes no clima, que excluem a importância do factor antropogénico (IPCC WGI,

2007).

Os riscos adicionais devidos às alterações climáticas não devem ser analisados ou

considerados de forma isolada, mas integrados em esforços mais profundos de

redução do risco associado a desastres naturais.

1.4.1. O „efeito de estufa‟

Desde o início da revolução industrial, a Humanidade já lançou para a atmosfera

aproximadamente metade do carbono capturado pelo planeta ao longo de milhões de

anos (vide conceito de curva de produção/extracção de petróleo de M. King Hubbert,

1903-1989).

Admite-se que a evolução da temperatura média no sistema climático a longo prazo é

controlada pela adição de energia solar, e pela subtracção (para o exterior) da energia

sob a forma de radiação infra-vermelha. O conceito de balanço de energia é,

basicamente, o resultado desse input e output. Estima-se que a taxa de absorção de

energia pelo planeta seja da ordem de 235 a 240 W/m2 (a tecnologia utilizada

actualmente, a medição por satélite, ainda não permite obter valores mais exactos),

sendo também o valor médio da energia radiada para o espaço, sob a forma de

radiação infravermelha.

Enquanto a radiação proveniente do Sol é predominantemente de onda-curta, a

radiação proveniente da Terra é maioritariamente de onda-longa, ou infravermelha. A

atmosfera possui uma elevada capacidade de absorção de radiação infravermelha

(devido ao seu conteúdo em vapor de água, dióxido de carbono, e outros gases),

excepto nos comprimentos de onda compreendidos entre os 8.5 e os 13.0 μm – a

„janela atmosférica‟. A opacidade da atmosfera à radiação infra-vermelha

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relativamente à sua transparência à radiação de onda-curta é habitualmente

designada por „efeito de estufa‟ (Barry & Chorley, 1992).

O efeito de estufa resulta da capacidade de absorção de certos constituintes da

atmosfera, notoriamente o vapor de água, o dióxido de carbono e alguns gases

residuais (como o metano, o óxido nitroso, e o ozono troposférico), que absorvem

energia nos comprimentos de onda da „janela atmosférica‟, para além dos restantes

comprimentos de onda. Estima-se que entre 1765 e 1990 o aumento da concentração

de CO2 na atmosfera tenha produzido um efeito radiactivo de 1.5 W/m2, e que o de

todos os gases residuais tenha sido de 2.5 W/m2 3 (Barry & Chorley, 1992).

O vapor de água atmosférico é um GEE crítico, e um estudo recente do Goddard

Institute for Space Studies da NASA indica que este é o principal componente do efeito

de estufa (com um peso de 49% na quantidade de calor retida na atmosfera), e não o

dióxido de carbono (19%). As nuvens contribuem com cerca de 25% na retenção de

calor, e outros constituintes da atmosfera com cerca de 7% 4 (Schmidt et al., 2010).

As alterações ao sistema climático são produzidas pelos „agentes forçadores‟, que

podem ser radiativos ou não-radiativos. Os agentes não-radiativos são os que afectam

o clima pela sua influência na geometria da superfície terrestre (como a localização e

dimensão das cadeias montanhosas, das bacias oceânicas, entre outros). Os agentes

radiativos são os que dizem respeito à radiação solar, que podendo sofrer alterações

no curto prazo ou no longo prazo (os ciclos solares podem variar entre as poucas

dezenas de anos e os vários milhões), são fundamentais no estudo das alterações

climáticas de curto prazo. Os agentes de forçamento radiativo internos são os que

estão envolvidos em alterações na composição da atmosfera, nebulosidade,

aerossóis, e no albedo. Apesar de serem susceptíveis a alterações no longo prazo, é a

sua susceptibilidade a alterações antropogénicas de curto prazo que os torna

particularmente interessantes (Barry & Chorley, 1992).

É na interacção entre o forçamento radiativo solar de curto prazo e os agentes de for-

çamento radiativo internos que se centra o estudo das alterações climáticas de curto

prazo, atendendo ao complexo sistema de mecanismos de feedback, ou re-alimenta-

ção, positivos e negativos (Barry & Chorley, 1992).

1.4.2. A temperatura

A variável que melhor pode ser estudada pelos registos climáticos recentes é a tempe-

ratura média global, pois a qualidade dos registos é maior em relação às restantes

variáveis globais (Allen & Ingram, 2002). O mais recente relatório do IPCC, o Assess-

ment Report 4, apresenta uma análise das observações instrumentais dos anteriores

157 anos que permite concluir que as temperaturas junto à superfície subiram de

forma global, com algumas variações regionais significativas5 (IPCC WGI, 2007) -

Figura 3.

O aumento da temperatura registado nas últimas décadas é generalizado ao longo do

globo, sendo maior no Hemisfério Norte (Hansen, Rued y, Sato & Lo, 2010). De

3 O valor da constante solar (energia solar recebida no topo da atmosfera) é cerca de 1370

W/m2.

4 http://www.nature.com/nclimate/2010/101102/full/nclimate1005.html

5 http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/ch1s1-3-2.html

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acordo com o Centro Alemão para Computação Climática (DKRZ), o aquecimento dos

últimos 20 anos pode ser atribuído com 95% de certeza a causas antropogénicas por

oposição à variabilidade climática.

Figura 3 - Série de temperatura média continental, marítima e combinada, entre 1947 e 2009 6.

A temperatura média global subiu 0.6º 0.2ºC no período de 1861 a 2000, não tendo

este valor qualquer precedente no último milénio (JRC, 2005). No período 1906-2005,

(IPCC WGI, 2007) aponta que a referida variável aumentou em cerca de 0.74oC. Os

anos mais quentes da série apresentada pelo IPCC são 1998 e 2005 (sendo estatisti-

camente independentes), e 11 dos anos mais quentes da série situam-se nos últimos

12 anos da série. O aquecimento no último século ocorreu em duas fases, de 1910 até

aos anos de 1940 (0.35oC), e de forma mais intensa desde os anos de 1970 até ao

presente (0.55oC).

O maior aquecimento é registado nas áreas continentais interiores, na América do

Norte e na Ásia, apesar de se registar nesses locais uma grande variabilidade. No

entanto, os sinais mais evidentes de aquecimento ocorrem a latitudes médias e bai-

xas, particularmente nos oceanos tropicais. A falta de aquecimento significativo em

cerca de 20% da superfície terrestre, e o aquecimento reforçado noutros locais, pode

ser resultado de alterações na circulação atmosférica (IPCC WGI, 2007).

Globalmente, a década de 90 do século XX terá sido a mais quente no milénio anterior

(van Aalst, 2006). De acordo com o GISS, a década de 2001 a 2010 terá sido a mais

quente, em termos globais, desde que existem registos (1880). Um estudo recente da

NASA sobre as alterações na temperatura global superficial pode ser consultado em:

http://pubs.giss.nasa.gov/docs/2010/2010_Hansen_etal.pdf.

Os registos desde os anos 50 permitem concluir que a troposfera (até cerca de 10 km

de altitude) tem aquecido a uma taxa ligeiramente superior à camada terrestre,

enquanto a estratosfera (de aprox. 10 km a 30 km de altitude) tem arrefecido de forma

notória desde 1979.

6 In Folland, C. (2009), African Rainfall and Global Climate Variability and Change, Met office

Fadley Center, Exeter

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Observações desde 1961 mostram que a temperatura média dos oceanos tem

aumentado, pelo menos até aos 3000 metros de profundidade, e que os oceanos têm

absorvido cerca de 80% do calor adicionado ao sistema climático.

Alguns estudos sugerem que a variação intra-anual de temperatura tem decrescido de

forma significativa, e que muito do aquecimento observado nas latitudes intermédias e

altas no séc. XX tem ocorrido na época fria (JRC, 2005). No período 1946-1999, o

aquecimento observado na Europa é geralmente superior no período nocturno do que

no diurno, o que leva a uma diminuição da gama de temperatura diária (Klein Tank,

Wijngaard & van Engelen, 2002). A duração da época sem gelo aumentou em muitas

regiões a latitudes médias e altas em ambos os hemisférios. No Hemisfério Norte, em

particular, nota-se a antecipação da Primavera (IPCC WGI, 2007).

O European Center for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF) revela que se

atingiram novos recordes de temperatura média sobre áreas terrestres no Hemisfério

Norte extratropical em Julho de 2010, e que os anteriores meses de Maio e Junho

também foram mais quentes que o usual. Ainda sobre o mês de Julho de 2010, de

acordo com (NOAA, 2010), a nível global este foi o segundo mais quente (temperatura

sobre terra e oceanos) desde que há registos (1880), depois do correspondente mês

em 1998, com uma temperatura média superficial de 16.5oC, cerca de 0.66oC acima

da média do séc. XX. Considerando apenas a temperatura média terrestre, esta terá

sido 1.03oC superior à média do séc. XX (14.3oC), enquanto a média superficial oceâ-

nica foi 0.54oC superior (média de 16.4oC no séc. XX). 7

AEMET (2010) reporta que as temperaturas médias no Verão de 2010 em Espanha

foram 1.4ºC superiores ao valor médio do período 1971-2000, sendo o oitavo trimestre

mais quente desde 1971 (nos últimos 10 anos ocorram 5 destes trimestres).

Diversos estudos baseados nos registos, e a generalidade das projecções com base

em modelos climáticos indicam que alterações na intensidade de precipitação são

mais prováveis à medida que a temperatura global aumenta (Groisman, Knight,

Easterling, Karl, Hegerl & Razuvaev, 2005).

1.5. Cenários de emissões e modelos climáticos

1.5.1. Cenários de emissões

Os cenários de emissões permitem a avaliação das consequências ambientais e cli-

máticas das emissões futuras de gases com efeito de estufa (GEE), e a avaliação de

diferentes estratégias de mitigação e avaliação. Em 1992 o IPCC criou uma série de

cenários de emissões de GEE com o propósito de serem usados no desenvolvimento

de modelos de circulação global, denominados cenários IS92, servindo de base ao

IPCC Second Assessment Report (SAR), de 1995. Em 1996, foi criado uma nova série

de cenários, que incluem melhor definição do histórico de emissões e informação mais

actualizada sobre a estrutura económica mundial, considerando diferentes tendências

na expansão tecnológica e trilhos de desenvolvimento económico, incluindo o estrei-

tamento da diferença entre países desenvolvidos, e países em vias de desenvolvi-

mento. Estes cenários são descritos pelo Special Report on Emission Scenarios

7 http://www.ecmwf.int/publications/cms/get/ecmwfnews/1281953353922

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(SRES), e são usados no Third e Fourth Assessment Report (TAR e AR4), de 2001 e

2007, respectivamente.

O SRES consiste em quarenta cenários diferentes, cada um com diferentes assump-

ções do futuro nível de poluição por GEE, ocupação do solo, nível de desenvolvimento

económico e tecnológico, entre outros, e a maioria inclui aumento de consumo de

combustíveis fósseis. Os cenários de emissões encontram-se organizados em quatro

famílias, cada uma com características semelhantes entre os cenários que as com-

põem: A1, A2, B1, e B2. Nenhum dos cenários contempla o efeito de medidas de con-

trolo climático, tais como o Protocolo de Quioto e tem sido discutido se os cenários

SRES utilizados no AR4 de 2007 estarão obsoletos, dadas as emissões desde o ano

2000: a taxa de crescimento global de emissões após 2000 situa-se nos 3%, enquanto

a taxa considerada nos referidos cenários se situa entre os 1.4% e os 3.4%, o que

pode levantar a questão de se os cenários não serão demasiado conservativos. Con-

tudo, tratando-se de previsões a longo prazo, existe a possibilidade de a taxa da actual

década se diluir na tendência de longo prazo.

Por outro lado, alguns dos críticos dos cenários acusam-nos de sobrestimar as futuras

taxas de emissões, por incorrecta avaliação do desenvolvimento futuro dos actuais

países em vias de desenvolvimento, sobrevalorizando-a.

Para cada família, os cenários agrupam-se conforme consideram, ou não, um desen-

volvimento global harmonizado, a nível de população, produto interno bruto (PIB),

energia.

Sucintamente (IPCC, 2000),

- A família A1 descreve um futuro de crescimento económico muito acelerado,

com um pico populacional global a meados do século, e posterior declínio populacio-

nal; introdução rápida de novas e mais eficientes tecnologias; aumento da interacção

social e cultural, convergência no PIB per capita. O cenário subdivide-se noutros três,

conforme o desenvolvimento tecnológico é baseado em energia fóssil (A1F1), não fós-

sil (A1T), ou um intermédio de ambos (A1B).

- A família A2 descreve um mundo fortemente heterogéneo, com preservação

das identidades locais, pouca convergência entre diferentes regiões, aumento contí-

nuo da população global, desenvolvimento económico orientado a nível regional. Con-

sequentemente, o cenário prediz um desenvolvimento tecnológico e económico é

fragmento, e mais lento do que nos restantes cenários.

- A família B1 descreve um mundo convergente, com desenvolvimento popula-

cional semelhante ao da família A1, contudo, com forte desenvolvimento de uma eco-

nomia baseada nos serviços e na informação, com redução na intensidade de uso de

materiais e introdução de tecnologias limpas e eficientes.

- A família B2 consiste num mundo cuja procura da sustentabilidade econó-

mica, social e ambiental tem ênfase nas soluções locais. A população cresce de forma

contínua, contudo, a uma taxa inferior do que a família A2, com níveis de desenvolvi-

mento económico intermédios, e alteração tecnológica menos rápida e mais diversifi-

cada do que nas famílias B1 e A1.

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No geral, os cenários pressupõem que as forças motrizes das emissões futuras de

GEE serão as alterações demográficas, o desenvolvimento social e económico, e o

tipo e intensidade das alterações tecnológicas.

Nas Figura 4 e Figura 5, representam-se os cenários de emissões de GEE, e as

projecções de alteração nos valores de temperatura superficial, ao longo do séc. XXI,

respectivamente.

Verifica-se, de acordo com os referidos cenários, que na melhor das hipóteses as

emissões continuarão a aumentar até meados do século, e que provavelmente se

manterão acima dos valores de 2000, situando-se o aquecimento no final do século

XXI entre os 2º C e os 4º C, em relação ao final do século XX.

Figura 4 – Previsão das emissões globais de GEE, para as actuais políticas climáticas. Representam-se os 6 cenários do SRES (linhas coloridas), o percentil 80 dos cenários publicados após o SRES (área a cinzento). As

linhas a tracejado representam a totalidade dos cenários pós-SRES. In: Pacauri & Reisinger (2007)8.

8 http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/mains3.html

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19

Figura 5 – À esquerda: Resultados dos modelos relativos ao aquecimento superficial (em relação ao período

1989-1999) para os cenários SRES A2, A1B, e B1, como continuação das simulações do séc. XX; a linha a laranja representa a simulação na qual as emissões foram mantidas constantes em relação ao ano 2000; as barras a meio da figura indicam as melhores estimativas (linha sólida no interior de cada barra), e o intervalo

provável para os seis cenários SRES representados, para o período 2090-2099, em relação ao período 1980-1999. Á direita: Projecção das alterações na temperatura superficial para o início e para o fim do século XXI, em relação ao período 1980-1999. In: Pacauri & Reisinger (2007)

9.

1.5.2. Modelos climáticos

Os modelos climáticos calculam o estado do tempo em grelhas com espaçamentos de

alguns graus de latitude e longitude, ou algumas centenas de quilómetros, com resul-

tados satisfatórios para eventos de escala global. Por outro lado, todas as aplicações

devem ter em conta as incertezas da informação, que são, principalmente, os cenários

de emissões futuras, as técnicas de downscalling, e a falta de dados consistentes.

O clima regional, e em particular a precipitação, são geralmente afectados por proces-

sos a escalas espaciais consideravelmente inferiores às escalas típicas dos modelos

climáticos acoplados (coupled climate models). De modo a obter informação sobre o

clima a tais escalas, podem ser usadas três técnicas (de “regionalização”):

a) simulações “time-slice” com modelos de circulação geral da atmosfera (AGCM);

b) downscalling dinâmico recorrendo a modelos climáticos regionais;

c) métodos de downscalling estatístico.

As actuais políticas ambientais, de gestão de recursos naturais, e de mitigação de

impactes das alterações climáticas assentam nos resultados dos modelos climáticos,

pois estes possibilitam o estudo do modo como o clima da Terra responde a pequenas

alterações quer na intensidade da recepção de energia solar, que na adição pelo

Homem de GEE na atmosfera, através de simulações numéricas baseadas em leis

físicas.

A representação da evolução do clima a nível global ou regional (GCM, ou RCM, res-

pectivamente) é feita através de equações matemáticas que pretendem descrever, de

forma aproximada, os principais processos físicos e químicos. Enquanto algumas

representações são bastante aproximadas aos processos que pretendem representar,

9 http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/figure-3-2.html

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outras, pelo contrário, são bastante incipientes, devido ao processo ser demasiado

complexo para ser simulado em computador em tempo útil, ou por não se conhecer de

forma suficientemente detalhada alguns processos naturais. As variáveis mais

comummente representadas são:

Na atmosfera: a temperatura atmosférica, a pressão atmosférica, os campos de

ventos e nuvens, o vapor de água, a precipitação;

Nos oceanos: a salinidade, temperatura, correntes.

Os GCM actuais já são capazes de reproduzir de forma fiável a distribuição sazonal de

pressão e temperatura, consistindo em representações matemáticas de processos

físicos na atmosfera e oceano, e a sua interacção.

Um conceito fundamental é o de hierarquia dos modelos climáticos, em função da sua

complexidade, dimensão das variáveis consideradas, e de resolução espacial, pode-se

optar por diferentes tipos de modelos, conforme o problema que se pretende estudar.

As componentes do sistema climático mais importantes para as alterações climáticas e

suas consequências são: a atmosfera, os oceanos, a biosfera terrestre, os glaciares e

superfícies geladas, e a topografia (IPCC, 1997). De modo a avaliar o impacto da

Humanidade no sistema climático, é necessário estimar os efeitos dos processos-

chave que actuam no sistema, e as interacções entre estes. Os referidos processos

climáticos podem ser representados através de termos matemáticos baseados nas leis

físicas, tais como a conservação de massa, momento, e energia, e a implementação

em computador da formulação matemática é o que se define como “modelo”. Se o

modelo incluir um número suficiente de componentes do sistema climático, pode ser

designado por “modelo climático”.

A resolução espacial do modelo é dada pelo espaçamento entre pontos de cálculo da

grelha, nos quais são representadas as quantidades físicas que variam continuamente

no espaço (e.g., a precipitação). Nos modelos mais complexos, como os AOGCM

(atmosphere-ocean coupled general circulation models), tais quantidades são repre-

sentadas numa grelha tridimensional (latitude, longitude, altitude), com resoluções

horizontais típicas das centenas de quilómetros. Concretamente, a resolução típica

dos modelos GCM passou dos 500 km no primeiro relatório do IPCC (datado de 1990),

para cerca de 100 km no quarto relatório (2007). Actualmente, os GCM possuem

resoluções formais típicas dos 100 a 200 km (grid-scales), pelo que permitem o estudo

satisfatório de características climáticas de larga escala, como a circulação geral

atmosférica e oceânica, e os regimes subcontinentais de precipitação e temperatura,

por exemplo. Contudo, a sua resolução real é da ordem de 6 a 8 larguras de grelha, ou

seja, da ordem de 1000 km (Rummukainen, 2010), o que não permite o estudo de

aspectos climáticos importantes a nível regional, como as precipitações intensas.

Contudo, mesmo os modelos mais avançados possuem resoluções espaciais muito

inferiores à escala de alguns elementos fundamentais do sistema climático (e.g., as

nuvens, a topografia). Os modelos disponíveis que permitem a consideração deta-

lhada desses elementos são demasiado exigentes computacionalmente para a tecno-

logia disponível, pelo que os modelos climáticos representam de forma grosseira

esses processos na sua grelha. A formulação do efeito de um processo de pequena

escala na grelha do modelo é designado por “parametrização” (IPCC SAR WGI: Sec-

ção 1.6.1), (Rummukainen, 2010), aplicável, por exemplo, às correntes oceânicas, ou

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ao vento, cuja elaboração pode influenciar de forma muito acentuada o comporta-

mento do modelo. Os modelos climáticos possuem limitações espaciais e temporais,

pelo que os processos físicos que ocorrem em escalas pequenas necessitam de ser

parametrizados, através de relações semi-empíricas (ENSEMBLES, 2009).

A maioria dos modelos usados pelo IPCC, e os dois modelos globais utilizados pelo

ENSEMBLES, são do tipo AOGCM (Figura 6), que resolvem as equações relativas à

atmosfera e aos oceanos aproximando os seus domínios a grelhas volumétricas, ou

boxes, ligadas por fluxos, e a cada uma é atribuída um valor médio para propriedades

como a temperatura, humidade (atmosfera), salinidade (oceano). O tamanho da box

corresponde à resolução espacial do modelo, e costuma-se assumir que o realismo

das simulações climáticas aumenta com o aumento da resolução destes.

Figura 6 - Esquema de um Modelo Atmosférico Global, NOAA.

Nos AOGCM‟s é descrita a circulação oceânica, o modo como transporta a energia

solar absorvida ao longo da Terra, e o modo como ocorrem trocas de calor e humi-

dade com a atmosfera. Geralmente também incluem modelos que descrevem o modo

como a vegetação, o solo, o gelo e a neve trocam energia e humidade com a atmos-

fera.

Num modelo simples, que não considere feedback a qualquer alteração, o aumento de

40% de CO2 na atmosfera (valor que se estima ser o aumento antropogénico nos últi-

mos 150 anos) resultaria num aumento de cerca de 0.5 °C da temperatura média glo-

bal, de modo a recuperar o balanço de energia. Contudo, acredita-se que o aumento

da temperatura afecte outros elementos do sistema climático, como as nuvens e o

vapor de água. Esses outros impactes, indirectos, podem amplificar o aquecimento

devido somente ao aumento de CO2 na atmosfera, ou reduzi-lo. Essa amplificação é

sobretudo devida ao aumento de vapor de água, o principal GEE da Terra, e diminui-

ção das nuvens de baixa e média altitude, causando então um aumento da absorção

de radiação solar pelo sistema, resultando num maior aquecimento.

Os RCM complementam os GCM, de modo a adicionar maior detalhe aos modelos

climáticos globais, possuindo, actualmente, resoluções típicas dos 25 a 50 km. A

impossibilidade tecnológica de aumentar a resolução dos modelos globais de modo a

aprimorar o estudo regional, levou ao desenvolvimento de outros métodos, como o

downscaling, sendo os principais tipos de dowscaling o estatístico e o dinâmico. O

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dowscaling estatístico consiste na procura de relações estatísticas robustas entre

variáveis climáticas de larga escala, como a pressão média na superfície oceânica, e

outras variáveis locais, como a temperatura, ou a pressão. O dowscaling dinâmico,

através de RCM, consiste nos mesmos processos físicos e dinâmicos climáticos

empregues nos GCM, que podem ser aplicados, por exemplo, num GCM com resolu-

ção variável, mais detalhada na área de interesse (Rummukainen, 2010).

A premissa inicial na modelação regional é que os dados resultantes dos GCM podem

ser usados como condição de fronteira, ou forçamento (to force, ou to drive, na litera-

tura anglo-saxónica) nos RCM, sobre uma dada área, dado que o clima numa qual-

quer região do mundo, é afectado pelo clima no resto do globo. As condições de fron-

teira básicas são a temperatura, a humidade, os campos de ventos, e as temperaturas

superficiais marítimas.

A qualidade das simulações depende não só do modelo per se, mas também da quali-

dade dos dados usados como condição de fronteira. Um dos modos de afinar os

modelos é recorrendo a condições meteorológicas observadas, e não resultantes de

GCM (Rummukainen, 2010).

A natureza não linear do sistema climático torna as previsões climáticas dinâmicas

sensíveis à incerteza resultante das condições iniciais, e ao modelo em uso. A incer-

teza na formulação do modelo é devida à incapacidade dos modelos dinâmicos em

simular com detalhe todos os aspectos do sistema climático pelo que os processos de

escala inferior à resolução do modelo têm de ser parametrizados, através de relações

semi-empíricas (ENSEMBLES, 2009).

Um grupo de simulações comparáveis é designado, na literatura anglo-saxónica, por

ensemble. A utilização de ensembles permite o aumento da fiabilidade das estimativas

das propriedades em estudo, pois consiste, simplesmente, no aumento da amostra, e

a variação de resultados ao longo dos vários modelos que compõe o ensemble per-

mitem estimar a incerteza. Os ensembles produzidos com o mesmo modelo mas com

diferentes condições iniciais apenas caracterizam a incerteza associada à variabili-

dade numérica interna do modelo, enquanto os ensembles multi-modelo incluem a

simulação por diferentes modelos (Stocker, Dahe, Plattner, Tignor, & Midgley, 2010).

As maiores fontes de incerteza na definição dos modelos climáticos são:

- Incertezas associadas às diferentes classes de erros dos modelos, incluindo a asso-

ciada à estrutura de modelação, e aos parâmetros que controlam os resultados dos

processos cuja escala é inferior à da grelha;

- Condições iniciais (e.g., temperatura oceânica);

- Downscaling dinâmico entre GCM e RCM, e dos RCM para os modelos de impactes;

- Downscaling estatístico, tipicamente de GCM para ponto;

- Incertezas associadas às observações climáticas, incluindo os padrões de distribui-

ção dos constituintes atmosféricos (e.g., a distribuição da concentração de Ozono)

- Expressão das emissões de GEE em concentração atmosférica;

- Os cenários sócio-económicos nos quais os cenários de emissões são baseados;

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- As respostas dos sistemas sócio-económicos às alterações no clima, nomeadamente

através das emissões antropogénicas de GEE.

As projecções dos RCM fornecem cenários plausíveis de alterações ao nível regional,

consistentes com as mudanças em larga escala. No entanto, dependem da grande

incerteza associada às projecções dos GCM. O IPCC admite que a maior fonte de

incerteza nos modelos é o feedback das nuvens de baixa altitude, nomeadamente no

modo como a nebulosidade se altera com o aquecimento, sendo que todos os mode-

los climáticos usados pelo IPCC reduzem a nebulosidade a baixa e média altitude com

o aquecimento do sistema climático, resultando num feedback positivo (Treberth &

Fasullo, 2009).

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2. Alterações climáticas e o ciclo hidrológico

2.1. A influência das alterações climáticas na precipitação

Uma das principais consequências das alterações climáticas será a sua influência no

ciclo hidrológico. Ao longo deste capítulo discute-se os princípios físicos que governam

o clima, citando alguns dos principais estudos sobre detecção e previsão de alterações

no ciclo hidrológico, e as suas consequências. Apesar de se pretender focar a área

geográfica de Portugal Continental, não se deixa de citar os resultados mais impor-

tantes para a Europa e para o Mundo.

Existe muita informação recolhida em estações hidrométricas e meteorológicas ao

longo do último século e meio, um pouco por todo o mundo. No entanto, a qualidade

dos dados é muitas vezes limitada, devido a vários problemas: séries temporais

interrompidas durante alguns anos, evolução dos métodos de recolha de dados. Os

resultados mais fiáveis são os que dizem respeito à temperatura e ao nível do mar

(EuroFlood, 1994).

A análise de registos de diversas variáveis (temperaturas, precipitação, nível médio

das águas do mar, entre outros) permitem detectar alterações em retrospectiva e,

eventualmente, detectar tendências em relação a um período neutro, em termos de

factores antropogénicos: o período pré-industrial. Como resultado das diferentes

técnicas e instrumentos usados a nível global, das dificuldades inerentes ao registo de

fenómenos naturais, o registo e análise da precipitação está longe de ser trivial (IPCC-

TAR, 2001). As estações pluviométricas são incapazes de registar a totalidade da

precipitação ocorrida, devido ao vento, eventos pouco intensos, e precipitação sólida.

A utilização de satélites para estimar precipitação apenas se generalizou nas últimas

três décadas, pelo que não possibilita o estudo de variações inter-decenais. O estudo

da evolução da precipitação deve ser alargado a outras variáveis dela dependentes

(IPCC-TAR, 2001).

Já foi possível detectar alterações em vários parâmetros climáticos, tais como, a

temperatura do ar à superfície terrestre, pressão atmosférica ao nível do mar,

temperatura atmosférica, espessura da tropopausa e quantidade de calor retido nos

oceanos. Contudo, ainda não foram detectadas alterações de origem antropogénica

na precipitação à escala global, em parte porque alterações em diferentes regiões se

cancelam entre si, reduzindo desse modo a evidência de alterações generalizadas em

termos médios (Zhang et al., 2007).

A realização de simulações climáticas sobre períodos com registos permite testar

hipóteses sobre as causas das alterações climáticas, e de acordo com IPCC (2007), a

explicação das alterações na precipitação média em algumas regiões não é obtida

apenas com a inclusão, nas simulações, dos efeitos das erupções vulcânicas,

sugerindo que a diferença é o efeito da influência antropogénica.

Com base no aumento da temperatura média global, é expectável alteração em

diversas variáveis climáticas, nomeadamente, aumento da evaporação global, e como

consequência, do conteúdo de vapor de água na baixa troposfera, e da precipitação,

ou seja, intensificação do ciclo hidrológico (van Aalst, 2006), (Huntington, 2006), (Held

& Soden, 2006), (IPCC WGI, 2007). Contudo, serão de esperar diferenças

substanciais entre diferentes regiões, por exemplo, um aumento maior de precipitação

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nas latitudes mais a Norte, e nas latitudes intermédias durante o Inverno (EuroFlood,

1994), (Zhang et al., 2007).

Enquanto as alterações dos padrões médios podem ter diversas consequências per si,

o maior impacte das AC pode residir nas alterações na variabilidade climática e nos

extremos meteorológicos, nos quais já foi possível identificar algumas perturbações

(van Aalst, 2006).

A frequência dos extremos altera-se de forma não-linear com as alterações na média

da distribuição, pelo que uma pequena alteração na média pode resultar numa grande

alteração na frequência dos extremos, contudo, uma alteração na variância da

distribuição terá um efeito maior na frequência dos extremos do que uma alteração na

média (Katz & Brown, 1992).

A precipitação é um campo mais difícil de modelar do que a temperatura pois a sua

distribuição está associada a processos cuja escala é mais pequena, não resolúveis

com modelos de grande escala. Como consequência, os resultados relativos à

precipitação variam muito mais de modelo para modelo do que os relativos à

temperatura. Modelos teóricos, simulações de modelos climáticos e evidências

empíricas demonstram que um clima mais quente, através do aumento do vapor de

água, conduz a precipitações mais intensas mesmo quando a precipitação anual

acumulada diminui ligeiramente, e é de esperar eventos ainda mais extremos quando

o total de precipitação aumenta. Portanto, um clima mais quente conduz ao aumento

do risco de seca (quando não chove) e de cheias (quando chove), em locais e/ou

instantes distintos. Os modelos que permitem simular a precipitação são capazes de

predizer as principais características dos padrões observados, desde que se considere

as características regionais relevantes (EuroFlood, 1994).

As principais alterações na precipitação devidas às alterações climáticas são, com

grande probabilidade, a intensidade, frequência e duração dos eventos (Trenberth,

Dai, Rasmussen, & Parsons, 2003), (Meehl, Zwiers, Evans, Knutson, Mearns, &

Whetton, 2000)

Através da queima de sulfatos, pó mineral, e carbono negro, a Humanidade é

responsável pela produção de aerossóis com o potencial de afectar localmente o ciclo

da água, inicialmente pela supressão de precipitação nas áreas mais poluídas, e

através da redução da recepção de radiação solar à superfície (Huntington, 2006). O

principal mecanismo responsável pela diminuição da precipitação localmente é o

aumento da concentração de partículas aerossóis, que aumentam a concentração do

núcleo de condensação das nuvens, reduzindo o tamanho médio das gotas de chuva,

o que resulta numa menor coalescência entre as gotas (Ramanathan, Krutzen, Kiehl &

Rosenfeld, 2001). Contudo, a redução da incidência de radiação solar à superfície

diminui a evaporação, e consequentemente, a precipitação. O potencial para

diminuição da evaporação e aumento da precipitação sobre terra é apenas possível se

ocorrer advecção de ar húmido a partir dos oceanos para terra (Wild, Ohmura, Gilgen

& Rosenfeld, 2004) pelo que é ainda incerto se o efeito global dos aerossóis será o de

redistribuição da precipitação, afectando zonas fortemente poluídas, ou se o

enfraquecimento geral do ciclo hidrológico (Huntington, 2006).

A precipitação forma-se, geralmente, no ar ascendente que se expande e desse modo

arrefece. A força ascensional pode resultar do ar a elevar-se sobre montanhas, do ar

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quente a sobrepor-se ao ar frio (frente quente), do ar frio a penetrar sobre o ar quente

(frente fria), convecção sobre uma superfície quente localizada, entre outros. Como

referido, uma das consequências do aquecimento induzido pelo Homem através do

efeito de estufa é o aumento da evaporação, no caso de disponibilidade hídrica

(sempre presente nos oceanos e outras superfícies líquidas). O calor usado na

evaporação provoca um menor aquecimento do ar, o que explica o motivo de os

Verões tenderem a ser quentes e secos ou frescos e húmidos.

Nas latitudes intermédias, a quantidade de vapor de água presente na atmosfera é

cerca de 25 mm, sendo este um valor próximo da média global. Contudo, a eficiência

dos mecanismos de precipitação não é muito elevada: destes 25 mm, apenas cerca de

30%, pode realmente precipitar, ou seja, cerca de 7.5 mm. Por outro lado, a

precipitação média global estimada é de cerca de 2.8 mm dia -1, aproximadamente o

mesmo valor da taxa de evaporação global, que no Verão pode chegar aos 5 mm dia -1.

Então, a humidade necessária para os fenómenos de precipitação moderados ou

intensos não provém directamente da evaporação mas sim do transporte por

advecção, e tal se torna mais evidente se atendermos a que apenas chove 5% a 10%

do tempo.

2.1.1. Vapor de água na troposfera

A base teórica para a expectativa da intensificação do ciclo hidrológico reside na

relação de Clausius-Clapeyron, que permite relacionar a temperatura da atmosfera

com a sua capacidade de armazenamento de vapor de água. Dado que a precipitação

é resultado, fundamentalmente, de sistemas meteorológicos alimentados pelo vapor

de água presente na atmosfera, é de esperar que a intensidade de precipitação e o

risco de precipitações intensas aumente num clima mais quente. O aumento global da

capacidade de retenção de água na atmosfera num clima mais quente é fisicamente

consistente com o aumento da precipitação, e com o aumento da intensidade de

precipitação em algumas regiões (Meehl, Zwiers, Evans, Knutson, Mearns & Whetton,

2000).

Tem-se verificado o aquecimento generalizado dos oceanos, muito provavelmente por

causas antropogénicas, o que origina como consequência directa o aumento da

quantidade de vapor de água na atmosfera, sobre os oceanos (IPCC WGI, 2007).

Uma atmosfera mais quente possui um ponto de saturação em conteúdo de vapor de

água superior (Lenderink & van Meijgaard, 2009). Como tal, uma consequência do

aquecimento global, na baixa troposfera, é o aumento do vapor de água atmosférico (o

GEE dominante), e consequentemente, também do risco de precipitação intensa,

enquanto, por outro lado, a superfície continental torna-se mais seca, aumentado a

incidência e severidade das secas.

A adição de vapor de água à atmosfera aumenta o risco de eventos de precipitação

intensa (Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003), (Trenberth, 1999) mesmo

quando o total de precipitação se mantém constante, com perspectivas de eventos

ainda mais intensos no caso de aumento da precipitação total (Katz, 1999).

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27

A humidade específica10 da troposfera aumenta com o aumento da temperatura

superficial, de forma aproximadamente exponencial, enquanto a humidade relativa11

se mantém aproximadamente constante, tal como tem sido observado à superfície, na

camada limite, e na baixa e média troposfera em alguns locais do hemisfério Norte (no

hemisfério Sul e na alta troposfera não existem dados fiáveis e em quantidade

suficiente); sendo um resultado robusto da simulação computacional (Lenderink & van

Meijgaard, 2009). Tal verifica-se principalmente nas latitudes mais elevadas, dado que

nestas o ar está mais frequentemente próximo da saturação, e nessas latitudes a

humidade relativa é, de facto, aproximadamente constante ao longo das mudanças de

temperatura sazonais. Nas latitudes mais baixas, a humidade relativa parece ser

pouco susceptível face a um aquecimento global, mesmo nos modelos de muito alta

resolução. O pressuposto de que a humidade relativa se mantém constante num clima

em aquecimento tem sido corroborado pelas observações (Soden, Wetherald,

Stenchikov & Robock, 2002).

A humidade específica à superfície aumentou de forma generalizada desde 1976

(IPCC WGI, 2007), associada ao aumento de temperatura, tanto continental como

oceânica. A coluna de vapor de água total sobre os oceanos aumentou cerca de 1.2 ±

0.3% por década entre 1988 e 2004, consistente com o aumento da temperatura

superficial oceânica, e enquanto a humidade relativa se mantém aproximadamente

constante. A coluna de vapor de água total terá aumentado cerca de 4% desde 1970,

com forte correlação com a temperatura superficial oceânica. Do mesmo modo, tem

sido identificado uma tendência de aumento da humidade específica da alta troposfera

no período 1982 a 2004, variável que provavelmente potencia o efeito de estufa.

De acordo com a relação de Clausius-Clapeyron, um clima mais quente implica o

aumento da quantidade de água na atmosfera, o que aumentará o potencial para a

libertação do calor latente durante a formação de sistemas de baixa pressão, e

portanto, possibilitando a intensificação dos sistemas e disponibilizando mais água

para precipitação (Christensen & Christensen, 2003). A referida relação, para a

pressão de saturação do vapor, tem a seguinte forma (Held & Soden, 2006):

(1)

onde,

es – pressão de saturação de vapor;

L – calor latente de vaporização;

R – constante de gás;

T – temperatura (K).

Nas temperaturas típicas da baixa troposfera, α ≈ 0.07ºC-1, ou seja, a pressão de

saturação de vapor aumenta aproximadamente 7% por cada aumento de 1 ºC na

temperatura. Portanto, se a resposta de equilíbrio da temperatura da baixa-troposfera

for de 3 ºC para uma duplicação da concentração de CO2 na atmosfera (como se

10

Rácio da massa de vapor de água na atmosfera pela massa total do sistema 11

Rácio da pressão de vapor pela pressão de saturação de vapor

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admite, actualmente), isto corresponde a um aumento de 20% de es (Held & Soden,

2006).

A hipótese de que a referida relação pode explicar as alterações futuras na

precipitação extrema baseia-se em (Lenderink & Meijgaard, 2008):

a) A humidade relativa da atmosfera continua relativamente constante à medida

que o clima se altera, resultando que a quantidade de água precipitável

aumente com o valor de saturação;

b) A precipitação intensa é principalmente determinada pela quantidade de água

precipitável na atmosfera;

c) A natureza da circulação atmosférica, que rege as causas da precipitação, não

se altera significativamente.

Enquanto os dois primeiros pontos são válidos à grande escala, o terceiro tem sido

questionado. Muitos GCM predizem alterações na circulação atmosférica global, e

consequentes alterações na precipitação. À escala da precipitação convectiva12, o

aumento do calor latente pode levar a uma intensificação da upward motion,

excedendo o efeito da relação de CC (Lenderink & Meijgaard, 2008).

A relação de CC não é verificada em todos os modelos climáticos, e não é verificada

de forma consistente nos registos a nível global (Lenderink & van Meijgaard, 2009),

não existindo demonstração conceptual de que os extremos de precipitação sigam

exactamente a relação.

As medições de vapor de água na atmosfera por satélite recorrendo ao Special Sensor

Microwave/Imager (SSM/I), desde 1988, mostram uma tendência significativa de

aumento do vapor precipitável na atmosfera de 1.2 0.3% por década, em média

sobre os oceanos, à escala global (IPCC WGI, 2007) - Figura 7. Soden et al. (2005)

demonstra que tal tendência é bem simulada pelos modelos atmosféricos que

consideram os valores de temperatura superficial do mar (SST) observados, cujo

aumento é considerado como sendo em grande parte devido a factores

antropogénicos. Usando o referido SSM/I nos oceanos tropicais, Allan & Soden (2008)

concluem que eventos de precipitação extremos ocorrem nos períodos quentes da

temperatura superficial marítima, e diminuem durante os períodos frios, e que as

simulações por modelos reproduzem bem os eventos de precipitação observados.

12

Eventos convectivos – ocorrências de precipitação convectiva numa area não superior a 10 km de largura, por um periodo inferior a cerca de meia hora.

Figura 7 – Anomalia média global do vapor de água observada e das simulações com o modelo AGCM

GFDL AM2-LM2, em relação ao período 1987-2000. In: Soden et al. (2005).

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29

Apesar das variações regionais, e incerteza nos dados, (New, Hulme, & Jones, 2000)

referem que o conteúdo em vapor de água da atmosfera aumentou nas latitudes acima

dos 30ºN, durante o período 1975-1995, com base nos registos desse período.

Lenderink & van Meijgaard (2009) relacionaram registos de precipitação horária e

diária com os da temperatura média diária (representando a temperatura da massa de

ar) na Europa Central, concluindo que para eventos mais extremos de precipitação

horária e para temperaturas abaixo dos 10ºC, a relação de CC se verifica. Para

valores mais elevados de temperatura, encontraram uma relação de cerca de 14%/ºC;

e para eventos de precipitação moderados (como o percentil 75) não identificaram

qualquer relação. Para eventos de precipitação diária, a relação identificada pelos

autores era mais próxima, ou abaixo, da relação de CC.

Também se espera, como consequência do aumento dos GEE, o aumento do

transporte horizontal de vapor de água (Held & Soden, 2006), conduzindo a menor

disponibilidade nos subtrópicos e em parte dos trópicos, e a um aumento da

precipitação na região equatorial e nas latitudes mais elevadas. Simulações da

precipitação média continental referentes ao séc. XX mostram um aumento junto ao

equador e nas latitudes mais elevadas, e uma diminuição nas regiões subtropicais do

HN; as projecções referentes ao séc. XXI reflectem um efeito semelhante.

O rácio entre a quantidade de precipitação que advém da própria região e a que é

transportada por advecção para a região, é conhecido por rácio de „reciclagem‟,

variando substancialmente entre valores mínimos no Inverno, e máximos no Verão.

Em Portugal Continental, esse rácio numa escala de 1000 km, varia entre os 15% e os

20% (Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003).

2.1.2. Alterações na precipitação anual

Partindo do pressuposto que o vapor de água troposférico é controlado por uma

variação aproximadamente nula da humidade relativa (como discutido no subcapítulo

anterior), e pela relação de CC, seria de esperar um aumento exponencial na

precipitação global (e do ciclo hidrológico no geral) à medida que as temperaturas

aumentam. Contudo, tal não se tem verificado nos modelos climáticos (Allen & Ingram,

2002). Um dos resultados mais robustos em todos os modelos é o aumento da

evapotranspiração potencial num clima mais quente, e é de esperar que o aumento da

evaporação coíba o aumento da temperatura.

Allen & Ingram (2002), através de simulações com vários modelos atmosféricos

acoplados a modelos oceânicos, relacionaram o aquecimento médio global, próximo à

superfície, de equilíbrio e a longo prazo, ΔT, com o aumento de precipitação, ΔP, num

cenário de duplicação da concentração de CO2 na atmosfera. Aparentemente, a

precipitação média continental não segue simplesmente a resposta da temperatura

global ao forçamento, parecendo ser dominada pelo forçamento natural (solar e

vulcânico), que varia em menores escalas temporais; por outro lado, as alterações na

temperatura são dominadas pelo forçamento antropogénico (de clara tendência

crescente, sem oscilação). Os resultados aparentam indicar um aumento de 3.4% de

precipitação por ºC, bastante inferior aos 6.5% da relação de CC. Por outro lado, de

acordo com esses resultados, os efeitos do aumento de temperatura na precipitação

apenas começam a partir do aumento de 1.4º C.

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30

Uma explicação possível é que a intensidade do ciclo hidrológico é controlada

principalmente pela disponibilidade de energia (Allen & Ingram, 2002), e não (ou pelo

menos, não somente) pela disponibilidade de vapor de água. Mais concretamente,

será controlada pela capacidade da troposfera de irradiar o calor latente libertado pela

precipitação.

A anomalia global anual de precipitação no período 1900-2005 estimada pelo Global

Historical Climatology Network (GHCN), em relação ao período 1981-2000 não

apresenta nenhuma tendência linear estatisticamente significativa no global dos 106

anos (IPCC WGI, 2007), contudo, ao longo da série, é possível identificar diferentes

tendências em diferentes períodos - Figura 8.

Figura 8 – Anomalias de precipitação continental global anual entre 1900 e 2005, em relação ao período 1981-2000, com base no GHCN. As curvas coloridas representam variações decenais de acordo com vários modelos

climáticos. In: IPCC (2007).

De acordo com os registos estudados por Dai, Fung & Del Genio (1997), a

precipitação continental anual global aumentou ligeiramente ao longo do séc. XX a

uma taxa aproximada de 1.1 mm por década, ou cerca de 2% ao longo do século,

sendo este um aumento estatisticamente significativo, contudo, não é uniforme no

tempo nem no espaço (IPCC-TAR, 2001). De acordo com os dados estudados pelos

autores, a nível global, a precipitação manteve-se relativamente estável, ou aumentou

ligeiramente, entre 1900 e o início da década de 1940; aumentou abruptamente de

meados da década de 40 até meados da década de 50; e no período subsequente

manteve-se bastante elevada, na maioria dos locais continentais, excepto nos

Trópicos; nas latitudes 40ºN – 60ºN, a tendência de aumento é mais pronunciada nos

meses de Março a Maio (Dai, Fung & Del Genio, 1997).

A actual importância do forçamento natural face à actual composição da atmosfera em

GEE, a falta de dados de precipitação sobre as massas oceânicas, e dado tendências

regionais opostas se cancelarem entre si, não tem sido possível identificar com

elevado grau de confiança uma tendência para a precipitação em grande escala até à

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31

data, nem provar que as anomalias verificadas são devidas à acção humana sobre o

ambiente.

2.1.3. Alterações regionais de precipitação

O aumento de precipitação nos quantis de precipitação mais elevados tem sido

observado em vários estudos regionais (Dai, Fung & Del Genio, 1997), (Hulme,

Osborn & Johns, 1998), (IPCC TAR, 2001), e a teoria, modelação climática e as

evidências empíricas, todas apontam para que num clima mais quente, a intensidade

de precipitação aumente mesmo quando o total de precipitação se mantém constante,

com fortes perspectivas de eventos ainda mais intensos nos casos em que a

precipitação total anual aumente (Karl & Trenberth, 2003). Allen & Ingram (2002)

sugerem que a tendência geral é a de que a precipitação aumente nas regiões onde é

elevada, e que diminua onde a evaporação é elevada.

Os registos demonstram que o aumento de precipitação nas latitudes intermédias e

altas do HN ao longo do séc. XX é acompanhado por uma tendência de aumento de

eventos extremos (ou diminuição do seu período de retorno), contudo, não uniforme

(JRC, 2005).

Como referido, em termos globais a tendência apenas é significativa na primeira

metade do século, mas entre as latitudes 30ºN e 85ºN o aumento de precipitação terá

sido da ordem dos 7% a 12% (Hulme, Osborn & Johns, 1998).

Dai, Fung, & Del Genio (1997) analisaram dados de precipitação continental

procedente de estações meteorológicas a nível global referentes ao período 1900-88,

concluindo que a Oscilação do Atlântico Norte (NAO) será responsável por cerca de

10% da variabilidade da precipitação de Dezembro a Fevereiro observada nas regiões

circundantes do Atlântico Norte, e nos Invernos com índice NAO elevado, ocorrem

valores de precipitação abaixo do normal no Sul da Europa.

Os modelos estudados por Zhang et al. (2007) sugerem que causas antropogénicas

induziram um ligeiro aumento no valor médio de precipitação e uma redistribuição de

latitude da precipitação: aumento de precipitação a latitudes elevadas e diminuição

nas latitudes subtropicais - Figura 9.

Estes valores para a Europa encontram-se fortemente relacionados com valores

positivos da Oscilação do Atlântico Norte (NAO), com mais condições de anti-ciclone

no Sul da Europa, e Ventos do Oeste (Westerlies) mais intensos no Norte (IPCC-TAR,

2001). O Sul e algumas zonas centrais da Europa e Norte de África são caracterizados

por um Inverno (DJF) mais seco durante as fases positivas de NAO, enquanto o

oposto se verifica nas ilhas Britânicas, Escandinávia, e Noroeste da Rússia.

Klein Tank, Wijngaard & van Engelen (2002) detectaram uma tendência negativa na

quantidade de precipitação anual e no número de dias húmidos (precipitação superior

a 1 mm) no período 1946-1999 para os países do Sul da Europa, contrária à média

europeia, com maioria clara de estações pluviométricas com tendência crescente no

número de dias moderadamente e muito húmidos13 (IPCC WGI, 2007).

13

Entendendo-se como dia húmido, um dia com precipitação acumulada superior a 1 mm; dia moderadamente húmido, o percentil 75 dos dias húmidos; dia muito húmido, o percentil 95 dos dias húmidos.

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32

A tendência no Mediterrâneo é a de diminuição do total de precipitação anual (Alpert,

et al., 2002), em particular, na zona central-ocidental. Os registos de precipitação de

1951-1995 mostram uma diminuição na média de cerca de 10-20% no total de

precipitação (Alpert et al., 2002).

Figura 9 – Alterações nos valores registados e simulados de precipitação continental anual de 1925 a 1999. À

esquerda, anomalias observadas de precipitação por bandas de latitude de 10º (linha preta); média das anomalias de precipitação anual de um conjunto de 50 simulações (linha azul); as linhas azul e vermelha a tracejado indicam as tendências; o sombreado verde identifica as bandas com tendência de aumento; o

sombreado amarelo identifica as bandas com tendência decrescente; o sombreado cinzento identifica as bandas nas quais as tendências observadas e simuladas diferem. À direita: o mapa indica as bandas de 10º de latitude nas quais o sinal das tendências é igual; zonas com dados insuficientes a branco. In: Zhang, et al.

(2007).

No último século, verifica-se uma tendência negativa na precipitação de Dezembro a

Fevereiro na Península Ibérica, particularmente a partir de 1980, tendo ocorrido secas

relativamente rigorosas em diversos Invernos (PNA, 2001).

Através do ECA&D, Klein Tank, Wijngaard & van Engelen (2002) estudaram o período

1946-1999, tendo concluído que para Portugal Continental, a tendência na

precipitação anual não possui significância ao nível de 25%, sendo relevante em

grande parte da Europa Central. Relativamente ao número de dia húmidos (> 1mm), a

tendência é negativa mas não significante ao nível de 5%, ou não significante na maior

parte do país, contudo, o extremo Sul apresenta uma tendência de diminuição superior

a 9% por década.

Dai, Fung, & Del Genio (1997) indicam que para a região de Portugal Continental, o

intervalo médio entre ocorrência de dois meses húmidos (>1 σ) é de cerca de 6 a 7

meses; enquanto o intervalo médio entre ocorrência de dois meses muito húmidos

(>1.5 σ) é de cerca de 50 meses. No Quadro 1 apresenta-se a anomalia de

precipitação para diferentes períodos do séc.XX, de acordo com IPCC (2001).

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Quadro 1 - Variação percentual de precipitação para os diferentes períodos de alteração substancial das taxas globais, para Portugal Continental, e variação no período 1900-1999. Valores em relação ao período 1961-1990. A partir de IPCC (2001).

Período Tendência na precipitação anual

1910-1945 + 4 %/década

1946-1975 + 8 %/década

1976-1999 - 8 %/década

1900-1999 - 20 %/século

Na Figura 10 a), b) e c) apresenta-se número de dias com precipitação igual ou

superior a 10 mm para cada ano na segunda metade do séc. XX, para as estações

meteorológicas Beja (Sul de Portugal Continental), Santarém (Centro) e Vila Real

(Norte), de acordo com as informações disponibilizadas pelo ECA&D14. Na Figura 10

d), e) e f) apresenta-se o mesmo, mas para o número de dias com precipitação igual

ou superior a 20 mm. Os gráficos parecem evidenciar uma tendência de diminuição do

número de dias por ano com precipitação intensa e muito intensa de forma

generalizada ao longo do país, ao longo da segunda metade do século passado.

Mendes & Coelho (1993) analisaram séries de precipitação referentes ao ano agrícola

(de Setembro a Agosto) e às quatro estações, tendo constatado que do trinténio 1931-

60 para o trinténio 1961-90 o total anual não sofreu alteração substancial, contudo,

verificaram o decréscimo de precipitação na Primavera (de Março a Maio) e o aumento

da precipitação no Inverno (de Dezembro a Fevereiro).

Diversos autores concluem pela diminuição de precipitação no mês de Março (Corte-

Real, Qian & Xu, 1998), (Norrant & Douguédroit, 2006), (Guerreiro, Abreu & Lajinha,

2009) estando esta anticorrelacionada com o NAO (PNA, 2001). Norrant &

Douguédroit (2006) analisando dados entre o período 1950-2000 não encontraram

tendências significativas no total de precipitação, número de dias húmidos, e

precipitação média diária nos restantes meses (de Setembro a Maio).

Portela & Quintela (2001) recorreram à análise de séries de precipitação para 11

postos udométricos nas bacias hidrográficas dos rios Tejo e Douro , através de médias

móveis e de quebras de homogeneidade, tendo concluído pela:

- Diminuição, pouco acentuada, da precipitação anual em grande parte dos postos

analisados;

- Diminuição da precipitação no 2.º Trimestre (JFM) na generalidade dos postos (por

médias móveis de 15 anos) a partir de 1969/70, com particular ênfase no mês de

Março.

14 O projecto European Climate Assessment & Dataset (ECA&D) reúne séries diárias

de diversas variáveis monitorizadas num total de 3339 estações meteorológicas em 61

países. Para além da disponibilização dos dados (em http://eca.knmi.nl), o projecto

estuda alterações no estado do tempo e nos extremos climáticos. Com base nesta

informação, encontra-se disponibilizada uma grelha de informação ao nível diário de

observações de temperatura e precipitação, denominada E-OBS versão 3.0.

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d) f) e)

a) c) b)

Figura 10 – a), b) e c): número de dias com precipitação igual ou superior a 10 mm nas estações Beja , Santarém e Vila Real, respectivamente d), e) e f): o mesmo, mas para 20 mm/dia.

Fonte: ECA&D.

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35

2.1.4. Alterações nos extremos de precipitação

Apesar dos actuais modelos climáticos globais oceânicos e atmosféricos acoplados

(AOGCM) indicarem que um clima mais quente induzirá uma intensificação do ciclo

hidrológico global, ainda não é clara a existência de alterações nos extremos de

precipitação à escala regional (Christensen & Christensen, 2003), pois as alterações

nos extremos de precipitação são muito menos coerentes do que no caso da

temperatura. Contudo, de forma global, a contribuição percentual dos dias muito

húmidos (5% superior) para o total anual de precipitação é maior nas décadas mais

recentes, e o Mediterrâneo, apesar da diminuição na precipitação anual, tem registado

em muitos locais um aumento na fracção dos eventos mais intensos (IPCC WGI,

2007). Para Portugal, como discutido no subcapítulo anterior, denota-se uma

tendência ligeira de diminuição do número de dias com precipitação superior a 10 mm

e a 20 mm. As alterações nos extremos de precipitação devidas a gases com efeito de

estufa (GEE) são, em geral, assumidas como resultado da alteração da quantidade de

água precipitável na atmosfera (Lenderink & Meijgaard, 2008).

Um dos primeiros resultados dos primeiros modelos climáticos, e que foi reforçado nos

estudos posteriores, foi o aumento de intensidade de precipitação num clima mais

quente (Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003), (Groisman, Knight, Easterling,

Karl, Hegerl & Razuvaev, 2005), (Emori & Brown, 2005), (Pall, Allen & Stone, 2007),

acompanhada de diminuição da precipitação pouco intensa e moderada (Klein Tank &

Können, 2003), (Liu, Fu, Shiu, Chen & Wu, 2009), podendo os aumentos na

precipitação extrema ser superiores ao aumento da precipitação média (Meehl, Zwiers,

Evans, Knutson, Mearns & Whetton, 2000). Mesmo sem alteração no total de

precipitação, temperaturas mais altas conduzem a uma proporção maior do total de

precipitação nos eventos mais intensos de precipitação (Karl & Trenberth, 2003). Em

geral, considera-se que as alterações nos extremos de precipitação são de mais fácil

previsão do que alterações na precipitação média (Lenderink & van Meijgaard, 2009).

Como as intensidades de precipitação dos eventos extremos ultrapassam

sobremaneira as taxas de evaporação, e dependem da convergência de vapor de

água na baixa troposfera, então, a intensidade de precipitação também deveria

aumentar a uma taxa próxima do aumento de vapor de água na atmosfera, os

referidos 7% ºC-1 de aquecimento. Na verdade, esse valor até poderá ser superior,

pois o calor latente adicional libertado teria um efeito de realimentação positivo,

revigorando o fenómeno meteorológico (tempestade) que causa a precipitação

(Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003).

Os principais aspectos da precipitação em mutação são a quantidade e a frequência,

tornando-se necessário estudar, para além dos totais mensais/sazonais, a frequência

de ocorrência de precipitação, e os parâmetros da distribuição de intensidade (Katz,

1999). Retira-se mais informação para o estudo de extremos de precipitação pela

consideração de série temporais sub-diárias do que pelos totais diários, contudo, são

poucos os locais, a nível global, que dispõe de registos em quantidade suficiente

dessa variável. Na procura de evidência de alterações, o sinal de alterações na

precipitação intensa tende a ser mais forte do que em relação à precipitação média

(Allen & Ingram, 2002).

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36

Goisman et al. (1999) e Katz (1999) demonstram de forma empírica e teórica,

respectivamente, que à medida que o total de precipitação aumenta, uma maior

proporção ocorre nos eventos mais intensos, no caso em que a frequência não se

altere. É de esperar que tal se verifique também no caso de aquecimento climático

global. Mesmo pequenos aumentos na magnitude dos eventos nas caudas da

distribuição podem ter impactos muito significativos no período de retorno dos eventos,

para uma dada magnitude. Contudo, enquanto o estudo dos registos possibilita a

avaliação das alterações, as causas destas apenas podem ser estudas através de

modelos físicos do sistema climático global, nomeadamente através de simulação

computacional.

Para além do aumento de intensidade, também tem sido registado a diminuição dos

períodos de retorno, contudo poucos locais possuem dados em quantidade suficiente

para se avaliar a fiabilidade dessa tendência (IPCC WGI, 2007). Huntingford, Jones,

Prudhomme, Lamb, Gash & Jones (2003) reportam, para o Reino Unido, que em 1860

as cheias com período de retorno de 20 anos correspondem, actualmente, a um

período de 5 anos, e que tal pode ser ainda mais significativo nas regiões tropicais.

Como referido no Cap. 2.1.1, já foi documentado para grande parte do globo o

aumento do conteúdo de vapor de água na atmosfera. Como consequência, verifica-se

um aumento da frequência de nuvens cumulonimbus (já observado nos EUA e na

antiga URSS), o que, por sua vez, se relaciona com o aumento generalizado de

tempestades (já documentada para a maior parte do território dos EUA), o que poderá

explicar o aumento generalizado da precipitação muito intensa observado nas regiões

extratropicais (Groisman, Knight, Easterling, Karl, Hegerl & Razuvaev, 2005). Mais,

nos climas húmidos o aumento da temperatura mínima no Verão está relacionada com

o aumento da probabilidade de ocorrência de estado do tempo extremamente

convectivo, com prováveis consequências na alteração da frequência de precipitação

intensa e muito intensa (Groisman et al., 2005).

As alterações nos extremos de precipitação foram primeiramente documentadas por

(Iwashina, Hulme, Jones & Basnett, 1999), que usaram dados relativos ao Japão e aos

E.U.A.

Goisman et al. (1999) assumiram um modelo simples de três parâmetros para a

distribuição dos totais de precipitação diária, tendo sido aplicado a dados de oito

países (Canadá, EUA, México, Noruega, Polónia, antiga URSS, China e Austrália),

com o propósito de testar a sensibilidade da probabilidade de precipitação intensa. Os

autores encontraram uma alteração na intensidade de precipitação desproporcionada

sempre que a média se alterava, resultado compatível com o estudo teórico de (Katz,

1999).

O aumento de precipitação intensa já foi documentado para diversos países um pouco

por todo o globo (EUA, Europa de Leste, Rússia, partes do Canadá, partes da

Austrália, Noruega, Norte do Japão, Sudeste da China, parte da África do Sul,

Nordeste do Brasil), quer em totais diários, como multi-diários, excedência do percentil

95%, e diminuição noutros locais (Sul do Japão, Nordeste da China, Etiópia, Eritreia,

África Oriental equatorial, Tailândia) (Easterling, Evans, Groisman, Karl, Kunkel, &

Ambenje, 2000). A tendência para a maioria dos países nos quais se verifica o

aumento ou diminuição significativos da precipitação sazonal ou mensal é que essa

alteração seja do mesmo sinal da quantidade de precipitação registada durante

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eventos intensos ou muito intensos. Em alguns casos não se verifica alterações nos

totais sazonais, contudo, verifica-se um aumento na frequência de eventos muito

intensos com duração de um dia (e.g., Japão). No Reino Unido verifica-se o aumento

da precipitação intensa no Inverno, e diminuição nos eventos de Verão (Osborn,

Hulme, Jones & Basnett, 1999)

Na Figura 11 representa-se, respectivamente, os locais do globo onde já foram

detectadas alterações nos extremos de precipitação de intensidade superior às

alterações na média.

Alguns dos resultados mais comuns aos estudos referenciados são:

- Onde ocorrem alterações regionais estatisticamente significativas na estação

húmida, as alterações relativas na precipitação intensa são do mesmo sinal e mais

fortes do que a alteração na média;

- Verifica-se que em bastantes regiões, apesar de não ocorrerem alterações

significativas da precipitação média na estação húmida, ocorrem alterações

substanciais na precipitação intensa, e sempre de sinal positivo. Exemplos de regiões

onde tal se verifica são: Sibéria, África do Sul, e o Mediterrâneo Oriental.

Figura 11 – Regiões nas quais foram documentadas alterações acentuadas de precipitação intensa e muito intensa nas últimas décadas, quando comparadas com as alterações na precipitação anual e/ou sazonal. As alterações na frequência de precipitação intensa são sempre superiores às alterações nos totais de

precipitação, e em algumas regiõesm o aumento da precipitação intensa ocorreu sem se verificar alteração (ou verificando-se diminuição) nos totais. In: Groisman et al. (2005).

Lenderink & Meijgaard (2008) investigaram alterações nos extremos de precipitação

horária na Holanda, concluindo que estes aumentaram duas vezes mais com o

aumento da temperatura do que seria expectável pela relação de Clausius-Clapeyron,

quando a temperatura média diária excede os 12ºC. Os referidos autores conduziram

também uma série de simulações com um RCM de grande resolução, concluindo que

numa parte significativa da Europa a alteração na precipitação horária extrema pode

chegar a cerca de 14% por grau de aquecimento. À escala sub-horária, as maiores

intensidades de precipitação devem-se, usualmente, aos eventos convectivos

(Lenderink & Meijgaard, 2008), que os modelos climáticos não resolvem

explicitamente, considerando antes parametrizações implícitas.

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38

Recorrendo a sete modelos regionais desenvolvidos no âmbito do projecto

ENSEMBLES, forçados com o cenário SRES A1B numa grelha horizontal de 25 km

Boberg, Berg, Thejll, Gutowski & Christensen (2009) usaram funções de densidade de

probabilidade para precipitação diária para fazer projecções da distribuição de

precipitação durante o séc. XXI em várias regiões da Europa, incluindo a Península

Ibérica. Os resultados globais apontam para uma diminuição da contribuição dos dias

de precipitação moderada para o total de precipitação, e o aumento substancial da

contribuição dos dias com precipitação intensa, face ao período de controlo (1961-

1990). Esta alteração na contribuição para o total de precipitação é da ordem de

1.1%ªC-1, longe da relação de CC.

Na Figura 12 representa-se a comparação obtida por Boberg et al. (2009) para os

dados do ECA&D com os resultados das sete simulações do ENSEMBLES para a

Península Ibérica, no período de controlo. Note-se que o percentil 95 da precipitação

acumulada corresponde ao bin15 de 70 mm.dia-1, bastante superior aos

correspondentes de outras regiões da Europa, o que indica que a intensidade de

precipitação é pouco homogénea, ocorrendo com grande probabilidade precipitação

intensas, em relação ao resto da Europa. No outro extremo, verifica-se que os

modelos em causa não representam com muita qualidade as precipitações pouco

intensas, ao contrário das restantes regiões. Os autores indicam o modelo DMI

HIRHAM como sendo o que melhor traduz os valores observados de precipitação

diária na Península Ibérica.

Figura 12 – Comparação entre os valores diários de precipitação observados (ECA&D) e os resultados de sete modelos regionais ENSEMBLES na Península Ibérica, para o período 1961-1990, incluindo o melhor resultado do projecto PRUDENCE. A seta representa o percentil 95 da precipitação acumulada. In: Boberg et al. (2009).

Em Espanha, os extremos da escala de intensidade de precipitação (de ligeira a

torrencial, num total de 6 categorias) aumentaram a sua contribuição para o total de

precipitação anual, e verifica-se que os fenómenos mais intensos tendem a ocorrer

nos anos de El-Niño (Alpert et al., 2002). Em Itália, em meados dos anos 90, a

precipitação torrencial (excedendo os 128 mm/dia) contribuía com 4% a 5% do total de

15

Os dados encontram-se agrupados por intervalos de precipitação (bin, em inglês).

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39

precipitação anual, enquanto na década de 1950 apenas contribuía para cerca de 1%

do total; tendo portanto, aumentado com um factor de 4; a categoria de superior a 32

mm/dia passou, nesse mesmo período, de 23% para 32% do total (Alpert et al., 2002).

Liu, Fu, Shiu, Chen & Wu (2009) concluíram que as alterações na intensidade de

precipitação num determinado local estão mais relacionadas com a temperatura

global, do que com temperatura local, ou regional. Os autores analisaram dados do

Global Precipitation Climatology Project (GPCP) referentes ao período 1970-2007,

procurando evidências de alterações nos extremos de precipitação como função da

temperatura média global, tendo recorrido a um método que se foca nas diferenças

interanuais, e não em séries temporais, tendo concluído:

- A intensidade dos 10% eventos mais intensos aumenta em cerca de 95% por

cada grau Celsius de aumento da temperatura;

- Os eventos correspondentes aos percentis 30% a 60% diminuem de

intensidade em cerca de 20% ºC-1;

- O aumento global da intensidade de precipitação média é cerca de 23% ºC-1

(por oposição ao aumento de 7%ºC-1 da capacidade de retenção de água da

atmosfera estimada pela relação de CC);

O aumento da intensidade de precipitação superior aos 7% ºC-1 da capacidade de

retenção de água da atmosfera estimada pela relação de CC é qualitativamente

consistente com a hipótese de que a libertação de calor latente pelo aumento da

humidade conduzirá a mais precipitação.

Meehl et al. (2005) demonstram que os aumentos na intensidade de precipitação nos

trópicos estão relacionados com aumentos na quantidade de vapor de água na

atmosfera, enquanto nas latitudes intermédias o aumento na intensidade está

relacionado com alterações na circulação, que afectam a distribuição do aumento de

vapor de água na atmosfera.

Através do ECA&D e para o período 1946-1999, Klein Tank et al. (2002) não

identificaram alteração significativa (ao nível de 25%) no número de dias com

precipitação acumulada superior a 20 mm, contudo, no máximo de 5 dias os

resultados variam em sinal ao longo do país, sendo positivo na região de Lisboa,

negativo no Algarve e no Centro Norte – contudo, não significativo ao nível de 5% - e

não significativo no restante país. Apenas no Litoral Norte foi detectada tendência para

o número de dias muito húmidos (referente ao percentil 95 do período 1961-90), com

aumento superior a 3% por década. Os recordes de precipitação máxima diária no

período 1946-1999 ocorreram no Sul da Europa – Quadro 2.

Quadro 2- Recordes de precipitação diária na Europa para o período 1946-1999. In Klein Tank et al. (2002).

Valor Estação País Data

418 mm Génova Itália 28 Setembro 1992

313 mm Málaga – Aeroporto Espanha 27 Setembro 1957

263 mm Valência Espanha 17 Novembro 1956

240 mm Torrevieja Espanha 4 Setembro 1989

222 mm Perpignan França 12Novembro 1999

Karl & Trenberth (2003) produziram distribuições de precipitação diárias a partir de

conjuntos de estações meteorológicas com regimes de temperaturas semelhantes,

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contudo, com a mesma precipitação média sazonal, num total de três climas

diferentes, concluindo que à medida que a temperatura sobe (e consequentemente,

também a capacidade de retenção de água da atmosfera), mais precipitação diária

pertence à categoria de intensa (superior a 40 mm.dia-1) e extrema (superior a 100

mm.dia-1) - Figura 13.

Figura 13 – Distribuição de precipitação diária em função do tipo de clima, baseado em estações

meteorológicas com a mesma precipitação média sazonal. A barra azul representa as estações situadas em regiões cujo espectro de temperaturas é dos -3ºC aos 19ºC; a barra rosa, dos 19ºC aos 29ºC; a barra vermelha, dos 29ºC aos35ºC. In Karl & Treberth (2003).

2.2. Alguns cenários de temperatura e precipitação para Portugal

Os modelos globais projectam, até ao final do séc. XXI, aumentos globais de

temperatura e alterações significativas da precipitação no território nacional

continental. Alguns GCM sugerem que os extremos de precipitação podem aumentar à

taxa prevista pela relação CC, contudo, esse resultado não é comum à maioria dos

modelos (Lenderink & van Meijgaard, 2010).

Várias projecções mostram que ao longo deste século o número de dias com

temperaturas elevadas e muito elevadas irá aumentar, e que o número de dias com

temperaturas baixas e muito baixas diminuirá, na generalidade dos locais. Do mesmo

modo, a intensidade e frequência de fenómenos de precipitação intensa é muito

provável que aumente em muitos locais, e que o período de retorno de eventos de

precipitação extrema diminua, conduzindo ao aumento da ocorrência de cheias e de

deslizamentos. Ainda, é de esperar que as regiões continentais interiores

desenvolvam um clima mais seco, aumentando o risco de secas e de fogos florestais

(van Aalst, 2006). Alguns trabalhos indicam que em algumas regiões específicas,

apesar da diminuição do total de precipitação, se pode verificar, paradoxalmente, um

aumento de precipitação extrema (Alpert et al., 2002). É de salientar que a

precipitação é um campo muito mais difícil de simular do que a temperatura, pois

depende muito de processos de pequena escala, impossíveis de modelar

correctamente com modelos de larga escala (baixa resolução) (Miranda, Coelho,

Tomé & Valente, 2002).

Como referido, Lenderink & Meijgaard (2008) encontraram uma relação de

dependência entre a precipitação extrema horária e a temperatura, de

aproximadamente 7%/ºC para temperaturas abaixo dos 10ºC, e de 14%/ºC para

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temperaturas acima dos 10ºC, na estação de De Bilt (Holanda), extendendo, mediante

um RCM, esses resultados a uma extensa parte da Europa.

No TAR, os modelos apontam para uma alteração no ciclo hidrológico (por exemplo,

no total de precipitação) de cerca de 1%/ºC a 2%/ºC, para uma duplicação da

concentração de CO2 na atmosfera conducente a um aumento da temperatura média

global entre 1.5ºC e 4.5ºC (Trenberth, Dai, Rasmussen & Parsons, 2003).

Giorgi, Bi & Pal (2004), recorrendo aos resultados do projecto PRUDENCE, usaram

duas simulações para 2071-2100, uma para o cenário A2 (850 ppm de CO2 em 2100)

e outra para o B2 (600 ppm) do IPCC, e recorrendo ao RCM RegCM, e ao GCM

HadAM3H. Ambas as simulações apontam para diminuição da precipitação em

Portugal Continental no Inverno (DJF) e no Verão (JJA) face ao período de referência

(1961-1990). A diminuição no Inverno é resultado do aumento regional da circulação

anti-ciclónica, dado que os modelos apontam para o aumento do conteúdo em vapor

de água da atmosfera. A diminuição no Verão é resultado do desvio para Norte das

tempestades do Atlântico.

Em DJF, o cenário A2 aponta para um aumento a Norte do Tejo da ordem de 0 até 0.5

mm/dia, enquanto a Sul, aponta para uma diminuição da ordem de 0.1 mm/dia; o

cenário B2 aponta para diminuição de 0.1 mm/dia no Norte de Portugal, e diminuição

de 0.5 mm/dia no extremo Sul do país. Enquanto na Península Ibérica, a alteração

média percentual em DJF poderá ser da ordem de 0%:

- em MAM o cenário B2 aponta para diminuição de cerca de 14%, e o cenário

A2 diminuição de 30%;

- em JJA ambos os cenários apontam para diminuições entre 30% e 40%;

- em SON as alterações poderão chegar a 20%.

Em DJF tanto a intensidade média (em cada dia húmido), a média, e o número de dias

húmidos mantém-se inalterado ou ligeiramente negativo, nas restantes estações a

alteração poderá ser substancial:

- em MAM, a intensidade manter-se-á inalterada, contudo, o número de dias

húmidos poderá diminuir até 8 dias, e a precipitação média, poderá diminuir

mais de 30%;

- em JJA, a intensidade média poderá diminuir cerca de 10%, o número de dias

húmidos, cerca de 5 dias, e a precipitação média sazonal poderá diminuir mais

de 40%.

- em SON, a intensidade média poderá aumentar mais de 5%, o número de

dias húmidos poderá diminuir cerca de 5 dias, e a precipitação média poderá

diminuir mais de 10%.

Os resultados para JJA são bastante semelhantes entre os dois cenários, com

diminuição de 0.5 mm/dia a Norte, e diminuição de 0.1 mm/dia no Sul.

Beniston et al. (2007), recorrendo ao cenário A2 do IPCC, compararam eventos

registados no período 1961-90 com os resultados do projecto PRUDENCE para o

período 2071-2100 para diversos fenómenos: precipitação intensa, secas, ondas de

calor, entre outros, usando os RCM CHRM-H, HadRM3P-H, HadRM3H-H e HIRAM-H.

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Os autores apontam para uma diminuição do valor de precipitação de 5 dias associado

a um período de retorno de 5 anos abaixo da latitude 45ºN, no Inverno, de acordo com

o padrão de alterações na precipitação média.

Os modelos HadCM3 GG e HadCM2 GGa2 16 citados no SIAM apresentam valores

simulados de precipitação muito mais irregulares do que a temperatura, assim como o

sinal das alterações varia de forma menos consistente entre os modelos (Miranda,

Coelho, Tomé & Valente, 2002). A partir do ano 2000, verifica-se uma tendência

decrescente ligeira na precipitação anual na zona de Portugal Continental, excepto

para o Sul no modelo HadCM2, com tendência não clara/existente. A simulação com

os mesmos modelos, mas considerando o efeito dos aerossóis de sulfato (GSa2 e

GS), produz diferenças importantes, nomeadamente, grande variação interdecenal da

precipitação.

Contudo, a generalidade dos modelos aponta para uma diminuição da precipitação em

Portugal Continental como resultado do aumento da concentração de GEE, no

entanto, de magnitude variável. Na região Norte, a diminuição pode ser da ordem de

50 mm a 200 mm por ano (Miranda et al., 2002) - Figura 14. Esses resultados estão de

acordo com o relatório do projecto ACACIA, que refere uma diminuição anual da

precipitação no Sul da Europa da ordem de 1% por década, ao longo do século XXI

(Miranda et al., 2002).

Relativamente à precipitação superior a 10 mm/dia, os referidos modelos apontam

para anomalias anuais de sinal variável ao longo do país, nomeadamente, com

diminuição nas imediações do conjunto Montejunto-Estrela e no Baixo Alentejo (entre

os 0 e os 50 mm) e aumentos nas restantes regiões (entre os 0 e os 200 mm) – Figura

14, em percentagem.

Em termos intra-anuais, a contribuição dos dias muito húmidos (superior a 10 mm/dia)

poderá aumentar significativamente no Inverno, no especialmente no Norte e Centro, e

na Serra de Monchique no Algarve. Algumas regiões podem mesmo chegar a um

aumento de 300 mm no Inverno, especialmente no Minho (Miranda et al., 2002). Nas

restantes Estações do ano, a alteração apontada é de + 50 mm a - 50 mm na

Primavera, e diminuição generalizada no Verão e Outono, principalmente nas áreas

que apresentam aumento no Inverno.

A principal conclusão a retirar é que a precipitação acumulada nos dias de eventos de

intensidade moderada (de 1 a 10 mm/dia) tende a diminuir, enquanto a precipitação

intensa ( ≥ 10 mm/dia) tende a concentrar-se no Inverno, sendo mais intensa. Note-se

que o número de dias com precipitação superior a 10 mm/dia tende a aumentar no

Inverno, mas não de forma proporcional à anomalia de precipitação acumulada

(Miranda et al, 2002). Os autores concluem então, que a quantidade de precipitação

por dia húmido tende a aumentar, podendo originar aumento da frequência de cheias.

Em termos percentuais, o aumento anual de precipitação poderá ser da ordem de até

120%, o aumento sazonal no Inverno pode chegar aos 160%.

Como referido no capítulo 2.1.4, Boberg et al. (2009) identificaram o modelo DMI

HIRHAM como sendo o que melhor traduz os valores observados de precipitação

16

Os modelos HadCM3 GG e HadCM2 GGa2 apenas consideram aumento da concentração de CO2 nas suas simulações, desprezando os restantes GEE, possuindo resolução de 50 km.

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diária na PI, apresentando-se na Figura 15 os resultados desse modelo para o séc.

XXI. A estimativa do aumento normalizado médio da precipitação é da ordem dos

0.4%.ºC-1 para a Península Ibérica, abaixo da média europeia. Verifica-se que a

Península Ibérica é a única região do estudo cuja amplitude da diferença entre os

períodos de 30 anos do séc. XXI considerados e o período de controlo (1961-1990)

não aumenta ao longo do século, ou seja, o modelo DMI HIRHAM não antevê

alteração significativa na intensidade de precipitação na Península Ibérica. Nas

restantes regiões da Europa, em geral, é notório a diminuição da contribuição dos bins

mais baixos, e o aumento dos superiores.

No entanto, os autores salientam que estudaram valores de precipitação diária, cujas

intensidades são fortemente influenciadas pela precipitação de grande escala,

subestimando os eventos convectivos, mais intensos e que correspondem apenas a

uma pequena fracção do dia.

Figura 14 – Alterações anuais e sazonais na precipitação, em percentagem, para intensidades superiores a 10 mm/dia no período 2010-2035 face ao período de controlo 1961-90 para o modelo HadRM GGa2,: a) anual, b) Inverno (DJF), c) Primavera (MAM), d) Verão (JJA), e) Outono (SON). In Miranda et al. (2002).

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Figura 15 – Variação face ao período de controlo (1961-90) da precipitação diária de 1991 a 2100 simulada pelo

modelo DMI HIRHAM, em períodos de 30 anos, na Península Ibérica. In Boberg et al. (2009).

A partir do cenário SRES A2, e de seis modelos RCM integrando resultados do

projecto PRUDENCE, Fowler, Ekström, Blenkinsop & Smith (2007) estimaram as

alterações na precipitação extrema na Europa para o período 2070-2100. Segundo

estes autores, vários modelos projectam que os maiores valores de precipitação

diários com período de retorno (T) de 5 anos ocorrerão no noroeste da Península

Ibérica, entre outros locais da Europa. Para precipitações diárias com T da ordem de 5

e 25 anos, a generalidade dos modelos prevê aumentos da ordem de 0% a 20% por

todo o país, podendo suplantar os 20% na região Norte. Pontualmente, alguns

modelos prevêem diminuições da ordem de 0% a 20% em algumas partes do Alentejo

e na região de Lisboa. Para precipitações de 10 dias, para os referidos T, a

generalidade dos modelos prevê aumentos desses valores para Portugal Continental,

com alguma variabilidade de resultados entre os vários modelos. Alguns projectam

diminuição da ordem dos 10% a 20% no Alentejo Litoral e região de Lisboa; e

aumentos que podem ir além dos 40% na região Norte do país.

2.3. Impactes e principais consequências das alterações climáticas para

Portugal

As alterações de longo prazo na precipitação extrema são de grande importância para

o bem-estar das populações, assim como para os ecossistemas. O aumento de

precipitação intensa pode conduzir ao aumento da frequência e magnitude das cheias,

enquanto a diminuição persistente de precipitação ligeira e moderada pode criar sérias

ameaças de seca (Liu, Fu, Shiu, Chen & Wu, 2009). Estatísticas produzidas por

seguradoras revelam que os incidentes resultantes do clima (particularmente as

cheias) são a segunda maior causa de perdas de vidas humanas, e geram alguns dos

maiores pagamentos por parte das seguradoras, a seguir aos terramotos (Beniston et

al., 2007).

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Não existe uma estimativa fidedigna dos custos anuais das consequências das cheias

em Portugal, contudo, os efeitos mais correntes são o corte de vias de comunicação, a

inundação de campos agrícolas, de habitações, de estabelecimentos comerciais e

industriais, e a perda pontual de vidas humanas (PNA, 2001). No séc. XX, as cheias

foram o desastre natural mais mortífero em Portugal (Ramos & Reis, 2001).

As principais consequências das alterações climáticas identificadas pela Agência

Europeia do Ambiente para a Península Ibérica são (Parry, Palutikof, van der Linden &

Hanson, 2007):

- Redução de disponibilidade de recursos hídricos;

- Aumento da frequência e intensidade das secas;

- Perdas severas de Biodiversidade;

- Aumento da frequência dos fogos florestais;

- Redução do turismo no Verão;

- Redução das áreas adequadas para cultivo;

- Aumento do consumo de energia no Verão;

- Redução do potencial Hidroeléctrico;

- Aumento da salinidade e eutrofização de águas costeiras;

- Maiores efeitos na saúde das ondas de calor.

Para o Norte da Península Ibérica será ainda de esperar aumento da erosão costeira e

cheias, entre outros.

Os principais impactes expectáveis de alterações nos regimes de precipitação são

(Beniston et al., 2007):

- Na saúde, má qualidade da água, devido a cheias;

- Na agricultura, diminuição da produção das colheitas devido a seca ou cheias;

- Nas florestas, escassez de recursos hídricos;

- Nas cidades e outros locais habitados, e infra-estruturas, cheias,

deslizamentos, danos nos edifícios;

- Nos ecossistemas, erosão do solo, escassez de recursos hídricos.

O aumento de precipitação observado no séc. XX, principalmente nos quantis mais

elevados, pode ter influenciado a frequência das cheias (Huntington, 2006).

Enquanto Milly, Wetherald, Dunne & Delworth (2002) demonstram que o aumento da

frequência de cheias com valores acima do período de retorno de 100 anos em 29

bacias hidrológicas com mais de 200 000 km2 aumentou ao longo do séc. XX, diversos

outros estudos não encontraram evidências de aumento do escoamento nos quantis

mais elevados em diversas partes do mundo (EUA, Canadá, Escandinávia, Europa

Central – estudos citados em (Huntington, 2006)). Por outro lado, de acordo com

(IPCC WGI, 2007), onde ocorrem alterações significativas de temperatura, verificam-

se alterações consistentes com estas no escoamento monitorizado. Outros estudos,

com base em registos, relacionam directamente o aumento de temperatura com

variações no escoamento (Labar, Goddéris, Probst & Guyot, 2004).

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Portanto, os modelos climáticos sugerem que o escoamento aumentará em regiões

onde a precipitação aumenta mais do que a evaporação, por exemplo, nas latitudes

mais elevadas (IPCC WGI, 2007).

Labar et al. (2004) referem que se verifica uma forte correlação positiva entre a

temperatura média anual e o escoamento médio, sugerindo que um aumento de 1oC

na temperatura global conduz a um aumento de 4% no escoamento. Tal dever-se-á a

uma evaporação mais intensa sobre os oceanos. Estes indicam ainda um

desfasamento de 15 anos da resposta ao escoamento face à temperatura. Contudo,

apesar do escoamento a nível global ter vindo a aumentar, na Europa, tem-se

verificado o oposto.

Estes estudos, associados aos relatórios que detectam o aumento do escoamento em

muitos rios de menor dimensão no Hemisfério Norte, e a diversos modelos

computacionais, evidenciam a ligação entre o fenómeno de aquecimento global e a

intensificação do ciclo hidrológico a latitudes elevadas. A latitudes intermédias e

subtropicais, alguns modelos demonstram a possibilidade de diminuição de

escoamento, o que poderá dever-se a uma sobreposição do aumento da

evapotranspiração face ao aumento da precipitação (Huntington, 2006).

As alterações nos padrões de temperaturas têm um efeito secundário no sistema

hidrológico e nos ecossistemas terrestres e marítimos: aumento do nível médio das

águas do mar (1 a 2 mm por ano ao longo do século XX (van Aalst, 2006)),

derretimento generalizado das massas glaciares, diminuição das superfícies cobertas

por neve, descongelamento de solo permafrost, alterações nas extensões de habitats

animais e vegetais (em altura), alteração do início da floração, dos padrões temporais

migratórios das aves e do surgimento dos insectos, e aumento da frequência do

branqueamento de corais (van Aalst, 2006).

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3. Breve caracterização climática e hidrológica de Portugal

continental

3.1. Caracterização

O clima nacional é fortemente influenciado pelo Oceano Atlântico, com a precipitação

de Inverno resultando do deslocamento para Sul do Anti-ciclone dos Açores, deixando

o continente exposto a frentes vindas de Oeste. Uma sequência de formações

montanhosas (Gerês, Marão, Caramulo, Estrela e Malcata) cria uma barreira no

sentido NW-SE que concentra a precipitação na sua vertente Oeste (Santos, Forbes &

Moita, 2002).

Quanto à orografia, a Norte as bacias hidrográficas são tipicamente pequenas, com

relevo mais irregular. A Sul, as bacias possuem declives pouco acentuados.

O Norte possui um clima fortemente influenciado pelo regime do Atlântico, com

maiores precipitações, resultado de um clima mais húmido; sendo constituído por

pequenas bacias hidrográficas, com relevo mais irregular, e como tal, com maior

propensão a cheias rápidas. A Sul, as bacias hidrográficas possuem declives pouco

acentuados. O clima é seco, de influência mediterrânica, sendo os solos em geral

áridos. A fronteira Norte-Sul pode ser definida como correspondendo ao Rio Tejo.

A temperatura ao longo do país depende, essencialmente, da altitude, da latitude e da

proximidade do oceano, variando entre os 7º C na bacia hidrográfica do Douro, e os

19º C na bacia do Guadiana, sendo a média anual nacional (no Continente) cerca de

14ºC.

O padrão sazonal de temperaturas ao longo do país é claro: o mínimo médio mensal

ocorre, geralmente, em Janeiro ou Fevereiro, e o seu máximo a Julho ou Agosto,

sendo a amplitude térmica entre o Verão e o Inverno elevada, resultado da ocorrência

de situações de advecção de ar polar continental sobre a Península Ibérica no Inverno.

Paralelamente ao padrão sazonal de temperaturas, o mínimo do potencial de

evapotranspiração ocorre a Dezembro ou Janeiro, e o seu máximo a Julho ou Agosto.

A precipitação média anual sobre Portugal é cerca de 960 mm, correspondendo a um

volume anual médio de 85,7 km3 (PNA, 2001). Os registos de valores mais elevados

de precipitação mensal verificam-se, geralmente, nos meses de Dezembro ou Janeiro,

enquanto os mínimos podem ser encontrados nos meses de Julho ou Agosto.

Consequentemente, pode classificar-se os meses de Novembro a Abril como

constituindo um semestre húmido, concentrado cerca de 70% da precipitação (PNA,

2001). A Sul do rio Tejo, esse valor pode atingir os 80% (Santos et al., 2002).

Ademais, a precipitação pode variar significativamente de ano para ano. Registos

históricos mostram que a precipitação anual total variou entre 564 mm e 1466 mm nos

períodos 1941/42 – 1990/91. No mesmo período, verifica-se ainda que 75% dos

valores de precipitação se concentram no intervalo compreendido entre os 800 mm e

os 1100 mm. Esta variabilidade aumenta de Norte para Sul (PNA, 2001).

Apesar da dimensão do país, a distribuição espacial da precipitação apresenta

diferenças muito significativas, sendo o clima a Sul seco, e o clima a Norte húmido,

constituindo o rio Tejo como uma fronteira natural entre estes dois tipos de clima, onde

é notório o contraste de disponibilidades hídricas, com a margem Norte com maiores

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disponibilidades (PNA, 2001). Na Figura 16 apresenta-se a precipitação anual média

por região hidrográfica.

O Noroeste e a Cordilheira Central (que divide o Norte do Sul do País) são as regiões

com maiores valores de precipitação (1200 a 3000 mm/ano), por serem as mais

montanhosas e serem frequentemente atravessadas por superfícies frontais ligadas a

depressões sub-polares. Por outro lado, o Nordeste e o Sul são as regiões mais secas

(400 a 900 mm/ano): o Nordeste, porque se encontra em situação de abrigo, rodeado

por barreiras montanhosas; o Sul, porque é afectado com maior frequência pelas altas

pressões subtropicais, como o anticiclone dos Açores (Ramos & Reis, 2001).

O regime de precipitação é bastante irregular, tanto em termos interanuais como

intermensais, sendo o ritmo mensal da precipitação mediterrâneo, com chuvas no

Outono e Inverno (Novembro a Março) e com um Verão extremamente seco (Ramos &

Reis, 2001). Na Figura 17 apresenta-se a precipitação média mensal em Portugal

Continental.

Consequentemente, o comportamento dos rios também é muito irregular, com uma

estiagem prolongada e com caudais de cheia que podem atingir valores muito

elevados, características que se tendem a acentuar de Noroeste para Sudeste (Ramos

& Reis, 2001).

Figura 16 – Precipitação anual média por região hidrográfica. In: PNA (2001).

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Figura 17 – Precipitação média mensal em Portugal Continental. In: PNA (2001).

Quadro 3 – O regime dos rios nacionais. In: Ramos & Reis (2001)-

O regime de escoamento é influenciado pela variabilidade espacial e sazonal das

variáveis climáticas, particularmente da precipitação. Como consequência, o regime de

escoamento em Portugal é altamente irregular, de modo semelhante a outras regiões

do Sul da Europa (PNA, 2001). Na Figura 18 representa-se a distribuição espacial do

escoamento anual médio.

Os cursos de água do Sul possuem escoamentos específicos anuais 6 a 7 vezes

inferiores aos do Litoral Norte, contudo, a amplitude de caudal entre os anos menos

chuvosos e os anos mais chuvosos é mais de uma dezena de vezes superior –

Quadro 3.

Por contraste, no Norte, as bacias costeiras são bastante húmidas, em relação às

bacias interiores do Sul, mais secas.

A maioria do escoamento é devido à precipitação de Inverno, à qual se segue um

longo e seco período de Verão. Para além da variabilidade intra-anual, a variabilidade

inter-anual do escoamento também é pronunciada.

O escoamento médio anual nacional é estimado em 385 mm (ou 30.7 km3 / 74 000

hm3), resultando de 962 mm de precipitação aos quais se deduzem 577 mm de

Outubro Dezembro Fevereiro Abril Junho Agosto

Novembro Janeiro Março Maio Julho Setembro

Meses

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evapotranspiração. Note-se que aproximadamente 43 000 hm3 de escoamento têm

origem em Espanha.

Em suma, o regime dos rios nacionais depende principalmente da variação temporal

da precipitação e acompanha de perto os contrastes regionais na distribuição

geográfica das chuvas (Ramos & Reis, 2001).

Em termos espaciais, os valores médios mais elevados de precipitação e escoamento

são observados nas bacias a Noroeste, principalmente na bacia do rio Lima (Figura

18). Os valores mais baixos ocorrem nas bacias a Sul: Sado e Guadiana. Como

consequência da variabilidade climática, o escoamento segue de modo geral um

comportamento semelhante ao da precipitação, mas com uma variabilidade regional

mais acentuada.

Em termos temporais, os valores mais elevados de escoamento são observados em

Fevereiro, cerca de dois meses após o pico de precipitação, em Dezembro (Figura

19). Um factor que pode explicar tal diferença temporal é a baixa humidade relativa do

solo no início do ano hidrológico, originando uma forte recarga dos aquíferos

subterrâneos durante as primeiras chuvadas. À medida que a humidade relativa do

solo aumenta, ao longo do Outono e Inverno, a taxa de recarga dos aquíferos diminui,

levando a um aumento do escoamento directo.

É de salientar que o país possui cinco bacias transfronteiriças (Minho, Lima, Douro,

Tejo e Guadiana), que ocupam cerca de 65% do território nacional, situando-se cerca

de 80% da sua área em território espanhol (EuroFlood, 1994).

3.2. Precipitações intensas de curta duração

Os períodos que interessam para a caracterização de eventos climatéricos indutores

de situação de cheia variam entre a meia hora e o mês (PNA, 2001). A rede de

medição de precipitação nacional disponibiliza um conjunto muito extenso de registos

de precipitação diária máxima relativos a um período de medição muito longo.

Contudo, as bases de dados disponíveis, regra geral, não possuem registos de

precipitação com duração inferior ao dia, variável indicada para a análise de cheias em

bacias hidrográficas de pequena e média dimensão, as predominantes no território

nacional.

Alternativamente, tem sido propostas por diversos autores relações de carácter local,

regional, ou mesmo nacional que possibilitam a estimação aproximada das

precipitações com duração inferior ao dia. Uma metodologia comum é a que recorre às

linhas de possibilidade udométrica, ou às curvas de duração-intensidade-frequência.

Portela (2006) apresenta uma síntese dos principais estudos nacionais, apresentando

ainda metodologias para obter precipitações intensas a partir da precipitação máxima

diária anual.

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Figura 18 – Distribuição espacial do escoamento anual médio em Portugal Continental. In (PNA, 2001)

Figura 19 – Balanço hídrico de Portugal Continental. In (PNA, 2001).

Escoamento anual (mm)

0 – 300

300 – 400

400 – 600

600 – 1800

1800 – 2500

Limite de bacia hidrográfica

Áreas não abrangidas pela investigação

Rede hidrográfica

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52

De acordo com os cartogramas de precipitação propostos por Brandão & Rodrigues

(1998) para período de retorno de 100 anos, os valores mais elevados de precipitação

ocorrem nas serras Algarvias e nas cabeceiras das bacias do Noroeste. Os valores da

precipitação máxima para uma duração de 30 minutos e período de retorno de 100

anos variam entre os 26 e os 66 mm, enquanto os valores de precipitação máxima

diária variam entre o 70 e os 310 mm – Figura 20, esquerda.

Na Figura 20 (direita) representa-se a proposta de Brandão, Rodrigues & Costa (2001)

para as isolinhas da relação entre precipitação de 1h com a diária para o período de

retorno de 100 anos em Portugal Continental, resultado da análise de 27 postos

udográficos.

3.3. Cheias em Portugal Continental

As cheias no vale do Tejo e do Douro são resultado de períodos de precipitação

longos, abrangendo vastas áreas. No mesmo período invernal, a ocorrência de vários

episódios de precipitação provoca um aumento do teor de água no solo, associada a

uma diminuição da sua capacidade de infiltração, e um aumento do volume

armazenado nas albufeiras. Após estas ocorrências de verificarem ao fim de algum

tempo, o caudal nos cursos de água aumenta para valores próximos da sua

capacidade de vazão, e um evento pluvioso mais intenso dá origem ao

transbordamento do curso de água (PNA, 2001).

Figura 20 – À esquerda: Precipitação máxima diária em Portugal Continental com um período de retorno de 100 anos. In Brandão e Rodrigues (1998). À direita: Isolinhas da relação entre precipitação de 1h com a

diária para o período de retorno de 100 anos. Proposta de Brandão et al. (2001).

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53

Em Portugal continental, as denominadas “cheias progressivas” são resultado de

períodos de chuva abundante sobre grandes bacias hidrográficas, resultado da

circulação zonal de Oeste que se mantém por semanas. Afectam principalmente as

grandes bacias, como o Tejo e o Douro, provocando a inundação de grandes áreas.

Contudo, ao contrário das “cheias rápidas” (flash floods), não costumam ser um perigo

para a população.

Numa bacia de pequena dimensão, um evento intenso de pouca duração pode

provocar um aumento repentino de caudal, originando inundação no espaço de

poucas horas. Nesse tipo de bacias, o valor de caudal específico é elevado (PNA,

2001).

São exemplos de cheias rápidas que provocaram sérios danos em termos de vidas

humanas os eventos de 1967, 1983 e 1997 (Ramos & Reis, 2001), e 2001. As

características comuns a estes eventos foram:

- Afectaram bacias de drenagem pequenas;

- Foram provocadas por chuvadas fortes e concentradas, devidas a depressões

convectivas (gotas frias extremamente activas ou depressões estacionárias causadas

pela interacção entre as circulações polar e tropical);

A forma do hidrograma de cheia é função das características fisiográficas da bacia

hidrográfica (forma, relevo, densidade de drenagem), bem como das suas

características físicas (geologia, solo e coberto vegetal), dado a importância destes

nos processos de retenção de água na bacia (e no solo). A velocidade do escoamento

e o nível da água dependem das características geométricas e físicas da secção

transversal dos cursos de água, do transporte sólido e da proximidade de zonas com

influência de maré (PNA, 2001).

Os Planos de Bacia Hidrográfica permitiram estimar valores de caudal de cheia

específicos associados a um período de retorno de 10 anos entre 0.1 m3/s/km2 e os 4

m3/s/km2, correspondendo a 0.4 mm/h e 16 mm/h. Os valores de caudal específico

para a cheia centenária variam entre os 0.1 m3/s/km2 e os 10 m3/s/km2, ou seja, 0.4

mm/h e 40 mm/h.

Os valores associados a cheias com período de retorno de 100 anos nas bacias

hidrográficas na região de Lisboa são de 9 m3/s/km2 para áreas de bacia até 10 km2, e

de 4 m3/s/km2 para áreas de bacia da ordem dos 100 km2 (PNA, 2001). Os caudais

máximos de cheia na foz do Douro e do Tejo podem ultrapassar os 15 000 m3/s, e os

10 000 m3/s no Guadiana.

Nas cheias rápidas, para além dos factores naturais, diversas causas antropogénicas

contribuem para as catástrofes: desflorestação, impermeabilização dos solos,

urbanização caótica, entulhamento dos pequenos cursos de água (ou a sua

canalização), a construção de muros e aterros transversais ao sentido de escoamento

das linhas de água (funcionando como diques), entre outros (Ramos & Reis, 2001).

No PNA é apresentado um estudo que compila os locais onde ocorrem cheia,

representado na Figura 21.

Contudo, a gravidade do fenómeno não depende somente da intensidade deste, mas

também da rapidez do aumento do nível das águas, do estado de preparação das

populações e do seu grau de educação cívica (PNA, 2001).

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54

Verifica-se que a maioria dos locais mais propensos a cheias se situa no Litoral, junto

à foz dos rios. Tal dever-se-á ao facto de ser na foz que o caudal é máximo, assim

como ao facto de os maiores aglomerados populacionais se situarem junto à costa, e

junto a rios. Outro factor importante poderá ser o nível do mar, e as cheias junto à foz

do rio serem um misto de cheia fluvial e costeira.

Figura 21 - Zonas de ocorrência de cheia em Portugal Continental (pontos azuis). In: (PNA, 2001).

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55

4. Selecção dos exercícios de simulação climática

4.1. Projectos de modelação climática

O projecto imediatamente anterior ao ENSEMBLES foi o PRUDENCE (Prediction of

Regional Scenarios and Uncertainties for Defining European Climate Change Risks

and Effects), englobado no Quinto Programa Quadro, e executado entre 2001 e 2004.

Paralelamente, decorreram os programas MICE (Modelling the Impact of Climate

Extremes) e STARDEX (Statistical and Regional Dynamical Downscaling of Extremes

for European Regions).

O PRUDENCE recorreu a um total de quatro modelos AGCM, AOGCM de alta

resolução e oito RCM, de modo a estimar 22 campos no período 2071-2100 face a

1961-1990, recorrendo aos cenários SRES A2 e B2 do IPCC, e com resolução da

ordem dos 50 km.

O programa MICE, financiado pela Comissão Europeia propôs-se a avaliar os

potenciais impactos das alterações climáticas num vasto leque de sectores

económicos importantes para a economia da União. Para o efeito, focou-se nas

alterações dos extremos da temperatura, precipitação e vento.

O projecto ACACIA (A Concerted Action Towards a Comprehensive Climate Impacts

and Adaptations Assessment for the European Union) avaliou os impactos e possíveis

adaptações na Europa face às alterações climáticas, até 2080, tendo elaborado quatro

cenários.

O projecto SCENES (Water Scenarios for Europe and for Neighbouring States),

iniciado em 2006 e com final previsto para 2011, pretende desenvolver um conjunto de

cenários qualitativos e quantitativos sobre as disponibilidades hídricas até 2025. Com

tais cenários, é possível traçar estratégias de planeamento de recursos hídricos,

alertar as classes políticas e legisladoras, e os principais intervenientes para os

problemas emergentes, assim como permitir que as entidades gestoras de bacias

hidrográficas testem políticas locais e regionais contra as incertezas do planeamento a

longo prazo. O website do projecto é:

www.environment.fi/syke/scenes www.environment.fi/syke/scenes

O programa espanhol ESCENA (2008-2012) pretende gerar cenários climáticos de

alta resolução baseados em RCM, através de técnicas de downscalling dinâmico. A

área contemplada é a Península Ibérica e Marrocos, e os resultados serão

directamente comparáveis com os de outros projectos, como o PRUDENCE e o

ENSEMBLES, usando a mesma resolução que o ENSEMBLES (25km), correndo entre

o período 1950-2050. O projecto recorre a quatro modelos regionais associados a três

modelos globais, e três cenários de emissões (A1B, A2 e B1).17

O projecto ENSEMBLES foi financiado pela Comissão Europeia, tendo sido executado

entre Setembro de 2004 e Dezembro de 2009, sobre o Sexto Programa-Quadro para a

Investigação e o Desenvolvimento Económico, sendo liderado pelo britânico Met Office

e integrando 66 instituições de 20 países, maioritariamente europeus. O projecto teve

o intuito de fornecer aos investigadores, políticos, entidades económicas, e ao público

17

http://www.meteo.unican.es/en/node/72971

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em geral, a melhor e mais actualizada informação climática, obtida pelos mais

recentes modelos climáticos e técnicas de análise. A principal competência do projecto

é munir os responsáveis pelas políticas climáticas com a melhor informação possível

de modo a orientar as estratégias a adoptar no combate às alterações climáticas. O

output é um conjunto de previsões para o restante século, que permitem concluir quais

os resultados mais prováveis, de entre o conjunto.

O projecto é composto por:

-Um sistema de previsão que devolve as primeiras projecções probabilísticas

das alterações de temperatura e precipitação ao longo deste século;

-Uma avaliação dos impactos das AC em diversos sectores;

-Estudo das respostas físicas, químicas, biológicas e antropogénicas ao

sistema climático, e como os representar nos modelos de modo a diminuir o grau de

incerteza nas previsões climáticas;

-O desenvolvimento da primeira base de dados de alta resolução de

monitorização de variáveis climáticas.

O propósito do projecto é elaborar vários modelos climáticos („ensembles’), de modo a

aumentar o rigor e a confiança nas previsões climáticas, permitindo a quantificação da

incerteza nas projecções.

Os objectivos específicos são:

- Desenvolver um sistema de previsão com base em vários modelos, para as

alterações climáticas, com base nos conhecimentos actuais sobre o assunto, em

modelos globais e regionais de alta resolução concebidos na Europa, com resultados

validados com base numa grelha de dados de alta resolução ao nível europeu,

produzindo desse modo e pela primeira vez uma estimativa probabilística da incerteza

do clima futuro ao nível sazonal, decenal e em escalas temporais maiores.

- Quantificar e reduzir a incerteza na representação dos factores físicos,

químicos, biológicos e antropogénicos

- Interligar os resultados do estudo com as suas aplicações directas:

agricultura, saúde, segurança alimentar, energia, recursos hídricos, seguros e gestão

de riscos meteorológicos.

No âmbito do ENSEMBLES, foi desenvolvida a primeira base de dados de alta

resolução de monitorização de variáveis climáticas da Europa (E-OBS), com registos

desde 1950, integrando actualmente o projecto European Reanalysis and

Observations for Monitoring (EURO4M). As variáveis que constituem o E-OBS são os

valores diários médios, mínimos e máximos de temperatura e precipitação. A

informação incluída no projecto ENSEMBLES pertence ao período 1950-2006, em

quatro grelhas de RCM diferentes, incluindo estimativas por interpolação.

Enquanto as simulações do IPCC sobrestimam o aquecimento médio global em cerca

de 0.2ºC, as projecções multi-modelo do ENSEMBLES produzem uma alteração da

média global consistente com as observações (ENSEMBLES, 2009, pág.26).

Resultados preliminares apontam que um aquecimento global de 2ºC terá impactos

significativos ao nível dos processos hidrológicos, levando a aumentos regionais de

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precipitação e de escoamento total nas latitudes elevadas. Por outro lado, nas

latitudes intermédias, é espectável uma diminuição do escoamento, com potenciais

consequências sérias na segurança de abastecimento de água. O modelo LPJmL

estimou o balanço hídrico global ao longo do séc. XX, concluindo que as alterações

nos usos de solo antropogénicas foram responsáveis pelo aumento do escoamento

em cerca de 1.7% ao longo do século, e que a irrigação diminui o escoamento em

0.3%. Note-se que em alguns locais estes efeitos sobrepuseram-se às alterações na

precipitação.

O projecto CORDEX (Coordinated Regional Downscaling Experiment) é promovido

pelo WCRP (World Climate Research Programme) como propósito de gerar um

conjunto de projecções regionais de alta resolução para a maioria das regiões

continentais do globo, no período 1950-2100. Pretende-se que o CORDEX possa ser

inserido nas projecções do GCM CMIP5 (Coupled Model Intercomparison Project

Phase 5) do IPCC AR5.

4.2. Pré-selecção dos exercícios de simulação climática

No âmbito do projecto ENSEMBLES, quinze institutos Europeus correram modelos

RCM com a resolução espacial de 25 km e com condições de fronteira dadas por

cinco modelos GCM diferentes, todos eles recorrendo ao cenário de emissões A1B,

originando um total de 25 corridas.

Neste trabalho considerou-se, inicialmente, um total de 16 exercícios de simulação

(Quadro 4), a maioria tendo sido corridos entre 1950 e 2100, e, posteriormente,

seleccionou-se aqueles que melhor representam os registos históricos, em Portugal,

das variáveis em estudo, designadamente, a precipitação diária máxima e precipitação

horária máxima.

De modo a diluir eventuais outliers, opta-se por ajustar às séries de máximos a

distribuição de Gumbel (usada frequentemente para a modelação dos máximos de

amostras, sendo particularmente útil para estimar valores associados a períodos de

retorno elevados), e estimar os valores associados a vários períodos de retorno e

percentis, sendo que para o efeito, se consideram os máximos de séries de 30 anos

hidrológicos.

Os períodos considerados são: o período 1961-1990 como período de referência, e os

períodos 2001-2030, 2031-2060 e 2061-2090 como períodos de estudo, para os quais

se pretende apresentar projecções, principalmente ao nível do período de retorno de

100 anos. Os exercícios de simulação 9 e 10 apenas disponibilizam resultados até

meados do séc. XXI, pelo que apenas são referidos na projecção para 2001-2030, e a

corrida 6 não inclui valores de precipitação horária máxima.

Com o propósito de apresentar projecções para o séc. XXI, baseadas em resultados

que sejam consistentes nos vários exercícios de simulação, seleccionou-se do total de

dezasseis os que melhor traduzem a precipitação registada no período compreendido

pelos anos hidrológicos de 1961 a 1990.

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Quadro 4 – Corridas do Ensembles consideradas no presente trabalho.

# GCM RCM Instituição

1 HadCM3Q16 RCA3 C4I

2 ARPEGE RM5.1 Aladin CNRM

3 ARPEGE HIRHAM DMI

4 ECHAM5-r3 HIRAM5 DMI

5 HadCM3Q0 CLM ETHZ

6 ECHAM5-r3 REGCM3 ICTP

7 ECHAM5-r3 RACMO KNMI

8 MIROC RACMO KNMI

9 BCM HIRHAM METNO

10 HadCM3Q0 HIRHAM METNO

11 HadCM3Q0 HadRM3Q0 Met Office

12 HadCM3Q3 HadRM3Q3 Met Office

13 HadCM3Q16 HadRM3Q16 Met Office

14 ECHAM5-r3 REMO MPI

15 ECHAM5-r3 RCA SMHI

16 HadCM3Q3 RCA SMHI

A selecção dos exercícios de simulação baseou-se, numa primeira fase, na

comparação dos valores extremos e médios de precipitação diária dos exercícios de

simulação, com os valores disponibilizados pelo SNIRH. A validação espacial dos

exercícios seleccionados é feita através de cartogramas de precipitação diária máxima

anual.

Existem 722 estações meteorológicas registadas no SNIRH com dados de

precipitação diária máxima disponível, contudo, destas apenas 229 possuem registos

contínuos entre os anos hidrológicos de 1961 e 1990. No Quadro 5 apresenta-se a

distribuição geográfica, por bacias hidrográficas, das estações udométricas

consideradas, e a correspondente superfície de precipitação diária máxima, no topo

esquerdo da Figura 22.

Quadro 5- Distribuição por RH das estações udométricas consideradas.

Região Hidrográfica N.º de Estações Udométricas

Consideradas

1 Minho e Lima 13

2 Cávado, Ave e Leça 22

3 Douro 67

4 Vouga, Mondego e Lis 16

5 Tejo e Ribeiras do Oeste 51

6 Sado e Mira 19

7 Guadiana 30

8 Ribeiras do Algarve 11

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No Quadro 6 apresenta-se uma comparação qualitativa dos valores de precipitação

diária máxima anual, no período de referência, entre os 16 exercícios de simulação e

os dados do SNIRH. Apresentam-se, para cada exercício de simulação, os valores dos

máximos, médios e mínimos observados no período 1961-1990 (Quadro 6). Tal

análise permite excluir imediatamente as corridas mais desajustadas ao regime de

precipitação nacional.

Assim, selecciona-se as corridas 6, 7, 9, 10, 12, e 13 para uma avaliação mais

criteriosa da sua capacidade de reprodução do regime de precipitação.

Para as referidas corridas, apresenta-se na Figura 22 as superfícies de precipitação

diária máxima anual, interpoladas recorrendo ao método de Kriging, juntamente com a

superfície representativa dos registos disponibilizados pelo SNIRH.

De acordo com a informação disponibilizados pelo SNIRH, os máximos nacionais

ocorrem na zona do Minho, enquanto Trás-os-Montes apresenta valores

significativamente mais baixos, inferiores a 100 mm, assim como o Alentejo. O Centro-

Norte, e o Algarve apresentam valores intermédios, da ordem dos 100 a 140 mm.

Da análise da Figura 22, identifica-se os exercícios de simulação 7 e 12 como os

melhores para expressar a precipitação diária máxima anual a nível global,

principalmente no Centro e Norte. A Sul do Mondego nenhum dos exercícios de

simulação é muito satisfatório, especialmente para o Algarve.

Quadro 6 - Análise individual qualitativa das corridas do Ensembles em relação aos dados do SNIRH.

Corridas Máximos Médios Mínimos

1 -- -- -

2 -- -- +

3 - -- -

4 ++ -- --

5 + - --

6 ++ ++ ++

7 + ++ ++

8 -- -- --

9 ++ ++ ++

10 + ++ +

11 ++ - -

12 + + +

13 -- + -

14 + - -

15 -- -- +

16 + -- -

++ Bom ajuste

+ Ajuste razoável

- Mau ajuste

-- Ajuste muito mau

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60

Quadro 7 - Lista de exercícios de simulação seleccionados.

# Instituição/ Modelo global/ Modelo regional

6 ICTP REGCM3 ECHAM5 r3

7 KNMI RACMO2 ECHAM5 r3

9 METNO HIRHAM BCM

10 METNO HIRHAM HadCM3Q0

12 METO HC HadRM3Q3 HadCM3Q3

13 METO HC HadRM3Q16 HadCM3Q16

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Precipitação Diária Máxima Anual (mm)

1961-1990

Figura 22 – Cartogramas do valor máximo da precipitação diária máxima anual, no período 1961-1990, para os registos históricos e para as seis corridas seleccionados.

Corrida 12

Corrida 6

Corrida 7

Corrida 9

Corrida 10

Corrida 13

SNIRH

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62

4.3. Validação dos resultados dos exercícios de simulação

4.3.1. Metodologia

No presente subcapítulo avalia-se a capacidade dos exercícios de simulação em explicar a

distribuição espacial da precipitação diária máxima e horária máxima, através da

consideração de seis pontos em Portugal Continental onde a proximidade entre estações do

SNIRH e pontos de cálculo dos exercícios de simulação pré-seleccionados se verifique.

Os mapas de precipitação diária máxima e horária máxima associados ao período de

retorno de 100 anos foram estimados assumindo a função de distribuição de probabilidade

de Gumbel. Para cada período de simulação considerado (1960/61-1989/90; 2000/01-

2029/30; 2030/31-2059/60; 2060/61-2089/90), obtiveram-se as séries de precipitação

máxima anual para cada um dos nós da grelha de cálculo do exercício de simulação e

calculou-se o valor associado ao período de retorno de 100 anos, assumindo a função de

distribuição de probabilidade de Gumbel. Os mapas foram obtidos por interpolação espacial

pelo método de Kriging dos valores calculados.

Os seis pontos escolhidos procuram representar o Norte, Centro e Sul, Litoral e Interior do

país, tendo sido denominados pelas letras A a F. No Quadro 8 identifica-se os postos

udométricos da rede do SNIRH considerados, e no Quadro 9 os pontos de cálculo das

corridas consideradas.

Quadro 8 - Postos do SNIRH usados na validação espacial.

Pontos Estação SNIRH Lat (ºN) Lon (ºW)

A ARADA (05H/03UG) 41.38 8.22

B VALES (05P/03G) 41.39 6.99

C PRAGANÇA (18C/01G) 39.20 9.06

D VALE DO PESO (17L/02UG) 39.34 7.65

E SÃO DOMINGOS (26F/01UG) 37.93 8.54

F SERPA (26L/01UG) 37.94 7.60

Quadro 9 - Pontos do Ensembles usados na validação espacial.

Pontos Corrida 6 Corridas 7, 9, 10, 12, 13

Lat (ºN) Lon (ºW) Lat (ºN) Lon (ºW)

A 41.31 8.29 41.34 8.27

B 41.38 7.01 41.43 7.07

C 39.28 9.10 39.23 9.07

D 39.36 7.58 39.40 7.65

E 37.94 8.62 37.99 8.48

F 37.90 7.70 38.01 7.61

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Posteriormente, apresenta-se os rácios de precipitação horária e diária, comparáveis com os

resultados de Brandão et al. (2001).

4.3.2. Precipitação diária

Na Figura 25 apresenta-se as isolinhas da precipitação diária máxima associada ao período

de retorno de 100 anos, com base nos resultados das simulações do período compreendido

pelos anos hidrológicos de 1961 a 1990, e na Figura 25 as isolinhas de precipitação diária

máxima anual, para o mesmo período de retorno, estimadas por Nicolau (2002). Verifica-se

que a maioria das corridas se ajusta relativamente bem às isolinhas propostas pelo referido

autor, excepto no Sul do país, notoriamente no Algarve, onde a generalidade dos exercícios

de simulação subestima grosseiramente a variável em consideração.

Na Figura 26 representa-se os máximos, médias, mínimos, e os percentis 25 e 75 da

precipitação diária máxima anual, no período 1961 a 1990, dos dados disponibilizados pelo

SNIRH (id.0) e simulados pelo ENSEMBLES, para cada um dos seis pontos em estudo,

Verifica-se que as corridas 7 e 12 se ajustam relativamente bem em todos os pontos, assim

como a corrida 6, à excepção do ponto A. As restantes corridas apresentam variações

significativas na qualidade do ajuste ao longo dos pontos, em relação à situação de

referência (id.0). No ponto C, todos as corridas apresentam resultados satisfatórios.

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Precipitação diária

(mm)

T = 100 anos

Corrida 10

Corrida 9

Corrida 6

Corrida 13

Corrida 12

Corrida 7

Figura 25 – Isolinhas da precipitação diária com período de retorno de 100 anos, para as seis corridas em estudo.

Figura 25 – Estimativa da precipitação diária máxima anual para um período de retorno de 100 anos por Nicolau (2002)

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65

Figura 26 - Abaixo, identificação dos pontos seleccionados para validação espacial; à direita, gráficos box and whiskers das séries de precipitação 1961-90 para os valores reais (SNIRH, id. 0) e para os modelos 6, 7, 9, 10, 12 e 13, para cada um dos seis pontos considerados (representa-se os máximos, mínimos, média e percentis 25 e 75; as cruzes a vermelho representam os outliers).

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66

4.3.3. Precipitação horária

A validação dos resultados de precipitação horária é bastante dificultada pela falta de

informação disponível (e recolhida). Opta-se por estudar as propostas de Brandão et al.

(2001), feitas para o período de retorno de 100 anos. Brandão et al. (2001) caracterizou as

precipitações intensas em Portugal Continental recorrendo aos dados de 27 postos

udométricos, com séries de registos entre 22 e 53 anos, na sua maioria.

A validação da adequabilidade das corridas em simular a precipitação horária foi feita, para

cada um dos seis pontos já referidos, aplicando a distribuição de Gumbel à série de

máximos anuais do período de referência, de modo a estimar os valores de precipitação

para vários períodos de retorno.

No Quadro 10 apresenta-se para cada ponto os percentis 80 e 95, os máximos das séries

de máximos anuais, e os valores de precipitação correspondentes aos períodos de retorno

de 5 e 100 anos, e na Figura 27 apresenta-se a superfície de precipitação horária máxima

proposta por Brandão et al. (2001), para períodos de retorno de 100 anos. Verifica-se que os

valores obtidos para todos os exercícios de simulação são significativamente inferiores, da

ordem de metade a um terço do valor

apresentado por Brandão. Tanto os máximos,

como os percentis apresentados pelos exercícios

de simulação são inferiores aos valores

expectáveis, concluindo-se então que a

qualidade de simulação da precipitação horária é

muito baixa.

Os exercícios de simulação apresentam

resultados bastante diferentes entre si: as

corridas 9 e 10 apresentam máximos horários

que excedem os 35 mm, no interior; as corridas

12 e 13 apresentam máximos que não excedem

os 20 mm, e a corrida 7 apresenta resultados

intermédios, identificando o Centro do país como

sendo o local com precipitação horária máxima.

Da análise dos pontos A a F, representada na

Figura 29, conclui-se os exercícios de simulação

apresentam resultados semelhantes entre si para

todos os pontos, destacando-se a corrida 10 por

apresentar valores sistematicamente superiores

aos restantes.

Figura 27 – Precipitação de 1h com período de

retorno de 100 anos (Brandão et al, 2001).

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67

Quadro 10 – Síntese dos resultados de precipitação horária para o período 1961-1990, de acordo com os exercícios de simulação 7, 9, 10, 12 e 13, para os seis pontos em estudo.

Máximo p80 p95 T=5 T=100 Máximo p80 p95 T=5 T=100

7 15.4 10.2 13.5 10.8 15.9 14.2 7.3 12.3 8.3 14.6

9 26.9 13.6 19.8 15.0 25.1 15.9 10.9 14.4 10.8 18.5

10 23.8 18.2 22.2 17.3 27.2 20.3 13.2 18.3 13.3 23.6

12 14.2 12.3 12.8 11.9 15.8 13.7 8.9 9.5 8.8 13.4

13 13.1 10.1 11.2 10.1 13.3 8.2 6.0 6.9 6.0 8.6

7 16.1 8.5 14.9 9.9 17.6 17.9 8.0 11.6 9.1 16.1

9 12.2 9.0 11.3 9.2 14.1 46.4 11.3 16.0 15.1 34.3

10 29.6 11.0 14.8 12.9 24.1 24.8 14.3 21.5 15.1 27.2

12 13.5 9.9 11.6 9.7 14.8 15.8 11.3 14.0 11.3 16.8

13 11.7 7.7 8.6 7.7 11.8 8.7 6.6 7.6 6.6 9.7

7 13.8 7.6 10.6 8.0 13.6 17.6 8.5 11.5 8.9 16.2

9 16.1 8.5 12.0 9.0 15.7 25.1 8.5 16.7 10.6 22.4

10 44.5 9.6 11.9 13.7 31.1 27.0 8.6 15.7 11.0 22.5

12 12.3 8.7 11.3 9.0 13.7 10.3 8.4 9.1 8.1 11.6

Ponto E Ponto F

Precipitação Horária 1961-1990

Ponto A Ponto B

Ponto C Ponto D

Figura 28 - Cartogramas de precipitação horária

máxima no período 1961-1990, para as corridas 7, 9, 10, 12 e 13.

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68

Figura 29 - Comparação por Box and Whiskers dos máximos anuais de precipitação horária apresentados pelos modelos em estudo, para seis pontos em Portugal Continental, no período 1961-90.

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69

Dado os maus resultados de precipitação horária das corridas do ENSEMBLES, e em

face da necessidade de validar a capacidade de simulação de precipitações intensas

dos exercícios de simulação estudados neste trabalho, opta-se por aplicar a relação

entre precipitação horária e precipitação diária, com período de retorno de 100 anos,

proposta por (Brandão, Rodrigues, & Costa, 2001).

Existe pouca informação disponível, em Portugal, para determinação de precipitações

com duração inferiores ao dia. (Brandão & Rodrigues, 1998) citam os trabalhos de

Matos e Silva (1986), Godinho (1987, 1989) e Brandão (1995) como sendo marcos de

referência nesse domínio. Mais recentemente, aponta-se o estudo de (Brandão,

Rodrigues, & Costa, 2001).

O estudo será realizado para seis pontos de Portugal Continental, propondo-se então,

a utilização da estimativa de (Brandão, Rodrigues, & Costa, 2001), de acordo com a

seguinte conversão:

(2)

, factor de conversão da precipitação diária para precipitação horária, de acordo com

Brandão et al. (2001).

Para os seis pontos do ENSEMBLES em estudo, representa-se no Quadro 11 os

valores dos factor α correspondente.

Figura 30 – Isolinhas da relação entre precipitação horária e precipitação diária máxima com período de retorno de 100 anos, Brandão et al (2001).

Pontos α

A 0.32

B 0.41

C 0.32

D 0.41

E 0.42

F 0.47

Quadro 11 – Valores de α para os seis pontos em estudo.

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70

Com base na Figura 30 estimou-se a precipitação horária com período de retorno de

100 anos, a partir da precipitação diária máxima anual no período 1961-1990,

ajustando a lei de Gumbel, apresentando-se os resultados no Quadro 12. Verifica-se

que a metodologia descrita permite obter resultados de precipitação horária

substancialmente melhores do que os resultados do ENSEMBLES, quando

comparados com a proposta de Brandão et al. (2001).

Resultado Estimativa Resultado Estimativa

A 41 - 64 16 42

B 35 - 47 15 34

C 45 - 39 18 24

D 43 - 36 16 39

E 45 - 37 14 41

F 46 - 39 16 42

Resultado Estimativa Resultado Estimativa

A 41 25 69 27 81

B 35 19 29 24 41

C 45 14 35 24 41

D 43 34 40 27 33

E 45 16 29 31 49

F 46 22 43 22 29

Resultado Estimativa Resultado Estimativa

A 41 17 59 13 50

B 35 11 36 9 38

C 45 14 31 12 29

D 43 14 48 10 34

E 45 15 30 9 37

F 46 15 31 11 33

PontosBrandão et

al (2001)

ENSEMBLES 12 ENSEMBLES 13

PontosBrandão et

al (2001)

ENSEMBLES 9 ENSEMBLES 10

PontosENSEMBLES 7

Precipitação Horária T=100 anos (mm)

Brandão et

al (2001)

ENSEMBLES 6

Quadro 12 – Precipitação horária com período de retorno de 100 anos, para os seis pontos em estudo, de acordo com Brandão et al. (2001), com os resultados das corridas 7, 9, 10, 12 e 13 do ENSEMBLES, e com a

estimativa a partir da Figura 30 e o Quadro 11. A verde, destaca-se os resultados que estão num intervalo de ± 5 mm face aos resultados de Brandão et al. (2001), e a vermelho os que estão fora desse intervalo. Precipitação em mm.

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71

4.3.4. Rácios entre precipitação horária máxima e diária máxima com período de retorno de 100 anos

Na Figura 31, representam-se os rácios entre precipitação horária e diária, associados

ao período de retorno de 100 anos, com base nos máximos anuais de precipitação

horária e diária do período compreendido pelos anos hidrológicos de 1961 a 1990.

Tais rácios são directamente comparáveis com os apresentados por Brandão et al.

(2001). Os resultados dos exercícios de simulação em estudo e a proposta de

Brandão et al. (2001).

De modo geral, os rácios dos exercícios de simulação são significativamente inferiores

aos de Brandão et al. (2001), devido aos maus resultados de simulação de

precipitação horária.

Do rácio de Brandão et al. (2001) verifica-se que a razão mais baixa ocorre na Beira

Interior e no Minho, enquanto as razões mais elevadas ocorrem em Trás-os-Montes e

no Alentejo Central. Note-se que as corridas apresentam esse tipo de distribuição:

rácios mais elevados no Centro, Alentejo e Trás-os-Montes.

Os rácios mais elevados são apresentados pelos exercícios de simulação 9 e 10, e os

menores pelos exercícios 12 e 13.

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72

Figura 31 – Em baixo: igual à Figura 30. À direita: isolinhas da relação entre precipitação de 1 hora e diária, no período 1961-

1990, para seis modelos do projecto ENSEMBLES.

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73

5. Cenários de valores máximos de precipitação

5.1. Alterações na precipitação diária máxima com período de retorno de 100

anos

Apresenta-se na Figura 32 as projecções dos seis exercícios de simulação em estudo

para a evolução, ao longo do século XXI, da precipitação diária máxima com período

de retorno de 100 anos, face ao período 1961-1990.

No primeiro período, 2001-2030, as corridas apresentam resultados bastante

díspares. A maioria das corridas (quatro em seis) projecta diminuição no Interior Norte,

entre os -5% e os -25% na maioria dos locais, podendo chegar aos -50%. Na região

de Lisboa, cinco de seis corridas apontam para aumento, contudo, não são

concordante na intensidade do aumento, variando entre os +5% e os +50%. A maioria

dos exercícios de simulação indica aumento no Litoral Norte, entre os +5% e os +50%.

O Sul apresenta resultados muito pouco consistentes, apontando alguns exercícios

para forte incremento e outros para forte diminuição da precipitação extrema.

No segundo período, 2031-2060, as projecções são mais homogéneas face ao

primeiro. As tendências mais comuns entre os exercícios são o aumento da

precipitação no litoral ao longo de todo o país, maioritariamente entre os +5% e os

+25%. Tanto no Algarve como no Alentejo, as corridas apresentam diferentes

resultados, e três de quatro corridas apontam para não alteração substancial, ou

diminuição no Interior Norte. Notoriamente, várias zonas que determinados exercícios

mostravam no primeiro período como sendo de acentuada diminuição de precipitação,

vêm o sinal dessa alteração diminuído, ou mesmo invertido. Destaca-se, o Interior

Centro e o Interior Norte.

No terceiro período, 2061-2090, todos os exercícios de simulação apontam para

aumento no Litoral Norte, Centro, no Sul. A alteração da precipitação no Litoral Norte é

consensual entre os exercícios, situando-se entre os +5% e os +25%. As corridas 7 e

12, as que melhor se ajustam aos registos do período de controlo, apresentam

aumento de precipitação entre +25% e +50% para o Litoral Centro. Quanto ao Sul, os

resultados são pouco concordantes na intensidade da alteração, sendo esta

projectada entre os +5% e os +75%.

Apesar de no início do século os resultados não serem conclusivos, para o final do

século torna-se claro que as corridas projectam aumento significativo da precipitação

diária extrema. Os resultados são mais dispersos no primeiro período, apontando os

vários exercícios para resultados diferentes, contudo, nos períodos seguintes

identificam-se consistências, nomeadamente, o aumento da precipitação no Centro e

Sul do país.

As corridas 7 e 12, apontados como sendo as que melhor que se ajustam às isolinhas

de precipitação diária com período de retorno de 100 anos de Brandão et al. (2001),

apresentam resultados semelhantes no Litoral Centro e no Alentejo. No Litoral Centro,

ambos os exercícios projectam aumento de precipitação entre 5% e 25% no segundo

período em estudo, e entre 25% e 50% no final do século. Quanto ao primeiro período,

os resultados são discordantes: a corrida 7 apresenta grandes variações, entre os -

25% e os +50%, e a corrida 12 projecta aumento entre +5% e +25%. No Alentejo, as

corridas apontam para um aumento entre +5% a +50%. Quanto ao resto do país, os

resultados são discordantes, notoriamente no Algarve.

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74

Precipitação

diária máxima

anual

T=100 anos

2031-2060

2001-2030

2061-2090

Corr

ida 6

1961-1990

Corr

ida 7

Corr

ida 1

2

Corr

ida 1

0

Corr

ida 9

C

orr

ida 1

3

Alterações na

precipitação diária

T= 100 anos

Figura 32 – À esquerda: isolinhas da precipitação diária máxima com período de retorno de 100 anos, para cada um dos seis exercícios em estudo, de acordo com as simulações do período 1961-1990. À direita: alterações da mesma variável nos três períodos do séc. XXI em estudo.

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75

5.2. Alterações na precipitação horária máxima com período de retorno de 100

anos

Conforme referido no capítulo 4.3.3, a qualidade da simulação da precipitação horária

é inferior ao desejado, com resultados francamente subestimados. Uma análise de

tendências pode, no entanto, fornecer indicações úteis.

Comparando os resultados do primeiro período (2001-2030) com a situação de

referência constata-se que dos vários exercícios de simulação climática são pouco

consistentes para o Centro e Sul, mas fortemente concordantes para o Norte. As

alterações projectadas situam-se, na maioria do país, entre os -25% e os +25%.

Quatro de cinco exercícios projectam não alteração, ou alteração até -25% dos

extremos de precipitação horária no Norte.

Para a zona do Algarve, a maioria dos exercícios projecta aumento dos extremos de

precipitação horária, entre os +5% e os +75%. Por outro lado, na zona Centro a

maioria dos exercícios aponta não alteração ou alteração até -25%.

Quanto ao segundo período, 2031-2060, apenas três exercícios apresentam

resultados. Verifica-se não concordância entre eles, à excepção do Alentejo, para

onde se projectam alterações até +50%. No resto do país os resultados são opostos, e

portanto, não conclusivos.

No terceiro período, 2061-2090, os resultados são semelhantes ao segundo.

No Quadro 13 representa-se os resultados da precipitação horária máxima com

período de retorno de 100 anos, para cada um dos pontos A a F, acima definidos,

estimados a partir da precipitação diária máxima e do rácio entre a precipitação horária

máxima e a precipitação diária máxima proposta por Brandão et al. (2001) (Figura 30).

Os valores apresentados têm como base os períodos em estudo, em anos

hidrológicos: 1961 a 1990, 2001 a 2030, 2031 a 2060, 2061 a 2090. Para os períodos

do século XXI representa-se, por meio de um código de cores, se a alteração é

superior a 1 mm, inferior a -1 mm, ou entre este intervalo, face ao período de

referência, 1961 a 1990. Verifica-se que a generalidade dos exercícios apresenta, para

todos os pontos, um aumento da precipitação horária máxima associada a um período

de retorno de 100 anos, especialmente para o final do século, sendo os resultados

semelhantes para período de retorno de 25 anos (não representado).

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76

Alteração na precipitação 1h

com período de retorno 100

anos

Precipitação 1h

com período de

retorno 100 anos

1961-1900

(mm)

Corr

ida 7

1961-1990

2001-2030

2031-2060

2061-2090

Corr

ida 9

C

orr

ida 1

0

Corr

ida 1

2

Corr

ida 1

3

Figura 33 - À esquerda: isolinhas da precipitação horária com período de retorno de 100 anos, para cada um dos seis modelos em estudo, de acordo com as simulações do período 1961-1990. À direita: Alterações nos três períodos do

séc. XXI em estudo.

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77

Quadro 13 – Síntese dos resultados dos exercícios de simulação climática para precipitação horária máxima

com período de retorno de 100 anos, para os pontos A a F. A vermelho representa-se diminuição da precipitação horária superior a 1 mm, face ao período de referência; a azul representa-se aumento superior a 1mm no máximo; e a cinzento representa-se alteração entre +1 mm e -1mm. Precipitação em mm.

1961-90 2001-30 2031-60 2061-90 1961-90 2001-30 2031-60 2061-90

7 15.9 15.7 16.7 20.1 14.6 15.7 16.0 21.3

9 25.1 21.0 - - 18.5 16.0 - -

10 27.2 29.3 - - 23.6 23.3 - -

12 15.8 17.6 15.7 18.8 13.4 12.6 12.3 12.0

13 13.3 13.9 16.3 15.7 8.6 8.0 9.9 11.8

7 17.6 16.6 12.9 14.1 16.1 11.9 29.4 16.4

9 14.1 19.6 - - 34.3 24.0 - -

10 24.1 33.6 - - 27.2 27.0 - -

12 14.8 15.2 19.8 18.9 16.8 17.8 13.8 16.3

13 11.8 11.5 14.6 13.3 9.7 10.8 12.0 12.4

7 13.6 17.0 17.4 19.7 16.2 19.2 26.5 24.4

9 15.7 25.2 - - 22.4 31.9 - -

10 31.1 29.0 - - 22.5 34.2 - -

12 13.7 15.6 16.4 17.9 11.6 12.6 13.8 18.8

13 8.5 11.1 13.5 11.4 11.2 8.8 10.1 10.0

C D

E F

Legenda: +1 mm ≥ ΔP ≥ -1 mmΔP < -1 mm ΔP > +1 mm

A B

Aplicando a metodologia descrita em 4.3.3, nomeadamente, através da Figura 30 e do

Quadro 11, projectam-se os máximos de precipitação horária com período de retorno

de 100 anos - Quadro 14.

De forma semelhante às projecções de precipitação diária, os resultados para o

primeiro período, 2001 a 2030, não são conclusivos, dado os diferentes modelos

apontarem alteração com diferentes tendências. Contudo, para os períodos

subsequentes as projecções são mais homogéneas, apontando para um aumento

significativo no máximo de precipitação horária com período de retorno de 100 anos.

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78

Quadro 14 - Projecções da precipitação horária máxima com período de retorno de 100 anos, com base no

rácio entre precipitação horária e diária proposto por Brandão et al. (2001), para os seis pontos A a F. A azul, evidencia-se os resultados que projectam aumento significativo, superior a 5 mm, a vermelho os resultados que projectam diminuição significativa, superior a 5 mm, e a cinzento os resultados que ficam no intervalo ± 5

mm. Projecções face ao período 1961-1990. Precipitação em mm.

1961-90 2001-30 2031-60 2061-90 1961-90 2001-30 2031-60 2061-90

7 42.5 52.4 48.4 42.4 33.8 30.4 36.1 33.8

9 68.9 74.7 - - 29.5 34.1 - -

10 80.8 69.0 - - 40.7 54.5 - -

12 58.6 62.7 67.7 76.3 36.3 33.2 44.0 44.6

13 49.8 53.6 53.7 60.1 37.8 32.8 38.9 44.6

7 23.7 34.1 30.6 34.7 38.6 31.4 46.3 44.5

9 34.8 32.1 - - 40.0 36.3 - -

10 41.4 39.2 - - 33.3 39.4 - -

12 31.2 37.2 36.9 39.1 47.9 47.8 54.6 46.6

13 29.2 34.9 36.4 32.7 34.4 43.3 42.0 38.6

7 40.7 58.2 44.7 38.2 41.7 59.4 75.5 59.5

9 28.8 33.6 - - 42.7 39.2 - -

10 49.2 43.5 - - 29.3 44.6 - -

12 29.6 43.4 39.5 37.9 31.1 38.8 41.8 39.2

13 37.3 27.1 41.1 39.5 33.2 18.7 26.4 32.2

C D

E F

Legenda: ΔP < -5 mm +5 mm ≥ ΔP ≥ -5 mm ΔP > +5 mm

A B

5.3. Alterações no rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária

máxima

Na Figura 34 representa-se as isolinhas dos rácios da precipitação horária com a

diária, associadas ao período de retorno de 100 anos, com base nas séries de

máximos anuais nos diversos períodos em estudo, para os cinco exercícios de

simulação climática com resultados horários.

Como já discutido, a má representação da precipitação horária pelos exercícios

associada à boa representação da precipitação diária resulta em rácios de

precipitação pouco adequados para a quantificação das tendências nos extremos de

precipitação, contudo, possui utilidade na identificação dessas tendências.

Analisando corrida a corrida, ao longo dos vários períodos em estudo, verifica-se que

a tendência predominante é a de não alteração, com aumento do rácio em alguns

locais. Nas zonas em que o rácio aumenta, uma parte mais substancial da quantidade

de precipitação total do dia (com período de retorno de 100 anos) concentrar-se-á em

períodos mais curtos, evidenciando intensificação da precipitação horária face à

precipitação diária, mesmo considerando que a precipitação diária aumente.

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79

No Quadro 15 apresenta-se, em síntese, os resultados dos rácios para todos os

períodos em estudo. Verifica-se que não existe tendência coerente entre os vários

exercícios, para nenhum dos pontos em estudo.

Quadro 15 – Síntese dos resultados dos exercícios de simulação climática para o rácio entre precipitação horária e precipitação diária, com período de retorno de 100 anos. A vermelho representa-se diminuição do rácio superior a 0.01, face ao período de referência; a azul representa-se aumento superior a -0.01; e a cinzento

representa-se alteração entre +0.01 e -0.01.

1961-90 2001-30 2031-60 2061-90 1961-90 2001-30 2031-60 2061-90

7 0.120 0.096 0.110 0.152 0.176 0.212 0.181 0.259

9 0.117 0.090 - - 0.258 0.192 - -

10 0.108 0.136 - - 0.237 0.176 - -

12 0.086 0.090 0.074 0.079 0.151 0.156 0.115 0.110

13 0.086 0.083 0.097 0.084 0.093 0.100 0.104 0.108

7 0.238 0.156 0.135 0.130 0.171 0.156 0.261 0.151

9 0.129 0.195 - - 0.352 0.271 - -

10 0.186 0.274 - - 0.335 0.281 - -

12 0.152 0.131 0.172 0.154 0.144 0.153 0.104 0.143

13 0.129 0.105 0.128 0.130 0.116 0.103 0.117 0.131

7 0.140 0.123 0.164 0.216 0.182 0.152 0.165 0.193

9 0.229 0.315 - - 0.247 0.382 - -

10 0.266 0.280 - - 0.360 0.360 - -

12 0.194 0.151 0.174 0.199 0.176 0.153 0.156 0.225

13 0.096 0.172 0.138 0.121 0.158 0.221 0.180 0.147

Legenda: Δr < -0.01 +0.01 ≥ Δr ≥ -0.01 ΔP > +0.01

C D

E F

A B

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80

Corr

ida 9

Corr

ida 7

1961-1990

2001-2030

2031-2060

2061-2090 C

orr

ida 1

0

Corr

ida 1

2

Corr

ida 1

3

Figura 34 - Rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária máxima com período de retorno 100 anos

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81

6. Conclusões

Na presente dissertação exploraram-se os resultados das simulações de vários

exercícios de simulação climática integrados no projecto europeu ENSEMBLES,

nomeadamente, os resultados de precipitação horária e de precipitação diária, com o

objectivo de estimar as alterações previstas para essas variáveis ao longo do século

XXI, para Portugal Continental. As projecções apresentadas, sob forma de mapas de

isolinhas de precipitação, permitem considerar de forma objectiva o factor alterações

climáticas para a determinação de caudais de ponta de cheia.

Os resultados apresentados neste trabalho resultam da análise de um conjunto de

exercícios de simulação, concebidos e corridos independentemente, com diferentes

parametrizações, cujos resultados, por vezes e por esse mesmo motivo, nem sempre

são concordantes. Procura-se então, beneficiando do facto de serem vários os

exercícios em estudo, identificar os resultados em comum, considerando-se esses

como sendo projecções com elevada credibilidade.

Os principais resultados são os cartogramas de alteração de precipitação diária

máxima e horária máxima para três períodos do século XXI, face ao período 1961-

1990. A principal aplicação directa dos resultados é contribuir para a estimativa de

caudais de ponta de cheia para o séc. XXI.

Através da análise dos resultados de precipitação horária e diária dos exercícios de

simulação do ENSEMBLES, conclui-se que as corridas exprimem com alguma

qualidade os máximos de precipitação diária ao longo de todo o país, quer em valor

médio, quer em distribuição espacial, destacando-se com particular qualidade as

corridas 6, 7, 9, 10, 12 e 13. Contudo, tal não se verifica com os máximos de

precipitação horária. Os máximos apresentados pelas corridas são significativa e

consistentemente inferiores aos observados. Esta constatação dificulta a estimativa da

evolução futura dos máximos de precipitação horária, contudo, permite estudar a

evolução prevista pelos exercícios de simulação (alteração ou não, e com que sinal).

Consequentemente, em termos qualitativos, os rácios de precipitação horária máxima

por diária máxima são de pouca utilidade, restando apenas a análise de tendências.

A falta de qualidade dos resultados de precipitação horária contrasta com a qualidade

dos resultados de precipitação diária, e tal deve-se ao passo de cálculo temporal, time

step, dos exercícios de simulação climática. De facto, a precipitação horária não é um

output directo das corridas, sendo resultado da desagregação da precipitação diária.

Comprova-se no presente trabalho que as técnicas usadas no projecto ENSEMBLES

para desagregar a precipitação diária em horária não são adequadas, pelo menos,

para a região de Portugal Continental.

Procurou-se arranjar um método que estimasse com alguma qualidade a precipitação

horária a partir da precipitação de diária, tendo-se concluído pela aplicação da

proposta de Brandão et al. (2001) – representada na Figura 30 – sendo os resultados

para o período de retorno de 100 anos. Concluiu-se que a referida metodologia resulta

em estimativas da precipitação horária (com período de retorno de 100 anos)

substancialmente melhor do que os resultados do ENSEMBLES.

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82

A aplicação da referida metodologia ao séc. XXI admite que o rácio entre a

precipitação horária e a diária não se altera, algo pouco verosímil, dado a

complexidade dos fenómenos climáticos e meteorológicos em causa.

Apesar de no início do século os resultados de precipitação diária não serem

conclusivos, com as corridas a projectarem sinais de alteração e magnitudes de

variação diferentes, para o final do século os resultados são mais concordantes,

projectando um aumento significativo dos valores extremos. Tal poderá dever-se à

sobreposição, no curto prazo, da variabilidade natural ao sinal de alteração climática.

Outro resultado importante seria uma conclusão sobre a alteração nos rácios de

precipitação horária máxima por precipitação diária máxima. Contudo, a fraca

qualidade dos dados de precipitação horária não permite retirar conclusões. Esses

resultados seriam particularmente úteis para tentar identificar, e eventualmente

estimar, alteração na distribuição da precipitação ao longo do dia. Tal permitiria

concluir se os eventos mais intensos a esperar se deveriam a precipitações mais

intensas, concentradas numa pequena fracção do dia, ou se resultariam da

acumulação de precipitação ao longo do dia, conclusão particularmente relevante para

as pequenas bacias hidrográficas. A alteração da distribuição da precipitação ao longo

do dia depende exclusivamente do comportamento dos sistemas macroclimáticos, de

difícil compreensão e modelação, sob efeito das alterações climáticas.

Em suma, a presente dissertação projecta o aumento dos máximos de precipitação

diária para o século XXI em Portugal Continental, de forma praticamente generalizada

para todo o país no fim do século. Quanto à precipitação horária, os resultados dos

exercícios de simulação não possuem qualidade suficiente para que as projecções

possam ser feitas com fiabilidade aceitável. As relações estabelecidas para outros

parâmetros, nomeadamente, a precipitação diária máxima, admitindo constância entre

estas relações para o séc. XXI, deixa antever aumento dos máximos de precipitação

horária.

Relativamente a trabalhos futuros, verifica-se nesta dissertação que a qualidade dos

métodos que os modelos climáticos usam para estimar a precipitação horária é

bastante abaixo do desejável, pelo menos para a região de Portugal Continental, pelo

que seria interessante desenvolver tais métodos, que não admitissem estacionaridade

do rácio entre precipitação horária máxima e precipitação diária máxima. Obtendo

cenários mais concretos tornar-se-á necessário estudar eventuais estratégias de

adaptação das estruturas existentes, assim como adaptar os critérios de projecto para

estruturas futuras.

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